Traveti,prostituiçao,sexo e gênero cultural no Brasil0003

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umar i a

Apresentacao a edicao brasileira 9

Agradecimentos 11

Nota sobre as transcricoes 15

lntroducao 17

1 A Vida das Travestis em Contexto 37

2 Virando Travesti 63

3 Um Homem na Casa 113

4 0 Prazer da Prostltulcao 149

5 Travesti, Genero, Subjetividade 203

Notas 249

Heferencias 271

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A p r :entacao a edlcao brasileira

Estou muito feliz e honrado em ver que minha etnografia sobre as

ravestis de Salvador foi traduzida para 0portugues. 0 livro foi publicado

orlglnalmente em ingles ha dez anos e baseia se em pesquisas de campo

rcalizadas em 1996 e 1997. Lendo-o hoje, e importante levar em conta

(lJe a etnografia converte-se muito rapidamente emhist6ria, e compreender

(IUe tanto 0contexto quanto alguns detalhes davida das travestis (como,

d resto, da vida de qualquer urn) nao sao mais exatamente os mesmos de

dez anos atras. 0 clima politico no Brasil mudou para melhor na decada

passada, e a opressao das travestis pelo Estado diminuiu significativamente,

que nao quer dizer, infelizmente, que a violencia contra elas por parte

de policiais ou de outras pessoas intolerantes tenha terminado. Houve

norme melhoria no atendimento medico a travestis portadoras do HIV

desde meados dos anos 1990. A emigracao de travestis para a Europa

xpandiu-se com vigor. E0ativismo politico floresceu. Na epoca de minha

pesquisa, havia alguns poucos grupos ativistas nas grandes cidades como

Rio de Janeiro e Sao Paulo, mas 0 ativismo politico travesti era ainda

embrionario no restante do pais. Hoje existem mais de cinqiienta grupos

de ativistas espalhados em diversas cidades. Minha professora e

colaboradora Keila Simpson tornou-se presidente de muitos deles,

incluindo se a Antra - Articulacao Nacional de Travestis, Transexuais e

Transgeneros (www.antrabrasi1.com). Esses grupos tern feito urn trabalho

polftico importante, cujo efeito nao se limita ao empoderamento e a maioraceitacao social das travestis, 0ativismo travesti vern alargando as fronteiras

e a qualidade da cidadania no Brasil de maneira mais ampla.

Considerando que a vida das travestis no Brasil tornou-se mais

politizada na ultima decada, alguns temas por mim tratados no livro - por

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UO 'olllw · 1 1 III IJ U U fnto J qu m ult, ,

III v II1-,' XO 11 (j d I a r l m d f a z · 1 0 r n s rno s .

. m d arrnnjar O\.ltI'OS mpr' go - pod m ho] soar

pplll ' 1111 IH' probl 'mati os pa r rnulta gcnte, rno fossem dirnensoes

II K j1 r l n cln tra ves tt qu seria m lh or d eix ar in ex plo ra da s ou mesmo

II H II', ) mont t odo 0 perfodo de pesquisa, eu expliquei a s t ravest is que

III II l lvro 11.0 S r ia u m a h ag io gr afia . A fir mei que n a o as descrever ia como

. '" In h IS , s lm p le sm e nt e p or qu e, como todo rnundo, elas n a o sao santinhas

I III III dl so, as pessoas nao iriam acreditar se eu tentasse convence las

1 0 '(Iller rio, Todas as travestis com quem conversei sobre 0 assunto

, l' I n v ,. I1 1 8 T a < ; a e aceitavam prontamente 0 argumento. Elas concordavam

1 '1 11 11 1 0 { Il l uma descricao honesta da complexidade de suas vidas seria

I Il1l to I i in teres sa nte - alem de ter urn valor mais duradouro - do que

'''II " loto m:quiado e unidimensional. Foi 0 i nte resse de , nesse projeto,

t I ' l lilt n e e r t~ pros e os <;ontras que levou Banana, Pas tinha, Mabel , P iupiu,

I I I, II co da s a s ou tras t ravest is com quem convivi a dividirem comigo

I 1 1 1 1 I I II It o generosa suas historias de vida. Espero que os leitores

.o nh eel' ao mesmo tempo 0 espfrito de colaboracao e 0

01 que norteou este livro.

l neerpre tacoes da subjet ividade travesti e das nocoes e prat icas

II! I'll " s xualidade no Brasil, que 0 leitor encontrara nas paginas

IIlllt· , ._0 reconhecida e francamente polemicas. Nao esc revi est e

IVIII P 11 ' t r a palavra final sobre 0 terna, mas para inspirar discussoes e

I IIIVI) r d bates. Agora que 0 livro esta disponfvel em portugues, tenho

I pt I , < , n c ; n de qu.e esses debates possam se expandir a ponto de induir as

I I I do travestis, alern de estudantes, jornalistas, polfricos e todas

, P' as interessadas que ainda nao haviam tido a oportunidade de

Iunh r 0 trabalho. Acima de tudo, espero que a publicacao brasileira

I Tr i v es t! sirva de inspiracao para renovar 0 interesse no tema, gerar

IIIn onda de novas pesquisas sobre as travesti s e revigora r 0 debate sobre

11 ro, sexualidade. polftica, violencia e cidadania no Brasil e alhures,

Estocolorno, abril de 2008

Agradec lmentos

o financiamento para a pesquisa de campo que deu origem a este

livro foi generosamente cedido pelo Conselho Sueco para a Pesquisa em

Ciencias Humanas e Sociais (HSFR) e pela Fundacao Wenner-Gren para

a Pesquisa Antropologica.

Sou muito grato a algumas pessoas que fizeram 0 grande favor de

dedicar seu tempo a leitura de uma versao anterior do manuscrito. Sao

elas. Ines Alfano, Anne Allison, Roger Andersen, Barbara Browning,

Marcelo Fiorini, Sarah Franklin, Marjorie Harness Goodwin, Peter Gow,

Cecil ia McCallum, Stephen O. Murray, Christine Nuttall, joceval Santana,

Bambi Schieffel in , Michael Silverstein, Christina Toren e Margaret

Willson. Os divers os cornentarios, correcoes, crfticas e sugestoes feitos

por eles foram inest imaveis.

Deixo registrado meu reconhecimento e meu muito obrigado a

Doug Mitchell, da University of Chicago Press, pelo solido apoio e pelo

incentivo desde 0momenta em que the entreguei 0manuscrito. Gostaria

de agradecer ainda a Matt Howard pelos prestimos na editora, e a Nancy

Trotic pelo excelente trabalho de copidescagem.

Jonas Schild Tillberg, meu namorado, quase nunca Ie as coisas queeu escrevo, mas, de todo modo, merece rnencao especial simplesmente

porque ele e "meu coracao", Sem ele nada disso teria a men or gra<;a.

A troca de correspondencia e as discussoes que mantive com Annick

Prieur sobre seu trabalho com os transgeneros da Cidade do Mexico foram

(e continuam sendo) inspiradoras, tendo servido para refinar minhas

reflexoes, Na Escandinavia , duas pessoas merecern todo 0reconhecimento:

Kent Hallberg e Anita Johansson, da Associacao Sueca para a Educacao

Sexual (RFSU). Anita e Kent forneceram, sem custo, cerca de dez mil

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II

o~t 1 1 1 1 1 c it 01 " I r til

N o n , ' s ll , ' (J I1C l' a fU l na dfvidu " 'I1~Jrm 'om Ltdz Mott , qu rn gulou

1I0 III hi n o t hom oss exua l d a alvador i t e v c n S n ti l 'z a d e 111 f m n q u ill'

I I; so 8 mulras alxas aba r r o t a da s de recorr s de jo rna l que 0 rupo

; d B nhlo ( B ) armazena desde 0 infclo do s anos 80. Na minha

C . d la , N i lto n Dias er a 0 coordenador do G B qu e trabalhava

om travestis. Por interrnedio dele pude estabelecer contato

l r npson , que veio a ser fundamental, e com algumas outras

II 'IV' ti s flU se tornararn minhas colaboradoras pr6ximas. 0 fato de terem,

I nto Kilo quanto as outras, respondido tao pronta e gentilrnente as

It 11 \ Iu d I d n minha pesquisa e urn reflexo direto da verdadeira estima que

111 1I11 rer POl' Nilton. Todos os outros coordenadores do GGB, em

II" I 1 II , J' M I' ,I Cerqueira, jane Pantel e Zora Yonara, tarnbern foram

1 11 11 'O tt.! I. 1$ prestimosos.

1 ( 1 ( ' V 1 Santana· deu continua assistencia e me ajudou a resolver

II 111111 till' 'S prat icas quando cheguei a Salvador pela prime ira vez.

Nil po' 1 II precisava de todo tipo de rndicacao, ate mesmo para me

IlIlIvhll'lIl " pela cidade Tarnbern agradeco a Ioceval por muito ter

II llnulo mlnha cornpreensao do cenario homossexual de Salvador e do

111I II oumo urn todo. Durante minha estadia, Cecilia McCallum e0marido

J ld J 01 1 'f ixeira receberam-me com hospitalidade e generosidade

Ill' dig-a, Sua casa foi sernpre urn ambiente acolhedor, sobretudo nos

III00 H'I1·C S em que eu sentia a necessidade de fazer uma pequena pausa no

u',h ilho de campo. Alern disso, os almocos 'acadernicos' com Cecilia,

IIU 0 rrlam pelo menos uma vez por mes em bons restaurantes com ar-

f dl'iH r rado, serviam de contexto para que eu tivesse livre acesso ao seu

vasto nhecimento antropologico sobre 0Brasil e sobre Salvador. Esses

Il1lo~ eram como uma lufada fresca e deliciosa de prosa e fofocannLt'opoI6gica.

lnes Alfano tambern deu importante contribuicao a pesquisa. Foi

vln quem executou a tarefa , bastante laboriosa por sinal, de transcrever a

1\1 loria das entrevistas que fiz. As longas conversas que mantivemos

II' 'I' ito das transcricoes garantiram otimos insights sobre as concepcoes

I ' g nero e as implicacoes mais amplas do modo de agir e pensar das

I' V tis - que, de outro modo, talvez eu tivesse deixado escapar.

IKualrnente, ter mantido urn dialogo com a psicologa Marta Alfano, irma

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.Ii III IIII hlllW I t nu I"l iJII'lIl'olld If olltbnl'ln tj nt ndlm nto sobr

V II d I II' 'V I L I ,

N J po '0 d ) ( d f c Z I' uma en '11 0 esp cial a Margaret Willson,

III III ,. t nho umn his to ric de amlzade e colaboracao iniciada ha

nus , 1I. longtnqua Papua-Nova Cuine, e que continua sendo uma

f , mt lmprcs lndfvel de insp iracao e forca. 0 impulso inicial para realizar

u tln lta p cs qu ls a c om tr av es tis surgiu de uma visi ta turfst ica a urn local de

, 'llvndor onde Margaret desenvolvia se u proprio trabalho de campo.

Illfliz lT Icn tc, n os so s respectivos perfodos de campo na o foram

11 n o r nl ta n te s, senao algumas poucas vezes. No entanto, quando Margaret

e a v a malvador, sua presenca criava, como de habito, uma especie de

I ( re o seguro onde eu podia me refugiar, relaxar urn pouco, beber bastante

I n ar em voz alta sobre as coisas que eu vinha aprendendo com as

t" vcst is . Por ser tambern antropologa e por conhecer bern Salvador, ta l

rno Cecilia McCallum, Margaret foi de irnportancia fundamental quando

u precisava avaliar se minhas ideias e reflex6es eram razoaveis, ou se, ao

ont r a r to , eu nao estava entendendo coisa alguma.

Obviamente, as pessoas sem as quais este trabalho jamais ter ia sido

reallzado sao as travestis, com quem convivi e trabalhei em Salvador.

uero expressar minha gratidao a todas que se permitiram entrevistarf rmalmente. Adriana, Angelica, Babalu, Banana, Carlinhos, a "finada"

Intia , Elisabeth, Lia Hollywood, a "f inada" Luciana, Mabel, Magdala,

Martinha, Pastinha, e a "Iinada" Tina. Agradeco tambem a Edflson, 0 iinico

n rnorado de travesti que cheguei a conhecer razoavelmente bern, e que

deixou entrevistar, mesmo passando por problemas pessoais diffceis.

ostaria de destacar que Adriana, Banana, Chica, a "fmada" Cfntia, Roberta,

Rosana, a "finada" Tina e Val, alern de me darem seu testemunho

Informacoes, insights e me colocarem a par das fofocas, brindaram-rne

om verdadeira amizade e afeicao.

Por firn, desejo agradecer a pessoa mais importante por tras deste

l ivro, a unica sem a qual de nunca teria sido escrito, minha parceira detrabalho, professora e amiga. travesti Keila Simpson. jamais conheci uma

pessoa que pudesse analisar com tanta precisao, e sem perder a sanidade,

OS contextos e condicoes de sua propria vida. Keila abrigou-me sob suas

asas largas, ensinou-me portugues, integrou-me nas redes de relacoes e

ajudou-rne a enxergar e entender 0 valor da vida das travestis que eu

procuro apresentar neste livro. De fato, me e impossfvel expressar

plenamente toda a gratidao que sinto por Keila. Este livro e 0 que posso

the oferecer , na esperanca de que ela goste de encontrar nestas paginas os

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obr 8S t ranscr lcoes

As seguintes convencoes foram utilizadas nas transcricoes que

'P re em ao longo do livro.

fala atropelada (ou simultanea)

/ interrupcao (no caso de dois falantes, indica que urn deles

l'ui lnterrompido pelo outro, em outros enunciados, indica auto-

lnterrupcao)

indica pausa breve (quando aparece no meio de urn

nunciado) ou urn som alongado (quando aparece no final)

[ ] cornentarios explicativos do autor, notas contextuais e

90es nao verbais

trechos nao audfveis na fita

trechos suprimidos na transcricao

No ta d o tr ad u to r

Uma vez que a Ifngua portuguesa nao admite a forma neutra de

genero como a lingua inglesa, foi preciso escolher entre 0uso do masculino

u do feminino para travesti. Com 0 aval do autor, optei por utilizar 0

"~nero feminino, que vern se tornando de emprego mais amplo no Brasil

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In t roduQ80

Ao passa r pelo quarto de Banana, voltando do banheiro coletivo

1111 f u n d s da casal detive-me por urn instante, pois parecia haver uma

If Iilt d d anormal de fumaca saindo 101e dentro. Enfiet a cara pelo vao

" I po t , querendo saber que fumaca era aquela , e a primeira coisa que vi

III proprta Banana - uma transgenero, ou travesti, prosti tuta , de tr inta e

I'IIm:os anos - em pel nua, diante de urn pequeno espelho preso na parede

11111' (UTI prego. Ela tinha acabado de tomar 0banho da tarde e passavaIllIdl ionador Neutrox nos cabelos ainda molhados. "Venha, Don", ela

Ihumou, ao me ver na porta espiando. "Venha sentar aqui". Fez urn gesto

1 1 1 1 l ire<;ao do colchonete no chao, encostado em urn canto do c6modo.

