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    Colaborao

    www.fuirperene.comFluir Perene

    Sempre os professores, de forma positiva ou negativa, marcam os

    alunos. Trabalham com almas e matria sensvel, no manobram ou

    manipulam coisas. E nem sempre temos, ou queremos ter conscincia

    disso. Quantas vezes um Mestre determina a carreira de uma criana

    ou de um jovem estudante mesmo que nem um nem outro se d

    conta ou de incio se aperceba de tal. Mas a inuncia fcou inscrita

    a letras indelveis e foi lentamente laborando e tecendo a sua teia. A

    marca para sempre fcou impressa na alma tenra e moldvel de quem

    comea a viver; assinalou o momento em que se d os primeiros passos

    na investigao ou se busca o rumo para uma carreira.

    Trs Mestress Trs Lies Trs Caminhosevoca Amrico da Costa

    Ramalho, Walter de Sousa Medeiros e Maria Helena da Rocha

    Pereira trs professores e investigadores que, no mester da sua

    Profsso, honraram a Universidade e a cidade, marcaram muitos

    alunos, abriram novos caminhos nos estudos com trs novas linhas

    de investigao, contriburam para a renovao e divulgao dos

    estudos Clssicos.

    JOSRIBEIROFERREIRAANLISEDAOBRADEA. COSTARAMALHO

    DEJORGEA. OSRIO

    Fluir PereneColeco

    TRSM

    ESTRESTRSLIOESTRSCAMINHOS

    oleco Fluir Pereneolumes j publicados

    . 1Jos Ribeiro Ferreira,Mitos das OrigensRios e Razes(2008).

    . 2Rodolfo Pais Nunes Lopes, Batracomio-aquia: a Guerra das Rs e dos Ratos(2008).

    . 3Carlos A. Martins de Jesus, A Flauta eLira: Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia 008).

    . 4 Jos Ribeiro Ferreira, Os Sons e oslncios A Memria, a Culpa, a Valsa(2008).

    . 5 Jos Ribeiro Ferreira, Labirinto einotauro - Mito de Ontem e de Hoje(2008).

    . 6Jos Ribeiro Ferreira, Atenta Antena - Aoesia de Sophia e o Fascnio da Grcia(2008).

    . 7Rui Morais, A Coleco de Lucernasomanas do Norte de frica no Museu D.iogo de Sousa(2008).

    . 8Armando Nascimento Rosa, Antgonaelada(2008).

    . 9Jos Ribeiro Ferreira, Rui Morais, A

    usca da Beleza: Vol. 1- Arquitectura Grega 008).

    . 10Jos Jorge Letria, Os Lugares Cativos009).

    . 11 Jos Ribeiro Ferreira, Trs Mestresrs Lies Trs Caminhos(2009).

    brevemente

    . 12 Carlos A. Martins de Jesus,nacreontea. Poemas maneira de Anacreonteilingue) (2009).

    Trsmestres

    lies

    caminhos

    Associao Portuguesa de

    Estudos Clssicos (APEC)

    O FUTURO DO ROTARY

    ESTEM SUAS MOS

    Rotary Club de Coimbra

    ROTARY CLUB DE COIMBRA

    O F UT URO DO ROT ARY

    EST EM SUAS MOS

    JOSRIBEIROF

    ERREIRA

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    Nos sessenta anos do Instituto de Estudos Clssicos

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    A:Jos Ribeiro FerreiraT:Trs mestres, trs lies, trs caminhos

    E:Jos Ribeiro FerreiraE:1 / 2009D G:Fluir Perene

    Tiragem: 100 exemplares

    I:Simes & Linhares, Lda.

    Av. Fernando Namora, n. 83 - Loja 43000 Coimbra

    ISBN:D L:

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    No Palcio de S. Marcos.

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    NDICE

    Prefcio 7Amrico da Costa Ramalho: o Mestre

    que vejo no espelho dos outros 15A formao acadmica 19

    O professor e o investigador 21Perl acadmico e universitrio 23O estudioso e especialista do Humanismo 25porJorge Osrio 31

    Walter de Medeiros: O Mestre, a voze a postura 55

    A voz e a postura 57

    Formao acadmicaO investigador e o tradutorO gosto da viagemO Professor e o culto da palavraE a voz em ondas se propaga

    Maria Helena da Rocha Pereira:O paradigma perdura

    A formao acadmicaA investigadora e a obra cientca

    1- As culturas e literaturas clssicas2- A recepo da cultura greco-romana3- Estudos sobre latim e cultura medievais4- As tradues e os trabalhos didcticos

    O perl acadmico e universitrio

    O paradigma perdura

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    Prefcio

    Sempre os professores, de forma positiva ou negativa, marcam

    os alunos. Trabalham com almas e matria sensvel, no manobram oumanipulam coisas. E nem sempre temos, ou queremos ter conscinciadisso. Quantas vezes um Mestre determina a carreira de uma criana oude um jovem estudante mesmo que nem um nem outro se d contaou de incio se aperceba de tal. Mas a inuncia cou inscrita a letrasindelveis e foi lentamente laborando e tecendo a sua teia. A marca parasempre cou impressa na alma tenra e moldvel de quem comea a

    viver; assinalou o momento em que se d os primeiros passos na inves-tigao ou se busca o rumo para uma carreira.

    Lembro-me dos jantares do Grupo de Filologia Clssica, em queparticipavam os Professores e quase todos os alunos. Nesses meus tem-pos de estudante e primeiros de Assistente, sempre se realizavam no Ni-cola, numa sala que tinam no terceiro andar, acolhedora e familiar. Oconvvio com os Mestres era amigvel e quebravam-se muitas barreiras.

    Jantar no Nicola de Professores e alunos de Filologia Clssica (1972/73).

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    Na origem do opsculo Trs Mestres Trs Lies Trs Cami-nhosesto precisamente trs professores que, na Faculdade de Letrasda Universidade de Coimbra, exerceram papel de grande relevo, at

    determinante, e me marcaram afectiva ou prossionalmente. E apare-cem referidos e evocados por ordem cronolgica do seu nascimento:Amrico da Costa Ramalho (1921), Walter de Sousa Medeiros (1922) eMaria Helena da Rocha Pereira (1925).

    evidente que outros e tantos foram os Professores insignes adarem renome e glria Faculdade de Letras, que no apenas Amri-co da Costa Ramalho, Walter de Medeiros e Maria Helena da Rocha

    Pereira deixaram reexos afectivos e luminosos nos meus passos deestudante e depois de novel Assistente, quer de Estudos Clssicos (oude Filologia Clssica, como ento se chamava o curso), quer de outrasreas: em especial professores de Filologia Romnica, de Histria, deFilosoa. Focos de irradiao que no cessam de quando em quando deme lanar luz e clareza sobre as sombras que sempre surgem na carreiraacadmica.

