TRATADOS INTERNACIONAIS NO BRASIL E …sergiomouraocorrealima.com/livros/Tratados Internacionais no...

232
TRATADOS INTERNACIONAIS NO BRASIL E INTEGRAÇÃO

Transcript of TRATADOS INTERNACIONAIS NO BRASIL E …sergiomouraocorrealima.com/livros/Tratados Internacionais no...

TRATADOS INTERNACIONAISNO BRASIL E INTEGRAÇÃO

SÉRGIO MOURÃO CORRÊA LIMAProfessor de Direito Internacional da Faculdade de Direito Milton Campos; Professor

do Curso de Especialização em Direito Comercial na Universidade Federal deUberlândia; Examinador de Direito Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil -

Seccional Minas Gerais; Membro do Conselho Cientifico da ECSA - EuropeanCommunity Studies Association ~ Brasil; Pós-Graduado em Comércio Exterior UNA -União de Negócios e Administração; Doutorando em Direito na Universidade Federal

de Minas Gerais; Advogado.

TRATADOS INTERNACIONAISNO BRASIL E INTEGRAÇÃO

:«««««EDITORALrc

SÃO PAULO:«««««

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Lima, Sérgio Mourão CorrêaTratados internacionais no Brasil e integração / Sérgio

Mourão Corrêa Lima. - São Paulo: LTr, 1998.

Bibliografia.ISBN 85-7322-510-6

I. Brasil - Tratados 2. Mercosul 3. Tratados I. Titulo.

98-3183 CDU-341.24(81)

Índices para catálogo sistemático:

I. Brasil: Tratados internacionais: Direitointernacional 341.24(81)

Produção Gráfica: LTrComposição: LINOTECImpressão: VIDA E CONSCIÊNCIA

(Cód. 1746.3)

©Todos os direitos reservados

EDITORA LTDA.

Rua Apa, 165 - CEP 01201-904 - Fone (011) 826-2788 - Fax (011) 826-9180São Paulo, SP - Brasil- www.ltr.com.br

1998

Aos meus pais,meu suporte;

à Roberta,minha amiga;

aos meus alunos,minha inspiração;

à Faculdade de Direito Milton Campos,minha casa.

Índice

Prefácio......................................................................................... 11Apresentação................................................................................ 13

Breve Histórico dos Tratados 15

Variantes Terminológicas 17

Natureza Obrigacional dos Tratados 18

Procedimento dos Tratados 21Negociação 21Assinatura................................................................................. 22Aprovação 25Ratificação 30Promulgação e Publicação 33

Estatura Hierárquica dos Tratados.... 37Lei Federal: Lei Complementar e Lei Ordinária 41Tratado: Lei Complementar e Lei Ordinária 43Tratados sobre Matéria Tributária 46Tratados sobre Direitos Humanos 46Tratados e a Função do Poder Judiciário 47

Supranacionalidade de Normas 48O Estado 48Supranacional idade 49Supranacional idade Voluntária 49Transferência de Competências 50Supranacionalidade das Normas de Tratados Internacionais 51

Organizações Internacionais 52

Direito Internacional Originário e Derivado 56Personalidade Originária x Personalidade Derivada 56Processo Decisório 56Direito Originário x Direito Derivado 59Variantes Terminológicas 59Natureza Consensual do Direito Derivado 60

8 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Produção do Direito Internacional Derivado 60Incorporação do Direito Internacional Derivado no Plano In-

terno Brasileiro.................................................................... 62Órgão Jurisdicional.................................................................. 62

Organizações Internacionais Supranacionais 64Ordem Jurídica Supranacional............................................... 64Supranacionalidade Legislativa, Jurisdicional e Executiva. 66Soberania 67Soberania x Autonomia 69Antigos Caracteres da Soberania 70Delegação de Poderes 70Recepção de Poderes 72Manifestação de Vontade dos Estados - Adequação Interna 73Manifestação de Vontade da Organização Internacional...... 73Princípios Característicos da Supranacionalidade de Normas 75Propósitos das Normas Supranacionais 79Caracteres Atuais da Soberania 81

Tratados e Decisões do Mercosul no BrasiL............................. 84Vontade dos Estados-Membros do Mercosul........................ 84Vontade da Organização Internacional Mercosul................. 88

Manifestações da Integração 90Integração Comercial............................................. 91

Área ou Zona de Livre Comércio 91Regime de Exceções 92União Aduaneira 93Regime de Adequações.... 93Regras de Concorrência 94Direitos do Consumidor...................................................... 96

Integração Econômica 97Mercado Comum 98Direito de Integração x Direito Comunitário 100

Integração Monetária... 101Política Monetária Comum - Moeda Única 103

Integração Financeira 104Política Financeira Comum 106Seguridade Social................................................................ 107

Integração Administrativa 108Política Agrícola Comum 111

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 9

Integração Política 112Organização Internacional Federal.................................... 113

Flexibilidade do Processo de Integração 116Forma e Cronologia 116Implementação da Supranacionalidade 120

Globalização x Regionalismo 123

Estudo do Caso I: O GATT ~ Acordo Geral sobre Tarifas eComércio 128O GATT ~ Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ~ 1947 128Barreiras ao Comércio Internacional..................................... 129Dispositivos do GATT 129A Cláusula da Nação mais Favorecida 132Exceção à Cláusula da Nação mais Favorecida..................... 133O Princípio da Igualdade 134Eliminação das Restrições Não-Tarifárias 135Limitação de Alíquotas Instituída em Lista 136Vigência no Brasil................................................................... 137As Rodadas de Negociação 137A OMC ~ Organização Mundial do Comércio 138Vigência no Brasil...................................... 140O GATT ~Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ~ 1994 141As Condições e os Limites Estabelecidos em Lei................ 144

Estudo do Caso lI: O Protocolo de Las Lefías 146Elementos dos Estados............................................................ 146O Poder Judiciário e a Soberania 147Decisão (lato sensu): Sentença e Despacho 149Exequatur (lato sensu) 149Homologação de Sentença Estrangeira 150Exequatur (stricto sensu) 151Homologação de Sentença Estrangeira x Exequatur (stricto

sensu) 151O Procedimento de Homologação de Sentença Estrangeira 152O Procedimento de Exequatur (stricto sensu) 154A Constituição Federal de 1988 e o Protocolo de Las Lefías. 155A Interpretação do Supremo Tribunal FederaL................ .... 155

Estudo do Caso III: Monismo e Dualismo................................. 158Forma de Transmissão das Medidas Cautelares entre os Es-

tados-Partes do Mercosul................................................... 159

la Sérgio Mourão Corrêa Lima

o Objetivo do Protocolo de Medidas Cautelares 159Legislação Aplicável às Medidas Cautelares 160Exequatur (stricto sensu) 160As Teorias Monistas e Dualistas............................................. 171Efeitos Práticos do Monismo e do Dualismo 173Aplicabilidade Direta e Primazia de Normas 174Construção JurisprudenciaL................................ 177

Bibliografia 181

Anexo I: Tratado de Assunção 187

Anexo 11: Protocolo de Ouro Preto 204

Anexo III: Protocolo de Las Lefias 217

Anexo IV: Protocolo de Ouro Preto (sobre Medidas Cautelares) 225

Prefácio

A ocasiao em que este livro vem a público não poderia sermelhor. Ele é parte do impulso com que se restaura no Brasil, já nofinal do século, o interesse pelo direito internacional, sacrificado aolongo de muitos anos do nosso passado recente, não por acaso umperíodo sombrio de nossa história.

No quadro do direito das gentes, o livro associa um dos gran-des temas clássicos, o direito dos tratados, ao que de mais atual edinâmico se desenha agora entre as realidades - não mais no domí-nio do puro idealismo latino-americano -, a integração.

O livro ajuda a entender o processo integrativo e a liquidar astantas perplexidades que todo jurista, afeiçoado ao culto da sobera-nia, enfrenta ao ver insinuar-se em cena o fantasma da supranacio-nalidade - ainda que a construção de um direito comunitário nãoconduza necessariamente a isso.

Sérgio Mourão Corrêa Lima não me surpreende com a extra-ordinária seriedade de sua obra: ela condiz com o início precoce desua carreira universitária, e com a justa expectativa dos que acom-panhavam seus passos. O autor seguramente há de produzir mais noterreno científico de sua escolha sensata e oportuna, e isso nos traza todos uma grande esperança.

Haia, 2 de julho de 1998.Francisco Rezek

Apresentação

o dicionário da língua portuguesa nos apresenta os verbos "sa-ber" e "entender".

saber v. 1. 1. Ter conhecimento, ciência, informação ounotícia de. 2. Ter a certeza de. 3. Ser instruído em. 4. Ter a certe-za de (coisa futura); prever. Int. 5. Ter erudição, sabedoria'!'.

entender v. 1. 1. Ter idéia clara de; compreender. 2. Terexperiência ou conhecimento de. 3. Achar, pensar, concluir. 4.Alcançar a significação, o sentido, a idéia de. 5. Ouvir, perce-ber. 6. Aplicar-se, ocupar-se. 7. Travar e/ou manter entendi-mento. Sm. 8. Entendimento'".

À primeira vista, ambos parecem comportar as mesmas cono-tações. Entretanto, o fato de uma pessoa "Ter conhecimento, ciên-cia, informação ou notícia de" não significa que esta esteja apta a"Alcançar a significação, o sentido, a idéia de". Para tanto seria ne-cessário "Achar, pensar, concluir".

No Brasil não é raro o prestígio da "erudição" em detrimentodo "entendimento". A objetividade, a simplicidade e a clareza dãolugar ao reinado das elucubrações surrealistas.

Afirmativas pomposas, ainda que de muito pouca lógica, sãorepetidas por um batalhão de pessoas que sabem mas não entendem.É mais cômodo ler e repetir.

Ler, pensar e criar é mais trabalhoso, porém bem mais huma-no. Mais adequado à razão, único fator que nos distingue dos de-mais seres do reino animal.

Por essas razões, me abstenho da pompa e circunstância emfavor de uma linguagem sistêmica e pouco elaborada. Acredito que

(l) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro, Nova Fron-teira, 1977, p. 427.(2) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro, Nova Fron-teira, 1977, p. 185.

14 Sérgio Mourão Corrêa Lima

só assim poderei contribuir de alguma forma para o fim do anoni-mato do Direito Internacional no Brasil.

O Professor Jorge Fontoura nos apresenta um quadro "clínico"muito delicado. Afirma que "Em nosso País, de fato, na graduaçãouniversitária, o ensino do 'direito das gentes' estava totalmente de-gradado, passando comumente a matéria facultativa, com professo-res improvisados e desmotivados ... Foi neste contexto que o Profes-sor Celso de Alburquerque Mello, em antológico prefácio à 8ª edi-ção de seu Curso de Direito Internacional Público, já não mais emsua tradicional editora, picarescamente denunciava a nudez do rei:enquanto o Brasil assinava tratados de integração e se propunha aomundo como País moderno e aberto, o Direito Internacional agoni-zava, desconsiderado pela própria comunidade jurídica, sem espaçoe sem perspectiva'<".

Este quadro é agravado pelo enfoque atribuído ao Direito In-ternacional Público. Seus efeitos no dia-a-dia dos práticos do Direi-to são preteridos em favor de noções relevantes, mas que melhor sesituariam em salas de aula dos cursos de Relações Internacionais,História ou, até mesmo, Filosofia.

Esse contexto faz raros os advogados que alegam tratados in-ternacionais em suas petições. Ainda que o fizessem, poucos seriamos magistrados que não se curvariam às noções absolutas e antiqua-das de soberania para negar vigência às normas internacionais, mes-mo que internalizadas adequadamente.

Seguem aqui, algumas considerações que levam o pretensiosoobjetivo de contribuir para a reversão dessa desoladora paisagem.

(3) FONTOURA, Jorge. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - EstruturaJurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 10.

Breve Histórico dos Tratados

o contexto internacional que se apresenta atualmente apontapara uma revitalização do Direito Internacional. "A formidável re-valorização, no entanto, das disciplinas jurídicas vocacionadas à novadinâmica das relações interestatais, a maciça inclusão de questõesde Direito Público Externo nos concursos jurídicos e a abertura deum sem-número de cursos de pós-graduação nesse mesmo âmbitosinalizam claramente para o que todos sabemos ser o inelutável efeito- integração'v".

Apesar de estar em voga atualmente, o Direito InternacionalPúblico nada tem de recente no que tange à sua origem.

"O acordo mais antigo de que se tem notícia e existe documenta-ção é aquele celebrado em 3200 a.C. entre as cidades de Lagash eUmma através do qual ambas fixam suas fronteiras depois de umaguerra e segundo a interpretação de alguns autores também consenti-ram em submeter suas diferenças à decisão do Senhor da cidade deKish. Um convênio muito completo em seu conteúdo, muito antigotambém ainda que mais próximo no tempo e no estado de conserva-ção da documentação, é aquele celebrado entre Ramsés 11Faraó, doEgito, e Kattussil I1I, rei dos Hititas, pelo qual ambos os soberanosacordam sobre a repartição de zonas de influência, extradição de ini-migos políticos e asilo, fixação de fronteiras, compromissos de paz,amizade e aliança e sobre outros temas diversos (2), o que demonstraque já ao redor dos 2500 a.c. as normas destinadas a regular as rela-ções entre Centros de Poder alcançavam campos distintos e vastos''?'.

(4) FONTOURA, Jorge. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - EstruturaJurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. li.(5) "EI acuerdo más antiguo de que se tiene noticias y existe documentación es el celebradoen el 3200 a.c. entre las ciudades caldeas de Lagash y Umma por el cu ai ambas fijan susfronteras después de una guerra y según la interpretación de algunos autores también convienenen someter sus diferencias a la decisión dei Sefíor de la ciudad de Kish. Un convenio muycompleto en su contenido, muy antiguo también aunque más cercano en el tiempo y deI quese conserva la documentación, es le celebrado entre Ramsés 11Faraón de Egipto y KattussilIH rey de los Hititas por el cual ambos soberanos acuerdan sobre reparto de zonas de influen-cia, extradición de enemigos políticos y asilo, fijación de fronteras, compromisos de paz,amistad y alianza y sobre otros diversos temas (2), lo que demuestra que ya alrededor deI

16 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Algumas manifestações de relacionamento internacional seapresentaram entre a Antigüidade e os séculos XVI e XVII.

Heber Arbuet Vignali destaca que "Um novo capítulo das rela-ções internacionais se abrirá entre os Séculos XVI e XVII para che-gar até princípios do Século XX. Neste aparecem e se desenvolveminstrumentos políticos e regras jurídicas que mantêm vigência atéhoje. É por isto que a partir do Século XVII se pode empregar semnenhum questionamento a terminologia moderna" (6).

"Recentemente, depois de 1945 e em especial a partir da déca-da de 1960, é que se produzirão nas relações internacionais mudan-ças substanciais que em alguns campos fizeram variar a equação depoder até então existente'<".

O Ministro Francisco Rezek destaca dois fenômenos que seapresentaram neste século: "a entrada em cena das organizações in-ternacionais, no primeiro pós-guerra - fazendo com que o rol daspessoas jurídicas de direito das gentes, habilitadas a pactuar no pla-no exterior, já não mais se exaurisse nos Estados soberanos -; e acodificação do direito dos tratados, tanto significando a transfor-mação de suas regras costumeiras em regras convencionais, escri-tas, expressas, elas mesmas no texto de um tratado'<".

2500 a.c. Ias normas destinadas a regular las relaciones entre Centros de Poder alcanzabandistintos y vastos campos"VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional

Público, tomo I. Montevideo, [cu, 1996, p. 29.

(6) "Un nuevo capítulo de las relaciones internacionales se abrirá entre los Siglos XVI yXVII para llegar hasta principios del Siglo XX. En él aparecen y se desarrollan instrumen-tos políticos y regIas jurídicas que mantienen vigencia hasta hoy. Es por ello que a partirdeI Siglo XVII puede emplearse sin ningún cuestionamiento la terminologia moderna."VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho InternacionalPúblico, tomo I. Montevideo, [cu, 1996, p. 44.(7) "Recién después de 1945 y en especial a partir de la década de 1960 es que se produciránen las relaciones internacionales cambios sustanciales que en algunos campos harán variarla ecuación de poder hasta entonces existente"VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho InternacionalPúblico, tomo I. Montevideo, [cu, 1996, p. 64.(8) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 12/13.

Variantes Terminológicas

"Tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de Di-reito Internacional Público e destinado a produzir efeitos juridicos"?'.

Compreendidos desta forma, os tratados comportam algumasvariantes terminológicas. Dentre seus principais sinônimos, podemosdestacar: "acordo ... carta ... convenção, declaração ... protocolo'<''".

Como exemplo temos:

- Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 (Mercosul).- Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 30 de outu-

bro de 1947 (GATT).

- Carta da ONU - Organização das Nações Unidas de1945.

- Convenção de Viena de 23 de maio de 1969 (sobre odireito dos Tratados).

- Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10de dezembro de 1948.

- Protocolo de Ouro Preto de 17 de dezembro de 1994(Mercosul).

(9) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 14.(10) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 16/17.

Natureza Obrigacional dos Tratados

"Duas são ... as espécies de pessoas reconhecidas pela ordemjurídica: a pessoa natural, também chamada pessoa física ... e a pes-soa jurídica'v'!'.

Pessoas físicas ou jurídicas podem acordar suas vontades. Porexemplo, José pretende vender um veículo de sua propriedade. Ma-ria tem o intuito de comprar o carro de José. As vontades, nessecaso, estão em sentidos opostos:

< :>Assim, José e Maria acordam suas vontades. O acordo de von-

tades é chamado contrato, conforme se depreende das noções maiselementares de Direito de Obrigações. Vejamos a definição apre-sentada por Orlando Gomes:

"o acordo de vontades necessário ao nascimento da relação ju-rídica obrigacional'"!",

"Tal como as pessoas físicas no plano interno, os Estados, noplano internacional, também podem celebrar contratos. Quando ce-lebrados entre nações, esses contratos são chamados Tratados Inter-nacionais. Por intermédio destes, os países assumem obrigações unspara com os outros" (13).

Também no plano interno brasileiro, pessoas físicas e jurídicaspodem acordar vontades que estejam no mesmo sentido. Por exem-plo, Maria pretende constituir uma empresa com determinado objeto.José também tem o propósito de constituir uma empresa com o mes-mo objeto. Nesse caso, as vontades se orientam em sentido único:

>>(li) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civif- Parte Geral. São Paulo,Saraiva, 1962, p. 59.(12) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 18.(13) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo ~ Mercosul x União Euro-péia. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996,p.213/214.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 19

Assim, Maria e José acordam suas vontades, constituindo umapessoa jurídica distinta das pessoas físicas de seus sócios. Nesse caso,o acordo de vontades é chamado contrato social.

"Estados como a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguaitambém podem associar-se através de Tratado Internacional de [As-sociação ou] Sociedade ... Uma vez conferida personalidade jurídi-ca de Direito Internacional Público aos Tratados Internacionais de[Associação ou] Sociedade, estes se transformam em Organiza-ções Internacionais'<!",

Percebe-se, portanto, que os Tratados Internacionais, tais comoos Contratos, têm natureza obrigacional. Aliás, Celso AlbuquerqueMello já destacara "a contribuição do direito civil ao direito interna-cional público" em artigo em que afirmou que "o Direito é um só ea divisão em diversos ramos, respectivos, é meramente didática. Ochamado Direito Civil dentro desta ótica ... deu uma das mais im-portantes contribuições ao Direito Internacional Público'"!",

Essa contribuição é evidente no que tange ao Direito de Obri-gações. Vejamos as definições de Contratos e de Tratados Interna-cionais apresentados pelos Professores Washington de Barros Mon-teiro e Francisco Rezek:

Contrato Tratado Internacional

"Acordo de vontades que tem por "Tratado é todo acordo formal con-fim criar, modificar ou extinguir um cluldo entre sujeitos de direito in-direito "(16). ternacional público, e destinado a

produzir efeitos jurídicos "(17)

Dessa forma, podemos concluir que se aplicam aos TratadosInternacionais os mesmos princípios básicos do Direito de Obriga-ções. No momento de formação do contrato, "o princípio da autono-mia da vontade'"!", e, posteriormente à sua celebração, notadamen-te o "poeta sunt servanda "(19).

(14) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo - Mercosul x União Européia. InRevista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996, p. 213/214.(15) MELLO, Celso D. de Albuquerque. A Contribuição do Direito Civil ao Direito Inter-nacional Público. In Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Caio Mário da SilvaPereira. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 220.(16) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civif- 2º Volume. São Paulo,Saraiva, 1962, p. 5.(17) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 14.(18) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil >« 2º Volume. São Paulo,Saraiva, 1962, p. 9.(19) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - 2º Volume. São Paulo,Saraiva, 1962, p. 10.

20 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Distinções existem quanto à formalidade, quanto aos sujeitosde direitos envolvidos ("atores"(20)) e quanto ao procedimento.

Enquanto "o tratado internacional não prescinde da forma es-crita, do feitio documental'V", "a manifestação da vontade, nos con-tratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa'V".

Enquanto, no plano interno "qualquer pessoa pode contratar,desde que não seja absolutamente incapaz'V", no âmbito interna-cional, "as partes, em todo tratado, são necessariamente ... os Esta-dos soberanos '" e as organizações internacionais'P".

Também o procedimento ao qual os tratados internacionais sãosubmetidos não corresponde àquele dos contratos.

Nos contratos, em regra, o acordo de vontades se implementaem um único momento, independendo de confirmação ou ratifica-ção. Trata-se da assinatura.

Como exemplo temos: Pedro quer comprar um determinadoequipamento de propriedade de Joaquim pelo preço de R$1.000,OO.Joaquim quer vendê-lo por essa quantia. Ocorre, assim, o acordo devontades e o contrato é implementado.

No caso dos tratados internacionais clássicos, em regra, pode-mos "detectar duas fases de expressão do consentimento das partes,este entendido como prenunciativo na primeira, a da assinatura, ecomo definitivo na segunda, a da ratificação'Y",

Assim, se Brasil e Uruguai pretendem celebrar um tratado inter-nacional para determinada finalidade, devem expressar suas vontadesou seu consentimento em dois momentos distintos. Inicialmente, atra-vés da assinatura do tratado, e posteriormente, através da ratificação.

Ratificar significa "confirmar autenticamente, validar (o quefoi feito ou prometido )"(26).

(20) REZEK, Franciwco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 18.

(21) REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 17.(22) Código Civil Brasileiro, artigo 1.079.(23) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - 22 Volume. São Paulo,Saraiva, 1962, p. 6.(24) REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 18.(25) REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 27.(26) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portu-guesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 1454.

Procedimento dos Tratados

o procedimento a que o Tratado Internacional deve submeter-se para surtir efeitos no Brasil pode ser representado pelo seguinteorganograma:

PLANO INTERNACIONALratificação

vigência no planointernacional

aprovação

assinaturanegociação-------------+- - - - - - - - - - --

vigência no planonacional

promulgação (decreto executivo)+

publicaçãoPLANO INTERNO

Inicialmente, cumpre destacar que os planos internacional einterno brasileiro estão representados, respectivamente, acima e abai-xo do organograma.

Temos, seqüencialmente:

I ª Fase: Negociação (plano internacional)I Q Momento: Assinatura (plano internacional)2ª Fase: Aprovação (plano interno)2Q Momento: Ratificação (plano internacional)2Q Momento: Promulgação e Publicação (plano interno)3ª Fase: Vigência (plano internacional)3ª Fase: Vigência (plano interno)

1ª Fase: Negociação(Plano Internacional)

O comprometimento, tanto no caso dos contratos quanto nocaso dos tratados, é precedido de uma fase negocial onde as partes

22 Sérgio Mourão Corrêa Lima

envolvidas verificam a compatibilidade dos interesses em causa. Nostratados internacionais esta etapa ganha uma conotação política,entrando em cena toda a habilidade e talento dos agentes diplomáti-cos dos Estados e Organizações Internacionais.

Eduardo Jiménes de Aréchaga ensina que na fase de negocia-ção "os tratados se elaboram por escrito, em um procedimento denegociação de suas cláusulas, que, no caso dos acordos multilate-rais, se leva a cabo em conferências internacionais ou em órgãosinternacionais preexistentes, como pode ser a Assembléia Geral dasNações Unidas, por exemplo .... As negociações culminam com aadoção do texto do tratado'<"!

Dentre os pontos que podem consistir em objeto de negociaçãoestá a fixação do quorum de ratificação do tratado. Os Estados queestejam participando da negociação podem estipular necessária aratificação por parte de um número determinado de Estados, paraque o tratado ganhe vigência no plano internacional.

1g Momento: Assinatura(Plano Internacional)

"Assim se chega a um momento em que é necessário estabele-cer de forma autêntica o texto que se tenha negociado. Isto se leva acabo, tradicionalmente, por meio de assinatura do tratado por repre-sentantes autorizados das partes que hajam participado das negocia-ções ou da conferência ou órgão onde se tenha elaborado'tv",

No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 não deixadúvidas quanto à competência para a assinatura de tratados inter-nacionais:

(27) "Por ello, por regia general, los tratados se elaboran por escrito (2), en un procedi-miento de negociación de sus cláusulas, que, en el caso de los acuerdos multilaterales se\leva a cabo en conferencias internacionales o en órganos internacionales preexistentes,como puede ser la Asamblea General de las Naciones Unidas, por ejemplo .... Lasnegociaciones culminan con la adoptión deI texto dei tratado."ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montevideo,fcu, 1996, p. 208.(28) "Se llega asl a un momento en que es necesario establecer cn forma autêntica, el textodei acuerdo que se ha negociado. Esta se \leva a cabo, tradicionalmente, por media de lafirma del tratado por representantes autorizados de las partes que han participado en lanegociación o en la conferencia u órganos donde se elaboró (3)."ARÉCHAGA, Eduardo Jirnénes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montevideo,fcu, 1996, p. 208/209.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 23

"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Re-pública:

VII - manter relações com Estados estrangeiros e acre-ditar seus representantes diplomáticos;

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacio-nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional".

Constata-se, dessa forma, que o Presidente da República podeconferir a um representante diplomático a competência para cele-brar tratados.

No plano interno dos Estados, pessoas físicas ou jurídicas po-dem conferir poderes a um procurador, mediante instrumento de pro-curação ad nego tia, para a celebração de um contrato.

Da mesma forma, no plano internacional, o Presidente da Repú-blica pode conferir plenos poderes a um representante diplomático,mediante carta de plenos poderes, para a celebração de um tratado.

Francisco Rezek destaca que alguns representantes diplomáticosnão necessitam de carta para que sejam investidos de plenos poderes.São eles o Ministro das Relações Exteriores e os chefes de missãodiplomática. Estes últimos, entretanto, somente em "tratados bilate-rais entre o Estado acreditante, que envia o representante diplomáti-co, e o Estado acreditado, que recebe o representante diplomático'Y".

ReservasOs Estados que tomaram parte na negociação do tratado inter-

nacional podem não estar de acordo com todo o seu conteúdo. As-sim, deixam de manifestar seu consentimento quanto aos dispositi-vos com os quais não concordem.

Para tanto, o método adequado é a adoção de reservasv'", "Seentende por 'reserva', uma declaração unilateral ... feita por um Es-

(29) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 38.(30) Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados - 1969:

"Artigo 19Formulação de Reservas

Um Estado pode, ao assinar, rati ficar, aceitar, aprovar um tratado, ou a ele aderir, formularuma reserva, a não ser que:a) a reserva seja proibida pelo tratado;b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quaisnão se inclui a reserva em pauta, ouc) nos casos que não sejam previstos nas alíneas a e b, a reserva seja incompatível com oobjeto e a finalidade do tratado".

24 Sérgio Mourão Corrêa Lima

tado ao assinar, ratificar ... ou aprovar um tratado ... com o objetivode excluir ou modificar os efeitos jurídicos de certas disposições dotratado em sua aplicação quanto a este Estado'<"!

A Lei Uniforme de Genebra sobre letras de câmbio e notas pro-missárias é exemplo de tratado firmado pelo Brasil, com apresenta-ção de reservas.

EfeitosQuanto ao momento em que passam a surtir efeitos, os tratados

internacionais e os contratos costumam divergir.

Os contratos, em regra, produzem efeitos "com o simples acor-do de vontades"?", que se manifesta no momento de sua assinatura.A exceção consiste nos contratos "afetado[s] de condição suspensi-va"(33).Assim, o vínculo obrigacional somente operará seus efeitosse concretizada a condição suspensiva.

Por sua vez, os tratados internacionais em regra não produzemefeitos a partir da assinatura. Estes trazem consigo algumas condi-ções que "suspende[m] o começo da execução do ... [tratado], talcomo se dá '" [no caso de] condição suspensiva"(34) de contrato.

Assim, geralmente os tratados internacionais apresentam algu-mas condições para a produção de efeitos tanto no plano externoquanto no plano interno dos Estados que os tenham assinado.

No plano internacional, os requisitos são:

• a aprovação (Plano Interno);

• a ratificação (Plano Externo); e

• o atendimento do quorum (Plano Externo).

(31) " 'Se entiende por 'reserva' una declaración unilateral, cualquiera que sea su enuncia-do o denominación, hecha por un Estado aI firmar, ratificar, aceptar o arrobar un tratado oal adherirse a él, con objeto de excluir o modificar los efectos jurídicos de ciertas disposi-ciones del tratado en su aplicación a ese Estado' (art. 2, inc. 1, d, de l Convenio/968)."ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montevideo,fcu, 1996, p. 216.(32) "Les contrats consensue1s se concluent par le seul accord des volontés ..."- Précis de Droit Civil, tome 11. Paris, Dalloz, 1936, p. 14.(33) STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. São Paulo, Revista dosTribunais, 1992, p. 141.(34) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 196.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 25

No âmbito interno brasileiro, são necessárias:

• a aprovação (Plano Interno);• a ratificação (Plano Externo);• o atendimento do quorum (Plano Externo); e• a promulgação (Plano Interno).

2ª Fase: Aprovação(Plano Interno)

Uma vez negociado e assinado o tratado internacional, "tantopode o chefe do governo mandar arquivar, desde logo, o produto aseu ver insatisfatório de uma negociação bilateral ou coletiva, quan-to determinar estudos mais aprofundados na área do Executivo, atodo momento; e submeter quando melhor lhe pareça, o texto à apro-vação do Congresso. Tudo quanto não pode o presidente da Repúbli-ca é manifestar o consentimento definitivo, em relação ao tratado,sem o abono do Congresso Nacional">'.

A aprovação congressional pode ser comparada a uma condi-ção suspensiva constante de um contrato celebrado entre particula-res - pessoas físicas ou jurídicas. O vínculo obrigacional somenteoperará seus efeitos se concretizada a condição suspensiva. O Pro-fessor Orlando Gomes explica que "a ineficácia pode ser transitóriaou permanente. É transitória se o obstáculo apenas suspende o co-meço da execução do contrato, tal como se dá quando se subordina asua eficácia a uma condição suspensiva'P".

A necessidade de "referendo do Congresso Nacional "(37) estáprevista pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 84, incisoVIII, que assim dispõe:

"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Re-pública:

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacio-nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional".

(35) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 69.

(36) GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 196.(37) Constituição Federal brasileira de 1988, artigo 84, VIII.

26 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Também o artigo 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988dispõe sobre o assunto:

"Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso N a-cional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ouatos internacionais que acarretem encargos ou compromissosgravosos ao patrimônio nacional".

Referindo-se aos dois dispositivos constitucionais menciona-dos, Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros informa que "houve umatentativa de interpretar as normas constitucionais no sentido de queapenas os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem en-cargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional sejam sub-metidos ao crivo do Congresso.

Essa leitura da nova Constituição foi, porém, rejeitada pelamaioria dos parlamentares'P".

É que, "à primeira vista, [os artigos 49, I, e 84, VIII, da Cons-tituição] são contraditórios. Entretanto, se forem examinados aten-tamente, .. , ver-se-á o nexo que os concilia.

Do ponto de vista lógico-sistemático, há que considerar que osdispositivos em questão fazem parte do mesmo título da Constituição(Da Organização dos Poderes) e são como que as duas faces de umamesma moeda: o artigo 84, VIII, confere ao Presidente da Repúblicao poder de celebrar tratados, convenções e atos internacionais, masespecifica que estão todos sujeitos a referendo do Congresso Nacio-nal; o artigo 49, I, destaca que os tratados, acordos ou atos internacio-nais '" que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patri-mônio nacional precisam ser aprovados pelo Congresso'<'".

(38) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre,Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 414.(39) "À primeira vista, são contraditórios. Entretanto, se forem examinados atentamente,... ver-se-á o nexo que os concilia.Para a solução da antinomia aparente dos citados dispositivos, não pode ser utilizado ocritério cronológico (ambos foram emitidos ao mesmo tempo); nem o critério hierárquico(ambos possuem a mesma hierarquia); nem o critério da especialidade (não se trata deconflito entre uma lei geral e outra especial, quando esta anula a primeira).São normas constitucionais; logo, não se pode admitir a ab-rogação de qualquer delas, res-tando ao intérprete, assim, a alternativa de demonstrar que a incompatibilidade é aparente.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 27

"Logo, O preceito contido no artigo 49, inciso I, da Constitui-ção, confere competência ao Congresso para resolver sobre tratadosinternacionais, dando ênfase aos que acarretam encargos, gravames,ônus financeiros, para o patrimônio nacional'v''".

"A remessa do ... tratado ao Congresso Nacional, para que oexamine e, se assim julgar conveniente, aprove, faz-se por mensa-gem do presidente da República, acompanhada do inteiro teor doprojetado compromisso e da exposição de motivos que a ele, presi-dente, terá endereçado o ministro das Relações Exteriores.

A matéria é discutida e votada, separadamente, primeiro naCâmara, depois no Senado. A aprovação do Congresso implica, nes-se contexto, a aprovação de uma e outra das suas duas casas."

"O êxito na Câmara e, em seguida, no Senado, significa que ocompromisso foi aprovado pelo Congresso Nacional. Incumbe for-malizar essa decisão do parlamento, e sua forma, no Brasil contem-porâneo, é a de um decreto legislativo promulgado pelo presidentedo Senado Federal, que o faz publicar no Diário Oficial da União"(41).

Vejamos, por exemplo, o teor do Decreto Legislativo n. 68, de29 de agosto de 1992. Através deste, o Presidente do Senado Federalcomunicou ao Presidente da República que a Convenção 158 da OIT- Organização Internacional do Trabalho - havia sido aprovadapelo Congresso Nacional:

Do ponto de vista histórico-teleológico, a conclusão só pode ser de que o legislador cons-tituinte desejou estabelecer a obrigatoriedade do assentimento do Congresso para os trata-dos internacionais, dando ênfase para aqueles que acarretarem encargos, gravames, ônusfinanceiros, para o patrimônio nacional.Do ponto de vista lógico-sistemático, há que considerar que os dispositivos em questãofazem parte do mesmo título da Constituição (Da Organização dos Poderes) e são comoque as duas faces de uma mesma moeda: o artigo 84, VIII, confere ao Presidente daRepública o poder de celebrar tratados, convenções e atos internacionais, mas especificaque estão todos sujeitos a referendo do Congresso Nacional; O artigo 49, I, destaca queos tratados, acordos ou atos internacionais, assinados por quaisquer autoridades do Go-verno brasileiro, que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacio-nal, precisam ser aprovados pelo Congresso."MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz, O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre, Sér-gio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 3961397.(40) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre,Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 398.(41) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p.69/70.

28 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Aprova o texto da Convenção n. 158, da Organização Inter-nacional do Trabalho - O.I.T, sobre o término da relação do tra-balho por iniciativa do empregador, adotada em Genebra, em 1982,durante a 68ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho'v'".

Constata-se, portanto, que o "decreto legislativo exprime uni-camente a aprovação'v'" do tratado pelo Congresso Nacional, comoensina o Ministro Francisco Rezek, uma vez que nem sempre se fazacompanhar da íntegra do tratado internacional.

Qualquer pretensão de que o Decreto Legislativo do Presidentedo Senado Federal confira vigência, no Brasil, ao tratado implicaafronta às noções mais elementares de técnica legislativa, uma vezque sua publicação nem sempre contém a integra do acordo interna-cional. José Afonso da Silva explica:

"A publicação da lei constitui instrumento pelo qual se trans-mite a promulgação (que concebemos como comunicação da feiturada lei e de seu conteúdo) aos destinatários da lei. A publicação écondição para a lei entrar em vigor e tornar-se eficaz. Realiza-sepela inserção da lei promulgada no jornal oficial. Quem a promulgadeve determinar sua publicação'v'".

Não bastassem os abalizados ensinamentos doutrinários, o ar-tigo I Q da Lei de Introdução ao Código Civil dispõe:

"Art. 1Q Salvo disposição contrária, a lei começa a vigo-rar em todo o País, 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficial-mente publicada".

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, analisando a CartaRogatória n. 8.279 proveniente da República da Argentina, em deci-são proferida por seu Presidente em 4 de maio de 1998, ressaltou a"imprescindibilidade da promulgação e da publicação ... dos trata-dos celebrados pelo Brasil, '" sob pena de absoluta ineficácia jurídi-ca desses atos internacionais no plano" interno brasileiro.

Reservas e EmendasDa mesma forma que o Poder Executivo, o Congresso N acio-

nal também pode não estar de acordo com todo o conteúdo do trata-

(42) Teor do Decreto Legislativo n. 68, de 29 de agosto de 1992.(43) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 70.

(44) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revistados Tribunais, 1990, p. 456.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 29

do internacional. Assim, o Poder Legislativo também pode, por viade reserva, deixar de manifestar seu consentimento quanto aos dis-positivos com os quais não concorde.

O "projeto de decreto legislativo referente a atos internacio-nais" também está sujeito a emendas, conforme se constata dos Re-gimentos Internos das duas casas do Congresso Nacional:

Câmara dos Deputados Senado Federal

Seção IX CAPÍTULO IVDa Admissibilidade e daApreciação das Matérias pelas Dos Projetos Referentes a

Comissões Atos Internacionais... ...Art. 57. No desenvolvimento dos Art. 376. O projeto de decreto le-seus trabalhos, as Comissões ob- gislativo referente a atos interna-servarão as seguintes normas: cionais terá a seguinte tramitação:... ...IV - ao apreciar qualquer matéria, c) perante a comissão, nos cincoa Comissão poderá propor a sua dias subseqüentes à distribuiçãoadoção ou a sua rejeição total ou de avulsos, poderão ser oferecidasparcial, sugerir o seu arquivamen- emendasv'",to, formular projeto dela decorren-te, dar-lhe substitutivo e apresentaremenda ou subemenda'"?'.

Desta forma, constata-se que, "apesar das objeções de algunsjuristas, o Congresso Nacional tem aprovado certos atos internacio-nais com reservas ou ernendas'v'". Como exemplo, temos "o casodo Acordo de Comércio e Pagamentos entre o Brasil e a Tchecoslo-váquia'v'", aprovado pelo Poder Legislativo com emendasv'?'.

(45) Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Aprovado pela Resolução n. 17, de1989, e alterado pelas Resoluções n. 1,3 e 10, de 1991; 22 e 24, de 1992; 25, 37 e 38, de1993; e 57 e 58, de 1994. Brasília, Centro de Documentação e Informação da Câmara dosDeputados, 1994.(46) Regimento Interno do Senado Federal. Aprovado pela Resolução n. 18, de 1989, ealterado por resoluções posteriores. Brasília, Senado Federal, 1994.(47) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre,Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 442.(48) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre,Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 447.(49) "Vicente Marotta Rangel frisou a importância em distinguir as emendas das reservasaos tratados internacíonais. Enquanto aquelas pretendem a revisão ou reforma de determi-nadas cláusulas, estas visam a suspender-lhes a aplicação.Com muita acuidade, o referido jurista demonstrou que as emendas eventualmente incor-poradas ao Decreto Legislativo não constituem, a rigor, emendas ao tratado internacional.

30 Sérgio Mourão Corrêa Lima

2º Momento: Ratificação(Plano Internacional)

Uma vez comunicada ao Presidente da República a aprovaçãodo tratado internacional pelo Congresso Nacional, passa-se ao mo-mento da Ratificação,

"Como disse Basdevant .." 'a redação e assinatura de um acordointernacional são os atos por meio dos quais se expressa a vontadedos Estados contratantes; a ratificação é o ato pelo qual a vontadeassim expressada é confirmada pela autoridade competente, com opropósito de dar-lhe força obrigatória'''(50) no âmbito internacional.

É nesse momento que o Estado que está ratificando o tratadointernacional passa a estar obrigado. A ratificação mostra-se, pois,como a segunda condição suspensiva.

É que, caso não ratifique o que havia assinado, o Estado não setorna parte do tratado internacional mas, tão-somente, um terceironão abarcado pelo vínculo obrigacional.

Quanto à competência para a ratificação de tratados interna-cionais, novamente referimo-nos ao artigo 84, incisos VII e VIII, daConstituição Federal:

As emendas inseridas nos decretos legislati vos valem, na verdade, como propostas de emendaao tratado, encaminhadas ao Poder Executivo.A interposição de emendas pelo Congresso Nacional aos tratados deve ser utilizada comextrema prudência e pode ou não representar uma recusa aos mesmos.Implicará em recusa nos casos em que: I) outra parte contratante de tratado, bilateral oumultilateral, não aceitar a modificação; 2) embora o tratado contenha cláusula admitindoemenda ou revisão de seu próprio texto, a emenda sugerida pelo Congresso não se harmo-niza com as hipóteses aceitas.Não implicará em recusa do tratado, que poderá ter seguimento, se: I) em sendo o tratadobilateral, houver concordância da outra parte contratante com a emenda proposta; 2) emsendo o tratado multilateral, houver concordância das demais partes contratantes; 3) emsendo o tratado multilateral e havendo discrepância de parte contratante, existirem cláusu-las a propósito de emenda e modificação do tratado e a emenda proposta se harmonizarcom as mesmas.Essa opinião foi manifestada por Vicente Marotta Rangel na qualidade de consultor jurídico doMinistério das Relações Exteriores e já sob a égide da Constituição de 1988."MEDEIROS, Antõnio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre, Sér-gio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 442.(50) "Como ha dicho Basdevant..., la redacción y firma de un acuerdo internacional sonlos actos por media de los cuales se expresa la voluntad de los Estados contratantes: laratifieación es el aeto por el cual la voluntad así expresada es confirmada por la autoridadcompetente, con el propósito de darle fuerza obligatoria."I.c.J. Raports, apud ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional Público,tomo I. Montevideo, fcu, 1996, p. 211.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 31

"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Re-pública:

VII - manter relações com Estados estrangeiros e acre-ditar seus representantes diplomáticos;

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacio-nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional".

No Brasil, compete ao Presidente da República qualquer formade relacionamento externo, compreendida também a ratificação dostratados internacionais.

"Basicamente, a ratificação se consuma pela comunicação for-mal à outra parte, ou ao depositário, do ânimo definitivo de ingres-sar no domínio jurídico do tratado.

Não seria sensato que, nos tratados coletivos, o Estado devessepromover a ratificação perante cada um dos demais pactuantes. Oque sucede nesse caso é o depósito do instrumento de ratificação,cuja notícia será dada aos interessados pelo depositário'v'".

Dessa forma, no caso de tratados multilaterais, o Brasil enviauma nota diplomática ao Estado depositário, que normalmente é opaís que sediou as negociações, e este cuidará de comunicar a ratifi-cação brasileira aos demais Estados-partes.

Cumpre questionar se poderia o Presidente da República dei-xar de ratificar um tratado internacional que tenha sido aprovadopelo Congresso Nacional brasileiro.

Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros ensina que "a aprovaçãodo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo, não torna otratado obrigatório, pois o Executivo tem a liberdade de ratificá-loou não, conforme julgar conveniente.

São exemplos de atos internacionais submetidos ao CongressoNacional, aprovados por este e, posteriormente, não ratificados peloGoverno, as Convenções sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua,sobre Alto- Mar, sobre Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do Alto-Mar e sobre a Plataforma Continental, concluídas em Genebra a 29 deabril de 1958, às quais o Legislativo deu seu assentimento em 1968"(52).

(51) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 59/60.

(52) MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O Poder de Celebrar Tratados. Porto Alegre,Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995, p. 469.

32 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Entretanto, no Brasil, no caso de tratados internacionais "que acar-retem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional", oteor do artigo 49 da Constituição Federal pode ensejar entendimentodiverso. Diz o referido dispositivo:

"Art. 49. É da competência exclusivado Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ouatos internacionais que acarretem encargos ou compromissosgravosos ao patrimônio nacional".

o termo "definitivamente" sugere que a aprovação por partedo Congresso Nacional vincule o Presidente da República. A apre-sentação de reservas, na hipótese dos tratados internacionais "queacarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio na-cional", deixa de ser facultativa para tornar-se obrigatória.

Reservas

O Poder Executivo, ao ratificar os tratados internacionais, devecomunicar suas próprias reservas, bem como as reservas e emendasapresentadas pelo Congresso Nacional, às demais partes contratantes.

Dessa forma, o Presidente da República pode, também no mo-mento da ratificação, formular reservas aos tratados internacionais.v"

Quorum

Entretanto, para que o tratado internacional passe a surtir efei-tos no âmbito internacional, não basta a ratificação por qualquernúmero de Estados. É necessário que o quorum de ratificação tenhasido satisfeito, ou seja, que o número mínimo de Estados estabeleci-do no texto do tratado internacional o tenha ratificado.

(53) "Artigo 19Formulação de Reservas

Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar, aprovar um tratado, ou a ele aderir, formularuma reserva, a não ser que:a) a reserva seja proibida pelo tratado;b) o tratado disponha que só possam ser formuladas determinadas reservas, entre as quaisnão se inclui a reserva em pauta, ouc) nos casos que não sejam previstos nas alineas a e b, a reserva seja incompatível com oobjeto e a finalidade do tratado."

TratadosInternacionaisno Brasil e Integração 33

Atendidas as seguintes condições suspensivas, a vigência dotratado no plano internacional tem início:

• a aprovação (Plano Interno);• a ratificação (Plano Externo); e

• o atendimento do quorum (Plano Externo).

É que estariam afastados os obstáculos que, segundo o ProfessorOrlando Gomes, suspendem "o começo da execução do contrato".

22 Momento: Promulgação e Publicação(Plano Interno)

Ultrapassada a fase da Aprovação, tanto a Ratificação quanto aPromulgação, constituem o segundo momento do procedimento deum tratado internacional.

A Ratificação, se atendido o quorum, atribui vigência ao trata-do no plano internacional.

Já no plano interno brasileiro, o acordo internacional ganha vi-gência com a implementação da quarta condição suspensiva, qual seja,a publicação de Decreto promulgado pelo Presidente da República.

José Afonso da Silva ensina que promulgação e publicação dalei "Não configuram atos de natureza legislativa. Rigorosamente,não integram o processo legislativo .... A promulgação não passa demera comunicação, aos destinatários da lei, de que esta foi criadacom determinado conteúdo. Neste sentido, pode-se dizer que é omeio de constatar a existência da lei; esta é perfeita antes de serpromulgada; a promulgação não faz a lei, mas os efeitos dela so-mente se produzem depois daquela. O ato de promulgação tem, as-sim, como conteúdo, a presunção de que a lei promulgada é válida,executória e potencialmente obrigatória. Mas, para que a lei se con-sidere efetivamente promulgada, é necessário a publicação do ato,para ciência aos seus destinatários; não do ato de promulgação aseco, e sim com o texto promulgado. A lei só se torna eficaz (isto é,em condição de produzir seus efeitos) com a promulgação publica-da. A promulgação é obrigatória. Cabe ao Presidente da República":SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, p. 455.

34 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Art. 84 ....

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bemcomo expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução">"

Todos esses ensinamentos também se aplicam aos tratados in-ternacionais. "No Brasil se promulgam, por decreto do presidenteda República, todos os tratados que tenham feito objeto de aprova-ção congressional. ... O decreto de promulgação não constitui recla-mo constitucional: ele é produto de uma praxe tão antiga quanto aIndependência e os primeiros exercícios convencionais do Império.Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atos do chefe de Es-tado costumam ter este nome .... Publica-os, pois, o órgão oficial,para que o tratado - cujo texto completo vai em anexo - se intro-duza na ordem legal, e opere desde o momento próprio"(55).

Werter Faria leciona que "a vigência interna ... freqüentemen-te, se dá após já ter sido iniciada a vigência no plano externoP",

Entretanto, nada impede que a vigência interna do texto do tra-tado preceda a vigência no âmbito internacional.

Pode ocorrer, ainda, que o texto negociado, assinado e aprovadoganhe vigência no âmbito interno e nem sequer se transforme em umtratado. Isto se verifica quando o quorum de Estados ratificantes nãoé atendido e, conseqüentemente, não se forma o vínculo obrigacional.

No caso da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito doMar, concluída em Montego Bay, o "Brasil, que ratificou a Conven-ção em dezembro de 1988, tratou de ajustar seu direito interno aospreceitos daquela antes mesmo da entrada em vigor -- e, pois, antesde encontrar-se obrigado no plano internacional.t'P"

• Considerando que "no Brasil se promulgam, por decretodo presidente da Repúblíca, todos os tratados'Y";

(54) Constituição Federal brasileira de 1988, artigo 84, IV.(55) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 84.(56) FARIA, Werter, Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 64.(57) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 306.(58) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 84.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 35

• Considerando que, quando o Brasil apresentou o seu ins-trumento de ratificação, o quorum de sessenta Estados, neces-sário à vigência da Convenção de Montego Bay no âmbito in-ternacional, ainda não havia sido satisfeito;

• Considerando que o vínculo obrigacional somente seconsolidou quando foi atingido o número de Estados e Organi-zações Internacionais estabelecido como quorum pela Conven-ção de Montego Bay; e

• Considerando que em 1993, quando o texto negociado,assinado e aprovado pelo Congresso Nacional, ganhou vigên-cia no Brasil, tratado ainda não existia,

o texto da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar ganhouvigência no Brasil através da Lei n. 8.617, de 4 de janeiro de 1993.

Portanto, o texto de acordos internacionais que, apesar de apro-vados pelo Congresso Nacional, ainda não constituam tratados sãosancionados e promulgados pelo Presidente da República e postosem vigor no Brasil sobre a forma de Lei, devidamente publicada.

Novamente constata-se a impropriedade da pretensão de con-ferir vigência interna aos tratados internacionais a partir da publica-ção do decreto legislativo do Presidente do Senado Federal.

N o momento em que o Presidente da República é informado daaprovação do texto do tratado no Senado Federal, o Estado brasilei-ro nem sequer integra o vínculo obrigacional. Pode ser, ainda, queeste nem venha a se implementar, caso o quorum de Estadosratificantes não seja atendido. Nessa hipótese, constata-se que o textoaprovado pode ganhar vigência sob a forma de Lei, depois de san-cionado e promulgado pelo presidente da República e publicado.

Assim, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3, oMinistro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal proferiu de-cisão em que apresentou as seguintes considerações:

"Todos sabemos que o decreto presidencial, que sucede aaprovação congressual do ato internacional e a troca dos respec-tivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momentoculminante do processo de incorporação desse cito internacionalao sistema doméstico - manifestação essencial e insuprível, es-pecialmente se considerarmos os três efeitos básicos que lhe são

36 Sérgio Mourão Corrêa Lima

pertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) apublicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do atointernacional, que passa, então, e somente então, a vincular e aobrigar no plano do direito positivo interno".