Entrei e caminhei ate 0colchao, fel iz por arranjar uma desculpa e

I..0 eer que voltar ao quarto onde eu estivera por mais de uma hora,

,·tHndo em companhia de outras travestis, assistindo a uma novela

IllNlJportavelmente chata na TV. Quando passei por tras de Banana, percebi

till a tal fumaca exalava de dois pequenos cones de incenso pousados

nl r uma prateleira , a (mica do quarto. "Chama-fregues" era 0 nome do

III nso, informou Banana antes que eu perguntasse. 0 aroma era agradavel,

Minha presenca no aposento desencadeou automaticamente 0

H '. to de hospita lidade obrigat6rio de todas as travestis quando recebem

V st ta - Banana est icou 0 braco para ligar a diminuta televisao de seis

polegadas em preto e branco. Protestei , deixando claro que eu realmente

III desejava ver televisao. Mas meu protesto teve como resultado urn

pr visfvel motejo de incredulidade da parte dela. E num rapido giro de

pulse, 0 ambiente foi invadido pelos gritos e prantos melodramaticos e

crescendos cada vez mais al tos da mesma novela mediocre da qual pensei

uc r me livrado. Vencido, sentei-me no colchonete, recostei na parede

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e fiz 0 possfve l para i gnorar a televi ,0. Pre fe r i admire I' U . nz n<:l 11 ILlunCo

se arrumava. Ainda nao erarn quatro da tarde, mas ela ja s al r ntavz

para 0 trabalho da noite.

A preparacao era meticulosa. A grande preocupacao era 0 cabelo,

que batia abaixo dos ombros. Recentemente, Banana 0 havia tingido de

preto, cansada que estava da cor natural, castanho. A tinta preta deixava

o cabelo mais grosso, desviando nossa atencao da lmha da testa onde

come<;avam a aparecer entradas precoces. Tingido, 0 aspecto do cabelo

era melhor, inegavelmente. Mas Banana deixava transparecer que ainda

havia algo errado. Por mais que repartisse de todo jeito, e arrumasse 0

cabelo de urn lado para 0outro, ela continuava insatisfeita. jogou 0cabelo

para 0 lado direito, ainda molhado, com 0 creme condicionador

escorrendo, mas dois minutos depois voltou ao espelho e jogou 0cabelo

para 0 outro lado. Nao, tambern nao estava born. Novamente para 0 lado

direito. Depois para 0 esquerdo. E logo perdi a conta das vezes que 0

cabelo foi repartido, arrumado de urn lado, de outro, penteado, retocado.

Eventualmente, no instanteem que, na televisao, a protagonista da

novela, escondida atras de urn vasa de palmeiras, entreouvia revelacoes

chocantes sobre seu marido, 0 cabelo de Banana ficou pronto, ou pelo

menos aceitavel provisoriamente. Ela acendeu urn cigarro. Ainda com 0

olhar fixo no espelho, pegou uma pinca e arrancou rapidamente alguns

pel os esparsos do labio superior e do queixo. Satisfeita, passou uma base

suave no rosto e comecou a vasculhar 0quarto atras de uma gilete para

apontar 0lapis de sobrancelha. Banana procurou a lamina em cada lugar,

que eu me arrependi de ter entrado descalco no quarto. E quando ela

cornecou a sacudir 0 travesseiro em cima do colchonete, desisti

irnediatamente da ideia de utiliza-lo como encosto contra a parede.

Apos urn breve momenta de desespero, quando manifestou a

suspeita de que alguma outra travesti pudesse ter roubado a gilete de seu

quarto (,Ta vendo como sao as bichas daqui>"), Banana afinal encontrou a

lamina na prateleira, esquecida embaixo de uma cebola, bern ao lado do

frasco de desodorante.

Lapis apontado, Banana comecou a desenhar as grossas sobrancelhas

no estilo Opera de Pequim - sua marca registrada. As sobrancelhas ficavam

urn tanto escondidas por tras dos cabelos, que pendiam em ambos os

lados do rosto, mas eram realcadas pel a sombra vermelha que Banana

aplicava abaixo do supercflio e nas palpebras. Nenhuma travesti que eu

tenha conhecido em Salvador maquiava-se de modo tao idiossincratico.

Quando, uma vez, perguntei-Ihe sobre esse tipo de maquiagem, Banana

18

IIplll'(l11 III IHIIIIIII II II 11111 II III ()II, N I pll'tl

11r1i\1111 PI'O III 1" cI"!lIIO til 11111 ( 1 1 1 porn

A I l l . l ! lu l .1W'111 (,MI' 'H , ItI , N ~ !llld () II, N('I'vll P l'tI d

(IIILI'INll\ v~ U qllt' l;II' iulnvnm ( 1 < : " 1 0 '(JI"'('dol'('" do . l n e m , 'o l lvldl i ia lo

n < : I I n t fl 1'01'(1 1 - 1 ° 2 : 1 \ 1 ' ,

Mnqul,~' '111 pron tn , ab 10nlndn plllMondo • ,'OY. m 'Ill' 1 " , [II'll d l I ,

II nann a ndcu outro 'Igarro, T0l1101l lim gol de a f .m urn poe' d t . ·lilt rg t rlna

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' ,I 'lnh <:\, o m' 1. 1 a r viral' lim mon t de roupas a rn a rro tada rn clmn dn

\, d i r a , rindo, enquanto lancava as roupas para Ion e, por Im 41 dO N

om bro s . " a lcin ha , cal inha, ve, Maria, n en hu ma ca lcin ha ltrnpa, 11.0

I I' dito", ela grasnou. 0 cornprimido de "Roupinol" - isto e , Rohypnol,

urn barbtturico que misturado com 'alcool ou cafe pode ter resultt < i l l

s~lmLLlante - ingerido pouco antes comecava a fazer efeito.

Enfim, do meio da pilha de roupas, Banana fez surgir lima cal lnhn

t renda preta e ato continuo vestiu-a do modo caracterfstico das trav 'sllfll

postando-se de pe, puxou a calcinha ate a altura dos joelhos e depo ts ~ .

gachou com as pernas afastadas para manter a pe<_;ano lugar. Nessa poslct 0,

"YOl! a mao atras das costas, e daf por baixo das pernas, ate consegulr

I ancar 0penis e 0saco escrotal. Puxando-os para tras, Banana pressionou-

(I firmemente contra 0 perfneo, ao mesmo tempo que se punha de p ,

itando a calcinha para cima com a outra mao. Esticando a calcinha pclr

n te e puxando 0 penis por t ras , ela deslocava 0 peso do corpo de Limit

p rna para a outra, ate que a calcinha estivesse ajustada e a penis

] omodado segura e confortavelrnente sob 0 perfneo. Banana finalizou a

operacao alisando a calcinha com as duas maos, certificando-se de qu l

parte da frente apresentava-se agora como uma superffcie bern lisa e plana,

Ergueu 0 rosto e percebeu que eu nao olhava para a televisao. DeLI u r n a

I ve palmada na parte da frente da calc inha . "Minha buceta" , disse sorrindo.

"Buceta" no. lugar, Banana caminhou na direcao de urn pequeno

alrar, semelhante a tantos outros que existem nos aposentos de rnuitas

travestis, Na maioria dos casos, esse altar con tern uma pequena estatuctn

ou gravura, representando uma figura religiosa catolica, como Jesus ou

Virgem Maria, ou urn orixa do candomble, por exernplo Iemanja (deusa

dos mares) ou Iansa (deusa dos ventos e ternpestades). Ao lado das imagens,

h i l i geralmente uma vela acesa e talvez urn copo d'agua, urn pratinho c I •

ornida ou folhas de alguma erva - tudo para atrair sorte, dinheiro e clientcs,

para afastar 0 olho gordo (0 mau-olhado ou olho grande) . No entanto,

diferenternente da maioria das travestis, Banana imagina travar uma lura

df ' 0 1 1 1 1 " IP I qul "

lin rt dllil I I,

'LO' .11 d tOll", III

19

 

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III' mil OllU , II I I I i ( ) I I I t ' d , I ('e IIV II III dl' ifill I 0 1 1 1 a ' 1 (IIIV, I

t" 1 1 1 1It l n lu lld n 1 11 1 1 1 1 1 1 1 I v i i i I p O I ' ti l I) d r ' I I 1 C '!U lI " I t vl hI I Ic! ,l lV ,A s t m , pili A tll I ill P I L' d o ~ m p o 11mI IIU n l l d d · II (I

Illt'flON d II f) I' ·z(y ,I u llllh 11'0) pr p 1 l 'c . 1J 1 ,0 t llH (c l oLOI l 'u lo uh ] Ilvn

d vlur 0 m nu-o lh ndo . im p 'ult' C 1U • 0 '11 'r~la n gaelvn prcjudlqu N U l l

' 1 1 1 io d J d t r t bn lh : I' • ions Mull' l lent s. 1m do s o nlfdo t()~ prln • palf

J Ul.Ill< lit ~r I'L itOI' -111 S U a uxlllo u ma a mple I gi,o de san to s o r lx N .1'01' hlN o, n o passe qu a m aio ria d a s t ra v es ti s oossut urn al tar q ua sc v az lo ,

001 'IH' LimasI ucas figuras, 0 de Banana, ao ontrario, sup I"I)OV ado .It 1111H ' l l '111 eramica de Sao Jorge matando 0 dragao, d a o Jos

Ipolndo .m sell cajado de pastor, de Nossa Senhora de Fatima segurando

I II ll 1 11 '1 1 ' ru itixo de madeira, de Iernanja deusa do mar (duas irnagcns),

II j VII'I<ln da Conceicao conternplando os ceus com seu olhar pio, dos

II ~O'III nlnos Cosme e Damiao - todos disputando 0 espaco do pequeno

dill' om v las votivas fumegantes, ervas, pratinhos de comida, oferendas

d I 0 I r ntes, sabonetes e xarnpus (destinadas a lemanja, que e.

1 ' 0 1 1 1 ' 1 1 1 ' 1 1 1 ' xpllca Banana, uma mulher muito vaidosa). Quando 0 assunto

prol If 0 ntra 0 olho grande, Banana faz questao de se cercar por

lodo 0 lndos,

J a p or te anterior do altar, Banana ret irou urn pacotinho feito em

I III I It jornal, contendo urn po verde palido, Ela voltou ao canto onde

J ".IVII Ii sp lho, molhou os dedos no po verde e, mirando atentamente 0

ptr 'J]H' lo rcf lexo, fez 0sinal da cruz no peito, na testa e na nuca. Salpicou

t n m l m u rn pouquinho sobre a cabeca. Perguntei para que servia 0po, e

( 10I', P ndeu, como eu ja esperava, fazendo 0 gesto habitual de puxar a

p. IJ 'bro inferior para baixo e lancando urn olhar ci implice. olho gordo.

J~ protegida, Banana foi buscar, na prateleira, urn pequeno frasco

dorante. Esguichou pelo corpo, de baixo para cirna. viri lha, anus,

h l ' r i B ' o , peito, axi las, pescoco, costas e cabelo. Depois, estendeu as maos

obr a fumaca que exalava dos cones de incenso, procurando rete-la urn

I IlU . Logo em seguida a espalhou na direcao da virilha, da barriga e do

r o s e o . Por ultimo, pegou 0vest ido de lycte preto e verde que planejava

V 'th', rniniisculo, alern de urn tanto encardido, e deixou que a fumaca do

II' (10 se impregnasse nele tambem. Nessa noite, com toda certeza,

1 1 1 1 1 1 1 1 11 a nao queria dar a men o r chance ao olho gordo. Nern ficar sem

I'll ntes.

Ela acendeu mais um cigarro e tomou outro gole de cafe ("para

.1\11)1 ntar 0 efei to do Roupinol", me disse como num aparte) . Agora lutava

P I' se enfiar no vest ido, Achei que 0 efeito do "Roupinol" ja devia estar

'0

II n na e uma das cerca de duzentas travestis que vivern e trabalham'"I 1 ' , l v d r (a terceira maior cidade do Brasil, com uma populacao de

IIil t d d I milhoes de habitantes). Como ela, a maioria esmagadora das

IHI\l1 I '1 de Salvador vive em condicoes extremamente humildes, mora

III I I" t(II n quartos de 3 x 4 metros e sustenta-se basicamente da

1I1I t L I I I .0 nas ruas da cidade. 0 terrno 'travesti' deriva do verbo

'II III V th",N ,T. que pode ter 0 sentido de vestir roupas do sexo oposto

(IIHI"'O/';, -dress , em ingles). Porern, as travestis nao se caracterizam apenas

1 '1 11 II r roupas de rnulher, A principal caracterfstica das travestis de

I Il l v I 1 0 1 ' , de todo 0Brasil , e que elas adotam nomes feminines, roup as

"" IIn ,penteados e maquiagem femininos, pronomes de tratamento

I 1 I 1 1 1 1 1 n o s , alern de con sumirern grande quanti dade de hormoniosI III 1 1 1 1 1 e pagarem para que outras travestis injetem ate vinte litros de

I" (11 Industrial em seus corpos, com 0 objetivo de adquirir aparencia

II II I f rninina, com seios, quadris largos, coxas grossas e, 0mais

hlllllll't nte, bundas grandes. A despeito de todas essas transformacoes,

1 I t 1 1 1 1 ' d . quais irreversfveis, as travestis nao se detinern como mulheres.

HI i\"~11ll dlclonarios da Ifngua portuguesa registram tambern 0 verbo 'travestir' com 0 sentido

I II HIIn n d o pelo .autor,

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I I I I , H p t · \I'd 1 , 1 1 1 , 1 1 ' 1 iii III 1 1 1 1 ' 1 1 ludll V j d ll l i l i l l l l l l l l l i l l I', I' II l'ludll

C ' I II I I IN ( lU l l ', P O I ' 1 1 0 1 1 1 I f( mluln» , (. ~tlfl'' 1 , d o d O l ' ! ' f l \t1o~t' 1 1 1 1 1 ' 1 1

"hluldl ' f O l ' I l H l . S fe mln ln ns , ' tl'f\V sU " no d H jnm > < 1 1 ' 0 1 1 1 'j 1 "' n i f l I I (I

P 1 1 0 11 1 I I I '~ , , ' rnulher. l . l u s n a o !I I 0 tl 'QIlH 'xlmis, J \ . o c o n u t 1 '1 0 , o f h ' t l I l 1 l l

t ' !r 1 " ilL c h O l 1 1 o S S .x u al s - ho m n s n u . d s e j a m 0 1 .1tros ho m '116 I lr c l n u 1 11 (; :l Il t ·

lIU H m od la m e s e co rn pleta m 01110 o bjeto de des Jo d 's s S hO Il H 'I lI • •

A 'ol11bina<;~o singular d e a t ri bu to s ffsicos femin inos C SllbJ 'tiyldllti('

hOIl1()sS x u al r n as cu li n a e 0 que [a z a s tr a ve sti s serern quase u n l 'tiS no

mundo. Embo r a existam muitas culturas em que ind ivfduos , em gl'rl\l~

V , ! ' I , lo~ e POl' diferentes meios, cruzam as Ironteiras de g'i '!nero, travestls

fll r ' 111S r LUl l dos poucos casos em que se altera 0 corpo i rrevogavelmcnt •

I.nt'tj que este se assernelhe ao do sexo oposto, sem contudo reivindicar n

'!.ll'lj tlvtdade pr6pria ao sexo op osto.' Longe de dern andar urnn

'uhj i t tvldade ferninina, as travestis de Salvador manifestam, de mancira

qUIlIi' una n i r n e , sua incompreensao diante de homens que 0 fazern . 1 - 1 6

tun consenso entre elas. qualquer individuo biologicamente rnascul ino

fill pr 'e nda ser uma mulher sofre de urn desequiltbrio psicol6gico c,

PO I t tH OI precisa de ajuda profissional.

