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18 Número 15, Dez’2011 Tratamento não operatório da epicondilite lateral do úmero Dr. Luiz Augusto P. Tavares CRM-MT: 5.252 Ortopedista. Membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Especialista em Cirurgia de Ombro e Cotovelo. O termo cotovelo de tenista é po- pularmente designado para determi- nar a dor na região lateral do cotovelo. No final do século XIX, Runge 1 e Major 2 associaram o esporte aos sintomas do cotovelo, nomeada lawn tennis arm e, mais recentemente, chamada de epicondilite ou tendinite. Nos últimos dez anos, muito se aprendeu sobre essa patologia. A ausência de células inflamatórias nos tecidos e o achado de hiperplasia vascular e de fibroblastos distorcidos com alteração do colágeno levaram al- guns autores a descreverem-na como uma tendinose angiofibroblástica. 3 Ela afeta de 1% a 3% da popula- ção mundial, geralmente adultos na quarta ou quinta década de vida, sem predileção por sexo, sendo mais comum no membro dominante. 4,5 Não está restrita ao tênis ou a outros esportes de raquete, e sua incidência é variável em outros esportes e ocupa- ções que requerem movimentos repe- titivos do antebraço e do punho. A alteração degenerativa primária ocorre no tendão do músculo exten- sor radial curto do carpo, e em 50% dos casos está associada ao tendão do extensor comum dos dedos. A tendi- nose ocorre nas fibras mais superiores e profundas dos tendões. 6 A origem da dor na epicondilite lateral é multifato- rial. Os sintomas podem ter origem in- tra ou extra-articular. 7 Inicialmente, a hipótese levantada foi a de anóxia regional dos tendões, com produção de substâncias nocivas. Terminações nervosas livres no teci- do de granulação foram identificadas utilizando imunoistoquímica. Análise bioquímica demonstrou que há re- ceptores neuroquinina-1 e substância P na origem dos extensores. 8,9 A queixa mais comum é a dificuldade para se- gurar objetos. A dor varia entre leve e moderada. Há períodos de exacerba- ção por movimentos de extensão ati- va do punho ou de flexão passiva. Sintomas como dor noturna e im- possibilidade de exercer atividades simples podem estar relacionados a casos mais graves, nos quais pode ha- ver lesão parcial ou total do tendão. Uma avaliação do paciente com suspeita de epicondilite inclui exame de coluna cervical, ombro, cotovelo e punho. O ponto mais doloroso está localizado a 5 mm distal e anterior ao Dr. Cássio Mauricio Telles CRM-MT: 3.182 Ortopedista. Membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC). Coordenador do Grupo de Cirurgia de Ombro e Cotovelo da Clinica Genus, Cuiabá (MT).

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18 Número 15, Dez’2011

Tratamento não operatório

da epicondilite lateral do úmero

Dr. Luiz Augusto P. Tavares CRM-MT: 5.252Ortopedista.Membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).Especialista em Cirurgia de Ombro e Cotovelo.

O termo cotovelo de tenista é po-pularmente designado para determi-nar a dor na região lateral do cotovelo.No final do século XIX, Runge1 e Major2 associaram o esporte aos sintomas do cotovelo, nomeada lawn tennis arm e, mais recentemente, chamada de epicondilite ou tendinite. Nos últimos dez anos, muito se aprendeu sobre essa patologia.

A ausência de células inflamatórias nos tecidos e o achado de hiperplasia vascular e de fibroblastos distorcidos com alteração do colágeno levaram al-guns autores a descreverem-na como uma tendinose angiofibroblástica.3

Ela afeta de 1% a 3% da popula-ção mundial, geralmente adultos na quarta ou quinta década de vida, sem predileção por sexo, sendo mais comum no membro dominante.4,5

Não está restrita ao tênis ou a outros esportes de raquete, e sua incidência é variável em outros esportes e ocupa-ções que requerem movimentos repe-titivos do antebraço e do punho.