Posteriormente, em decisão proferida em 4 de maio de 1998,na Carta Rogatória n. 8.279 da República Argentina, o Supremo Tri-bunal Federal reiterou o posicionamento anterior, demonstrando aimpropriedade do entendimento daqueles que sustentam que a vi-gência interna dos tratados internacionais decorre do decreto do Pre-sidente do Senado Federal:

"O Protocolo de Medidas Cautelares ... embora aprova-do pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n. 192/95),não se acha formalmente incorporado ao sistema de direitopositivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já rati-ficado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97),ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidenteda República".

Estatura Hierárquica dos Tratados

o "direito internacional é indiferente ao método eleito peloEstado para promover a recepção da norma convencional por seuordenamento jurídico. Importa-lhe tão-só que o tratado seja, de boa-fé, cumprido pelas partes'v'?'.

Dessa forma, a outros Estados ou Organizações Internacionaisque participem com o Brasil de um tratado interessa saber se ele estásendo cumprido. Caso não esteja, estaremos diante de um ilícito deDireito Internacional Público, o que potencialmente acarretará um con-flito internacional. Este será resolvido mediante uma das formas desolução de controvérsias que se apresentam no plano internacional.

Temos, como exemplo, o conflito a respeito das cotas de im-portação de veículos impostas pelo governo brasileiro. Vários Esta-dos e Organizações Internacionais entendem que a imposição de cotasafronta tratados celebrados no âmbito da OMC - Organização Mun-dial do Comércio. Dentre as disposições internacionais ofendidaspela prática brasileira está o disposto nos artigos XI e XIII do GATT- Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, firmado em 1947:

"ARTIGO XI

1) Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá, paraa importação de um produto originário do território de outraparte contratante, proibições ou restrições ... , quer a sua apli-cação seja feita por meio de contingentes, de licenças de im-portação ou exportação, quer por outro qualquer processo".

"ARTIGO XIII1) Nenhuma proibição ou restrição será aplicada por uma

parte contratante à importação de um produto originário do ter-ritório de outra parte contratante ..."

Pelo ilícito de Direito Internacional Público, vários Estados e aOrganização Internacional, Comunidade Européia, se sentiram ofen-

(59) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 83.

38 Sérgio Mourão Corrêa Lima

didos e acionaram os mecanismos de solução de controvérsias pre-vistos no âmbito da OMC - Organização Mundial do Comércio.

Entretanto, também as pessoas físicas e jurídicas podem se vol-tar, no plano interno brasileiro, contra práticas das autoridade públi-cas que consistam em afrontas a tratados internacionais porque "osparticulares, em nosso sistema jurídico, podem ser diretamente al-cançados pelos dispositivos convencionais'v?'.

É que, recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro, atra-vés do procedimento já referido, os tratados internacionais são nor-mas indubitavelmente reconhecidas no Brasil.

Apesar de acolher expressamente os tratados internacionais, aConstituição Federal de 1988 foi omissa em definir sua estatura hi-erárquica. Dessa forma, os práticos do Direito sentem certa dificul-dade diante dos tratados internacionais.

Jorge Fontoura denuncia que permanecemos "sem saber exa-tamente o que o tratado internacional significa no âmbito de nossoordenamento jurídico, qual a sua hierarquia na proverbial 'pirâmidedas leis', diante da claudicante e imprecisa jurisprudência do Supre-mo Tribunal Federal (no qual o Recurso Extraordinário n. 71.174,proveniente do Estado do Paraná e relatado pelo eminente MinistroOswaldo Trigueiro, em 1971, continua fazendo as vezes de leadingcase) e mesmo diante do silêncio obsequioso da Constituição de 1988,claramente os tempos não são mais os mesmos'<"!'.

Uma análise do artigo 102, IH, b, da Constituição Federalde 1988 faz entender que o Brasil não segue "o singular exemploda Holanda, em cujo sistema jurídico o vértice da pirâmide nor-mativa é destinado aos tratados internacionais, que, após aprova-ção pelo Parlamento, poderão em certos casos modificar precei-tos constitucionais'v'".

O artigo 102, I1I, b, assim dispõe:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, preci-puamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(60) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 24.(61) FONTOURA, Jorge. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutu-ra Juridico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 10.(62) RAMOS, Rui Moura. In FARIA, Werter. Os Eleitos do Artigo 98 do Código TributárioNacional e o Processo de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 14.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 39

111 - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas de-cididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal".

A possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, por sisó, demonstra que, no Brasil, os tratados internacionais têm estaturahierárquica inferior à Constituição Federal.

Tanto o artigo l02, 11I, b, quanto o artigo 105, 11I, a, sugerem aequivalência hierárquica entre tratados e leis federais. Vejamos oque dispõe este último:

"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

111 - julgar, em recurso especial, as causas decididas, emúnica ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federaisou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territó-rios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência".

O Recurso Extraordinário n. 80.004 - SE, ainda sob a égideda Constituição anterior, repercute, ainda hoje, no estudo da estatu-ra hierárquica do tratado internacional no Brasil. Sua ementa dizia:

"Embora a Convenção de Genebra, que previu uma lei uni-forme sobre letras de câmbio e notas promissórias, tenha apli-cabilidade no direito brasileiro, não se sobrepõe ela às leis doPaís, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüentevalidade do Decreto-lei n. 427/1969, que instituiu o registroobrigatório da Nota Promissória em Repartição Fazendária, sobpena de nulidade do título"(63).

Posteriormente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federale do Superior Tribunal de Justiça vem se mantendo no mesmo senti-do. Vejamos alguns exemplos:

Supremo Tribunal Federal:

" ... exame comparativo entre a regra estatal questionada equalquer outra espécie jurídica de natureza infraconstitucio-

(63) Recurso Extraordinário n. 80.004 - SE (I º de junho de 1977).

40 Sérgio Mourão Corrêa Lima

nal, como os atos internacionais - inclusive aqueles celebra-dos no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT)- que já se acham incorporados ao direito positivo interno doBrasil, pois os Tratados concluídos pelo Estado Federal pos-suem, em nosso sistema normativo, o mesmo grau de autorida-de e de eficácia das leis nacionais'v'".

(Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.347 - DF)

Superior Tribunal de Justiça:

"O Tratado Internacional situa-se formalmente no mesmonível hierárquico da lei, a ela se equiparando. A prevalência deum ou outro regula-se pela sucessão no tempo"(65l.

(Recurso Especial n. 0074376 - RJ)

Werter Faria observa que, dessa forma, nosso sistema "estariaagrupado junto aos sistemas menos obsequiosos quanto ao direitointernacional, que admitem apenas uma paridade entre as normasconvencionais e a legislação comum estatal't''?',

Assim, diante de conflito entre tratado internacional e outrasnormas internas brasileiras, devemos nos pautar pelos seguintes cri-térios sucessivos:

Primeiro:Prevalece a norma hierarquicamente superior.Segundo:Havendo equivalência hierárquica, prevalece a norma pos-

terior.

Desta forma, temos:

Tratado ConstituiçãoInternacional x Federal

TratadoInternacional x Lei Federal

prevalece aConstituição Federal

prevalece a normaposterior

(64) Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.347 - DF, Tribunal Pleno, Relator: Min.Celso Mello.(65) Recurso Especial n. 0074376 - RJ, 1995, Relator: Min. Eduardo Ribeiro.(66) FARIA, Werter. Os Eleitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 28.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 41

Lei Estadual ouTratado Internacional x Lei Municipal

Tratado Atos AdministrativosInternacional x (Decretos, Portarias,

Circulares)prevalece o Tratado

Internacional

prevalece o TratadoInternacional

Dessa forma, o Ministro Francisco Rezek já lecionava que "ostratados vigem com sua roupagem original de tratados, e nessa qua-lidade e sob exato titulo revogam direito anterior de produção inter-na"(67)de mesma hierarquia.

Entretanto, as Leis Federais posteriores não revogam os trata-dos internacionais anteriores, mas, tão-somente, afastam a aplica-ção destes.

Este foi o entendimento constante do "voto de Leitão de Abreurelativo ao RE 80.004, julgado pelo Supremo Tribunal Federal entre1975 e 1977. Ao analisar o conflito entre tratado e lei federal, aindasob o prisma da Ordem constitucional de 1969, preleciona: a lei pos-terior, em tal caso, não revoga em sentido técnico o tratado, senãolhe afasta a aplicação. A diferença está em que, se a lei revogasse otratado, este não voltaria a aplicar-se, na parte revogada, pela revo-gação pura e simples da lei dita revogatória. Mas como, a meu juízo,a lei não revoga, mas simplesmente afasta, enquanto em vigor, asnormas do tratado com ela incompatíveis, voltará ele a aplicar-se, serevogada a lei que impediu a aplicação das prescrições nele con-substanciadas'v'".

Lei Federal: Lei Complementar e Lei Ordinária

Dispondo sobre o processo legislativo brasileiro, a Constitui-ção Federal de 1988 traz:

"Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

11~ leis complementares;III ~ leis ordinárias".

(67) REZEK, .r. Francisco. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro, Forense, 1984, p. 383.(68) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 28.

42 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Assim, '" a lei complementar é elaborada como lei ordiná-ria'"?". Ambas têm, ainda, o mesmo âmbito de aplicação espacial,ou seja, vigoram em toda a República Federativa do Brasil. Portan-to, caracterizam-se como espécies de lei federal.

"As leis complementares .. , caracterizam-se pelos assuntos quea Carta lhe reserva e pelo quorum de aprovação. Assim, aquelas maté-rias indicadas na Constituição como próprias de lei complementar nãopodem ser tratadas pelas leis ordinárias'V'".

Dessa forma, o "campo de abrangência da lei ordinária é o re-sidual ... Há matérias vedadas à lei ordinária: a primeira delas con-siste naquelas reservadas à lei complementar'V".

Constata-se, assim, que as leis complementares e as leis ordi-nárias são idênticas e têm "os mesmos ... órgão de emissão e ... âm-bito de validade espacial ... [sendo] diferentes somente no quorumde votação ... e no conteúdo'<"!

Temos assim:

Lei Complementar Lei Ordinária

órgão de emissão: Congresso Nacional Congresso Nacional

âmbito de validade: República Federativa República Federativado Brasil do Brasil

quorum de votação: "maioria absoluta "(7) "maioria simples" dosdos membros da membros da Câmara dos

Câmara dos Deputados Deputados e do Senadoe do Senado Federal Federal, "presente a

(50% + I dos membros) maioria absoluta deseus membros "(74)

(50% + I dos presentes)

(69) FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo,Saraiva, 1994, p. 185.(70) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte,Del Rey, 1996, p. 332.(71) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte,Del Rey, 1996, p. 334.(72) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - SistemaTributário. Forense, 1992, p. 118.(73) Constituição Federal de 1988:Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.(74) Constituição Federal de 1988:Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suasComissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 43

Lei Complementar Lei Ordinária

conteúdo: matéria estabelecida matéria residualna Constituição

Tratado: Lei Complementar e Lei Ordinária

Não há dúvidas de que o tratado internacional é "produzido emforo diverso das fontes legislativas domésticas" (75). Enquanto a leifederal é produzida pelo poder estatal que exerça as funçõeslegislativas, o tratado é originário do plano internacional, precisamente,do acordo de vontades dos Estados e organizações internacionais.

Entretanto, o trâmite dos tratados internacionais no CongressoNacional não diverge significativamente daquele a que são submeti-das as leis federais.

"Tramita o projeto de ato internacional em ambas as Casas Le-gislativas, acompanhado de Mensagem Presidencial e Exposição deMotivos do Ministério das Relações Exteriores ... A matéria é discu-tida e votada, separadamente, primeiro na Câmara, depois no Sena-do. A aprovação do Congresso implica, nesse contexto, a aprovaçãode uma e outra das suas duas casas.

Tanto a Câmara quanto o Senado possuem comissões especia-lizadas ratione materiae, cujos estudos e pareceres precedem a vo-tação em plenário. O exame do tratado internacional costuma envol-ver, numa e noutra das casas, pelo menos duas das respectivas co-missões: a de relações exteriores e a de Constituição e justiça"?".

Uma análise mais apurada dos Regimentos Internos da Câmarados Deputados e do Senado Federal demonstra que "o projeto dedecreto legislativo referente a atos internacionais" tem o mesmo trâ-mite dos projetos de lei.

Quanto à importância dos Regimentos Internos das duas casasque integram o Congresso Nacional, Raul Machado Horta ensinaque "a constitucionalização de normas regimentais não desqualifica

(75) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1991, p.84/86.(76) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 22.

44 Sérgio Mourão Corrêa Lima

a importância do Regimento Interno como fonte subsidiária do pro-cesso legislativo. No sistema político brasileiro, o Regimento Inter-no das duas Casas e o Regimento Comum do Congresso Nacionalencerram as normas mais desenvolvidas do processo legislativo, com-plementando a Constituição'?'?".

Além de não distinguir "o projeto de decreto legislativo refe-rente a atos internacionais" do projeto de lei, quanto ao trâmite, osRegimentos Internos também não apresentam um quorum própriopara os tratados internacionais.

Assim, temos que o quorum de aprovação do "projeto de de-creto legislativo referente a atos internacionais" é o mesmo aplicá-vel às leis federais. Isto implica a variação de quorum de acordocom a matéria.

Assim, os tratados internacionais que abordem questões reser-vadas à lei complementar devem merecer aprovação congressionalpela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e doSenado Federal.

Diversamente, aqueles que versem sobre matéria atinente à leiordinária devem contar com o voto da maioria dos presentes, tantona Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

Cabe destacar, porém, que esta não tem sido a atitude do nossoórgão legislativo, que tem considerado aprovado todo e qualquer tipode tratado internacional que tenha contado com o voto da maioria dospresentes, ainda que versando sobre matéria de lei complementar.

Essa prática vem suscitando discussões judiciais recentes, comoo episódio envolvendo a constitucionalidade da Convenção n. 158celebrada no âmbito da OIT - Organização Internacional do Traba-lho. É que esta convenção, apesar de versar sobre matéria atinente àlei complementar, foi aprovada pelo Congresso Nacional com quo-rum de lei ordinária.

Vejamos trecho da decisão do Presidente do Supremo TribunalFederal sobre essa questão, no pedido de liminar em Ação Direta deInconstitucionalidade de n. 1.480-3, publicada no Diário da Uniãoem 2 de agosto de 1996:

(77) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, Del Rey,p.531.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 45

"ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PAR-CIAL DA CONVENÇÃO N. 158 DA OII Sustenta-se, na pre-sente sede de controle normativo abstrato, que os arts. 4º a 10da Convenção OII n. 158 qualificam-se como normas incons-titucionais ... sob o aspecto formal, porque esse ato internacio-nal, mesmo já incorporado no sistema de direito positivo inter-no, não pode atuar como sucedâneo da lei complementar exi-gida pela Carta Política ..."(78).

(Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3)

Mais lógico seria que o Congresso Nacional brasileiro não só con-ferisse o mesmo trâmite da lei federal ao tratado internacional, mastambém aplicasse ao "projeto de decreto legislativo referente a atosinternacionais" o mesmo quorum diferenciado, conforme a matéria.

Dessa forma, tratados internacionais teriam estatura hierárqui-ca de lei federal, equivalendo à lei ordinária ou à lei complementar,de acordo com a matéria sobre a qual versasse.

Este é o único entendimento compatível com uma interpreta-ção analógica dos dispositivos constantes dos artigos 102, I1I, b, e105, I1I, a:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, preci-puamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

IH - julgar, mediante recurso extraordinário, as cau-sas decididas em única ou última instância, quando a deci-são recorrida:

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal".

"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

IH - julgar, em recurso especial, as causas decididas, emúnica ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federaisou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territó-rios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência".

(78) Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.480-3, 1996.

46 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Tratados sobre Matéria Tributária

No que tange às normas de natureza tributária, a questão mostra-se um pouco mais controvertida, em razão do teor do artigo 98 da Lei n.5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional:

"Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revo-gam ou modificam a legislação tributária interna, e serão ob-servados pela que lhes sobrevenha".

Werter Faria sustenta que "A norma tributária de produção in-terna não tem força para modificar normas internacionais sobre amatéria. O preceito impõe que as últimas sejam respeitadas; reitera-mos: ' ... e serão observadas pela que lhes sobrevenha'Y",

Não obstante, a jurisprudência não é pacífica:

"2. Os Decretos-leis, por sua hierarquia "O mandamento contido no artigo 98inferior, não têm o condão de alterar do CTN não atribui ascendência àsou restringir os tratados e as conven- normas de direito internacional em de-ções internacionais firmados pelo x trimento do direito positivo interno,Brasil (art. 98 do CTN)"(HoI. mas, ao revés, posiciona-as em nível

idêntico, conferindo-lhes efeitos se-(REO n. 100717 - BA) melhantes'x"'.

(REsp. N. 37065 - PR)

Tratados sobre Direitos Humanos

Também há que se fazer referência especial aos tratados inter-nacionais que versam sobre direitos humanos. O artigo 5º da Cons-tituição Federal nos apresenta um rol de direitos e garantias funda-mentais. O § 2º deste artigo faz expressa referência a tratados nosseguintes termos:

"Art. 5º ...

(79) FARIA, Werter. Os EFeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 66.(80) Tribunal Regional Federal - I ª Região, Remessa Ex Officio n. 0100717 .- BA, 1990,Relator: Juiz Gomes da Silva.(81) Recurso Especial n. 0037065 - PR, 1993, Relator: Min. Demócrito Reinaldo.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 47

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituiçãonão excluem outros decorrentes do regime e dos princípios porela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repúbli-ca Federativa do Brasil seja parte".

Interpretando esse dispositivo constitucional no que tange aostratados internacionais, Fernando Luiz Ximenes Rocha sustenta que"os direitos garantidos nos tratados humanos em que a RepúblicaFederativa do Brasil é parte recebe tratamento especial, inserindo-se no elenco dos direitos constitucionais fundamentais'Y".

Tratados e a Função do Poder Judiciário

O mais importante é que as pessoas físicas e jurídicas tomemciência de que podem, no plano interno brasileiro, recorrer ao Poder Judi-ciário para fazer valer direitos constantes de Tratados Internacionais.

Para tanto, espera-se do Poder Judiciário brasileiro mais aten-ção às questões envolvendo tratados internacionais, uma vez que "afunção do Judiciário, por seu turno, tem feitio próprio: não lhe in-cumbe executar tratados, senão garantir, ante o caso concreto, quenão se veja frustrado - pela administração governamental, pelosindivíduos - seu fiel cumprimentov".

(82) ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. A incorporação dos Tratados e Convenções inter-nacionais de Direitos Humanos no Direito Brasileiro. in Revista de Informação Legislati-va, Brasília, ano 33, n. 130, abril/junho 1996, p. 81.(83) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 86.

Supranacionalidade de Normas

o Estado

No plano dos Estados, o "poder '" exercido por um governosobre população residente dentro do território do Estado'V" é con-cebido "como um sistema em que se conjugam um legislativo, umexecutivo e um judiciário, harmônicos e independentes entre si"(85).Trata-se da teoria da separação dos poderes, tal como vislumbradapor Montesquieu.

Tanto o legislativo quanto o executivo e o judiciário referidosdetêm como função básica a produção normativa.

Hans Kelsen destaca que essa função consiste "tanto na produ-ção de normas jurídicas gerais por via legislativa e consuetudináriacomo nas resoluções das autoridades administrativas'Y'", Aponta,ainda que "os tribunais aplicam as normas jurídicas gerais ao esta-belecerem normas individuais, determinadas, quanto ao seu conteú-do, pelas normas jurídicas gerais'V",

Assim, no âmbito dos Estados, pode-se concluir que:

• a "legislação", a atividade do poder legislativo, consistena produção de normas gerais, ou seja, as leis;

• a "administração", a atividade do poder executivo, con-siste na aplicação das leis mediante a produção de normas re-gulamentares, ou seja, de atos administrativos; e

• a "jurisdição'v'", atividade do poder judiciário, consistena interpretação das leis gerais através de normas individuais,ou seja, das decisões.

(84) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 389.(85) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, 1985, IIªed.,p.191.(86) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 328.(87) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 328.(88) Conforme ensinamentos do Prof. Aroldo Plínio Gonçalves, a legislação, a administra-ção e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida no dia10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Universida-de Federal de Minas Gerais.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 49

Temos, assim, a existência de três espécies diversas de nor-mas: as leis, os atos administrativos e as decisões jurisdicionais. Essastrês espécies de normas podem estar sujeitas à supranacionalidade.

Supranacionalidade

o Dicionário da Língua Portuguesa nos sugere o significadodo termo supranacional:

supranacional. [De supra + nacional.] Adj. 2 g. Diz-se da-quilo que transcende o conceito de nação, do que é nacionalv?'.

Dalmo de Abreu Dallari explica que nação é a "expressão dopovo como unidade homogênea'V?'. Dessa forma, supranacionalida-de consiste na imponibilidade de algo sobre determinado povo, comoum todo, em razão de seu caráter "supra".

Supranacionalidade Voluntária

No plano interno dos Estados, as declarações unilaterais de von-tade geram efeitos jurídicos. Washington de Barros Monteiro expli-ca que "não são [os Contratos] apenas que geram obrigações. Tam-bém as declarações unilaterais de vontade têm a mesma virtude; nessecaso, não é a conjugação de vontades que dá origem ao vínculo obri-gacional; ao inverso, nasce a obrigação da simples declaração deuma única vontade; esta, uma vez emitida, torna-se exigível ... , che-gando ao conhecimento da pessoa determinada ou indeterminada, aquem é dirigida'"?",

Francisco Rezek aponta que no plano internacional os atos uni-laterais podem fazer nascer o direito, sendo, portanto, consideradosfonte do Direito Internacional Público. Fundamenta, afirmando que"o ato normativo unilateral- assim chamado por promanar da von-

(89) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa.Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 1632.(90) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. II ª ed. São Paulo,Saraiva, 1985, p. 71.

(91) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - 22 Volume. São Paulo,Saraiva, 1962, p. 391.

50 Sérgio Mourão Corrêa Lima

tade de uma única soberania - pode casualmente voltar-se para oexterior, em seu objeto, habilitando-se à qualidade de fonte do direi-to internacional na medida em que possa ser invocado por outrosEstados em abono de uma vindicação qualquer, ou como esteio dalicitude de certo procedimento'v'",

Dessa forma, nada impede que um Estado, unilateralmente,manifeste sua vontade no sentido de que as normas constantes dostratados internacionais sejam imponíveis à sua população, como umtodo. Esta manifestação unilateral de vontade por parte do Estado semanifesta através da lei fundamental de cada Estado.

Transferência de Competências

Trata-se, in casu, do instituto da transferência de competências.

Dalmo de Abreu Dallari leciona o seguinte, no que tange à"Transferência constitucional de competências[:] Outra ocorrên-cia, mais ou menos freqüente é a transferência de competências,por meio de reforma constitucional ou até da promulgação de no-vas Constituições'<?".

Exemplificando o referido instituto, Gonzalo Aguirre Rami-rez informa que "Foi a Constituição holandesa a única que tentoudefinir o caráter auto-executório das normas convencionais in-ternacionais. Seu art. 93 ... dispõe a obrigatoriedade não condi-cionada - ou seja, sua aplicação imediata e direta ... dos trata-dos ... toda vez que ... 'possam obrigar aos particulares em virtu-de de seu conteúdo "'(94).

É que, na Holanda, "o vértice da pirâmide normativa é destina-do aos tratados internacionais, que ... poderão em certos casos mo-

(92) REZEK, 1. Francisco. Direito Intemacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 141/142.(93) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, 1985, IIªed.,p.195.(94) "Ha sido la Constitución holandesa la única que ha intentado superar esta dificultad ydefinir el carácter auto-ejecutorio de las normas convencionales internacionales. Su art.93, según ya dijimos, dispone la obligatoriedad no condicionada -- o sea, su aplicacióninmediata y dirccta - no só lo de los tratados sino también 'de las resoluciones de lasinstituciones internacionales' toda vez que unos y otras 'puedan obligar a los particularescn virtud de su contenido "'.SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal lnternacional y Comunitario dei Mer-cosur. Montevidco, fcu, 1997, p. 20.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 51

dificar preceitos constitucionais'"?", explica Werter Faria ("Artigos60 e 63 da Constituição Holandesa'"?").

Dessa forma, pode o Estado, através de dispositivo constitu-cional interno, prever a supranacionalidade de tratados internacio-nais, no que tange a ele próprio. Ou seja, com relação a este Esta-do, o tratado tem caráter supranacional.

Trata-se de supranacionalidade voluntária das normas de tra-tado internacional, implementada através do instituto da transfe-rência de competências.

Supranacionalidade das Normas de Tratados Internacionais

Na hipótese, estamos abordando a supranacionalidade das nor-mas constantes dos tratados internacionais. Estes certamente não secaracterizam como substitutivos de atos administrativos ou decisõesjudiciárias.

Assim, os tratados internacionais caracterizam-se como nor-mas que se prestam à mesma função exercida pelo Poder Legislati-vo. Concluímos, portanto, que a supranacionalidade das normas detratados internacionais decorre da transferência voluntária de algu-mas das competências do poder legislativo do Estado.

Por ora, cabe destacar que o instituto da transferência de com-petências não se confunde com aquele da delegação de poderes, queserá abordado mais adiante.

É que, para o exercício do poder, a Constituição institui órgãosque, como ensina Celso Ribeiro Bastos, "nada mais são que um feixe,um conjunto de competências .,. que incumbe aos seus agentes'v'".

Dessa forma, a transferência, aos tratados internacionais, dealgumas das competências de órgãos que integram os poderes dosEstados não se confunde com a delegação do próprio poder, confor-me explicitaremos mais adiante.

(95) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994. p. 14.(96) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul . Brasília, Senado Federal, 1994, p. 14.

(97) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários á Constituição doBrasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 136.

Organizações Internacionais

o fenômeno organizacional adquire grande relevo no século XX,especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial. Calcula-se a existên-cia, na atualidade, de aproximadamente trezentas e cinqüenta organiza-ções internacionais, sendo uma centena delas de âmbito universal'v'".

Essas centenas de Organizações Internacionais decorrem deacordos de vontades voltadas para um mesmo propósito. Estes acor-dos ou tratados podem ser celebrados por Estados e outras Organi-zações Internacionais.

Ricardo Seitenfus, em seu magnífico Manual das Organiza-ções Internacionais, leciona que estas podem ser definidas como"uma sociedade entre Estados, constituída através de um Tratado,com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma per-manente cooperação entre seus membros'"?",

Entretanto, duas críticas podem ser apresentadas quanto a essadefinição. Referem-se às partes e aos objetivos das organizaçõesinternacionais.

Tal como acontece com as pessoas jurídicas nos planos inter-nos dos Estados, as organizações internacionais podem figurar comoparte de outra Organização Internacional.

No Brasil, por exemplo, a empresa També Ltda., pessoa jurídi-ca, e João, pessoa física, podem figurar como sócios da empresaJoambé Ltda.

No plano internacional, as três Comunidades Européias, orga-nizações internacionais, figuraram como parte na rodada de nego-ciações do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio"?", rea-lizada no Uruguai em 1994. Consta da ata final das negociações:

(98) JACQUÉ, Jean-Paul. In SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacio-nais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997, p. 21.(99) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre, Livra-ria do Advogado, 1997, p. 27.(100) GATT significa General Agreement on Tariffs and Trade.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 53

"Anexo ao Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994.

Ata Final em que se Incorporam os Resultados da RodadaUruguai de Negociações Comerciais Multilaterais.

1. Tendo-se reunido com o objetivo de concluir a RodadaUruguai de Negociações Comerciais Multilaterais, os repre-sentantes dos Governos e das Comunidades Européias, mem-bros do Comitê de Negociações Comerciais, concordam que oAcordo de Estabelecimento da Organização Mundial do Co-mércio (denominado nesta Ata Final como 'Acordo Constituti-vo da OMC'), as Declarações e Decisões Ministeriais e o En-tendimento sobre os Compromissos em Serviços Financeiros,anexos à presente Ata, contêm os resultados de suas negocia-ções e formam parte integral desta Ata Final".

Cabe destacar que a União Européia, por não deter personalida-de jurídica própria e, conseqüentemente, não se apresentar como umaorganização internacional autônoma, não figurou como parte da Ro-dada Uruguai do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.

É que a União Européia atualmente é formada pelo conjuntodas três organizações internacionais criadas "pelo Tratado da CECA[Comunidade Econômica do Carvão e do Aço] e pelos Tratados CEE[Comunidade Econômica Européia] e CEEA [Comunidade Econô-mica de Energia Atômica - EURATOM]"(lOIJ.

Bernard Rudden e Derrick Wyatt, da Universidade de Oxford,acrescentam que "o Tratado da Comunidade Econômica Européia ...foi afetado por modificações [instituídas pelo] ... Tratado da UniãoEuropéia. Preliminarmente, percebe-se que o adjetivo 'econômico'foi excluído do nome da Comunidade [Econômica Européiaj'v'?".

(101) "Desde otro aspecto, la subsistencia de las tres Comunidades europeas, juridicamen-te distintas y creadas en dos fases suecsivas, ha provocado algunas diferencias entre susrespectivos sistemas no obstante la gran similitud entre ellos.Por lo que se refiere a las cuestiones de forma, la denominación de los actos de las institu-ciones puede producir alguna confusión inicial por falta de coincidencia entre el Tratadodel CECA, los Tratados CEE y CEEA y por la utilización de denominaciones preexistentescon un sentido distinto del habitual."DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador de una nuevafuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 2 11.(102) "We deal first with the changes, both in form and substance, to the EEC Treaty. Mostof these are effected by amendments to that Treaty, but in a few cases articles are repealedand replaced by provisions ar the TEU. As a preliminary, we note that the adjective

54 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Assim, no âmbito europeu, três Organizações Internacionais inte-gram a chamada União Européia. São elas, a Comunidade Européia doCarvão e do Aço, a Comunidade Econômica de Energia Atômica e aantiga Comunidade Econômica Européia, atual Comunidade Européia:

UNIÃO EUROPÉIA

Organização InternacionalCECA - Comunidade Européia do Carvão e do Aço

+

Organização InternacionalCEEA - Comunidade Econômica de Energia Atômica

+

Organização InternacionalCE - Comunidade Européia

Quanto à sua forma, a União Européia se assemelha a um con-sórcio de empresas que, segundo A. H. Boulton, é "a organização emque duas ou mais empresas cooperam de forma a agir como uma sóentidade para um propósito específico'<"?'.

"É, portanto, o agrupamento de sociedades, feito através de um con-trato, com a finalidade de executar determinado ernpreendimento'v'?".

Quanto aos objetivos, as Organizações Internacionais podemcomportar outros propósitos mais amplos que a simples coopera-ção. Referimo-nos àquelas que têm por objetivo a integração. O Di-reito Internacional é de clareza cristalina. A compreensão de váriosde seus conceitos não requer mais do que uma consulta ao Dicioná-rio da Língua Portuguesa:

'economic' is dropped from lhe name of lhe Community, that article 6 is excised, and thalarticles 7 and 8 becorne 6 and 7."RUDDEN, Bernard e WYATT, Derrick. Basic Community Laws. Oxford, Oxford UniversityPress, 1994, p. 01.

(103) "A consortium is 'an organization which is created when two or more companies co-operate so as to act as a single entity for a spccific and limited purpose'."BOULTON, A. H. In SCHMITTHOFF, Clive M. The Law & Practice oflnternational Tra-de. London, Stevens, 1990, p. 343.(104) MARTINS, Fran. Comentários á Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1978, p. 485.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 55

Cooperação Integração

"cooperar. Vt.i. I. Operar ou obrar "integrar. Vt.d, I. Tornar inteiro: com-simultaneamente; trabalhar em co- pletar, inteirar, integralizar ... 3. In-mum; colaborar: cooperar para o teirar-se, completar-se ... 4. Juntar-bem público; cooperar em traba- se, tornando-se parte integrante,lhos de equipe. int. 2. Ajudar, auxi- reunir-se, incorporar-se ... "( 106)

liar; colaborar'v'?",

Portanto, constatamos a existência de Organizações Interna-cionais de cooperação e de integração. Estas têm objetivos bem maisamplos que aquelas. Não há dúvidas de que a colaboração intergo-vernamental, ou seja, entre Estados, é indubitavelmente bem menosexpressiva que a integração destes.

Celso Albuquerque Mello afirma que as Organizações Interna-cionais de integração "ainda são consideradas organizações interna-cionais, mas ao que tudo indica elas caminham para uma outra for-ma de associação de estados ainda desconhecida no DIP - DireitoInternacional Público'v"?'.

Podemos comparar a integração de Estados em uma Organiza-ção Internacional com o fenômeno da fusão de empresas. O artigo228 da Lei das Sociedades Anônimas nos apresenta o conceito jurí-dico desse instituto. Trata-se da "operação pela qual se unem duasou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederáem todos os direitos e obrigações'<'?".

Para o estudo desses novos fenômenos, "começa a aparecer umnovo Direito, de elaboração plural entre os Estados'<'?". Trata-se doDireito de Integração.

(lOS) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Por-tuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986, p. 472.(106) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Por-tuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 19R6, p. 955.(l07) MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional da Integração. Rio de Ja-neiro, Renovar, 1996, p. 113.(108) Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, artigo 228.(109) BIDART, Adolfo Gelsi. In SOSA. Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Inter-nacional y Comunitario dei Mercosur, Montevideo, fcu, 1997, p. 61.

Direito Internacional Originário e Derivado

Personalidade Originária x Personalidade Derivada

Dissertando sobre a distinção entre as personalidades de Estadose das organizações internacionais, Felipe H. Paolillo aponta que "a di-ferença firma-se no fato de que os Estados são sujeitos originários egenuínos do sistema jurídico internacional, com plenitude de direitos edeveres; diversamente, as organizações internacionais são sujeitos cria-dos pela vontade dos Estados para cumprir propósitos específicos, àsquais somente se atribui capacidade necessária para cumprir ditos pro-pósitos. Isto é assim porque enquanto a personalidade dos Estados re-pousa sobre a noção de soberania, a personalidade jurídica das organi-zações ínternacionais se baseia na noção de competência'""?'.

Concluímos, portanto, que a personalidade internacional dasOrganizações deriva da personalidade originária dos Estados, namedida em que estes atribuem certas competências àquelas. Os tra-tados internacionais são os instrumentos por intermédio dos quaisessas competências são atribuídas.

Processo Decisório

Dotada de capacidade para atender os propósitos de sua cria-ção, a Organização Internacional passa a atuar efetivamente. "Emfunção do seu alcance e dos seus propósitos, a Organização Interna-cional pode ter estrutura mais ampla'"!'!' ou mais restrita.

(lI O) "La diferencia radica en que los Estados son los sujetos originarias y genuinos delsitema juridico internacional, con la plenitud de los derechos y debcres; en cambio losorganismos intcrnacionales son sujetos creados por la voluntad de los Estados para cumplircon propósitos específicos, a los que se les atribuye solamente la capacidad neccsaria paracumplir con dichos propósitos. Esta es asi porque mientras que la personalidad juridica delos Estados reposa sobre la noción de soberania, la personalidad jurídica de las organiza-ciones internacionales se basa cn la noción de cornpetencia."PAOLILLO, Felipe H. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional Públi-co, tomo 11. Montevideo, fcu, 1996, p. 34.(lI I ) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 255.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 57

Francisco Rezek destaca que "dois órgãos, pelo menos, têm re-pontado como indispensáveis na estrutura de toda Organização In-ternacional, independentemente de seu alcance e finalidade: umaassembléia geral - onde todos os Estados-membros tenham voz evoto, em condições igualitárias, e que configure o centro de umapossível competência 'legislativa' da entidade - e uma secretaria,órgão de administração, de funcionamento perrnanente'<'!".

Entretanto, nem sempre o órgão "que configur[a] o centro deuma possível competência 'legislativa'" recebe o nome de Assem-bléia Geral. No caso da Comunidade Européia, por exemplo, o ór-gão legislativo é denominado Conselho.

Também não é sempre que "todos os Estados-membros [têm]voz e voto, em condições igualitárias". "O caso é bastante nítido naordem econômica: assim o Conselho de Ministros das ComunidadesEuropéias ... vota segundo um sistema ponderado que consagra aimportância da contribuição de cada um"(I13).

Também é possível que as competências legislativas sejam exer-cidas por mais de um órgão. No caso do Mercosul, por exemplo, aadoção de normas compete ao Conselho do Mercado Comum, aoGrupo Mercado Comum e à Comissão de Comércio do Mercosul.

As noções mais elementares de teoria geral do Estado nos fa-zem recordar que "a função legislativa consiste na edição de re-gras ..."(l14). No âmbito das organizações internacionais, a produçãode normas decorre de votação por parte de todos os membros, atra-vés de um sistema de tomada de decisões previamente definido pelotratado constitutivo.

Algo muito parecido acontece com as sociedades anônimasbrasileiras, nas quais a "assembléia geral é a reunião dos acionistasconvocada e instalada na forma da lei e dos estatutos, para deliberarsobre matéria de interesse social'<'!".

Nas sociedades anônimas, no momento de constituição da empre-sa, os acionistas se reúnem e estabelecem, através de um Estatuto So-cial, as regras que vão reger a sociedade. A partir de então, as decisõespassam a ser tomadas em consonância com as disposições estatutárias.

(112) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996,p. 253/254.(113) DUPUY, René-Jean. O Direito Internacional. Lisboa, Almedina, 1993, p. 116.(114) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revistados Tribunais, 1990, p. 95.(115) CORRÊA LIMA, Osmar Brina. Curso de Direito Comercial - volume 2. Belo Hori-zonte, Del Rey, 1995, p. l Ol .

58 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o mesmo ocorre no plano internacional. No momento de cons-tituição da Organização Internacional, os Estados-partes se reúnemem uma Conferência Diplomática Internacional e estabelecem, atra-vés de um tratado constitutivo, as regras que vão reger a organiza-ção. A partir de então, as decisões passam a ser tomadas em conso-nância com o método estabelecido no tratado.

Há, entretanto, uma distinção marcante entre o processo decisórionos âmbitos de uma sociedade anônima e de uma Organização Interna-cional. Trata-se da questão da submissão da minoria à decisão.

"De modo geral, as organizações internacionais contemporâneasnão alcançaram ainda um estágio em que o princípio majoritário ope-re com vigor semelhante ao que se lhe atribui em assembléias regidaspor direito interno (como as casas legislativas dos diversos países).Atuando em assembléia ou em conselho, numa Organização Interna-cional, o Estado soberano só se costuma sentir obrigado por quantotenha sido decidido com seu voto favorável ... A submissão necessáriada minoria não aparece, assim, como regra, mas como exceção,encontrável no quadro das Comunidades européias'v '". No caso doMercosul não há que se falar em minoria em razão do dispositivoconstante do artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto:

"Art. 37. As decisões dos órgãos do Mercosul serão toma-das por consenso e com a presença de todOS"(117).

Adriana Dreysin de Klor esclarece que o conceito de consenso"deve distinguir-se da unanimidade já que segundo este mecanismoé necessária a conformidade expressa de todos os membros inte-grantes do corpo para que se possa tomar uma decisão. Quer dizerque todos devem estar presentes e votar da mesma forma. Diversa-mente, no consenso não é necessário que todos os membros votem,podem haver abstenções, sendo suficiente que não haja oposiçãocontra a decisão a tomar"( 118).

(116) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 255.(117) Protocolo de Ouro Preto celebrado entre Argentina, Brasil, Paraguai c Uruguai em 17de dezembro de 1994.(118) "Este eoncepto debe distinguirse de la unanimidad ya que según este mecanismo esneeesaria la eonformidad expresa de todos los miembros integrantes deI euerpo para que sepueda tomar una decisión. Es decir que todos deben estar presentes y votar en igual forma.En cambio, en el consenso no es necesario que todos los miembros voten, puede haberabstenciones, siendo suficiente que no haya oposición a la decisión a tomar;".DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mereosur ~. generador de una nueva fuente de dercchointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 78.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 59

Direito Originário x Direito Derivado

Vislumbramos, dessa forma, tanto no âmbito das OrganizaçõesInternacionais de cooperação quanto no campo daquelas de integra-ção, duas espécies de normas. São elas originárias ou derivadas.

As normas originárias são os tratados internacionais constitu-tivos das Organizações Internacionais, firmados pelos Estados-mem-bros. Dispõem sobre a estrutura institucional, além de conterem asregras que vão reger as Organizações Internacionais a que se refe-rem. "O tratado institutivo adquire assim um aspecto de norma cons-titucional a que as demais normas devem se subordinar'<'!",

Comparando as alterações dos tratados internacionais consti-tutivos das Organizações Internacionais com as modificações dasConstituições dos Estados, Ekmekdjian ensina que "os tratados in-ternacionais que ... modificam as normas jurídicas fundamentais dacomunidade, são algo similar às normas constitucionais dela"!"?'.

As normas derivadas, por sua vez, são as decisões adotadas noâmbito da Organização Internacional.

A título de exemplo, podemos analisar o ordenamento jurídicodo Mercosul. "Dúvida não há de que o Tratado de Assunção, o Pro-tocolo de Brasília, o Protocolo de Ouro Preto (direito originário), asdecisões, resoluções e diretrizes (direito derivado) formam um or-denamento jurídico'<P!'.

Cabe esclarecer que as decisões, as resoluções e as diretrizessão espécies de decisões (lato sensu) adotadas pelo Conselho doMercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão deComércio do Mercosul, respectivamente.

Variantes Terminológicas

Constatamos assim que também as decisões das organizaçõesinternacionais comportam variantes terminológicas. "Resoluções, re-comendações, declarações, diretrizes: tais os títulos que usualmente

(119) MELLO, Celso$D. de Albuquerque. Direito Internacional da Integração. Rio de Ja-neiro, Renovar, 1996, p. 101.(120) "Los tratados internacionales que crcan o modifican las estructuras juridicas funda-mentales de la comunidad, son algo similar a las normas constitucionales de ella."EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. tntroduccion 01 Derecho Comunit ario Latino americano.Buenos Aires, Depalma, 1996. p. 79.(121) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutura Juridico-Institucio-nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 98/99.

60 Sérgio Mourão Corrêa Lima

qualificam as decisões das Organizações Internacionais contempo-râneas, variando o seu exato significado e seus efeitos conforme aentidade de que se cuide"(122).

Natureza Consensual do Direito Derivado

"Transparece, vez por outra, alguma dificuldade em estabelecerexata distinção entre as decisões das organizações internacionais e ostratados ... [No âmbito das organizações internacionais] - como nosdemais setores do direito das gentes -, tudo repousa sobre o consen-timento. Só que já não se trata de um consentimento ad hoc, voltadopara a assunção do compromisso tópico, mas daquele outro, maior eprévio, externado à hora de se ditarem em comum, pela voz dos Esta-dos fundadores, as regras do jogo organizacional'v-".

Nesse ponto, as Organizações Internacionais não divergem dasempresas. François Collart Dutilleul e Philippe Delebecque apon-tam que, "como [os demais] contratos, o contrato de empresa é umcontrato consensual'<!"".

Uma vez que as partes tenham manifestado suas vontades nomomento de constituição da empresa, "o contrato de sociedade ope-ra, na lição de Vivante, a transformação dos interesses individuais edivididos dos sócios em um único interesse coletivo, estabelecendo-se o ... interesse comum"(125).

Produção do Direito Internacional Derivado

Já verificamos que, no plano interno dos Estados, o "poder ...exercido por um governo sobre população residente dentro do terri-tório do Estado"(126), é concebido "como um sistema em que se con-jugam um legislativo, um executivo e um judiciário, harmônicos eindependentes entre si"(127).

(122) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 144.(123) REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p.1451146.(124) "Cornme beaucoup de contrats, le contrat d' entrcprise est un contrat consensuel,synallagmatique, civil ou commercial, ou même mixte."DUTlLLEUL, François Collart e DELEBECQUE, Philippe. Contrats Civils et Commerciaux .Paris, Dalloz, 1991, p. 479.(125) SANTOS, Theophilo de Azeredo. Manual de Direito Comercial. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1970, p. 200.(126) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arménio Amado, 1974, p. 389.(127) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, 1985, li ª ed., p. 191.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 61

No âmbito das Organizações Internacionais também se consta-ta a existência de órgãos com funções legislativas, órgãos com fun-ções executivas e órgãos com funções jurisdicionais.

A ONU - Organização das Nações Unidas, por exemplo, tema Assembléia Geral, o Conselho de Segurança e a Corte Internacio-nal da Haia como seus órgãos com funções legislativas, executivas ejudiciárias, respectivamente.

Isso é o que ocorre em regra, uma vez que, também no âmbitointerno dos Estados, não são raras as vezes em que um órgão queintegra determinado poder exerce funções que, em regra, deveriamser exercidas por órgão de outro poder.

No caso do Brasil, os Conselhos de Contribuintes, na esferatributária, apresentam-se como órgãos do Poder Executivo que exer-cem funções eminentemente jurisdicionais. Sua atividade consisteem julgar recursos interpostos pelo contribuinte contra a cobrançade impostos.

Também na esfera do direito de concorrência, o CADE - Con-selho Administrativo de Defesa Econômica, órgão do Ministério daJustiça, apesar de órgão vinculado ao Poder Executivo, exerce fun-ções jurisdicionais consubstanciadas na produção de uma decisão.

Isso porque também já constatamos que, no plano interno dosEstados:

• a "legislação", a atividade do poder legislativo, consistena produção de normas gerais, ou seja, as leis;

• a "administração", a atividade do poder executivo, con-siste na aplicação das leis mediante a produção de normas re-gulamentares, ou seja, de atos administrativos; e

• a "jurisdição't'P", atividade do poder judiciário, consis-te na interpretação das leis gerais através de normas indivi-duais, ou seja, das decisões.

(128) Conforme ensinamentos do Prof. Aroldo Plínio Gonçalves, a legislação, a adminis-tração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida nodia 10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Univer-sidade Federal de Minas Gerais.

62 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Incorporação do Direito Internacional Derivado noPlano Interno Brasileiro

"Os atos de todos os órgãos que possuem capacidade decisóriasurgem do consenso dos representantes dos Estados-Partes, tal comoos Tratados internacionais, e como estes vinculam-nos, obrigam-nosa executá-los de boa-fé. As normas constantes das decisões '" não seinserem automaticamente nos seus ordenamentos jurídicos. Incor-poram-se na medida em que, se for necessário, os Parlamentos na-cionais as aprovem't'F".

No Brasil é necessária a aprovação pelo Poder Legislativo. Tantoassim que o dispositivo constitucional exige manifestação favoráveldo Congresso Nacional não somente para os casos de tratados, maspara todo e qualquer ato internacional:

"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Re-pública:

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacio-nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;"

Assim, concluímos que o procedimento de incorporação dasdecisões de organizações internacionais no Brasil em nada diferedaquele referente aos tratados.

Órgão Jurisdicional

Também em função do "princípio da autonomia da vontade", osEstados podem, no âmbito das Organizações Internacionais, deliberarlivremente sobre a forma de solucionar as controvérsias que se apre-sentem. Essa deliberação pode implicar, inclusive, a criação de umórgão jurisdicional. Este, em observância ao consentimento das par-tes envolvidas, pode tomar a forma de um órgão arbitral ou judiciário.

Francisco Resek, Juiz da Corte Internacional de Justiça, lecionaque "da arbitragem diz-se, com acerto, que é um mecanismo jurisdicio-

(129) FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Processode Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994, p. 50.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 63

nal não judiciário. Isso porque o foro arbitral [em regra] não tem per-rnanência'V'?'. Uma vez "proferida a sentença, o árbitro se desincumbedo encargo jurisdícional'<P". "O produto final da arbitragem .., é umadecisão de índole jurisdicional, rigorosamente obrigatória'v'?".

As decisões judiciárias são, "tal como as sentenças arbitrais,definitiva[ s] e obrigatória] s]"(133). Não obstante, o método judiciáriotraz a permanência como caractér.

(130) REZEK. 1. Francisco. Direito lnternacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 350.(131) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 354.

(132) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 355.(133) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 364.

Organizações Internacionais Supranacionais

Dissertando sobre as Organizações Internacionais supranacio-nais, René-Jean Dupuy constata que, "contrariamente à análise '"das primeiras organizações internacionais, estas não são um sim-ples quadro, aberto às discussões dos governos e à conclusão de acor-dos entre eles"(134).

É que o fator supranacionalidade vem atribuir uma concepçãodiferenciada e dinâmica às Organizações Internacionais.

Ordem Jurídica Supranacional

Roberto Ruiz Diaz Labrano destaca que a supranacionalidade,"do ponto de vista jurídico, que é o que nos interessa, tem em prin-cípio três enfoques possíveis, como ordem jurídica supranacional,como norma jurídica supranacional e como órgão ... supranacional,sem limitar a possibilidade de outras divisões'V'".

Quanto às "normas jurídicas supranacionais", a elas já nos re-ferimos anteriormente, quando abordamos a supranacionalidade denormas. Esta pode se manifestar através de um tratado, independen-do da existência de uma Organização Internacional.

A "ordem jurídica supranacional", por sua vez, requer uma es-trutura organizacional. A razão é simples. Teremos agora, também,a supranacionalidade de órgãos que só existem no âmbito das orga-nizações internacionais.

Cabe lembrar que enquanto a supranacionalidade de normas podeser implementada pelo instituto da transferência de competências, asupranacionalidade de órgãos se faz através da delegação de poderes.

(134) DUPUY, Renê-Jean. O Direito Internacional. Lisboa, Almedina, 1993, p. 126.(135) "Desde un punto de vista jurídico, que es el que nos interesa, tiene en principio tresenfoques posibles, como orden jurídico supranacional, como norma jurídica supranacionaly como órgano jurisdiccional supranacional, sin limítar la posibílidad de otras dívisiones".LABRANO, Roberto Ruiz Diaz. In. Desafios dei Mercosur. Buenos Aires, Ciudad Argenti-na, 1997, p. 160.

Tratados Internacionais no Brasil e integração 65

Mencionamos anteriormente que, para o exercício do poder, aConstituição institui órgãos que, como ensina Celso Ribeiro Bastos,"nada mais são que um feixe, um conjunto de competências ... queincumbe aos seus agentes"(136).

Assim, a transferência de algumas das competências de órgãosque integram os poderes dos Estados não se confunde com a delega-ção do próprio poder à Organização Internacional.

No caso em tela o que se verifica é a delegação de poderesanteriormente exercidos pelos Estados aos órgãos da OrganizaçãoInternacional, que se tornam supranacionais. Temos assim a supra-nacionalidade de órgãos.

Conseqüentemente, verifica-se "o caráter obrigatório das decisões[ou normas] adotadas pelos órgãos da Organização Internacional su-pranacional ... [que implica que] estas decisões [ou normas] obriguemdiretamente não só aos Estados mas também a seus nacionais'<"?'.

Portanto, a "ordem jurídica supranacional" é aquela compostade órgãos supranacionais e normas supranacionais. Essas normas su-pranacionais provêm dos órgãos supranacionais, apresentando-se soba forma de decisões normativas gerais ou jurisdicionais. As demaisnormas supranacionais estão consubstanciadas nos tratados.

"ordem jurídica supranacional"

=

"órgão[sl jur-isdicionalis] supranaciona[is]"

+

"norma[s) jurídica[s] supranaciona[is)"=

direito internacional originário + direito internacional derivado\I \I.

tratados decisões dosórgãos supranacionais

(136) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários á Constituição doBrasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 136.(137) "Iº) El carácter obligatorio de las decisiones adoptadas por los órganos de lacomunidad, aún para los Estados miembros que se hayan opuesto a su adopción.2º) El lIamado efecto directo, en cuyo mérito dichas decisiones obligan directamente nosolo a los Estados sino también a sus nacionales, scan éstos pcrsonas físicas o jurídicas."RAMIREZ, Aguirre Ramirez. In ARÉCHAGA, Eduardo liménes de. Derecho Internacio-nal Público, tomo 11. Montevideo, fcu, 1996, p. 96.