A xistencia de travestis e registrada em toda a America Latina, mas

I I I 1 1 nhum .pats e1as sao tao numerosas e conhecidas como no Brasil,on I. rn J ancam visibilidade notavel, tanto no espaco social quanta no

imof.li l1dl' io cultural. Em qualquer cidade brasileira, pequena ou grande,

x l t 1 1 ' ' 1 travestis. Nos grandes centres urbanos, como Rio de Janeiro e

\,( ) Paulo, a populacao de travestis chega aos milhares. Travestis sao mais

vlsfv is, e de modo exuberante, durante as festividades do famoso Carnaval

b r n s t l e t r o . Invariavelmente, todas as descricoes ou anal ises sobre 0Carnaval

f a z e m pelo menos uma referencia en passant a travestis, ja que a inversao

c l· Q'~nero e representada quase sernpre como a pr6pria personificacao do

, pfrlto carnavalesco.

No entanto, mesmo em contextos e discursos cotidianos, travestis

o upam urn lugar marcante no Brasil. Por exernplo, um program a deC levtsao de grande audiencia, transmitido nas tardes de sabado, mantinha

um quadro fixo, onde se apresentavam hornens vestidos de mulher - alguns

des quais, obviamente, travestis - que eram julgados pela beleza e pela

qualidade das dublagens performaticas de cantoras que faziam. Outro

programs televisivo semanal mostrava periodicamente uma travesti bastante

onhecida chamada Valeria. A novela Tieta, uma das mais populares da

epoca, contou com a participacao especial de Rogeria, travesti muito

famosa no pafs. E 0sinal mais eloquente da posicao especialissima reservada

2 2

II I\It II lit! hlilHitll tin populnl ' I - I i 1h l l 1 '0 • (J rHo d que, 1 11 l1I'udo'

Ii lllltl" 1 1 1 1 ,II P 01 ud I ('''ill!) 1m ulh '" m fll ~ b e ln d o BI"asll e r a " . u r n a

til ,.111 1IIIwIIH CIoN, [I rl len, tornou-« urn nom famoso em todo 0

I 1 1 11 1 11 1 11 II I'u nn l, 1\11 , l l i U I ' e 'In . o m f r 'qtl ncla ern programas de televisao,

II. Ii II I mlltl II ~n d t uero no R io de Janeiro , posou nua para a revis ta

P I II/llfl' ((ur n t~ P mas . ruzada» de ma n ei ra e st ra r eg ic a) , foi entrevistada

11111, I ihll l PnI' quos ' t o e l a t ; < IS revistas do pals e homenageada em pelo

Ult IInli I I ' ~ '11ltM ~ 'S . r l t a s POI"cornpositores e cantores populares.

\ 11111111"11 , 1 ertn 00 dlm lnuiu no final dos anos 80 , quando e1asubmeteu-

t 0111111 "1 '1 '1 .11;0 ,1 , rnudanca de sexo e deixou 0 pafs para viver na Europa.

It 1 1 1 1 1 1 1 t 1 1 1 1 , 'ont lnua sendo bastante conhecida. Em 1995, por exernplo,

1 1 11 1 11 1 11 '1 f il l 1 1 l Ivls.o, estrelando uma propaganda de lingerie Duloren.

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 , II Jill H 'm do passaporte de Roberta, ressaltando seu nome

Illlljl I 1 1 1 1 0 , 1\1Justaposta a uma fotografia em que aparecia muito sexy e

1 . , 1 1 1 1 1 , V I t II to tip nas roupa Intima preta. A foto trazia a seguinte legenda.

VIII II P lrn IHlntl do que uma Duloren e capaz".'

I' I 1 pu!;i ,0de destaque ocupada por travestis, como Roberta

I I I I " " 1 1 1 1 lm lMh,Mio cul tural brasilei ro, e de se esperar que haja urn mimero

1 1 1 1 1 1 1 1 h O i vd de textos e artigos dedicados ao tema. E de fato, e comum

' 1 " 1 It V I Ii · J a .m descritas por alguns analistas sociais como sfmbolo dolit l l i l l , 111101 no Brasil, tudo parece 0contrario do que e. Tudo e relativo,II 1 1 1 1 1 1 1 d ·no i a o de] mulher", observou a ex-deputada Sandra Cavalcanti,

" " IIndo • Roberta Close. 0 poeta Affonso Romano de Sant'Anna

1111 III III vlslumbra 0 Brasil ao olhar para as travesti s. "Bio logicamente,

"IV' I I . S .0 horne ns, psicologicamente, sao mulheres",diz ele

1 1 1 1 1 lilli" l in - n t, por sinal). E prossegue. "Tudo isso se parece com 0regime

III. II tjllld vi V C I ' l . 1os aparenternente e uma democracia irreversfvel, mas

II IIII III ,.~ orno 'urn arbi tr io arrependido' . No Congresso, os deputados

III "" Ix uamenre 0 que lhes apraz ... desde que seja 0 que 0 governo

'till I" Ah{l lJ1S, como 0 jornalista Tarso de Castro, veem 0 fascfnio do

111 , 1 II pin' tr v es t is como indicativo de urna "crise de virilidade" nacional.IIUlII'., '01110 0 diretor de cinema Walter Hugo Khoury, acham que 0

I till .I i I ( I I 'rca Close ter sido aclamada publicamente como "a nova paixao

I.. I II I I 1 1 ' 0 " indica apenas que "os brasileiros sao urn povo aberto, sern

IH I Ililli' 'Itosil,'

1 1 w . cornentarios tern muito a ver com a ideia que se faz das

II IV 1 .1 1 1 , IlOl'em estao absolutamente distantesda vida real das travestis

.1 . V I'd H I , Infelizme nte . 0 fato de que algumas poucas travestis

•I I'~IHlltltn acumular riqueza, admiracao e, no caso de Roberta Close, um

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statu cultur I qU e e l 8nl '0 signl f i cl multo : o I '0, ill 1 '1 1 '1 , P 1111 Illu II I

maioria delas. Essa maioria - qu mult s b a s t l "'0, V Ill,P II,' I I' IIII a Ia noite, em pe ao longo de avenidas e nas e s l u l na s d runs mnl llurnlnrulns

ou nas paginas policiais - forma urn dos grupos m a t s m e rg tn a ll z n do « ,

temidos e menosprezados da sociedade brasileira. Em quase C O d O N 1 1 ~

cidades, incluindo Salvador, travestis sao de tal forma disc r i rn tnadas <1m'

inuitas evitam aventurar-se nas mas durante 0 dia. Elas sao vftimas frequ '11lt'N

de violencia pol icial e de assassinatos. A maioria e proveniente de fal11fllo!l

muito pobres. Muitas continuarn pobres por toda a vida, levando (Hill

existencia miseravel, morrendo antes dos 50 anos em virtude da violen I"

do uso de drogas, de problemas de saiide relacionados a aplicacoes d .

silicone ou, em mimero cada vez maior, em decorrenciada sfndrome d

imunodeficiencia adquirida - Aids.

Este livro e sobre essas pessoas. E urn relato da vida cotidiana das

travestis de Salvador que procura enfocar 0 modo como vivem, agem,

pensarn e falam sobre a propria existencia, Nao e , certamente, a primei ra

descricao, tampouco um relato inedito sobre travestis. Pelo contrario, 0

fascfnio brasileiro por elas resulta, como disse, na producao constante d

materias e artigos, veiculados na televisao, nos jornais e em revistas de

todo 0 pais." No entanto, com rarfssimas excecoes, todo esse material

nao passa de urn amontoado de tolices. Na melhor das hipoteses, as

materias sobre travestis publicadas na imprensa sao superficiais e imprecisas,

na pior, sao mentirosas e sensacionali stas .

Felizmente, alern do material jornalfstico, existem dois estudos

etnograficos feitos por pesquisadores brasileiros (Silva, 1993 e Oliveira,

1994).5 Sao monografias pioneiras na medida em que procuraram atingir

urn certo grau de entendimento, ao inves do mero sensacionalismo ou do

prejulgamento. Seus autores estabeleceram contato com muitas travestis,

durante longos perfodos, de maneira que as descricoes, feitas com grande

sensibilidade, representam uma ruptura importante em relacao ao

tratamento corriqueiro dispensado as travestis pela imprensa de massa.Apesar de sua importancia inegavel, esses trabalhos ressentem-se, todavia ,

do fato de que nenhum dos dois pesquisadores conviveu realmente com

travest is . 0 contato foi feito quase sempre na rua, e apenas ocasionalmente

em seus locais de moradia. Isso significa que tanto Silva como Oliveira

testemunharam e escutaram apenas relatosdo lado mais escandaloso da

vida das travestis. a prostituicao, as modificacoes corporais, a automutilacao

(realizada eventual mente quando elas sao apanhadas pel a polfcia). Os dois

livros focalizam primordialmente as praticas, digarnos, mais espetaculares.

24

I" IIII vivem.

( II ndo t ravest is aparecem em anali ses da sociedade brasi lei ra, 0

It I'll lit da , na maioria das vezes, con forme mencionei, no cont 'xto

I I I I V f j'. .Travestis, argumenta-se, invertem os papers masculin

I 1 1 1 1 1 1 1 1 0 , por rneio de praticas que introduzem atributos femininos 11 1

1 ' 1 1 1 uclu fCsicamasculina. Essa inversao de genero e geralmente assoclada

1 1 1 1 1 1 ' 0 xernplos de inversao. homens que se vestem de mulher no

filII V I, 0 componente de homossexualidade masculina no candomble

lin IlI'l lleiro, a persona androgina de alguns cantores e compositor

Itll I t rO B famosos. Conclui-se, entao, nessas analises, que a sociedad

I I I fl II i" ubverte continuamente - e transcende - a rfgida heran (1

1cato lica, dando mostras de tolerancia em relacao a determinado:

2

 

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comportam ntos ' P '. ' ON 'I ll ' 'Ollt 1111, II I cl Illi 1111, I I I I' IlI'\

(DaMatta, 1997b, 1991b, I 84, Kot t, k, WI 0, I' ,d I', I jt I),

. Embora tais conclusoes p ssam s r d ,I ' m dld as s oh "r~1I I p dll ,

e ainda que se possa, sem d uv id a, a n ali sa r produetvam nt c 0 truv IIlitilllil

como exemplo de urn fenomeno mais geral de tnversao, 0 c rgum 'IHo qu •

pretendo seguir neste livro e outro. A meu vel', 0 1 :0 0 no probl .mn d ll

inversao e urn subterftigio. Ele faz parte de LUl l cornplexo rnito qu ' 01<

brasileiros gostam de contar sobre si mesmos na tentativa de se onv ' 11 ' ' I' ,

e de convencer os outros, de que sao mais l ibera is , tolerantes e m od rn o sdo que realmente sao. Trata-se de uma cortina de fumaca que cons 'gu "

de maneira eficaz, desviar a atencao e obscurecer 0 fato de que tray 'SliN

sao 'condensacoes' de determinadas ideias ge rais, representacoes e pnW in s

do masculino e do feminino. Meu argumento, portanto, e que ao invcs c l l : '

simplesmente inverter urn conjunto de ideias, representacoes e prati .as,

virando-os de cabeca para baixo ca rnavalescamente , 0 que as travest ls

fazem e e laborar determinadas configuracoes de sexo, genero e sexualidadc

que sustentam e dao significado as concepcoes de 'homem' e 'mulher' no

Brasil. Travestis cristalizam tais nocoes, aperfeicoam e completam tats

nocoes, pa ra usar urn termo uti lizado pelas proprias t ravestis ao se referirern

a suas praticas corporais.

Dizer que travestis completam e aperfeicoam as mensagens ou os

discursos de genero presentes na sociedade brasileira e muito diferente

de dizer que travestis invertem tais mensagens. A nocao de inversao tern

uma trajetoria longa e in f ame na historia da psicologia, sendo usada ainda

hoje, por exemplo, para dizer se uma pessoa e portadora de perturbacao

mental e se necessita de intervencao medica. Por outro lado, quando

utilizada no contexte da descricao e analise dos fenornenos sociais, a

nocao de inversao nao e necessariamente uma ameaca, sobretudo em uma

cultura que se orgulha da capacidade de inverter, de forma hidica, seus

propr ios estereotipos e suas preocupacoes morais. A natureza nao

arneacadora da inversao parece-me, mesmo, ser uma das razoes para 0usa

generalizado dessa nocao no entendimento que os brasileiros tern de

t ravestis. 0 problema , entretanto, e que as travestis 'sao' ameacadoras.

Os meios de cornunicacao no Brasil retratam-nas como marginais, isto e,

delinquentes perigosas ou criminosas. Durante toda minha perrnanenc ia

no pafs, fu i seguidamente advertido por algumas pessoas para que nao me

aproximasse das travestis, nao confiasse nelas, nao permitisse que elas

chegassem perto de meus pert ences, nao acreditasse em nada do que elas

porventura me dissessem, enfim, e de modo geral, que eu ficasse longe

26

I " I l I j l l l i ' d l l l l i d r 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 11 1 1 1 1 1 1 11 1 1 ulruln

1 "I 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 " ' , I,ll III~ lido jllll' I

I I I ' IU I 1 II I 'I'I~ II II II IN ("IIVt'j( I II ! J '1 I I1 fit. como ' Inv( l 'l ldtll (

I I 1 ft tI , 11111 1 1 1 1 1 1 1 ' 0\1 d ~(' I' Vr' ,' Ild('qll d 1111III' I " ' P U I N I l I:' I) III(' I II

I "dill til • 'III i '" po d III dl'NIW!'lIIl' III lillillo hrnHil '!r'OS, t 'i Im:lljl lt ,/

IIIJIIIIIIII, t i! (IJtflll~ II' I nu n ',(j I li'I%llIll qu os LI'QV 'Hll' II'OV(); Ill"

, t I . "Ill I '1"1' Ilnm,

IIII I ( '01'1'1 I d ~t, I I V I ' O , s ta r 'I m 'n os In c 'I' s s a d o n a q u '~l() I

II. I 1 11 11 11 1 I"ltv '~als Inv rtcm Id 1 < 1 5 , r 'p resenCac;o 'S ' pn'itl '[IN do1111 ,111111 I f' I, f ml.11l1o, '11\;;11 pr '0 up. d o e rn I nv cs ng ar 01110 'IIIN

' t i l l I I J f 1' 1 I l u n r n S lO tt , 1 11 . s m a s idcia s e pra t icas , de que l1l(1dos ,I

_II (Jill' 'Ill <:00 Ius s 16gi as dcssc conjunto de reprcs nln~ 'N,

(II 111I1I1f) () pllrlfl am a ponte de sc r possfvel enxerga r n I( ON

til 11111 I 1 1 1 1 ' Is qu f rn101111 as Configurat;;oes culturais de sexualidnd ,

It II 10, A .o I n b r a r ITIeLl argurnentn ness a direcao, estou Inl1<;l I l ido

II ". dill (Ipo I tra ba lh o a cadem ico que se inter-relacionam.

I I 1 '1 '1 11 )1 ' re pod ser encontrado em textos de pesqutsadorc, de

lit III 'h . " t ·LnOiTIcodoI6gica. Eles argumentam que 0 transgendcrlSllIo

f I'" 'til I ru n ponro pnvi legiado de observacao dos modos como S xo .

