TRANSITIVIDADE: UM ESTUDO COM BASE NA · PDF fileO Corpus Discurso & Gramática –...

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  • TRANSITIVIDADE:UM ESTUDO COM BASE NA LINGSTICA FUNCIONAL

    Clia Maria Medeiros BarbosaUFRN/UnP

    INTRODUO

    O presente trabalho se insere no quadro da Lingstica Funcional Contempornea. Nessequadro, a abordagem funcionalista definida como sendo a corrente de estudo do uso interativo dalngua, que busca explicar as regularidades observadas nesse uso a partir das condiesdiscursivas em que se verifica, segundo esclarece Votre (1991: 39).

    Sob o enfoque do paradigma funcionalista, a anlise de uma dada estrutura gramatical dalngua estudada ao mesmo tempo em que se d a situao comunicativa. Tal situao pode serdividida em trs componentes: os propsitos do ato de fala, a interao entre os participantes desseato, bem como o contexto discursivo.

    Ao falar sobre transitividade, baseamo-nos em conceitos e trabalhos j desenvolvidos sobreeste assunto na viso da Lingstica Funcional Contempornea. No entanto, procuramos primeirositu-la em definies j trabalhadas por gramticos tradicionais, Said Ali (1966) e Cunha & Cintra(1985); autores de livros didticos, Ulisses Infante (2001) e Faraco & Moura (2000); bem como porlingistas, Francisco Dias (1999) e Perini (1995). A partir dessas definies e da anlise feita poresses gramticos e lingistas, pudemos verificar e at mesmo discutir tais vises, paraposteriormente centrarmos nossa pesquisa dentro da abordagem funcionalista.

    Assim, situando a transitividade dentro da viso funcionalista, enfocamos a importnciadesse paradigma em estudar a lngua como instrumento de comunicao, priorizando o componentepragmtico, ao qual esto ligados os componentes sinttico e semntico, a fim de termos umadefinio do assunto a partir do contexto em que esteja inserida a sentena. O processo detransitividade foi, ento, discutido e analisado, nesta pesquisa, a partir de estudos desenvolvidos porHopper & Thompson (1980). O Corpus Discurso & Gramtica A Lngua Falada e Escrita naCidade do Natal constitui os dados que foram analisados, alm de trechos com falares populares.

    TRANSITIVIDADE: UM ESTUDO COM BASE NO PARADIGMA DA LINGSTICAFUNCIONAL CONTEMPORNEA.

    1 Transitividade verbal : viso de alguns gramticos tradicionais1.1 Said Ali

    Ao comear a falar sobre transitividade , faz-se necessrio citar o que alguns gramticostradicionais dizem sobre este assunto. Said Ali (1966: 164) define o verbo como uma contexturamorfolgica e a transitividade como um fato relacionado natureza das formas, estando, dessaforma, localizada no captulo que estuda os vocbulos (lexeologia):

    Definido o verbo como palavra que exprime ao ou estado, no se conclui da que esta significao se devaconter toda somente no verbo. Para que isto fosse possvel, seria necessrio possuir nosso idioma umacontextura morfolgica extremamente complexa. Muitos verbos requerem o acrscimo de um termo que lhescomplete o sentido.Chama-se transitivo o verbo cujo sentido se completa com um substantivo usado sem preposio ouocasionalmente com a preposio a .O termo que integra o sentido do verbo transitivo tem o nome de objetodireto ou acusativo e toma a partcula a quando denote ente animado e convenha por essa forma tornar bemclara a funo objetiva do substantivo.Verbos que no admitem acusativo chamam-se intransitivos. E o termoregido de preposio, com que se completa o sentido de verbos intransitivos, d-se de ordinrio o nome deobjeto indireto.

  • Para ele, a lexeologia, como podemos verificar na citao acima, que principiaria aclassificao dos verbos em transitivos e intransitivos. E apenas a informao acerca do tipo decomplemento (direto, indireto e, concomitantemente, direto e indireto), solicitado pelo verbo, quese inseriria no quadro da sintaxe. Assim, a informao lexical do verbo determinaria o tipo derelao da frase. Percebemos, nesse caso, que a transitividade, para Said Ali, encontra-se no nvelda forma.

    1.2 Cunha & CintraCunha & Cintra (1985) trabalham a transitividade verbal a partir da idia de predicado

    verbal, com a viso de verbo significativo, que pode ser transitivo e intransitivo, e que completam osignificado do verbo:

    O PREDICADO VERBAL tem como ncleo, isto , como elemento principal da declarao que se faz dosujeito, um verbo SIGNIFICATIVO. VERBOS SIGNIFICATIVOS so aqueles que trazem uma idia nova aosujeito. Podem ser INTRANSITIVOS: Sobe a nvoa...A sombra desce... (Da Costa e Silva) ; e TRANSITIVO:Ele no me agradece, / nem eu lhe dou tempo. (Fernanda Botelho). (Cunha & Cintra, 1985: 132).