66 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Supranacionalidade Legislativa, Jurisdicional e Executiva

Considerando que o poder é concebido "como um sistema emque se conjugam um legislativo, um executivo e um '" [jurisdicio-nal], harmônicos e independentes entre si"(l38);

Considerando que o legislativo, o executivo e o jurisdicionalreferidos são compostos "de funções ... que ... são: ... legislativa[s],... executiva[s] e ... jurisdiciona[is] "(139); e

Considerando que, no âmbito dos Estados:

• a "legislação", a atividade do poder legislativo, consistena produção de normas gerais, ou seja, as leis;

• a "administração", a atividade do poder executivo, con-siste na aplicação das leis mediante a produção de normas re-gulamentares, ou seja, de atos administrativos; e

• a "jurisdição'<"?', atividade do poder judiciário, consis-te na interpretação das leis gerais através de normas indivi-duais, ou seja, das decisões,

constatamos a existência de três espécies diversas de normas: as leis,os atos administrativos e as decisões jurisdicionais. Essas três espé-cies de normas estão sujeitas à supranacionalidade, desde que cons-tatada a delegação de poderes legislativo, executivo e judiciário exer-cidos pelos Estados-partes à Organização Internacional.

Dessa forma, verifica-se tanto a supranacional idade dos órgãoslegislativos, executivos e jurisdicionais quanto das leis, dos atos ad-ministrativos e das decisões jurisdicionais. Tudo depende da formaconforme se apresente a delegação de poderes à Organização In-ternacional.

Aliás, em 1934, Hans Kelsen já afirmava que "por meio de trata-do pode ser criada uma Organização Internacional a tal ponto centra-

(\38) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, \985, Ilª ed., p. 191.(139) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte,Del Rey, 1996, p. 90.(140) Conforme ensinamentos do Prof. Aroldo Plinio Gonçalves. a legislação, a adminis-tração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida nodia 10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Univer-sidade Federal de Minas Gerais.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 67

lizada que tenha ela própria caráter de Estado, por forma tal que osEstados contratantes que nela sejam incorporados percam o seu cará-ter de Estados. É, porém, uma questão de política a questão de saberaté que ponto um governo estadual deve ou pode limitar a liberdadede ação do seu Estado através de tratados de Direito internacional't'"".

No caso da Comunidade Européia, por exemplo, os poderesjurisdicionais delegados ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Pri-meira Instância resultaram na supranacionalidade destes e, conse-qüentemente, de suas decisões.

Entretanto, para a delegação de poderes executivos à Organi-zação Internacional, a tendência é que haja maior resistência porparte daqueles que exercem as funções executivas nos Estados.

Adriana Dreysin de Klor explica que "a adoção de políticasunilaterais torna-se difícil à medida que se avança na integraçâo'v'''".Dessa forma, aquele que detinha a faculdade de conduzir unilateral-mente a política no âmbito de seu Estado passa a se submeter a umaautoridade executiva superior.

No âmbito do Mercosul, por exemplo, dificilmente os Presiden-tes dos quatro Estados-partes estariam dispostos a ver delegado à Or-ganização Internacional o poder executivo que exercem. O que de fatoestaria a ocorrer seria a transformação do Presidente de um Estadosoberano em governador de um Estado-membro autônomo.

Soberania

A Constituição Federal brasileira consagra a soberania em seuartigo 1Q:

"Art. 1Q A República Federativa do Brasil, formada pelaunião indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Fede-ral, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos:

I - a soberania."

(141) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arrnénio Amado, 1974, p. 459.(142) "La adopción de políticas unilatcrales se torna dificultosa y a medida que se avanzaen la asociación económica, con la incorporación de nuevos países de la región, másinterafianza el aspecto político."DREYSIN DE KLOR, Adriana. E/ Mercosur _ .. generador de una nuevafuent e de d erech ointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 14.

68 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Lançando mão de noções elementares de teoria geral do Esta-do, recordamos o território, a comunidade nacional e o poder comosendo seus três elementos fundamentais'<v".

"Fixando-se no poder, diz Kelsen que o poder do Estado [é]designado como poder de impéno'v'r". Haines nos ensina que "a leifundamental que determina a maneira na qual o poder público deveser exercido é que forma a constituição do Estado"CI45).

José Afonso da Silva completa dizendo que, no Brasil, aConstituição "é a lei fundamental e suprema '" Toda autoridade sónela encontra fundamento e só ela confere poderes e competênciasgovernamentais"( 146).

Não é sem razão que a lei fundamental está no ápice dos orde-namentos jurídicos dos Estados. É que "O poder político emana dopovo e é exercido em nome dêle"(47).

Dessa forma, o que se constata é a "delegação do poder consti-tuinte aos representantes do pOVO"(148).Estes, que exercem o poderconstituinte, agem em nome da vontade popular, estabelecendo oconjunto de normas fundamentais.

"É quase de per si evidente que o chamado poder do Estado,que é exercido por um governo sobre população residente dentro doterritório do Estado'<"?', em conformidade com os ditames da leifundamental, implica a soberania do Estado.

(143) "Echando mano de nociones elementales de teoria general del Estado, recordamos clterritorio, la comunidad nacional y el poder como siendo sus tres elementos fundamentales."CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantesde Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e 1Q deagosto de 1997.(144) DALLARI. Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. II ª ed. São Pau-lo, Saraiva, 1985, p. 71(145) "the fundamentallaw which determines the manner in which the public authoriy is tobe exercised, is what forrns the constitution of the State."HAINES, Charles Grave. In HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional.Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 135.(146) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revistados Tribunais, 1990, p. 95.(147) "Art. 1Q - O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercidoem nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua indepedência e da suaprosperidade."Constituição Brasileira de 10 de novembro de 1937.(148) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, DelRey, 1995, p. 26.(149) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arménio Amado, 1974, p. 389.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 69

Dessa forma, Dalmo de Abreu Dallari conclui que "não há ra-zão para o tratamento autônomo do poder, especialmente para con-siderá-lo desligado da soberania, que é um atributo do poder e, emúltima análise, da própria ordem juridica'<"?'.

No que tange aos efeitos da soberania, novamente aparece aduplicidade de planos. Roque Carrazza leciona que, no plano inter-no, a soberania, "como qualidade jurídica do 'imperium' [implica] oefetivo predomínio [do Estado] sobre as pessoas que o compõem'<"!',

No plano internacional, "a soberania, enquanto atributo de to-dos os Estados, implica a existência de uma estrita igualdade entreeles (Carta das Nações Unidas, art. 2º, § 1º)"(152).

Soberania x Autonomia

Raul Machado Horta, referindo-se às lições de João Manga-beira, "oferece definição compreensiva da autonomia como poderde uma coletividade para organizar, sem intervenção estranha, o seugoverno e fixar as regras jurídicas, dentro de vínculo pré-traçadopelo órgão soberano'<'>".

Constatamos que a distinção básica entre a soberania e a autono-mia reside no termo plenitude. Tracemos um quadro comparativo:

Soberania Autonomia

Exemplo: Exemplo:República Federativa do Brasil Estado de Minas Gerais

opera-se no âmbito de uma opera-se no âmbito de umacomunidade nacional coletividade

Exemplo: brasileiros Exemplo: mineirospleno exercício do poder poder exercido dentro dos limites

pré-traçados pelo órgão soberano

(150) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, 1985, 11 ª ed., p. 98.(l5l) CARRAZZA, Roque. In BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comen-tários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455.(152) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição doBrasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455.

(153) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, DelRey, 1995, p. 426.

70 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Dessa forma, "dizem-se autônomas as unidades agregadas soba bandeira de todo Estado federal. Variam seus títulos oficiais -províncias, estados, cantões, repúblicas - e varia, sobretudo, o graude sua dependência da união a que pertencem'<'>",

Parece conveniente frisar que "o grau de sua dependência" é"pré-traçado pelo órgão soberano", no caso do Brasil, pela da Cons-tituição Federal.

Antigos Caracteres da Soberania

Em 1971, Dalmo de Abreu Dallari afirmava que, "quanto àscaracterísticas da soberania, praticamente a totalidade dos estudio-sos a reconhece como una, indivisível, inalienável e imprescritível.Ela é una porque não se admite num mesmo Estado a convivência deduas soberanias ... não sendo concebível a convivência de mais deum poder superior no mesmo âmbito. É indivisível porque ... ela seaplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inad-missível ... a existência separada de várias partes separadas da mes-ma soberania .... A soberania é inalienável, pois aquele que a detémdesaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o Estado.Finalmente, é imprescritível porque jamais seria verdadeiramentesuperior se tivesse prazo certo de duração. Todo poder soberano as-pira a existir permanentemente e só desaparece quando forçado poruma vontade superior"(155).

Delegação de Poderes

"O continente europeu apresenta-nos o significado de uma pa-lavra que somente agora vem merecendo um minuto de nossa aten-ção: Integração. Gradativamente passamos a tomar consciência deque não somos mais um pequeno todo, mas uma grande parte"(l56l.

Dessa forma, não mais podemos admitir a "concepção de so-berania absoluta, sem regras, não submetida às normas de Direito

(154) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 238/239.(155) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, 1985, 11 ª ed., p. 71.(156) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Formas de Organização Mercadológica com com-binação de Investimentos Estrangeiro e Interno. Belo Horizonte, 1997, p. 02.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 71

Internacional" "e, conseqüentemente, como justificativa de qual-quer arbitrariedade" (157).

Assim, Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins(158) lecio-nam que a soberania nacional é aquela exercida pelo povo em suatotalidade. Desta forma, nada impede que o povo, diretamente, atra-vés de seus representantes ou de plebiscito, delibere a delegação departe de seus poderes a uma Organização Internacional. Isso só severifica porque o "Direito [Internacional] é voluntarista'v""'.

"Recebida de início com muitas reservas e despertando forteresistência, a delegação de poderes, sobretudo a delegação de po-der legislativo, foi aos poucos penetrando nas Constituições. Atual-mente, ... admite-se como fato normal a delegação, exigindo-seapenas que seja limitada no tempo e quanto ao objeto. Os que ain-da temem os efeitos da delegação não a recusam totalmente, sus-tentando, porém, que certas competências devem ser consideradasindelegáveis"( 160).

Portanto, alguns poderes, que a princípio seriam dos Estados,podem ser voluntariamente delegados a uma Organização Interna-cional. ElizabethAccioly, citando Fausto de Quadros, ressalta o usodo termo delegação e não transferência. É que, enquanto "na trans-ferência de poderes há uma alienação desses poderes da parte dequem até então era - e deixa de ser - seu titular, na delegação, araiz, a titularidade nua dos poderes delegados conserva-se no órgãotitular ou delegante'<"!',

(157) "En esta misma obra y en otros trabajos (20) hemos expuesto los argumentos que nosconducen a rechazar la posibilidad de que la soberania, atributo jurídico, pueda concebi r-se como desliagada de toda regra y, en consecuencias, como justificativo de cualquierarbitrariedad. Por las mismas razones tampoco compartimos la posición de los autores quevinculan los derechos y deberes de los Estados con una concepción de soberania absoluta,desarreglada, no sometida a las normas dei Derecho Internacional."VIGNALI, Heber Arbuet. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho InternacionalPúblico, tomo 11. Montevideo, fcu, 1996, p. 96.(158) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição doBrasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 427.(159) DUPUY, Rene-Jean. O Direito Internacional. Lisboa, Almedina, 1993, p. 51.(160) Inseridas em outro contexto, as considerações apresentadas parecem, no entanto,absolutamente aplicáveis à conjuntura atual.DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Sào Paulo, Saraiva,1985, II ª ed., p. 1941195.(161) QUADROS, Fausto de. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia -- Es-trutura Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 118.

72 Sérgio Mourão Corrêa Lima

No âmbito europeu, por exemplo, ocorreu a delegação de al-guns dos poderes estatais para as três Organizações Internacionaisque integram a União Européia, quais sejam, a CECA - Comuni-dade Européia do Carvão e do Aço, a CEEA - Comunidade Econô-mica de Energia Atômica e a CE - Comunidade Européia.

"Ou seja, ao delegarem nas Comunidades seus poderes sobera-nos, os Estados aceitam, nas matérias a que aqueles poderes sobera-nos dizem respeito, o primado da ordem jurídica das Comunidadessobre os Direitos estaduais"{l62).

Portanto, os Estados, em relação aos poderes delegados, passam aser autônomos. Com relação àquela fatia de seus poderes, os Estadosdeixam de ser soberanos e a organização delegada passa a ser suprana-cional. À medida que os Estados delegam voluntariamente parte de seuspoderes à Organização Internacional, aqueles reduzem suas soberanias,enquanto esta amplia o âmbito de sua supranacionalidade.

Recepção de Poderes

Retomando as noções elementares sobre Organizações Inter-nacionais, René-Jean Dupuy nos faz recordar que, "uma vez criada,a organização tem vida própria: goza de certa autonomia em relaçãoaos Estados't'"?'.

Às Organizações Internacionais também se aplica a seguinteconcepção atinente às pessoas jurídicas dos planos internos de cadaEstado: "a pessoa jurídica tem personalidade distinta da de seusmembros tuniversitas distat a singulis)"(l64).

Conseqüentemente, para delegação de poderes dos Estados aosórgãos da Organização Internacional, esta também deve expressarsua vontade. Lembremo-nos que está no consentimento toda a basedo sistema jurídico internacional.

Assim, a delegação pressupõe a manifestação de vontade dosEstados no sentido de cederem parte de seus poderes. Mas tambémrequer-se o consentimento das Organizações Internacionais no sen-tido de receber tais poderes.

(162) QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito InternacionalPúblico. Lisboa, Almedina, 1991, p. 420/421.(163) DUPUY, René-Jean. O Direito Internacional. Lisboa, Almedina, 1993, p. 126.(164) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civi/- Parte Geral. São Pau-lo, Saraiva, 1962, p. 106.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 73

Trata-se, aqui, de um acordo entre:

• as vontades dos Estados cedentes, manifestadas no mo-mento em que adequaram suas leis fundamentais;e

• a vontade da Organização cessionária, manifestada ex-pressamente no texto de seu tratado constitutivo, de suas modi-ficações, ou, ainda, através de entendimento jurisprudencial.

Manifestação de Vontade dos EstadosAdequação Interna

A forma de os Estados manifestarem suas vontades é a ade-quação de suas leis fundamentais. "É nessa linha que se depara, nalei fundamental de certos países da União Européia, com a consa-gração de uma cláusula geral de transferência de poderes sobera-nos ou de autorização para delegação de tais poderes a organiza-ções supranacionais'<'?".

A Alemanha, por exemplo, na revisão de 1992, cuidou de tor-nar sua Constituição compatível com os propósitos integracionistaseuropeus. Seu artigo 23 passou a ter a seguinte redação:

"A União Européia.1. Para a edificação de uma Europa unida, a República

Federal da Alemanha contribui para o desenvolvimento da UniãoEuropéia que deverá respeitar os princípios da democracia, doEstado de direito, do Estado social e federativo com o princí-pio da subsidiariedade e que garante uma proteção dos direitosfundamentais substancialmente comparável à lei fundamental.Para este efeito, a Federação pode transferir direitos de sobera-nia por uma lei aprovada pelo 'Bundesrat"'{l66l.

Manifestação de Vontade da Organização Internacional

De nada adianta que um Estado delegue poderes à Organiza-ção Internacional se esta não se dispuser a criar órgão e transferir

(165) PITTA E CUNHA, Paulo de e RUIZ, Nuno. O Ordenamento Comunitário e o DireitoInterno Português. Lisboa, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 55-11, julho, 1995, p. 342.(166) Conforme consta da obra da Professora Elizabeth Accioly: Mercosul & União Euro-péia - Estrutura Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. I 181119.

74 Sérgio Mourão Corrêa Lima

a eles competências para exercerem as atribuições até então exer-cidas pelos órgãos dos Estados.

Por exemplo, o fato de a Constituição alemã dizer que "a Fede-ração pode transferir direitos de soberania" não significa que a Or-ganização Internacional esteja disposta a receber tais poderes, criarórgãos e transferir competências a eles.

No caso das Comunidades Européias, por exemplo, os poderessão recepcionados pelas Organizações Internacionais. No Merco-sul, porém, O mesmo não ocorre:

Vontade do Cessionário

Comunidades Européias x Mercosul

Tratado União Européia, art. 3º B: Protocolo de Ouro Preto, art. 2º: "são"A Comunidade atuará nos limites das órgãos com capacidade decisória, deatribuições que lhe são conferidas e natureza intergovernamental, o Con-dos objetivos que lhe são cometidos selho do Mercado Comum, o Grupopelo presente Tratado". Mercado Comum e a Comissão de"No horizonte atual da União Euro- Comércio do Mercosul".péia vislumbramos ... , através dos "Note-se, entretanto, que tal dispo-artigos 177; e 189, 190 e 191 do Trata- sitivo revela a ausência da suprana-do da Comunidade Européia, a vonta- cionalidade, ao definir expressamen-de desta em receber os poderes que lhe te sua natureza intergoverna-foram delegados pelos Estados mem mental'<'?".bros "(1 671 .

É aconselhável que a recepção dos poderes por parte das Organi-zações Internacionais seja prevista de forma expressa e clara nos trata-dos. Assim, na falta de previsão nestes moldes, estar-se-á "deixando ...a decisão da questão à opinião ... da doutrina e da jurisprudência'v's",

(167) "En el horizonte actual de la Unión Europea vislumbramos una sección de compe-tencias por parte de los poderes estatales a esta organización internacional de integración.Vislumbramos aún, a través de los articulos 177, 189, 190 Y 191 deI Tratado de la ComunidadEuropea, la voluntat de la Comunidad Europea en recibir las competencias cedidas porcada uno de los Estados miembros. La transferencia de cornpetencias por los Estados par-tes y la recepción de ellas por la organización internacional implicaron la supranacionalidadde la Comunidad Econórnica Europea."CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiuntesde Derecho dei Mercosur " em Córdoba ~ Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I º deagosto de 1997.(168) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia ~ Estrutura Jurídico-Institucio-nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 63.(169) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público, Almedina, Coimbra, 1997, p.116.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 75

É O caso da Comunidade Européia, onde a recepção de poderes"é de raiz pretoriana [pois] só implicitamente decorre de disposi-ções do Tratado de Roma ... [uma vez que] não se encontra acolhid[ a]de modo expresso em qualquer preceito dos tratados.v"?"

Assim, na Europa, mediante forte influência jurisprudencial, adelegação de poderes "pelos Estados partes e a recepção del [e] s pelaOrganização Internacional implicaram a supranacionalidade da Co-munidade Européia."

Princípios Característicos da Supranacionalidade de Normas

"As normas supranacionais podem apresentar algumas carac-terísticas próprias. São elas:

1) [Aplicabilidade Direta:]As normas .,. [supranacionais] se incorporam automaticamen-

te à ordem jurídica interna de cada um dos Estados-membros, semnecessidade de nenhuma norma de direito interno que as recepcione.

2) [Efeito Direto]:As normas .,. [supranacionais] têm capacidade para gerar di-

reitos e obrigações para os cidadãos dos Estados-membros.

4) Supremacia [ou Primado]:As normas ... [supranacionais] têm hierarquia superior às nor-

mas de direito interno dos Estados-membros'v'?".

(170) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. AImedina, Coimbra, 1997, p.135.(171) "EI derecho comunitario tiene varias características propias que lo distinguen deotras ramas del derecho: ..I) Aplicabilidad inmediata o automática:Las normas de derecho comunítarío se incorporan automátícamente al orden jurídíco inter-no de cada uno de los Estados miembros, sin necesidad de ninguna norma de derechointerno que las recepcione ....2) Aplicabilidad directa:Las normas comunítarias tienen capacidad para generar derechos y oblígacíones para losciudadanos de los Estados miembros ....4) Supremacia:Las normas comunitarías tienen jerarquía superior a las normas deI derecho interno de losEstados miembros."EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción ai Derecho Comunitario Latinoamericano.Buenos Aires, Depalma, 1996, p. 69172.

76 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Passamos à breve análise de cada um deles:

• Princípio da Aplicabilidade Direta:Fausto de Quadros, referindo-se às Comunidades Européias,

explica que, "ao delegarem nas Comunidades seus poderes sobera-nos, os Estados aceitam, nas matérias a que aqueles poderes sobera-nos dizem respeito, ... a ordem jurídica das Comunidades'?"?",

Assim, não cabe mais falar em aprovação das normas interna-cionais no plano interno dos Estados-membros de uma OrganizaçãoInternacional supranacional. O poder dos Estados para legislar so-bre determinadas matérias foi delegado à Organização Internacio-nal, que, conseqüentemente, se tornou supranacional. Dessa forma,as normas provêm do mesmo poder legislativo, embora exercido nãomais pelos Estados, mas pela Organização Internacional.

Temos, portanto, a desnecessidade de aprovação interna dasnormas internacionais e a conseqüente aplicabilidade imediata des-tas no plano interno dos Estados-membros da Organização Interna-cional supranacional.

Um regulamento, ato decisório do Conselho da União Euro-péia, por exemplo, não necessita de aprovação interna nos Estados-partes. Tem aplicabilidade imediata no território de cada um deles.

• Princípio do Efeito Direto:Referindo-se ao processo de integração europeu, Ekmekdjian

destaca que, "além de sua incorporação automática ao direito inter-no ... [dos Estados-membros], o direito comunitário reconhece a to-dos os seus habitantes a faculdade de exigirem perante seus juízesnacionais o reconhecimento dos direitos que lhes conferem os trata-dos, regulamentos, diretivas ou decisões comunitárias e a correlativaobrigação dos juízes nacionais de aplicá-los, qualquer que seja alegislação do país ao qual pertençam'<'?".

(172) QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito InternacionalPúblico. Lisboa, Almedina, 1991, p. 420/421.(173) "Adernas de su incorporación automática al derecho interno de éstos, el derechocomunitario reconoce a todos sus habitantes la facultad de exigir ante sus jueces naciona-les el reconocimiento de los derechos que les confieran los tratados, reglamentos, directivaso decisiones comunitarias y la correlativa obligación de los jueces nacionales de aplicarlos,cualquiera que sea la legislación deI pais ai cual pcrtenezca."EKMEKDJlAN, Miguel Ángel. Introducción ai Derecho Comunitario Latinoamericano.Buenos Aires, Depalma, 1996, p. 70.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 77

Trata-se do efeito direto das normas originárias e derivadas deuma Organização Internacional sobre as pessoas físicas e jurídicasdos Estados-membros.

Considerando que essas normas são imediatamente aplicáveisem cada um dos Estados-membros da Organização Internacional,também os juízes nacionais sujeitam-se ao chamado efeito direto.Assim, o "juiz nacional dos países-membros é, ao mesmo tempo,juiz comunitário'<'?". Isso porque deve julgar observando tanto asnormas internas quanto as normas "supranacionais".

Cumpre analisarmos a hipótese de um choque entre os conteú-dos de uma norma interna e de uma norma de Organização Interna-cional supranacional.

• Princípio da Supremacia ou do Primado:Também se referindo ao âmbito europeu, Paulo de Pitta e Cu-

nha e Huno Ruiz lecionam que "tendo o primado [das normas comu-nitárias] como conseqüência a inaplicabilidade das normas nacio-nais contrárias ao direito comunitário, as autoridades e jurisdiçõesnacionais devem abster-se de reconhecer a eficácia do direito nacio-nal incompatível com o direito comunitário e de o aplicar, sendoindiferente que o direito nacional tenha sido publicado após a entra-da em vigor do direito cornunitário'<'?".

Assim, havendo confronto entre norma interna e norma de Or-ganização Internacional supranacional, a primeira torna-se inapli-cável, prevalecendo a última, ainda que a norma interna seja a Cons-tituição do Estado-membro.

Fausto de Quadros já salientara que "o primado supraconsti-tucional é uma exigência existencial do direito comunitário. Semprimado sobre a Constituição não há direito comunitário e não háComunidade'<'?",

(174) "Todo juez nacional de los países miembros es aI misrno tiernpo juez cornunitario."EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. !ntroducción ai Derecho Comunitario Latino americano.Buenos Aires, Depalma, 1996, p. 72.(175) "Este principio tampoco surge de los tratados de las comunidades, sino que ha sidoestablecido por la jurisprudcncia dei Tribunal de Justicia de la Unión Europea.En el ya citado caso 'Costa c. Enel ', el Tribunal consagró el principio de la supremaciaabsoluta e incondicional dei derecho comunitario sobre el derecho interno de los Estadosmiernbros en los seguientes términos."EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. !ntroducción ai Derecho Comunitario Latino americano.Buenos Aires, Depalma, 1996, p. 72173.(176) QUADROS, Fausto de. !n ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Es-trutura Juridico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 98.

78 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Em razão dos princípios consagrados da aplicabilidade diretadas normas ... nos Estados-membros, do efeito direto destas normassobre os particulares e da supremacia destas normas sobre as normasinternas dos Estados, não compete aos juízes analisar a forma de in-ternacionalização das normas. Cumpre a eles somente aplicá-las'v""

Podemos ilustrar os princípios acima mencionados através doseguinte exemplo:

Um juiz francês, por exemplo, instado a decidir pendência en-tre um alemão e uma empresa francesa deve, no momento de julgaro caso, levar em consideração o ordenamento jurídico francês, que écomposto pelas normas francesas e pelas normas da União Euro-péia. Estas últimas:

• devem ser consideradas assim que publicadas, em razãodo princípio da aplicação imediata;

• geram efeito direto tanto para o alemão quanto para aempresa francesa e, conseqüentemente, devem ser observadaspelo juiz francês; e

• têm estatura hierárquica superior, logo o juiz francês deveprivilegiá-las, em detrimento das normas francesas.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça, órgão judiciário daUnião Européia, é de inquestionável importância. Quanto aos prin-cípios característicos da supranacionalidade na esfera das Organiza-ções Internacionais de integração européias, a jurisprudência vemcontribuindo da seguinte forma:

• "a Corte de Luxemburgo constrói e prolata o princípioda primazia do Direito Comunitário. Com isso, consolida-se oentendimento de que normas internas posteriores não poderiamrevogar o Direito Comunitário, originário ou derivado.

Tratou-se do ... Acórdão Costa/Enel'V'",

(177) "Devemos seíialar que en razón de los principios consagrados de la aplicabil idaddirecta de las normas comunitarias en los Estados miembros, el efecto directo de estasnormas sobre los particulares y la supremacia de estas normas sobre las normas internas delos Estados, a los jueces de los Estados partes de la Unión Europea no lcs compete analizarla forma de internalización de las normas comunitárias. Cumple a e1los solamente aplicarlas."CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantesde Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I Q deagosto de 1997.(178) FONTOURA, Jorge. In Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Rela-ções Internacionais. Brasília, 1997, p. 58.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 79

• "Também é extremamente esc1arecedor[a] ... a decisãodo TJCE, no [caso] Simmenthal, as. 106177, no qual sustentouque o Direito Comunitário, originário ou derivado, é imediata-mente aplicável ao ordenamento jurídico interno dos Estados-membros'<'?".

• "a Corte de Luxemburgo realiz[ou] uma efetiva constru-ção pretoriana do efeito direto. O ponto de partida, o caso VanGeend en Loos, estabaleceu a faculdade que os particulares têmde invocar o Direito Comunitário de qualquer natureza já pe-rante suas jurisdições nacionais" (180).

Propósito das Normas Supranacionais

Já constatamos que as normas internacionais, sejam elas ori-ginárias ou derivadas, podem se apresentar supranacionais, casotenha ocorrido a delegação de poderes dos Estados à OrganizaçãoInternacional.

Estas normas supranacionais, regra geral, apresentam os se-guintes propósitos:

• harmonização; e• unificação.

Aquelas que visam a harmonização são normas programáticasou não auto-aplicáveis'!"!', "através das quais o legislador em vez deregular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-sea traçar-lhes os princípios'v'!".

(179) "Tarnbién es sumamente clarificador en este sentido el fallo dei TJCE, en Simmenthal,as. 106177, en el cual sostuvo que el Derecho Comunitario, original o derivado esinmediatamente aplicable en el ordenamiento jurídico interno de los Estados micmbros."DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador de una nuevafuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 215.(180) FONTOURA, Jorge. In Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Rela-ções Internacionais. Brasília, 1997, p. 60.(181) "not self-executing ou not self-enforcing, ou not self-acting; não auto-executáveis,não auto-aplicáveis, não bastantes em si."SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Revistados Tribunais, 1968, p. 67.(182) SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Re-vista dos Tribunais, 1968, p. 132.

80 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Os Estados-membros devem, "segundo os meios e as formaspor eles consideradas mais adequados "(183), regulamentar a matériaem estrita consonância com os princípios traçados pela OrganizaçãoInternacional através das normas supranacionais.

Este procedimento não nos traz nenhuma estranheza, uma vezque o mesmo ocorre no Brasil no que tange, por exemplo, ao ICMS- imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços. A Uniãotraça os princípios gerais através da Constituição Federal e do Códi-go Tributário Nacional. Os Estados federados, por sua vez, devemdisciplinar o referido tributo em consonância aos ditames maiores.

A unificação, por sua vez, requer normas supranacionais auto-aplicáveis-'", Estas, "porque revestidas de plena eficácia jurídica [e]por regularem diretamente as matérias'v'" independem de qualquerprocedimento dos Estados-partes da Organização Internacional.

Desta forma, concluímos que "a unificação pressupõe a substi-tuição do Direito nacional pelo Direito unificado que não deixamargem a diferenças nacionais; enquanto na harmonização, as di-vergências nacionais podem subsistir".

"Convenhamos que a harmonização e a unificação legislativanão só não se excluem mas tampouco são incompatíveis; há setoresem que resulta conveniente uma unificação, V.g. para matérias bási-cas; ao contrário, a harmonização é apropriada para matérias periféri-cas, o que redunda em uma utilização complementar entre ambas"(186l.

(183) CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário -- f[ Volume. Lisboa, FCG, 1994, p.283.(184) "self-executing ou self-enforcing, ou self-acting; auto-executáveis, auto-aplicáveis,bastantes em si."SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Revistados Tribunais, 1968, p. 66.(185) SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, Re-vista dos Tribunais, 1968, p. 66.(186) "La unificación supone la sustitución del Derecho nacional por el Derecho unificadoque no deja margen a diferencias naciona1es; mientras que cn la armonización, lasdivergencias nacionalcs pueden subsistir si no inciden negativamente cn el establecimientoy funcionamiento deI mercado común.

Ahora b ien, convengamos en que la armonización y la unificación legislativa no sólo no seexcluyen sino que tampoco son incornpatibles; hay sectores en los que resulta convenienteuna unificación, v. g. para materias básicas; en cambio, la armonización es apropriada pararnaterias periféricas, lo que redunda en una utilización complementaria entre ambas y de

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 81

No âmbito da Comunidade Européia, por exemplo, os regu-lamentos e as diretivas são exemplos de normas internacionaissupranacionais com propósitos de unificação e de harmonização,respectivamente.

Caracteres Atuais da Soberania

A idéia de soberania continua sendo a de "poder ... exercidopor um governo sobre população residente dentro do territôrio'w"),em conformidade com os ditames da lei fundamental.

Entretanto, seus caracteres já não mais são os mesmos. Podemosdetectar as seguintes transformações nos caracteres da soberania:

"una" x convivência de poderes

"una porque não se admite num mes- "o caráter obrigatório das decisõesmo Estado a convivência de duas so- adotadas pelos órgãos da Organiza-beranias .. ' não sendo concebível a ção Internacional supranacional" fazconvivência de mais de um poder su- com que "estas decisões obriguemperior no mesmo âmbito". diretamente não só aos Estados mas

também a seus nacionais'v'!".

Conclusão: No âmbito interno dos Estados-partes de uma Organização Interna-cional supranacional podem conviver dois poderes distintos: o poder do Estadoe os poderes delegados por este à Organização.

cooperación de una con otra pera sobre todo, es necesario acudir a la armonización paracompletar la tarea de unificación que se realice."

DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador de una nueva fuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 186/187.

(187) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arménio Amado, 1974, p. 389.(188) "1°) EI carácter obligatorio de las decisiones adoptadas por los órganos de lacomunidad, aún para los Estados miembros que se hayan opuesto a su adopción.2Q

) El llamado efecto directo, en cuyo mérito dichas decisiones obligan directamente nosolo a los Estados sino también a sus nacionales, sean éstos personas fisicas o jurídicas."

RAMIREZ, Aguirre Ramirez. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacio-nal Público, tomo 11.Montevideo, fcu, 1996, p. 96.

82 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"indivisível" x divisíveis

"porque ... ela se aplica à universa- "Do ponto de vista jurídico, que é o!idade dos fatos ocorridos no Esta- que nos interessa, têm em princípiodo, sendo inadimissível ... a exis- três enfoques possíveis, como ordemtência de várias partes separadas jurídica supranacional, como norma

da mesma soberania". jurídica supranacional e como órgãojurisdicional supranacional, sem li-mitar a possibilidade de outras di-visões'v'".

Conclusão: O Estado pode delegar à Organização Internacional supranacional

poderes legislativos, executivos ou jurisdicionais. Teremos, assim, a reduçãogradual da soberania do Estado e proporcional aumento do âmbito de suprana-ciona!idade da organização. Podemos, ainda, constatar a delegação de parte dequalquer um dos três poderes. Por exemplo, o Estado pode delegar seu poder delegislar somente sobre matéria comercial à Organização Internacional.

"inalienável" x delegável

"pois aquele que a detém desaparece "na transferência de poderes há umaquando ficar sem ela, seja o povo, alienação desses poderes da parte dea nação, ou o Estado". quem até então era - e deixa de ser

- seu titular, na delegação a raiz, atitulariedade nua dos poderes dele-gados conserva-se no órgão titularou delegante'V?".

Conclusão: Ao delegar poderes à Organização Internacional supranacional, oEstado não desaparece. Apenas deixa de ser soberano para se tornar autônomo"nas matérias a que aqueles poderes soberanos diz[iam] respeito".

(189) "Desde un punto de vista jurídico, que es el que nos interesa, tiene en principio tresenfoques posibles, como orden jurídico supranacional, como norma jurídica supranacionaly como órgano jurisdiccional supranacional, sin limitar la posibilidad de otras divisiones."

LABRANO, Roberto Ruiz Diaz. In Desafios dei Mercosur. Buenos Aires, Ciudad Argenti-na, 1997,p. 160.

(190) QUADROS, Fausto de. In ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Es-trutura Jurídico-Institucional. Curitiba, Juruá, 1996, p. 118.

Tratados Internacionais no Brasil e Integraçào 83

"imprescritível" x "prescritível"

"porque jamais seria verdadeiramente "O continente europeu apresenta-nossuperior se tivesse prazo certo de du o significado de uma palavra que so-ração. Todo poder soberano aspira a mente agora vem merecendo um mi-existir permanentemente e só desapa nuto de nossa atenção: Integração.rece quando forçado por uma vonta- Gradativamente passamos a tomarde superior". consciência de que não somos mais

um pequeno todo, mas uma grandepartc'"!"!'.

Conclusão: Os Estados não mais aspiram figurar como "um pequeno todo".Descobriram que podem, voluntariamente, ou seja, sem serem pressionados poruma vontade superior, delegar poderes a uma Organização Internacional supra-nacional para se tornarem "uma grande parte".

(191) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Formas de Organização Mercadológica com Com-binação de Investimentos Estrangeiro e Interno. Belo Horizonte, 1997, p. 02.

Tratados e Decisões do Mercosul no Brasil

Os tratados e decisões da Organização Internacional Mercosulvêm merecendo, no Brasil, o mesmo tratamento dos demais tratadose decisões das Organizações Internacionais.

Isso porque não houve a delegação de poderes dos Estados-membros ao Mercosul. Conseqüentemente, esta Organização Inter-nacional não se tornou supranacional.

Em razão de sua natureza consensual, dois são os requisitospara a implementação da delegação de poderes:

• as vontades dos Estados-membros do Mercosul, mani-festada através de suas leis fundamentais;

e

• a vontade da Organização Internacional Mercosul, ma-nifestada no texto de seu tratado constitutivo ou de suas modi-ficações.

Vontade dos Estados-Membros do Mercosul

Gonzalo Aguirre Ramirez destaca que "as Constituições dosquatro países que integram o Mercosul contêm disposições referen-tes aos processos de integração, pelo menos no plano econômico. AArgentina, em sua reforma de 1994, avançou muito na questão, porintermédio do número 24 de seu artigo 75 ...".

A Constituição paraguaia de 1992 também se colocou na boalinha - ainda que com menor audácia que a anterior - de acordocom o prescrito por seu artigo 145. Não saem, ao contrário, deenunciações programáticas a Constituição brasileira de 1988 (art.4º) e a uruguaia de 1967 (art. 6º, inciso segundoj'"?'.

(192) "Así las Constituciones de los cuatro paises que integran el Mercosur contienen dis-posiciones habitantes de los procesos de integración, por lo menos en el plano económico.Argentina, en su reforma de 1994, avanzó mucho en la cuestíón, por intermedio deI num.24 de su art. 75 ...

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 85

Essas considerações demonstram que, enquanto as leis funda-mentais da Argentina e do Paraguai já sofreram as modificaçõesnecessárias à delegação de poderes, as Constituições do Brasil e doUruguai permanecem aparentemente inadequadas para essa finali-dade. Vejamos os dispositivos constitucionais de cada um dos qua-tro Estados partes do Mercosul, no que tange a tratados internacio-nais e decisões das Organizações Internacionais:

Constituição da Nação Argentina:

"Art. 75 - Compete ao Congresso Nacional:

22. Aprovar ou rejeitar tratados concluidos com as demais nações e comas organizações internacionais e os acordos com a Santa Sé. Os tratados e acor-dos têm hierarquia superior às leis.

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; a DeclaraçãoUniversal de Direitos Humanos; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais; o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Pro-tocolo Facultativo; a Convenção sobre a Prevenção e a Sanção do Delito deGenocídio; a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas deDiscriminação Racial; a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas deDiscriminação contra a Mulher; a Convenção contra a Tortura e outros Tratamen-tos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; a Convenção sobre os Direitosda Criança, nas condições de sua vigência, têm hierarquia constitucional, nãoderrogam artigo algum da primeira parte desta Constituição e devem entender-secomplementares dos direitos e garantias por ela reconhecidos.

24. Aprovar tratados de integração que deleguem competências e juris-dição às organizações supraestatais em condições de reciprocidade e igualda-de, e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos. As normasditadas têm conseqüentemente hierarquia superior às leis.

A aprovação desses tratados com Estados da América Latina requererá amaioria absoluta da totalidade dos membros de cada Câmara ..."(193).

La Constitución paraguaya de 1992 también se colocá en la buena línea - aunque conmenor audacia que la anterior - de acuerdo a lo prescripto por su art. 145. No salen, encambio, de las enunciaciones programáticas, la Constitucíón brasileiia de 1988 (art. 4) y lauruguaya de 1967 (art. 6 inciso segundo)."RAMIREZ, Gonzalo Aguirre. In SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Inter-nacional y Comunitario dei Mercosur. Montevideo, [cu, 1997, p. 21.(193) Constituição da Nação Argentina:"Art. 75 - Corresponde aI Congreso Nacional:

22. Aprobar o desechar tratados conclui dos con las demás naciones y con las organizacio-nes internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienenjerarquia superior a las leyes.

86 Sérgio Mourão Corrêa Lima

A expressão "em condições de reciprocidade e igualdade" pa-rece trazer consigo a exigência de que os demais Estados-membrosda Organização Internacional também adequem suas Constituiçõespara a delegação de poderes.

Constituição da República Federativa do Brasil:

"Art. 4º

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integraçãoeconômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando àformação de uma comunidade latino-americana de nações.

"Art. 5º

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluemoutros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

"Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais

que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".

Francisco RezeJ(I94), analisando o parágrafo único do artigo 4ºda Constituição Federal de 1988, afirmou que o referido dispositivopode compreender duas formas de interpretação.

La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Univer-sal de Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales yCulturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultati-vo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción dei Delito de Genocidio; la Conven-ción Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; laConvención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer;la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes;la Convención sobre los Derechos dei Nino; en las condiciones de su vigencia, tienenjerarquia constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitu-ción y deben entenderse complementarios de los derechos y garantias por ella reconocidos.

24. Aprobar tratados de integración que deleguen competencias y jurisdicción a organíza-ciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el ordendemocrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienenjerarquia superior a las leyes.La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica requerirá la mayoría absolu-ta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. "(194) REZEK, J. Francisco. Entendimento manifesto no "Encontro Internacional- Ques-tões Jurídicas no Processo de Integração do Mercosul" realizado no Superior Tribunal deJustiça em Brasília nos dias 27 a 29 de novembro de 1996.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 87

A primeira, mais conservadora, no sentido de que a referidanorma, por ser programática, não admitiria a delegação de poderes.

A segunda faria constatar a ausência de entraves à delegaçãode poderes, em uma realidade em que a integração não se mostramais estranha. Dessa forma, poder-se-ia entender que o parágrafoúnico do artigo 4Q da Constituição Federal constituiria o autorizativobrasileiro para a delegação de poderes.

Constituição da República do Paraguai:

"Artigo 137. DA SUPREMACIA DA CONSTITUiÇÃOA lei suprema da República é a Constituição. Esta, os tratados, convênios

e acordos internacionais aprovados e ratificados, as leis ditadas pelo Congres-so e outras disposições jurídicas de inferior hierarquia, sancionadas, conse-qüentemente integram o direito positivo nacional na ordem de prevalência enun-ciada."

"Artigo 141. DOS TRATADOS INTERNACIONAISOs tratados internacionais validamente celebrados, aprovados por lei do

Congresso, e cujos instrumentos de ratificação tenham sido trocados ou depo-sitados, tomam parte do ordenamento legal interno com a hierarquia que deter-mina o artigo 137."

"Artigo 145. DO ORDENAMENTO JURÍDICO SUPRANACIONALA República do Paraguai, em condições de igualdade com outros Esta-

dos, admite um ordenamento jurídico supranacional que garanta a vigência dosdireitos humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento, po-lítico, econômico, social e cultural.

Ditas decisões só poderão ser adotadas por maioria absoluta de cada Câ-mara do Congresso" (195)

(195) Constituição da República do Paraguai:"Artículo 137. DE LA SUPREMACÍA DE LA CONSTlTUCIÓNLa ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdosinternacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposi-ciones jurídicas de inferior jerarquia, sancionadas en consecuencia, integran el derechopositivo nacional en el orden de prelación enunciado"."Artículo 141. DE LOS TRATADOS INTERNACIONALESLos tratados internacionales validamente celebrados, aprobados por ley deI Congreso, ycuyos instrumentos de ratificación fueran canjeados o depositados, forman parte deI orde-narniento legal interno con la jerarquia que determina el artículo 137.""Artículo 145. DEL ORDEN JURÍDICO SUPRANACIONALLa República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un ordenjurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de lajusticia, de la cooperación y dei desarrollo, en lo político, económico, social y cultural.Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoria absoluta de cada Cámara del Congreso."

88 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Também na Constituição do Paraguai constatamos a exigênciade "igualdade" para que a delegação de poderes se manifeste.

Constituição da República Oriental do Uruguai:

"Artigo 6º.

A República procurará a integração social e econômica dos Estados Lati-noamericanos, especialmente no que se refere à defesa comum de seus produ-tos e matérias-primas .... "

Artigo 85. - À Assembléia Geral compete:

7º) ... aprovar ou reprovar, por maioria absoluta de votos do total de com-ponentes de cada Câmara, os tratados de paz, aliança, comércio e as conven-ções ou contratos de qualquer natureza que celebre o Poder Executivo compotências estrangeiras "(196)

Tal como a norma do parágrafo único do artigo 4Q da Consti-tuição Federal brasileira, a norma constante do artigo 6Q da Consti-tuição do Uruguai comporta duas formas distintas de interpretação.

Entretanto, ainda que se entenda que as leis fundamentais dosquatro Estados-membros do Mercosul estejam adequadas à delega-ção de poderes, falta a manifestação de vontade da Organização In-ternacional Mercosul no sentido de receber tais poderes.

Vontade da Organização Internacional Mercosul

O Mercosul, através de seus tratados constitutivos ou de suasmodificações, não expressa sua vontade no sentido de recepcionareventuais poderes delegados pelos Estados.

(196) Constituição da República Oriental do Uruguai"Articulo 6º.

La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamerica-nos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materiasprimas. ""Artículo 85. - A la Asamb1ea General compete:

7º) ... aprobar o reprobar por mayoría absoluta de votos deI total de componentes de cadaCámara, los tratados de paz, alianza, comercio y las convenciones o contratos de cualquiernaturaleza que celebre el Poder Ejecutivo con potencias extranjeras."

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 89

Ao contrário, o Protocolo de Ouro Preto, em seu artigo 2º,destaca:

"Artigo 2º

São órgãos com capacidade decisória, de natureza inter-governamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mer-cado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul".

Elizabeth Accioly, comentando esse artigo, conclui "que taldispositivo revela a ausência da supranacionalidade, ao definir ex-pressamente [a] natureza intergovernamental"(197) de seus órgãoslegislativos.

Assim, "No Mercosul continua existindo a necessidade deinternalizar os tratados e decisões adotadas. Portanto, os juízes dosEstados-membros devem, antes de aplicar as referidas normas, ana-lisar a aplicabilidade e vigência destas no território de seus Esta-doS"(198l.Para tanto devem analisar se a norma interna é superior ouinferior ao tratado internacional ou ato decisório adotado no âmbi-to do Mercosul. Caso detenham a mesma hierarquia, prevalece aposterior.

(197) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutura Juridico-lnstitucio-nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 63.(198) "En el Mercosur no tenemos supranacionalidad. De esta forma, continua existiendola necesidad de internalizar los tratados y decisiones adaptadas. A partir de ahi, los juecesde los Estados miembros deven antes de aplicar dichas normas, analizar la aplicabilidad yvigencia de éstas, en el terreno de sus propios Estados."

CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "V Foro dei Mercosur" emBuenos Aires - República Argentina nos dias 1O a 12 de setembro de 1997.

Manifestações da Integração

Apesar de guardarem certa relação entre si, a questão da su-pranacionalidade é distinta daquela relativa às manifestações daintegração.

É que as organizações internacionais, sejam elas de coopera-ção ou de integração, podem se apresentar supranacionais. Para tan-to, requer-se apenas a delegação de poderes dos Estados-membros àOrganização Internacional.

No caso das organizações internacionais de integração, entre-tanto, a supranacionalidade pode parecer mais adequada em deter-minados momentos da "fusão", ou seja, do processo de integração.

Osmar Brina Corrêa Lima ensina que "a fusão ... deve seguirum procedimento'v"?', O mesmo ocorre com o processo de integra-ção de Estados no plano internacional. Tanto assim que a ProfessoraElizabeth Accioly afirma que, "do modelo de cooperação ao comu-nitário, temos várias fases de integração, nas quais os Estados quepretendem formar um grupo regional escolhem, a partir de seus in-teresses, o grau pretendido'<"?'.

Para o estudo desses novos fenômenos, "começa a aparecer umnovo Direito, de elaboração plural entre os Estados'V"!', Trata-se doDireito de Integração.

No que tange a esse novo ramo, "constatamos a utilização dasmesmas metodologias propostas pelo Direito Internacional Público... Entretanto, apesar de os métodos serem os mesmos, não seriasuficiente a utilização dos mesmos conceitos do Direito Internacio-nal clássicoP?".

(199) CORRÊA LIMA, Osmar Brina. Incorporação de Empresas. Belo Horizonte, Del Rey,1993, p. 28.(200) ACC10LY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutura Jurídico-Institucio-nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 18.(201) "começa a aparecer um novo Direito, de elaboração plural entre os Estados."BIDART, Adolfo Gelsi. In SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Internacio-nal y Comunitario dei Mercosur. Montevideo, fcu, 1997, p. 61.(202) "Constatamos la utilización de las mísmas metodologías propuestas por el DerechoInternacional Público ... Entretanto, a pesar de que los métodos sean los mísmos, no seriasuficiente la utilización de los mísmos conceptos dei Derecho Internacional clásico."

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 91

É que a integração se manifesta de várias formas. Temos, as-sim, o enfoque comercial, econômico, monetário, financeiro, admi-nistrativo, político, etc.

Integração Comercial

A "fusão" comercial geralmente é o primeiro passo a serimplementado pelas organizações internacionais de integração. Paracompreendermos o significado da integração comercial necessaria-mente devemos analisar o âmbito de aplicação do Direito Comercial.

Carvalho de Mendonça nos ensina que "o campo de aplicaçãodo direito comercial é a matéria de comércio ou a matéria cornercialP?".Assim, entende-se por integração comercial a "fusão" de Estados noque tange ao comércio de bens e produtos.

Àrea ou Zona de Livre Comércio

Trata-se da criação de uma área ou zona onde bens e produtoscirculam livremente. Impõe-se, portanto, a eliminação das diversasformas de restrições existentes. Podemos destacar as seguintes:

- Restrições tarifárias- Restrições não-tarifárias:

• Qualitativas;• Quantitativas; e• Medidas de Efeito Equivalente

Restrições tarifárias são aquelas implementadas por meio detributos aduaneiros. Dessa forma, a Argentina não pode, por exem-plo, cobrar imposto de importação sobre mercadoria brasileira, umavez que o Mercosul apresenta-se atualmente como uma Organiza-ção Internacional de integração comercial.

Da mesma forma, o Brasil não pode, através de cotas, limitar onúmero de veículos argentinos a serem importados. Essa medida seriaclassificada como uma restrição não-tarifária quantitativa.

CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantesde Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I º deagosto de 1997.(203) MENDONÇA, Carvalho de. In SANTOS, Theophilo de Azeredo. Manual de DireitoComercial. Rio de Janeiro, Forense, 1970, p. 42.

92 Sérgio Mourào Corrêa Lima

Também não pode o Brasil restringir a importação de determi-nado tipo de mercadoria argentina, sob pena de estar configuradauma restrição qualitativa.

Suponhamos, ainda, que o governo argentino implemente medi-da "não disponibilizando ou limitando as disponibilidades'V?? demeios para o pagamento das importações. Esta medida certamenteenquadra-se como restritiva do comércio. É que o comerciante Uru-guaio que esteja exportando para a Argentina ficará temeroso de nãoreceber o valor correspondente às mercadorias que esteja vendendo.O importador Argentino, por sua vez, não disporá de meios eficientespara pagar o que esteja adquirindo, o que poderá lhe trazer implica-ções comerciais várias. Como resultado, inúmeras operações comer-ciais deixam de ocorrer. Desta forma, Manuel Carlos Lopes Porto in-forma que as "restrições aos pagamentos" podem figurar como medi-das que, de forma equivalente, limitam o livre comércio.

A partir da eliminação dessas formas de restrição, o comércioentre particulares dos Estados-partes da Organização Internacionalde integração comercial passa a ser livre. Temos, assim, a integra-ção comercial.

É necessário salientar que a livre circulação somente abarca asmercadorias que ostentem certificado de origem de uma das partesda Organização Internacional de integração comercial. Produtos ja-poneses, por exemplo, ainda que provenientes do Brasil, podem so-frer restrições na Argentina. Para afastar qualquer limitação quantoà circulação, deve-se comprovar que os produtos são brasileiros atra-vés de documento denominado certificado de origem.