    Curso de Frias de Vero de 1972. Na 1 fila vrios Professores da Faculdade de Letras.

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    No ocasio azada para referir aqui os seus nomes, nem se jus-tica. Seja-me, contudo, permitido lembrar um Professor, que depoisme deu a honra de ser seu amigo e que no sintam descriminao

    os muitos outros, por carem na sombra, resguardados no recato daminha memria.

    Carlos Alberto Louro Fonseca a Caminha de Hydra

    Rero-me a Carlos Alberto Louro da Fonseca que, meu Profes-sor de Lngua Grega, de Lngua Latina e de Lingustica Grega nos pri-

    meiros anos de Faculdade, com ele muito grego aprendi: percebi, porexemplo, a perfeita lgica da acentuao no Grego antigo que porvezes at parece irreal por excesso de lgica e senti gosto pela Lin-gustica Grega, deliciando-me em seguir a complexa teia indo-europeiade relaes e derivaes etimolgicas. Entendi que h palavras que seligam umas com as outras e nos levam por teia de relaes etimolgicasque de incio nem sequer imaginvamos.

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    Walter de Medeiros e Louro Fonseca na Plaka de Atenas (1971)

    Avoco aqui um episdio que ocorreu na aula de Lngua Grega

    I do primeiro ano do meu curso, mas se no passou directamentecomigo. Louro Fonseca dera um teste, quase no incio do ano, comoque a aferir dos nossos conhecimentos colhidos nos anos de Liceu.No momento da publicao dos resultados, uma colega minha quetrazia mdia elevada do Ensino Secundrio e sempre obtivera notasaltas em Grego e que at comentara ter-lhe corrido muito bem essaprimeira prova de Lngua Grega na Faculdade descobrira, incrdu-

    la, que a sua nota tinha densa gravidade e descera a nveis que nuncapensara. No recordo o peso exacto da queda nem a profundidadedo fosso, mas sei que era fundo. Ao comentar as classicaes, o Pro-fessor refere haver um ponto que o intrigara, porque, se no tivera amaioria dos acentos fora do lugar, estaria todo certo. Logo respondedo lugar essa colega, a medo, que deve ser o dela. Chamada a atenopara as regras de acentuao do Grego antigo, comenta com toda a

    ingenuidade, meio eivada de admirao: A acentuao grega tem

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    regras?!... O meu professor de Grego no Liceu dizia que os acentoseram colocados a olho!.

    De qualquer modo o abalo foi grande, suciente para essa co-

    lega pensar em desistir do Curso. Lembro-me mais velho que era ej com o servio militar cumprido de ter tentado dissuadi-la disso ede, em determinada altura, quase lhe ter proibido de o fazer. Acaboupor no materializar a inteno, graas a Deus. Terminou FilologiaClssica com distino, seguiu a carreira universitria, fez o Douto-ramento e as diversas provas acadmicas E hoje minha Colega eProfessora Catedrtica.

    Relembro as aulas de Louro Fonseca: vivas, sempre preparadascom o maior cuidado, tudo meticulosamente escrito no quadro negro,com aquela sua letra redonda e quase desenhada porque Carlos Al-

    berto Louro Fonseca era um artista do desenho, mesmo na graa daescrita, certa, segura, perfeita.

    Com aptido para as artes plsticas, vm memria as capasque pensava e executava para livros e revistas, sempre pronto a aju-

    dar quem solicitasse a sua colaborao. Recordo os contributos paralanar e armar a pragmtica teatral no Instituto de Estudos Clssi-cos. No esquece a minha emoo os seus conhecimentos e sensibili-dade musicais que nos proporcionaram muitas sesses culturais, emespecial na APEC Associao Portuguesa de Estudos Clssicos.

    Fino conhecedor da arte grega e romana, observava com agu-deza pormenores, linhas e formas. Fazia frequentes deslocaes

    Grcia e a Itlia, acompanhava a cada passo as viagens de nalistasde Estudos Clssicos. E curiosamente, nos dias em que o programacontemplava de preferncia, ou quase s, locais arqueolgicos, cos-tumava soltar em jeito de graa: Hoje s pedras!. Mas depois eraver e escutar a sensibilidade e a nura com que observava e falava delinhas e volumes de edifcios, de contornos e propores de esttuas,de cores e pigmentos de frescos.

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    Louro Fonseca a Caminho de Capri

    Mais tarde, j meu Colega e Amigo, amante que era do Algarve,do seu sol, do calor das suas guas, aproveitava a boleia do meu carro,quando anualmente, pelas frias de Natal, me deslocava em visita afamlia em Lagos ou melhor em Montinhos da Luz, do Concelho deLagos. Deixava-o em Albufeira a praia que ento mais o atraa pas-sava as Festas com a famlia e, no dia de Ano Bom, de novo o recolhia

    em Albufeira, de regresso a Coimbra.E foi do Algarve que ele tanto estimava e de que tanto apre-

    ciava gozar o sol e as guas quentes , foi do Algarve, onde fora gozarfrias de Pscoa, que um dia nos chegou a notcia brutal de um acidentevascular cerebral, que acabou por lhe causar a morte em 3 de maio de1995, precisamente no dia de abertura do ColquioAs Lnguas Clssicas:Investigao e Ensino II, cujo cartaz pensara e desenhara.

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    Sesso de Encerramento do Colquio Lnguas e Literaturas Clssicas Investiga-o e Ensino. Minuto de silncio por Carlos Alberto Louro Fonseca.

    E vou cessar por aqui a minha evocao, por no ser momentoadequado para a prolongar, e remeto para as memrias que dele escre-veram Maria Helena da Rocha Pereira e Walter de Medeiros1.

    Os trs Mestres evocados, porm, alm de me marcarem (ia a dizer,condicionarem) a carreira e as escolhas de vida e de investigao, abriram

    novos caminhos e deram novo impulso aos estudos clssicos com discpu-los que os continuam e os recordam por Portugal fora e para alm das suasfronteiras. So trs Professores e Acadmicos que, em consequncia, contri-

    buram para o prestgio da sua Universidade e deram renome a Coimbra.Curiosamente os trs Mestres aqui homenageados, apesar de signi-

    cativas diferenas que os distinguem, tm tambm a uni-los muitos aspec-

    1 Respectivamente em Humanitas48 (1996), pp. 343-345 e Boletim de Estudos Clssicos24 (dezembrode 1995), pp. 9-11.

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    tos comuns: destaco a defesa dos estudos clssicos, a criao da AssociaoPortuguesa de Estudos Clssicos (APEC), a recepo de culturas e autoresgreco-latinos e o estudo do Humanismo e do Latim Renascentista. Os trs

    escreveram ensaios ou deram aulas de cultura e literatura grega e romana;os trs publicaram trabalhos de recepo; os trs investigaram, deram es-tampa ou leccionaram sobre o Humanismo e o Renascimento Portugus2.