M IIIIII II ('01). c b t d o s e prati cados na vida cotidiana. Antecipando '11)

III 1111III) m I. dada certas preocupacoes teoricas conternporan " ti,

, 1 11 1 1 1 11 1 Ie ai, logos sernpre insistiram que sexo e genero nao sao estados

1I111f1"111 II, •s i rn realizacoes contingentes, decorrentes da prali

I I Il lldd, II) 7: lSI; ver tam bern Kessler &McKenna, 1985: 163). Assim,I 111 .1 ' , 1 ( 1 1 1 1 1 ) , tran generos

fon;ar-se para estabelecer, de forma mais ou menos

I fill I'Itll1t , SU3S credenciais como homem ou mulher - ao passo que 0

, , , 1 de ,,6s viv e sob a ilusao de estar apenas seguindo 0 curso natural

t i l t U I N O S - , e fes acabam t razendo it tona e explicitando muitos

1 I 1 1 0 s t que r egulam a producao e rnanu tencao das diferen~as de

II 1 ' 1 ) no f luxo da vida soc ia l. (Shapiro, 1991: 252-253)

1\1 p rspectiva tern urn importante corolario, defendido nao $6

I I I" I III 11 1 todologos como tambern por algumas feministas (p. ex.,

111011 I, 1 79), a saber, a ideia de que 0 transgenderismo nao ocorr

I uu dill nte' au arbitrariamente, mas emerge em contextos socials

r n a ndo form as socia is especfficas- formas que refl etem a s1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 as estruturarn

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Hun 10 '1>lllUII 0 Ide senvolv l lo s 11 B e' hvro v ITl d o I'" IlU P I'O hl~ () h i t

que suster ita que 0 on e lto d s s x o blol6g1 t) J ,

conceito generizado. Ele depend de 110(,; s ultu ra lm

da diferenca, para delas ext ra ir seus signift cados e sua attl ide d • d 1 1 I' .'('1

natural (Butler, 1990, 1993; Hausman 1995; Laqueur, ' 1990, L au re tts , '1 () H 7)

A percepcao de que tudo que e dito sobre sexo ja esta neccssartnmeru

implicado em concepcoes de genero e so pode ser interpr c ( do ' 0 1 1 1

base nelas fez com que as discussoes teoricas se afastassern de t st vt 1 1 1e nl r'

das nocoes de que 0 genero e apenas uma lei tura, ou elaboracao, ulturn]

do sexo biologico. Com isso, ressaltou-se a possibilidade de estudnr Ii

genero como conjuntos de ideias e categorizacoes que nao se restring 'Ill

as categorias biologicas de 'homem' e 'mulher'. No que concerne as analis f,

sobre travestis, a irnportancia desse movimento teorico e que ele nO N

incita a investigar as praticas de genero das travestis sem pressupor qu

sabemos de ante mao 0que sao 'homens' e 'mulheres' (ou mesmo se essas

categorias exi stem como tais), sem pressupor, portanto, que ja conhecernos

o ponto de referencia, 0 objetivo deliberado ou 0 ponto final do projeto

travesti. Urn estudo que tome 0genero como urn conjunto de ideias,

processos, subjetividades e praticas nao necessariamente gerados pel sorgaos reprodutivos, ou a eles relacionados, distancia-se da abordagem

que ve as praticas travest is s implesmente como inversao, desvio ou tentat iva

va (e tragica, erratica, agressiva etc.) de homens querendo ser mulher.

Se pudermos suspender todas as pressuposicoes de que 0 genero

baseia-se no sexo biologico, concentrando-nos detidamente nas vidas,

nos amores e no trabalho das travestis - nas varias form as pel as quais t ravest is

moldam a si mesmas como pessoas generizadas -, entao torna-se possfvel

fazer a pergunta que este livro persegue, a saber: 0 que as praticas travest is

nos ensinam sabre 0modo como 0 genero e concebido e constituido na

sociedade brasileira?

Tra ba lho d e C am p o c om Tra vestis

Os argumentos desenvolvidos neste livro baseiam-se em 12 meses

de trabalho de campo com travestis de Salvador. Em oito dos 12 meses,

morei em urn pequeno quarto alugado em uma casa onde viviam 13 travestis,

em uma rua no centro de Salvador onde moravam cerca de 35 del as . "

Durante a perfodo, tive contato estreito e continuo com as travestis.

28

, 11 11I III I I I I 1 1 1 1 1 1 11111 II I II III\! In II Iii; I Int p n ' 1I11l 11l ft ll i IH I ,

1 1 1 1 1 1 I ., 1 1 1 1 1 1 1 IV III 1101 vo l t . ! dl l II I Iii dl" II 11 11 P IP O, II ll"llIto II ,

I I I 0 11 1 II I w li ii, "I " 1 1 ' 1 ' 11 1 'IIV 1 1 1 1 P 1 111 110 Jo q u e l x o , to 0 1 d o f II I

I .. I, III I tllll!lld oV r- nn - I~OIll II~ 110 'oil ..Jhol1 t· , flNHhltln 10 n fllIll'N d

II II I I I I l l i n H "II, nqllnl1tu " I O N I u u m v n m hus 'ados dn P s s u r a II,

1 1 1 1 1 t I il l Ill, Iltd Il , 11()l l t 'N, d 'd ie r '0 u n s ( ) hOI'i ' .H;til I ou :2 hornl l du

I I I I I It , t II t il l I IV I lwlls I " I W N o n d e t r n b n l h n m n s er y .stis, vlstta ndo -n ' I 1 I ) S

II IHilI II IllIw I pro 'L itu l< ; lo , M SI1IU q u a n d o d c t x c l d e I" s t d t r corn

It dll II H ili Ihll'( 1111 nto para rev r 0 prtmciro esboco do ltvro,

'I I v 1 1 V I 10111 1 '1' 1 0 n la , muita v z s perrnanecendo pelo In nos

III I I " ' (I hO I I r po r li n 11 1 su a com panhia.

( ) '1111 I:OI1l 'C ;OU mo trabalho de campo pouco a POll '0 '

I I h i 1 11 11 11 01 1 'Iii nmlzt de , n Inf io da pesquisa eu me sent ia obrigado II

III II 1'1 I" II l mpo om as travestis pelo fato de as estar estudando, (l

I II' ! lI l1 ll 1l t I ILO que fo l s desenvolvendo depois, com muitas delas, tornou-

I II II 1 1 1 1 1 1 ) qu " na poca em que deixei Salvador, em 1997, eu me pcgavu

I IIdill h , I IUl:ltd" nt quando queria relaxar e 'esquecer' 0 trabalho.

pI ' 01 11 \ V z qu tornei conhecimento das travestis foi durant.

1 11 11 I It H I 1 ( 1 1 I l. d tr S semanas, em que estive de fertas em Salvador,

I1 1 0 1 1 1 1 1 . , 1111I hn olega antropologa Margaret Willson. Isso foi em mead osI 111'1 M Ir aret descobrira Salvador alguns anos antes e ali estava

1 dl .wllll lim. pesquisa. Na ocasiao, confesso que eu estava mais

1 1 1 1 IIII 1110 U r i S praias do que nas possibilidades etnograficas da cidad ,

II I 1 1 1 1 1 1 n It , voltando do centro para 0 apartamento de Margaret,

III' I tl IH1 nil us, notei figuras em trajes sumarios, agrupadas em varias

' 1 1 1 1 1 1 t , oonv 'r ando e rindo, e a espera de clientes, obviamente, para

I ~",I1mbo1'8todas est ivessem ves tidas com roup as de mulher, muitas

l I i l l l I I l i l t 1 1 1 1 N 1 0 , E suas vozes - eu percebia quando gritavam umas para

IIIIIHI I'nl l 01110 "bicha" e "viado" - definitivamente nao eram vozes

I 1111111111 1, N:l~ Apesar de nunca ter feito pianos de realizar pes q ui sa de

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 II~I'tl , f iquei intrigado com aquelas f iguras quase nuas das esquinas

I I I I V I H I I I I ' , :ntrei em contato, entao, com 0Grupo Gay da Bahia (GGB),

1 1 1 1 1 1 Ih l i l )J'saniza<;;ao em defesa dos direi tos homossexuais. Conversei

1 11 1 I I f (I presldente, 0 antropologo Luiz Mott. Ele me indicou uma tese

1111.llldo obre travestis (terrno que so entao aprendi), esc rita peia

I I I h. 1 1 11 1!'Ins de l ingua por tuguesa nao regis tram a palavra 'viado' no sentido mencionado

I 1 11 11 1, ' I II II U II 11 0 significado de homossexual (ou homossexual do sexo rnasculino) como uma

I ~"' II. IiIpalavra 'veado '. No entanto, na t raducao, optei por mante r a grafra do autor,

I 1I1t111IIII lnterpretacao linguisttca original.

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sociologa N uza M 1 ' 1 , d [lv 'Iru, (jUl' rl tll iI'l II ,1 1 dllll t l

infcio da decada de 80 . 1 1 ' l b e S 11 'S S e IlsN 'I t I • (J II, 'OIiV ( '(1111

Mott sobretudo mas t a rnbe rn com cutras p ' ~ soas , 'on ) ',I n on t li d 'I

que as travestis 'nao se en ca ix av ar n n as ttp olo gta sexuals '01'1' 'Ill Nil ,

universo euro-americano. as travestis nao erarn transv sudos , lnmpollt'o

transexuais. En ta o 0que e ra rn > - eu pensava. Como e s s a s peSSOM V l n 1 1 1 1 II

mesmas> Ninguem parecia saber exatarnente. Entao, por hill, d • ' l d l I I I H '

precisava voltar a Salvador e ten tar descobrir por r ni nh a co nta .

A pes qui s a de campo, porern, nao foi facil. As travestis com qu III

trabalhei vivem em uma das areas mais pobres e perigosas da cidad . E II

pior. Salvador e uma cidade cuja maioria da populacao tern a pele es 'til' "

e onde urn sujeito de cabelo louro, como eu, ainda e novidade 0 bastantr

para fazer com que as pessoas na rua olhem duas vezes, com a aten~('o

despertada por algo ex6tico. Em termos praticos, isso significava qu 'If

nao poderia nutrir esperanca de misturar-me a multidao, desaparecer no

ambiente ou tornar-me uma presenc;a inconspfcua. Como a maioria dO H

travestis, ainda que por razoes bern outras, eu sempre me destacava. Ess,

visibi lidade foi , para mim, causa deconstante preocupacao, principalrnente

quando eu caminhava sozinho, tarde da noite, entre os pontos de

prostituicao da cidade. As ruas do centro, onde as travestis trabalharn,

fi cam desertas tao logo 0sol se poe. E entao sao ocupadas por rnorador 's

de rua, mendigos e sem-teto, que pernoitam sob caixas de papelso.

Gangues de meninos perambulam pela area, cheirando cola e procurando

vftirnas em potencial para seus pequenos roubos. Durante minhz

permanencia em Salvador eu passei por apenas urn momento realmentc

desagradavel. Logo que cheguei, urn menino, aparentando dez anos,

ameacou dar-me urn tiro se eu nao the entregasse dinheiro. Ele trajavt

uma camiseta que era 0 dobro do seu tamanho, na qual se lia a lrasc,

normalmente benevola, mas que naquele contexte pareceu-me sinistra.

"S6 Jesus Salva".

De todo modo, eu andava a noite pelas ruas da cidade emconstante estado de alerta, s6 relaxando quando me encontrava na

presenca das travestis - a quem, eu sabia, os meninos de rua, ou qualquer

assaltante, jamais ousariam enfrentar, ainda mais se etas estivessern

conversando em grupo, como acontece normalmente.

Ainda mais angustiante e desconfortavel do que a minha situacao

de estrangeiro, porern, foi 0 fato de que meu dornfnio do portugues no

infcio do trabalho de campo estava aquern do desejavel. Por uma serie de

circunstancias, eu retornei a Salvador logo depois de ter decidido realizar

30

I I I 1 1 1 1 1 1 ' I J I

1 1 1 1 l lu n l , pOl' In, d 'pols de multo refletir a respeito d e rnlnh I

hi ulv 1 1 1 1 ' 1 1 1 d' 1 1 1 1 1 , h o iniciaJ incompetencia lingufstica, ch 'A ll 'I

III II 111 til 1111 ' ; ! ins I s va n t agen s acabararn se most rando positlv ~ ,

I'" III I II 111(10, .m l a rg o rnedida, 0 tipo de contato que vim n

~, h 'I' 11111 I tI , IV is r ts . Sendo Ul11 forasteiro de cabelos l ou r o s , orlundo

" t 1, 1 fi If 'III 1 - olizac;ao exata no globe terrestre era um m is t do

'IllllIllh I I , pcssoas -, eu t inha am certo que de exotisrno que atr: rl

1111 t I I I , II ,( A n n , f: eit o, algumas delas gostavam de me levar a padari a ,

• "I" 1 1 1 1 1 J 'I O l • ndando de bracos dados comigo pelas ruas, c 1 11 ( )

" 'III' , II( li()~S a o redor pensassem que eu era 0 seu gringo - s 'UI1I'llltI, . · - . t I III~it'o rico.

lilt [uvl ' I P ' 11 0 que mais significativo do que minha condicao d

1 \ l"IfI'I lul 0 f a r o de que, sendo eu estrangeiro, as travestis t inharn

I I t l l t lIld I I I " 'In me enquadrar nas suas ideias a respeito de como os

II f I I 'Ill Ii 1"11o. Travest is sabem muito bern que todos os brasi leiros

It 1lltlhlclll~ d de cedo com os estere6tipos depreciativos a S'~I

, I I " t 1 11 1'1 1 1 t i l l , pais a fora, ate os pr6prios gays tendern a despreza-

1111 .1 . I I In. Em razao dessa experiencia quase diaria com a

• hostilidade, travestis sempre esperam de qualqu r

Ifllh f Ido lima reacao preconceituosa, mesmo que este se comport

III , ,111(11, lilt, Quando se trata de urn estrangeiro, porern, a situac;a

I t I , I IH I Il \ , No meio das travestis circula uma verdade inarredavel: a

'I "III'OP'L1S sao mais liberais e mais cultos do que os brasileiros.

fI I' j vi itaram a I talia , por exernplo, afirmarn consensuaJmentc

Illlihlllo$ as tratam com muito mais respeito e gentileza do que

III' J I I 1 1 ' 1 1 Iro. Tudo isso significa que nao se espera de urna pessoa

II I. IllfOP , como eu, a mesma carga de preconceitos instintivos que

I' III dliN brasiJeiros. E, de fato, eu nao tinha preconceito algum em

31

 

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v i o l nta com suas classes baixas. E nunc a me perrniti a postura an"OH·II I I ! I

'olonlalista e presuncosa de levantar 0 dedo para condenar ou acu ill!' 1 1 1 1 1 1

Il'lV ti que estivesse relatando, em meio a risadas, que acabara de rouluu

umn " m a r l ona" aterrorizada.

M ln ha gen ufn a afeicao pelas travestis com as quais trabalh i 1'01

(' Illstrulda , tarnbern, pelo fato de que, nos primeiros dois rneses till

p 'C(UISilI , eu falava e compreendia muito pouco. Sem drivida, minhu

1 ) 1 ' 'S .n a sorridente em seus aposentos (ou parado na porta), concordan 10

'om tudo, mas sem nada entender, deve ter sido estressante para III

duranee 0 primeiro mes (ou pouco mais). Como certamente 0 foi pat..'