Regime de Exceções

A zona ou área de livre comércio poderá ser considerada im-perfeita caso se verifique a existência de regime de exceções.

É que existem produtos de maior sensibilidade que, portanto,devem ser poupados temporariamente dos efeitos de um procedi-mento de liberalização do comércio.

"Estes produtos excetuados são aqueles mais 'sensíveis' e for-mam o grupo dos que não podem ... [enfrentar] a concorrência dosprodutos similares de outros países de modo imediato. É por isso que

(204) PORTO, Manuel Carlos Lopes. Teoria da Integração e Politicas Comunitárias. Al-medina, Coimbra, 1997, p. 119.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 93

os países tentam protegê-los transitoriamente pondo-os fora do alcan-ce das tarifas aduaneiras ... de nível zero ... Do contrário, seriam eli-minados do mercado porque ... [em um primeiro] momento ... nãopodem competir eficazmente com seus similares dos outros paises'V?".

Assim, dentre as normas de integração, pode haver previsão deum regime de exceções, em que cada um dos Estados-membros daOrganização Internacional pode elencar determinado número de pro-dutos que poderão contar com restrições comerciais tarifárias ou não-tarifárias. A esse rol têm-se usualmente atribuído o nome de Listade Exceções à zona ou área de livre comércio.

União Aduaneira

A integração comercial, entretanto, admite um estágio aindamais desenvolvido. Trata-se da União Aduaneira, ou seja, a unifica-ção gradativa de fronteiras e regras referentes ao comércio exterior.

Dessa forma, "se um importador argentino paga 20% de im-posto de importação para levar uma bicicleta proveniente dos Esta-dos Unidos para a Argentina, um uruguaio pagará os mesmos 20%para importar a mesma bicicleta para o Uruguai'w?". É que sobre oreferido produto vai incidir uma Alíquota ou Tarifa Externa Comumque tem aplicação em todos os Estados-partes.

Trata-se da implementação de um regime uniforme de trocaspara com terceiros países, ou seja, para com Estados que não sejampartes da Organização Internacional de integração comercial.

Regime de Adequações

Também a união aduaneira pode ser considerada imperfeita.Isso ocorre quando o regime uniforme de trocas com terceiros paí-ses comporta exceções. Trata-se do regime de adequação à TarifaExterna Comum, em que se constata um "desgravamento tarifário ...de forma progressiva, ... linear e automática'V?".

(205) LIPOVETZKY, Jaime César e LIPOVETZKY, Daniel Andrés. Mercosul: Estratégiaspara a Integração. São Paulo, LTr, 1994, p. 215.(206) CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo - Mercosul x União Euro-péia. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996,p.214.(207) LIPOVETZKY, Jaime César e LIPOVETZKY, Daniel Andrés. Mercosul: Estratégiaspara a Integração. São Paulo, LTr, 1994, p. 209.

94 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o Brasil, por exemplo, quando da instituição da União Adua-neira, se comprometeu a praticar a alíquota do Imposto de Importa-ção para veículos no patamar de 20% estipulado pela Tarifa ExternaComum.

Posteriormente, através do Decreto n. 1.391, de 10 de fevereirode 1995, o governo brasileiro inseriu os veículos no sistema de ade-quação, elevando a alíquota do Imposto de Importação de 20% (vin-te por cento) para 32% (trinta e dois por cento). Para tanto, compro-meteu-se a uma redução gradual de dois pontos percentuais por ano,até total adequação à Tarifa Externa Comum.

Pouco mais de um mês depois, sem consultar os demais Esta-dos-membros do Mercosul, elevou a alíquota do Imposto de Impor-tação dos veículos automotores de 32% (trinta e dois por cento) para70% (setenta por cento), através do Decreto n. 1.427, de 29 de mar-ço de 1995. Inconformados, os outros Estados-partes reclamaram e,após uma nova rodada de negociações e concessões mútuas, permi-tiram que os veículos fossem inseridos no sistema das exceções.

Cabe destacar que o sistema de exceção atinge a todos os pro-dutos, mesmo aqueles provenientes dos países-membros da Organi-zação Internacional de integração comercial. Constatamos, assim,que o Brasil pretendia, ao inserir os veículos no regime de exceção,proteger a indústria automotiva nacional inclusive contra as indús-trias dos demais integrantes do Mercosul.

O regime de adequação, por sua vez, somente atinge produtosprovenientes de Estados não integrantes da Organização Internacio-nal. Assim, conclui-se que, no primeiro momento, ao inserir os veí-culos no regime de adequação, o governo brasileiro pretendia tão-somente proteger a indústria nacional contra a indústria automotivade Estados não partes do Mercosul.

Regras de Concorrência

A integração comercial também nos chama a atenção para oDireito de Concorrência. João Bosco Leopoldino da Fonseca expli-ca que a "concorrência no mercado decorre de um conjunto de con-dições que permitem a todos os agentes do mercado correr à comprae venda de forma a que cada um possa alcançar seus objetivos semferir, desarrazoadamente, as metas pretendidas pelos dernais'V?".

(208) LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Lei de Proteção da Concorrência. Riode Janeiro, Forense, 1995, p. 03.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 95

A circulação de mercadorias livre de qualquer restrição trazconsigo vários riscos, caso não haja uma preocupação em instituirregras comuns aos Estados-partes, que venham a coibir as práticasdesleais de concorrência.

Sofia Oliveira Pais destaca que os "principais inconvenientes... no plano concorrencial residiriam na possível eliminação dos con-correntes existentes no mercado, na criação de obstáculos ao acessode novas empresas ao mercado, bem como na possibilidade de limi-tarem a liberdade de escolha e de actuação dos consumidores, for-necedores e compradores'V?".

Dessa forma, constata-se que mesmo a integração comercial járequer uma preocupação com o Direito de Concorrência. Não é ad-missível que a circulação de produtos sem qualquer restrição sejautilizada de forma a prejudicar o processo produtivo e comercial emfunção de práticas abusivas.

Assim, no âmbito europeu, foram estabelecidas regras especí-ficas sobre essa matéria:

"Capítulo I

As Regras de Concorrência

Artigo 85º

São ... proibidos todos os acordos entre empresas, todasas decisões de associações de empresas e todas as práticas con-certadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre osEstados-membros e que tenham por objectivo ou efeito impe-dir, restringir ou falsear a concorrência ...

Artigo 86ºÉ .. , proibido, na medida em que tal seja susceptível de

afectar o comércio entre os Estados-membros, o facto de umaou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posiçãodominante ..."(210).

(209) PAIS, Sofia Oliveira. O Controlo das Concentrações de Empresas no Direito Comu-nitário da Concorrência. Coimbra, Almedina, 1996, p. 21.

(210) Tratado da Comunidade Européia - Artigos 85º e 86º.

96 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Também no Mercosul a preocupação com a concorrência já sefez demonstrar através do Protocolo firmado em Fortaleza em 17 dedezembro de 1996. Este traz o seguinte:

"Art. 4º Constituem infração às normas do presente pro-tocolo, independentemente de culpa, os atos, individuais ou con-certados, sob qualquer forma manifestados, que tenham porobjeto ou efeito limitar, restringir, falsear ou distorcer a con-corrência ou o acesso ao mercado ou que constituam abuso deposição dominante no mercado relevante de bens ou serviçosno âmbito do Mercosul e que afetem o comércio entre os Esta-dos Partcs'Y'",

Direitos do Consumidor

Também o Direito do Consumidor não pode ficar à margemda integração comercial. Com a livre circulação de mercadorias, énecessário que o consumidor esteja protegido, ainda que o produtoadquirido provenha de outro Estado-membro da Organização In-ternacional.

Dessa forma, parece conveniente que os Estados-partes não tar-dem em estabelecer regras comuns que assegurem a todos os consu-midores os seus direitos. Essas regras não podem deixar de abordara questão das marcas.

A distinção de produtos é função primordial da marca. "Atual-mente, todavia, o direito sobre a marca tem duplo aspecto: resguar-dar os direitos do produtor, e, ao mesmo passo, proteger os interes-ses do consumidor, tornando-se instituto ao mesmo tempo de inte-resse público e privado'Y!".

A marca, portanto, tem a importante função de proteger o con-sumidor, uma vez que indica a procedência e assegura a qualidadeda mercadoria que o mesmo está adquirindo. Também precisa, por-tanto, de uma proteção adequada dentro de um processo de integra-ção comercial.

No caso do Mercosul, já contamos com um protocolo em Ma-téria de Marcas, firmado em 15 de julho de 1996. Consta do preâm-bulo deste acordo internacional o seguinte trecho:

(211) Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul - Artigo 4º.(212) REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Comercial, vol. I. Editora Saraiva, São Paulo,1984, p. 174.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 97

"Reconhecendo a necessidade de promover uma proteçãoefetiva e adequada aos direitos de propriedade intelectual emmatéria de marcas, indicações de procedência e denominaçõesde origem e de garantir que o exercício de tais direitos não re-presente em si mesmo uma barreira ao comércio legítimo ..."(213).

Integração Econômica

Para compreendermos o campo de atuação de uma Organiza-ção Internacional de integração econômica é necessária uma análisedo objeto de estudo do Direito Econômico.

"Antes de outras considerações, há que se verificar que o obje-to do Direito ... é a relação humana, ou seja, é a relação que ocorreentre seres humanos'Y!",

Assim, "o objeto do Direito" Econômico "é a relação huma-na", que traz consigo conotação econômica. João Bosco Leopoldinoda Fonseca conclui, portanto, que "uma regra é de Direito Econômi-co, quando rege relações humanas propriamente econômicas'V'".

Karl Marx explica que "os homens entram em relações deter-minadas, necessárias, independentes da sua vontade, quais sejam asrelações de produção que respondem a um certo estágio do desen-volvimento das forças produtivas materiais. O conjunto das relaçõesde produção constitui a estrutura econômica da sociedade'v!".

Assim, conclui-se que as relações humanas econômicas, queconstituem o objeto de estudo do Direito Econômico, correspondemao conjunto das relações de produção, ou seja, aquelas relações quese desenvolvem em torno dos fatores produtivos. "Estes são os re-cursos naturais ou matéria-prima, o trabalho, o capital'V!".

(213) Protocolo de Harmonização de Normas sobre Propriedade Intelectual em Matéria deMarcas, Indicações de Procedência e Denominações de Origem - Preãmbulo.(214) LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1997, p. O J.(215) LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1997, p. 13.(216) MARX, Karl. In LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico.Rio de Janeiro, Forense, 1997, p. 207.(217) SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo, Saraiva,1980, p. 466.

98 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Dado o estágio atual do processo produtivo, a matéria-primadeixou de ser vista apenas como produto sem qualquer transforma-ção, para ganhar a conotação de mercadoria.

O fator trabalho é o "do trabalhador assalariado, que vende asua força de trabalho'V!". Esse fator traz consigo todo o aspectohumano, uma vez que já não mais habitamos os tempos da escravi-dão. O trabalhador, responsável por transformar a matéria-prima nãopode ser visto como uma máquina. Trata-se de um ser humano, que,como tal, está repleto de direitos.

Dentre tais direitos, encontramos aquele de exercer trabalhoremunerado. Aparece, então, o capital, terceiro dos fatores produti-vos, como forma de remunerar o trabalho.

Desta forma, constata-se que a integração econômica é aquelaque engloba os três fatores produtivos, quais sejam:

• a matéria-prima;

• o trabalho; e• o capital.

Mercado Comum

As organizações internacionais de integração podem ter porobjetivo a "fusão" de Estados no que tange aos fatores produtivos.Temos, então, um mercado único ou comum.

Assim, enquanto a integração comercial se limita à livre circu-lação de mercadorias, a integração econômica abrange, também,pessoas, serviços e capitais.

Desta forma, "um argentino poderá entrar e trabalhar no Pa-raguai sem qualquer restrição. Ainda, um uruguaio poderá remeterdinheiro para o Brasil livremente "(219), caso o Mercosul chegue a setransformar em uma Organização Internacional de integração eco-nômica. Esse objetivo já constava do tratado firmado em Assunçãoem 26 de março de 1991:

(218) SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo, Saraiva,1980. p. 468.(719) CORRtA LIMA, Sérgio Mourão. Quadro Comparativo - .. Mcrcosul x União Euro-péia. In Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey, 1996,p.214.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 99

"Considerando que a ampliação das atuais dimensões deseus mercados nacionais, através da integração, constitui con-dição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvi-mento econômico com justiça social;

Tendo em conta a evolução dos acontecimentos interna-cionais, em especial a consolidação de grandes espaços econô-micos, e a importância de lograr uma adequada inserção inter-nacional para seus países;

Expressando que este processo de integração constitui umaresposta adequada a tais acontecimentos;

Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidasas bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos,com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados;

Acordam:Capítulo I

Propósitos, Princípios e InstrumentosArtigo 1

Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Co-mum, ... , e que se denominará 'Mercado Comum do Sul'(Mercosul) "(220).

Apesar do expresso propósito de se transformar em uma Orga-nização Internacional de integração econômica, o lapso de tempoque nos separa de 1991 ainda não foi o suficiente para que o Merco-sul galgasse o estágio de Mercado Comum.

No âmbito europeu, o Tratado de Roma, firmado em 25 demarço de 1957, já trazia a previsão para a implementação de umMercado Comum no dia 1º de janeiro de 1994. Desde esta data, vemse implementando a previsão constante do Título IH do tratado cons-titutivo, que assim dispõe:

"Título mA LIVRE CIRCULAÇÃO DE PESSOAS, DE SERVIÇOS

E DE CAPITAIS"(221)

(220) Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 _.- Preâmbulo e Artigo lQ.(221) Tratado da Comunidade Européia.

100 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Cabe destacar que "no processo de integração europeu semprese mostrou presente a intenção de promover a melhoria das condi-ções de vida e de emprego no âmbito da Comunidade'Y'", A grandepreocupação européia com o ser humano em muito supera, em im-portância, os outros dois fatores produtivos.

Rui Manoel Moura Ramos assinala que "um dos objetivos daUnião, tal como surgem enumerados no artigo B do Tratado, é 'oreforço da defesa dos direitos e dos interesses dos nacionais dosEstados-Membros, mediante a instituição de uma cidadania daUnião "'(223).

o Tratado de Maastricht define como "cidadão da Uniãoqualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-mem-bro"(224l, garantindo àquele "que residir num outro Estado-mem-bro ... o direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicase européias't'P",

Direito de Integração x Direito Comunitário

o Direito de Integração é o ramo do Direito voltado para oestudo dos processos de integração. Dentre estes encontra-se aqueleem curso no continente europeu. Entretanto, o Direito de Integraçãoeuropeu tem sido designado por Direito Comunitáno'P'", uma vezque, desde 1993, os europeus já vêm vivenciando efetivamente umacomunidade. Dessa forma o Direito Comunitário nada mais é que o"direito de integração em nível comunitário'V'", ou seja, no âmbitode integração econômica.

(222) ZOMIGNANI, Cassius MarceIlus. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos Interna-cionais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 795.

(223) MOURA RAMOS, Rui Manoel. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos Internacio-nais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 660.

(224) Art. 8º, 1 - Tratado da Comunidade Européia.

(225) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutura Jurídico-Institucio-nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 41.

(226) MIDON, Mario A. R. Entendimento manifesto no "Encontro de fundação da ECSA- European Community Studies Association - Brasil" realizado em Blumenau nos dias13 e 14 de outubro de 1997.

(227) ACCIOLY, Elizabeth. In Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Rela-ções Internacionais. Brasilia, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, 1997,p.42.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 101

Integração Monetária

Para compreendermos o campo de atuação de uma Organiza-ção Internacional de integração monetária, é necessária uma abor-dagem preliminar das funções da moeda e dos Bancos Centrais dosdiversos países.

Nelson Lobo de Barros aponta as duas principais funções damoeda:

• "meio de troca, facilitando as ... transaç[ões]"; e

• "medida de valor, unidade abstrata de conta, em razãoda qual o preço, ou seja, o valor expresso em termos de dinhei-ro, pode ser medido e por meio do qual duas ou mais utilidadespodem ser comparadas't'v".

Desde a época dos impérios, "o direito de cunhagem [de moe-das] passou a ser monopolizado pelos" (229) Estados.

"É certo ... que as políticas monetárias adotadas ... [pelos Esta-dos] têm profunda influência sobre as trocas internacionais. Se umEstado desvaloriza a própria moeda relativamente à moeda de umoutro país, consegue tornar mais caras as mercadorias daquele paíse relativamente mais baratas as suas, de tal sorte a incrementar aexportação destas e a desestimular a importação daquelas'<"?',

A título de exemplo, temos: determinado produto tem preçofinal de R$ 10,00 (dez reais). Portanto, um comprador estrangeiro,com US$ 100,00 (cem dólares) compra 10 unidades. Caso o Brasilvenha a desvalorizar o real em 100% (cem por cento) em relação aodólar, com os mesmos US$ 100,00 (cem dólares), o comprador es-trangeiro vai conseguir comprar produtos que correspondam a R$200,00 (duzentos reais), ou seja, 20 unidades. Assim, o vendedorbrasileiro vende mais e recebe mais reais. O comprador estrangeirocompra mais, gastando os mesmos US$ 100,00 (cem dólares).

(228) BARROS, Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga,1980, p. 15.(229) BARROS, Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga,1980, p. 13.(230) LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1997, p. 127.

102 Sérgio Mourão Corrêa Lima

US$ 1,00 = R$1,00

preço da unidade em real (R$): preço da unidade em dólar (US$):R$IO,OO (dez reais) US$ 10,00 (dez dólares)

US$ 1,00 = R$1,50

preço da unidade em real (R$): preço da unidade em dólar (US$):R$10,00 (dez reais) US$ 5,00 (cinco dólares)

Em última análise:

• o comprador estrangeiro pagava US$ 10,00 (dez dóla-res) por unidade;

• o comprador estrangeiro passou a pagar US$ 5,00 (cin-co dólares) por unidade;

• o comprador estrangeiro deixa de comprar de vendedo-res em outros países para comprar de empresas brasileiras;

• vendedores de outros Estados perdem mercado para osbrasileiros em razão da desvalorização do real.

"A política monetária torna-se, assim, uma arma nas mãos doEstado'<?!'. Para discipliná-la, faz-se necessária a instituição de "umórgão central, orientando, disciplinando, fiscalizando a estrutura efuncionamento't'ê'" das atividades relacionadas à moeda.

"À medida que os anos correm, mais se acentua e se impõe apresença dessa instituição orientadora .... É um Banco, não apenasgovernamental, mas nacional, de caráter público e finalidades so-ciais"(233).Trata-se do Banco Central do Estado.

Este caracteriza-se,"destarte, pelas elevadas funções de que foiinvestido, ou seja, responsável direto na esfera monetário-creditíciade seu país. Deve, assim, zelar pela satisfatória circulação interna eexterna da moeda que emite"(234).

(231) LEOPOLDINO DA FONSECA, Joào Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1997, p. 127.(232) BARROS, Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga,1980, p. 22.(233) BARROS, Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo, Piratininga,1980, p. 339.(234) BARROS. Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo. Piratininga,1980, p. 339.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 103

Política Monetária Comum - Moeda Única

Como o processo de integração visa àfusão dos Estados-mem-bros, parece conveniente que estes não utilizem sua política[s]monetária[s] como arma dirigida aos demais países partes da Orga-nização Internacional de integração. Dessa forma, a integração mo-netária, basicamente, não dispensará:

• uma moeda única; e

• um Banco Central comum aos Estados-membros.

Entretanto, a implementação desses dois fatores não é simples.Depende de uma série de antecedentes cuidadosamente estudados eprogramados. No âmbito da União Européia, por exemplo, inúme-ros dispositivos a esse respeito constam do Título VI do Tratado daComunidade Européia.

Dentre esses antecedentes destaca-se o seguinte:

"Capítulo 11

A POLÍTICA MONETÁRIA

Artigo Iü5º

1. O objetivo primordial do SEBC [Sistema Europeu deBancos Centrais] é a manutenção da estabilidade dos preços.

2. As atribuições fundamentais cometidas ao SEBC são:

- a definição e execução da política monetária da Co-munidade;

- a realização de operações cambiais compatíveis com odisposto no artigo 1Ü9º;

- a detenção e gestão de reservas cambiais oficiais dosEstados-membros;

- a promoção do bom funcionamento dos sistemas depagamentos.

104 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Artigo 1ü6º

1. O SEBC [Sistema Europeu de Bancos Centrais] é cons-tituído pelo BCE [Banco Central Europeu] e pelos bancos cen-trais nacionais'V'".

Integração Financeira

Inicialmente, cumpre distinguir a atividade financeira do Esta-do daquela praticada por particulares, principalmente pessoas jurí-dicas. Quanto a esta última, cumpre destacar que está diretamenterelacionada com a integração econômica. É que, para a implementa-ção da livre circulação de capitais, fazem-se necessárias medidas nosentido de aproximar as práticas atinentes aos mercados financeirosdos Estados-membros.

Dessa forma, a integração financeira que será abordada nessetópico refere-se somente à atividade financeira do Estado. Assim,para compreendermos o campo de atuação de uma Organização In-ternacional de integração financeira, é necessária uma análise doobjeto de estudo do Direito Financeiro.

Rui Barbosa Nogueira destaca que "a finalidade fundamentaldo Estado é a realização do bem comum". "Para a realização dessebem comum ... tem o Estado de desenvolver atividades múltiplasque no conjunto se chamam atividade estatal." "A atividade estatal étão ampla e complexa que, além de ser no seu conjunto estudadaespeculativamente pela Teoria Geral do Estado e organicamente dis-ciplinada pelo Direito Constitucional, ela é desdobrada em váriossetores da atividade e cada setor é ainda objeto de estudo de ciênciasparticulares." "O Direito Financeiro ... visa disciplinar, normativa-mente, a atividade financeira do Estado"(236).

Assim, Pereira de Barros "definia o Direito Financeiro comosendo 'aquele que compreende regras por que se deve dirigir a ad-ministração [pública] ... , no que é relativo à Receita e Despesa doEstado ..."(237).

(235) Tratado da Comunidade Européia - Artigos I 05º e 106º.(236) NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1993, p.01/03.(237) PEREIRA BARROS. In DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. SãoPaulo, Saraiva, 1957, p. 33.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 105

o Direito Financeiro se desdobra em duas partes:

• A primeira, relativa à receita, ou seja, à obtenção de re-cursos pelo Estado.

• A segunda, referente à despesa, ou seja, à aplicação dosrecursos obtidos pelo Estado.

"A tributação ou forma de obtenção da receita tributária foi ... ,aos poucos, sendo disciplinada"(238) pelo Direito Tributário que é o"que efetivamente contém e trata da grande problemática entre fiscoe contribuinte que dimana do fenômeno financeiro da receita tri-butária'<"?'.

As despesas do Estado, por sua vez, vêm merecendo a atençãodos estudiosos do Direito Administrativo, principalmente aquelesque se dedicam a munir as autoridades públicas de subsídios jurídi-cos para fazer aprovar suas contas, em atenção aos ditames dos or-çamentos.

É que, nos "Estados democráticos, o orçamento é consideradoo ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Execu-tivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas aofuncionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pelapolítica ... do país"(240).

A receita obtida pelo Estado mediante os mecanismos tributá-rios e a aplicação desses recursos conforme o orçamento guardamestrita relação com a intervenção do Estado na economia. E que "oEstado ... edita normas de conteúdo financeiro ou fiscal através dasquais impulsiona medidas de fomento ou dissuasão. Concedendo be-nefícios fiscais ou impondo cargas tributárias mais ou menos pesa-das, o Estado estimula determinadas atividades econômicas oudesestimula outras'<"!',

(238) NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1993,p. 05.(239) NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1993, p.18119.(240) BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução á Ciência das Finanças. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1958, p. 680.(241) LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro, Fo-rense, 1997, p. 242.

106 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Política Financeira Comum

Em um processo de integração, a multiplicidade de políticasfinanceiras certamente dificultaria uma concorrência justa entreempresas sediadas em Estados diversos. Assim, uma empresa sediadaem país com carga tributária mais pesada indubitavelmente teria di-ficuldades em competir com outra sediada em Estado onde a cargatributária seja menor. A título de exemplo, temos:

A empresa brasileira Usimac S.A. e a montadora argentina ElfaS.A. são produtoras de veículos. Incluindo todas as despesas commatéria-prima, mão-de-obra e demais despesas operacionais, ambasgastam o correspodente a US$ 5.000,00 (cinco mil dólares america-nos) para produzir veículos equivalentes em qualidade. Assim, as duasempresas teriam condições de competir lealmente no mercado. En-tretanto, caso as cargas tributárias argentina e brasileira sejam dife-rentes, as condições da competição deixam de ser justas:

Argentina Brasil

preço de custo: US$ 5.000,00 US$ 5.000,00

margem de lucro: 10% 10%

subtotal: US$ 5.500,00 US$ 5.500,00

carga tributária total: 30% (US$ 1.650,00) 50% (US$ 2.750,00)

preço final ao consumidor: US$ 7.150,00 US$ 8.250,00

Dessa forma, os dois automóveis, equivalentes em qualidade,certamente não estarão competindo de forma justa no mercado.

Constata-se, pois, que a integração financeira consiste em umprocesso longo e complexo. Trata-se da instituição de uma políticafinanceira comum a todos os Estados-partes, onde a receita arreca-dada é aplicada em observância aos ditames do orçamento da Orga-nização Internacional de integração financeira.

"A idéia de orçamento, quer de um Estado, quer de uma Orga-nização Internacional ... [consiste em] 'uma previsão da receita edespesa de um determinado sujeito durante um período '" dado'''(242).

(242) FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Externo e o Direito da Integração. Teseaprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado no Rio de Janeironos dias 21 a 24 de outubro de 1997. p. 36.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 107

"O Orçamento ... pode assim ser definido como a autorizaçãopolítica para cobrar receitas e efectuar despesas durante um certoperiodo, em regra anual, a qual condiciona toda a actividade da Ad-ministração do ano financeiro'V''".

Para garantir a boa gestão financeira parece adequado o exameda legalidade e da regularidade das receitas e despesas'Y?".

Esta fiscalização vem usualmente sendo desempenhada porTribunais de Contas, cuja fiscalização, baseia-se em documentos e,caso seja necessário, podem ser feitas inspeções in loco junto dasoutras instituições e nos Estados-membros. A fiscalização nestes éfeita em colaboração com as instituições de fiscalização nacionaisou, se estas não tiverem competência para tal, com os serviços na-cionais competentes'Y'",

Seguridade SocialCabe destacar que, dentre as receitas e despesas do Estado, fi-

guram aquelas referentes à seguridade social, que "compreende umconjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos"(246).

No caso do Brasil, por exemplo, as diretrizes para a obtençãode receita e o custeio das despesas constam de previsão constitucio-nal. A receita provém de "toda a sociedadeP'", enquanto as despe-sas devem observar o "orçamento da seguridade social"(248).

Portanto, a integração financeira também abrange a segurida-de social, até mesmo por uma questão de justiça social.

Suponhamos que um uruguaio, depois de trabalhar por váriosanos em seu pais, contribuindo regularmente para o custeio da segu-

(243) FRANCO, Antônio L. de Souza. In FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Exter-no e o Direito da Integração. Tese aprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas doBrasil, realizado no Rio de Janeiro nos dias 2 I a 24 de outubro de 1997, p. 36.(244) Tratado da Comunidade Européia:"Artigo 188º-C

2. O Tribunal de Contas examina a legalidade e a regularidade das receitas e despesas egarante a boa gestão financeira".(245) FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Externo e o Direito da Integração. Teseaprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, realizado no Rio de Janeironos dias 21 a 24 de outubro de 1997, p. 50.(246) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revistados Tribunais, 1990, p. 698.(247) Constituição Federal de 1988 - Artigo 195, caput.(248) Constituição Federal de 1988 - Artigo 165, § 5º, Il l.

108 Sérgio Mourão Corrêa Lima

ridade social, tenha se mudado para o Paraguai. Neste Estado, o uru-guaio também trabalhou por muito tempo, tendo igualmente contri-buído para o sistema de seguridade social paraguaio. É injusto que ouruguaio não possa gozar dos benefícios de uma aposentadoria emrazão de os sistemas de seguridade dos Estados não admitirem paracômputo o tempo trabalhado no outro país. Para afastar a ocorrên-cia desses fatos a integração financeira mostra-se absolutamentenecessária.

No âmbito do Mercosul, essa questão não preocupa, porque ain-da não estamos vivenciando um Mercado Comum, onde nacionais deum Estado-membro possam trabalhar sem restrições nos demais.

Na esfera européia, apesar "do número e da diversidade de me-didas adotadas ... , ainda há muito o que se fazer. Com ... a assinaturado Tratado da União Européia, associada à vontade de vários auto-res comunitários, surge a tendência de se atribuir às novas etapas daintegração uma dimensão social, que certamente passará pela har-monização da seguridade social"(249).

Integração Administrativa

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que a administração públi-ca, objeto de estudo do direito administrativo lato sensu, compreende:

"a) em sentido subjetivo: as pessoas jurídicas, órgãos eagentes públicos que exercem a função administrativa;

b) em sentido objetivo: a atividade administrativa exerci-da por aqueles entes" (250).

Assim, para que se entenda o âmbito dessa manifestação deintegração, é conveniente que se saiba que "a atividade administra-tiva compreend[e] arrecadação e aplicação de tributos"(251) para "ofomento, a polícia administrativa e o serviço público"(252).

(249) ZOMIGNANI, Cassius Marcellus. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos Interna-cionais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 804.(250) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, 1996, p. 53.(251) OLIVEIRA, Fernando Andrade de. In DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DireitoAdministrativo, Atlas, São Paulo, 1996, p. 52.(252) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, 1996, p.54 e 55.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 109

Conforme já constatamos, "o Direito Financeiro [é] ... 'aqueleque compreende regras por que se deve dirigir a administração [pú-blica] ... , no que é relativo à Receita e Despesa do Estado ... '(253).

Também já foi constatado que "no caso da Administração Pública, avontade decorre da lei que fixa a finalidade a ser perseguida peloadministrador'<"? .

Entretanto, a lei não rege apenas a atividade financeira do Es-tado, mas também a atividade administrativa consistente no fomen-to, na polícia administrativa e no serviço público. Assim, sob a de-nominação de integração administrativa, abarcaremos somente es-tas três atividades, excluídas "a arrecadação e aplicação de tribu-tos", referidas na integração financeira.

"O fomento abrange a atividade administrativa de incentivo àiniciativa privada, [através de] ... subvenções, ... financiamento[ s],favores fiscais ... [e] desapropriações.

A polícia administrativa compreende toda atividade de execu-ção das chamadas limitações administrativas, que são restriçõesimpostas por lei ao exercício de direitos individuais em benefício dointeresse coletivo. Compreende medidas de polícia, como ordens,notificações, licenças, autorizações, fiscalização e sanções.

Serviço público é toda atividade que a Administração Públicaexecuta, direta ou indiretamente, para satisfazer a necessidade cole-tiva, sob regime jurídico preponderantemente público. Abrange ati-vidades que, por sua essencialidade ou relevância para a coletivida-de, foram assumidas pelo Estado, com ou sem exclusividade'V>".

Exercida de forma desigual por Estados-membros de uma Orga-nização Internacional de integração, a atividade administrativa queostente qualquer uma destas três formas pode implicar desequilíbrio.

No caso da prestação dos serviços públicos, por exemplo, aforma e a amplitude de atuação da administração dos Estados-partesde uma Organização Internacional pode implicar sérias assimetrias

(253) PEREIRA BARROS. In DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. SãoPaulo, Saraiva, 1957, p. 33.(254) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, 1996,p.48.(255) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo Atlas, São Paulo, 1996,p. 54 e 55.

110 Sérgio Mourão Corrêa Lima

sociais. O tratamento isonômico não se faz sentir, por exemplo, en-tre habitantes de um Estado que oferece serviços educacionais e as-sistência médica de forma adequada e gratuita, em relação a outroque não os disponibiliza para a população.

No âmbito da integração administrativa, a problemática atinenteaos serviços públicos não se restringe àqueles prestados pela admi-nistração dos Estados, mas também às hipóteses em que se transfere"a terceiros a execução de serviço público'v'". Isto porque a ten-dência é no sentido de os Estados protegerem as pessoas jurídicasnacionais ou de capital nacional no que tange à transferência da pres-tação de serviços públicos que lhes competia.

Não são raros os editais anunciando procedimentos licitatóriosnos quais as pessoas jurídicas estrangeiras ou de capital estrangeirosão preteridas em detrimento das pessoas jurídicas nacionais ou decapital nacional. O Ministério das Comunicações brasileiro, por exem-plo, fez publicar no dia 5 de novembro de 1996, minuta de edital deconcorrência para exploração de serviços de telefonia móvel celularda banda B. Os itens 3.1 e 3.2 do referido edital trouxeram:

"3.1. Será admitida a participação na licitação de pessoasjurídicas, que tenham pelo menos 51% (cinqüenta e um porcento) de seu capital votante pertencente, direta ou indireta-mente, a brasileiros, ressalvado o estabelecido no subitem 3.2.

3.2. No caso de pessoas jurídicas reunidas em consórcio,observar-se-á na constituição do consórcio, a exigência de queno futuro capital da empresa a ser constituída, pelo menos 51%(cinqüenta e um por cento) do seu capital votante pertencerá,direta ou indiretamente, a brasileiros, conforme termo de com-promisso de constituição do consórcio a ser apresentado nosDocumentos de Habilitação."

É certo que este tratamento discriminatório implementado pelaadministração pública brasileira abrange as pessoas jurídicas argen-tinas, paraguaias e uruguaias, bem como os consórcios dos quaisestas façam parte.

(256) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, [996,p. 241.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração III

Por se estar diante de "regime jurídico predominantementepúblico">"; somente através de uma aproximação das políticas quenorteiam a administração pública dos Estados poder-se-ia afastara referida prática discriminatória. Esta aproximação pode tomar aforma de integração administrativa no âmbito de uma OrganizaçãoInternacional.

Também a prática do fomento, atividade administrativa de in-centivo à iniciativa privada, pode merecer aproximação em sede deOrganização Internacional de integração. É o caso da política agrí-cola comum implementada na União Européia.

Política Agrícola Comum

É fato que uma subvenção, um financiamento ou um favor fis-cal concedido pelo governo francês aos produtores agrícolas france-ses coloca-os em vantagem em relação aos agricultores de outrosEstados que não adotem a mesma prática administrativa de fomen-to, por exemplo.

Assim, para que se evite distorções no setor agrícola dos Esta-dos-membros de uma Organização Internacional, pode-se adotar umapolítica agrícola comum.

No âmbito da Comunidade Européia, por exemplo, tratou-se"de incentivar os agricultores europeus a produzir de acordo com osmesmos padrões de qualidade, mas ... tendo igualmente em conta anecessidade ... de apoio financeiro comunitário'w-". Ou seja, o fo-mento passa a ser conduzido pela própria Comunidade Européia,tendo por objetivo um maior equilíbrio entre os produtores agríco-las dos Estados-membros.

Desta forma, Maria EduardaAzevedo relata que a política agrí-cola comum, "hoje, começa ... a afirmar-se como uma peça-chaveda política agrícola da Comunidade no que concerne à consecuçãodo projecto comunitário para benefício da agricultura e dos agricul-tores europeus, esperando-se que a inflexão de posições experimen-tada se mantenha e reforce">";

(257) Dl PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, 1996, p. 54.(258) AZEVEDO, Maria Eduarda. A Política Agrícola Comum. Almedina, Coimbra, 1996,p. 104.(259) AZEVEDO, Maria Eduarda. A Política Agrícola Comum. Almedina, Coimbra, 1996,p. 83.

]]2 Sérgio Mourão Corrêa Lima

A integração administrativa está, portanto, nitidamente atrela-da à política e, conseqüentemente, à vontade daqueles que exercema administração pública.

Integração Política

A Política é marcada, "segundo Duverger, [por] um conjuntode instituições ... que, em determinado momento, funcionam em dadopaís, em cuja base se acha o fenômeno essencial da autoridade'<"?'.

Assim, a forma de "escolha dos governantes, [a] estrutura ...[do governo e a] limitação [do poder] dos governantes'v?!' são fato-res nitidamente atrelados à política.

Uma Organização Internacional de integração política é mar-cada pela inserção dos sistemas políticos dos Estados-membros den-tro de uma sistemática política maior e comum. Conseqüentemente,há que se definir também no âmbito da Organização Internacionalde integração política:

• a forma de escolha dos governantes;

• a estrutura do governo; e

• a limitação do poder dos governantes.

Esta definição abarca, necessariamente, uma análise da expe-riência dos Estados no que tange aos "sistemas de governo (presi-dencialismo, parlamentarismo, etc.), ... [à] forma de Estado (unitá-rio e federal) e de governo (república, monarquia), mostrando [ain-da] a síntese integradora das instituições'<v" envolvidas.

Obviamente, vários dos conceitos aplicáveis aos Estados, já de-masiadamente discutidos, podem ser aproveitados também para asOrganizações Internacionais.

(260) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, SãoPaulo, 1997, p. 124.(261) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, SãoPaulo, 1997, p. 124.(262) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, SãoPaulo, 1997, p. 125.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração lI3

Organização Internacional Federal

Se, conforme nos ensina Raul Machado Horta, "o conhecimentodas formas de Estado conduz ao Estado Federal, que é uma das ma-nifestações na área [da] tipologia política'V'?', também pode condu-zir à Organização Internacional federal. No âmbito da União Euro-péia, por exemplo, esta é, ao menos aparentemente, a idéia que seestá perseguindo.

Isto porque "começou a adquirir relevo a figura dos ... [entes]federais que receberam a incumbência de promover o desenvolvi-mento de determinadas regiões, inaugurando os ensaios embrioná-rios do federalismo cooperativo'v>". Além disso, o federalismo cer-tamente funciona "como fator de coesão nacional e de harmoniza-ção de tendências culturais diversificadas'Vs",

Adequando os estudos atinentes ao Estado federal à esfera in-ternacional, podemos constatar que "a construção normativa [da Or-ganização Internacional federal] pressupõe a adoção de determina-dos princípios, técnicas e de instrumentos operacionais que pode-mos condensar na seguinte relação, recolhendo os subsídios da con-tribuição doutrinária ... dominante'V'<':

• a decisão, constante de tratado internacional, criadorada Organização Internacional Federal e de suas partes, a Fede-ração ou União, e os Estados-Membros;

• a repartição de competências entre a Federação e os Es-tados- Membros;

• o poder de auto-organização constitucional dos Estados-Membros, atribuindo-lhes autonomia constitucional;

• a intervenção federal, instrumento para restabelecer oequilíbrio federativo, em casos constitucionalmente definidos;

(263) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon-te, 1995, p. 345.(264) BOSON, Gerson de Brito Mello. In Revista do Instituto dos Advogados de MinasGerais - número 2, Inédita, Belo Horizonte, 1996, p. 118.(265) BOSON, Gerson de Brito Mello. In Revista do Instituto dos Advogados de MinasGerais - número 2, Inédita, Belo Horizonte, J 996, p. 116.(266) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon-te, 1995, p. 346.

114 Sérgio Mourão Corrêa Lima

• a existência no Poder Judiciário Federal de um SupremoTribunal ou Corte Suprema, para interpretar e proteger as nor-mas federais, ditadas pela Organização Internacional federal,sejam elas originárias ou derivadas.

Destaca-se, portanto, o papel fundamental desempenhado pe-los tratados internacionais constitutivos das Organizações Interna-cionais, em contrapartida àquele exercido pelas Constituições dosEstados.

"O Estado Federal é uma criação jurídico-política e pressupõena sua origem a existência da Constituição Federal, para instituí-10"(267), O mesmo ocorre no âmbito das Organizações Internacionaisfederais, onde o tratado internacional constitutivo tem o mesmo pa-pel da Constituição dos Estados.

Enquanto "assegurar a coexistência entre [os] múltiplos orde-namentos, o da Federação, que é central, e o dos Estados-Membros,que são parciais, é a função da Constituição Federal"(268), um dospropósitos do tratado internacional constitutivo da Organização In-ternacional federal é conciliar a sua existência e a de seus Estados-partes.

Destaca-se, também, a relevante contribuição dos órgãos judi-ciários federais, no sentido de atender à "necessidade de um sistema... capaz de assegurar a uniformidade de interpretação e da aprecia-ção da validade'V?" do Direito federal, originário ou derivado.

No âmbito da União Européia, por exemplo, "o que poria emcausa a unidade de interpretação ou apreciação de validade seriamas posições divergentes dos tribunais ... dos Estados-membros, ...mas essa divergência não ocorrerá dada a obrigatoriedade [destesenviarem as questões] ... ao Tribunal Comunitário'<"?',

Alguns Estados federais, como a República Federativa do Bra-sil, dispõem de dois órgãos judiciários federais: um deles, o Supre-

(267) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon-te, 1995, p. 346.(268) HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Del Rey, Belo Horizon-te, 1995, p. 346.(269) CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário ~ JJ volume. EC.a., Lisboa, 1994,p. 435.(270) CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário - JJ volume. Ec.a., Lisboa, 1994,p.439.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 115

mo Tribunal Federal, lida com matéria constitucional, enquanto ou-tro, o Superior Tribunal de Justiça, cuida da legislação federal infra-constitucional.

Da mesma forma, em sede de uma Organização Internacionalde integração, nada impede que estejam previstos dois órgãos juris-dicionais: um para lidar com o Direito de integração originário (tra-tado internacional constitutivo da Organização Internacional); ou-tro, para cuidar do Direito de integração derivado (decisões adotadasno âmbito da Organização Internacional).

Entretanto, mais importante que o número de órgãos jurisdi-cionais federais, é a existência de regras processuais eficazes, queassegurem o acesso à prestação jurisdicional federal eficiente e di-nâmica a todos os cidadãos dos Estados-membros.

Flexibilidade do Processo de Integração

Forma e Cronologia

A integração não segue um processo rigidamente definido. Suaseqüência é livremente estipulada pelos Estados-membros da Orga-nização Internacional de integração, em atenção ao "princípio daautonomia da vontade", aplicável aos tratados internacionais.

Dessa maneira, compete às partes estabelecer a forma e a crono-logia de implementação dos objetivos traçados para o processo de in-tegração nos tratados constitutivos das organizações internacionais.

É bem verdade que todas as manifestações da integração guar-dam uma estreita relação entre si. Isso porque "as ciências não sãoisoladas, mas compõem um conjunto de formas ou métodos paraabranger todos os aspectos do conhecimento e alcançar a verdade'<" I).

Adriana Dreysin de Klor destaca a conveniência de uma inte-gração que abarque as "políticas trabalhistas, educacionais, de saú-de, de seguridade social e de segurança nacional, não só de políticafiscal ou de investimentos'V'".

Até o presente momento, o processo de integração europeu apre-senta-se plenamente exitoso por várias razões. Dentre elas, temos:

• não se limita ao âmbito comercial;• conseqüentemente, traz preocupação com o ser humano; e• pauta-se pela gradualidade e prudência.

A gradualidade e prudência do processo europeu afastou pre-cipitações, permitindo o desenvolvimento gradativo da integração,

(271) NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1993,p.04.(272) "Un esquema integrado que se precie de lograr los objetivos de una asociación regio-nal requiere avanzar hacia una uniformización de politicas laborales, educacionales, desalud, de seguridad social y de seguridad nacional, no sólo de politicas tarifarias o deinversiones."DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador de una nueva fuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 26.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração JI7

através de períodos preparatórios que antecedem o momento de im-plementação efetiva dos diferentes aspectos da integração. O qua-dro abaixo demonstra de forma sucinta o processo de integraçãovivenciado na Europa:

Tratado de Roma - 1957\!

preparação para a integração comercial\!

Ato Único Europeu - 1986(implementação definitiva da integração comercial)

\!preparação para a integração econômica

\!Tratado de Maastricht - 1992

(implementação definitiva da integração econômica)\!

preparação para a integração monetária\!

Tratado de Amsterdã - 1997\!

preparação para a integração monetária\!

Cabe destacar, porém, que a União Européia já traz algumas ma-nifestações singelas de integração financeira, administrativa e política.

Aliás, a integração monetária tem um cronograma criteriosa-mente estabelecido, em função de todos os fatores necessários à suaimplementação:

I ª Fase: I Julho 1990Liberalização total dos movimentos de capitais, reforço da

cooperação entre os bancos centrais e reforço da coordenaçãodas políticas macroeconômicas.

\!2ª Fase: I Janeiro 1994

Criação do Instituto Monetário Europeu (IM E), coordenação daspolíticas monetárias nacionais, independência dos bancos centrais

nacionais e supervisão das políticas econômicas nacionais.

2 e 3 Maio 1998 (data importante)Determinação dos países que adotarão a moeda européia e designação dos

membros do comitê executivo do futuro Banco Central Europeu (BCE).\!

3ª Fase: I Janeiro 1999Taxas de conversão irrevogavelmente fixadas, efetiva criação do Banco Central

Europeu (BCE) e criação do Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC).

118 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o EURO passa a existir como moeda escritural, passando a haverpossibilidade de se realizar operações financeiras em EUROS(273)

\I4ª Fase: I Janeiro 2002.

Introdução das moedas e das notas em EUROS.Esta fase terá a duração de seis meses e é marcada pela

circulação simultânea do EURO e das moedas dosEstados-membros da União Monetária.

Até 1 de Julho de 2002, as moedas dos Estados-membros daUnião Monetária serão retiradas de circulação e o EURO será a

única moeda em curso dentro da União Monetária.F'"

No âmbito do Mercosul, o exemplo europeu foi seguido quan-to à gradualidade. Também o nosso processo integracionista vemsendo estabelecido através de períodos preparatórios que antece-dem o momento de implementação efetiva dos diferentes aspec-tos da integração.

Entretanto, o mesmo não se pode dizer sobre a prudência. Éque, j á no Tratado de Assunção de 26 de março de 1991, foi previstaa implementação da integração econômica em 1994:

"Capítulo IPROPÓSITOS, PRINCÍPIOS E INSTRUMENTOSArtigo 1

"Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum,que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que sedenominará 'Mercado Comum do Sul'(MERCOSUL)"(275).

O lapso de três anos não foi suficiente nem mesmo para a plenaimplantação da integração comercial. A partir de então, com mais pru-dência, o cronograma foi reestabelecido em bases mais adequadas:

(273) CUNHA, Paulo de Pitta. In PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e;MIRANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduar-do da Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luísa; SANTOS,Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA,Teresa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno da Revisão do Tratado da União Européia.Almedina, Lisboa, 1997, p. 18 e 19.(274) CUNHA, Paulo de Pitta. In PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e;MIRANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduar-do da Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luisa; SANTOS,Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA,Teresa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno da Revisão do Tratado da União Européia.Almedina, Lisboa, 1997, p. 18 e 19.(275) Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 - Artigo I º.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração

Tratado de Assunção - 1991\I

preparação para a integraçãocomercial e econômica

\IProtocolo de Ouro Preto - 1994

(não foi possível a implementação da integração comercial e econômica)\I

nova preparação para a integração comercial plena\I

Dessa forma, constata-se que os processos de integração nãoestão submetidos a regras procedimentais. Todas as manifestaçõesde integração podem, até mesmo, verificar-se simultaneamente.Entretanto, não há registro de qualquer processo de integração bemsucedido que se tenha implementado nessas bases.

O que se tem verificado é uma evolução gradativa da integra-ção de acordo com o grau de comprometimento definido pelos pró-prios Estados no momento de exprimirem suas vontades. Diantedesses objetivos previamente alinhavados, o processo se desenvol-ve. A título de exemplo temos:

Processo de Objetivo já Situação atualIntegração estabelecido

Mercosul integração econômica: integração comercial:(Mercado Comum mercado comumv"?' área de livre comércio

do Sul) imperfeita e uniãoaduaneira imperfeitav?"

(276) "El documento de Ouro preto no deja espacio para dudar sobre la voluntad de conti-nuar con el objetivo establecido por el Tratado de Asunción de conformar un mercadocomún a pesar de no haberse concretado la asociación económiea según el modelo inicial-mente proyectado."DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur -- generador de una nueva fuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 80.(277) "Nos animamos a afirmar que estar anelados en esta circunstancia sui generis deasociación de libre comercio imperfecta y de unión aduanera imperfecta, es una etapaintermedia hacia la conformación de un sistema integrado que constituya verdaderamenteun mercado común."DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador de una nueva fuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 80.

119

120 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Processo de Objetivo já Situação atualIntegração estabelecido

Nafta integração comercial: integração comercial:(Área de Livre área de livre área de livre comércio

Comércio da América comércio'ê"? com união imperfeita com uniãodo Norte) aduaneira para alguns aduaneira para alguns

setores setores

União Européia integração econômica,(Comunidade Européia, e monetária integração econômica

CECA e EURATOM)

Implementação da Supranacionalidade

A opção dos Estados quanto à efetivação de seus processos deintegração não se restringe à forma e cronologia, mas se coaduna coma escolha do momento e da maneira de implementação da suprana-cionalidade.

Assim, compete aos Estados envolvidos nos processos de inte-gração a verificação do momento mais conveniente à delegação depoderes à Organização Internacional. No âmbito de uma Organiza-ção Internacional onde se constate uma integração bastante desen-volvida, parece óbvio que "seus órgãos não podem ... carecer ... desupranacionalidade "(279).

É de se destacar que a fusão política é forma bastante desen-volvida de integração. Não obstante, ela pode ser sentida de ma-neira menos ou mais evidente, de acordo com a opção dos Esta-dos-partes, manifesta através do tratado constitutivo da Organiza-ção Internacional.

O federalismo certamente é um estágio bastante avançado deintegração política que, portanto, parece não prescindir da delega-ção de poderes políticos dos Estados-partes à Organização lnterna-

(278) "Como ejemplo de un modelo que se plantea como Asociación de Libre Comerciocabe citar el NAFTA."DREYSIN DE KLüR, Adriana. EI Mercosur - generador de una nueva fuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 81.(279) "Sus órganos no pueden continuar siendo gubernamentales, e1 esquema no puedecarecer hoy de supranacionalidad."DREYSIN DE KLüR, Adriana. EI Mercosur -- generador de una nuevafuente de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 173.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração I2I

cional. Quanto a estes poderes políticos, os Estados-membros tor-nam-se autônomos e a Organização Internacional ganha suprana-cionalidade.

É evidente que a referida delegação de poderes não dispensamuita prudência. Tanto a Organização Internacional deve estar pre-parada para receber tais poderes, quanto os Estados-membros de-vem estar afastados da idéia de arrependimento futuro.

Aliás, a tendência dos Estados é resistir ao máximo à delega-ção de seus poderes, pelo menos no que tange a determinados as-pectos. Na União Européia, por exemplo, Paulo de Pitta e Cunharelata que "os Estados, com o objetivo de preservar a soberania fis-cal, mostraram-se avessos ao envolvimento em aproximações emmatéria de tributos.

Enquanto na esfera monetária, pode-se dizer que a soberaniafoi transferida do nível nacional [Estados-membros] para o nívelcentral [Organização Internacionalj'"?', o mesmo não aconteceu noque tange à matéria fiscal, onde a falta de sacrifício dos Estadoscriaram um vácuo, na medida em que os poderes financeiros geraisnão foram delegados à autoridade central.