    Apesar destes pontos comuns, temos de sublinhar e reconhecer queAmrico da Costa Ramalho investiu sobretudo no Humanismo e LatimRenascentista portugueses, em especial a partir da dcada de 1960; queWalter de Medeiros se dedicou mais ao ensino e estudo de Lngua e Lite-

    ratura Latina; que Maria Helena da Rocha Pereira investigou e ensinou so-bretudo em Cultura Clssica e Literatura Grega, embora no seja tambmdifcil de constatar ser ela que apresenta interesses mais variados.

    Em Jri de Doutoramento na Sala dos Capelos.

    2Amrico da Costa Ramalho, desde que regressa dos Estados Unidos em 1962, como se podever pelo texto escrito por Jorge Osrio (infra pp. ??), canalizou para o Humanismo Portuguse o Latim Renascentista grande parte da sua investigao e ensino; Walter de Medeiros apre-sentou e defendeu a sua tese de licenciatura, em 1953 e portanto iniciou a sua investigaocom um estudo sobre o humanista Aires Barbosa; e Maria Helena da Rocha Pereira, alm doestudo e traduo de Belchior Beleagro em 1959, abriu o seminrio de Latim Renascentista em1961 / 1962, por necessidade de servio da Faculdade de Letras: vide As Oraes de Sapientiae a Universidade, in Humanismo Portugus 1500-1600(Lisboa, 1988), pp. 56-57.

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    Foi a empatia mais forte com um ou outro e segui com mais atenoa sua obra cientca e a carreira acadmica? Tive e concedeu-me este ouaquele convvio mais assduo e intenso, amizade mais estreita? De um ou

    de outro, observei o percurso mais pelas palavras e pelos olhos de discpu-los? Ou foi mais atravs deles que colhi os seus ensinamentos e saber?

    Sejam quais sejam os caminhos, as palavras, gestos, lies, conse-lhos e exemplos de todos eles modelaram e deram harmonia massaincipiente do meu esprito. E nos trs Mestres converge a minha admi-rao, densa, segura, rme.

    Este preito de homenagem que gostaria de deixar. Modesto, sim, mas

    sentido. E com toda a ternura e gratido por trs Mestres que muito me marca-ram. E com orgulho o digo quase me zeram, cientca e humanamente. Eis as razes e os pressupostos que presidem escolha feita paraesta evocao. pessoal, a minha opo. E escolha em que se imiscui no o nego, e parece-me natural tambm uma cota parte de emoo.

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    A famlia de Estudos Clssicos no Palcio de S. Marcos

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    AMRICO DA COSTA RAMALHO

    O MESTRE QUE VEJO NO ESPELHO DOS O UTROS

    Bibliograa completa em

    hp://www.uc.pt/uc/eclassicos/cech/acramalho

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    Doutoramento Solene de Nair Castro Soares

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    Ao entrar na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,em 1966, o nome de Amrico da Costa Ramalho era-me de todo des-conhecido. Quando muito, em ntimo limbo bem assolapada num

    domnio que raiaria j a fronteira da inconscincia , leve lembranade nome associado ao de Ablio Perfeito, do Livro de Gregopara o 6 e7 anos dos Liceus. Haviam sido fugidios os meus contactos com essaselecta, formado que fora nos Beneditinos de Singeverga, onde impe-rava a Selecta e a Gramtica do jesuta Antnio Freire.

    Amrico da Costa Ramalho revelao que a Faculdade de Le-tras de Coimbra me foi fornecendo gradativamente, por me cruzar com

    ele nos corredores, pelo convvio no Instituto de Estudos Clssicos enas aulas: a pessoa, o temperamento, o investigador, o professor.

    Com as Insgnias Doutorais

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    No Doutoramento Honoris Causa de Roderich W. Horton.

    Sem demora me habituei sua postura direita, sua presenaassdua no Instituto de Estudos Clssicos que eu quase diariamentefrequentava na preparao das minhas aulas. No raro, o vi e ouvimandar calar um ou outro aluno mais tagarela que perturbava o si-lencioso ambiente de estudo da Sala de Leitura. Por mais de uma vez

    assisti a conferencias suas.

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    Costa Ramalho e Zlia Sampaio, durante longos anos funcionria e Tcnica

    Superior do Instituto de Estudos Clssicos.

    Depois a frequncia de cadeiras, que leccionava, revelou-me oProfessor. As suas aulas vivas de Grego II ensinaram-me alguns me-andros da lngua de Aristfanes, atravs das falas e das peripcias dasRs. As de Literatura Latina revelaram-me sobretudo um Ccero queeu nem sequer imaginava e muito Ccero j eu havia manuseado na

    Escola Claustral do Mosteiro Beneditino de Singeverga Quo usquetandem abutere, Catilina, patientia nostra! Nunca me tinha passado pelacabea pensar num Ccero poeta at ter, durante um ou dois meses,esmiuado o seu poema De Consulato suo. Nunca mais o esqueci talpeculiaridade minha desconhecida desse insigne romano. De qualquermodo no faceta que me agrade particularmente e dispenso de bomgrado o Ccero poeta. Ante me quero com o orador, com o lsofo e

    pensador, com o teorizador poltico, com o sensvel epistolgrafo.

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    Devo, porm, reconhecer que da faceta de Ccero poeta, ou me-lhor do ritmo potico que a sua prosa adquiriu, nunca mais esqueci,das lies de Amrico da Costa Ramalho, gravadas que me caram

    para sempre, as clebres clusulas mtricas, caractersticas do orador,que to teis se tornam para identicar citaes ciceronianas, com au-toria no explcita, em obras de autores futuros. Que o digam os seusdiscpulos!... Era ver como o Mestre, feita uma breve escano, logosentenciava: citao de Ccero ou ento a metdica dvida Deveser citao de Ccero.