111lm.. Por outro lado, minha inaptidao inicial com 0 idioma teve 0 efcltu

I fazer com que eu passasse por urn longo perfodo de mcorporac: I)

tua e silenciosa (ou nao verbal) em sua vida cotidiana. As travestis qu

vlnham conversar comigo, ou que procuravam me entreter em a lg ur nt ~

asioes, percebiam de imediato que eu nao tinha a menor ideia do que

'l" falado. Assim, entediadas, logo voltavam suas atencoes umas para as

rtras Quando comecei enfim a compreender e participar das converses

fo!;ocas, eu ja havia me estabe1ecido como uma presenca constant I

i,tavel, nao condenatoria e nao ameacadora em suas vidas,

Afora a condicao estrangeira e a incapacidade linguistica inicial,

h. utra caracterfstica de minha biografia pessoal que eu acredito tel'

cncorrido muito para 0tipo de vinculo que estabeleci com as travestis,

'li SO U gay. Antes de comecar a pesquisa de campo, eu conversara com as

duas unicas pessoas que, ate onde eu sabia, haviam realizado estudos

32

e hornens"." E eu protestei, timidamente.

nciou, realmente, a questao de minha

3 3

 

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d l r l. ' 01 '1 1 U t l l V 1 I ) , I I ~Ulllh I II 0 11 11 '0 f el LO l' 111111 lllLt I I I 111011 \ l I l t

quest 0 do preprln Itl 'ntl l de "toil P q II!> lo r I N tIll d ()II ... II II,o bv ia rn en te, pelo !:a to d S'1" mulh ir , 11~ll '11v PUI' ~ 1' , (IInlO I

mesmorelata(t993: '150-'154),seapre ntado rrav sci eom o um IIptl II'

cliente em potencial- papel que, evidentement , par t r 'lido pl'ollltilluM

implicacoes no tipo de relacionamento que ele pode stabcl 'N,

Nao estou aqui tentando, maldosamente, virar 0 jogo 'Ollli'l II

mulheres que me alertaram sobre a possibilidade de travestis nun l v lr 1 1 1 1

• a me aceitar. Nem estou sugerindo, e obvio, que somente um h III 111 tH

pode realizar com sucesso uma pesquisa de campo com travestls (0 qu

seria, alias, nonsense, tendo em vista 0 alto valor dos trabalhos d Prl Ill,

Oliveira e Silva), 0 que estou afirmando e que, sendo a s sumtdam III

gay, visto pelas travestis como urn "viado" assim como e1as, eu fui colo Ind",

por elas mesmas, em uma certa posicao que parece ter facilitado 0 a •

a conversas e confidencias que talvez nao fossem reve1adas tao facil rn 1 1 1

a pesquisadoras do sexo feminino (e que certamente na o 0seriam a virtu,1

clientes).

Ha ainda uma ultima dimensao do trabalho de campo qu

gostaria de mencionar. Desde os primeiros dias de minha convivencla

co-residencia) com as travestis, eu gravei suas falas, de modo extenso

continuo, utilizando urn gravador portatil Sony TCS-580V. Ao final d o

perfodo de campo, eu havia registrado e transcrito mais de cinqu nl,1

horas de gravacao, induindo vinte horas de interacoes espontaneas, al III

de t6 entrevistas, cuja duracao varia de noventa minutos a t t horas. Quinz

entrevistas foram realizadas com travestis entre 11 e 58 anos de idad c

uma entrevista foi feita com 0 "rnatido", ou namorado, de uma travestl.

justifiquei a realizacao de gravacoes da maneira mais honesta possfv I,

explicando as travestis que se eu quisesse realmente entender 0que diziam,

teria de registrar e transcrever as conversas. EIas aceitaram a situacao com

extrema gentileza, e logo se acosturnaram a me ver, sentado na porta da s

casas, ou deitado na cama de alguern, empunhando 0 gravador de bolso,Na maior parte das vezes, as gravacoes foram realizadas as daras, e a,

travestis sabiam exatamente 0que eu fazia.No entanto, quando eu circulav

pelas ruas durante a noite.vsentia-me compelido a esconder 0gravador no

bolso da camisa ou por dentro da calca, para diminuir chances de roubo.

Embora as travestis percebessem, as vezes, a presenca do gravador -

denunciado pela luzinha vermelha - e perguntassem se eu estava gravando,

quase sempre 0 registro de uma interacao passava despercebido.

Normalmente, a noite, nas ruas, eu nao avisava que tinha posto 0gravador

34

1I no I I I - 1 0 I. UII1 rupe d

IH rtn 1 0 • ontando pla da s, e

stou gravando", isso afetaria de

din ml a cia interacao. Tenho

II 't' onversas espontaneas constituem a espinha dorsal

II II l i t " A u an orar a analise das praticas corporais, das relacoes

"I II I t tv td ade das travestis em exemplos discursivos concretos

, III I I I un ntre si, 0 que dizem ao pesquisador), eu estava me

_~"iinllI IIIum lneulcao fundamental da etnometodologia. A saber:

I t . , 1"1 I III( , [amais ter certeza de que os padroes, as identidades e

III Ii adas sao algo mais do que nossos pr6prios modelos

II I, I III 110' que sejamos capazes de mostrar de que modo os agentes

_ ,1 11.111> ,, 11 I I I orientam em relacao a uma realidade co-construida. A

"till IIgrna etnografico, como eu 0 vejo, implica estar presente

•.. I I L I I das dentro de urn contexto e tentar explicitar a logica

11 1 1 1 \ 11\1 da sustentacao a essas mesmas interacoes - logica que

II I' agirem de determinados modos tidos como naturais, e

1 1 1 1 1 'III " ssoas digam coisas a outras pessoas, com a expectativa, I I I 1 .. 1 1 1 1 I ' ndidas.

M II oh i tivo ao escrever este livro e avan<;ar uma analise das

Ih 'III I v' em consideracao tais questoes, partindo das praticas

I I, I('I. is e das palavras com que elas exprimem suas pr6prias

. . It V d falar em nome das travestis, tento, com este livro, na

1111 P I) Ivel, deixar que falem por si. Assim, conquanto

I I I I " ejam todas minhas, as palavras que 0 leitor encontrara

A M I t I seguern pertencem as travestis.

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37

1

V ld d T ra ve stis em Co nte xto

, , I I II II, 1 1 1 1 1 nrrto ate a rua Sao Francisco, saindo da praca que

I !,flllhI Ilwd 1.08nlbus, e uma descida por uma ladeira estreita,

II \ I l'I 'tlll i I'I'()S per causa de imensos buracos. No meio-fio da viela ,

1111111 I I I I t(· laranja e banana, guimbas de cigarro, copos de cafe

IIt • ( I , . I ph~H I. milho, palitos de picole e sacos plasticos, coisas

1 1 1 1 1 1 1 1 . 1 1 1 1 1 I l S 'antes vao deitando fora. As esquinas sao cheias de

I••,It Ii odor nauseante, que e despejado das casas ao redor. Eu

IIlil" IIuume j a ruazinha. Procurei nos mapas, nao havia nome.

1 1, 11 I III 1 1 l ! J 1 U 1 0 1 ' S , ninguern sabia. Embora fosse habitada, mais parecia

. 10 11 11 1, 1 11 11 ccrredor ou umcaminho ligando dois pontos, do que

hi 1 ' " 1 1 1 1 ' I 1 1 1 'UU',

III II1 1 1 1 1 II l' de de azulejos logo no infcio desse caminho sem nome,

'" 1\ hili IIIPO I or urn grafitei ro anonimo, onde se l ia, em let ras negras .

" I I I I , ,1 ( ,1 1 , Talvez 0autor da pichacao tivesse escrito a frase como

I 1 11 11 1. 1 01 ou como crftica acida ao pafs - uma versao nativa do

I I Il I lt III 1'10 f ito por Charles de Gaulle, em uma visita ao Brasil:

It I 1 1 1 1 1 II If' ~ r io" . Mas, ta lvez , "Isso nao e verdade" Fosse 0 refrao de

1 1 1 1 I 1 1 1 1 1 '1 1 1 1 11 II .cpoca da pichacao, e 0 autor da frase estivesse dancando

ht tI. ,,,ltlIV, LIaspalavras de spray. Eu nao sei. Tudo 0que sei e que

1 I 1 ,1 h I I ' / C t ntas vezes, eu sempre lia essa pichacao, e a considerava

I I I .I , Iv ls e> - uma placa de transite anunciando ao visitante que ele

I' " I, t I nrrar em outra dimensao. um lugar onde as aparencias

I II 1111.1"0 l' '011e '0 irreal eram muito mais uma questao de vontade,

lit 'I t I pliO ) de vista.

II1111I till vi la sem nome fica a rua Sao Francisco. Par cerca de um

Francisco estende-se desde 0 topo de urn morro (onde

 

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S~ l In '!'lJstntlc ti m I 1, 1 HI ' I I I h urocn ' 0111 0 lilt !lIO IlOIlH 11 1(11) ili l

mbalxo. l s rnbe n ITllIl1'1(1 nv '1l111l1wll0 m ov lrn 'n l Id I, III! " 0 1 " , 1 1 i

parte "alta" a parte "ba be "l alvador, A run slLlIn·s n()~ l lmlt N d,' 1 1 1 1 1 1

regiao da cidade conhecida 01110 Pclourlnho OL i ntr Ilist ) 1 '1 ' ( ), 1\ I ' ( 'W I II

foi fundada ainda no seculo XVI e atingtu s e l l spl ndor arqult ~ 1 1 1 1 I I

social em fins dos 1700. Na segunda metade do seculo XIX, ' 10 < :111111111 , II

equilfbrio da riqueza e do poder na cidade foi deslocado das rn e os d n Vr·l lhl

elite latifundiaria (boa parte da qual havia sido levada a ban arrotn COll i I I

colapso da economia acucareira em meados do seculo) para LIm IIIIVI

burguesia urbana, que comecou a construir grandes mansoes na p rlr I 'l l d

cidade. A tendencia fez com que os ricos deixassem progressivam 1111' I I

Pelourinho e passassem a se estabelecer em novas areas exclusivas, n z IOil' II

sul da cidade. Antigas residencias familiares foram vendidas ou aluBi'\d!111

acabaram sendo desmembradas em pequenos cubfculos de forma a aco r no t l II

o maior mirnero possfvel de pessoas. A elegancia do centro da cidad Itli

sendo cl.escaracterizacl.a,e a regiao entrou em um lange perfodo de inCllt'll r

decadencia. Por volta dos anos 1920, 0Pelourinho havia se transformmlu

em um bairro pobre. E na decada de 30 0bairro ja era visto pela populae II

como uma zona perigosa, habitada principalmente por prostitutns I

marginais. Um dito popular da epoca assegurava que "No Maciel [I(w Iparticularmente mal-afamado do Pelourinho], quem tem dinheiro e ladrl 0 " ,

Um levantamento populacional de 1969 indicava que 57,8% das mulh r I

no Maciel, viviam da prostituicao (Bacelar, 1982: 52-69; 0Iiveira,19() I

103-105; Cerqueira, 1994: 36; Espinheira, 1971).

Durante os anos 70 do ultimo seculo, mas principalmente no com < ;0

da decada de 90, os governos municipal e estacl.ualimplementaram proj ·wde revitalizacao do Pelourinho, reconstruindo suas antigas fachadas (entt (J

completamente deterioradas) e reformando 0interior das velhas mans

(que se achavam em ruinas), com 0 objetivo de atrair turistas e parte d I

classe media da cidade. Os rumores sobre a revitalizacao, que circulararu

desde os anos 60, tiveram 0efeito de elevar os precos dos imoveis no bairroa nfveis estratosfericos (em torno de 300%). Os proprietaries responderam

prontamente ao aumento dos precos e as promessas do governo de oferec 'I'

gordas indenizacoes aos moradores, lancando mao de dois expedientesi

expulsaram inquilinos para vender as casas em pandarecos 0 mais rapido

possfvel, ou procuraram colocar mais inquilinos nas casas ja superpovoadas,

com a intencao de abocanhar, em urn acordo com eles, parte das

mdenizacoes, e depois vender 0 imovel com um lucro fabuloso. 0 governo

oferecia aos ocupantes a possibilidade de serem realocados em uma arc,

38

In d nlzf1

po

III

t I II II d, I' '!IOV"O do ntro d a cidade, ainda em curso,

III Jt ! W il l I Ol' ll u d salojad 5 e forcadas a se mudar para outras

,I lilli' 1 1 1 1 1 (IUllztlJ'tlmodinheirodasindenizac;6esparaadquirir

II I II 11 ' 1 ' 0 d i tante do centro, ouem cidades do interior

I I I ~ I1 1 1 1 1 III , por m, ga tou 0dinheiro simplesmente, e depois se

" til IIIl 'Illu t - II' , p o sando a residir nas areas do entorno do

1 1 1 1 1 1 1 III"h I I I I hnvtn pro] to de revitalizacao algum (Bacelar, 1982;

11 1 If l l l l , Ip I , I({ I ntrevista com Lucia Sepulveda, do lpac, 9 deI flJ11 )

It I I II II I II t 01"110 d a rua Sao Prancisco e uma dessas areas. Hoje

111,1, !',IIV IV I m n e e , as mesmas caracteristicas que tinham as areas

1 '1 11 . 1 11 1 d" P ilo urin ho nos anos 60: habitada por indivfduos e

I II 1 11 11 11 I n' I bres e por marginais. A pobreza e evidente

1111t Illdl ( s de moradia da area. As ruas sao esburacadas e

II It ~II I . It 1 '% nas, do tamanho de filhotes de caes labrador, sao

_11"1I'1I1~'1111 Illn J grernente, baratas estao por toda parte. AsfachadasI"I ti l V d , magnfficas no passado, com seus suaves tons pastel-

II I I II, IIi 'b tadas, mofadas, destruidas. Grande quantidade de' I III11 1 1 1 1 1 ' 1 1 duras das paredes. Os telhados VaGse desalinhando e

I .. 1 I t 1 1 1 , 1 1 t H I pOl l ,COS, das vigas de sustentacao. No interior das casas,

_'IIIIIIIII~ l it 1 11 11 1 un-se inteiramente desmantelados. Foram divididos em

1 1 1 1 1 1 III , I O S de maier dimensao medem no maximo 3 x 5 metros.

1 1 1 1 1 11 1 1 1 .. ' .parados uns dos outros por finos tabiques que quase

It I III, III III Ihor das hipoteses. Ha eletricidade e agua corrente

I II II porqlf. aspessoas fazem "gatos"-liga<;6es ilegais, realizadas

1111 Iuh o , de energia enos dutos da rede de agua. Mas tanto 0

I II lt 1 11 1Id " rgia quanto 0de agua falham freqi.ientemente. E 0

1111 " 1 1 1 1 1 , t.'rnicapia, um iinico vasa sanitario e urn tinico chuveiro

II"'hll lIto cia easa. Pia, vasa e chuveiro sao compartilhados por

""" III!1H S ,

IIIlh IIII d I asas possui tres pavimentos habitaveis. Quem mora

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 up irlores pode espiar por entre as imirneras rachaduras do

, I , IIV II trnnquilamente 0quarto do vizinho que mora embaixo.