A introdução da supranacionalidade financeira européia podeser o elemento principal de um estágio avançado em integração. Masnão se deve esperar que esta idéia se materialize em um futuro pró-ximo, devido à relutância dos Estados-membros em delegar seuspoderes em matéria de tributos'V"!

(280) Destaca-se, neste ponto, a independência que se pretende dar ao Banco Central Euro-peu (BCE), bem como a também independência que os Bancos Centrais Nacionais vêmganhando em relação aos seus Estados-membros.(281) "The ide a of global harmonization was abandoned, as the States, for the sake ofpreserving tax sovereignty, had show their unwillingness to be involved in approximationof tax rates ans taxes bases.

While, in the case ofmonetary policy, it can be said that sovereignty is transferred from thenational levei to the centre, the same does not happen in regard to fiscal policy, where thesacrifice of freedom by the States creates a police vacuum, as no global budgetary powersare granted to central authorities.

The introduction of a supranational European corporation tax could be a central elementof such advanced step in .. integration. But the idea cannot be expected to materialize inforeseeablefuture, due to the reluctance ofthe member States to surrender their tax powers.

122 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Dessa forma, não há que se esperar que as Organizações Inter-nacionais tornem-se supranacionais em um piscar de olhos. Temos,sim, um processo longo de conquista de poderes anteriormente exer-cidos pelos Estados-partes, que somente se concretiza após muitodebate e reflexão't'". Somente assim, os países estarão aptos a defi-nir as matérias e as esferas de poder que serão objeto de delegação àOrganização Internacional.

O mais importante, porém, é que os Estados estejam conscien-tes do caminho escolhido para que, mais adiante, não se deparemcom uma integração sinônima de exploração. E a tendência é a deque todos os processos de integração que não tenham a finalidadede "melhorar as condições de vida de seus habitantes" passem a teressa meta.

"Para ascender a um verdadeiro estágio de integração deve-se con-centrar nas pessoas; então haverá esperanças de que o projeto inicial ...se converta em um empreendimento verdadeiramente integral"(2831.

In the pure logic of the development of the integration process, once the levei of monetaryunion is reached, further tax coordination is to be expected,"CUNHA, Paulo de Pitta e. Entendimento manifesto no "Colloque L'Euro et Le Monde ".realizado em Coimbra e Lisboa nos dias 1 a 4 de julho de 1998.(282) "Na realidade, o que marca um salto fundamental, a passagem de um estágio paraoutro completamente diferente, é o lançamento da união monetária: a política monetária écentralizada, criam-se órgãos supranacionais com poder decisivo nesta matéria, a moedaúnica substitui as moedas nacionais. Tudo isto são aspectos completamente inéditos, quebem merecem reflexão."CUNHA, Paulo de Pitta. In PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MI-RANDA, Jorge; SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardoda Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luisa; SANTOS, LuísMáximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA, Tere-sa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno da Revisão do Tratado da União Européia. Almedína,Lisboa, 1997, p. 18 e 19.(283) "Para arribar a un verdadero estadio de integración tienen que hacerse cargo lospueblos; entonces hay esperanzas de que el proyecto inicial - económico y político - seconvíerta en un emprendimíento verdaderamente integral."DREYSIN DE KLOR, Adriana. EI Mercosur -- generador de tina nuevafuent e de derechointernacional privado. Buenos Aires, 1997, p. 26.

Globalização x Regionalismo

Toda a sistemática dos tratados e das Organizações Internacio-nais está atualmente voltada para dois fenômenos característicos danova ordem mundial: Globalização e Regionalização.

O significado desses dois termos parece sugerir que tais fenô-menos não guardam nenhuma relação entre si:

global, adj. 2 gên. Tomado em globo, por inteiro; inte-gral; total(284).

regional, adj. 2 gên. Respeitante a uma região; locaW85).

De fato, os fenômenos da globalização e da regionalização de-correm de necessidades distintas. Porém, manifestas em um mesmocontexto. Trata-se do período pós-guerra.

"Era preciso recomeçar, pois quem ganhou a guerra não estavamenos destruído do que quem perdeu; foram cinco anos de luta"(286).O continente europeu, depois de suportar diretamente todos os efei-tos da guerra, constatou que seus parques industriais apresentavam-se totalmente arrazados.

Por outro lado a produção industrial americana estava em ple-na expansão. É que a destruição das indústrias européias aumentousubstancialmente a demanda de produtos americanos no período daguerra.

Temos assim duas realidades fáticas manifestas em um mesmocontexto. Essas realidades fazem surgir necessidades diferentes. En-quanto os Estados Unidos da América necessitavam de mercado con-sumidor para a avalanche de mercadorias produzidas por suas in-

(284) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Pequeno Dicionário da Língua Portugue-sa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967, p. 604.(285) FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário. Rio de Janeiro, Nova Fron-teira, 1977, p. 1036.(286) ACCIOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutura Jurídico-Institucio-nal. Curitiba, Juruá, 1996, p. 32.

124 Sérgio Mourão Corrêa Lima

dústrias, os Estados europeus necessitavam reconstruir aquilo que aguerra destruíra. Essa reconstrução requeria a integração dos Esta-dos europeus.

As necessidades encontraram como resposta comum "o inte-resse dos Estados Unidos em ajudar e assistir financeiramente a re-construção da Europa ocidental através do Plano Marshall [idealiza-do e levado a efeito pelo governo norte-americano]; e as atividadesda Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico(OECD)"(287), responsável por direcionar a grande quantidade de ca-pital transferida para o continente europeu a título de empréstimos.

Esses recursos certamente voltariam para os Estados Unidosda América. Inicialmente, aplicados na compra de produtos ameri-canos, uma vez que a produção européia do pós-guerra encontrava-se em patamares mínimos. Posteriormente, acrescidos de juros, comoforma de quitar o financiamento, que obviamente não se confundecom doação.

Dessa forma, os fenômenos da globalização e da regionalização,idealizados anteriormente mas jamais manifestos de forma tão ex-pressiva, aparecem como marcas da nova ordem mundial.

De um lado, "o Governo dos Estados Unidos ... gerenciava arealização de uma conferência mundial de comérciov!", ou seja,um processo de globalização comercial, cujo objetivo é a gradativaeliminação das barreiras ao comércio internacional.

De outro lado, os Estados europeus iniciam uma aproximaçãoque, apesar de trazer objetos meramente comerciais no início, apre-sentava propósitos verdadeiramente econômicos, uma vez que "noprocesso de integração europeu sempre se mostrou presente a inten-ção de promover a melhoria das condições de vida e de emprego'<"?',

(287) "El interés estadounidense de ayudar y asistir financeramente la reconstrucción deEuropa Occidental por la via dcl Plan Marshall y las actividades de la Organización deCooperación y Desarrollo Económico (OCDE) se inspiraron en los propósitos políticos delevantar un muro de contención al expansionismo soviético en Europa y de reforzar elfrente aliado en el escenario mundial."MAGARINOS, Gustavo. Comercio e Integración. Montevideo, fcu, 1994, p. 84.(288) "En las postrimerías de la Segunda Guerra Mundial, el Gobierno estadounidense yagestionaba la realización de una conferencia mundial de comercio."LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay deI GATT - La Globalización dei ComercioMundial. Montevideo, fcu, 1994, p. 09.(289) ZOMIGNANI, Cassius Marcellus. In CASELLA, Paulo Borba. Contratos Interna-cionais e Direito Econômico no Mercosul. São Paulo, LTr, 1996, p. 795.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 125

A tentativa de implementação do processo de globalização co-mercial expressava-se através do tratado internacional denominadoGATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Cornércio-"?'. Atualmente,esse tratado internacional teve suas regras abarcadas pela Organiza-ção Mundial do Comércio.

O processo de integração europeu, por sua vez, teve a CECA- Comunidade Européia do Carvão e do Aço como seu primeiroexperimento. Hoje consiste na União Européia, composta pelas or-ganizações internacionais CECA - Comunidade Européia do Car-vão e do Aço, CEEA - Comunidade Econômica de Energia Atômi-ca e a antiga CEE - Comunidade Econômica Européia, atual CE -Comunidade Européia.

Fazendo desenvolver a denominada nova ordem mundial, ou-tros processos de integração com propósitos econômicos começama surgir a partir do exemplo europeu. É o caso do Mercosul.

Outras tentativas de regionalismo comercial também começama aparecer. A proposta de criação da ALCA - Área de Livre Co-mércio das Américas, por exemplo, mostra-se como uma nova pro-posta norte-americana de cunho eminentemente comercial. Não temportanto o alcance econômico que o Mercosul traz como proposta.

Dessa forma, não se pode confundir globalização comercial comglobalização econômica, porque somente nessa última é que o fatorhumano merece a devida atenção. E seria demasiada pretensão afir-mar que atualmente as condições de vida estão se globalizando, ouseja, tornando-se harmônicas em todo o mundo.

Também a expressão bloco econômico deve ser utilizada comcautela porque poucos são os blocos, ou seja, as organizações inter-nacionais que têm a integração econômica como propósito.

Temos assim:

Globalização • Giobalização Comercial;(M ultilateralismo: • Globalização Econômica;participação individualizada)

Regionalização • Blocos Comerciais;(Regionalismo: • Blocos Econômicos;participação em bloco) • Blocos Monetários;

• etc.

(290) GATT significa General Agreement on Tari[[s and Trade.

126 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Constatam-se, pois, duas possibilidades de atuação dos Esta-dos no cenário internacional:

• a negociação em blocos regionais, ou seja, entre organi-zações internacionais de integração;

ou

• a negociação multilateral, tendo como partes os Estadosindividualmente.

E os Estados já têm feito as suas opções. Apesar de figuraremcomo partes da Organização Mundial do Comércio, que tem por ob-jetivo a globalização do comércio, os países já começam a se postarem blocos regionais, sejam eles comerciais, econômicos, monetários,financeiros, etc.

Assim, Julio Lacarte Muró informa que na Rodada Uruguai doGATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, quando foi criadaa OMC - Organização Mundial do Comércio, as "conclusões obti-das ... demonstram inequivocamente a intenção dos participantes deque a OMC e o regionalismo possam coexistir sem que se levantemconflitos traumáticos entre eles. Não poderia ser de outra maneira,pois a maioria dos países intervenientes nas negociações pertencema algum mecanismo de integração regional ... com tipos distintos ....[Em] sua integração, os países em desenvolvimento vão criando acompetitividade de sua indústria, incipiente, ao submeter seus pro-dutores à concorrência dos provedores regionais. Assim, se aproxi-mam gradualmente do nível de competitividade que exige o merca-do mundial'<"!',

(291) Las negociaciones convenidas en la Ronda demuestran inequívocamente la intenciónde los participantes de que la üMC y el regionalismo puedan coexistir sin que se planteenconflictos traumáticos entre ellos. No hubiera podido ser de otra manera, puesto que lamayoria de los paises intervinientes en las negociaciones pertenecen a algún mecanismode integración regiona1.

Dificilmente podrian imainarse un esquema más variado, con opciones de distinto tipo.En esta etapa de su integración, los países en desarrollo van creando la competitividadde su industria, incipiente, al someter los productores a la concurrencia de los proveedoreszonales. Así, se aproximan gradualmente aI nivel de competencia que exige el mercadomundial."LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay dei GATT - La Gtob alizacián dei Comer-cio Mundial. Montevideo, fcu, 1994, p. 365/366.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 127

E esta é a beleza do momento atual. Temos em mãos a possibi-lidade de escolhermos o nosso destino. Enquanto, em outros mo-mentos, vários Estados apenas se curvavam aos fatos e à realidade,hoje eles podem alinhavar o seu futuro.

E no momento de optarem, certamente deverão levar em contaque nada fará sentido se o beneficiário de toda essa movimentaçãointernacional não for o ser humanov?",

Nesse sentido, o ex-Presidente da República Federativa do Bra-sil, Itamar Franco, em aula magna proferida na Faculdade de Direitoda Universidade Federal de Minas Gerais, salientou que "podemos edevemos visualizar um mundo integrado, cooperativo, generoso, ondetodos tenham acesso aos bens materiais e espirituais que a humani-dade conquistou. Para isto, é preciso inovar, mudar de rumo, estabe-lecer novas regras de convivência e de mútuo respeito. É certo queas peculiaridades do tempo presente não autorizam uma solução fun-dada em padrões passados. Mas tampouco recomendam que se con-tinue a perfilhar um caminho que inevitavelmente levará ao caossocial"(293).

(292) CIURO CALDANI, Miguel Angel. Entendimento manifesto no "Encontro de funda-ção da ECSA - European Community Studies Association - Brasil" realizado em Blume-nau nos dias 13 e 14 de outubro de 1997.(293) Aula Inaugural proferida pelo Exmo. Sr. Itamar Franco, ex-Presidente e Embaixadordo Brasil na üEA - Organização dos Estados Americanos, no dia 12 de março de 1998, naFaculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Estudo do Caso I:O GATT -Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

o GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - 1947(General Agreement on Tariffs and Trade)

Com o final da Segunda Guerra Mundial, conforme menciona-do anteriormente, a produção industrial americana estava em plenaexpansão em função da massiva destruição das indústrias européiasdurante o período de batalhas.

Dessa forma, os Estados Unidos da América necessitavam demercado consumidor para a avalanche de mercadorias produzidaspor suas indústrias. Porém, não parecia oportuno que seus produtosenfrentassem barreiras ao adentrarem o território de outros Estados.

Assim, soava bastante conveniente aos Estados Unidos da Amé-rica que toda e qualquer espécie de barreira ao comércio internacio-nal fosse eliminada. Dessa forma, os produtos norte-americanos cir-culariam livremente mundo afora.

Assim, os Estados Unidos da América lideram um processo deglobalização comercial, cujo objetivo é a gradativa eliminação dasbarreiras ao comércio internacional no intuito de ver instituída umaárea ou zona de livre comércio mundial.

Dado a uma certa resistência por parte do Senado americanoem admitir aquilo que seria uma Organização Internacional do Co-mércio, ao Poder Executivo americano somente restou a possibili-dade de levar adiante a sua proposta através de um tratado interna-cional. Trata-se do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comérciov?? .

Tendo iniciado sua vigência com um número restrito de Estados,o "GATT é um tratado multilateral hoje subscrito por ... países que,juntos, representam mais de quatro quintos do comércio mundial'Y"",

(294) GATT significa General Agreement on Tariffs and Trade.(295) GOYOS JR., Durval de Noronha. A DMe e os Tratados da Rodada Uruguai. SãoPaulo, Observador Legal, 1995, p. 11.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 129

Ricardo Seitenfus destaca que atualmente o referido "acordocomercial multilateral" se apresenta como "um fórum de negocia-ção comercial onde ... procura-se aproximar posições entre Estados-Partes"(296).

Esta aproximação, de cunho meramente comercial, se faz atra-vés de gradativa eliminação das barreiras tarifárias e não-tarifáriasaplicadas pelos Estados aos produtos provenientes de outros Esta-dos-Partes do tratado.

Barreiras ao Comércio Internacional

Já constatamos que as restrições ao comércio internacional apre-sentam-se, em regra, através das seguintes modalidades:

- Restrições tarifárias- Restrições não-tarifárias:

• Qualitativas;

• Quantitativas; e• Medidas de Efeito Equivalente.

Dispositivos do GATT

No intuito de promover a intensificação do comércio interna-cional com conseqüente eliminação gradativa das referidas barrei-ras ou restrições, o GATT apresenta dispositivos diversos.

Ricardo Seitenfus menciona os principais dispositivos do acordo:

• "O artigo primeiro ... determina que 'qualquer vanta-gem, favor, privilégio ou imunidade concedida por uma Partecontratante a um produto originário de outro país ou destinadoa ele, será concedida imediata e incondicionalmente a todo pro-duto similar originário dos territórios de todas as demais Par-tes contratantes ou a elas destinado'. [Cláusula da Nação maisfavorecida]

(296) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 155.

130 Sérgio Mourão Corrêa Lima

• O tratamento em matéria tributária e fiscal dos produtosimportados entre as Partes contratantes deve ser o mesmo con-cedido aos produtos internos ... [Princípio da Igualdade]

• Finalmente, não será tolerada qualquer restrição ...[não-tarifária] à entrada de produtos das Partes contratantesno território dos signatários"!"?'. [Eliminação das restriçõesnão-tarifárias]

Hely Lopes Meirelles acrescenta que:

• "para a importação o GAII assegura favores aduaneirosaos produtos constantes das listas individuais de cada NaçãoPactuante'V?". [Limitação de alíquotas instituída em lista]

Constata-se, assim, que as principais regras do GATT consis-tem em:

• Cláusula da Nação mais Favorecida:

"Artigo I

1. Qualquer vantagem, favor, privilégio, ou imunidade con-cedida por uma parte contratante a um produto originário deoutro país ou a ele destinado será, imediata e incondicional-mente, extensiva a todos os produtos similares originários dosterritórios de qualquer outra parte contratante ou a eles desti-nados. Esta disposição refere-se aos direitos aduaneiros e àsimposições de qualquer espécie que incidem sobre as importa-ções ou exportações ou que são aplicadas por ocasião das im-portações ou exportações, assim como às que incidem sobre astransferências internacionais de fundos destinados ao pagamen-to de importações ou exportações .00"(299}.

(297) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 155/156.

(298) MEIRELLES, Hely Lopes. Estudo sobre o GATT. Revista de Direito Público, Ano I,vo\. I, julho/setembro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, p. 64.

(299) GATT-- Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ~ Artigo I. In SANTOS, Luis Máxi-mo dos; MORAIS, Luis; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos ~ Relações EconómicasInternacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 49/50.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 131

• Princípio da Igualdade:

"Artigo III2. Os produtos do território de qualquer parte contratante,

importados do território de qualquer outra parte contratante, nãoestarão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outrasimposições internas, qualquer que seja sua espécie, superioresaos aplicados, directa ou indirectamente, aos produtos nacio-nais similares. Além disso, nenhuma parte contratante aplica-rá, por outra forma, impostos ou outras imposições internasaos produtos importados ou nacionais de maneira contrária aosprincípios enunciados no parágrafo 1"(300) .

• Eliminação das restrições não-tarifárias:

"Artigo XI1) Nenhuma parte contratante instituirá ou manterá, para

a importação de um produto originário do território de outraparte contratante, ou na exportação ou venda para a exportaçãode um produto destinado ao território de outra parte contratan-te, quaisquer proibições ou restrições que não sejam direitosaduaneiros, impostos ou outras imposições, quer a sua aplica-ção seja feita por meio de contingentes, de licenças de impor-tação ou exportação, quer por outro qualquer processo'<"" .

• Limitação de alíquotas instituída em lista:

"Artigo IICada parte contratante concederá ao comércio das outras

partes contratantes um tratamento não menos favorável que oprevisto na parte apropriada da correspondente lista anexa aeste AcordoP?".

(300) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio -- Artigo 1II. In SANTOS, LuísMáximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações EconomicasInternacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 52.(301) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio -- Artigo XI. In SANTOS, LuísMáximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos -- Relações EconómicasInternacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 66.(302) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - Artigo 11. In SANTOS, LuísMáximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações EconômicasInternacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 49.

132 Sérgio Mourão Corrêa Lima

A Cláusula da Nação mais Favorecida

A cláusula da Nação mais favorecida não está contida somenteno GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, figurando comodispositivo integrante de outros tratados internacionais. HildebrandoAccioly explica que, "por meio [desta cláusula], cada contratantepromete ao outro, ou outros, que os tratará como trata ou venha atratar 'a nação mais favorecida', isto é, a nação por ele mais favore-cida na matéria sobre a qual verse o acordo'P''".

A título de exemplo, temos:

Alemanha e Brasil celebram um tratado internacional em que:

• a Alemanha se compromete a cobrar Imposto de Importação com inci-dência de alíquota de, no máximo, 5% (cinco por cento) sobre automóveis pro-venientes do Brasil;

• o Brasil se compromete a cobrar Imposto de Importação com incidên-cia de alíquota de, no máximo, 5% (cinco por cento) sobre automóveis prove-nientes da Alemanha; e

• a cláusula da Nação mais favorecida está prevista.

\!Posteriormente, o Brasil celebra um tratado com o Japão em que:

• o Japão se compromete a cobrar Imposto de Importação com incidênciade alíquota de, no máximo, 3% (três por cento) sobre automóveis provenientesdo Brasil; e

• o Brasil se compromete a cobrar Imposto de Importação com incidên-cia de alíquota de, no máximo, 3% (três por cento) sobre automóveis prove-nientes do Japão.

No caso em tela, o Japão é Nação mais favorecida que a Alemanha. Comoo primeiro tratado prevê a Cláusula da Nação Mais Favorecida, a maior vanta-gem oferecida ao Japão se estende aos automóveis alemães.

Assim, o Brasil somente poderá cobrar Imposto de Importação com inci-dência de alíquota de, no máximo, 3% (três por cento) também dos automóveisalemães.

Portanto, "em virtude da cláusula [da Nação mais favorecida, a Alema-nha] '" adquiri[u] o direito de reclamar para si, direitos ou vantagens estipula-dos em tratados de que diretamente não participa'<'?",

(303) ACC\OLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. Saraiva, São Pau-10,1991, p. 131/132.(304) ACC\OLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. Saraiva, São Pau-lo, 1991, p. 131/132.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 133

A cláusula da Nação mais favorecida terá por objeto, portan-to, "garantir a cada contratante um tratamento tão favorável quantoaquele que se dispensar a terceiros Estados .... O mecanismo da cláu-sula da nação mais favorecida cria, assim, uma igualdade ou nivelaçãona maneira com que os Estados são distinguidos, estabelecendo ummínimo de discrirninação'<v".

Cabe destacar, ainda, que em função do princípio da autono-mia da vontade, que norteia a formação dos tratados internacionais,a claúsula da Nação mais favorecida pode merecer as mais diversasredações. Refletirá, dessa forma, a vontade precisa dos Estados en-volvidos, quanto à forma de extensão das maiores vantagens futurasàs partes do tratado internacional anterior.

Assim, os tratados internacionais que apresentam a cláusula danação mais favorecida podem, até mesmo, estabelecer exceções aela. É o caso do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.

Exceção à Cláusula da Nação mais Favorecida

A exceção à cláusula da nação mais favorecida consta do arti-go XXIV do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, quedispõe:

"Artigo XXIV5.... as disposições deste Acordo não constituirão obstá-

culo ao estabelecimento, entre os territórios das partes contra-tantes, de uma união aduaneira ou de uma zona de comérciolivre, ou à adopção de um acordo provisório necessário para oestabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona decomércio livre, ..."(306).

(305) "Tiene por objeto garantir a cada contratante un trato tan favorable como aquél quese dispensa a los Estados terceros ... EI mecanismo de la cláusula de la nación más favore-cida crea asi una igualdad o nivelación en la manera en que se tratan los Estados, estableceun mínimo de díscriminación y un máximo de generalízación de los favores concedidos aotros."ARÉCHAGA, Eduardo Jiménez de. Derecho Internacional Público, tomo I. Fundación deCultura Universitaria, Montevideo, 1996, p. 236/237.(306) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - Artigo 11. In SANTOS, LuísMáximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações EconómicasInternacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997. p. 49.

134 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Constata-se, portanto, que a cláusula da nação mais favorecidanão será aplicada no caso de maiores vantagens atribuídas a outrosEstados pelos Estados-Partes, em função da participação destes emzonas de livre comércio e uniões aduaneiras.

Por esta razão, Ricardo Seitenfus destaca que "os sistemas depreferência do BENELUX, Commonwealth, União Européia e Mer-cosul são previstos no artigo XXIV"(307), consistindo, portanto, emexceções à cláusula da nação mais favorecida prevista no GATT.

Dessa forma, constatamos que caso não houvesse a previsão deexceção à cláusula da nação mais favorecida, todas as vantagens queo Brasil conferiu à Argentina em função do Mercosul automatica-mente se estenderiam a todos os demais Estados-Partes do GATI.

Entretanto, como há a previsão de exceção para zonas de livrecomércio e união aduaneira, as vantagens oferecidas pelo Brasil àArgentina não se estenderam às demais partes do GATT. Vejamos oseguinte quadro comparativo:

Cláusula da Nação mais Favorecida Cláusula da Nação mais Favorecidasem previsão de exceção com previsão de exceção

Brasil é parte do GATT Brasil é parte do GATT(Cláusula da Nação mais favorecida) (Cláusula da Nação mais favorecida)

\! \!Brasil celebra o tratado posterior que Brasil celebra o tratado posterior que

implementou uma zona de livre X implementou uma zona de livrecomércio para com Argentina, comércio para com Argentina,

Paraguai e Uruguai Paraguai e Uruguai.\! (Exceção à cláusula da

Maior vantagem atribuída à Argentina, Nação mais favorecida)Paraguai e Uruguai se estende às \!

demais partes do GATT Maior vantagem atribuída àArgentina, Paraguai e Uruguai não

se estende às demais partes do GATT

o Princípio da Igualdade

A igualdade é um princípio geral do Direito amplamente reco-nhecido na sistemática jurídica dos mais diversos países. Pinto Fer-

(307) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 1551l56.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 135

reira ensina que "na sociedade contemporânea, o princípio foi assi-milado pela quase totalidade das Constituições" (308).

Porém, não são as constituições as únicas a acolher o princí-pio da igualdade. Também os tratados tendem a acolhê-lo. "NoGATT, [por exemplo, consta] o princípio da igualdade entre as par-tes contratantes" (309).

Na esfera deste acordo multilateral, a igualdade consiste na ve-dação à discriminação dos produtos dos Estados-Partes, como for-ma de permitir uma concorrência justa entre as mercadorias de di-versos países, sem que a procedência seja fator prejudicial ou defavorecimento destas.

Dessa forma, a igualdade pode-se apresentar de duas formas:

• Igualdade entre produtos de outros Estados-Partes dotratado; e

• igualdade entre o produto nacional e o produto de outrosEstados-Partes do tratado.

Como exemplo, temos:

• O Brasil não pode conferir tratamento mais benéfico auma bicicleta portuguesa em detrimento de outra japonesa; e

• o Brasil não pode conferir tratamento mais benéfico auma bicicleta brasileira em detrimento de outra japonesa.

Eliminação das Restrições Não-Tarifárias

Conforme constatado, o GATT também veda "quaisquer proi-bições ou restrições ... , quer a sua aplicação seja feita por meio decontingentes, de licenças de importação ou exportação, quer por outro

(308) FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. VaI. lI, 4ªedição, Saraiva, São Paulo, 1962, p. 488.(309) "En cambio, en el GATT se mantiene el principio de la igualdad entre las PartesContratantes, y esta situación no variará con la üMC."

LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay dei GATT - La Globalización dei ComercioMundial. Montevideo, fcu, Iª edição, 1994, p. 93.

136 Sérgio Mourão Corrêa Lima

qualquer processo'V'?'. Assim, constata-se que os Estados-Membros"deverão ... [eliminar] as barreiras alfandegárias e as medidas deproteção de mercados"!"!',

Portanto, em regra não se admite que um Estado estabeleça co-tas de importação aos produtos dos demais Estados, como forma deimplementar um contingenciamento na importação, por exemplo.

Porém, a eliminação das restrições não-tarifárias não consistesomente nas limitações quantitativas ou qualitativas. Manuel CarlosLopes Porto informa que também as "restrições aos pagamentos"podem figurar como medidas que, de forma equivalente, limitam ocomércio internacional. Também são, portanto, desautorizadas peloGATI.

Dessa forma, não podem as autoridades de qualquer Estado-Parte, restringir os pagamentos internacionais aos produtos prove-nientes dos demais Estados-Partes do GATT, "não disponibilizandoou limitando as disponibilidades'rv'" de meios para que os paga-mentos sejam implementados.

Limitação de Alíquotas Instituída em Lista

o artigo 11do GATT faz menção a uma lista elaborada por cadaum dos Estados-Partes. Nesta, os países devem estabelecer os "fa-vores aduaneiros" com os quais estarão comprometidos e, portanto,estes lhes podem ser exigidos.

Assim, quanto aos produtos provenientes dos demais Estados-Partes do GATT, não podem as autoridades de qualquer Estado-Par-te, implementar cobrança ou apresentar exigência que extrapole oslimites e favores estabelecidos em sua lista.

A lista do Brasil, por exemplo, é a de número 11I. Dela, constaum rol de produtos e as alíquotas máximas, do imposto sobre a impor-tação, que podem incidir sobre cada uma das mercadorias arroladas.

(310) GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - Artigo XI. In SANTOS, LuísMáximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textos - Relações EconómicasInternacionais. Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 66.(311) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 155.(312) PORTO, Manuel Carlos Lopes. Teoria da Integração e Políticas Comunitárias.Almedina, Coimbra, 1997, p. 119.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 137

Assim, não pode a autoridade fiscal brasileira exigir do impor-tador de produtos provenientes dos demais Estados-Partes do GATT,o pagamento de imposto de importação com incidência de alíquotasuperior àquela estabelecida como máxima na lista IH do Brasil.

É que a referida listagem, que segue em anexo ao tratado inter-nacional, é parte integrante deste. E, considerando que o GATT foinegociado, assinado, referendado pelo Congresso Nacional, ratifi-cado, promulgado e publicado, não há dúvidas de que sua eficácia"não é menor que a das leis internas'Y'".

Vigência no Brasil

Como o Brasil figura como parte do GATT, Hely Lopes Mei-relles, informa que "tal Acõrdo foi põsto em vigência no territórionacional pela Lei n. 313, de 30 de junho de 1948, e Decretos ns.31.307 e 32.600, respectivamente, de 25 de agôsto de 1952 e 17 deabril de 1953"(314).

As Rodadas de Negociação

Deste 1948, ano em que o GATT entrou em vigor no Brasil,apesar de permanecerem inalteradas as quatro regras fundamentaisanteriormente mencionadas, algumas modificações e acréscimos de-correram de outras sete rodadas de negociações.

São elas, "Annecy (1949), Torquay (1951), Genebra (1956, 1960-61 e 1964-67), Tóquio (1973-79) e Uruguai (1986-1994)"(315).

Os tratados internacionais contendo o produto final de cada umadas rodadas de negociações incorporaram-se ao ordenamento jurídi-co brasileiro da mesma forma que os demais tratados internacionais.

Há que se destacar a importância das várias rodadas de negocia-ções. Manuel Carlos Lopes Porto informa que "no Uruguai Round, ooitavo ... realizado, conseguiram-se progressos assinaláveis. Havia sido

(313) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 2" edi-ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86.(314) MEIRELLES, Hely Lopes. Estudo sobre o GATT. Revista de Direito Público, Ano I,vol. I, julho/setembro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1967, p. 64.(315) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 157.

138 Sérgio Mourão Corrêa Lima

muito grande o relevo ... [das rodadas] anteriores, tendo o volume docomércio subido de 10 [bilhões] ... no round de Genebra (1947) para155 [bilhões] '" no round de Tóquio (1973-9), com o número de paí-ses-membros a elevar-se de 23 para 99. Mas foi um grande progressoque o Uruguai Round tenha .., [elevado] o comércio para [um bi-lhão] de dólares e o número de [Estados] participantes para 117"(316).

A OMC - Organização Mundial do Comércio

A Rodada Uruguai do GAII, "encerrada com o Acordo de Mar-rakech em 1994"(317), é a mais recente. Naquela oportunidade, os Es-tados que tomaram parte na rodada de negociações decidiram criar aOMC - Organização Mundial do Comércio que encamparia o GAIIe viria "a ser uma instituição especializada e autônoma das NaçõesUnidas'<'!",

"Importa notar que o acordo que institui a aMC não é, juridi-camente, um acordo que suceda ao GATT de 1947, um acordo quelhe substitua. a acordo que institui a aMC incorpora no chamadoGATT de 1994 todo o acervo jurídico do GATT de 1947, mas osdois acordos não se confundem, antes mantendo a sua plena autono-mia jurídica'<"?'.

Assim, o "acordo sobre a aMC ... abarca a mesma temática[do GATT 1947, porém] ampliada.

a acúmulo de trabalhos realizados no curso das etapas finaisda Rodada Uruguai e a demora experimentada para alcançar os acor-dos finais com respeito a muitos temas, impediu o cumprimento dadelicada tarefa de identificar com absoluta precisão jurídica aquelas

(316) PORTO, Manuel Carlos Lopes. Teoria da Integração e Políticas Comunitárias.Almedina, Coimbra, 1997, p. 467.(317) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 159.(318) SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advo-gado Editora, Porto Alegre, 1997, p. 159.(319) PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge; SOUSA,Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardo da Paz; AZEVEDO, Ma-ria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luísa; SANTOS, Luís Máximo dos; CALHEI-ROS, José Maria; MARTINS, Ana Maria Guerra; MOREIRA, Teresa; e MORAIS, LuisSilva. Em Torno do Tratado da União Européia, Coimbra, Almedina, 1997, p. 171.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 139

disposições do GAII 1947 que estão superadas pela Rodada Uru-guai e que não figuram na OMt". Por isso, o GAII 1947 foi agrega-do por referência, recorrendo-se a uma cláusula de incorporação ...Se antecipa que, no momento próprio, se publicará uma versão apu-rada do Acordo sobre a aMC e de seus anexos (em particular GAII1947 e GAII 1994).

[Assim,] o Acordo sobre a aMC é um instrumento cuja finali-dade é a de abarcar e ordenar os múltiplos acordos substantivos quese herdam do GAII 1947 e os que nascem a partir da Rodada Uru-guai, fixando as claúsu1as necessárias para harmonizar e regular oconjunto"(320).

Verificamos, dessa forma, que através da Rodada Uruguai, osEstados que tomaram parte nas negociações decidiram:

(320) "Si bien en el Acuerdo sobre la OMC se expresa que es 'legalmente distinto' aI GATTy que no constituye un acuerdo sucesor del mismo, cabe destacar que abarca la mismatemática, ampliada. La OMC incorpora el GATT bajo la forma en que exista el día en queaquella entre en vigor, denominándolo 'GATT 1947', Y según el Artículo XVI deberá guiarsepor la decisiones, los procedimientos y las prácticas usuales utilizadas por las partes con-tratantes dei GATT 1947 Y por los órganos establecidos dentro de su marco (se define elGATT 1947 en el Anexo IA deI Acuerdo sobre la OMC). Los miembros de la OMC podránoptar entre seguir formando parte del GATT 1947, o de retirarse del mismo. Debe tenersepresente que las concesiones de apertura de mercados negociadas durante la Ronda Uruguayno se incorporan aI GATT 1947.EI cúmulo de los trabajos realizados en el curso de las etapas finales de la Ronda Uruguayy la tardanza experimentada en alcanzar los acuerdos finales com respecto a muchos te-mas, impidió cumplir la delicada tarea de identificar con absoluta precisión jurídica aque-lias disposiciones dei GATT 1947 que quedan superadas por la Ronda Uruguay y que nofiguran en la OMC. Por lo tanto, el GATT 1947 fue agregado por referencia, recurriéndosea una cláusula de incorporación. Obviamente, toda la información pertinente está conteni-da en los instrumentos anexos aI Acta Final, pero debe ser leida com detención. Se anti cipaque, en su momento, se publicará una versión depurada del Acuerdo sobre la OMC y de susanexos (en particular GATT 1947 Y GATT 1994).EI Acuerdo sobre la OMC es un instrumento cuya finalidad es la de abarcar y ordenar losmúltiples acuerdos sustantivos que se heredan deI GATT 1947 Y los que nacen a partir de laRonda Uruguay, fijando las claúsulas necesarias para armonizar y regular el conjunto.

El párrafo 4 deI Artículo 11 establece que el texto deI GATT que figura el Anexo IA (i.e.,GATT 1994) es juridicamente distinto aI GATT que fue suscrito el 30 de octubre de 1947,tal como fue posteriormente rectificado, enmendado o modificado (i.e., GATT 1947). Comose comentara anteriormente, lo esencial es que el GATT 1947 com los cambios que lefueron incorporados en el curso de Ronda y los que pucdan resolver las partes contratantesentre la fecha de la firma deI Acta Final en Marrakech y el momento en el que entre envigor el Acuerdo sobre la OMC, se convierte en el GATT 1994."

LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay de! GATT - La G!obalizacián de! ComercioMundial. Montevideo, fcu, I ª edição, 1994, p. 209/210.

140 Sérgio Mourão Corrêa Lima

• estabelecer algumas regras novas no âmbito do GAII,que receberam o nome de GAII 1994, tendo revogado as dis-posições em contrário do GAII 1947 e suas outras seis roda-das posteriores'V";

• constituir a OMC - Organização Mundial do Comércio;

• que a OMC encamparia o GATI.

Temos, assim, como resultado da Rodada Uruguai, o seguintemodelo:

"GATT 1947"+

alterações introduzidas pelo "GATT 1994"

OMC - Organização Mundial do Comércio

+

Outros Órgãos Especializados

Cabe destacar que, conforme já constatado, as disposições nor-mativas chamadas de "GAII 1994" não fizeram expressa disposiçãoquanto às regras do "GAII 1947" que estariam sendo revogadas.

Não obstante, pode-se afirmar com segurança que permane-ceram inalteradas as quatro regras fundamentais anteriormentemencionadas:

• Cláusula da Nação mais favorecida;• Princípio da Igualdade;• Eliminação das restrições não-tarifárias; e• Limitação de alíquotas instituída em lista.

Vigência no Brasil

Como o Brasil figura como Estado-Membro da OMC, há quese fazer referência aos dispositivos normativos através do qual a Ro-dada Uruguai ganhou vigência em território nacional.

(321) "A regra lex posterior derogat priori tem plena eficácia, ainda no caso em que todasas partes no tratado anterior o são também no posterior, agora ao lado de outras mais."REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 100.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 141

Trata-se do Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994, pu-blicado no dia 31 de dezembro de 1994.

o GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio - 1994(General Agreement on Tariffs and Trade)

Dentre as modificações introduzidas pelo GATT 1994, estãoas alterações da lista nacional de cada um dos Estados-Membros. Éque, através das rodadas de negociações, os Estados-Partes gradati-vamente tornam mais substanciais os "favores aduaneiros" concedi-dos aos demais Estados-Partes.

Já constatáramos que a lista do Brasil é a de número III. Dela,consta um rol de produtos e as alíquotas máximas, do imposto sobrea importação, que podem incidir sobre cada uma das mercadoriasarroladas.

Também já fora constatado que como a referida listagem, quesegue em anexo ao tratado internacional, é parte integrante deste,sua eficácia "não é menor que a das leis internas"(322).

Manifestando-se sobre a limitação de alíquota do imposto deimportação, estabelecida através da lista brasileira no GATT (listaIII), o Tribunal Federal de Recursos decidiu:

"EMENTA

- Mercadorias importadas de país signatário do GATT,para as quais se convencionou, entre as partes contratantes, aalíquota de 15%, nos termos do Decreto n. 83.070179.

- Majoração dessa alíquota para 45%, via de ato decla-ratório do Coordenador do Sistema de Tributação.

- Ilegalidade.

RELATÓRIO

Toledo do Brasil Indústria de Balanças Ltda. impetrou man-dado de segurança contra ato do Delegado da Receita Federalem Santo André - SP, que lhe exigiu diferença de tributos.

(322) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 2~ edi-ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86.

142 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Alegou que importou dos Estados Unidos da América ...bens sujeitos ao imposto de importação à alíquota reduzidade 15%, em razão das concessões tarifárias resultantes dasnegociações, encerradas em 7.12.78, com os países signatári-os do GATT e constantes da lista IH, promulgada pelo Decre-to n. 83.070, de 23.1. 79; a autoridade entendeu que a alíquotacorreta seria de 45%, apoiada em determinação do Ato De-claratório Normativo CST n. 26, de 26.10.79, ... [estando amercadoria importada sujeita] à alíquota majorada pelo De-creto n. 1.421/75;

VOTO

A ilustrada Subprocuradoria Geral da República, em pa-recer do Sr. João Leoni Taveira, aprovado pelo Dr. José ArnaldoGonçalves de Oliveira, assim opinou sobre a controvérsia (fls.80/81):

' ... A questão se resolve pela análise da hierar-quia das normas jurídicas. A impetrante importou merca-dorias de países signatários do GATT, as quais foram ob-jeto de negociação, tendo sido para elas, através do De-creto 83.070/79, fixada a alíquota de 15% .

... Para pretender que a alíquota seja de 45%invocou o impetrado o Ato Declaratório CST n. 26/79.Claro que esse Ato poderia explicitar o Decreto 83.070/79, mas nunca contrariá-lo, pois aí, pelo princípio da hie-rarquia das normas, seria inócuo .

... Assim, somos pelo improvimento do recurso.'Adotando os fundamentos do parecer transcrito, nego pro-

vimento à apelação e confirmo a sentença rernetida'Y-".

Verifica-se, portanto, que o antigo Tribunal Federal de Recur-sos, amparado em parecer da Procuradoria Geral da República, en-tendeu que a autoridade fiscal brasileira não pode exigir do impor-

(323) Apelação em Mandado de Segurança n. 93.506, Reg. 2306875 - SP, 1984, ReI. Min.Antônio Torreão Braz.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 143

tador de produtos provenientes dos demais Estados-Partes do GAII,o pagamento de imposto de importação com incidência de alíquotasuperior àquela estabelecida como máxima na lista IIIdo Brasil.

Dessa forma, o Poder Judiciário brasileiro vem cumprir sua"função [de] garantir, ante o caso concreto, que [o tratado] não seveja frustrado'W", mesmo porque, no âmbito interno brasileiro, emgeral, ele situa-se formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, aela se equiparando'<'>',

Porém, no caso em tela, o tratado internacional está dispondosobre normas de natureza tributária. Assim, conforme já fora aponta-do, a questão mostra-se controversa, em razão do teor do artigo 98 daLei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional:

"Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revo-gam ou modificam a legislação tributária interna, e serão ob-servados pela que lhes sobrevenha."

Este dispositivo do Código Tributário Nacional vem causandodivergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da hierarquia dasnormas de natureza tributária, contidas em tratados internacionais:

"2. Os Decretos-leis, por sua hierar- "O mandamento contido no artigo 98quia inferior, não tem o condão de do CTN não atribui ascendência àsalterar ou restringir os tratados e as normas de direito internacional em de-convenções internacionais firmados x trimento do direito positivo interno,pelo Brasil (art. 98 do CTN)"(326). mas, ao revés, posiciona-as em nível(REO n. 100717 - BA) idêntico, conferindo-lhe efeitos seme-

lhantes't'V",(REsp. n. 37065 - PR)

O acórdão transcrito foi proferido pelo Tribunal Federal deRecursos ainda sob a égide da Constituição anterior. Por esta razão,poder-se-ia sustentar que o contexto delineado pela ConstituiçãoFederal de 1988 seria distinto em função do teor de seu artigo 153, I,§ 1º, que assim dispõe:

(324) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 86.(325) Recurso Especial n. 74376, ReI. Min. Eduardo Ribeiro.(326) Tribunal Regional Federal - I ª Região, Remessa Ex Officio n. 0100717 - BA,1990, Rei Juiz Gomes da Silva.(327) Recurso Especial n. 0037065 - PR, 1993, ReI. Min, Demócrito Reinaldo.

144 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

§ 10 É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condi-ções e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dosimpostos enumerados nos incisos I, 11, IV e V

"

Diante do dispositivo constitucional, não há dúvidas de que oPoder Executivo pode alterar as alíquotas do imposto de importa-ção. Entretanto, deve obrigatoriamente observar as condições e oslimites legais.

As Condições e os Limites Estabelecidos em Lei

Já constatáramos que o artigo 98 da Lei n. 5.172, de 25 de ou-tubro de 1966 - Código Tributário Nacional tem o seguinte teor:

"Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revo-gam ou modificam a legislação tributária interna, e serão ob-servados pela que lhes sobrevenha."

Portanto, não há dúvidas de que o Poder Executivo só poderáalterar as alíquotas do imposto de importação, em estrita observân-cia ao estabelecido nos tratados internacionais que estejam em vi-gor no território nacional.

Assim, e

considerando que através de sua lista nacional, de número 111, o Brasilhavia se comprometido a praticar "a alíquota de 15%.";

considerando que a referida lista consistia em anexo a tratado queganhou vigência no território nacionar' através do "Decreto 83.070/79"; e

considerando que a eficácia dos tratados internacionais no Brasil"não é menor que a das leis internas'<?",

(328) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 2ª edi-ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 145

pode-se afirmar que, sob os auspícios da Constituição Federal de1988, a medida adotada pela autoridade fiscal brasileira seria, alémde ilegal, inconstitucional.

A inconstitucionalidade decorreria:

• da afronta à determinação constitucional de respeito àscondições e aos limites estabelecidos em lei.

E, a ilegalidade decorreria:

• da afronta à condição imposta pelo artigo 98 do CódigoTributário Nacional; e

• da inobservância ao limite estabelecido no GATT, cujaeficácia no Brasil "não é menor que a das leis internas'<"?'.

Assim, pode-se concluir que a decisão proferida pelo antigoTribunal Federal de Recursos em 1984 é absolutamente compatívelcom o tratamento atribuído à matéria pela Constituição Federal de1988.

(329) REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 2~ edi-ção, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 86.

Estudo do Caso 11:O Protocolo de Las Leiías

Elementos dos Estados

Voltamos a recordar "o território, a comunidade nacional e opoder como sendo ... [os] três elementos fundamentais'P'?' do Esta-do. Recordamos, ainda, que esse poder é concebido "como um siste-ma em que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciá-rio, harmônicos e independentes entre si"(331).Trata-se da teoria daseparação dos poderes, tal como vislumbrada por Montesquieu.

No âmbito dos Estados, em regra:

• cabe ao poder legislativo a produção de normas gerais,ou sej a, as leis;

• cabe ao poder judiciário a interpretação das normasgerais através de normas individuais, ou seja, as decisões ju-diciárias; e

• cabe ao poder executivo a aplicação das normas gerais eindividuais, mediante, se necessário, a produção de atos admi-nistrativos.

Em última análise, pode-se concluir que, na Argentina, porexemplo:

• cabe ao poder legislativo argentino a produção das nor-mas gerais, ou seja, as leis argentinas que vão vincular a popu-lação que se encontre em território argentino;

(330) "Echando mano de nociones elementales de teoria general deI Estado, recordamos elterritorio, la comunidad nacional y el poder como siendo sus tres elementos fundamentales."CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Entendimento manifesto no "VI Encuentro de Estudiantesde Derecho dei Mercosur " em Córdoba - Argentina nos dias 30 e 31 de julho e I º deagosto de 1997.(331) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va, 1985, Ilªed.,p.191.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 147

• cabe ao poder judiciário argentino a interpretação dasnormas gerais, ou seja, as leis argentinas, através das normasindividuais, ou seja, as decisões judiciais argentinas que vin-culam pessoas que se encontrem em território argentino; e

• cabe ao poder executivo argentino a aplicação das nor-mas gerais e individuais argentinas no território argentino.

o Poder Judiciário e a Soberania

Dalmo de Abreu Dallari salienta que "não há razão para o tra-tamento autônomo do poder, especialmente para considerá-lo desli-gado da soberania, que é um atributo do poder e, em última análise,da própria ordem juridica'<?",

Dessa forma, recordamos também que "o chamado poder doEstado, que é exercido por um governo sobre população residentedentro do território do Estado"(333), implica a soberania do Estado.

Podemos abordar os efeitos da soberania sob dois prismas di-versos:

Roque Carrazza leciona que, no plano interno, a soberania,"como qualidade jurídica do 'imperium' [implica] o efetivo predo-mínio [do Estado] sobre as pessoas que o compõem'v'>". Assim, te-mos o efetivo predomínio das decisões judiciais de determinadoEstado sobre as pessoas que se encontram em seu território.

No plano internacional, "A soberania, enquanto atributo de to-dos os Estados, implica a existência de uma estrita igualdade entreeles (Carta das Nações Unidas, art. 2º, § I º)"(335i.Dessa forma, "ne-nhum Estado está obrigado a reconhecer no seu território uma sen-tença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro'<v",

(332) DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo, Sarai-va. 1985, 11ª ed., p. 98.(333) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 389.(334) CARRAZZA, Roque. In BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comen-tários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455.(335) BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários á Constituição doBrasil. São Paulo, Saraiva, 1988, p. 455.(336) RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado. São Paulo, Saraiva,1996, p. 195.

148 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Assim, Jaime Greif destaca que "a sentença habitualmente éconcebida como ... um ato de soberania e tem seu alcance limitadoou restringido ao âmbito espacial, ou ao território do Estado dentrodo qual é emitida'<P". Esta é a regra.

Entretanto, os Estados podem se comprometer a conferir forçaexecutória às sentenças estrangeiras em seu território. É que, "sis-tema jurídico autônomo, onde se ordenam as relações entre Estadossoberanos, o direito internacional público - ou direito das gentes- repousa sobre o consentimenco'v'". Dessa forma, os Estados po-dem consentir, principalmente através de tratados internacionais, nosentido de que as sentenças estrangeiras tenham força executória emseu território.

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, por exemplo, concluí-ram tratado internacional que contém o seguinte dispositivo:

"Artigo 20As sentenças e os laudos arbitrais ... terão eficácia extra-

territorial nos Estados-Partes ..."(339).

(337) "Como sabemos, la sentencia habitualmente es concebida como la expresión de lasoberania, como un acto de soberania y tiene su alcance limitado o restringido aI ámbitoespacial, o ai territorio del Estado dentro deI cual es emitida."GREIF, Jaime. In SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Internacional yComunitario dei Mercosur. Montevideo, fcu, 1997, p. 177.(338) REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1995, p. 03.(339) Protocolo de Las Lefias de 27 de junho de 1992 (promulgado pelo Decreto n. 2.067,de 12 de novembro de 1996, publicado no 'Diário Oficial da União de 13 de novembro de1996):"Artigo 19O pedido de reconhecimento e execução de sentenças e de laudos arbitrais por parte dasautoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatórias e por intermédio daAutoridade Central.Artigo 20

As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior terão eficácia extraterri-torial nos Estados-Partes quando reunirem as seguintes condições:a) que venham revestidos das formalidades externas necessárias para que sejam considera-dos autênticos no Estado de origem;b) que estejam, assim como todos os documentos anexos necessários, devidamente traduzi-dos para o idioma oficial do Estado em que se solicita seu reconhecimento e execução;c) que emanem de um órgão jurisdicional ou arbitral competente, segundo as normas doEstado requerido sobre jurisdição internacional;d) que a parte contra a qual se pretende executar a decisão tenha sido devidamente citada etenha garantido o exercício de seu direito de defesa;

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 149

Trata-se do Protocolo de Las Lefías,No âmbito do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai

concluíram em Las Lenãs, no dia 27 de junho de 1992, protocoloque veio a ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro atra-vés do Decreto Executivo n. 2.067, de 12 de novembro de 1996.

Esse tratado internacional tem por objeto a "cooperação e as-sistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e ad-ministrativa" entre os Estados-membros do Mercosul.

Nadia de Araujo destaca que as normas constantes do Protoco-lo de Las Lefias "não são apenas normas de cooperação interjurisdi-cional, mas normas propriamente processuais, com repercussão so-bre o direito processual interno"(340) dos quatro Estados.

Decisão (lato sensu): Sentença e Despacho

Amaral Santos destaca que "as atividades do juiz, no desenvol-vimento da relação processual, se manifestam especialmente por meiode atos decisórios - despachos e sentenças'<"!'.

Enquanto a "sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo aoprocesso'P?', "são despachos todos os demais atos do juiz pratica-dos no processoP'".