    A. Costa Ramalho preside a sesso de colquio.

    Mais tarde, solicitou a minha colaborao em tarefas administra-tivas no Centro de Estudos Clssicos e Humansticos e na AssociaoPortuguesa de Estudos Clssicos, de que era Presidente. Como nova-to Assistente, procurei dar essa ajuda, na medida das minhas fracas

    capacidades e dos meus poucos conhecimentos, aps um apressado

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    curso feito ao abrigo de lei que permitia aos ex-militares requereremexames, sempre que o desejassem, fora das pocas normais.

    As opes de carreira acadmica e gostos de investigao no

    proporcionaram contactos profundos e convvio estreito. Encaminha-ram-me antes por outras vias, que no o estudo dos humanistas, doLatim Renascentista e da Literatura Novilatina, linha de investigaoque dirigia e cimentou ao longo dos tempos, semeando aos poucosdiscpulos por vrias universidades, Centros e pases.

    No me faltou, porm, com o apoio e conselhos. E no posso, demodo algum, esquecer os incentivos que me deu, a amizade com que

    me distinguiu no me deixa a memria que o faa.Estima e a amizade com que me honraram sempre, ele e a sua

    segunda mulher, Marie Louise Ayme, que aqui relembro com saudo-sa ternura.

    Marie Louise Ayme e A. Costa Ramalho (21.2.1990).

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    A. Costa Ramalho no Congresso Penlope e Ulisses

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    A FORMAO ACADMICA

    Amrico da Costa Ramalho nasceu em Almeida, na rua Comen-dador Cardoso, em 12 de setembro de 1921, de onde sai ainda criana,a acompanhar a vida errante do pai, ocial do exrcito que era. Eem Aveiro frequenta o Jardim Escola Joo de Deus. E em Oliveira deAzemis conclui a instruo primria. Em Coimbra realizou o ensinosecundrio no Liceu Nacional D. Joo III, com nota distinta (dezoitono Curso Geral e dezassete no Curso Complementar). E na mesma ci-

    dade se matricula na Faculdade de Letras, no curso de Filologia Cls-sica, que conclui em 1945, com dezoito valores.

    Casa onde nasceu A. Costa Ramalho, na Rua Comendador Cardoso (Almeida).

    Foi Assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lis-boa e na da Coimbra. Em 1947-1949, como bolseiro do Instituto deAlta Cultura, faz uma especializao em Grego Clssico em Oxford,onde tem por Mestres Eduard Fraenkel, E. R. Dodds e J. D. Denniston

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    que foi seu orientador da tese de Doutoramento.Na Universidade de Coimbra se doutora em 1952 com a tese

    Dipla Onomata no estilo de Aristfanes, com a elevada classicao de

    dezanove. Em 1954 submete-se a concurso para Professor Extraor-dinrio, mas a impossibilidade de constituir um jri de especialistasnacionais leva o Conselho da Faculdade a contratar Amrico da CostaRamalho como professor Catedrtico, ao abrigo do 1 do artigo 34 doEstatuto de Instruo Universitria (Decreto-Lei 18717, de 27 de julhode 1930), com a seguinte proposta3. Assim, em 1954, se torna ProfessorCatedrtico de Literatura Latina na mesma Universidade. Tinha ento trinta

    e trs anos.

    A.Costa Ramalho em Nova Iorque (dezembro de 1959)

    Neste captulo ser de inserir tambm os ensinamentos vmde todos os lados e as lies por vezes so extremamente ecazes a

    3 Diario do GovernoII Srie, n 293, de16 de dezembro de 1954.

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    sua experincia politica como deputado na Assembleia Nacional paraa Legislatura de 1957 a 1961, em que fez cinco intervenes em defe-sa das lnguas Clssicas e do seu ensino4. No parece ter apreciado

    sobremaneira essa sua tarefa ou a outros no teria agradado , poisno levou o mandato ao m. No ano lectivo de 1959/1960 j estava aensinar nos Estados Unidos, no Doutoramento de Estudos Portugue-ses e Brasileiros, em New York, convidado para a iniciar os curso noque respeita aos Estudos Portugueses.

    A.Costa Ramalho em Nova Iorquecom Ernesto Guerra da Cal (dezembro de 1959)

    4Quem tiver curiosidade de saber os ttulos e tema dessas intervenes pode consultar a Bi-bliograa preparada pela Dr Zlia Sampaio e inserta naMiscelnea de Estudos em Honra do Prof.Amrico da Costa Ramalho(Lisboa, INIC, 1992), pp. 11-12.

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    O PROFESSOR E O INVESTIGADOR

    Leccionou e regeu diversicadas disciplinas, que no especicopara no alongar, e foi meu Professor em Lngua Grega e na cadeirade Literatura Latina, de que era titular.

    Especializou-se todavia, a partir da dcada de 1960, sobretudono estudo dos humanistas portugueses e no ensino de Latim Renas-centista e de Literatura Novilatina, em que criou obra inovadora edeixou discpulos que a continuaram e a continuam.

    So dezenas os Humanistas portugueses que foram alvo dosseus estudos ou serviram de tema para teses de licenciatura de mes-trado ou de doutoramento.

    O acaso feliz de a Reforma Educativa de 1957 (30 de outubro),com cinco anos lectivos, ter criado um quinto ano apenas com um Se-minrio de iniciao investigao cientca em Filologia Clssicahavia um Seminrio de Grego e um Seminrio de Latim , a escolher

    pelos licenciandos, destinado escolha e preparao da tese de licen-ciatura, obrigatria para se adquirir o grau. Ento Amrico da CostaRamalho, que passa a leccionar o Seminrio de Latim de 1962 at 1974e de 1978 at mesmo depois da sua jubilao em 1992, elege o Huma-nismo Portugus ou melhor o Latim Renascentista como matria atratar nas sesses semanais e a investigar nas teses de licenciatura. longa a lista de teses de Mestrado e de Doutoramento que dirigiu ao

    longo da sua vida.E desse modo se pode armar, sem sombra de dvida, que se

    abriu novo caminho na investigao, com bencas e frutuosos con-sequncias na cultura portuguesa.

    At 1962, data em que regressa dos Estados Unidos, poucas te-ses nesse domnio haviam sido apresentadas. Quando muito umasquatro ou cinco5. Hoje talvez ultrapassem a centena.

    5 Conheo a de Walter de Medeiros sobre Aires Barbosa (1953); a de Gabriel Paiva Domingues

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    Mais, se at Amrico da Costa Ramalho se armava e tinha como

    ponto aceite que 1548 precisamente a data em que Andr de Gouveia setorna o Geral do Colgio das Artes em Coimbra era o ano do triunfo do

    Latim Renascentista em Portugal. Aps o regresso dos Estados Unidos em1962, Amrico da Costa Ramalho comea a insistir na importncia da vindade Cataldo Sculo para Portugal em 1485 e a baixar a introduo e armao

    do Humanismo no nosso pais em vrias dezenas de anos no em meadosdo sc. XVI mas em nais do sc. XV.