A alteração degenerativa primária ocorre no tendão do músculo exten-sor radial curto do carpo, e em 50% dos casos está associada ao tendão do

extensor comum dos dedos. A tendi-nose ocorre nas fibras mais superiores e profundas dos tendões.6 A origem da dor na epicondilite lateral é multifato-rial. Os sintomas podem ter origem in-tra ou extra-articular.7

Inicialmente, a hipótese levantada foi a de anóxia regional dos tendões, com produção de substâncias nocivas. Terminações nervosas livres no teci-do de granulação foram identificadas utilizando imunoistoquímica. Análise bioquímica demonstrou que há re-ceptores neuroquinina-1 e substância P na origem dos extensores.8,9 A queixa mais comum é a dificuldade para se-gurar objetos. A dor varia entre leve e moderada. Há períodos de exacerba-ção por movimentos de extensão ati-va do punho ou de flexão passiva.

Sintomas como dor noturna e im-possibilidade de exercer atividades simples podem estar relacionados a casos mais graves, nos quais pode ha-ver lesão parcial ou total do tendão.

Uma avaliação do paciente com suspeita de epicondilite inclui exame de coluna cervical, ombro, cotovelo e punho. O ponto mais doloroso está localizado a 5 mm distal e anterior ao

Dr. Cássio Mauricio Telles CRM-MT: 3.182Ortopedista.Membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT).Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC).Coordenador do Grupo de Cirurgia de Ombro e Cotovelo da Clinica Genus, Cuiabá (MT).

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Especial

epicôndilo lateral, raramente acompanhado de ede-ma, hiperemia ou calor. Os testes provocativos con-sistem em realizar uma extensão ativa do punho e dos dedos sobre resistência.

O diagnóstico diferencial principal e com a com-pressão do nervo interósseo posterior, lesão condral do capítulo e plica posterolateral.10 A radiografia sim-ples do cotovelo é importante para avaliar alteração articular e calcificação próxima ao epicôndilo lateral.

Segundo Nirschl,11 20% dos pacientes com cal-cificação necessitam de procedimento cirúrgico. A ressonância magnética pode ser solicitada nos casos em que há associação de lesão ligamentar ou lesão dos tendões extensores. Cerca de 80% dos pacientes informam melhora dos sintomas em um ano.12

Os objetivos do tratamento não operatório são re-duzir a dor, encurtar o período da patologia e evitar recidivas. A falha deste tratamento acarreta um pro-cedimento cirúrgico, reservado para 4% a 11% dos pacientes.13,14

O diabetes tem efeito negativo no resultado cirúrgico.15 O tratamento não operatório proposto tem como pilar central o controle da dor, seguindo a escada proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (figura 1). Com o controle da dor, dá-se início a exercícios isométricos domiciliares de fortalecimento do membro superior. O uso de órteses é recomenda-do, porém não há consenso na literatura.16,17

A epicondilite lateral é caracterizada por não ter um componente inflamatório. A melhora dos sinto-mas com anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) pode estar relacionada ao efeito analgésico central destes ou ao efeito nos tecidos vizinhos.

Labelle e Guibert,18 em um estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado e com 129 pacientes, não aconselham o uso de AINES por não haver melhora dos sintomas e por ter sido observada intolerância gastroin-testinal quando do uso dessas drogas por um período prolongado.