Exequatur (lato sensu)

o exequatur (lato sensu) consiste na ordem de cumprimento,por parte de um Estado, à decisão judicial estrangeira. Trata-se do"execute-se", conferido a uma decisão judicial proveniente de Esta-do diverso.

e) que a decisão tenha força de coisa julgada e/ou executória no Estado em que foi ditada;f) que claramente não contrariem os princípios de ordem pública do Estado em que sesolicita seu reconhecimento e/ou execução.Os requisitos das alíneas 'a', 'c', 'd', 'e' e 'f' devem estar contidos na cópia autêntica dasentença ou do laudo arbitra!."(340) ARAUJO, Nadia de. Solução de Controvérsias no Mercosul. In Jurisprudência Ar-gentina n. 6.052, Buenos Aires, 27 de agosto de 1997, p. 5.(341) SANTOS, Amara!. In THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Proces-sual Civil. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 224.(342) Código de Processo Civil - Artigo 162, § IQ.

(343) Código de Processo Civil - Artigo 162, § 3Q•

150 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o exequatur (lato sensu), em regra, manifesta-se de duas formas:

• homologação de sentença estrangeira; e• exequatur (stricto sensu) de outras decisões judiciais sem

caráter executório.

Homologação de Sentença Estrangeira

Referindo-se à questão da homologação de sentenças estran-geiras, Hermes Marcelo Huck leciona que "em inglês é usada a pala-vra 'enforcement', nitidamente vinculada à efetividade extraterrito-rial da sentença, enquanto no Brasil os termos são escalonados naordem de 'reconhecimento', 'homologação' e 'execução'.

Reconhecimento e execução são conceitos distintos, quandoaplicados em função de sentença estrangeira. Reconhecimento im-plica aceitação da sentença provinda de jurisdição estrangeira, sementretanto executá-la. Já a execução será conseqüência de um reque-rimento a juiz nacional, que não só reconhece na decisão estrangeiraefeitos de uma sentença judicial, mas possibilita a extensão dessesno foro.

[Assim, a] homologação é conceito de natureza processual, re-ferindo-se a um procedimento específico e necessário à obtenção decondições de execução para a sentença estrangeira'v''".

Temos, portanto:

mero reconhecimento da sentença estrangeiraV

procedimento de homologação de sentença estrangeira\I

sentença estrangeira com força executória

Os Estados podem livremente conferir à sentença estrangeira,três tratamentos diferentes:

• O Estado não homologa, mas apenas reconhece a sen-tença estrangeira, "exigindo do interessado que promova nova

(344) HUCK, Hermes Marcelo. Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria. São Paulo, Sarai-va, 1994, p. 17/18.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 151

ação, juntando a decisão anterior como documento comproba-tório da existência de seu direito"(345).

o A sentença estrangeira adquire força executória depoisde submetida ao procedimento de homologação de sentença es-trangeira no Estado de destino.

o A sentença estrangeira detém força executória sem ne-cessidade de submissão a procedimento de homologação de sen-tença estrangeira. Normalmente isso ocorre quando há tratadointernacional envolvendo o Estado onde a sentença foi proferi-da e o Estado onde se pretende executá-la.

Exequatur (stricto sensu)

O exequatur (stricto sensu) corresponde "à determinação oriun-da [de um Estado] para que se cumpra carta rogatória citatória ounotificatória estrangeira.

A carta rogatória, em si, não pode ter qualquer efeito executó-rio, ... visando tão-somente ordenar o processo de conhecimento quese promove no exterior e que depende de providência processual quesó pode ser realizada [no Estado rogado] "(346).

Temos, portanto:

decisão estrangeira sem efeito executório que não pode ser cumprida\I

exequatur (stricto sensu)\I

decisão estrangeira sem efeito executóriopode ser cumprida

Homologação de Sentença Estrangeirax

Exequatur (stricto sensu)

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe o seguinte:

"Art. 84. Compete ao Supremo Tribunal Federal, preci-puamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(345) ROCHA, Osíris. Curso de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro, Forense,1986, p. 165.

(346) HUCK, Hermes Marcelo. Sentença Estrangeira e Lex Mercatoriu . Sào Paulo, Sarai-va, 1994, p. 35.

152 Sérgio Mourão Corrêa Lima

I - processar e julgar, originariamente:h) a homologação das sentenças estrangeiras e a conces-

são do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser conferi-das pelo regimento interno a seu Presidente".

Portanto, o exequatur (stricto sensu) de "carta rogatória (cita-tória ou probatória) e a homologação de Sentença Estrangeira sãodois fatos que [também] o Regimento Interno do Supremo TribunalFederal distingue claramente, tratando-os em capítulos separados.Esta se encontra no capítulo 11 do título VIII, regendo-a os artigos215 a 224; aquela no capítulo III do mesmo título, regendo-a os ar-tigos 225 a 229"(347).

Assim, enquanto o processo de homologação se presta a per-mitir a execução da sentença estrangeira no Brasil, a "carta rogató-ria é a solicitação da autoridade judiciária estrangeira para a autori-dade judiciária brasileira .." tendo por objeto a realização de um atoprocessual relativo a um pleito. A carta pode ter por escopo a cita-ção, intimação, notificação, inquirição, exames etc."(348).

Entretanto, compete aos Juízes Federais tanto a execução desentenças estrangeiras homologadas quanto o cumprimento das car-tas rogatórias que tenham merecido o exequatur (stricto sensu) doSupremo Tribunal Federal:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

x - ...a execução de carta rogatória, após o exequatur, ede sentença estrangeira, após a homologação ...".

o Procedimento de Homologação de Sentença Estrangeira

o procedimento a que a sentença estrangeira deve ser submeti-do para surtir efeitos no Brasil pode ser representado pelo seguinteorganogramav'?':

(347) Embargos na Carta Rogatória n. 3.481, RTJ, 103:536. In HUCK, Hermes Marcelo.Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 39.(348) Embargos na Carta Rogatória n. 3.481, RTJ, 103:536. In HUCK, Hermes Marcelo.Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria. São Paulo, Saraiva, 1994, p. 39.(349) Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - Artigos 215 a 224:"Art. 215. A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologaçãopelo Supremo Tribunal Federal. ou por seu Presidente.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 153

Petição apresentada ao STF pelo interessado contendo a sentença estrangeira\I

Presidente do STF:determina "que o requerente ... emende ou complete [a petição] no prazo de

dez dias, sob pena de indeferimento"ou

manda "citar o requerido para, em quinze dias, contestar o pedido".\I

"Apresentada a contestação, será admitida réplica em cinco dias".\I

Presidente do STF abre vista aoProcurador-Geral da República

\IPresidente do STF concede ou denega o pedido de homologação de sentença

estrangeira (Da decisão cabe Agravo Regimental para o Pleno do STF)\I

Execução da sentença estrangeira pelo Juiz Federal de 1ª Instãnciav"?

Art. 216. Não será homologada sentença que ofenda a soberania nacional, a ordem públicae os bons costumes.Art. 217. Constituem requisitos indispensáveis á homologação da sentença estrangeira:I - haver sido proferida por juiz competente;11 - terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;111- ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias á execução nolugar em que foi proferida;IV - estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial.Art. 218. A homologação será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicialconter as indicações constantes da lei processual, e ser instruida com a certidão ou cópiaautêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensá-veis, devidamente traduzidos e autenticados.Art. 219. Se a petição inicial não preencher os requisitos exigidos no artigo anterior ouapresentar defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento, o Presidente mandaráque o requerente a emende ou complete, no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento.Parágrafo único. Se o requerente não promover, no prazo marcado, mediante intimação aoadvogado, ato ou diligência que lhe for determinado no curso do processo, será este julga-do extinto pelo Presidente ou pelo Plenário, conforme o caso.Art. 220. Autuados a petição e os documentos, o Presidente mandará citar o requerido para,em quinze dias, contestar o pedido.§ Iº O requerido será citado por oficial de justiça, se domiciliado no Brasil, expedindo-se,para isso, carta de ordem; se domiciliado no estrangeiro, pela forma estabelecida na lei doPaís, expedindo-se carta rogatória.§ 2º Certificado pelo oficial de justiça ou afirmado, em qualquer caso, pelo requerente,que o citando se encontra em lugar ignorado, incerto ou inacessível, a citação far-se-ámediante edital.Art. 221. A contestação somente poderá versar sobre a autenticidade dos documentos, ainteligência da sentença e da observância dos requisitos indicados nos artigos 217 e 218.§ Iº Revelou incapaz o requerido, dar-se-lhe-á curador especial que será pessoalmentenotificado.

154 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o Procedimento de Exequatur (stricto sensu)

o procedimento a que a carta rogatória de caráter não executó-rio deve ser submetido para surtir efeitos no Brasil pode ser repre-sentado pelo seguinte organograma-"!':

carta rogatória apresentadaao STF pelo interessado

\!

carta rogatória apresentadaao STF por via diplomática

\!Presidente do STF:

determina a intimação do "interessado residente no país"e

abre vista ao Procurador-Geral da República para impugnaro cumprimento da carta rogatória.

\!Presidente do STF concede ou denega o exequatur (stricto sensu)

(Da decisão cabe Agravo Regimental para o Pleno do STF)\!

Cumprimento da carta rogatória por Juiz Federal de 1ª Instânciav-"

§ 2º Apresentada a contestação, será admitida réplica em cinco dias.§ 3º Transcorrido o prazo da contestação ou da réplica, oficiará o Procurador-Geral noprazo de dez dias.Art. 222. Se o requerido, o curador especial ou o Procurador-Geral não impugnarem opedido de homologação, sobre ele decidirá o Presidente.Parágrafo único. Da decisão do Presidente que negar homologação cabe agravo regimental.Art. 223. Havendo impugnação à homologação, o processo será distribuído para julgamen-to pelo Plenário.Parágrafo único. Caberão ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instruçãodo processo e o pedido de dia para julgamento.Art. 224. A execução far-se-á por carta de sentença, no juízo competente, observadas asregras estabelecidas para a execução de julgado nacional da mesma natureza".(350) Constituição Federal de 1988 - Artigo 109, X.(351) Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - Artigos 225 a 229:"Art. 225. Compete ao Presidente do Tribunal conceder exequatur às cartas rogatórias deJuízos ou Tribunais estrangeiros.Art. 226. Recebida a rogatória, o interessado residente no país será intimado, podendo, noprazo de cinco dias, impugná-Ia.§ Iº Findo este prazo, abrir-se-á vista ao Procurador-Geral, que também poderá impugnar ocumprimento da rogatória.§ 2º A impugnação só será admitida se a rogatória atentar contra a soberania nacional ou aordem pública, ou se lhe faltar autenticidade.Art. 227. Concedido o exequatur, seguir-se-á a remessa da rogatória ao juizo no qual devaser cumprida.Parágrafo único. Da concessão ou denegação do exequatur cabe agravo regimental.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 155

A Constituição Federal de 1988e o Protocolo de Las Lenãs

O protocolo firmado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uru-guai, em Las Lenãs, no dia 27 de junho de 1992, estabeleceu a eficá-cia, no Brasil, das sentenças argentinas, paraguaias e uruguaias.

Entretanto, a Constituição Federal de 1988 estabelece literal-mente a necessidade de homologação de sentenças estrangeiras peloSupremo Tribunal Federal. Vejamos:

Constituição Federal de ] 988 Protocolo de Las Leiias

"Art. 84. Compete ao Supremo Tri- "Artigo 19bunal Federal, precipuamente, a guar- O pedido de reconhecimento c execu-da da Constituição, cabendo-lhe: ção de sentenças e de laudos arbitrais... por parte das autoridades jurisdicio-I - processar e julgar, originaria- nais será tramitado por via de cartasmente: rogatórias e por intermédio da Auto-h) a homologação das sentenças es- ridade Central.trangeiras e a concessão do exequatur Artigo 20às cartas rogatórias, que podem ser As sentenças e os laudos arbitrais a queconferidas pelo regimento interno a se refere o artigo anterior terão eficá-seu Presidente". cia extraterritorial nos Estados-Partes ...".

A Interpretação do Supremo Tribunal Federal

Ao Supremo Tribunal Federal tanto compete a "guarda da Cons-tituição" quanto "a homologação das sentenças estrangeiras e a con-cessão do exequatur às cartas rogatórias" conforme se constata doartigo 84 da Constituição Federal de 1988.

Assim, através do Agravo Regimental n. 7.618-8 - RepúblicaArgentina, o pleno do Supremo Tribunal Federal examinou a aplica-bilidade do Protocolo de Las Lefias diante da Constituição Federalbrasileira. Vejamos o teor da decisão unânime, que teve como rela-tor o Ministro Sepúlveda Pertence:

Art. 228. No cumprimento da carta rogatória cabem embargos relativos a quaisquer atosque lhe sejam referentes, opostos no prazo de dez dias por qualquer interessado ou peloMinistério Público local, e que serão julgados pelo Presidente, após audiência do Procura-dor-Geral.

Parágrafo único. Da decisão que julgar os embargos cabe agravo regimental.Art. 229. Cumprida a rogatória, será devolvida ao Supremo Tribunal Federal, no prazo dedez dias, e por este remetida, em igual prazo, por via diplomática, ao Juizo ou Tribunal deorigem".

(352) Constituição Federal de 1988 ~ Artigo 109, X.

156 Sérgio Mourão Corrêa Lima

"Há, porém, no tratado, uma inovação, que não se podereduzir a nada ou quase nada: é a que determina que tramite'por via de cartas rogatórias' o pedido de 'reconhecimento aexecução de sentenças e laudos arbitrais' quando emanadas daautoridade judiciária competente do Estado de origem.

Com efeito, ao exigir a homologação, como requisito daeficácia no foro da decisão estrangeira e ao confiá-la à compe-tência originária do Supremo Tribunal, o ordenamento brasi-leiro nada dispôs sobre o procedimento do reconhecimento exi-gido e, portanto, não impediu que a lei - ou o tratado - lhereservassem o mesmo rito das cartas rogatórias.

Como é sabido, além da iniciativa - que, na rogatória, éda autoridade judiciária do foro de origem, ao passo que, nahomologação da sentença, é da parte interessada - distingueos dois procedimentos a maior simplicidade da carta rogatória,particularmente no ponto em que nela o contraditório eventualnão precede à decisão - como sucede com a contestação dorequerido, para tanto citado, ao pedido de homologação (RISTF,art. 220) - mas lhe é posterior, mediante agravo regimental desua concessão ou embargos ao seu cumprimento (RISTF, arts.227 e 228).

Estou em que - aplicado o rito das cartas rogatórias aoreconhecimento de sentença estrangeira oriunda dos EstadosPartes do Protocolo de Las Lefias, em atenção ao que nele ex-pressamente se prescreve - a posposição ao exequatur da opor-tunidade de impugná-lo não afronta o princípio constitucionaldo contraditório: a esse basta, como sucede na rogatória, queda impugnação possa resultar a revogação do decidido'P?'.

Constata-se, portanto, que a Suprema Corte brasileira procuroucompatibilizar a determinação constante do tratado internacional fir-mado no âmbito do Mercosul, com o mandamento constitucional.P>"

(353) Agravo Regimental em Carta Rogatória n. 7.618-8 - República Argentina (3 deabril de 1997).(354) Decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal nos autos da Reclamação n. 717/RS - Julgamento: 30 de dezembro de 1997:DESPACHO: Trata-se de reclamação formulada contra ato do Juiz de Direito da Comarcade Santana do Livramento/RS, que, havendo alegadamcnte concedido exequatur a cartarogatória que lhe foi encaminhada diretamente por magistrado estrangeiro (Juiz de Rivera,Uruguai), teria usurpado a competência monocrática do Presidente do Supremo TribunalFederal, em cujas atribuições se inclui o poder de determinar a execução, em territóriobrasileiro, de providências constantes de comissões rogatórias dirigidas ao Poder Judiciá-

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 157

A decisão, em última análise, afastou da homologação, peloSupremo Tribunal Federal, as sentenças provenientes dos Estados-Partes do Mercosul, submetendo-as ao procedimento de exequatur(stricto sensu), que somente vinha sendo aplicável às cartas rogatóriaspara implementação "de providência processual" que não contenha"qualquer efeito executório".

rio do Brasil. Consta que o magistrado estadual gaúcho teria invocado, como fundamentojuridico supostamente autorizador de sua decisão, o Protocolo de Las Leiias.

Com o Protocolo de Las Leiias ~ unicamente aplicável às relações interjurisdicionais en-tre os Estados subscritores do Tratado de Assunção e integrantes do MERCOSUL ~ tor-nou-se possível, mediante simples carta rogatória, promover a homologação e execução,em nosso Pais, de sentenças proferidas pelos órgãos judícíários da Argentina, Paraguai eUruguai.

Essa simplificação procedimental, contudo, não teve o condão de afastar a intervençãoprocessual do Presidente do Supremo Tribunal Federal, a cujo juizo de de libação continu-am sujeitas as cartas rogatórias passivas expedidas com fundamento no Protocolo de LasLeiias.

Mais do que isso, a própria concessão de exequatur ~ ainda que com fundamento noProtocolo de Las Leiias - não dispensa e nem afasta a necessária intervenção do Presiden-te do Supremo Tribunal Federal, com exclusão, por efeito de expressa regra constitucionalde competência, de quaisquer outros magistrados brasileiros.

Estudo do Caso 111:Monismo e Dualismo

Já constatamos que, no âmbito dos Estados, cabe ao poder ju-diciário a interpretação das normas gerais através das decisões judi-ciárias. A esta atividade dá-se o nome de "jurisdição'<'-".

Humberto Theodoro Júnior alerta, entretanto, que "não bastaao Estado assumir o monopólio da Justiça através da jurisdição. Éintuitivo que deva cuidar para que a missão de fazer justiça seja rea-lizada da melhor maneira possível, evitando sentenças tardias ouprovidências inócuas, que fatalmente redundariam no descrédito e,em muitos casos, na inutilidade da própria justiça"(356).

Assim, entre as decisões judiciais, encontram-se as medidascautelares que "estão compreendidas dentro dos fins primordiaisda jurisdição'<"?' e que têm por finalidade afastar "os efeitos lesi-vos, de caráter irreparável, que possam advir da dilação ou demoraprocessual"(358) .

No âmbito do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguaiconcluíram em Ouro Preto, no dia 16 de dezembro de 1994, proto-colo que somente veio a ser incorporado ao ordenamento jurídicobrasileiro através do Decreto Executivo n. 2.626, de 14 de junho de1998.

Este tratado internacional tem por objeto a regulamentação do"cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irrepa-

(355) Conforme ensinamentos do Prol'. Aroldo Plínio Gonçalves, a legislação, a adminis-tração e a jurisdição são as três atividades que competem ao Estado - aula proferida no dia10 de março de 1998, para os alunos do Doutorado, na Faculdade de Direito da Universida-de Federal de Minas Gerais.(356) THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo, Edição Universitá-ria de Direito, 1993, p. 55/56.(357) PODETTI, Ramiro. Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. SãoPaulo, Edição Universitária de Direito, 1993, p. 55/56.(358) MARQUES, José Frederico. In CORRÊA, Antônio. Mercosul- Soluções de Confli-tos pelos Juízes Brasileiros. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 1997, p. 201.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 159

rabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e obrigações dedar, de fazer ou de não fazer"(359) entre os Estados-Membros doMercosul.

Forma de Transmissão das Medidas Cautelares entre osEstados-Partes do Mercosul

De acordo com o artigo 19 do referido Protocolo, o provimentojudicial cautelar poderá ser transmitido entre os Poderes Judiciáriosdos Estados-Membros do Mercosul, através de carta rogatória, deduas formas:

• "pela via diplomática ou consular, por intermédio da Au-toridade Central"; ou

• através "das partes interessadas'<"?',

o Objetivo do Protocolo de Medidas Cautelares

Em última análise, o Protocolo de Medidas Cautelares tem porobjetivo conferir eficácia extraterritorial nos Estados-Partes do Mer-

(359) Protocolo de Ouro Preto, de 16 de dezembro de 1994(promulgado pelo Decreto n. 2.626, de 14 de junho de 1998, publicado no Diário Oficialda União, de 16 de junho de 1998):"Artigo I

O presente Protocolo tem por objeto regulamentar entre os Estados-Partes do Tratado deAssunção, o cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade deum dano em relação às pessoas, bens e obrigações de dar, de fazer ou de não fazer.Artigo 2A medida cautelar poderá ser solicitada em processos ordinários, de execução, especiais ouextraordinários, de natureza civil, comercial, trabalhista e em processos penais, quanto àreparação civil."

(360) Protocolo de Ouro Preto, de 16 de dezembro de 1994(promulgado pelo Decreto n. 2.626, de 14 de junho de 1998, publicado no Diário Oficialda União, de 16 de junho de 1998):"Artigo 19A carta rogatória relativa ao cumprimento de uma medida cautelar será transmitida pela viadiplomática ou consular, por intermédio da respectiva Autoridade Central ou das partesinteressadas.Quando a transmissão seja efetuada pela via diplomática ou consular, ou por intermédiodas autoridades centrais, não se exigirá o requisito da legalização.Quando a carta rogatória for encaminhada por intermédio da parte interessada, deverá serlegalizada perante os agentes diplomáticos ou consulares do Estado requerido, salvo se,entre os Estados requerente e requerido, haja sido suprido o requisito da legalização ousubstituido por outra formalidade ..."

160 Sérgio Mourão Corrêa Lima

cosul, às medidas cautelares proferidas pelos Poderes Judiciários daArgentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. É o que se constatado artigo 4 do referido tratado:

"Art. 4As autoridades jurisdicionais dos Estados-Partes do Tra-

tado de Assunção darão cumprimento às medidas cautelaresdecretadas por Juízes ou Tribunais de outros Estados-Partes,competentes na esfera internacional, adotando as providênciasnecessárias, de acordo com a lei do lugar onde estejam situa-dos os bens ou residam as pessoas objeto da medida."

Legislação Aplicável às Medidas Cautelares

Em atenção ao seu objeto, o Protocolo, nos seus artigos 5 e 6,veio regulamentar o cumprimento das medidas cautelares, median-te a determinação do Poder Judiciário competente e o estabeleci-mento da legislação aplicável, no que tange à admissão e à execuçãodestas. Assim temos:

Admissão Execução

"Artigo 5 "Artigo 6A admissibilidade da medida cautelar A execução da medida cautelar e suaserá regulamentada pelas leis e julgada contracautela ou respectiva garantia,pelos Juízes ou Tribunais do Estado serão processadas pelos Juízes ou Tri-requerente." bunais do Estado requerido, segundo

suas leis."

Exequatur (stricto sensu)

No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 impôs, parafins de recepção de cartas rogatórias estrangeiras, o exequatur (stric-to sensu). Trata-se do dispositivo contido no já referido artigo 84, I,alínea h:

"Art. 84. Compete ao Supremo Tribunal Federal, preci-puamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 161

h) a homologação das sentenças estrangeiras e a conces-são do exequatur às cartas rogatórias, que podem ser conferi-das pelo regimento interno a seu Presidente;"

Em consonância com o disposto no Protocolo de Medidas Cau-telares, o Poder Judiciário argentino encaminhou carta rogatória aoSupremo Tribunal Federal, Autoridade Central brasileira.

Submetida à análise do Presidente da suprema corte brasilei-ra(361J, Ministro Celso Mello, a Carta Rogatória n. 8.279, contendoprovimento cautelar expedido pelo Poder Judiciário argentino, me-receu apreciação no dia 4 de maio de 1998.

É importante destacar que, nesta data, de acordo com o enten-dimento do Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Protocolo deMedidas Cautelares ainda não havia se incorporado ao ordenamentojurídico brasileiro, o que somente ocorreu no dia 14 de junho de1998, com a publicação do Decreto Executivo n. 2.626. É o que seconstata da seguinte ementa:

"MERCOSUL. Protocolo de Medidas Cautelares (OuroPreto/MG). Ato de direito internacional público. Convenção ain-da não incorporada ao direito interno brasileiro. Procedimentoconstitucional de incorporação dos atos internacionais que aindanão se concluiu. O Protocolo de Medidas Cautelares adotadopelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), por oca-sião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, em de-zembro de 1994, embora aprovado pelo Congresso Nacional(Decreto Legislativo n. 192/95), não se acha formalmente in-corporado ao sistema de direito positivo interno vigente noBrasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratifi-cação depositado em 18.3.97), ainda não foi promulgado, me-diante decreto, pelo Presidente da República. Consideraçõesdoutrinárias e jurisprudenciais em torno da questão da execu-toriedade das convenções ou tratados internacionais no âmbitodo direito interno brasileiro. Precedentes: RT] 58/70, ReI. Min.Oswaldo Trigueiro, ADI n. 1A80-DF, ReI. Min. Celso de Mello."

(361) Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - Artigo 225:"Art. 225. Compete ao Presidente do Tribunal conceder exequatur às cartas rogatórias deJuízos ou Tribunais estrangeiros".

162 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Constata-se, portanto, que a Suprema Corte brasileira, no casoem tela, deixou de aplicar o Protocolo de Medidas Cautelares, porentender que o procedimento de incorporação dos tratados interna-cionais no Brasil somente se conclui mediante a publicação de De-creto Executivo promulgado pelo Presidente da República:

Trata-se de carta rogatória expedida pela Justiça da Repú-blica da Argentina com a finalidade de viabilizar a efetivação,em território brasileiro, de atos de caráter executório (fls. 6).

A douta Procuradoria-Geral da República, ao opinar pelaconcessão do exequatur,fundamentou-se na existência do Pro-tocolo de Medidas Cautelares celebrado, no âmbito do MER-COSUL, pelos Governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai edo Uruguai. Em seu parecer, o Ministério Público Federal en-fatizou que "O objeto da carta encontra respaldo no Protocolode Medidas Cautelares firmado entre Brasil, Argentina, Para-guai e Uruguai, que prevê a possibilidade de cumprimento demedidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade deum dano em relação à pessoas, bens e obrigações de dar, fazer enão fazer, desde que atendidos os requisitos do art. 21 da mesmaConvenção, o que ocorre no presente caso" (fls. 52/53).

Não obstante as valiosas ponderações expendidas pelaProcuradoria-Geral da República, entendo incabível a conces-são de exequatur na espécie destes autos, eis que as diligênciasrogadas pela Justiça argentina revestem-se de nítido caráterexecutório.

Essa particular característica da medida judicial ora soli-citada na presente carta rogatória basta, por si só, para inviabi-lizar a pretendida concessão de exequatur, no que concerne àefetivação dos atos de índole executória.

É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, emtema de cartas rogatórias passivas, tem, invariavelmente, repe-lido a possibilidade jurídica de concessão do exequatur paraefeito de realização, em território brasileiro, de diligências denatureza executória:

"Sempre se entendeu que as cartas rogatórias exe-cutórias são insuscetíveis de cumprimento no Brasil. Épreciso notar, porém, que o caráter executório de uma ro-

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 163

gatória se há de aferir, não pela natureza da demanda quelhe dá origem, mas pela finalidade que a anima, traduzidana realização, no Brasil, de atos de constrição judicial ine-rentes à execução forçada."

(RTJ 72/659-667, 664, ReI. Min. Oswaldo Trigueiro- trecho do voto do Min. Xavier de Albuquerque -grifei)

"( ...) constitui princípio fundamental do direito bra-sileiro sobre rogatórias o de que nestas não se pode plei-tear medida executória de sentença estrangeira que nãohaja sido homologada pela Justiça do Brasil."

(RTJ93/5l7, 519, ReI. Min. Antonio Neder - grifei)

"A Carta Rogatória é a solicitação de autoridade ju-diciária estrangeira para autoridade judiciária brasilei-ra, ou vice-versa, tendo por objeto a realização de umato processual relativo a um pleito. A carta pode ter porescopo a citação, intimação, notificação, inquirição, exa-mes, etc. '" Na tradição do direito brasileiro, inspiradano princípio da cooperação judiciária internacional, sem-pre se acolheu a Carta Rogatória com a finalidade decitação ou inquirição. Isto já vem do Aviso n. 1, de 1Q deoutubro de 1847, contanto que fosse desprovida de ca-ráter executivo ( ...)

( ... ) Ora, a jurisprudência desta Corte é pacíficaem conceder exequatur à Carta Rogatória de intima-ção, porque ela não requer a prática de qualquer atode execução."

(RTJ 103/536, 541, ReI. pio acórdão Min. AlfredoBuzaid - grifei)

Essa orientação jurisprudencial- reiterada em outros jul-gamentos do Supremo Tribunal Federal (CR 5.715 - CR 6.958)- encontra apoio em autorizado magistério doutrinário, que,na análise do tema, e na perspectiva do sistema jurídico brasi-leiro, adverte que as cartas rogatórias passivas não podemrevestir-se de eficácia executória (Hermes Marcelo Huck, "Sen-tença Estrangeira e Lex Mercatoria", p. 35/39, item n. 6,1994,

164 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Saraiva; Wilson de Souza Campos Batalha, "Tratado de DireitoInternacional Privado", vol, 11/408-409, 2ª ed., 1977, RT; Amil-car de Castro, "Direito Internacional Privado", p. 585-586, itemn. 334, 4ª ed., 1987, Forense; Agustinho Fernandes Dias daSilva, "Direito Processual Internacional", p. 170, item n. 179,1971, Rio de Janeiro; Haroldo Valladão, "Direito Internacio-nal Privado", vol. 1II/176, 1978, Freitas Bastos; Oscar Tenorio,"Direito Internacional Privado", vol. lI/370, item n. 1.216, 11ªed., 1976, Freitas Bastos; Maria Helena Diniz, "Lei de Intro-dução ao Código Civil Brasileiro Interpretada", p. 304, item n.6, 1994, Saraiva, v.g.).

Vê-se, portanto, que constitui característica fundamentaldo sistema normativo brasileiro a pré-exclusão de qualquer ati-vidade de índole executória em tema de cartas rogatórias pas-sivas (vale dizer, aquelas expedidas por Tribunais estrangeirose dirigidas ao Supremo Tribunal Federal), pois, em tal hipóte-se, impor-se-á a necessária e prévia homologação da respecti-va decisão estrangeira, a efetivar-se em procedimento especí-fico a ser instaurado, no âmbito desta Corte, nos termos doCPC (arts. 483 e 484) e do RISTF (arts. 215 a 224).

Em regra, as cartas rogatórias encaminhadas à Justiça bra-sileira somente devem ter por objeto a prática de simples atode informação ou de comunicação processual, ausente, desseprocedimento, qualquer conotação de índole executória, caben-do relembrar, por necessário, a plena admissibilidade, em temade rogatórias passivas, da realização, no Brasil, de medidascientificatórias em geral (intimação, notificação ou citação),consoante expressamente autorizado pelo magistério jurispru-dencial prevalecente no âmbito desta Suprema Corte (RTJ 52/299 - RTJ 87/402 - RTJ 95/38 - RTJ 95/518 - RTJ 98/47- RTJ 103/536 - RTJ 110/55).

Não constitui demasia enfatizar que a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal orienta-se no sentido de considerarinsuscetíveis de cumprimento, no Brasil, as cartas rogatóriaspassivas revestidas de caráter executório, ressalvadas, unica-mente, aquelas expedidas com fundamento em atos ou conven-ções internacionais de cooperação interjurisdicional (CR 7.899,ReI. Min. Celso de Mello - CR 7.618 (AgRg), ReI. Min. Se-

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 165

púlveda Pertence - CR 7.914, ReI. Min. Celso de Mello - CR8.168, ReI. Min. Celso de Mello, v.g.).

No caso ora em análise, observo, como precedentementejá enfatizado, que as diligências solicitadas pela Justiça roganterevestem-se de caráter executório.

Sendo insuscetível de cumprimento, em nosso País, me-diante simples procedimento rogatório, a diligência em ques-tão, revela-se inviável, no caso, a concessão do pretendidoexequatur.

Nem se alegue, para justificar a pretendida concessão deexequatur, que as diligências rogadas - embora de caráter exe-cutório - encontrariam fundamento em convenção internacio-nal consubstanciada no Protocolo de Medidas Cautelares apro-vado pelo Conselho do Mercado Comum (MERCOSUL), porocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, nosdias 16 e 17 de dezembro de 1994.

É que esse ato de direito internacional público muito em-bora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativon. 192/95, não se achaformalmente incorporado ao sistema dedireito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de járatificado (instrumento de ratificação depositado em 18.3.97),ainda não foi promulgado, mediante decreto do Presidente daRepública.

Na realidade, o Protocolo de Medidas Cautelares (MER-COSUL) ~ que se qualifica como típica Convenção Interna-cional ~ não se incorporou definitivamente à ordem jurídicadoméstica do Estado brasileiro, eis que ainda não se concluiuo procedimento constitucional de sua recepção pelo sistemanormativo brasileiro.

A questão da executoriedade dos tratados internacio-nais no âmbito do direito interno - analisado esse tema naperspectiva do tema constitucional brasileiro, tal como re-sultou debatido no julgamento da ADI n. 1.480-DF, ReI. Min.Celso de Mello - supõe a prévia incorporação desses atosde direito internacional público ao plano da ordem normati-va doméstica.

Não obstante a controvérsia doutrinária em torno domonismo e do dualismo tenha sido qualificada por Charles

166 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Rousseau ("Droit International Public Approfondi ", p. 3/16,1958, Dalloz, Paris), no plano do direito internacional público,como mera "discussion d' école ", torna-se necessário reconhe-cer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pelaCarta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestaçãode que a norma internacional não dispõe, por autoridade pró-pria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbitointerno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera domés-tica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um pro-cesso de integração normativa que se acha delineado, em seusaspectos básicos, na própria Constituição da República.

Daí a precisa observação de João Grandino Rodas ("Tra-tados Internacionais", p. 17, item n. 8, 1991, RT):

"E corolário da teoria dualista a necessidade de, atra-vés de alguma formalidade, transportar o conteúdo nor-mativo dos tratados para o Direito interno, para que estes,embora já existentes no plano internacional, possam tervalidade e executoriedade no território nacional. Conso-ante o monismo, não será necessária a realização de qual-quer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação.

Grande parte dos Estados, seguindo a concepçãodualista nesse pormenor, prescreve sejam os tratados járatificados incorporados à legislação interna através dapromulgação ou simples publicação." (gr~rei)Não obstante tais considerações, impende destacar que o

tema concernente à definição do momento a partir do qual asnormas internacionais tornam-se vinculantes no plano internoexcede, em nosso sistema jurídico, à mera discussão acadêmi-ca em torno dos princípios que regem o monismo e o dualismo,pois cabe à Constituição da República - e a esta, somente -disciplinar a questão pertinente à vigência doméstica dos tra-tados internacionais.

Sob tal perspectiva, o sistema constitucional brasileiro- que não exige a edição de lei para efeito de incorporação doato internacional ao direito interno (visão dualista extrema-da) - satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dostratados internacionais, com a adoção de iter procedimentalque compreende a aprovação congressional e a promulgaçãoexecutiva do texto convencional (visão dualista moderada).

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 167

Uma coisa, porém é absolutamente inquestionável sob onosso modelo constitucional: a ratificação - que se qualificacomo típico ato de direito internacional público - não basta,por si só, para promover a automática incorporação do trata-do ao sistema de direito positivo interno. É que, para esse es-pecífico efeito, impõe-se a coalescência das vontades autôno-mas do Congresso Nacional e do Presidente da República, cujasdeliberações individuais - embora necessárias - não se reve-lam suficientes para, isoladamente, gerarem a integração dotexto convencional à ordem interna, tal como adverte José Fran-cisco Rezek ("Direito Internacional Público", p. 69, item n. 34,5ª ed., 1995, Saraiva).

Desse modo, e para além da controvérsia doutrinária queantagoniza monistas e dualistas, impõe-se reconhecer que, emnosso sistema normativo, é na Constituição da República quese deve buscar a solução normativa para a questão da incorpo-ração dos atos internacionais ao ordenamento doméstico brasi-leiro. Para esse efeito, a Lei Fundamental da República quali-fica-se como a sedes materiae que se mostra essencial à iden-tificação do procedimento estatal concernente à definição domomento a partir do qual as normas constantes de tratados in-ternacionais passam a vigorar, com força executória, no planodo sistema jurídico nacional.

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permiteconstatar que a execução dos tratados internacionais e a suaincorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistemaadotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, re-sultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a doCongresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediantedecreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacio-nais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, alémde poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art.84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é- da competência para promulgá-los mediante decreto.

A própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, aoanalisar a questão pertinente à inserção dos atos internacionaisno âmbito do direito positivo interno brasileiro, destacou - naperspectiva da disciplina constitucional que rege esse processode recepção - que, "Aprovada essa Convenção pelo Congresso

168 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Nacional, e regularmente promulgada, suas normas têm aplica-ção imediata, inclusive naquilo em que modificarem a legisla-ção interna" (RTJ 58170, ReI. Min. Oswaldo Trigueiro).

Esse entendimento jurisprudencial veio a ser confirmadoe reiterado nojulgamento daADln. 1.480-DF, Rei. Min. Celsode Mello, ocasião em que se enfatizou, uma vez mais, que odecreto presidencial, que sucede à aprovação congressual doato internacional e à troca dos respectivos instrumentos de ra-tificação, revela-se - enquanto momento culminante do pro-cesso de incorporação desse ato internacional ao sistema jurí-dico doméstico - manifestação essencial e insuprimivel, es-pecialmente se considerados os três efeitos básicos que lhe sãopertinentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) apublicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do atointernacional, que passa, então, e somente então, a vincular ea obrigar no plano do direito positivo interno.

Lapidar, sob essa perspectiva, a decisão proferida pelo E.Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que, bemapreciando a questão da integração dos tratados internacionaisao nosso direito interno - e refletindo o próprio magistério dadoutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "Comentários àConstituição Brasileira de 1988", vol. 2/21,1992, Saraiva)-,acentuou:

" ... No direito brasileiro, dá a Constituição Federalcompetência privativa ao Presidente da República paracelebrar tratados e convenções internacionais ad referen-dum do Congresso Nacional ( ... ) Por outro lado, tem oCongresso Nacional competência exclusiva para resolverdefinitivamente sobre tratados e convenções celebradoscom os Estados estrangeiros, pelo Presidente da Repúbli-ca ( ... ). Assim, celebrado o tratado ou convenção por re-presentante do Poder Executivo, aprovado pelo Congres-so Nacional e promulgado pelo Presidente da Repúblicacom a publicação do texto em português no órgão de im-prensa oficial, tem-se como integrada a norma da con-venção internacional no direito interno." (grifei)

(Revista de Jurisprudência do TJRS, vol, 4/193, ReI.Des. Paulo Boeckel Velloso)

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 169

o eminente Ministro Francisco Rezek, hoje Juiz da CorteInternacional de Justiça, em Haia, ao discorrer sobre esse temaem valiosíssima obra monográfica ("Direito dos Tratados", p.384/386, itens ns. 321 e 322, 1984, Forense), ressalta aimprescindibilidade da promulgação e da publicação, por or-dem presidencial, dos tratados celebrados pelo Brasil (desdeque já definitivamente aprovados pelo Congresso Nacional),sob pena de absoluta ineficácia jurídica desses atos internacio-nais no plano doméstico:

"O ordenamento jurídico, nesta república, é integral-mente ostensivo. Tudo quanto o compõe - resulte de pro-dução legislativa internacional ou doméstica - presumepublicidade oficial e vestibular. Um tratado regularmenteconcluído depende dessa publicidade para integrar o acer-vo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento porparticulares e governantes, e à garantia de vigência peloJudiciário.

No Brasil se promulgam, por decreto do Presidenteda República, todos os tratados que tenham feito objetode aprovação congressionaI.

Cuida-se de um decreto, unicamente porque os atosdo Chefe de Estado costumam ter esse nome. ( ... ). Valeaquele como ato de publicidade da existência do tratado,norma jurídica de vigência atual ou iminente. Publica-os,pois, o órgão oficial, para que o tratado - cujo texto com-pleto vai em anexo - se introduza na ordem legal, e ope-re desde o momento próprio." (grifei).

Vê-se, portanto, que a aprovação congressual e a promul-gação executiva atuam, nessa condição, como pressupostos in-dispensáveis da própria aplicabilidade, no plano normativo in-terno, da convenção internacional celebrada pelo Brasil (CelsoD. de Albuquerque Mello, "Curso de Direito Internacional PÚ-blico", vol. 1/125, itens 89 e 90, 4ª ed., 1974, Freitas Bastos;Hildebrando Accioly, "Tratado de Direito Internacional PÚ-blico", vol, 11577 e 601-603, itens 904 e 933-935, 2ª ed.,1956, RJ).

170 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Torna-se irrecusável admitir, portanto, que o Protocolode Medidas Cautelares celebrado no âmbito do MERCOSULainda não se acha formalmente incorporado ao sistema de di-reito positivo interno do Brasil, razão pela qual não pode eleser invocado, no plano doméstico, como fundamento de con-cessão' do exequatur, em tema de cartas rogatórias com efeitoexecutório.

Cumpre assinalar, finalmente, que os atos internacionais,uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-seno mesmo plano de validade e eficácia das normas infraconsti-tucionais. Essa visão do tema foi prestigiada em decisão profe-rida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.80.004-SE (RTJ 83/809, ReI. pio acórdão Min. Cunha Peixo-to), quando se consagrou, entre nós, a tese - até hoje prevale-cente na jurisprudência da Corte (e recentemente reiterada nojulgamento da ADI n. 1.480-DF, ReI. Min. Celso de Mello)- de que existe, entre tratados internacionais e leis internasbrasileiras, de caráter ordinário, mera relação de paridadenormativa.

A normatividade emergente dos tratados internacionais,dentro do sistema jurídico brasileiro, por isso mesmo, permitesituar esses atos de direito internacional público, no que con-cerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmograu de eficácia em que se posicionam as leis internas (JoséAlfredo Borges, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p.170-173; Francisco Campos, in RDA 47/452; Antonio RobertoSampaio Doria, "Da Lei Tributária no Tempo", p. 41, 1968;Geraldo Ataliba, "Apontamentos de Ciência das Finanças, Di-reito Financeiro e Tributário", p. 110, 1969, RT; Irineu Stren-ger, "Curso de Direito Internacional Privado", p. 1081112, 1978,Forense; José Francisco Rezek, "Direito dos Tratados", p. 470/475, itens 393-395, 1984, Forense, v.g.).

A eventual precedência dos atos internacionais sobre asnormas infraconstitucionais de direito interno somente ocorre-rá - presente o contexto de eventual situação de antinomiacom o ordenamento doméstico -, não em virtude de uma ine-xistente primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplica-ção do critério cronológico (lex posterior derrogat priori) ou,

Tratados Internacionais no Brasil e Integração I7I

quando cabível, do critério da especialidade (RTJ 70/333 -RTJ 100/1030 - RT 554/434).

De qualquer maneira, impõe-se aguardar, no caso ora emanálise, a definitiva incorporação, ao sistema de direito posi-tivo interno brasileiro, do Protocolo de Medidas Cautelaresaprovado no âmbito do MERCOSUL, sem o que esse ato dedireito internacional público não poderá ser aplicado, no âm-bito doméstico, pelas autoridades nacionais.

Assim sendo, e tendo em consideração as razões expos-tas, nego exequatur à presente carta rogatória.

Devolva-se, por via diplomática, a presente comissão ro-gatória, à Justiça rogante.

Publique-se.Brasília, 4 de maio de 1998"(362).

As Teorias MODistas e Dualistas

A decisão acima transcrita volta-se a um tema já bastante dis-cutido entre aqueles que se dedicam ao estudo do Direito Interna-cional Público.

"A Academia de Direito Internacional da Haia foi o cenário deonde os primeiros expositores deste tema desenvolveram suas posi-ções antagônicas. Triepel, em 1923, expôs a denominada 'doutrinadualista', seguido, três anos depois por Kelsen, que fundamentou a'doutrina monista'. A partir daí, a doutrina, com tantos matizes quan-tos autores, foi desenvolvendo uma ou outra orientação.

Simplificando, os termos da polêmica são os seguintes. Existepor um lado o direito internacional e por outro, o direito interno decada Estado. Trata-se de determinar se ambos direitos compõem or-dens jurídicas distintas ou se, ao contrário, ambos integram umamesma e única ordem jurídica" (363).

(362) Carta Rogatória n. 8.279 - República Argentina (4 de maio de 1998).(363) "La Academia de Derecho Internacional de La Haya fue e1 escenario desde donde losprimeros expositores de este tema desarrollaron sus posiciones antagónicas. Triepel, en1923, expuso la denominada 'doctrina dualista', seguido, tres anos después por Kelsenquien fundamentó la 'doctrina monista'. A partir de allí, la doctrina, con tantos maticescomo autores, fue desarrollando una u otra orientación.Simplificando, los términos de la polémica son los siguientes. Existe por un lado el dere-cho internacional y por otro, el derecho interno de cada Estado. Se trata de determinar si

172 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Com base nos ensinamentos de Jean Michel Arrigui, podemosilustrar as teorias monistas e dualistas com o seguinte quadro:

"Dualismo "Monisrno

Para os autores Os autores afiliados ao monismo partem de umdualistas, o direito ponto comum a todos eles: ... um único conjunto nointernacional e o qual estariam incluídos as distintas ordens e entredireito interno as quais haveria relações de subordinação. [Assim, os]formam duas monistas deverão precisar qual será a relação

ordens jurídicas hierárquica entre as normas do direito interno e... distintas as normas do direito internacional.

monismo com monismo com monismo comX primazia do paridade entre o primazia do

direito interno direito interno e direitoo direito internacional

internacional

Os ... dualistas o direito interna- o direito interno o direito internodeverão então, cional está subor- e o direito inter- está subordinado

determinar como di nado ao direito nacional estariam ao direito interna-se vinculam ambas interno, e teríamos incluídos em uma cional, e teríamos

as ordens."(364) então o monismo ordem superior o monismo comcom primazia do - o direito primazia do di-direito interno; natural-; reito interna-

cional.T"?'

ambos derechos son órdenes jurídicos distintos o si, por el contrario, ambos integran unmismo y único orden jurídico los partidarios de la primera opción --- dualistas - deberánentonces, determinar cómo se vinculan ambos órdcnes; los partidarios de la segunda opción- monistas - deberán precisar cuál será la relacíón jerárquica entre las normas deI dcre-cho interno y las normas del derecho internacional."ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional PÚ-blico, tomo 1. Montevideo, fcu, 1996, p. 335.(364) "DualismoPara los autores dualistas, el derecho internacional y el derccho interno conforman dosórdenes jurídicos iguales, independi entes y separados. Ambos órdenes, según ensefiabanTr iepel y Anzilotti, regulan relaciones juridicas distintas ...""Los partidarios de la primera opción - dualistas - debcrán entonces, determinar cómose vinculan ambos órdcnes;"ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional PÚ-blico, tomo 1. Montevideo, fcu, 1996, p. 335.(365) "Monismo

Los autores afiliados al monismo parten de un punto común a todos ellos: la unidad delconjunto de normas jurídicas. Existiría, para ellos, un único conjunto en el cual estaríaninclui dos los distintos órdenes y entre los cuales habría relaciones de subordinación. Asíes posible proponer tres alternativas: el derecho internacional está subordinado al dere-cho interno, y tendríamos entonces el monismo con primada del derecho interno; elderecho interno y el derecho internacional estarían inclui dos en un orden superior - el

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 173

Suscitando uma outra hipótese, Fausto de Quadros afirma queainda se poderia cogitar de "o Estado recusa[r] em absoluto a vigên-cia do Direito Internacional na ordem interna"(366). Entretanto, apósdesenvolver substancial trabalho de Direito constitucional compa-rado, informou não conhecer "nenhuma Constituição moderna queexpressamente recuse a vigência na ordem interna ao Direito Inter-nacional. Informa, ainda, que "um rápido exame das soluções dealguns Estados permitirá reconhecer que, embora através de umadiversidade de fórmulas, é geral a aplicação do Direito Internacio-nal nas Ordens Jurídicas internas'<''?'. Finalmente, destaca que "atendência no moderno Direito Constitucional é '" [exigir a] aprova-ção pelo órgão legislativo'V''".

Efeitos Práticos do Monismo e do Dualismo

É fato que o Monismo e o Dualismo têm sido abordados peladoutrina de forma bastante teórica. Assim, conforme mencionou oMinistro Presidente do Supremo Tribunal Federal, esta questão foitratada por Charles Rousseau como mera discussion d'école.

Não obstante, o Monismo e o Dualismo podem merecer umenfoque bem mais pragmático. É que, neste caso, não são as teoriasque se impõem à prática, mas a realidade fática que reflete a opçãopor uma ou outra teoria.

Assim, não são os "dualistas [que] deverão ... determinar comose vinculam ambas as ordens" jurídicas interna e internacional, comosugere Jean Michel Arrigui. Tampouco, são os "monistas [que] de-verão precisar qual será a relação hierárquica entre as normas dodireito interno e as normas do direito internacional."

derecho natural ~ ; o el derecho interno está subordinado al derecho internacional, ytendríamos el monismo con primacía deI derecho internacional." ARRIGUI, Jean Michel.In ARÉCHAGA, Eduardo Jiruénes de. Derecho Internacional Público, tomo I. Montcvi-deo, fcu, 1996, p. 337.

(366) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cioi.al Público. Coimbra, Almedina, 1997, p. 94.

(367) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, Almedina, 1997, p. 95/97.

(368) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, Almedina, 1997, p. 96.

174 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Estas determinações dependem, sim, da vontade dos Estados,refletida em suas Constituições'>". Esta também é a conclusão aque chegou o Ministro Celso de Mello, quando afirmou:

" ... torna-se necessário reconhecer que o mecanismo derecepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira,constitui a mais eloqüente atestação de que a norma interna-cional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade ede operatividade imediatas no âmbito interno, pois, paratornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado bra-sileiro, depende, essencialmente, de um processo de integra-ção normativa que se acha delineado, em seus aspectos bási-cos, na própria Constituição da República'F'"

Aplicabilidade Direta e Primazia de Normas

Sob a égide do Direito de Integração, o Monismo e o Dualismovoltam a ganhar destaque, ostentando as denominações de aplicabi-lidade direta e primado das normas internacionais:

Monismo Aplicabilidade Direta

"Consoante o monismo não será ne- As normas ... [supranacionais] se in-cessária a realização de qualquer ato x corporam automaticamente à ordempertinente ao Direito interno'<"!', jurídica interna de cada um dos Esta-

dos-Membros, sem necessidade de ne-nhuma norma de direito interno queas recepcione.

(369) "Se, porém, os Estados não adoptarem essa orientação 'comunitarista'ou 'comunitá-ria' do primado e insistirem numa sua visão 'constitucional' ou 'constitucionalista' (tam-bém chamada 'internacionalista', porque se reconduz à necessidade de expressa previsãoconstitucional da vigência do Direito Comunitário, tal como é exigido para o demais Direi-to Internacional), ou seja, numa perspectiva do primado partindo do Direito Constitucionaldos Estados-Membros (o que, no estado atual da integração, tem sido a posição de quasetodos esses Estados), entendemos que a melhor forma de uma Constituição estadual legiti-mar a limitação da soberania resultante para o respectivo Estado da sua adesão às Comuni-dades Européias, e, portanto, todos os seus corolários, entre os quais o primado do DireitoComunitário, consiste em ela incluir uma cláusula geral de limitação da soberania esta-dual, ou, diferentemente, uma autorização geral ao Estado para a delegação de poderessoberanos mediante acto do Parlamento".PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito InternacionalPúblico. Coimbra, Almedina, 1997, p. 131.(370) Carta Rogatória n. 8.279 - República Argentina (4 de maio de 1998).(371) RODAS, João Grandino. In Carta Rogatória n. 8.279 - República Argentina (4 demaio de 1998).