III I I I1 till' m-se urn verdadeiro tormento para mim, no periodo em

I 1 11 11 11 1 d ( " quartos, na rua Sao Francisco. Urn velho, morador do

39

 

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1 1 1 1 1 1 1 1 . 1 lmu, ,'Id 1 1 1 1 1 h ' 1 1 1 1 1 '\ 1 '1 1 1 1 1 1 1 I I I , ,1 1 1 1 1 1 .. 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 It 1 1 1 1 1 111

1 I 1 0 h l ' I J l I q I [lu I, II~' l i lO \ " ' , I I 1 1 1 1 1 1 1 1 1 ('Oil I I , I ! ~ ( 1 1 1 1 I I I i I I

t rnv 11 0 I I O S l J 1 t : ! \ 1 P pi, rio meuo lIO l,' V (I<II" h, 1 1 1 \ 1 1 1 1 1 , , ! I fIll( I ' IV I I no qua rt o d h, bm ' o s lU l I l o v n ' I nllu r u m elp') ('!ltl' 1!lIIO I" II I lilt

d e ' b j', t[ lS , N m n IIIH H )) n vlso : P l'Od.L '~O, 11(1v rdnde, n o mal 'VII lilt III

fllM lIn l, m os • t l n m l a v t (:ISbaratas as mo v r m, ob"18and~HIIHlI'vnI1~1"', H i l i d "

'O S C lI d O F :, Z 1s e s gu ei ra r p el as g re ta s , p o r o n d n tr avarn , c la ro , <. i1 , 1 · ( ' l l l l t 1 1 1 1

11 0 m 'L 1 IU r to . Em uma ca ie 0 especta imente l11em ,r~v -I , K - 1 1 0 S imple ill, I

L r,v 'tl qu tra ba lha va junto ccmrgo, e eu n s vim s fo r ados a n cerr r unm1 Ih( ) de eranscricao de fitas e fugi r do quarto, quando Ierceb 111 S q ll(' I Jrl

h 11 \ ' s d dez centfrnetros que havfarnos esmagado, por entr LI' dll •

II) din r ,eram apenas as pontas-de-lanca de U111anva sa on trt I qlllli

II c tfnhamos 0menor poder de bloqueio. ,

A criminalidade no entorno da rua Sao Francisco e patente, '111 IU II I . I I

I l l ' 1 1 1 0 do tipo de atividade que os moradores do local realizam parn H1 I 1 1 1 i 1 1

n vi la , Me s r no sabendo que uma parte consideravel das pessoas e s ta e n uu ] II

t'Il1 • tlvidades e meios nao criminosos de obter dinheiro - venda de pi '01 ii,

'IH\\rI'oS ou cafe nas ruas, services de pedicure, lavagem de roupa etc. , 11 1

IlIpr' tlv a irnpressao de que todo mundo que conheci ou com qW'tll

l'II1W r ina rua Sao Francisco sustentava-se basicamente por meio de t IHlI l l1 trtlvl la d ilegal. Em Salvador, 0 local e conhecido como ponto de vend I I

ilro n s. De fato, muita gente que conheci vendia maconha, co :1 1 1 1 1 1

Rohypnol e crack. Este cornecou a aparecer em 1996. Diariament , 1 1 1 1 1

I-Iruplnho de cinco pessoas, mais ou menos - mulheres ou rapazes = . 1 0 if

'11 ontro das travesti s. Aproximavam-se, sentavam-se na solei ra das casus I

'OlTlcc;avam a tirar de dentro de uma sacola toda uma varieda,d ' . II I

111 srcadorias . que ofereciam as travestis uma saia, urn pedaco de queijo, llill

par de sapatos, uma calca jeans, uma garrafa de ufsque, calcinhas de c d u ,

lim rel6gio de pulso, uma joia, urn frasco de condicionador de cabelos '

em duvida. esses itens, e outros mais, eram fruto de roubos - tanto dl l

transeuntes quanto de estabelecimentos comerciais. Alguns moradores d I

a re a eram especiali stas em roubar ta loes de cheques. lam aos supermercado

e gastavam altos val o res (R$ 400,00, por exernplo), principalmente 1ll

compras de alimentos, pagando tudo com os cheques roubados. Depoh

vendi am os produtos pela metade do preco. Neg6cio born para as duas part N ,

j a que 0vendedor obtinha [acilmente R$ 200,00 e permitia aos cornprador ~

econornizar urn born dinheiro.

Em uma das esquinas da rua ha urn eterno ajuntamento de homens,

jovens, rnal-encarados, sempre sem camisa, espreitando por urn tur is tu

40

mtnho

Mas da rua Sao Francisco eram habitadas

outras duas casas onde travestis ocupavam

outros eram ocupados por famfl i as ou

as duas casas que eu residi durante parte

111111I ldl C III I 10, h via sernpre em torno de 35 travestis vivendo

n o II III I III, ( ) < Ill lgnificava que a rua era 0 local de maior

I II II I1II I Ie I II ' 1 o . ] d e t ra v es ti s na cidade.

I I' III'III" 1 1 1 0 1 ' ' I d lv id i a - s e em 11 quartos no ultimo andar, mais

II III t I . . 1 1 1 1 1 0 o n d ftca va 0 m eu pr6prio quarto -, alern de 21

I 1 1 1 1 1 1 III III !Ill .ulcs. no terreo, 0 andar superior era ocupado

I II I lli'l' IIII pOI' arnlgos e familiares da proprietaria. No segundo

IiHII I If I I IV' L I" LIm homem em seus 30 anos que vendia cafe eII' III dill V! l h o s I ensionistas do INSS que alugavam urn pequeno

III 1 1 1 1 1 1 II o, I In de mim. 0primeiro pavimento era chamado

I III 1111" II LI'.V stis de "favela de coco", A maioria dos moradores

_ltI"-IIlII, 1 III 1II llmposta por jovens casais e rnaes solteiras com filhos

" 1 1 1 1 1 1 1 , dHIHll0S travestis tam bern viviam nesse pavirnento, em

I I I 1 11 11 11 1" " II urn arrnario para guardar vassouras. No fun d o da

1 1 1 1 1 , , 1 1 Ihlll I linG' nto, contfguo a "favela", Ali ficava a tinica torneira

1 .11 111 111 111 1 P vlmento . ut ilizada para 0 banho das criancas, para

III' I'" llilllll' a ornida. Em urn dos flancos do jardim acumulava-

III 1 1 1 1 1 1 ti l 11)(0 que era atirado pelo pessoal dos andares de cima

t 1 1 1 1 " 1 ,1 1IIIIj)l'I s moradores da "favela" . Essa pilha de l ixo exalava1 11 11 11 1 11 1 de I odridao fermentada e, a lern disso, at rafa dezenas

1 1 1 1 "ltll" II I" invadiam 0ardim quando cafa a noite, obrigando

II,,, II' 'm em seus quartos e a manterem as portas fechadas.

, IIII~Inlldl ~Oes de vida quase insalubres , os precos do aluguel

uu I111110 Ioutros im6veis no entorno da rua Sao Francisco

I" 1 I 1 1 11 1 1 " Pm ' 1996 1 por exemplo, os mimisculos quartos alugados

II II IIiV uu de R$ 35,00 a R$ 55,00 por sernana, Nao custa

I' tI,IJlIllI(nl111o valia, na epoca, somente R$ 112/00 (ou seja,

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rc a d I $ 28,00 p O I ' tl mnnn), ql l l'lO' I " I' vd l I 0( /I I 1 11 1 1 11 11 1

b ar ato s, u sta n do par volta de I $ , ,00 R $ l ,00 (lU I 1111111.

Desde que 0 Centro Hts r o r t 0 pass \J. 0 s 'j'h ub lt.ld o p rl l id II 1 1 1 1 1 1 I t

por pessoas de baixa renda , a l e r n d orost t tutas > r n a r g t n n l s , ,I 1 0 1 1 1 1 f l l l I l "

marcado pela exploracao economica violenta des in CI tllinos, n~I(' I III Y "

o aluguel do metro quadrado mais caro da cldade, para 11i( J1'~ 1 'III ( II I

deter iofadas e com riscos de desmoronamento (Bacelar,1982: 10 4, ( )ilYI I ,I

1994: 105; Espinheira, 1971; FPACBA, 1969). Os pr pri C ( , ri ( }, ' 1 1 11 11 1 I II

prati ca exto rsiva, cobran do 0preco que bern e n t e n d e r n . 1 2 0 1 1 1 1 1 1 1 1 , 1 1 1 1 I

que 0 senhorio exija das travestis alugueis ainda mais altos C)U • II III t il (sabendo que elas costumam ganhar mais dinheiro que os outr 5 loc II lh t

Os donos de im6veis podem aumentar 0preco dos alugueis s m lit 1 I i 1 1 1

aviso previo, no momenta que lhes e mais conveniente. End) 1011 I t li l

qualquer providencia para conserta r os telhados esburacados 1I H Ill dl ldedetizar as paredes infestadas de bicho. Se os inquilinos re IlIIHIIII, II

senhorio sugere que de ixem 0 im6vel. Enfim, os proprietaries sa b III 'I"

podem continuar extorquindo os inquilinos, inclusive as tray st l 1 II III

simples fato de que a maioria dessas pessoas tern pouquissima hOllt f ill

alugar im6veis em outras partes do centro da cidade, onde nao sa o t il ' ' III

Alem disso, os proprieta ries acham-se em posicao de continuar prntl '1I1dll

a l tf s si rn o s p r ec o s porque n a o se importam com 0 fato de as travestis uC I I i ' 1 1 1 1 1

os quartos para se prostituir. Tampouco fazem qualquer objecao 00 1 1 1 1 "

indi sc riminado de drogas e as a tiv idades i lega is que se desen rolam n IIlI Iltll

dos seus im6veis. Pelo contrario, urn mimero consideravel de propri I l l t t

sao eles mesmos traficantes de drogas. E, muitas vezes, recrutam a l K O l I, t •

inquilinos como vendedores.

Foi Keila Simpson quem me convidou para morar em uma da s t Ii

da rua Sao Francisco. Durante 0periodo de campo, ela foi minha prof '~jIII

colaboradora e melhor amiga. Com pouco mais de 30 anos, Keila 111111

t ravest i de compleicao robus ta. A primeira vista, evocou-me urn gu 1'1 '11,t

maori. Ela tern urn rosto largo, redondo, quasepolinesio, e a cor de p i I tcaracteristica do povo do Maranhao, sua terra natal. Na primeira v Z qw

nos vimos, est ava usando urn vest ido solto, que me fez lembrar 0muumuu' II

havaiano. Isso tambem ajudou a fixar na minha mente a associacao C()IIII(~

Mares do SuI. Embora, posteriormente , ela tenha cortado os cabelos n C J . l 1 1 I

bern curtos e os tmgido de louro, na epoca em que a conheci ela os e ~ 1 1 V I

NT Ves tido femin ino largo e solto , semelhante a uma bata, suspenso pelos ombros, t fp ico do 1 - 1 , v r, iI .

onde seorig in a 0termo.

42

P"I! C rvnrn p a r n 'hml PdO O'

I, ur n J ,It m als x pa ns lv o do qu e

T ra ve stis e A id sI III!III III nee, a distribuicao gratuita de preservativos era uma

, II'll mi. I.eAids que atingiu a populacao de travestis a partir do

Itt~I1 1 1 1 F 80. Desde que a doenca foi diagnos ticada no Brasi l entre

Ilit ',Ill Ifs parece rei teradamente nos prime iros luga res no ranking

" h '[\ilO apurados pe la Organizacao Mundial da Saude (OMS).

,"hlll d· 1 996 , haviam sido registrados 94.997 cas o s de Aids no

1111111 1 '0 alto. Mesmo ass im, e cer to que a est imativa nao retrata

Il1ltlllt ,I flJUll.ac;ao,isto que, em termos mund i a i s , 0 rn imero de casos

II 1 1 1 1 1 S mpre bern menor do que 0 de casos concretos. Assim, 0

ItI d I,'.Ide do Brasil fez urn ca lculo mais reali st a, considerando

II HlllIll "50S. 0 quadro e ainda pior se pensarmos que as estimativas,t 'I I A i d s , mas do mimero de pessoas infectadas pelo virus da

I lit I 11 1 IIIhumana - HIV no pais, indicam ent re 338 mi l e urn milhao

" / ' , 1 1 1 / 0 , 21 dez . 1996).

1 1 1 1 1 i l v n d r, at e agosto de 1996, haviam sido reportados 1.295 casos

II !JIll loea a cidade em nona lugar no rankingbras ileiro (Boletim

' J / / t l ~ / 1 '(i, ernanas 23-35, 1996) . Porern, esse nrimero relat ivamente

II ' " 1 1 ttl mais sobre as condicoes de acesso da populacao local ao

11111.1 0 de saude do que sobre a real incidencia de Aids na cidade.

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Trsba lhando am II'OstilllC n orm lin IlL H umhulo (Iprlp I II I I"

n a s r el ac ;o e ss ex ua is com o s Ii n t es , a l l' rl v! lt l f o r a m p Irll eulurm lit L i l l I III I

pela epidemia.? E , todavia, i r nposs fve l ava I til', ou m sm o IIn'I~lnm',1 1 1 1 1 1 1 1

morreram em razao da doenca. As esta tfsti cas sobr Aids 1'\0 B r a s t l n (I tnl III

mimeros sobre travestis, pois etas sao inclufdas generi cament n s ' 1 [ 1 ' 1 4 1 1 1 1 1

"homem" e "transmissao homossexual". Alern disso, solici tar dtr ' lno l(·111

travestis que estimern 0mimero de colegas ou conhecidas mortas por A Ih .

• urn procedimento totalmente ineficaz. Sempre que jornal istas abordarn I l l I V l t b l 1nas ruas perguntando sobre Aids (e este e um dos poucos temas qu jnl ' 1 ' 1 ' n II

aos rep6r teres quando enfocam 0universe travest i) , a respos ta vem r6pldll, I I

forma de urn rnimero qualquer, geralmente alto. Mas quando conver < J il l 1 '1 1 11

s i, essas mesrnas travest is irao lembrar prontamente que travest is mort ' ' 1 1 1 1 ' 1 1 1

muitas causas, sendo a Aids - doenca geralmente s6 mencionada por m It III

eufemismos como "amenina" , ou "a t ia" - apenas uma dessas causas. All. Il, III

pr6prias questionam. como alguem pode ter certeza se urna deterrnlmul :

t ravest i morreu realmente de Aids?

A maior ia esmagadora das travest is , ass im como a maior ia da POPUli, II

brasile ira, nao tem acesso aos services basicos de satide. Travestis, C O li I I ,

grande par te dos brasi leiros, levam a vida diagnost icando aspr6prias docn II

e se automedicando, tratando-se com remedies indicados por amigo "

por [a rmaceuticos - estes ul timos disponibilizam e facilit am a venda d ' 1 1 1 1 1 1

vasta gama de medicamentos sem receita e sern indicacao medica. Em lilt I

contexte desses, Aids e muito rnais uma questao de opiniao do que li t

diagn6st ico clfnico. A mesma linha de raciocfnio e sustentada pelas travn II

quando alguem observa que a injecao de si licone pode causar problem I I

saude. Elas sabem que muitas pessoas consideram 0 silicone injetavcl 1 1 1 1 1

r isco. Mas afastam as preocupacoes, contra-argumentando retoricamonh

que ninguern pode ter certeza absoluta de que a morte de uma travestl _,

relacionada a injecao de silicone.

Algumas travest is f izerarn 0 teste de HIV, e algumas receb I Htl

resultado positivo. Mas ha uma crenca generalizada de que os testes de IIInao sao confiaveis e de que uma mesma pessoa pode obter um r e s u l t a i l «

positivo hoje e um resultado negativo amanha. Com isso, ninguern p 111

saber realmente se esta, ou nao, infectado pelo vfrus. Ha tambem a Ih m

conviccao, no meio travesti, de que 0 H IV pode infectar as pessoas lilt

quantidades var iaveis . Ass im, se alguem contrai somente "urn pouco do vrl u

nao tera a saiide totalmente comprometida.

Alem dessas dificuldades que, segundo astravestis, nao permitern S llit 1

se um individuo realmente tem Aids, ou se morreu em decorrencia da A ll

'0(1

 

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a m ] ln h n . I I q ~ 1 . nd o (J " .1 1 ' Iro I x u I dH11 III d o III ((II

c os tu m am c ha m ar d 'v f .te" - t to / \Jill J O Y I I I ltr I

fazem sexo voluntarlament ,s m obrar -, l r 1 1 1 '1 1 1

raramente entram na historia.