    A. Costa Ramalho no Congresso Cataldo Sculo e Andr de Resende (500 Anos)Coimbra, 25.10.2000.

    sobre uma orao de Andr de Resende (1954); a de Maria Jos Pacheco sobre Arnaldo Fabrcio(1959); a de Jos Geraldes Freire sobre Diogo Mendes de Vasconcelos (1962).

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    Leccionou em vrias universidades estrangeiras, e lgico se torna queassim tenha sido. Foi Professor visitante na de Nova Iorque, do ano lectivo de1959/1960 at junho de 1962, para ensinar Lngua e Literatura Portuguesas

    (sc. XVI) no Curso de Doutoramento em Estudos Portugueses e Brasileirose a inicia os cursos desse grau acadmico em Cultura Portuguesa.

    A. Costa Ramalho no Gabinete Portugus de Leitura (Rio de Janeiro, 14.11. 1973)

    Entre 1975 e 1977 talvez um pouco em consequncia da situ-ao delicada por que, na altura, passavam as universidades portu-guesas vai para o Brasil e ensina em trs universidades do Rio de

    Janeiro: Universidade Federal (UFRJ), Universidade Estadual (UERJ)

    e Universidade de Santa rsula, onde leccionou cursos de Grego, La-tim Renascentista e Literatura Portuguesa do sc. XVI. Talvez hajatambm quota parte de responsabilidade nesta deciso de ir leccionarpara o Brasil certo receio da contestao universitria que ento sevivia em Portugal. E no devemos esquecer-nos de que Amrico daCosta Ramalho era Director da Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra, data do 25 de Abril de 1974.

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    J investigador e professor de crditos rmados e de reconhecidacompetncia na rea do Humanismo Portugus, d cursos sobre essamatria nas Universidades de Salamanca, Paris (Sorbonne), Granada.

    A. Costa Ramalho em Tours com Verssimo Serro (julho de 1978).

    A sua bibliograa vasta e diversicada quanto aos temas tra-tados, embora privilegie estudos sobre os humanistas portugueses,sobre o Latim Renascentista e sobre a Literatura Novilatina. Apraz-me sublinhar os trabalhos que realizou sobre Cames, que depoisveio a coligir nos volumes Estudos Camonianos(1975, 21980) e Camesno seu tempo e no nosso(Coimbra, 1992).

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    A. Costa Ramalho na III Reunio Internacional Camonistas (Coimbra nov. 80).

    Apraz-me registar ainda os estudos de recepo e de inunciaclssicas em Gil Vicente, Garre, Herculano, Camilo, Fernando Pes-soa, Afrnio Peixoto.

    O grande investimento de Amrico da Costa Ramalho comoinvestigador foi, porm, no Humanismo portugus. Foram centenasde trabalhos os que deu estampa, desde o seu primeiro tentame em

    1962. Esses trabalhos, remodelados e harmonizados em conjuntos, fo-ram depois coligidos em volumes: Estudos sobre a poca do Renascimen-to(1969, 21997), Estudos sobre o sculo XVI(1980, 21983), Para a Histriado Humanismo em Portugal (5 volumes, respectivamente, 1988, 1997,1998, 2000, 200?).

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    segundo os graciosos e irreverentes Dilogos dos Mortos(1989).Com sincero gosto rero que algumas das obras acima referidas

    mereceram o reconhecimento de crticos e estudiosos, ao distingui-las

    com prmios signicativos: Prmio Laranjo Coelho da Academia Por-tuguesa de Histria, atribudo ao primeiro volume de Para a Histriado Humanismo em Portugal; Prmio Calouste Gulbenkian de Histria ePresena de Portugal no Mundo (1998), da Academia Portuguesa deHistria.

    A. Costa Ramalho em Goa (1958).

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    Encontrei-o como Director do Instituto de Estudos Clssicos eda revista Humanitasquando em 1966 me matriculei como aluno naFaculdade de Letras, e seu Director continuou, com excepo de curto

    interregno de 1975 a 1977 em que esteve a leccionar no Rio de Janeiro(Brasil), at que se jubila em 1991. Algo de idntico se vericou napresidncia do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos, em cujafundao esteve umbilicalmente implicado, e da Associao Portu-guesa de Estudos Clssicos (APEC), a que presidiu desde a fundaodessas instituies culturais (respectivamente, em 1967 e 1957) atdata mesmo posterior sua jubilao. Procurou divulgar e espalhar a

    aco da APEC por todo o pais, seguindo alis o estipulado nos seusestatutos que a declaram aberta a professores e estudantes de diver-sos graus de ensino, dispersos por todo o pas, e destinada a fomentaro progresso e a difuso dos estudos greco-latinos.

    Pertence a vrias associaescientcas e culturais, quer portu-guesas, quer estrangeiras. Destaco

    a de scio efectivo da Academia dasCincias de Lisboa, a de scio de n-mero da Academia Portuguesa deHistria, a de membro da HispanicSociety of Amrica (Nova Iorque),a de scio correspondente da RealAcademia de la Historia (Madrid).

    Graas aos seus mritos e sua actividade como investigadore Professor, foi agraciado com con-decoraes: comenda da Ordine alMerito (Itlia).

    A. Costa Ramalho com Condecorao

    do Governo Italiano (4.7.1972).

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    No Doutoramento Solene de Nair Castro Soares (7.7.1991).

    por estes frutos que eu vejo o Mestre, pelos reexos que delesrecebo, mais luminosos uns, outros mais esbatidos. Todos intensos,todavia, e que em mim lanam luz a respeito de Amrico da Costa

    Ramalho.

    No senti, pessoalmente, coragem de fazer um balano sobre opeso e o hmus dessa obra. So as palavras de um desses discpulos Jorge Alves Osrio, o primeiro que a memria me diz ter-se com eledoutorado que nos encaminham os olhos e os passos para a obrado Mestre, que a iluminam, que nos falam do seu mrito. Para o meu

    Amigo Jorge Osrio, a minha sincera gratido.