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 175

Com o nome de Monismo ou aplicabilidade direta, o que seconstata é a desnecessidade de aprovação interna das normas inter-nacionais e a conseqüente aplicabilidade imediata destas no planointerno dos Estados.

Primazia Primado

" ... o direito interno está subordina- As normas .,. [supranacionais] têmdo ao direito internacional, e tería- x hierarquia superior às normas demos o monismo com primazia do di- direito interno dos Estados-Mem-rei to internacional'w?". bros"(373).

Nem mesmo em termos morfológicos, a primazia diverge doprimado. Ambos refletem que, em caso de confronto entre uma nor-ma interna e uma norma internacional, prevalecerá a segunda. As-sim, Fausto de Quadros conclui que "o primado do Direito Comuni-tário, .,. é um produto avançado do monismo com primado do Direi-to Internacional'x'?".

Sob a roupagem de Monismo com primado do Direito Interna-cional, o que se sustenta é a supranacionalidade de normas. Aliás,este já era o espírito desta teoria que tinha Hans Kelsen como seumaior expoente. Este, que já fazia de suas afirmativas um dado dofuturo, ensinava que "por meio de tratado pode ser criada uma Orga-nização Internacional a tal ponto centralizada que tenha ela própriacaráter de Estado, por forma tal que os Estados contratantes que

(372) ARRIGUI, Jean Michel. In ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacio-nal Público, tomo I. Montevideo, fcu, 1996, p. 337.(373) "EI derecho comunitario tiene varias características propias que lo distinguen deotras ramas dei derecho: ..I) Aplicabilidad inmediata o automática:Las normas de derecho comunitario se incorporan automáticamente ai orden juridico inter-no de cada uno de los Estados miembros, sin necesidad de ninguna norma de derechointerno que las recepcione ....2) Aplicabilidad directa:Las normas comunitarias tienen capacidad para generar derechos y obligaciones para losciudadanos de los Estados miembros ... ,4) Supremacia:Las normas comunitarias tienen jerarquia superior a las normas dei derecho interno de losEstados miembros."EKMEKDJIAN, Miguel Ángel. Introducción ai Derecho Comunitario Latinoamericano.Buenos Aires, Depalma, 1996, p. 69172.(374) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, Almedina, 1997, p. 90.

176 Sérgio Mourão Corrêa Lima

nela sejam incorporados percam o seu caráter de Estados. É, porém,uma questão de política a questão de saber até que ponto um gover-no estadual deve ou pode limitar a liberdade de ação do seu Estadoatravés de tratados de Direito Internacional'w'v,

Cabe mencionar que os Estados podem estabelecer que apenasos tratados internacionais provenientes de determinadas fontes con-tem com as características da supranacionalidade de normas, comoa aplicabilidade direta e o primado.

Assim, através da Constituição, os Estados estariam a conferiràs normas constantes de um tratado internacional, independente deaprovação pelo órgão legislativo, "vigência interna de um grupo denormas internacionais identificadas" pela sua procedênciav'".

No âmbito europeu, por exemplo, o Tribunal de Justiça, atra-vés do "caso Costa/ENEL" destacou que, "diferentemente dos vul-gares tratados internacionais, o Tratado CEE instituiu uma ordemjurídica própriav"?' marcada pela supranacionalidade das normascomunitárias.

Esta previsão de supranacionalidade normativa também podese referir aos tratados internacionais relativos a certas matérias. As-sim, "as normas internacionais respeitantes a essas matérias vigo-ram ... na ordem jurídica interna independentemente de"(378}aprova-ção pelo congresso nacional.

Dessa forma, podem conviver em um mesmo Estado, por exem-plo, tratados internacionais de natureza comercial que gozem deaplicabilidade direta e primazia, e outros de natureza financeira quenão tragam qualquer elemento característico da supranacionalidade.

Conclui-se, portanto, que esta previsão diferenciada de tratamentodos acordos internacionais por parte da Constituição dos Estados "re-sulta da adopção cumulativa de concepções monistas e dualistas quantoàs relações entre o Direito Internacional e o Direito internc'<'?".

(375) KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Armênio Amado, 1974, p. 459.(376) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, Almcdina, 1997, p. 95.(377) PEREIRA, André Gonçalves; c QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, Almcdina, 1997, p. 126/127.(378) PEREIRA, André Gonçalves; c QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, A1medina, 1997, p. 95.(379) PEREIRA, André Gonçalves; c QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público. Coimbra, Almcdina, 1997, p. 95/97.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 177

Construção Jurisprudencial

Nem sempre o texto constitucional é claro e objetivo, compor-tando, às vezes, diferentes entendimentos pelo Supremo TribunalFederal que tem como função primordial, a interpretação da Consti-tuição brasileira. Assim, é fato que a análise de questões atinentesaos tratados internacionais também vem merecendo gradativa cons-trução pela "via jurisprudencial".

E entre os dispositivos constitucionais a serem interpretados,encontram-se os já referidos parágrafo único do artigo 4º, e incisoVIII do artigo 84:

"Art. 4º

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil busca-rá a integração econômica, política, social e cultural dos povosda América Latina, visando à formação de uma comunidadelatino-americana de nações.

"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Re-pública:

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacio-nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

"

Conforme já se constatou o parágrafo único do artigo 4º podecompreender, pelo menos, duas formas de interpretação.

A primeira, no sentido de que esta norma, por ser programáti-ca, não estaria a dispensar os tratados firmados no âmbito do Mer-cosul, do referendo congressional previsto no artigo 84, inciso VIIIda Constituição Federal.

Também é possível o entendimento de que o parágrafo únicodo artigo 4º da Constituição Federal, por abordar apenas os tratadosinternacionais de integração, constitua regra mais específica. Nestesentido estaria a dispensar os tratados firmados no âmbito do Mer-cosul, de referendo por parte do Congresso Nacional.

Estaríamos diante de uma substancial diferença no tratamen-to dos acordos internacionais, em função da procedência, o que

178 Sérgio Mourão Corrêa Lima

faria constatar "a adopção cumulativa de concepções monistas edualistas quanto às relações entre o Direito Internacional e o Di-reito interno"(380).

No que tange aos tratados atinentes ao Mercosul, teríamos umaconcepção monista ou supranacional. Quanto aos demais acordosinternacionais, verificar-se-ia o dualismo, ou seja, a inexistência ca-racterísticas da supranacional idade de normas.

Assim, no âmbito do Mercosul é um dever jurídico a questãode trilharmos o caminho que talvez nos leve à supranacionalidade,ainda que, por hora, tenhamos que aguardar a definitiva incorpora-ção, aos sistemas jurídicos internos dos Estados-Partes, dos tratadosque representem significativa, mas gradativa, aproximação entreArgentina, Brasil, Uruguai e Paraguai.

O Supremo Tribunal Federal, no caso do Protocolo de MedidasCautelares, optou pela prudência em detrimento da celeridade. Pre-feriu aguardar a incorporação do tratado ao ordenamento jurídicobrasileiro ao invés de instituir uma supranacionalidade para a qualnão sabemos se estamos aptos.

Aliás, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federalem nada destoa dos "princípios de gradualidade, flexibilidade e equi-líbrio" constantes do preâmbulo do Tratado de Assunção. Está, tam-bém, em plena consonância com o teor do artigo 42 do Protocolo deOuro Preto sobre a estrutura institucional do Mercosul que assimdispõe:

"Artigo 42As normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL previs-

tos no Artigo 2 deste Protocolo terão caráter obrigatório e de-verão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentosjurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pelalegislação de cada país."

E, conforme nos informa Nadia de Araujoê"', o Protocolo deMedidas Cautelares consiste na decisão do Conselho do MercadoComum de n. 27 de 1994.

(380) PEREIRA, André Gonçalves; e QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Interna-cional Público, Coimbra, Almedina, 1997, p. 95/97.(381) ARAUJO, Nadia de; MARQUES, Frederico V Magalhães; e REIS, Márcio Monteiro.Código do Mercosul, Rio de Janeiro, Renovar, 1998, p. 137.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 179

Finalmente, cabe informar que depois de 4 de maio de 1998,data em que foi proferida, no caso em tela, a decisão do Presidentedo Supremo Tribunal Federal, o Protocolo de Medidas Cautelaresfoi internalizado no Brasil através do Decreto Executivo n. 2.626,datado de 14 de junho de 1998 e publicado em 16 de junho do mes-mo ano.

Bibliografia

ACCrOLY, Elizabeth. Mercosul & União Européia - Estrutura Jurídico-Institu-cional. Curitiba, Juruá, 1996.

ACcrOLY, Hildebrando. Tratado de Direito Internacional Público. Rio de Janei-ro, IBGE, 1956.

_______ . Tratado de Direito Internacional Público. São Paulo, Sarai-va, 1988.

ALVES, Jorge de Jesus Ferreira. Legislação de Contencioso Comunitário. Coim-bra, Coimbra Editora, 1992.

_______ . Os Advogados na Comunidade Européia. Coimbra, CoimbraEditora, 1989.

ARÉCHAGA, Eduardo Jiménes de. Derecho Internacional Público, Montevideo,fcu, 1996.

ARNAUD, Vicente Guillermo. Mercosur - Union Europea, Nafta y Los Procesosde lntegracion Regional. Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1996.

AZEVEDO, Maria Eduarda. A Política Agrícola Comum, Almedina, Coimbra, 1996.

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro,Forense, 1958.

BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Ja-neiro, Lumen Juris, 1997.

BARROS, Nelson Lobo de. Moeda, Crédito, Bancos e Ciclos. São Paulo,Piratininga, 1980.

BASSO, Maristela. Mercosul. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1997.

BASTOS, Celso Ribeiro; e MARTINS, 1ves Gandra. Comentários à Constituiçãodo Brasil. São Paulo, Saraiva, 1988.

BERGERES, Maurice-Christian. Contencioso Comunitário. Porto, Resjuridica,1998.

BITTENCOURT, Rubens. Instituições de Direito Econômico. Curitiba, Juruá, 1996.

CAMPOS, João Mota de. Direito Comunitário. Lisboa, FCG, 1994.

CARTOU, Louis. Organizations Européennes. Paris, Dalloz, 1973.

CARVALHO, Ki1dare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. Belo Horizon-te, Del Rey, 1996.

CASELLA, Paulo Borba. Contratos Internacionais e Direito Econômico no Mer-cosul. São Paulo, LTr, 1996.

182 Sérgio Mourão Corrêa Lima

CASELLA, Paulo Borba; e ARAUJO, Nadia de. Integração Jurídica Interameri-cana. São Paulo, LTr, 1998.

CEREXHE, Etienne. O Direito Europeu - A Livre Circulação das Pessoas e dasEmpresas. Voi. II. Lisboa, Editorial Notícias, 1982.

CIURO CALDANI, Miguel Angel. Filosofia de la Jurisdicción. Rosario, Funda-ción para las Investigaciones Jurídicas, 1998.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - Siste-ma Tributário. Forense, 1992.

CORDERO, Mauricio Guerrero; e VÉLIZ, Hernán Narbona. ModemizacionAduanera y Globalización. Santiago, NICE, 1996.

CORRÊA LIMA, Osmar Brina. Curso de Direito Comercial- vol. 2. Belo Hori-zonte, Del Rey, 1995.

______ . Incorporação de Empresas. Belo Horizonte, Del Rey, 1993.CORRÊA LIMA, Sérgio Mourão. Formas de Organização Mercadológica com

Combinação de Investimentos Estrangeiro e Interno. Belo Horizonte, 1997.

_______ . Quadro Comparativo - Mercosul x União Européia. In Re-vista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, Del Rey,1996.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 11ª ed. SãoPaulo, Saraiva, 1985.

DEODATO, Alberto. Manual de Ciência das Finanças. São Paulo, Saraiva, 1957.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Atlas, São Paulo, 1996.

DINIZ, Arthur 1. Almeida. Novos Paradigmas em Direito Internacional Público.Porto Alegre, Sérgio A. Fabris, 1995.

DREYSIN DE KLOR, Adriana. El Mercosur - generador de una nueva fuente dederecho internacional privado. Buenos Aires, 1997.

DUARTE, Maria Luísa. A Cidadania da União e a Responsabilidade dos Estadospor Violação do Direito Comunitário. Lisboa, LEX Edições Jurídicas, 1994.

_______ . A Teoria dos Poderes Implícitos e a Delimitação de Compe-tências entre a União Européia e os Estados-Membros. Lisboa, LEX Edi-ções Jurídicas, 1997.

DUPUY, René-Jean. O Direito Internacional. Lisboa, Almedina, 1993.

DUTlLLEUL, François Collart; e DELEBECQUE, Philippe. Contrats Civils etCommerciaux. Paris, Dalloz, 1991.

EKMEKDJlAN, Miguel Ángel. Introducción al Derecho Comunitario Latino-americano. Buenos Aires, Depalma, 1996.

FARIA, Werter. Os Efeitos do Artigo 98 do Código Tributário Nacional e o Pro-cesso de Integração do Mercosul. Brasília, Senado Federal, 1994.

FERRAZ, Luciano de Araújo. O Controle Externo e o Direito da Integração. Teseaprovada no XIX Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil. Rio de Ja-neiro, 21 a 24 de outubro de 1997.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 183

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Minidicionário, Rio de Janeiro, NovaFronteira, 1977.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. SãoPaulo, Saraiva, 1994.

FIGUEIRAS, Marcos Simão. Mercosul no Contexto Latino-Americano. São Pau-lo, Atlas, 1996.

GARCIA JR., Armando Alvares, Conflito entre Normas do Mercosul e DireitoInterno. São Paulo, LTr, 1997.

GOMES, Carla Amado. A Natureza Constitucional do Tratado da União Euro-péia. Lisboa, LEX Edições Jurídicas, 1997.

GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 1996.

GOYOS JR., Durval de Noronha. Gatt, Mercosul e Nafta. São Paulo, ObservadorLegal, 1993.

HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte, DelRey,1995.

HUCK, Hermes Marcelo. Sentença Estrangeira e Lex Mercatoria. São Paulo, Sa-raiva, 1994.

KAUFFMAN, Pascal. a Euro. Bertrand, Paris, 1997.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra, Arménio Amado, 1974.

LACARTE MURÓ, Julio A. Ronda Uruguay dei GATT - La Globalización deiComercio Mundial. Montevideo, [cu, 1994.

LABRANO, Roberto Ruiz Diaz. Desafios dei Mercosur. Buenos Aires, CiudadArgentina, 1997.

LAFER, Celso. A aMC e a Regulamentação do Comércio Internacional: UmaVisão Brasileira. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998.

LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. Rio de Janeiro,Forense, 1997.

_______ . Lei de Proteção da Concorrência. Rio de Janeiro, Forense,1995.

LIPOVETZKY, Jaime César; e LIPOVETZKY, Daniel Andrés. Mercosul: Estraté-gias para a Integração. São Paulo, LTr, 1994.

MAGARINOS, Gustavo. Comercio e Integración. Montevideo, [cu, 1994.

MANIN, Philippe. Les Communautés Europeennes - L'Union Europeenne. Paris,Pedone, 1995.

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo, Sa-raiva, 1990.

MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro,Forense, 1978.

184 Sérgio Mourão Corrêa Lima

MARTINS, Margarida Salema d'Oliveira; e MARTINS, Afonso d'Oliveira. Direi-to das Organizações Internacionais. Associação Académica da Faculdadede Direito de Lisboa, Lisboa, 1996.

MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O Poder de Celebrar Tratados. PortoAlegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1995.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. A Contribuição do Direito Civil ao DireitoInternacional Público. In Estudos Jurídicos em Homenagem ao ProfessorCaio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro, Forense, 1984.

_______ . Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro, FreitasBastos, 1986.

_______ . Direito Internacional da Integração. Rio de Janeiro, Reno-var, 1996.

MIRANDA, Alberto Souto de. Temas de Direito Comunitário. Coimbra, Almedina,1990.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil - Parte Geral. SãoPaulo, Saraiva, 1962.

NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1993.

PAIS, Sofia Oliveira. O Controle das Concentrações de Empresas no Direito Co-munitário da Concorrência. Coimbra, Almedina, 1996.

PEARSON, Edward S. Law for European Business Studies. London, Pitman, 1994.

PEREIRA, André Gonçalves. c QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Inter-nacional Público. Lisboa, Almedina, 1997.

PEREIRA, André Gonçalves; CUNHA, Paulo de Pitta e; MIRANDA, Jorge;SOUSA, Marcelo Rebelo de; QUADROS, Fausto de; FERREIRA, Eduardoda Paz; AZEVEDO, Maria Eduarda; RUIZ, Nuno; DUARTE, Maria Luísa;SANTOS, Luís Máximo dos; CALHEIROS, José Maria; MARTINS, AnaMaria Guerra; MOREIRA, Teresa; e MORAIS, Luís Silva. Em torno daRevisão do Tratado da União Européia. Almedina, Lisboa, 1997.

PITTA E CUNHA, Paulo de. e RUIZ, Nuno. O Ordenamento Comunitário e oDireito Interno Português. Lisboa, Separata da Revista da Ordem dos Advo-gados, Ano 55-H, julho, 1995.

PORTO, Manuel Carlos Lopes. Teoria da Integração e Políticas Comunitárias.A1medina, Coimbra, 1997.

_______ . Portugal, o Uruguai Round e a União Européia. Coimbra,Grupo LDR (PSD), 1994.

QUADROS, Fausto de; DUARTE, Maria Luísa; MARTINS, Ana Maria Guerra; eBASTOS, Fernando Loureiro. Direito Comunitário - Casos Práticos. As-sociação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1995.

QUADROS, Fausto de. Direito das Comunidades Européias e Direito Internacio-nal Público. Lisboa, A1medina, 1991.

_______ . O Tratado da União Européia - Aspectos jurídico-políticos.Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1992.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 185

RAMOS, Rui Manoel de Moura. Da Comunidade Internacional e do seu Direito.Coimbra, Coimbra Editora, 1996.

_______ . Euro Explicado. Porto, Vida Econômica, 1997.

_______ . Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais - nú-mero 2, Inédita, Belo Horizonte, 1996.

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado. São Paulo, Saraiva,1996.

REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Comercial, vol. I. São Paulo, Saraiva, 1984.

REZEK, 1. Francisco. Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1996.

ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. A Incorporação dos Tratados e ConvençõesInternacionais de Direitos Humanos no Direito Brasileiro. In Revista deInformação Legislativa, Brasília, ano 33, n. 130, abril/junho, 1996.

ROCHA, Osiris. Curso de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro, Forense,1986.

RUDDEN, Bernard. e WYATT, Derrick. Basic Community Laws. Oxford, OxfordUniversity Press, 1994.

SANTOS, Luís Máximo dos; MORAIS, Luís; e RICARDO, Fernando Pereira. Textosde Relações Econômicas Internacionais. Associação Académica da Facul-dade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1997.

SANTOS, Nildo Nery dos. Direito Comunitário - Perguntas e Respostas. Recife,Nossa Livraria, 1996.

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Manual de Direito Comercial. Rio de Janeiro,Forense, 1970.

SCHMITTHOFF, Clive M. The Law & Practice of International Trade. London,Stevens, 1990.

SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre,Livraria do Advogado, 1997.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo,Revista dos Tribunais, 1968.

_______ . Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Revistados Tribunais, 1990.

SOSA, Angel Landoni. Curso de Derecho Procesal Internacional y Comunitariodei Mercosur. Montevideo, fcu, 1997.

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico. São Paulo, Saraiva,1980.

STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. São Paulo, Revistados Tribunais, 1992.

TEIXEIRA, Antonio Fernando Dias. A Natureza das Comunidades Européias.Coimbra, Almedina, 1993.

186 Sérgio Mourão Corrêa Lima

TEIXEIRA, Sónia. A Proteção dos Direitos Fundamentais na Revisão do Tratadoda União Européia. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lis-boa, Lisboa, 1998.

_______ . EURO - Uma Moeda para a Europa. Centro de InformaçãoJacques Delors, Lisboa, 1997.

______ . EURO 1999. Comissão Européia, Bruxelas, 1998._______ . Textos de Direito Internacional Público I. Associação Acadé-

mica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1997.THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Ja-

neiro, Forense, 1993.

VIANA, Mareio Tulio. Teoria e Prática da Convenção 158. São Paulo, LTr, 1996.

VIGNALI, Heber Arbuet. Lecciones de Historia de las Relaciones Internaciona-leso Montevideo, fcu, 1993.

_____ o Derecho Internacional Público, Santa Fé, Uníversidad Naci-onal dei Litoral, 1995.

_______ . Advogado: Desafios e Perspectivas no Contexto das Rela-ções Internacionais. Brasília, Conselho Federal da Ordem dos Advogadosdo Brasil, 1997.

_______ . Constituição Federal Brasileira de 1988.

_______ . Précis de Droit Civil, tome lI. Paris, Dalloz, 1936._______ . Protocolo de Las Leiias de 27 dejunho de 1992 (promulgado

pelo Decreto n. 2.067, de 12 de novembro de 1996, publicado no DiárioOficial da União de 13 de novembro de 1996).

_______ . Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

_______ . União Européia - Tratado de Amsterdão. Luxemburgo, Ser-viço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias, 1997.

Anexo I:Tratado de Assunção

TRATADO DE ASSUNÇÃO

(Decreto Executivo n. 350, de 21 de novembro de 1991)

Tratado para a Constituição de um mercado comum entre a República Ar-gentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a RepúblicaOriental do Uruguai.

A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Para-guai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas "Estados-Partes";

Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados na-cionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seusprocessos de desenvolvimento econômico com justiça social;

Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamen-to mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melho-ramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicasda complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípiosde gradualidade, flexibilidade e equilíbrio;

Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especiala consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr umaadequada inserção internacional para seus países;

Expressando que este processo de integração constitui uma resposta ade-quada a tais acontecimentos;

Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novoavanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da Amé-rica Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980;

Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico etecnológico dos Estados-Partes e de modernizar suas economias para ampliar aoferta e a qualidade dos bens de serviços disponíveis, a fim de melhorar as condi-ções de vida de seus habitantes;

Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para umaunião cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar osobjetivos supramencionados;

Acordam:

CAPÍTULO I - Propósitos, Princípios e Instrumentos

Artigo I

Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá es-tar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Co-mum do Sul" (MERCOSUL).

188 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Este Mercado Comum implica:

A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países,através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeitoequivalente;

O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma políticacomercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e acoordenação de posições em foros econômico-comerciais, regionais e internacionais;

A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes - de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e decapitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que seacordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre osEstados-Partes; e

O compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreaspertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Artigo 2

O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obriga-ções entre os Estados-Partes.

Artigo 3

Durante o período de transição, que se estenderá desde a entrada em vigordo presente Tratado até 31 de dezembro de 1994, e a fim de facilitar a constituiçãodo Mercado Comum, os Estados-Partes adotam um Regime Geral de Origem, umSistema de Solução de Controvérsias e Cláusulas de Salvaguarda, que constamcomo Anexos lI, IIl, e IV ao presente Tratado.

Artigo 4

Nas relações com terceiros países, os Estados-Partes assegurarão condiçõeseqüitativas de comércio. Para tal fim, aplicarão suas legislações nacionais parainibir importações cujos preços estejam influenciados por subsídios, dumping ouqualquer outra prática desleal.

Paralelamente, os Estados-Partes coordenarão suas respectivas políticas na-cionais com o objetivo de elaborar normas comuns sobre concorrência comercial.

Artigo 5

Durante o período de transição, os principais instrumentos para a constitui-ção do Mercado Comum são:

a) Um Programa de Liberação Comercial, que consistirá em reduções tarifá-rias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restriçõesnão-tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições aocomércio entre os Estados-Partes, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifazero, sem barreiras não-tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário (Anexo 1);

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 189

b) A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradual-mente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e elimi-nação de restrições não-tarifárias, indicados na letra anterior;

c) Uma tarifa externa comum, que incentive a competitividade externa dosEstados-Partes;

d) A adoção de acordos setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobi-lidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes.

Artigo 6

Os Estados-Partes reconhecem diferenças pontuais de ritmo para a Repúbli-ca do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, que constam no Programade Liberação Comercial (ANEXO I).

Artigo 7

Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos ori-ginários do território de um Estado-Parte gozarão, nos outros Estados Partes, domesmo tratamento que se aplique ao produto nacional.

Artigo 8

Os Estados-Partes se comprometem a preservar os compromissos assumi-dos até a data de celebração do presente Tratado, inclusive os Acordos firmados noâmbito da Associação Latino-Americana de Integração, e a coordenar suas posi-ções nas negociações comerciais externas que empreendem durante o período detransição. Para tanto:

a) Evitarão afetar os interesses dos Estados-Partes nas negociações comer-ciais que realizem entre si até 31 de dezembro de 1994;

b) Evitarão afetar os interesses dos demais Estados-Partes ou os objetivosdo Mercado Comum nos Acordos que celebrarem com outros países-membros daAssociação Latino-Americana de Integração durante o período de transição;

c) Realizarão consultas entre si sempre que negociem esquemas amplos dedesgravação tarifária, tendentes à formação de zonas de livre comércio com osdemais países-membros da Associação Latino-Americana de Integração;

d) Estenderão automaticamente aos demais Estados-Partes qualquer vanta-gem, favor, franquia, imunidade ou privilégio que concedam a um produto origi-nário de ou destinado a terceiros países não membros da Associação Latino-Ame-ricana de Integração.

CAPÍTULO 11- Estrutura Orgânica

Artigo 9

A administração e execução do presente Tratado e dos Acordos específicose decisões que se adotem no quadro jurídico que o mesmo estabelece durante operíodo de transição estarão a cargo dos seguintes órgãos:

190 Sérgio Mourão Corrêa Lima

a) Conselho do Mercado Comum;

b) Grupo Mercado Comum.

Artigo lO

O Conselho é o órgão superior do Mercado Comum, correspondendo-lhe acondução política do mesmo e a tomada de decisões para assegurar o cumprimentodos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do MercadoComum.

Artigo 11

O Conselho estará integrado pelos Ministros de Relações Exteriores e osMinistros de Economia dos Estados-Partes.

Reunir-se-á quantas vezes estime oportuno, e, pelo menos uma vez ao ano, ofará com a participação dos Presidentes dos Estados-Partes.

Artigo 12

A Presidência do Conselho se exercerá por rotação dos Estados-Partes e emordem alfabética, por períodos de seis meses.

As reuniões do Conselho serão coordenadas pelo Ministro de Relações Ex-teriores e poderão ser convidados a delas participar outros Ministros ou autorida-des de nível ministerial.

Artigo 13

O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercado Comum e serácoordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores.

O Grupo Mercado Comum terá faculdade de iniciativa, suas funções serãoas seguintes:

- velar pelo cumprimento do Tratado;

- tomar as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadaspelo Conselho;

- propor medidas concretas tendentes à aplicação do Programa de Libera-ção Comercial, à coordenação de políticas macroeconômicas e à negociação deAcordos frente a terceiros;

- fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabeleci-mento do Mercado Comum.

O Grupo Mercado Comum poderá constituir os Subgrupos de Trabalho queforem necessários para o cumprimento de seus objetivos. Contará inicialmentecom os Subgrupos mencionados no Anexo V

O Grupo Mercado Comum estabelecerá seu regime interno no prazo de 60dias a partir de sua instalação.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 191

Artigo 14

O Grupo Mercado Comum estará integrado por quatro membros titulares equatro membros alternos por país, que representem os seguintes órgãos públicos:

- Ministério das Relações Exteriores;

- Ministério da Economia ou seus equivalentes (áreas de indústria, comér-cio exterior e/ou coordenação econômica);

- Banco Central.

Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus traba-lhos, até 31 de dezembro de 1994, o Grupo Mercado Comum poderá convocar,quando julgar conveniente, representantes de outros órgãos da Administração PÚ-blica e do setor privado.

Artigo 15

O Grupo Mercado Comum contará com uma Secretaria Administrativa cujasprincipais funções consistirão na guarda de documentos e comunicações de ativi-dades do mesmo. Terá sua sede na cidade de Montevidéu.

Artigo 16

Durante o período de transição, as decisões do Conselho do Mercado Co-mum e do Grupo Mercado Comum serão tomadas por consenso e com a presençade todos os Estados-Partes.

Artigo 17

Os idiomas oficiais do Mercado Comum serão o português e o espanhol e aversão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cadareunião.

Artigo 18

Antes do estabelecimento do Mercado Comum, a 31 de dezembro de 1994,os Estados-Partes convocarão uma reunião extraordinária com o objetivo de deter-minar a estrutura institucional definitiva dos órgãos de administração do MercadoComum, assim como as atribuições específicas de cada um deles e seu sistema detomada de decisões.

CAPÍTULO 1II - Vigência

Artigo 19

O presente Tratado terá duração indefinida e entrará em vigor 30 dias após adata do depósito do terceiro instrumento de ratificação.

Os instrumentos de ratificação serão depositados ante o Governo da Repú-blica do Paraguai, que comunicará a data do depósito aos Governos dos demaisEstados-Partes.

192 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o Governo da República do Paraguai notificará ao Governo de cada um dosdemais Estados-Partes a data de entrada em vigor do presente Tratado.

CAPÍTULO IV - Adesão

Artigo 20

O presente Tratado estará aberto à adesão, mediante negociação, dos demaispaíses-membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicita-ções poderão ser examinadas pelos Estados-Partes depois de cinco anos de vigên-cia deste Tratado.

Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicita-ções apresentadas por países-membros da Associação Latino-Americana de Inte-gração que não façam parte de esquemas de integração sub-regional ou de umaassociação extra-regional.

A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados-Partes.

CAPÍTULO V - Denúncia

Artigo 21

O Estado-Parte que desejar desvincular-se do presente Tratado deverá co-municar essa intenção aos demais Estados-Partes de maneira expressa e formal,efetuando no prazo de sessenta (60) dias a entrega do documento de denúncia aoMinistério das Relações Exteriores da República do Paraguai, que o distribuiráaos demais Estados-Partes.

Artigo 22

Formalizada a denúncia, cessarão para o Estado denunciante os direitos eobrigações que correspondam a sua condição de Estado-Parte, mantendo-se osreferentes ao programa de liberação do presente Tratado e outros aspectos que osEstados-Partes, juntos com o Estado denunciante, acordem no prazo de sessenta(60) dias após a formalização da denúncia. Esses direitos e obrigações do Estadodenunciante continuarão em vigor por um período de dois (2) anos a partir da datada mencionada formalização.

CAPÍTULO VI - Disposições Gerais

Artigo 23

O presente Tratado se chamará "Tratado de Assunção".

Artigo 24

Com o objetivo de facilitar a implementação do Mercado Comum, estabele-cer-se-á uma Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL. Os Poderes Exe-cutivos dos Estados-Partes manterão seus respectivos Poderes Legislativos infor-mados sobre a evolução do Mercado Comum objeto do presente Tratado.

Feito na cidade de Assunção, aos 26 dias do mês de março de mil novecen-tos e noventa e um, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 193

ambos os textos igualmente autênticos. O Governo da República do Paraguai seráo depositário do presente Tratado e enviará cópia devidamente autenticada do mesmoaos Governos dos demais Estados-Partes signatários e aderentes.

Anexo I ~ Programa de Liberação Comercial

Artigo 1

Os Estados-Partes acordam eliminar, o mais tardar a 31 de dezembro de1994, os gravames e demais restrições aplicadas ao seu comércio recíproco.

No que se refere às Listas de Exceções apresentadas pela República do Para-guai e pela República Oriental do Uruguai, o prazo para sua eliminação se esten-derá até 31 de dezembro de 1995, nos termos do art. 7 do presente Anexo.

Artigo 2

Para efeito do disposto no Artigo anterior, se entenderá:a) por "gravames", os direitos aduaneiros e quaisquer outras medidas de

efeito equivalente, sejam de caráter fiscal, monetário, cambial ou de qualquer na-tureza, que incidam sobre o comércio exterior. Não estão compreendidas nesteconceito taxas e medidas análogas quando respondam ao custo aproximado dosserviços prestados; e

b) por "restrições", qualquer medida de caráter administrativo, financeiro,cambial ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado-Parte impeça ou di-ficulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco.

Não estão compreendidas no mencionado conceito as medidas adotadas emvirtude das situações previstas no art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980.

Artigo 3

A partir da data de entrada em vigor do Tratado, os Estados-Partes iniciarãoum programa de desgravação progressivo, linear e automático, que beneficiará osprodutos compreendidos no universo tarifário, classificados em conformidade coma nomenclatura tarifária utilizada pela Associação Latino-Americana de Integra-ção, de acordo com o cronograma que se estabelece a seguir:

DATA PERCENTUAL DE DESGRAVAÇÃO

30/0611991 473011211991 5430/0611992 613011211992 68

30/0611993 75

30/1211993 8230/0611994 893011211994 100

194 Sérgio Mourão Corrêa Lima

As preferências serão aplicadas sobre a tarifa vigente no momento de suaaplicação e consistem em uma redução percentual dos gravames mais favoráveisaplicados à importação dos produtos procedentes de terceiros países não membrosda Associação Latino-Americana de Integração.

No caso de algum dos Estados-Partes elevar essa tarifa para a importação deterceiros países, o cronograma estabelecido continuará a ser aplicado sobre o níveltarifário vigente a 1Q de janeiro de 1991.

Se se reduzirem as tarifas, a preferência correspondente será aplicada auto-maticamente sobre a nova tarifa na data de entrada em vigência da mesma.

Para tal efeito, os Estados-Partes intercambiarão entre si e remeterão à As-sociação Latino-Americana de Integração, dentro de trinta dias a partir da entradaem vigor do Tratado, cópias atualizadas de suas tarifas aduaneiras, assim como dasvigentes em 1Q de janeiro de 1991.

Artigo 4

As preferências negociadas nos Acordos de Alcance Parcial, celebrados nomarco da Associação Latino-Americana de Integração pelos Estados Partes entresi, serão aprofundadas dentro do presente Programa de Desgravação de acordocom o seguinte cronograma:

DATA / PERCENTUAL DE DESGRAVAÇÃÜ

31.12.90 30.06.91 30.12.91 30.06.92 31.12.92 30.06.93 31.12.93 30.06.94 31.12.94

00 a 40 47 54 61 68 75 82 89 10041 a 45 52 59 66 73 80 87 94 10046 a 50 57 64 71 78 85 92 10051 a 55 61 67 73 79 86 93 10056 a 60 67 74 81 88 95 10061 a 65 71 77 83 89 96 10066 a 70 75 80 85 90 95 10071 a 75 80 85 90 95 10076 a 80 85 90 95 10081 a 85 89 93 97 10086 a 90 95 10091 a 95 10096 a 100

Estas desgravações se aplicarão exclusivamente no âmbito dos respectivosAcordos de Alcance Parcial, não beneficiando os demais integrantes do MercadoComum, e não alcançarão os produtos incluídos nas respectivas Listas de Exceções.

Artigo 5

Sem prejuízo do mecanismo descrito nos Artigos 3 e 4, os Estados-Partespoderão aprofundar adicionalmente as preferências, mediante negociações a efe-tuarem-se no âmbito dos Acordos previstos no Tratado de Montevidéu de 1980.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 195

Artigo 6

Estarão excluídos do cronograma de desgravação a que se referem os Arti-gos 3 e 4 do presente Anexo os produtos compreendidos nas Listas de Exceçõesapresentadas por cada um dos Estados-Partes com as seguintes quantidades deitens NALADI:

República Argentina 394

República Federativa do Brasil 324

República do Paraguai 439

República Oriental do Uruguai 960

Artigo 7

As Listas de Exceções serão reduzidas no vencimento de cada ano calendá-rio de acordo com o cronograma que se detalha a seguir:

a) Para a República Argentina e a República Federativa do Brasil na razão devinte por cento (20%) anuais dos itens que a compõem, redução que se aplicadesde 3 I de dezembro de 1990;

b) Para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, aredução se fará na razão de:

- 10% na data de entrada em vigor do Tratado,- 10% em 31 de dezembro de 1991,

- 20% em 3 I de dezembro de 1992,- 20% em 3 I de dezembro de 1993,- 20% em 3 I de dezembro de 1994;- 20% em 31 de dezembro de 1995.

Artigo 8

As Listas de Exceções incorporadas nos Apêndices I, 11, III e IV incluem aprimeira redução contemplada no Artigo anterior.

Artigo 9

Os produtos que forem retirados das Listas de Exceções nos termos previs-tos no art. 7 se beneficiarão automaticamente das preferências que resultem doPrograma de Desgravação estabelecido no art. 3 do presente Anexo com, pelo me-nos, o percentual de desgravação mínimo previsto na data em que se opere suaretirada dessas Listas.

Artigo 10

Os Estados-Partes somente poderão aplicar até 3 I de dezembro de 1994, aosprodutos compreendidos no programa de desgravação, as restrições não-tarifáriasexpressamente declaradas nas Notas Complementares ao Acordo de Complemen-tação que os Estados-Partes celebrem no marco do Tratado de Montevidéu de 1980.

196 Sérgio Mourão Corrêa Lima

A 31 de dezembro de 1994 e no âmbito do Mercado Comum, ficarão elimi-nadas todas as restrições não-tarifárias.

Artigo 11

A fim de assegurar o cumprimento do cronograma de desgravação estabele-cido nos Artigos 3 e 4, assim como o Estabelecimento do Mercado Comum, osEstados-Partes coordenarão as políticas macroeconômicas e as setoriais que seacordem, a que se refere o Tratado para a Constituição do Mercado Comum, come-çando por aquelas relacionadas aos fluxos de comércio e à configuração dos seto-res produtivos dos Estados-Partes.

Artigo 12

As normas contidas no presente Anexo não se aplicarão aos Acordos deAlcance Parcial, de Complementação Econômica ns. 1,2, 13 e 14, nem aos comer-ciais e agropecuários, subscritos no âmbito do Tratado de Montevidéu de 1980, osquais se regerão exclusivamente pelas disposições neles estabelecidas.

Anexo 11- Regime Geral de Origem

CAPÍTULO 1 - Regime Geral de Qualificação de Origem

Artigo 1

Serão considerados originários dos Estados- Partes:

a) Os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um deles,quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente materiais origináriosdos Estados-Partes;

b) Os produtos compreendidos nos capítulos ou posições da NomenclaturaTarifária da Associação Latino-Americana de Integração que se identificam noAnexo I da Resolução 78 do Comitê de Representantes da citada Associação, pelosimples fato de serem produzidos em seus respectivos territórios.

Considerar-se-ão produzidos no território de um Estado-Parte:

i) Os produtos dos reinos mineral, vegetal ou animal, incluindo os da caça eda pesca, extraídos, colhidos ou apanhados, nascidos c criados em seu territórioou em suas Águas Territoriais ou Zona Econômica Exclusiva;

ii) Os produtos do mar extraídos fora de suas Águas Territoriais e ZonaEconômica Exclusiva por barcos de sua bandeira ou arrendados por empresas es-tabelecidas em seu território; e

iii) Os produtos que resultem de operações ou processos efetuados em seuterritório pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados, excetoquando esses processos ou operações consistam somente em simples montagensou ensamblagens, embalagem, fracionamento em lotes ou volumes, seleção e clas-sificação, marcação, composição de sortimentos de mercadorias ou outras opera-ções ou processos equivalentes;

c) Os produtos em cuja elaboração se utilizem materiais não originários dosEstados-Partes, quando resultem de um processo de transformação, realizado noterritório de algum deles, que lhes confira uma nova individualidade, caracteriza-

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 197

da pelo fato de estarem classificados na Nomenclatura Aduaneira da AssociaçãoLatino-Americana de Integração em posição diferente à dos mencionados mate-riais, exceto nos casos em que os Estados-Partes determinem que, ademais, secumpra com o requisito previsto no art. 2 do presente Anexo.

Não obstante, não serão considerados originários os produtos resultantes deoperações ou processos efetuados no território de um Estado-Parte pelos quaisadquiram a forma final em que serão comercializados, quando nessas operaçõesou processos forem utilizados exclusivamente materiais ou insumos não originá-rios de seus respectivos países e consistam apenas em montagens ou ensamblagens,fracionamento em lotes ou volumes, seleção, classificação, marcação, composiçãode sortimentos de mercadorias ou outras operações ou processos semelhantes;

d) Até 3 I de dezembro de 1994, os produtos resultantes de operações deensamblagem e montagem realizadas no território de um Estado-Parte utilizandomateriais originários dos Estados-Partes e de terceiros países, quando o valor dosmateriais originários não for inferior a 40% do valor FOB de exportação do produ-to final; e

e) Os produtos que, além de serem produzidos em seu território, cumpramcom os requisitos específicos estabelecidos no Anexo 2 da Resolução 78 do Comi-tê de Representantes da Associação Latino-Americana de Integração.

Artigo 2

Nos casos em que o requisito estabelecido na letra "c" do artigo I não possaser cumprido porque o processo de transformação operado não implica mudançade posição na nomenclatura, bastará que o valor CIF porto de destino ou CIF portomarítimo dos materiais de terceiros países não exceda a 50 (cinqüenta) por centodo valor FOB de exportação das mercadorias de que se trata.

Na ponderação dos materiais originários de terceiros países para os Esta-dos-Partes sem litoral marítimo, ter-se-ão em conta, como porto de destino, osdepósitos e zonas francas concedidos pelos demais Estados-Partes, quando osmateriais chegarem por via marítima.

Artigo 3

Os Estados-Partes poderão estabelecer, de comum acordo, requisitos espe-cíficos de origem, que prevalecerão sobre os critérios gerais de qualificação.

Artigo 4

Na determinação dos requisitos específicos de origem a que se refere o art.3, assim como na revisão dos que tiverem sido estabelecidos, os Estados-Partestomarão como base, individual ou conjuntamente, os seguintes elementos:

I. Materiais e outros insumos empregados na produção:

a) Matérias-primas:i) Matéria-prima preponderante ou que confira ao produto sua característica

essencial; e

ii) Matérias-primas principais.

198 Sérgio Mourão Corrêa Lima

b) Parte ou peças:

i) Parte ou peça que confira ao produto sua característica essencial;ii) Partes ou peças principais; e

iii) Percentual das partes ou peças em relação ao peso tota!.

c) Outros insumos.

lI. Processo de transformação ou elaboração utilizado.

Ill. Proporção máxima do valor dos materiais importados de terceiros paísesem relação ao valor total do produto, que resulte do procedimento de valorizaçãoacordado em cada caso.

Artigo 5

Em casos excepcionais, quando os requisitos específicos não puderem sercumpridos porque ocorrem problemas circunstanciais de abastecimento: disponi-bilidade, especificações técnicas, prazo de entrega e preço, tendo em conta o dis-posto no art. 4 do Tratado, poderão ser utilizados materiais não originários dosEstados- Partes.

Dada a situação prevista no parágrafo anterior, o país exportador emitirá ocertificado correspondente informando ao Estado-Parte importador e ao GrupoMercado Comum, acompanhando os antecedentes e constâncias que justifiquem aexpedição do referido documento.

Caso se produza uma contínua reiteração desses casos, o Estado-Parte ex-portador ou o Estado-Parte importador comunicará esta situação ao Grupo Merca-do Comum, para fins de revisão do requisito específico.

Este Artigo não compreende os produtos que resultem de operações deensamblagem ou montagem, e será aplicável até a entrada em vigor da Tarifa Ex-terna Comum para os produtos objeto de requisitos específicos de origem e seusmateriais ou insumos.

Artigo 6

Qualquer dos Estados-Partes poderá solicitar a revisão dos requisitos de ori-gem estabelecidos de conformidade com o art. 1. Em sua solicitação, deverá propore fundamentar os requisitos aplicáveis ao produto ou produtos de que se trate.

Artigo 7

Para fins do cumprimento dos requisitos de origem, os materiais e outrosinsumos, originários do território de qualquer dos Estados-Partes, incorporadospor um Estado-Parte na elaboração de determinado produto, serão consideradosoriginários do território deste último.

Artigo 8

o critério de máxima utilização de materiais ou outros insumos origináriosdos Estados-Partes não poderá ser considerado para fixar requisitos que impli-quem a imposição de materiais ou outros insumos dos referidos Estados-Partes,

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 199

quando, a juízo dos mesmos, estes não cumpram condições adequadas de abasteci-mento, qualidade e preço, ou que não se adaptem aos processos industriais outecnologias aplicadas.

Artigo 9

Para que as mercadorias originárias se beneficiem dos tratamentos preferen-ciais, as mesmas deverão ter sido expedidas diretamente do país exportador aopaís importador. Para tal fim, se considera expedição direta:

a) As mercadorias transportadas sem passar pelo território de algum paísnão participante do Tratado.

b) As mercadorias transportadas em trânsito por um ou mais países não par-ticipantes, com ou sem transbordo ou armazenamento temporário, sob a vigilânciade autoridade alfandegária competente em tais países, sempre que:

i) o trânsito estiver justificado por razões geográficas ou por consideraçõesrelativas a requerimentos do transporte;

ii) não estiverem destinadas ao comércio, uso ou emprego no país de trân-sito, e

iii) não sofram, durante o transporte e depósito, nenhuma operação distintaàs de carga e descarga ou manuseio para mantê-Ias em boas condições ou assegu-rar sua conservação.

Artigo 10

Para os efeitos do presente Regime Geral se entenderá:

a) que os produtos procedentes das zonas francas situadas nos limites geo-gráficos de qualquer dos Estados-Partes deverão cumprir os requisitos previstosno presente Regime Geral;

b) que a expressão "materiais" compreende as matérias-primas, os produtosintermediários e as partes e peças utilizadas na elaboração das mercadorias.

CAPÍTULO II - Declaração, Certificação e Comprovação

Artigo 11

Para que a importação dos produtos originários dos Estados-Partes possabeneficiar-se das reduções de gravames e restrições outorgadas entre si, na docu-mentação correspondente às exportações de tais produtos deverá constar uma de-claração que certifique o cumprimento dos requisitos de origem estabelecidos deacordo com o disposto no Capítulo anterior.

Artigo 12

A declaração a que se refere o Artigo precedente será expedida pelo produtofinal ou pelo exportador da mercadoria, e certificada por uma repartição oficial ouentidade de classe com personalidade jurídica, credenciada pelo Governo do Esta-do-Parte exportador.

200 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Ao credenciar entidades de classe, os Estados-Partes velarão para que setrate de organizações que atuem com jurisdição nacional, podendo delegar atribui-ções a entidades regionais ou locais, conservando sempre a responsabilidade dire-ta pela veracidade das certificações que forem expedidas.

Os Estados-Partes se comprometem, no prazo de 90 dias a partir da entra-da em vigor do Tratado, a estabelecer um regime harmonizado de sanções admi-nistrativas para casos de falsidade nos certificados, sem prejuízo das ações pe-nais correspondentes.

Artigo 13

Os certificados de origem emitidos para os fins do presente Tratado terãoprazo de validade de 180 dias, a contar da data de sua expedição.

Artigo 14

Em todos os casos, se utilizará o formulário-padrão que figura anexo ao

Acordo 25 do Comitê de Representantes da Associação Latino-Americana deIntegração, enquanto não entrar em vigor outro formulário aprovado pelos Esta-dos-Partes.

Artigo 15

Os Estados-Partes comunicarão à Associação Latino-Americana de Integra-ção a relação das repartições oficiais e entidades de classe credenciadas a expedira certificação a que se refere o Artigo anterior, com o registro e fac-símile dasassinaturas autorizadas.

Artigo 16

Sempre que um Estado-Parte considerar que os certificados emitidos poruma repartição oficial ou entidade de classe credenciada de outro Estado-Partenão se ajustam às disposições contidas no presente Regime Geral, comunicará ofato ao outro Estado-Parte para que este adote as medidas que estime necessáriaspara solucionar os problemas apresentados.

Em nenhum caso o país importador deterá o trâmite de importação dos pro-dutos amparados nos certificados a que se refere o parágrafo anterior, mas poderá,além de solicitar as informações adicionais que correspondam às autoridades go-vernamentais do país exportador, adotar as medidas que considere necessárias pararesguardar o interesse fiscal.

Artigo 17

Para fins de um controle posterior, as cópias dos certificados e os documen-tos respectivos deverão ser conservados durante dois anos a partir de sua emissão.

Artigo 18

As disposições do presente Regime Geral e as modificações que lhe foremintroduzidas não afetarão as mercadorias embarcadas na data de sua adoção.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 201

Artigo 19

As normas contidas no presente Anexo não se aplicam aos Acordos de Al-cance Parcial, de Complementação Econômica n. I, 2, 13, e 14 nem aos comer-ciais e agropecuários subscritos no âmbito do Tratado de Montevidéu de 1980, osquais se regerão exclusivamente pelas disposições neles estabelecidas.

Anexo III - Solução de Controvérsias

I. As controvérsias que possam surgir entre os Estados-Partes como conse-qüência de aplicação do Tratado serão resolvidas mediante negociações diretas.

No caso de não lograrem uma solução, os Estados-Partes submeterão a con-trovérsia à consideração do Grupo Mercado Comum que, após avaliar a situação,formulará no lapso de sessenta (60) dias as recomendações pertinentes às Partespara a solução do diferendo. Para tal fim, o Grupo Mercado Comum poderá esta-belecer ou convocar painéis de especialistas ou grupos de peritos com o objetivode contar com assessoramento técnico.

Se no âmbito do Grupo Mercado Comum tampouco for alcançada uma solu-ção, a controvérsia será elevada ao Conselho do Mercado Comum para que esteadote as recomendações pertinentes.

2. Dentro de cento e vinte (120) dias a partir da entrada em vigor do Trata-do, o Grupo Mercado Comum elevará aos Governos dos Estados-Partes uma pro-posta de Sistema de Solução de Controvérsias, que vigerá durante o período detransição.

3. Até 31 de dezembro de 1994, os Estados-Partes adotarão um SistemaPermanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum.

Anexo IV - Cláusulas de Salvaguarda

Artigo I

Cada Estado- Parte poderá aplicar, até 31 de dezembro de 1994, cláusulas desalvaguarda à importação dos produtos que se beneficiem do Programa de Libera-ção Comercial estabelecido no âmbito do Tratado.

Os Estados-Partes acordam que somente deverão recorrer ao presente Regi-me em casos excepcionais.

Artigo 2

Se as importações de determinado produto causarem dano ou ameaça dedano grave a seu mercado, como conseqüência de um sensível aumento, em umcurto período, das importações desse produto provenientes dos outros Estados-Partes, o país importador solicitará ao Grupo Mercado Comum a realização deconsultas com vistas a eliminar essa situação.

O pedido do país importador estará acompanhado de uma declaração por-menorizada dos fatos, razões e justificativas do mesmo.

202 Sérgio Mourão Corrêa Lima

o Grupo Mercado Comum deverá iniciar as consultas no prazo máximo dedez (10) dias corridos a partir da apresentação do pedido do país importador edeverá concluí-las, havendo tomado uma decisão a respeito, dentro de vinte (20)dias corridos após seu início.

Artigo 3

A determinação do dano ou ameaça de dano grave no sentido do presenteRegime será analisada por cada país, levando em conta a evolução, entre outros,dos seguintes aspectos relacionados com o produto em questão:

a) Nível de produção e capacidade utilizada;

b) Nível de emprego;

c) Participação no mercado;

d) Nível de comércio entre as Partes envolvidas ou participantes de consultas;

e) Desempenho das importações e exportações com relação a terceiros países.

Nenhum dos fatores acima mencionados constitui, por si só, um critériodecisivo para a determinação do dano ou ameaça de dano grave.