Outro estudo randomizado, um curso de duas se-manas de AINES versus placebo, não mostrou bene-fício no tratamento com quatro semanas, seis meses e 12 meses.19

O único estudo que comparou diferentes AINES orais não indicou diferenças nos grupos de tratamen-to.20 A injeção de esteroides mostrou-se mais eficaz que o uso de AINES orais em diversos estudos, apesar de o resultado final ter sido semelhante em 12 meses.21

O uso de injeções deve ser evitado como primeiro tratamento por ser um procedimento invasivo com risco de atrofia de tecido celular subcutâneo e hipo-pigmentação local da pele. O controle eficaz da dor moderada, segundo a OMS, deve ser realizado com o uso de opioides fracos associados a analgésicos e adjuvantes.22,23

A analgesia combinada com múltiplos mecanis-mos de ação tem sido recomendada por diversas organizações e sociedades médicas com o objetivo de aumentar o efeito analgésico, reduzir os efeitos colaterais dose-dependentes e promover maior ade-rência ao tratamento.

O analgésico opioide de ação central Tramadol as-sociado ao analgésico não opioide Paracetamol pos-sui uma farmacocinética complementar em relação a absorção, distribuição e meia-vida de eliminação.24 O alívio da dor com essa combinação mostrou-se mais eficaz do que na monoterapia com Tramadol. A com-binação de 37,5 mg de Tramadol e 325 mg de Paraceta-mol é eficaz no alívio da dor aguda, com duração de até oito horas e rápido início de ação.25

No que tange às reações adversas ao uso do tra-madol mais paracetamol, cerca de 6% apresentam constipação, que pode ser evitada com uma maior ingestão de fibras durante o seu uso. Eventos gas-trointestinais são incomuns, e 3% apresentam náu-seas e diarreia.

Outros eventos gástricos, como dispepsia e he-morragia digestiva, não foram observados. Os pa-cientes apresentam melhor controle da dor para a re-alização dos exercícios domiciliares, o que, segundo alguns trabalhos, pode reduzir o tempo dos sintomas e evitar recidivas.26,27

O tratamento cirúrgico é indicado para os casos em que não há controle eficiente da dor após seis a 12 meses de tratamento.6

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ATUALIZADOR: A ausência de células infl amatórias nos tecidos

e o achado de hiperplasia vascular e de fi bro-blastos distorcidos com alteração do colágeno levaram alguns autores a descreverem-na como uma tendinose angiofi broblástica. Ela afeta de 1% a 3% da população mundial, geralmente adultos na quarta ou quinta década de vida, sem predileção por sexo, sendo mais comum no membro dominante.

Sintomas como dor noturna e impossibilidade de exercer atividades simples podem estar re-lacionados a casos mais graves, nos quais pode haver lesão parcial ou total do tendão.

20% dos pacientes com calcifi cação necessitam de procedimento cirúrgico. A ressonância mag-nética pode ser solicitada nos casos em que há associação de lesão ligamentar ou lesão dos tendões extensores. Cerca de 80% dos pacientes informam melhora dos sintomas em um ano.

Os objetivos do tratamento não operatório são reduzir a dor, encurtar o período da patologia e evitar recidivas. A falha deste tratamento acarreta um procedimento cirúrgico, reservado para 4% a 11% dos pacientes.

O analgésico opioide de ação central Tramadol associado ao analgésico não opioide Paraceta-mol possui uma farmacocinética complementar em relação a absorção, distribuição e meia--vida de eliminação.24 O alívio da dor com essa combinação mostrou-se mais efi caz do que na monoterapia com Tramadol.

O tratamento cirúrgico e indicado para os casos em que não há controle efi ciente da dor após seis a 12 meses de tratamento.

Figura 1.

ParacetamolAINEs ± drogas adjuvantes*

Opioides fracos (codeína, propoxifeno, tramadol)Paracetamol = AINEs* ± drogas adjuvantes

Opioides fortes (fentanil, morfi na, buprenorfi na, diamorfi na, hidromorfona, meladona nalbufi na, peditina) paracetamol + aines* ± drogas adjuvantes

Dor leve

Dor Moderada

Dor Severa

Escada analgésica da O.M.S.(Organização Mundial da Saúde)

I

II

III

*Naproxeno, Diclofenaco, Ácido Acetilsalicílico, Dipirona, Celecoxibe

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Especial

Dor Severa

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