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    AMRICO DA COSTA RAMALHO:O MESTRE E A SUA OBRA

    Jorge A. Osrio

    O Professor Amrico da Costa Ramalho nasceu em Almeida a31 de Outubro de 1921. A sua notvel formao cultural, lingusticae literria no domnio clssico teve slidos fundamentos no ensino

    liceal feito no Liceu de D. Joo III, em Coimbra, e depois na Facul-dade de Letras da Universidade da mesma cidade. Nessa poca ashumanidades detinham, no campo do ensino, um estatuto de muitomaior relevo do que sucede nos tempos presentes e o Professor CostaRamalho foi, e felizmente ainda , um dos maiores expoentes dessaformao cultural. Com apenas trinta e trs anos, chegou a catedrtico da Facul-

    dade de Letras da Universidade de Coimbra, numa altura em quetanto o acesso carreira universitria como a progresso no seu inte-rior se revestiam de aspectos e de condies algo diferentes das actu-ais, obrigando a uma sequncia de momentos acadmicos que impu-nham aos candidatos a prestao de provas orais por vezes bastanteduras. Dessa forma, se tornou um dos mais novos detentores de ca-thedrana Universidade portuguesa, iniciando um percurso que tanto

    o prestigiou a ele como Alma Mater Coninbricensisde que sempre foimembro at sua jubilao em 29 de Maio de 1991. Meio sculo maistarde, ao introduzir o assunto da orao de sapincia que proferiu naabertura das aulas na sua Universidade, em Outubro de 1980, sinteti-zava deste modo a sua carreira:

    Dos vrios assuntos que podia abordar nesta lio inaugural,relacionados com a cultura greco-latina em que me formei e

    conquistei graus acadmicos e com o mundo cultural do sculo

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    na maneira como encarou e praticou a sua actividade e a publicaode trabalhos. que, caracterizando-se esse mundo por uma especialproximidade entre o mundo da cultura universitria e o mundo do

    pblico leitor da imprensa e da comunicao social, numa relao queno desconhece o apreo pelo debate e at pela polmica, o Profes-sor Amrico da Costa Ramalho encontrou a um ambiente propcioao seu gosto pela partilha do saber, mediante o esclarecimento e acorreco de pontos de vista por vezes instalados h longo tempo naopinio geral, fazendo-o sempre com base num slido conhecimentodos factos e dos documentos.

    No se tratava s propriamente de publicar notas de esclareci-mento erudito junto do pblico; era algo mais, que se poderia caracte-rizar como aco pedaggica, que levava consigo a inteno de repora verdade com a exactido de dados menos acessveis generalidadedas pessoas, mesmo por vezes daquelas que se dedicavam investi-gao histrica, cultural e literria, porque contidos em textos escritosem latim e escondidos nos fundos de algumas bibliotecas, sobretudo

    daquelas que herdaram coleces do perodo e das instituies renas-centistas. Mas podemos ir um pouco mais longe e considerar que, paraalm disso, um outro impulso o animava nessa sua actividade: tornarvisveis e valorizar as coisas portuguesas. Nos cinco anos que perma-nece nos Estados Unidos da Amrica do Norte, como Visiting Pro-fessor da Universidade daquela cidade, entre 1959 e 1962, esta faceta

    do Professor Costa Ramalho evidencia-se mais claramente. Publicaento artigos e notas sobre assuntos ou eventos relativos sobretudo histria quinhentista portuguesa, focando as mais das vezes persona-gens e personalidades dessa poca.

    O testemunho mais signicativo de tal actividade durante esseperodo foram os ttulos Portuguese Culture in the Era of Expansion, sa-dos em 1961 em Nova Iorque, e os Portuguese Essays, publicados em

    1963 e 1968, em Lisboa.

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    antologia de textos gregos destinada ao ensino nos dois ltimos anosdo curso liceal. Numa primeira fase e ao longo de muitos anos, essa activi-

    dade faz-se fundamentalmente na Faculdade de Letras de Coimbra,mais especicamente no seu Instituto de Estudos Clssicos, bem ape-trechado do ponto de vista bibliogrco, do qual foi director at

    jubilao. Inaugurado em 10 de Maio de 1944, o Instituto logo trsanos depois comeou a publicar a revista Humanitas, que o teve tam-

    bm como director at ao mesmo momento. Finalmente, importa re-ferir duas outras instituies que emergiram do dinamismo incutido

    em Coimbra aos Estudos Clssicos, entendidos no seu largo mbitoeuropeu, ou seja o perodo greco-latino e o perodo, de que somosdirectos herdeiros e continuadores, do Renascimento e da sua com-ponente humanista: o Centro de Estudos Clssicos e Humansticosda Universidade de Coimbra, que funciona desde 1967, e a Associa-o Portuguesa de Estudos Clssicos, fundada em 1966. De ambasfoi presidente. Acrescentar-se- a recente Associao Portuguesa de

    Estudos Neolatinos, que sem dvida a consequncia directa e na-tural do imenso labor de investigao e de pedagogia universitrialevado a cabo pelo Professor Costa Ramalho. Porque foram reas emque no fez centrar a sua ateno, cam de fora as aluses ao perodo

    bizantino e cultura medieval, determinantes que foram tambm natransmisso material e ideolgica dessa longnqua matriz clssica. Amrico da Costa Ramalho scio efectivo da Academia das

    Cincias de Lisboa e da Academia Portuguesa de Histria e aindamembro da nova-iorquina Hispanic Society of America e da madri-lena Real Academia de la Historia. Mas a Alma Mater conimbricensefoi a escola onde ensinou quase sempre e criou a grande maioria dosdiscpulos. Foi tambm neste ambiente universitrio que desenvol-veu a parte mais substancial do seu labor como investigador. Tentar simplicar contm sempre riscos. Mas no ser de todo

    desadequado imagem de conjunto que a longa vida de pesquisa

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    e de publicao de estudos do Professor Costa Ramalho considerartrs reas ou caminhos que se impem ao leitor de modo mais ntido,convergentes na mesma problemtica: a questo da inuncia e da

    apropriao da cultura e da literatura greco-latinas na e pela culturaportuguesa de Quinhentos. Sem qualquer diluio de tantos outrosassuntos que atraram a sua ateno e o seu trabalho, parece, porm,que podemos individualizar trs ncleos que se avivam mais natural-mente na sua obra: por um lado o conjunto de estudos dedicados gura e obra do humanista italiano Cataldo Parsio Sculo; por outrolado os estudos centrados na gura e na obra potica de Lus de Ca-

    mes; enm um outro focalizado na poesia neolatina renascentista,poetas e poemas. No primeiro caso encontramos o contributo de Cos-ta Ramalho para o esclarecimento das condies da chegada e aclima-tao do humanismo ao ambiente portugus; no segundo caso temosa iluminao de facetas da gura que foi certamente o maior expoenteentre ns dessa apropriao da cultura clssica chamada humanismorenascentista. No terceiro podemos observar que no se trata s de