Não serão considerados, na determinação do dano ou ameaça de dano grave,fatores tais como as mudanças tecnológicas ou mudanças nas preferências dosconsumidores em favor de produtos similares e/ou diretamente competitivos den-tro do mesmo setor.

A aplicação da cláusula de salvaguarda dependerá, em cada país, da aprova-ção final da seção nacional do Grupo Mercado Comum.

Artigo 4

Com o objetivo de não interromper as correntes de comércio que tiveremsido geradas, o país importador negociará uma quota para a importação do produ-to objeto de salvaguarda, que se regerá pelas mesmas preferências e demais condi-ções estabelecidas no Programa de Liberação Comercial.

A mencionada quota será negociada com o Estado-Parte de onde se origi-nam as importações, durante o período de consulta a que se refere o art. 2. Vencidoo prazo da consulta e não havendo acordo, o país importador que se considerarafetado poderá fixar uma quota, que será mantida pelo prazo de um ano.

Em nenhum caso a quota fixada unilateralmente pelo país importador serámenor que a média dos volumes físicos importados nos últimos três anos calendário.

Artigo 5

As cláusulas de salvaguarda terão um ano de duração e poderão ser prorro-gadas por um novo período anual e consecutivo, aplicando-se-lhes os termos econdições estabelecidas no presente Anexo. Estas medidas apenas poderão seradotadas uma vez para cada produto.

Em nenhum caso a aplicação de cláusulas de salvaguarda poderá estender-sealém de 31 de dezembro de 1994.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 203

Artigo 6

A aplicação das cláusulas de salvaguarda não afetará as mercadorias embar-cadas na data de sua adoção, as quais serão computadas na quota prevista no art. 4.

Artigo 7

Durante o período de transição, no caso de algum Estado Parte se considerarafetado por graves dificuldades em suas atividades econômicas, solicitará ao Gru-po Mercado Comum a realização de consultas, a fim de que se tomem as medidascorretivas que forem necessárias.

O Grupo Mercado Comum, dentro dos prazos estabelecidos no art. 2 dopresente Anexo, avaliará a situação e se pronunciará sobre as medidas a seremadotadas, em função das circunstâncias.

Anexo V - Subgrupos de Trabalho do Grupo Mercado Comum

O Grupo Mercado Comum, para fins de coordenação das políticas macro-econômicas e setoriais, constituirá, no prazo de 30 dias após sua instalação detrabalho:

Subgrupo 1: Assuntos Comerciais

Subgrupo 2: Assuntos Aduaneiros

Subgrupo 3: Normas Técnicas

Subgrupo 4: Política Fiscal e Monetária Relacionadas com o Comércio

Subgrupo 5: Transporte Terrestre

Subgrupo 6: Transporte Marítimo

Subgrupo 7: Política Industrial e Tecnológica

Subgrupo 8: Política Agrícola

Subgrupo 9: Política Energética

Subgrupo 10: Coordenação de Políticas Macroeconômicas

Anexo 11:Protocolo de Ouro Preto

(sobre Estrutura Institucional)

PROTOCOLO DE OURO PRETO

(Decreto Executivo n. 1.901, de 9 de maio de 1996)

Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucionaldo MERCOSUL.

A República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República doParaguai e a República Oriental do Uruguai, doravante denominadas "Estados-Partes";

Em cumprimento ao disposto no artigo 18 do Tratado de Assunção, de 26 demarço de 1991;

Conscientes da importância dos avanços alcançados e da implementação daunião aduaneira como etapa para a construção do mercado comum;

Reafirmando os princípios e objetivos do Tratado de Assunção e atentospara a necessidade de uma consideração especial para países e regiões menos de-senvolvidos do MERCOSUL às mudanças ocorridas;

Reconhecendo o destacado trabalho desenvolvido pelos órgãos existentesdurante o período de transição;

Acordam:

CAPÍTULO I - Estrutura do Mercosul

Artigo I

A estrutura institucional do Mercosul contará com os seguintes órgãos:

I - O Conselho do Mercado Comum (CMC);

II - O Grupo Mercado Comum (GMC);

III - A Comissão de Comércio do Mercosul (CeM);

IV - A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC);

V - O Foro Consultivo Econômico-Social (FCES);

VI - A Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

Parágrafo único. Poderão ser criados, nos termos do presente Protocolo, osórgãos auxiliares que se fizerem necessários à consecução dos objetivos do pro-cesso de integração.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 205

Artigo 2

São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Con-selho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comérciodo Mercosul.

SEÇÃO I - Do Conselho do Mercado Comum

Artigo 3

O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul ao qualincumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisõespara assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assun-ção e para lograr a constituição final do mercado comum.

Artigo 4

O Conselho do Mercado Comum será integrado pelos Ministros das RelaçõesExteriores e pelos Ministros da Economia, ou seus equivalentes, dos Estados-Partes.

Artigo 5

A Presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotaçãodos Estados-Partes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses.

Artigo 6

O Conselho do Mercado Comum reunir-se-á quantas vezes estime oportu-no, devendo fazê-lo pelo menos uma vez por semestre com a participação dosPresidentes dos Estados-Partes.

Artigo 7

As reuniões do Conselho do Mercado Comum serão coordenadas pelos Mi-nistérios das Relações Exteriores e poderão ser convidados a delas participar ou-tros Ministros ou autoridades de nível ministerial.

Artigo 8

São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum:I - velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e

dos acordos firmados em seu âmbito;II - formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do

mercado comum;III - exercer a titularidade da personalidade jurídica do Mercosul;

IV - negociar e firmar acordos em nome do Mercosul com terceiros países,grupos de países e organizações internacionais. Estas funções podem ser delega-das ao Grupo Mercado Comum por mandato expresso, nas condições estipuladasno inciso VII do art.14;

206 Sérgio Mourão Corrêa Lima

v - manifestar-se sobre as propostas que lhe sejam elevadas pelo GrupoMercado Comum;

VI - criar reuniões de ministros e pronunciar-se sobre os acordos que lhesejam remetidos pelas mesmas;

VII - criar órgãos que estime pertinentes, assim como modificá-los ou ex-tingui-los;

VIII - esclarecer, quando estime necessário, o conteúdo e o alcance de suasDecisões;

IX - designar o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul;

X - adotar Decisões em matéria financeira e orçamentária;

XI - homologar o Regimento Interno do Grupo Mercado Comum.

Artigo 9

o Conselho do Mercado Comum manifestar-se-á mediante Decisões as quaisserão obrigatórias para os Estados-Partes.

SEÇÃO II - Do Grupo Mercado Comum

Artigo 10

O Grupo Mercado Comum é o órgão executivo do Mercosul.

Artigo 11

O Grupo Mercado Comum será integrado por quatro membros titulares equatro membros alternos por país, designados pelos respectivos Governos, dentreos quais devem constar necessariamente representantes dos Ministérios das Rela-ções Exteriores, dos Ministérios da Economia (ou equivalentes) e dos Bancos Cen-trais. O Grupo Mercado Comum será coordenado pelos Ministérios das RelaçõesExteriores.

Artigo 12

Ao elaborar e propor medidas concretas no desenvolvimento de seus traba-lhos, o Grupo Mercado Comum poderá convocar, quando julgar conveniente, re-presentantes de outros órgãos da Administração Pública ou da estrutura institucio-nal do Mercosul.

Artigo 13

O Grupo Mercado Comum reunir-se-á de forma ordinária ou extraordinária,quantas vezes se fizerem necessárias, nas condições estipuladas por seu Regimen-to Interno.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 207

Artigo 14

São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum:

I - velar, nos limites de suas competências, pelo cumprimento do Tratadode Assunção, de seus Protocolos e dos Acordos firmados em seu âmbito;

11- propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum;

III - tomar as medidas necessárias ao cumprimento das Decisões adotadaspelo Conselho do Mercado Comum;

IV - fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabeleci-mento do mercado comum;

V - criar, modificar ou extinguir órgãos tais como subgrupos de trabalho ereuniões especializadas, para o cumprimento de seus objetivos;

VI - manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe foremsubmetidas pelos demais órgãos do Mercosul no âmbito de suas competências;

VII - negociar com a participação de representantes de todos os Estados-Partes, por delegação expressa do Conselho do Mercado Comum e dentro dos li-mites estabelecidos em mandatos específicos concedidos para este fim, acordosem nome do Mercosul com terceiros países, grupos de países e organismos inter-nacionais. O Grupo Mercado Comum, quando dispuser de mandato para tal fim,procederá à assinatura dos mencionados acordos. O Grupo Mercado Comum, quan-do autorizado pelo Conselho do Mercado Comum, poderá delegar os referidospoderes à Comissão de Comércio do Mercosul;

VIII - aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentada pelaSecretaria Administrativa do Mercosul;

IX - adotar resoluções em matéria financeira e orçamentária, com base nasorientações emanadas do Conselho do Mercado Comum;

X - submeter ao Conselho do Mercado Comum seu Regimento Interno;

XI - organizar as reuniões do Conselho do Mercado Comum e preparar osrelatórios e estudos que este lhe solicitar;

XII - eleger o Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul;

XIII - supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do Mercosul;

XIV - homologar os Regimentos Internos da Comissão de Comércio e doForo Consultivo Econômico-Social.

Artigo 15

O Grupo Mercado Comum manifestar-se-á mediante Resoluções, as quaisserão obrigatórias para os Estados-Partes.

SEÇÃO III - Da Comissão de Comércio do MERCOSUL

Artigo 16

À Comissão de Comércio do Mercosul, órgão encarregado de assistir oGrupo Mercado Comum, compete velar pela aplicação dos instrumentos de polí-

208 Sérgio Mourão Corrêa Lima

tica comercial comum acordados pelos Estados-Partes para o funcionamento daunião aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relaciona-dos com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e comterceiros países.

Artigo 17

A Comissão de Comércio do Mercosul será integrada por quatro membrostitulares e quatro membros alternos por Estado-Parte e será coordenada pelos Mi-nistérios das Relações Exteriores.

Artigo 18

A Comissão de Comércio do Mercosul reunir-se-á pelo menos uma vez pormês ou sempre que solicitado pelo Grupo Mercado Comum ou por qualquer dosEstados-Partes.

Artigo 19

São funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul:

I - velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercialintra-Mercosul e com terceiros países, organismos internacionais e acordos decomércio;

II - considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelosEstados-Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa co-mum e dos demais instrumentos de política comercial comum;

III - acompanhar a aplicação dos instrumentos de política comercial co-mum nos Estados-Partes;

IV - analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comumpara o funcionamento da união aduaneira e formular propostas a respeito ao Gru-po Mercado Comum;

V - tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifaexterna comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelosEstados-Partes;

VI - informar ao Grupo Mercado Comum sobre a evolução e a aplicaçãodos instrumentos de política comercial comum, sobre o trâmite das solicitaçõesrecebidas e sobre as decisões adotadas a respeito delas;

VII - propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações àsnormas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul;

VIII - propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tari-fa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividadesprodutivas no âmbito do Mercosul;

IX - estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimen-to de suas funções, bem como dirigir e supervisionar as atividades dos mesmos;

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 209

x - desempenhar as tarefas vinculadas à política comercial comum que lhesolicite o Grupo Mercado Comum;

XI - adotar o Regimento Interno, que submeterá ao Grupo Mercado Co-mum para sua homologação.

Artigo 20

A Comissão de Comércio do Mercosul manifestar-se-á mediante Diretrizesou Propostas. As Diretrizes serão obrigatórias para os Estados-Partes.

Artigo 21

Além das funções e atribuições estabelecidas nos artigos 16 e 19 do presen-te Protocolo, caberá à Comissão de Comércio do Mercosul considerar reclamaçõesapresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comércio do Mercosul, ori-ginadas pelos Estados-Partes ou demandas de particulares - pessoas físicas oujurídicas -, relacionadas com as situações previstas nos artigos I ou 25 do Proto-colo de Brasília, quando estiverem em sua área de competência.

§ I º O exame das referidas reclamações no âmbito da Comissão de Comér-cio do Mercosul; não obstará a ação do Estado-Parte que efetuou a reclamação aoamparo do Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias.

§ 2º As reclamações originadas nos casos estabelecidos no presente artigoobedecerão o procedimento previsto no anexo deste Protocolo.

SEÇÃO IV - Da Comissão Parlamentar Conjunta

Artigo 22

A Comissão Parlamentar Conjunta é o órgão representativo dos Parlamentosdos Estados-Partes no âmbito do Mercosul.

Artigo 23

A Comissão Parlamentar Conjunta será integrada por igual número de par-lamentares representantes dos Estados-Partes.

Artigo 24

Os integrantes da Comissão Parlamentar Conjunta serão designados pelosrespectivos Parlamentares nacionais, de acordo com seus procedimentos internos.

Artigo 25

A Comissão Parlamentar Conjunta procurará acelerar os procedimentos in-ternos correspondentes nos Estados-Partes para a pronta entrada em vigor das nor-mas emanadas dos órgãos do MERCOSUL previstos no art. 2 deste Protocolo. Damesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido peloavanço do processo de integração.

210 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum solicitará à ComissãoParlamentar Conjunta o exame de temas prioritários.

Artigo 26

A Comissão Parlamentar Conjunta encaminhará, por intermédio do GrupoMercado Comum, Recomendações ao Conselho do Mercado Comum.

Artigo 27

A Comissão Parlamentar Conjunta adotará o seu Regime Interno.

SEÇÃO V - Do Foro Consultivo Econômico-Social

Artigo 28

o Foro Consultivo Econômico-Social é o órgão de representação dos seto-res econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes decada Estado-Parte.

Artigo 29

O Foro Consultivo Econômico-Social terá função consultiva e manifestar-se-á mediante Recomendações no Grupo Mercado Comum.

Artigo 30

O Foro Consultivo Econômico-Social submeterá seu Regimento Interno aoGrupo Mercado Comum, para homologação.

SEÇÃO VI - Da Secretaria Administrativa do MERCOSUL

Artigo 31

O Mercosul contará com uma Secretaria Administrativa como órgão de apoiooperacional. A Secretaria Administrativa do Mercosul será responsável pela pres-tação de serviço aos demais órgãos do Mercosul e terá sede permanente na cidadede Montevidéu.

Artigo 32

A Secretaria Administrativa do Mercosul desempenhará as seguintes ati-vidades:

I - servir como arquivo oficial da documentação do Mercosul;11- realizar a publicação e a difusão das decisões adotadas no âmbito do

Mercosul. Nesse contexto, lhe corresponderá:i) realizar, em coordenação como os Estados-Partes, as traduções autênticas

para os idiomas espanhol e português de todas as decisões adotadas pelos órgãosda estrutura institucionais do Mercosul, conforme previsto no art. 39;

ii) editar o Boletim Oficial do Mercosul;

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 211

III - organizar os aspectos logísticos das reuniões do Conselho do Merca-do Comum, do Grupo Mercado Comum e da Comissão do Comércio do Mercosule, dentro de suas possibilidades, dos demais órgãos do Mercosul, quando as mes-mas forem realizadas em sua sede permanente. No que se refere às reuniões reali-zadas fora de sua sede permanente, a Secretaria Administrativa do Mercosul for-necerá apoio ao Estado que sediar o evento;

IV - informar regularmente os Estados-Partes sobre as medidas implemen-tadas por cada país para incorporar em seu ordenamento jurídico as normas ema-nadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste Protocolo;

V - registrar as listas nacionais dos árbitros e especialistas, bem como de-sempenhar outras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília, de 17 de de-zembrode 1991;

VI - desempenhar as tarefas que lhe sejam solicitadas pelo Conselho doMercado Comum, pelo Grupo Mercado Comum e pela Comissão do Comércio doMercosul;

VII - elaborar seu projeto de orçamento e uma vez aprovado pelo GrupoMercado Comum, praticar todos os atos necessários à sua correta execução;

VIII - apresentar anualmente ao Grupo Mercado Comum a sua prestaçãode contas, bem como relatório sobre suas atividades.

Artigo 33

A Secretaria Administrativa do Mercosul estará a cargo de um Diretor, oqual será nacional de um dos Estados-Partes. Será eleito pelo Grupo Mercado Co-mum, em bases rotativas prévia consulta aos Estados-Partes, e designado pelo Con-selho do Mercado Comum. Terá mandato de dois anos, vedada a reeleição.

CAPíTULO II - Personalidade Jurídica

Artigo 34

O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional.

Artigo 35

O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessá-rios à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bensmóveis e imóveis, comparecer em juízo, conservar fundos e fazer transferências.

Artigo 36

O Mercosul celebrará acordos de sede.

CAPíTULO III - Sistema de Tomada de Decisões

Artigo 37

As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com apresença de todos os Estados-Partes.

212 Sérgio Mourão Corrêa Lima

CAPÍTULO IV - Aplicação Interna das Normas Emanadas dosOrgãos do MERCOSUL

Artigo 38

Os Estados-Partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessáriaspara assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emana-das dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste Protocolo.

Parágrafo único. Os Estados-Partes informarão à Secretaria Administrativado Mercosul as medidas adotadas para esse fim.

Artigo 39

Serão publicados no Boletim Oficial do Mercosul, em sua íntegra, nos idio-mas espanhol e português, o teor das Decisões do Conselho do Mercado Comum,das Resoluções do Grupo Mercado Comum, das Diretrizes da Comissão de Co-mércio do Mercosul e dos Laudos Arbitrais de solução de controvérsias, bem comode quaisquer atos aos quais o Conselho do Mercado Comum ou o Grupo MercadoComum entendam necessário atribuir publicidade oficial.

Artigo 40

A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-Partes das normas ema-nadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2 deste Protocolo, deverá ser ob-servado o seguinte procedimento:

i) uma vez aprovada a norma, os Estados-Partes adotarão as medidas neces-sárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão asmesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul;

ii) quando todos os Estados-Partes tiverem informado sua incorporação aosrespectivos ordenamentos jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mer-cosul comunicará o fato a cada Estado-Parte;

iii) as normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados-Partes 30dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mer-cosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados-Partes, dentrodo prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas porintermédio de seus respectivos diários oficiais.

CAPÍTULO V - Fontes Jurídicas do MERCOSUL

Artigo 41

As fontes jurídicas do Mercosul são:I - O tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou

complementares;

11- os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus pro-tocolos;

111- as Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Gru-po Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul,adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 213

Artigo 42

As normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no ar!. 2 deste Pro-tocolo terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadasaos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pelalegislação de cada país.

CAPÍTULO VI - Sistema de Solução de Controvérsias

Artigo 43

As controvérsias que surgirem entre os Estados-Partes sobre a interpretação,a aplicação ou o não-cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assun-ção, dos acordos celebrados no âmbito do mesmo, bem como das Decisões do Con-selho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Dire-trizes da Comissão de Comércio do Mercosul, serão submetidas aos procedimentosde solução estabelecidos no Protocolo de Brasília, de 17 de dezembro de 1991.

Parágrafo único. Ficam também incorporadas aos Artigos 19 e 25 do Proto-colo de Brasília as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.

Artigo 44

Antes de culminar o processo de convergência da tarifa externa comum, osEstados-Partes efetuarão uma revisão do atual sistema de solução de controvérsiasdo Mercosul, com vistas à adoção do sistema permanente a que se refere o item 3do Anexo III do Tratado de Assunção e o art. 34 do Protocolo de Brasília.

CAPÍTULO VII - Orçamento

Artigo 45

A Secretaria Administrativa do Mercosul contará com orçamento para co-brir seus gastos de funcionamento e aqueles que determine o Grupo Mercado Co-mum. Tal orçamento será financiado, em partes iguais, por contribuições dos Esta-dos-Partes.

CAPÍTULO VIII - Idiomas

Artigo 46

Os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português.

A versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sedede cada reunião.

CAPÍTULO IX - Revisão

Artigo 47

Os Estados-Partes convocarão, quando julgarem oportuno, conferência di-plomática com o objetivo de revisar a estrutura institucional do Mercosul estabele-cida pelo presente Protocolo, assim como as atribuições específicas de cada um deseus órgãos.

214 Sérgio Mourão Corrêa Lima

CAPÍTULO X - Vigência

Artigo 48

O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, terá duraçãoindefinida e entrará em vigor 30 dias após a data do depósito do terceiro instru-mento de ratificação. O presente Protocolo e seus instrumentos de ratificação se-rão depositados ante o Governo da República do Paraguai.

Artigo 49

O Governo da República do Paraguai notificará aos Governos dos demaisEstados-Partes a data do depósito dos instrumentos de ratificação e da entrada emvigor do presente Protocolo.

Artigo 50

Em matéria de adesão ou denúncia, regerão como um todo, para o presenteProtocolo, as normas estabelecidas pelo Tratado de Assunção. A adesão ou denún-cia ao Tratado de Assunção ou ao presente Protocolo significam "ipso iure", aadesão ou denúncia ao presente Protocolo e ao Tratado de Assunção.

CAPÍTULO XI - Disposição Transitória

Artigo 51

A estrutura institucional prevista no Tratado de Assunção, de 26 de marçode 1991, assim como seus órgãos, será mantida até a data de entrada em vigor dopresente Protocolo.

CAPÍTULO XII - Disposições Gerais

Artigo 52

O presente Protocolo chamar-se-á "Protocolo de Ouro Preto".

Artigo 53

Ficam revogadas todas as disposições do Tratado de Assunção, de 26 demarço de 1991, que conflitem com os termos do presente Protocolo e com o teordas Decisões aprovadas pelo Conselho do Mercado Comum, durante o periodo detransição.

Feito na cidade de Ouro Preto, República Federativa do Brasil, aos dezesse-te dias do mês de dezembro de mil novecentos e noventa e quatro, em um original,nos idiomas português e espanhol, sendo ambos os textos igualmente autênticos.O Governo da República do Paraguai enviará cópia devidamente autenticada dopresente Protocolo aos Governos dos demais Estados-Partes.

Anexo - Procedimento Geral para Reclamações Perante a Comissão deComércio do MERCOSUL

Artigo 1

As reclamações apresentadas pelas Seções Nacionais da Comissão de Comér-cio do Mercosul, originadas pelos Estados-Partes ou em reclamações de particulares

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 215

- pessoas físicas ou jurídicas - de acordo com o previsto no art. 21 do Protocolode Ouro Preto, observarão o procedimento estabelecido no presente Anexo.

Artigo 2

O Estado-Parte reclamante apresentará sua reclamação perante a Presidên-cia Pro- Tempore da Comissão de Comércio do Mercosul, a qual tomará as provi-dências necessárias para a incorporação do tema na agenda da primeira reuniãosubseqüente da Comissão de Comércio do Mercosul, respeitado o prazo mínimode uma semana de antecedência. Se não for adotada decisão na referida reunião, aComissão de Comércio do Mercosul remeterá os antecedentes, sem outro procedi-mento, a um Comitê Técnico.

Artigo 3

O Comitê Técnico preparará e encaminhará à Comissão de Comércio doMercosul, no prazo máximo de 30 dias corridos, um parecer conjunto sobre amatéria. Esse parecer, bem como as conclusões dos especialistas integrantes doComitê Técnico, quando não for adotado parecer, serão levados em consideraçãopela Comissão de Comércio do Mercosul, quando esta decidir sobre a reclamação.

Artigo 4

A Comissão de Comércio do Mercosul decidirá sobre a questão em sua pri-meira reunião ordinária posterior ao recebimento do parecer conjunto ou, na suaausência, as conclusões dos especialistas, podendo também ser convocada umareunião extraordinária com essa finalidade.

Artigo 5

Se não for alcançado o consenso na primeira reunião mencionada no art. 4,a Comissão de Comércio do Mercosul encaminhará ao Grupo Mercado Comum asdiferentes alternativas propostas, assim como o parecer conjunto ou as conclusõesdos especialistas do Comitê Técnico, a fim de que seja tomada uma decisão sobrea matéria. O Grupo Mercado Comum pronunciar-se-á a respeito no prazo de trinta(30) dias corridos, contados do recebimento, pela Presidência Pro- Tempore, daspropostas encaminhadas pela Comissão de Comércio do Mercosul.

Artigo 6

Se houver consenso quanto à procedência da reclamação, o Estado-Partereclamado deverá tomar as medidas aprovadas na Comissão de Comércio do Mer-cosul ou no Grupo Mercado Comum. Em cada caso, a Comissão de Comércio doMercosul ou, posteriormente, o Grupo Mercado Comum determinarão prazo ra-zoável para a implementação dessas medidas.

Decorrido tal prazo sem que o Estado reclamado tenha observado o dispostona decisão alcançada, seja na Comissão de Comércio do Mercosul ou no GrupoMercado Comum, o Estado reclamante poderá recorrer diretamente ao procedi-mento previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília.

216 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Artigo 7

Se não for alcançado consenso na Comissão de Comércio do Mercosul e,posteriormente, no Grupo Mercado Comum, ou se o Estado reclamado não obser-var, no prazo previsto no art. 6, o disposto na decisão alcançada, o Estado recla-mante poderá recorrer diretamente ao procedimento previsto no Capítulo IV doProtocolo de Brasília, fato que será comunicado à Secretaria Administrativa doMercosul.

O Tribunal Arbitral, antes da emissão de seu Laudo, deverá, se assim solici-tar o Estado reclamante, manifestar-se, no prazo de até quinze (15) dias após suaconstituição, sobre as medidas provisórias que considere apropriadas, nas condi-ções estipuladas pelo art. 18 do Protocolo de Brasília.

Anexo 111:Protocolo de Las Leiias

PROTOCOLO DE LAS LENAS

(Decreto Executivo n. 2.067, de 19 de abril de 1995)

Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Co-mercial, Trabalhista e Administrativa, concluído pelos Governos da Argentina, doBrasil, do Paraguai e do Uruguai, em Las Lefías, em 27 de junho de 1992.

Os Governos da República Argentina, da República Federativa do Brasil, daRepública do Paraguai e da República Oriental do Uruguai,

Considerando que o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), previsto noTratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991, implica o compromissodos Estados-Partes de harmonizar suas legislações nas matérias pertinentes paraobter o fortalecimento do processo de integração;

Desejosos de promover e intensificar a cooperação jurisdicional em matériacivil, comercial, trabalhista e administrativa, a fim de assim contribuir para o de-senvolvimento de suas relações de integração com base nos princípios do respeitoà soberania nacional e à igualdade de direitos e interesses recíprocos;

Convencidos de que este Protocolo contribuirá para o tratamento eqüitativodos cidadãos e residentes permanentes dos Estados-Partes do Tratado de Assunçãoe lhes facilitará o livre acesso à jurisdição nos referidos Estados para a defesa deseus direitos e interesses;

Conscientes da importância de que se reveste, para o processo de integraçãodos Estados-Partes, a adoção de instrumentos comuns que consolidem a segurançajurídica e tenham como finalidade atingir os objetivos do Tratado de Assunção,

Acordam:

CAPÍTULO I - Cooperação e Assistência Jurisdicional

Artigo I

Os Estados-Partes comprometem-se a prestar assistência mútua e ampla co-operação jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. Aassistência jurisdicional se estenderá aos procedimentos administrativos em quese admitam recursos perante os tribunais.

CAPÍTULO II - Autoridades Centrais

Artigo 2

Para os efeitos do presente Protocolo, cada Estado-Parte indicará uma Au-toridade Central encarregada de receber e dar andamento às petições de assistên-

218 Sérgio Mourão Corrêa Lima

cia jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa. Paratanto, as Autoridades Centrais se comunicarão diretamente entre si, permitindo aintervenção de outras autoridades respectivamente competentes, sempre que sejanecessário.

Os Estados-Partes, ao depositarem os instrumentos de ratificação do pre-sente Protocolo, comunicarão essa providência ao Governo depositário, o qual deladará conhecimento aos demais Estados-Partes.

A Autoridade Central poderá ser substituída em qualquer momento, deven-do o Estado-Parte comunicar o fato, no mais breve prazo possível, ao Governodepositário do presente Protocolo, para que dê conhecimento aos demais Estados-Partes da substituição efetuada.

CAPÍTULO III - Igualdade no Tratamento Processual

Artigo 3

Os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados-Partes gozarão,nas mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado-Parte,do livre acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e interesses.

O parágrafo anterior aplicar-se-á às pessoas jurídicas constituídas, autoriza-das ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados-Partes.

Artigo 4

Nenhuma caução ou depósito, qualquer que seja sua denominação, poderáser imposto em razão da qualidade de cidadão ou residente permanente de outroEstado-Parte.

O parágrafo precedente se aplicará às pessoas jurídicas constituídas, autori-zadas ou registradas conforme as leis de qualquer dos Estados-Partes.

CAPÍTULO IV - Cooperação em Atividades de Simples Trâmite e Probatórias

Artigo 5

Cada Estado-Parte deverá enviar às autoridades jurisdicionais do outro Es-tado, segundo o previsto no art. 2, carta rogatória em matéria civil, comercial,trabalhista ou administrativa, quando tenha por objeto:

a) diligências de simples trâmite, tais como citações, intimações, citaçõescom prazo definido, notificações ou outras semelhantes;

b) recebimento ou obtenção de provas.

Artigo 6

As cartas rogatórias deverão conter:

a) denominação e domicílio do órgão jurisdicional requerente;

b) individualização do expediente, com especificação do objeto e naturezado juízo e do nome e domicílio das partes;

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 219

c) cópia da petição inicial e transcrição da decisão que ordena a expediçãoda carta rogatória;

d) nome e domicílio do procurador da parte solicitante no Estado requerido,se houver;

e) indicação do objeto da carta rogatória, com o nome e o domicílio dodestinatário da medida;

f) informação sobre o prazo de que dispõe a pessoa afetada pela medida paracumpri-la;

g) descrição das formas ou procedimentos especiais com que haverá de cum-prir-se a cooperação solicitada;

h) qualquer outra informação que facilite o cumprimento da carta rogatória.

Artigo 7

No caso de ser solicitado o recebimento de provas, a carta rogatória deverátambém conter:

a) descrição do assunto que facilite a diligência probatória;

b) nome e domicílio de testemunhas ou outras pessoas ou instituições quedevam intervir;

c) texto dos interrogatórios e documentos necessários.

Artigo 8

A carta rogatória deverá ser cumprida de ofício pela autoridade jurisdicio-nal competente do Estado requerido, e somente poderá denegar-se quando a medi-da solicitada, por sua natureza, atente contra os princípios de ordem pública doEstado requerido.

O referido cumprimento não implicará o reconhecimento da jurisdição in-ternacional do juiz do qual emana.

Artigo 9

A autoridade jurisdicional requerida terá competência para conhecer das quesejam suscitadas quando do cumprimento da diligência solicitada.

Caso a autoridade jurisdicional requerida se declare incompetente para pro-ceder à tramitação da carta rogatória, remeterá de ofício os documentos e os ante-cedentes do caso à autoridade jurisdicional competente do seu Estado.

Artigo la

As cartas rogatórias e os documentos que as acompanham deverão redigir-se no idioma da autoridade requerente e serão acompanhadas de uma traduçãopara o idioma da autoridade requerida.

220 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Artigo Ii

A autoridade requerida poderá, atendendo a solicitação da autoridade re-querente, informar o lugar e a data em que a medida solicitada será cumprida, afim de permitir que a autoridade requerente, as partes interessadas ou seus respec-tivos representantes possam comparecer e exercer as faculdades autorizadas pelalegislação da Parte requerida.

A referida comunicação deverá efetuar-se, com a devida antecedência, porintermédio das Autoridades Centrais dos Estados-Partes.

Artigo 12

A autoridade jurisdicional encarregada do cumprimento de uma carta roga-tória aplicará sua lei interna no que se refere aos procedimentos.

Não obstante, a carta rogatória poderá ter, mediante pedido da autoridaderequerente, tramitação especial, admitindo-se o cumprimento de formalidades adi-cionais na diligência da carta rogatória, sempre que isso não seja incompatívelcom a ordem pública do Estado requerido.

O cumprimento da carta rogatória deverá efetuar-se sem demora.

Artigo 13

Ao diligenciar a carta rogatória, a autoridade requerida aplicará os meios pro-cessuais coercitivos previstos na sua legislação interna, nos casos e na medida emque deva fazê-lo para cumprir uma carta precatória das autoridades de seu próprioEstado, ou um pedido apresentado com o mesmo fim por uma parte interessada.

Artigo 14

Os documentos que comprovem o cumprimento da carta rogatória serão trans-mitidos por intermédio das Autoridades Centrais.

Quando a carta rogatória não tiver sido cumprida integralmente ou em parte,este fato e as razões do não-cumprimento deverão ser comunicados de imediato àautoridade requerente, utilizando-se o meio assinalado no parágrafo anterior.

Artigo 15

O cumprimento da carta rogatória não poderá acarretar reembolso de ne-nhum tipo de despesa, exceto quando sejam solicitados meios probatórios que oca-sionem custos especiais, ou sejam designados peritos para intervir na diligência.Em tais casos, deverão ser registrados no texto da carta rogatória os dados da pes-soa que, no Estado requerido, procederá ao pagamento das despesas e honoráriosdevidos.

Artigo 16

Quando os dados relativos ao domicílio do destinatário da ação ou da pes-soa citada forem incompletos ou inexatos, a autoridade requerida deverá esgotar

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 221

todos os meios para atender ao pedido. Para tanto, poderá também solicitar aoEstado requerente os dados complementares que permitam a identificação e a lo-calização da referida pessoa.

Artigo 17

Os trâmites pertinentes para o cumprimento da carta rogatória não exigirãonecessariamente a intervenção da parte solicitante, devendo ser praticados de ofí-cio pela autoridade jurisdicional competente do Estado requerido.

CAPÍTULO V - Reconhecimento e Execução de Sentenças ede Laudos Arbitrais

Artigo 18

As disposições do presente Capítulo serão aplicáveis ao reconhecimento e àexecução das sentenças e dos laudos arbitrais pronunciados nas jurisdições dosEstados-Partes em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, e serãoigualmente aplicáveis às sentenças em matéria de reparação de danos e restituiçãode bens.

Artigo 19

O pedido de reconhecimento e execução de sentenças e de laudos arbitraispor parte das autoridades jurisdicionais será tramitado por via de cartas rogatóriase por intermédio da Autoridade Central.

Artigo 20

As sentenças e os laudos arbitrais a que se refere o artigo anterior terão eficá-cia extraterritorial nos Estados-Partes quando reunirem as seguintes condições:

a) que venham revestidos das formalidades externas necessárias para quesejam considerados autênticos no Estado de origem;

b) que estejam, assim como os documentos anexos necessários, devidamen-te traduzidos para o idioma oficial do Estado em que se solicita seu reconhecimen-to e execução;

c) que emanem de um órgão jurisdicional ou arbitral competente, segundoas normas do Estado requerido sobre jurisdição internacional;

d) que a parte contra a qual se pretende executar a decisão tenha sido devi-damente citada e tenha garantido o exercício de seu direito de defesa;

e) que a decisão tenha força de coisa julgada e/ou executória no Estado emque foi ditada;

f) que claramente não contrariem os princípios de ordem pública do Estadoem que se solicita seu reconhecimento e/ou execução.

Os requisitos das alíneas "a", "c", "d", "e" e "f" devem estar contidos nacópia autêntica da sentença ou do laudo arbitral.

222 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Artigo 21

A parte que, em juízo, invoque uma sentença ou um laudo arbitral de um dosEstados-Partes deverá apresentar cópia autêntica da sentença ou do laudo arbitralcom os requisitos do artigo precedente.

Artigo 22

Quando se tratar de uma sentença ou de um laudo arbitral entre as mesmaspartes, fundamentado nos mesmos fatos, e que tenha o mesmo objeto de outroprocesso judicial ou arbitral no Estado requerido, seu reconhecimento e sua exe-cutoriedade dependerão de que a decisão não seja incompatível com outro pronun-ciamento anterior ou simultâneo proferido no Estado requerido.

Do mesmo modo não se reconhecerá nem se procederá à execução, quando se

houver iniciado um procedimento entre as mesmas partes, fundamentado nos mes-mos fatos e sobre o mesmo objeto, perante qualquer autoridade jurisdicional da Par-te requerida, anteriormente à apresentação da demanda perante a autoridade jurisdi-cional que teria pronunciado a decisão da qual haja solicitação de reconhecimento.

Artigo 23

Se uma sentença ou um laudo arbitral não puder ter eficácia em sua totalida-de, a autoridade jurisdicional competente do Estado requerido poderá admitir suaeficácia parcial mediante pedido da parte interessada.

Artigo 24

Os procedimentos, inclusive a competência dos respectivos órgãos jurisdi-cionais, para fins de reconhecimento e execução das sentenças ou dos laudos arbi-trais, serão regidos pela lei do Estado requerido.

CAPÍTULO VI - Dos Instrumentos Públicos e Outros Documentos

Artigo 25

Os instrumentos públicos emanados de um Estado-Parte terão no outro amesma força probatória que seus próprios instrumentos públicos.

Artigo 26

Os documentos emanados de autoridades jurisdicionais ou outras autorida-des de um dos Estados-Partes, assim como as escrituras públicas e os documentosque certifiquem a validade, a data e veracidade da assinatura ou a conformidadecom o original, e que sejam tramitados por intermédio da Autoridade Central, fi-cam isentos de toda legalização, certificação ou formalidade análoga quando de-vam ser apresentados no território do outro Estado-Parte.

Artigo 27

Cada Estado-Parte remeterá, por intermédio da Autoridade Central, a pedi-do de outro Estado-Parte e para fins exclusivamente públicos, os traslados ou cer-tidões dos assentos dos registros de estado civil, sem nenhum custo.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 223

CAPÍTULO VII - Informação do Direito Estrangeiro

Artigo 28

As Autoridades Centrais dos Estados-Partes fornecer-se-ão mutuamente, atítulo de cooperação judicial, e desde que não se oponham às disposições de suaordem pública, informações em matéria civil, comercial, trabalhista, administrati-va e de direito internacional privado, sem despesa alguma.

Artigo 29

A informação a que se refere o artigo anterior poderá também ser prestadaperante a jurisdição do outro Estado, por meio de documentos fornecidos pelasautoridades diplomáticas ou consulares do Estado-Parte de cujo direito se trata.

Artigo 3D

O Estado que fornecer as informações sobre o sentido do alcance legal deseu direito não será responsável pela opinião emitida, nem estará obrigado a apli-car seu direito, segundo a resposta fornecida.

O Estado que receber as citadas informações não estará obrigado a aplicar,ou fazer aplicar, o direito estrangeiro segundo o conteúdo da resposta recebida.

CAPÍTULO VIII - Consultas e Solução de Controvérsias

Artigo 31

As Autoridades Centrais dos Estados-Partes realizarão consultas nas opor-tunidades que lhes sejam mutuamente convenientes com a finalidade de facilitar aaplicação do presente Protocolo.

Artigo 32

Os Estados-Partes numa controvérsia sobre a interpretação, a aplicação ou onão-cumprimento das disposições deste Protocolo, procurarão resolvê-Ia median-te negociações diplomáticas diretas.

Se, mediante tais negociações, não se chegar a um acordo ou se tal contro-vérsia for solucionada apenas parcialmente, aplicar-se-ão os procedimentos pre-vistos no Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias quando este entrarem vigor e enquanto não for adotado um Sistema Permanente de Solução de Con-trovérsias para o Mercado Comum do Sul.

CAPÍTULO IX - Disposições Finais

Artigo 33

O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, entrará emvigor trinta (30) dias após a data de depósito do segundo instrumento de ratifica-ção, e será aplicado provisoriamente a partir da data de sua assinatura.

224 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Artigo 34A adesão por parte de um Estado ao Tratado de Assunção implicará, "ipso

iure", a adesão ao presente Protocolo.

Artigo 35

o presente Protocolo não restringirá as disposições das convenções que an-teriormente tiverem sido assinadas sobre a mesma matéria entre os Estados-Partes,desde que não o contradigam.

Artigo 36

O Governo da República do Paraguai será o depositário do presente Proto-colo e dos instrumentos de ratificação, e enviará cópias devidamente autenticadasdos mesmos aos Governos dos demais Estados-Partes.

Da mesma maneira, o Governo da República do Paraguai notificará aosGovernos dos outros Estados-Partes a data da entrada em vigor deste Protocolo e adata de depósito dos instrumentos de ratificação.

Anexo IVProtocolo de Ouro Preto

(sobre Medidas Cautelares)

PROTOCOLO DE MEDIDAS CAUTELARES

(Decreto Executivo n. 2.626, de 14 de junho de 1998)

Os Governos da República Argentina, da República Federativa do Brasil, daRepública do Paraguai e da República Oriental do Uruguai, doravante denomina-dos "Estados-Partes";

Considerando que o Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991,estabelece o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações nasáreas pertinentes;

Reafirmando a vontade dos Estados-Partes de acordar soluções jurídicascomuns para o fortalecimento do processo de integração;

Convencidos da importância e da necessidade de oferecer ao setor privadodos Estados-Partes, um quadro de segurança jurídica que garanta soluções justasàs controvérsias privadas e torne viável a cooperação cautelar entre os Estados-Partes do Tratado de Assunção;

Acordam:

OBJETO DO PROTOCOLO

Artigo 1

O presente Protocolo tem por objeto regulamentar entre os Estados-Partesdo Tratado de Assunção, o cumprimento de medidas cautelares destinadas a impe-dir a irreparabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e obrigação de dar,de fazer ou de não fazer.

Artigo 2

A medida cautelar poderá ser solicitada em processos ordinários, de execu-ção, especiais ou extraordinários, de natureza civil, comercial, trabalhista e emprocessos penais, quanto à reparação civil.

Artigo 3

Admitir-se-ão medidas cautelares preparatórias, incidentais de uma ação prin-cipal e as que garantam a execução de uma sentença.

226 Sérgio Mourão Corrêa Lima

ÂMBITO DE APLICAÇÃO

Artigo 4

As autoridades jurisdicionais dos Estados-Partes do Tratado de Assunçãodarão cumprimento às medidas cautelares decretadas por Juízes ou Tribunais deoutros Estados-Partes, competentes na esfera internacional, adotando as providên-cias necessárias, de acordo com a lei do lugar onde estejam situados os bens ouresidam as pessoas objeto da medida.

LEI APLICÁVEL

Artigo 5

A admissibilidade da medida cautelar será regulada pelas leis e julgada pe-los Juízes ou Tribunais do Estado requerente.

Artigo 6

A execução da medida cautelar e sua contracautela ou respectiva garan-tia, serão processadas pelos Juízes ou Tribunais do Estado requerido, segundosuas leis.

Artigo 7

Serão também regidas pelas leis e julgadas pelos Juízes ou Tribunais doEstado requerido:

a) as modificações que no curso do processo, se justificarem para seu corre-to cumprimento e, se for o caso, sua redução ou sua substituição;

b) as sanções em decorrência da litigância de má-fé;

c) as questões relativas a domínio e demais direitos reais.

Artigo 8

O Juiz ou Tribunal do Estado requerido poderá recusar cumprimento ou, sefor o caso, determinar o levantamento da medida, quando verificada sua absolutaimprocedência, nos termos deste Protocolo.

OPOSiÇÃO

Artigo 9

O presumido devedor da obrigação ou terceiros interessados que se conside-ram prejudicados, poderão opor-se à medida perante a autoridade judicial requeri-da. Sem prejuízo da manutenção da medida cautelar, dita autoridade restituirá oprocedimento ao Juiz ou Tribunal de origem, para que decida sobre a oposiçãosegundo suas leis, com exceção do disposto na alínea c do artigo 7.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 227

AUTONOMIA DA COOPERAÇÃO CAUTELAR

Artigo lO

O cumprimento de uma medida cautelar pela autoridade jurisdicional reque-rida não implica o compromisso de reconhecimento ou execução da sentença defi-nitiva estrangeira proferida no processo principal.

COOPERAÇÃO CAUTELAR NA EXECUÇÃO DA SENTENÇA

Artigo II

O Juiz ou Tribunal, a quem for solicitado o cumprimento de uma sentençaestrangeira, poderá determinar as medidas cautelares garantidoras da execução, deconformidade com as suas leis.

MEDIDAS CAUTELARES EM MATÉRIA DE MENORES

Artigo 12

Quando a medida cautelar se referir à custódia de menores, o Juiz ou Tribu-nal do Estado requerido poderá limitar o alcance da medida exclusivamente ao seuterritório, a espera da decisão do Juiz ou Tribunal do processo principal.

INTERPOSIÇÃO DA DEMANDA NO PROCESSO PRINCIPAL

Artigo 13

A interposição da demanda no processo principal, fora do prazo previsto nalegislação do Estado requerente, produzirá a plena ineficácia da medida cautelarpreparatória concedida.

OBRIGAÇÃO DE INFORMAR

Artigo 14

O Juiz ou Tribunal do Estado requerente comunicará ao Estado requerido:

a) ao transmitir a rogatória, o prazo - contado a partir da efetivação da me-dida cautelar - dentro do qual o pedido da ação principal deverá ser apresentadoou interposto;

b) o mais breve possível, a data da apresentação, ou a não apresentação dademanda no processo principal.

Artigo 15

O Juiz ou Tribunal do Estado requerido comunicará, imediatamente, ao Es-tado requerente, a data em que foi dado cumprimento à medida cautelar solicitada,ou as razões pelas quais deixou de ser cumprida.

228 Sérgio Mourão Corrêa Lima

COOPERAÇÃO INTERNA

Artigo 16

Se a autoridade jurisdicional requerida se julgar incompetente para proce-der o trâmite da carta rogatória, transmitirá de ofício os documentos e anteceden-tes do caso à autoridade jurisdicional competente do seu Estado.

ORDEM PÚBLICA

Artigo 17

A autoridade jurisdicional do Estado requerido poderá recusar o cumpri-mento de uma carta rogatória referente a medidas cautelares, quando estas sejammanifestamente contrárias a sua ordem pública.

MEIO EMPREGADO PARA A FORMULAÇÃO DO PEDIDO

Artigo 18

A solicitação de medidas cautelares será formulada através de "exhortos"oucartas rogatórias, termos equivalentes para os fins do presente Protocolo.

TRANSMISSÃO DE DILIGENCIAMENTO

Artigo 19

A carta rogatória relativa ao cumprimento de uma medida cautelar será trans-mitida pela via diplomática ou consular, por intermédio da respectiva AutoridadeCentral das partes interessadas.

Quando a transmissão seja efetuada pela via diplomática ou consular, ou porintermédio das autoridades centrais, não exigirá o requisito da legalização.

Quando a carta rogatória for encaminhada por intermédio da parte interes-sada, deverá ser legalizada perante os agentes diplomáticos ou consulares do Esta-do requerido, salvo se, entre os Estados requerente e requerido, haja sido, suprimi-do o requisito da legalização ou substituido por outra formalidade.

Os Juízes ou Tribunais das zonas fronteiriças dos Estados-Partes poderãotransmitir-se, de forma direta, ou "exhortos" ou cartas rogatórias previstos nesteProtocolo, sem necessidade de legalização.

Não será aplicado no cumprimento das medidas cautelares o procedimentohomologatório das sentenças estrangeiras.

AUTORIDADE CENTRAL

Artigo 20

Cada Estado-Parte designará uma Autoridade Central encarregada de rece-ber e transmitir as solicitações de cooperação cautelar.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 229

DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES

Artigo 21

As cartas rogatórias conterão:

a) a identificação e o domicílio do Juiz ou Tribunal que determinou a ordem;

b) cópia autenticada da petição da medida cautelar, e da demanda principal,se houver;

c) documentação que fundamentem a petição;

d) ordem fundamentada que determine a medida cautelar;

e) informação acerca das normas que estabeleçam algum procedimento es-pecial que autoridade jurisdicional requeira ou solicite que se observe; e

f) indicação da pessoa que no Estado requerido deverá arcar com os gastose custas judiciais devidas, salvos as exceções previstas no artigo 25. Será facul-tativo à autoridade do Estado requerido dar tramitação à carta rogatória que ca-reça de indicação acerca da pessoa que deva atender às despesas e custas, quan-do ocorrerem.

As cartas rogatórias e os documentos que as acompanham deverão estar re-vestidos das formalidades externas necessárias para serem considerados autênti-cos no Estado de onde procedam.

A medida cautelar será cumprida, a não ser que lhe faltem requisitos, docu-mentos ou informações consideradas fundamentais, que tornem inadmissível suaprocedência. Nesta hipótese, o Juiz ou Tribunal requerido comunicar-se-á imedia-tamente com o requerente, para que, com urgência, sejam sanados os referidosdefeitos.

Artigo 22

Quando as circunstâncias do caso o justifiquem, de acordo com a aprecia-ção do Juiz ou Tribunal requerente, a rogatória informará acerca da existência e dodomicílio das defensorias de ofício competentes.

TRADUÇÃO

Artigo 23

As cartas rogatórias e os documentos que as acompanham deverão ser redi-gidos no idioma do Estado requerente e serão acompanhados de uma tradução noidioma do Estado requerido.

CUSTAS E DESPESAS

Artigo 24

As custas judiciais e demais despesas serão responsabilidade da partesolicitante da medida cautelar.

230 Sérgio Mourão Corrêa Lima

Artigo 25

Ficam executadas das obrigações estabelecidas no artigo anterior, as medi-das cautelares requeridas em matéria de alimentos provisionais, localização e res-tituição de menores, e aquelas que solicitem as pessoas que, no Estado requerente,tenham obtido o benefício das justiça gratuita.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Artigo 26

Este protocolo não restringirá a aplicação de disposições mais favoráveispara a cooperação contidas em outras Convenções sobre medidas cautelares queestejam em vigor com caráter bilateral ou multilateral entre os Estados-Partes.

Artigo 27

As controvérsias que surgirem entre os Estados-partes em decorrência daaplicação, interpretação ou descumprimento das disposições contidas no presenteProtocolo serão resolvidas mediante as negociações diplomáticas diretas. Se, me-diante tais negociações, não se alcançar acordo ou se a controvérsia só for solucio-nada parcialmente, aplicar-se-ão os procedimentos previstos no Sistema de Solu-ções de Controvérsias vigente entre os Estados-Partes do Tratado de Assunção.

Artigo 28

Os Estados-Partes ao depositar o instrumento de ratificação ao presente Pro-tocolo comunicarão a designação da Autoridade Central ao Governo depositário, oqual será de conhecimento aos demais Estados-Partes.

Artigo 29

O presente Protocolo, parte integrante do Tratado de Assunção, será subme-tido aos procedimentos constitucionais de aprovação de cada Estado-Parte e entra-rá em vigor trinta (30) dias depois do depósito do segundo instrumento de ratifica-ção, com relação aos dois primeiros Estados-Partes que o ratifiquem.

Para os demais signatários, entrará em vigor no trigésimo dia posterior aodepósito do respectivo instrumento de ratificação.

Artigo 30

A adesão por parte de um Estado ao Tratado de Assunção implicará de plenodireito a adesão ao presente Protocolo.

Artigo 31

O Governo da República do Paraguai será depositário do presente Protocoloe dos instrumentos de ratificação e enviará cópias devidamente autenticadas dosmesmos aos Governos dos demais Estados-Partes.

Tratados Internacionais no Brasil e Integração 231

Outrossim, o Governo da República do Paraguai notificará aos Governosdos demais Estados-Partes da data de entrada em vigor do presente Protocolo e adata do depósito dos instrumentos de ratificação.

Feito na cidade de Ouro Preto, em 16 de dezembro de mil novecentos enoventa e quatro, em um original, nos idiomas português e espanhol, sendo ambosos textos igualmente autênticos.