No entanto, 0 rnais importante vetor d tran rnl ,l 0 do IIIVt ravestis nao sao seus cl ientes , nem seus "vlcios", mas s us nunun Hhl

todo 0perfodo de pesquisa, s6 ouvi urna i inica travesti a f l l ' l 1 l l l ' qil

camisinha em relacoes sexuais com 0 namorado. N50 e olncld 11 1 I 'I"'

tenha sido justamente Keila. Ela trabalhara no GGB e em outras o l 'H 1 11 1 r',nao governamentais, e era a travest i mais engajada na prey 0 < ;. ( ) do III

em toda Salvador. 'Todas' as outras travestis negavam ab rlUII! nil I

possibilidade de pedirem a seus namorados que fizessern sexo com 'till! 1111

mesmo quando os namorados eram notoriamente prornfscuos, I II _ 11 1"

quando as relacoes sernpre envolviam penetracao anal, 111""'

considerando que elas trocavam de namorado com frequencia. P a r a III, I I'epara 0mal, travestis passarama associar camisinha com trabalho (I t I

prostituicao ). Portanto, nos encontros sexuais em que elas

consideravam a trabalho, os preservativos erarn coisa dispensavel.'

'1 11 n "u fa lx de 15

puh ll a da 110 jo rnal

I' " 1Ce a vida c i a ma i o rl a

t50 ubfqua quanto no

o '' C ' 1 ' 1 1 pane de fundo de suasvidas.

Ia matoria das travestis nao passa

apresenta a luz do dia . Emvez

. 1 11 1 1 11 1 1 / I I I t p nas, por exemplo, comprando paezinhos

' 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 oll iando sandalias nas vitrines de lojas.

I 1111Itnlll 'II rnos t r am-se publicamente atrafdos por travestis1111t II " I'I'fmcamente hostis. Elas precisam estar preparadas

1'"111 III "0 c l sairosos (que partem tanto de homens quanto

I 'I III " V . I N d agressao ffsica (por parte daqueles). Travestis

I . 1 . III .lfll'm r a cada instante seu direito de ocupar 0espaco

I It III 1 1 1 1 I n qualquer momento, podern tornar-se alvo de

I Iii Iviol ncia ffsica por parte daqueles que se sentern

IlIIpl pr nca de travestis nesse espaco.

I III Ij, Itl do, os perigos sao maiores. Precisando atrair os

II I I. H I ponto nas esquinas de ruas e avenidas e acabam se

1 1 1 1 I I I I I V de uma forma que, nao Fossea situacao, elas teriam

KJlQ

I<;liocoloca astravestisem posicao vulneravel, alvoII" d. poll iais, motoristas , t ranseuntes, gente que passa em

IIlhll I Na maioria das vezes, a violencia vern na forma de

I, ru I Ilao sao raros os casos em que gangues de jovens

II ,Thmbem e cornum ver gente que passa de carro lancar

Ibr elas . Algumas vezes chegam a disparar armas de

" v II m plena rua. Normalmente as pessoas que cometem

"' 0 ldentificadas nern detidas. E quando 0 sao, recebern

I lu II 'n ,

Travestis e Viol&n

Se, por urn lado, e diffcll saber se a morte de uma travesti fal II

por Aids, por outro e muito facil saber quando a morte decorre da vi III II

oBrasileuma sociedade violenta. A sociedade brasileira nao e apenas S t l llJ I IIdo que Nancy Scheper-Hughes (1992) chamou de "a violencia a ., v i 1 ,1

cotidiana" - isto e, a rotinizacao do sofrimento e da humilhacao supor 1 1 1 1 1

pela rnaioria da populacao em meio a urn sis tema sociopolf tico corrnpt»

corrosivo e extrernamente marcado pela discriminacao de classe e ra~a ,III

e tambem uma sociedade na qual, por exernplo, setecentas criancas de III.

foram assassinadas por grupos de extermfnio em menos de cinco ane d .

1987 a 1991, de acordo com0

[otnel do Brasil,6 dez. 199t,

apud Simp ""1993: 132) e onde balas perdidas, disparadas seja por policiais, s j II II

mernbros do trafico de drogas, vitimam dezenas de inocentes a cada ana (rt'vl I t

lstoe, 13 nov. 1996, p. 40-41) .14 Em Salvador e raro 0 dia em que nao 0 '11111

pelo menos urn assalto a banco, ou sernque motoristas de automoveis e 8 1 1 1 1 1 1

nao acelerem propositadamente seus vefculos ao notar que pedestres t 1 1 1 1 1

cruzar a pista. Todo mes a cidade assiste em media a dois lincharnent I

pessoas flagradas cornetendo crime, ou mesmo apenas suspeitas de 0 t I I

cometido. Uma pesquisa em nfvel nacional publicada em 1996 conclulu q I

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ab rg l ' C I \ r 1 1 1 1 1 'n '( ) n J 'l I I l 1 , t h l l poL, d II l~" ti t 1 1 1 1 1 1 1 1 ,

senten i do p I rt millt, I', onstd I' d 'u h I 10p'lo I I UIIII I. lUll

travesti a quem bale 1I n ro t 11f s tas. [h m !l1I1! politi II II I I I I V 1I~;l .1

pela rnorte de outras cinco travcsti - c das "las n ' t> l1 ll ', ,1 1 ' li01i1 lWI I I I I

tiro no rosto e os genitais extirpados. Houv ap 1 < 1 < ; ( Q '0 'I ()101 IlIvl~1lh I

instancias mais altas do Tribunal de ]usti .c;;aMilitar, onde n p'1I1 1 '0 11 ; h i IIde 1 2 para seis anos, pelas seguintes razoes, de acordo < ': 0 1 1 1 , N li t 1 I t , I I ' " 1 1 I

afastada a qualificadora do crime porque a atividade a que s d idle I V 1 11 vI I 1 1 1 1

era de alto risco, perigosfssima pois, nao Ihe socorrendo assi rn, 0 f1lw IIIl'h ~(Folha de S.Paulo, 9 out. 1994 ) .NT Em outras palavras, 0qu sc '(lilt 1 1 1 1 1 1

sentencaz Travestis que trabalham como prostitutas nas rUG • 'L (II' 1 1 1 1 1 1

para serem vitimas, portanto, que runguern espere do tribunal a punl,; I IIt IIII'

de urn homem apenas por ter baleado 0 rosto de uma delas.

Con forme indica essa his t6ria, pol iciai s sao uma das prin 'Ip II 1 1 1 1 1 I

de violencia contra travestis. Em Salvador, sem diivida, e1es s{ j ll ll II 1 )1 1 1

fonte. Ha tres tipos de corporacao policial no Brasil: polfcia fed m l, 1'1111,I

civil e polfcia militar (esta ultima sendo, aparentemente, herancn d 1 1 1 I 1 j , l 1

hist6ria de governos autoritarios no pais). Essas diferentes O rM {1 l1 ' II fll

policia is sao, por sua vez, divididas em grupamentos especiais, t.1 1 '1 II I l it "

polfcia rodoviaria (que funciona como urn brace da polfcia fed'I'

1 ) 1111

I Itemidos batalhoes de choque (divisao das polfcias militares), e a I I t 1111

de logos e Costumes (O]C) - urn tipo de esquadrao antivfcio, que fun ' 1 1 1 1 1 1 I

no ambito da polfcia civil da Bahia e foi extinto, segundo me cantil 1 1 1 1 .1

travestis, pelo ..presidente Fernando Collor de Mello no infcio des l I lW i 1 11 1

"Aiinica coisa.boa que 0 Collor fez", comentou uma travesti ao me '0111111 I

hist6ria pela primei ra vez, recordando, ato continuo, as acusae Ij IIcorrupcao que conduziram ao impeachment do presidente em 1992 ,1 0

As polfcias civil e militar sao responsaveis pelo patrulhament r U 1 1 1 1

das ruas de Salvador, como de resto em outras grandes cidades br I It Io cont ingente da polfcia mil itar e mais nurneroso. Sua presenca e t IItil III

rnais ostensiva em virtude da obrigatoriedade do uso de unitorme. A' IItpolfcias - civil e militar - tern osmesmos poderes de fazer detenc ,.

N;T 0 reu f or a condenado em I'Instancia no.Tribunal de justica Militar por hormcfdio quallf < tl i I, I" ,t er agido supostamente sern dar chance de defesa a vit i rna (0 crime quali ficado resul ta no d l lh l lt , I

pena):No'entanto, a 2' Instancia do TJM, formada por tres representantes militares e dois ctvts, d I hilI!por t res votosa dois, que 0crime nao ser ia quali fi cado, uma vez que avi tima nao poder ia nun 81 I_ i i i ,pega de surpresa em razao do r isco inerente a sua atividade.

N:T Na realidade, existem apolfcia rodoviaria federal e aspolfcias rodoviarias estaduais (ligadas ~ ~ ( J I J 18militares de cada estado).

48 49

 

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P II' lJ I, III '1110 '(Jill I II\lt1l1 1 d 1 Aid 1 1 1 1 1 1 1 i II! II. 1 1 1 1 1 1 1 1 dill II

p 'riM I S S ,06 ho m '11N 'ollclllll III f qU 'Ill HlIln 1 1 1 0 : Ii plO! III I ti t IItIV! Nil.

PERSEGUIC;AO

A insistencia de "Kanne" a ca bo u a tr ai n do Roberto a r los , 1fIII" 1 1 ~ I J i V I l

que no local ha mais de uma hora, observando as trav stls III, IH( .~ •

aproximam, segundo uma testemunha, e acontecc lim rapldo til 1 " , . 0

Em seguida os dois desaparecem por alguns minutes " tlU uulu II

movimento ja estava mais calmo, "Kanne" reaparecc, COlT ndo U ' d l

Roberto Carlos, armado com uma navalha. 0 rapaz tenta S a P i ll ', 1 11 11

recebe um golpe profundo noombro d ire ito, cortando inclusiv a COIIII_"

o sangue flui rapidamente e as pe ssoas comecarn a gritar, atl'flilido

atencao de transeuntes e motor istas.

J a sem os sapatos altos, "Karine" continua perseguindo Roberto 'ot ' lo~ I

acerta urn segundo golpe, desta vez nas cos tas. 0 rapaz foge para ( ) 1 1 11 '1 1 I

darua , com a camisa encharcada de sangue, e "Kanne" vai no seu en 'nl~1,

Urn terceiro corte profundo e fe ito no brace d ire i to de Roberto, agorn ,

sem condicoes de continuar fugindo.

Alguns dias depois de publicada a materia, encontrei Karin 1 1 1 1 1 1 .

nas ruas, e gravei uma entrevista com ela a respeito do incidente. \1.1 ViI~ I'

do ocorrido era completamente diferente do que 0 jornal descrevera. I'( l i l t

ela cornecou a me dizer enquanto outras travestis juntaram-se a 1 1( 'N 1 II I

escutar, li E assim. eu estava la no meu canto trabalhando, certo? hli II ,I

veio e me pediu cinco reais. Eudisse que nao tinha cinco reais. AJ 'it' h d l t l l

'Ah, nao tern?', e foi embora". Essehomem, que Karine sabia ser um ass 1 1 1 1 1 1 1 1 >

e ja havia roubado outras travestis e prostitutas naquela area, retornou 1 1 1 1 1 1 1I,

tempo depois, acompanhado de urn comparsa e carregando urn p d r It t I ,pau com pregos na ponta. Ele pediu dinheiro novamente. E d S , V I

sentindo-se ameacada, Karine sacou da bolsa uma pequena lamina . 1 1 1 1 1 1 1 1 1

o rapaz. "A gente tern que se defender, nao e?" Ela estava chocada '( 1 1 1 1 I

materia d'A Tarde. "Eles mentiram. Nao foi navalha. E ele nao era II 1111

Ele nao veio atras demim querendo pagar para fazer sexo. Ele era urn 1 1 1 m U l l i l l

de rua." Oepois do incidente, Kanne foi presa pela polfcia, masltbounr] ,

depois de pagar uma pequena propina ("um acuezinho").

Nao tendo presenciado 0 incidente descrito por Karine e pelo j011l II

tudo 0que posso fazer e especular sobre qual das duas versoes tao diverg III

estaria mais proxima da 'verdade'. Considerando tudo 0que eu conh ~tI it

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C I L I C I S ' S m p r 1 1 1 ' 1 1 1 0 1 1 ( - 1 I ( 1 , 1 <h ' J' 'S p O I i V I . p t l n 1 1 0 , 1 ) 1 1 1 1 1 1 1 1 1 I I f 1 1 1 1 '' '1

bjetos ( m a l s sp IfI alii I1t·a rm . s ), clc o r t o fill .I!)\!II 1 ( 1 1 IIi II''' I II t II

crimes perrnanecem 11 1 segundo plano (J lcnl \ , M I l k - I ' lit IIt'.1 . I t · y , 1')1)

Travestls em Iv II IIA despeito da flutuacao demografica, 0 ru i rnc ro d ' It'IV(' II vlvl II I

em Salvador se mantem em uma faixa de cern a 250. A v ! l I ' l n ~ . I I r t 1 1 1 1 1 1 1

Travestis sao pessoas com grande mobilidade. r nu i t a s , mal t ndo ( ' 1 1 1 1 1 1 1 " I It l20 anos de idade, ja trabalharam em tres ou quatro id d stille If'III

geograficamente distantes. Salvador tem urn apelo especial parn r l!fl\ll Ii

principalmente nos meses de verao. Nesse perfodo a cida I , 1 1 1 1 ' 1 1 1 I 1 11 11

quantidade de festivais populares, culminando como 0 famoso : f l 1 ' 1 1 1 V I , 'I"

transforma 0cenario urbano emumagrande festadurante sete dlas It~IIlII'III1I'I"

Com isso, travestis de todo 0nordeste do pafs invadem Salvador, p 11 1 I11 I I, f '"

tirar maximo proveito desses dias de animacao que, sem duvida, dl1lllllfil "

homens emclima festivo,predispostos a gastarurnborn dinheiro comPI(I 1 1 1 1 til

Porern, contrarian do 0senso comum e algumas analises a a d 1 1 1 1

que sustentam a ideia de que travestis vivem basicamente para o ( : 1 1 1 1 1 1 .1

por ser este0

unico perfodo do ana em que podem semostrar p u b l k :11111111

e receber aprovacao popular (DaMatta, l 984, 1991a; Kottak, 1 1 1 0 1 I I

Parker, 1991: 146; Trevisan, 1986) =, em Salvador muitas trave It 11

participam ativamente do Carnaval. Algumas aproveitam a ocasiao I' 1 '( 1 V I I I I

fantasias caseiras e minimalistas (urn pouco de purpurina e urnas pllill

plumas) e seexibir na rua, de olho em possfveis clientes que freqO 1 1 1 1 1 1 1 I

pra<;aCastro Alves. Ha urn consenso tacite em torno da ideia de qu ••1 1 " II i

se torna urn espaco predominantemente gay durante os dias de ( 1 1'1 11 I I

Algumas freqiientam tambem os bailes gay que acontecem em dis ot It

clubes. Outras chegam a participar dos concursos de beleza gay, r all I II I

normalmente na segunda-feira de Carnaval no mesmo local da praca • II'

Alves onde as travestis costumam se aglomerar. No entanto, elas evlt 1 1 1 1 II

maximo semisturar a multidao que segue atras dos trios eletricos, ou J I I I I "

se a grande quanti dade de gente que se acotovela nas calcadas par Y I

passar os grandes caminhoes de som. Na verdade, muitas travestis ate vllllll

sair as mas durante 0 Carnaval, considerando que a exposicao publl 'JIII"

meio do povo acaba aumentando os riscos de violencia e agressao.