    aclarar factos ou circunstncias, mas de chamar a ateno do leitorpara oprazer do textogerado pela delicadeza do ritmo latino que al-guns conseguiram atingir, como o Pe Jos de Anchieta ou Diogo Pires,ou pela subtileza tantas vezes sensorial do verso camoniano. Mas antes de passar frente, necessrio anotar que desdemuito cedo Costa Ramalho concentra a sua ateno em humanistasportugueses do sculo XVI, dedicando particular ateno aos fundos

    bibliogrcos, como o caso da elaborao, em colaborao, do Cat-logo dos manuscritos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra rela-tivos Antiguidade Clssica, de 1945, ou as Notasque publica em 1951dedicadas a Andr Falco de Resende, amigo que foi de Cames e decuja carreira de estudos a sua bem prxima esteve de certeza. Essaateno rearmar-se-ia durante as suas estadias nos Estados Unidos,no Brasil, em Espanha, na Jugoslvia, perseguindo sempre o objectivo

    de esclarecer dvidas e de contactar directamente com os textos.

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    Cataldo Sculo comea a fazer parte da bibliograa cientcade Amrico da Costa Ramalho na dcada de 1960 e representar, pordiversas razes, a marca mais funda da sua actividade de investiga-

    o. sua gura histrica, questo do momento da sua chegada aPortugal chamado por D. Joo II, sua obra escrita naturalmente emlatim e impressa em Lisboa entre 1500 e o tempo da morte da rainhaD. Maria, a segunda mulher de D. Manuel, dedicou Costa Ramalhodiversos estudos. No estavam naturalmente em causa nem os parti-culares mritos da personalidade histrica e cultural de Cataldo nemo valor da obra por ele deixada, que de forma alguma podia ombre-

    ar com a excepcionalidade do sabere dapoesiado gnio de Cames;como escreveu,

    Todavia, a carreira de Cataldo em Itlia tem para ns menosinteresse do que a sua actividade em Portugal. Em Itlia, Cataldoera, e teria continuado a ser, se l vivesse, um humanista menor.Em Portugal, o seu contributo para a introduo do humanismo

    e para a actualizao do nosso Pas com a cultura literria daEuropa mais adiantada, a partir da fonte que era ento a Itlia, oseu papel na europeizao cultural dos portugueses foi de grandesignicado.

    Daquilo de que se tratava era, essencialmente, da importnciainformativa e esclarecedora que uma investigao cuidada poderia

    extrair dos textos cataldianos.Amrico da Costa Ramalho no era movido pelo intuito de

    fazer de Cataldo uma grande personalidade do campo das letras ou,como se dizia, das humaniores lierae. Com lucidez, considera que ovalor potico de muitas das suas composies no grande. Aquiloque a obra desse humanista especialmente a obra em prosa dispo-nibiliza um manancial de informaes e de pistas relativas cultura

    e literatura portuguesas dos nais do sculo XV e incios do seguinte,

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    leituras, metodologias prticas pedaggicas seguidas ou aconselha-das, que alguns tinham por demasiados severas levaram o Profes-sor Amrico da Costa Ramalho a rever de forma crtica a questo da

    introduo do humanismo em Portugal. Em 1975 esboava de formamuito viva esse ambiente de expectativas culturais nos crculos quede algum modo se relacionavam com a Corte:

    No meu livro Estudos sobre a poca do Renascimento, tive ocasiode mostrar, com exemplos, a avidez intelectual que caracterizavaos portugueses com quem Cataldo Sculo, entre ns desde 1485,

    esteve em contacto, testemunhada pela sua correspondncia.

    Importa frisar este ponto, por duas razes mais salientes. Par-tindo de uma denio de humanismocentrada na ideia do cultivo deum modelo de lngua latina pautado pela obra dos grandes autoresantigos e Ccero no omissvel (gneros literrios, acentuao dacorreco expositiva segundo esses autores e os preceitos da retrica

    e da potica, enfatizao da exemplaridade histrica, valorizao dautilidade doutrinria, enm tudo o que se poderia incluir no vastombito de uma imitao assente no rigor dos textos e na qualidade es-tilstica dessa literatura), Costa Ramalho pde evidenciar como, noobstante as tentativas anteriores de actualizao do saber literrio eletrado entre ns e apesar dos momentos posteriores de incrementoe cimentao do humanismo portugus, foi de facto essa vinda de

    Cataldo para a Corte de D. Joo II que marcou o contacto directo, nopas, com a modernidade humanista que se prestigiava em Itlia. Mas, para a personalidade do Professor Costa Ramalho, o sig-nicado desta concluso no se restringe a isto. A demonstrao quesustenta o seu ponto de vista ainda a manifestao daquela sua fa-ceta, apontada nas linhas iniciais desta exposio: a sua preocupaopor aquilo que se poderia caracterizar como o sentido da conscincia

    do valor da cultura portuguesa quinhentista. Sem se confundir com a

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    remisso para os lugares-comuns de uma grandeza do pas nos tem-pos da Expanso, ele procura esclarecer que, na poca de Quinhentos,o reino, apesar da sua periferia face ao continente europeu, ganhara

    e detinha um prestgio resultante do seu lugar no quadro poltico daPennsula Ibrica e da sua dimenso martima, o qual no se reduzia divulgao de notcias ou curiosidades provindas das novidadesmartimas, mas era acompanhado por uma consolidada competnciacultural e intelectual dos seus homens de cultura. Ora, como diziana lio inaugural sobre Os Estudos de Cames, j citada aqui, e repetenoutros locais,

    Acresce que o humanismo no era s o culto da Antiguidade.O latim, como j tive ocasio de dizer, abria as portas para a uni-versalidade de uma cultura que ia muito alm do mundo de gre-gos e romanos e das tradies locais, pois englobava toda a cinciaque a Europa produzia.