    Observamos que os autores acima situam a transitividade verbal no captulo dedicado sintaxe. Um novo conceito surge, ento, no sentido de integrar as informaes relacionadas formacom as referentes combinatria, que o conceito de processo verbal. Segundo eles, esse processono est inteiramente dentro das formas de verbo, pois se transmite a outros componentes. V-sepresente, nesse caso, a idia de sintagma, a qual contempla o verbo e seus integrantes diretos eindiretos, assim como os elementos secundrios do processo verbal. Como podemos constatar napassagem abaixo:

    1. VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS. Nestas oraes de Agustina Bessa Lus: Vou ver o doente.(OM,206.) Ela invejava os homens.(OM, 207.) a ao expressa por vou ver e invejava transmite-se a outroselementos (o doente e os homens) diretamente, ou seja, sem o auxlio de preposio. So, por isso, chamadosVERBOS TRANSITIVOS DIRETOS, e o termo da orao que lhes integra o sentido recebe o nome deOBJETO DIRETO.2. VERBOS TRANSITIVOS INDIRETOS. Nestes exemplos: Da janela da cozinha, as mulheres assistiam cena. (R . de Queirs, TR, 15) Perdoem ao pobre tolo. (C. dos Anjos, DR, 235) a ao por assistiam eperdoem transita para outros elementos da orao (a cena e o pobre tolo) indiretamente, isto , por meio dapreposio a .Tais verbos so, por conseguinte, TRANSITIVOS INDIRETOS . O termo da orao quecompleta o sentido de um verbo TRANSITIVO INDIRETO denomina-se OBJETO INDIRETO.3. VERBOS SIMULTANEAMENTE TRANSITIVOS DIRETOS E INDIRETOS. Nestes exemplos: O sucessodo seu gesto no deu paz ao Lomba. (M. Torga, NCM, 51.) Apenas lhe aconselho prudncia (C. de Oliveira,CD, 94.) a ao expressa por deu e aconselho transita para outros elementos da orao, a um tempo, direta eindireta. Por outras palavras: estes verbos requerem simultaneamente OBJETO DIRETO e INDIRETO paracompletar-lhe o sentido. (Cunha & Cintra, 1985: 132-33)

    Ao longo do captulo relacionado transitividade verbal, esse assunto vai estar no nvel dafrase. H nessa idia a concepo de sintagma, a qual contempla o verbo e seus integrantes diretose indiretos com a presena ou no de uma preposio. Contudo, chama-nos ateno a observaoque os autores fazem quando afirmam que a anlise da transitividade verbal deve ser feita de acordocom o texto, e no isoladamente (Cunha & Cintra, 1985: 134):

    A anlise da transitividade verbal feita de acordo com o texto e no isoladamente. O mesmo verbo pode estarempregado ora intransitivamente ora transitivamente; ora com objeto direto, ora com objeto indireto.Comparem-se estes exemplos:Perdoai sempre [ = intransitivo]Perdoai as ofensas [ = transitivo direto]Perdoai aos inimigos [ = transitivo indireto]Perdoai as ofensas aos inimigos [ = transitivo direto e indireto]

    Percebemos, ento, que Cinta e Cunha (1985) j comeam a ver a transitividade verbal nos no nvel da sintaxe, mas dentro de uma situao que pode mudar de acordo com o uso, pois j a

  • transferem para o nvel do discurso. No entanto, eles no discutem tal situao, deixando-a emaberto no captulo.

    2 Transitividade: a viso de gramticos de livros didticos2.2 Ulisses Infante

    Assim como Cunha & Cintra (1985), Infante (2001) tambm situa a transitividade nocaptulo referente sintaxe. Para introduzir o assunto, o autor utiliza o poema Dependncia, daMrio Chamie, em que afirma que tal poema mostra como o processo expresso pelo verbodepender no se encerra em si mesmo, haja vista que se depende de algo ou depende de algum:Em outros palavras: depender no simplesmente depender, mas sim depender de algo oudepender de algum. Para se obter uma unidade de significao completa, necessrio explicitaraquilo ou aquele de que se depende (Infante, 2001: 440).

    A noo de dependncia trabalhada por Infante(2001) para justificar que entre o verbo e ostermos com os quais ele forma um todo significativo h uma relao de significao,caracterizando, assim, a transitividade: Entre o verbo e os termos com que ele constituem um todosignificativo existe uma relao que recebe o nome de transitividade. Essa relao baseia-se nasignificao das palavras o sentido transita do verbo para o seu complemento e vice-versa(Infante, 2001: 440).

    Para o autor, a transitividade a relao de transferncia da ao do verbo para o seucomplemento e/ou deste ao verbo. Vemos nesse caso, o mesmo conceito de transitividade abordadopor Cunha & Cintra (1985).

    Ao relacionar a transitividade noo de transferncia o sentido transita, Infante (2001)mais uma vez se volta ao poema dependncia para explicar que na lngua a relao de sentido entreo verbo e seus complementos de extrema importncia: Como o texto nos mostra, a importnciados termos que complementam to grande quanto a importncia dos termos complementados: narealidade, o que fundamental para o funcionamento apropriado da lngua a relao estabelecidaentre uns e outros.(Infante, 2001: 440)

    Nesse sentido, percebemos que mais uma vez o autor tem a mesma posio de Cunha &Cintra (1985), onde a transitividade no uma propriedade categrica do verbo, no est marcadano lxico. Esta depende,pois, do uso que o falante faz da lngua. O verbo pode ser ou no usadotransitivamente, de acordo com o contexto. Tal posicionamento ratificado pelo autor na forma deobservaes:

    A transitividade de um verbo s pode ser efetivamente determinada num dado contexto. Observa nas oraesseguintes como um mesmo verbo pode apresentar transitividade diferente de acordo