Urn dos mitos brasileiros sobre 0Carnaval- mito que e reit 1 ' 1 1 1 1 '

perpetuado tanto em analises acadernicas quanto no senso comum - .1' lltl

que a festa e uma especie de inversao generalizada (urnmundo de cabecr II II

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UIl1. < 1\ 'L r r 'li ',d I 0 P Il Jn • I) t .IV Nt til • !I v IllllIer camp sea, m grol1d' P<I't ,por p~ "{)[\' (I'(lV III III tI ( llllllillilltlllicidades nordestinas. s ca dos do N ord ! l V ' (Of111 III U 1 J 1 d I I II t II I I

pobres do Brasil, e em g e r a l as nord s t i n o s So v i 't(;)S p ·111 " 1 11 1 11 1 11 1 . I

cidades mais pr6speras do sui de forma estercoclpada, '0 11 10 1 11 11 11 I II

atrasada, sem educacao, inculta, rude. A Bahia t3111S 'li P I ' )pl'lll t 1 1 1 1 1 1 1 1 1 '

especffico de associacoes e estereotipos, positivos Oll n gnt lvos, Hili~hllll

positiva, a Bahia representa 0 pr6prio parafso tropl < I do I I , r ' l II I"

predominantemente negro seria urn vinculo com uma . A f l " i '[:1 1 1 1 1 t 'I I t , " I

cidade e tida como berco destas criacoes que sao como n fllllllh" II I

brasileira. candomble (religiao afro-brasileira), capoeira (tlpo I, I It l I II ,

misto de danca e luta inventada por escravos) e Carnava]. I 1 1 1 1 1 1 ! I funiverso de associacoes, os baianos sao retratados como U l n a B ' ',)l dUll 1 1 1 1

e sensual mesmo para os padroes brasileiros. Por outro lado, III III III 1

negativa, a Bahia e vista pelos sulistas como uma cidade pobr , 1 1 1 nit ,j

tradicionalista, terceiro-mundista, e seus habitantes como PI ' HIlII~1 r I

fanfarr6es, estrepitosos, dados a festas de modo exagerado e 1 11 1( 11 11 11 11 1 "

Salvador e a capital do estado e a terce ira cidade em p O P I I I I I . II II'

Brasil. Conheceu uma expansao dramatica entre 1970 e 199 l , P 'I' ntltl • '"

que 0numero de habitantes saltou de cerca de urn milhao para mil 11

dobro (CEI/Conder, 1 9 9 4 : 1 8 6 ) . A grandeza da cidade pare 1 ' 1 1 1 1hili"

como urn ima, atraindo imigrantes do interior da Bahia e de mull.IN pili

do Nordeste. Nao e por acaso, portanto, que muitas travestis I' sid lilt II

Salvador sejam migrantes de outras cidades nordestinas. No s o l )J 'u ill I "

que morei, porexemplo, havia cinco travestis vindas de Pernaml uoo, I1Il1

do Rio Grande do Norte, outras tres originarias do Ceara, da P a l ' t l f i t II

Maranhao (esta era Keila), e apenas quatro da Bahia. Elas informarrnu I"

embora haja recentemente uma tendencia ao aparecimento de mais II tV I II

nativas da Bahia, a configuracao demografica da casa era bastant t (II II

que no passado, alias, a maioria das travestis de Salvador nao ern h II IHmas vinha de Pernambuco, mais particularmente da capital, R ectf , I, IIt ao grande quanto Salvador, mas todo mundo considera Salvador urn hlllimais tolerante que Recife. Conseqiientemente, como me disseram, ast V I I

oriundas de Recife que visitavam Salvador acabavam ficando. Primeiro PIli III'

o clima ea cultura das duas cidades e muito parecido, mas sobretudo pi I I"'

em Salvador as travestis gozavam de uma liberdade muito maior do qu ; • III

Recife, aparentemente mais conservadora.

Alern de ser constituida por pessoas oriundas de diferentes 't h .

(quase sempre do Nordeste), a populacao de travestis e jovem E 1 1 1 1 "

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r I. 'ion In I1C O!i 0111 hom II , mulh I t' ( ' 1 1 I I ('01\1 Iflle III I vi 1 ' " 1

espaco. Tendo vivi t all ( I 0 1' P reo 10' mn l III'W 011hi I 11111" I

travestis passam a conhe r { S r IT I onh i k l o s p ,I I Ii l i l l i , 'I'"

cumprimentam na rua, fazem brin ad lras, m J)< 11 1 iom ( 1 1 i l , p tl l 1 1 1 1 IHI

conversar, flertam. As travestis sao lima presence contfnun IUIIIUI A qlllltill

hora do dia ou da noite, la estao etas, sentadas ou n '(l~t IdHl lilt hrlll! ,I

porta de casa, atentasa urn POSSIVe!liente, convcrsando im V O : J: 1 11 11 . 11 1 1

a vida, as experiencias, tecendo cornentarios sobr · a b ·1':;;:uill It 1111 d

algumas mulheres e sobre 0 tamanho (conhecido ou pr 5 U 1 1 1 1 d o ) .III 1" II IO . d "bi I II /I 1 1 1 1 , I Iv l1 1 ltde todos os homens que passam. s gntos .e ic 1a, mont t I I

vocativos significando homossexual ou gay -, assim com l o t i o ( ," 1 1 1 1 1 1

que astravestis costumam usar (normalmente) de forma n I'w)(lI I I l v t l pll

falar entre si, ecoam na rna 0 dia inteiro. Durante 0 dia, as C r, v H i l l i I'wl.!t

realizar algumas praticas de cuidado e higiene pessoal a CCl.1 • hl'lllI, I I

de quem estiver passando ou pOI'perto. Algumas sentarn-sc 1 1 0 c tI ' J l i I , I

frente ao portae, aplicando rolinhos no cabelo (mise-en-pll.'i), 1111111111

observam urn cliente em potencial. Nas tardes ensolaradas, qual! f'UII"

ve urn grupo de tres ou quatro travestis sentadas lado a lado, 0 1 1 11 1 .I

pressionando 0 concreto morno das fachadas dos sobrados, 111111 lit

espelhinho de maquiagem a mao - urn olho no espelho, 0outro vn:I'lili! 1 1 1 1

em busca de c1ientes -, rindo e papeando entre si e com os pi 1 1 1 1 1 1 1 ,

enquanto retiram pelinhos do buco e do queixo com uma pin <.

As travestis da rna Sao Francisco sempre fazem cornpanhln lUll I

outras. Elas podem dividir urn quarto alugado em urn dos sobrados, II I II

o dia todo entrando e saindo e fazendo visita aos quartos das a.mIMII I I IHI

vel' nove1a, pegar emprestado algum par de sapatos, pedir ajuda (1 1 '1 '1 I

de hormonios ou aplicacao de silicone, fumar urn baseado ou fofocu IIltl"

homem. A noite, tomam juntas 0 onibus que leva a uma das avenld 1 1 1 1 I

fazem ponto, e auxiliam-se na hora de assaltar urn c1iente. Pedem 01 1 lit

rmituos sobre roupas que querem usar a noite, sobre qual p melh r pw 1111

para alisar 0cabelo, qualloja de departamentos aceita vender t I vi. ,credito, quais hormonios sao mais eficientes, quantos litros dill! 1111

precisam injetar para ficar com 0bumbum bonito, que medicamento 'til III

tomar para ganhar peso e solucionar molestias.

Apesar de toda interacao, cooperacao, aconselhamento e UpUlIll1

boa convivencia, os lacos entre astravestis sao, de fato, extremament III 11 I

e marcados por urn alto grau de suspeita e desconfianca. "Tudo e fa!.tI, ,1

elas me alertavam repetidas vezes, quando no infcio da pesquh I

comentava, nao sem certa ingenuidade, sobre 0fato de todas se d z r il l"

1 1 1 1 I I I' III II 1 1 ' 1 ' da por Keila envolvia umajovem travestique

II ,Idlll ,'0111 s tn to rnas de hepatite em estagio avancado,

, 11 I ' . ii i V 1'1 19agenital no anus. Constrangida, ela nao

1 11 11 1'1 ' I II " o l ) ! ' as verrugas. Mas quando as tumoracoes

1 1 1 1 •• 'I I I • 1,1 m I onseguia defecar, procurou a ajuda deuma

I( t I' 1 1 ' 1 1 1 1 levnndo-a ate Keila. "Elachegou no meu quarto

I I I I t I1 1 11 11 11 1 1 1 11 0 n edi'{isto e,urn problema qualquer no anus)",

, II I" .II IIIH' sl a me rnostrasse. Ela disse que nao, Eu insisti,

, " I 1 I I d iN n . G. Entao eu falei- mas que estupidez e essa,

I " I I III. , 111(' d 'Ixavel'para que possa tentar encontrar alguern

It "'1111 P c : Z : r." Finalrnente a jovem superou a vergonha,

11111 I I "III M ser examinada. 0mau cheiro que exalou do

I I" I II . K( lladesmaiar. Horrorizada pela visao dasverrugas,

III I IIIVI III quando haviam cornecado a aparecer. "Ha mais

I I ( 1 4 1 1 .1 . K ila, entao, indicou urn local onde e1apoderia

'I IItll I d " q u do, 0que foi feito. Como nao podia trabalhar

I I I d 1 I 1 1 1 1 t r 1 nto e convalescenca, ajovem travesti dormia no

II 1 1 1 1 1 n 'I comendo com elas sob 0 compromisso de que

I IIII « onal.i<;6esde voltar a rna, pagaria as dividas. Enfim,

, IIIlilt la ficou boa. E 0que fez entaoz "Roubou a bicha

I to n 1I da cidade", contou Keila, revoltada.

I' h i l t 1 1 1 0 Como esse, e as narrativas sobre e1es sao muito

' t i l IIIrl n travestis. Mas elas podem nao s6 trair e roubar

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'f'lld pnl' outras t •v s e t sI'Th S outras 1'110 po 1 '1 \ , C r n l : in , .1 I!' xu u V 0 1 II II \ II I "

r ecer n- ch ega ds a IVt d I', ou l qu lq u I' 0 urn 'Id 1 I I V I I

enfrentar uma oposicao dura cia trav CI10\ I " III '110 ('0 IIIIIHIIII 'lit

a concorrencia de estranhas. principalm nrc ' •. novutn fn h i 1 1 1 1 1 1 1 II

nao for capaz de sedefender sozinha, ou de en ontrar 011d I , ( '1 1 11 1 " I t

pode ficar.em .apuros, a merce de agressivas l n C l m l c l f u ; J , , 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

vezes forcada a sair da cidade ou a trabalhar em hrgar 'S' 1\11 1 1 1 1 1 ' 1 1 1 · 1 1

Nao se exclui a chance de acontecer coisa pior. H~ alguns 1 11 1 ) , "1 11 11

felizmente durante urn curto perfodo, jogar acido sulful'l '0 1111 IlIh'u

travestis desafetas. EmSalvador, foram muito poucas astrav 'N li 1 1 1 1 I~ I I " ,

fazer esse tipo de coisa, mas em outras cidades 0 probl III I fll tltlll

por algum tempo. Em Belo Horizonte (MG), por exemplo, uuu III

conhecida pelo apelido Monstro do Acido conseguiu desfigurm I I 1 11 11 1 I

13 travestis com acido sulfurico, ate ser finalmente captura Inpil I" ,I t

em agosto de 1994 tDisrio da Tarde , 13 out. 1994).

Certamente que em alguns casos particulares algumnj I II

conseguem estabelecer laces de amizade solidos e duradouros ' 0111 I I I II

Mas em geral elas me diziam nao ter amigas de verdade, e qu I I1 1 1 1 1 1

de todas as travestis indiscriminadamente - e a ahrmacao era c '()!ll(l 1 1 1 1

no mais das vezes por uma lista detalhada de travestis d quII I

IIjulgavam amigas, mas que cometeram traicao espalh ndo 1 1 f t . ,maledicentes, roubando seu namorado, nao demonstran In 1 1 1 1 1 1

preocupacao com suas eventuais doencas e problemas de saud , hili III

seu dinheiro ou negando urn ernprestimo.

As travestis se valem de diversas palavras para descrev r (I 1 1 1 ' 1 '

relacao que se estabelece entre elas. As mais recorrentes sao iii' • t il III

"invejosa" e "despeitada". Essas palavras podem ser usadas de man .lr til" I

emmeio a conversas descontrafdas, mas tarnbern de maneira absolulu II II

grave em comentarios privados que fazem sobre 0 comportamento t i l t 1 1 1 1 1 1

Escutando esses term os inurnerasvezes, fu i percebendo que aspr 0 lil'lI 1

obsessivas de Banana - de que outras travestis estavam botando olh I IIII

nela, tentando se apropriar de seus clientes, sua boa aparencia 1 1 1 1 1 , .

materiais etc. - podiam ser ate exageradas, mas nao eram inc 0 1 \ 1 1 1 _

contrario, no final da pesquisa, depois de longo perfodo em Salv~dlll

vezes me parecia que as travestis consideravam asoutras como su p i t "

inimigas. As travestis vivem e trabalham juntas, mas muitas se V I I I I

competicao constante com asoutras. 0objeto dessa competicao sao 1'I III

escassos e valiosos. namorados, clientes, beleza, ferninilidade, dill" IiCoisas que astravestis obtem a custo de muito trabalho arduo, e que l'lill I

1 1 1 1 1

"I III d IIlll'I111 mntu - c s p , . ~ t l a s que a reforcam e

I I. I II, I I, IIl11hll, Ll' l~~, clLiC;<propositada do parceiro

II I It Ih I IIId ! f i l l trnv s C i s vivem em um mundo violento

III I I h e n sl ne q ue , se pretendem sobreviver ~

III II I d IIiporurntdade, r n e smo que isso implique trair

II II I lul IIlin as a judara rn . Talvez essas praticas sejam

I j I' I II 'V IIN~, 0 C.O discrirntnadas e desprezadas pelas1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 ,II I I tU I I • s s sentirnentos e reproduzindo-os contra

, II III I, I 1111Is,0, ao afirmar com firrneza. "0 5 proprios

, III.. m mos nao gostam de outros travestis"."

IIt I 't n f l . nca seja maisuma manifestacao do que

1 1 , 1 . I II \ / 1 \ 1 ' on , uma "desconfianca basica a respeito do

Ii I I IIII t ltude dos brasileiros diante de si mesmos

It t Iii I , . I IIllhdm McCallum, 1996: 218-219; Sarti, 1995).

1 1 1 1 1 I1 I t 1 iii t I possa explicar muito da fragilidade detectada

lit .III II IV'StiS em termos de padroes socioeconomicos

It I i " 1 ' 1 l id, d e pela propensao cultural generalizada a

III I' III III() 0 itro. uma razao ultima para 0 fato de que as

1 1 1 1 1 1 ' 1 ' 1 1 1 1 d n vida suspeitando de suas colegas e se sentindo

I I I. II Itl na propria natureza do projeto travesti. Talvez

I " . 1 1 ' 1 1 1 1 1 1 1 rnuito tempo a tentativa de construir relacoes

III 11'" 1 " 1 \ ultura travesti e, em larga medida, uma cultura

It. Ilit, pi ) luztda por individuos que sao jovens ou que

II 1'1 I I I V II . Uma cultura constitufda, posta em pratica e

I 1 1 1 1 1 1 I d l ll l 'uja maior preocupacao nao e com sua vida social,

I I IIIll, L l m a cultura na qual a beleza feerica importa mais

I I I 1 1 1 1 1 .1 III ihl l idade social; na qual 0mimero de namorados,

1 1 1 1 1 1 .1 X I f I I na forma de "vfcios" e muito mais valorizado

I I I l 1 h II, I l 1 1 a cultura baseada na atracao, no sex appeal e

I ' 1 l d v 'I 0 que e mais importante, uma cultura na qual

I II 1 1 11 .1 1 1 II I conquistas praticas. produto de urn esforco

I 1 11 1, I I 1 manipulacao ffsica, que muitas vezes tern infcio na

II I 1 1 1 " " " 1 cem durante toda a vida de uma travesti.