    No bastava, porm, chamar a ateno para o signicado daobra de Cataldo no respeitante questo do humanismo portugus;era necessrio disponibilizar junto do pblico o acesso aos textos etraduzir alguns dos mais relevantes. Nasceu assim a antologia, queto til se tornou nos estudos universitrios relativos cultura dessapoca, intitulada Latim Renascentista em Portugal, cuja primeira edi-o de 1985. Nela emergem e se armam os traos essenciais dos

    escritos de investigao de Costa Ramalho: rigor na traduo de tex-tos latinos que muitas vezes no so, sintacticamente, de uma cla-reza transparente, objectividade na focagem dos assuntos, precisodas convocaes bibliogrcas, parcimnia e preocupao pedag-gica nas explicaes aos textos. Isto mesmo se observa na publicaorecente (2005), em colaborao, da Cataldi epistolarum et quorundamorationum secunda pars, de cerca 1513, ou seja a Segunda parte das cartas

    e de alguns discursos de Cataldo, textos respeitantes a personalidades ou

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    eventos portugueses, acontecendo que a edio de 1500 das Cartas ediscursos de Cataldohavia j sido apresentada ao pblico em 1988 emfac-simile. Mas j em 1974 havia promovido a edio de duas disser-

    taes de licenciatura que ofereciam o texto latino e a traduo de umdiscurso e de um poema de Cataldo. O segundo grande domnio dos estudos de Costa Ramalhoatrs apontado foi Lus de Cames. Em 1980, do discurso acadmico

    j referido mais em cima, armava:

    Pessoalmente, estou convencido de que o imenso conhecimen-

    to da Literatura Latina que o poeta revela, foi adquirido directa-mente.

    E isso, conforme defendia, s poderia ter sucedido em algumainstituio de ensino que Cames frequentou, o mais provvel emCoimbra, sem todavia haver concludo qualquer curso. Cames para Costa Ramalho o homem e a sua circunstncia

    histrica e o homem da cultura humanista; e, claro, o poeta. Temos deo acompanhar quando lamenta a to fraca informao que os sculosnos transmitiram sobre a sua vida; como temos de o acompanhar, porisso mesmo, na apreciao crtica que fez relativamente a tentativas

    biogrcas que por vezes raiam a efabulao. Mas tambm devemossegui-lo quando o insere nas formas de aquisio do saber e na ma-neira como um gnio assimilava a cincialietrria:

    Os mestres do sculo XVI treinavam os seus alunos na aquisi-o e conservao de uma retentiva poderosa e duradoura.

    O modo como Cames conserva a lembrana de belos versosde Virglio e Horcio aprendidos certamente na infncia e primeirosanos da juventude exemplica a seriedade, a solidez e a sedimenta-

    o da sua educao humanista, onde a posse de uma memria ex-

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    o termo Lusitniano sentido de Portugal e Lusitanicomo equivalentea Portugueses. Como sucedeu noutros locais da Europa, a reivindi-cao de uma base clssica, sobretudo latina, para reforo da arma-

    o nacional, mesmo no plano poltico, encontrava no humanismo enos humanistas um apoio inestimvel. Se nos lembrarmos do que eraa evocao das fantasiosasguerras de Triato apreciadas nas cortesnesses tempos ainda to medievais, podemos medir com mais nitidezo signicado disto. Ora, como salientou tambm, tal prtica foi assu-mida de forma consciente pelos homens de cultura entre ns ao longodo sculo XVI; Cames ser exemplo.

    Mas devemos tambm reconhecer que, neste como em tantosoutros pontos, temos na nossa frente a realizao daquela virtude quetodos conhecemos na Antiguidade greco-latina: a utilidade das letrasno sentido moral, doutrinrio,poltico, seja no plano individual, sejana perspectiva da comunidade. E sublinh-lo , com certeza, mritoque a todos nos penhora.

    O Professor Costa Ramalho , no entanto, muito mais do que

    isto. Incansvel na sua actividade de pesquisa e de investigador se-ria supruo fazer a lista dos inmeros verbetes em dicionrios e en-ciclopdias ela espelha-se ainda no interesse e no entusiasmo pelainvestigao incutidos nos seus alunos e discpulos, que o calor hu-mano da sua personalidade estimulava. Aproveitando a sentena deuma helenista francesa, dir-se- que ele prova de como o ofcio deensinar est et restera le plus beau mtier du monde.

    Assim, dessa aco nasceram muitas dissertaes que vierama ser publicadas ao longo dos anos e que exploram os domnios maissalientes do humanismo renascentista em Portugal: a edio, tra-duo e apresentao de discursos acadmicos (as orationes) de v-rios autores (o que levanta problemas especcos do prprio latimrenascentista), os estudos respeitantes a humanistas portugueses, ostrabalhos no terreno das relaes entre o humanismo portugus e o

    europeu e das suas incidncias no campo ideolgico e pedaggico,

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    as investigaes sobre temas que afectam a literatura em portugusmas que dependem muito do classicismo antigo e do renascentista,os estudos sobre a problemtica da Retrica entre ns, enm o enor-

    me acervo de literatura produzida no mbito da actividade escolarda Companhia de Jesus a partir de meados do sculo XVI, particu-larmente a tragdia e a poesia. Campo alargado de autores e temaspara cuja travessia apontou caminhos, desenhou pistas, entusiasmouexpedies. Perguntar-se-: tudo isto foi para sua satisfao pessoal,para satisfao daqueles que o seguiram, para benefcio do pas, quecou enriquecido pela valorizao de um passado conservado nas bi-

    bliotecas nacionais e estrangeiras e o que seria se Lisboa no tivesseardido em 1755? , mal conhecido ou mesmo apressadamente inter-pretado? Obviamente; mas tudo isso representa tambm o esforo eo empenho em passar alm do vu difano da fantasia e esclarecer,iluminar, desfazer a confuso que existem em tantas reas da hist-ria cultural portuguesa; esta, como bom de ver, no foi s criada etransmitida em lngua vulgar, mas tambm em latim.

    Mas isto, para alm de sinal do trabalho persistente do Pro-fessor Amrico da Costa Ramalho, tambm sinal dessa j assinala-da atitude de interveno na defesa da Cultura Portuguesa, focadano s no terreno europeu, mas ainda na relao com outras culturascom que os portugueses se puseram em contacto. Lembremos, parao Oriente, esse to importante Dilogo sobre a Misso dos Embaixadores

    Japoneses Cria Romana, de Duarte de Sande, apresentado em tradu-

    o em 1997 e, numa segunda vez, j com o texto latino xado por umdiscpulo seu, em 2009. E, para o Ocidente, mais uma vez os estudossobre Anchieta, bem conhecido pelo seu interesse de jesuta em rela-o realidade lingustica brasileira.

    Com todo este acervo est-se muito longe daquela lamentaoque, em 1975, no Prlogo aos seus Estudos Camonianos, deixava aoesprito do leitor:

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    A. Costa Ramalho no Congresso Humanismo Portugus

    na poca dos Descobrimentos (1991)

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    A voz e a postura

    Alma sensvel de poeta,

    Em gestos e palavras se revela.Dorida, modulada vibra a voz,Tnue vibra, vibra discreta.Quanto toca se desvela,Seja penosa e densa a senda,Seja difusa ou mesmo secreta.

    Denso e fecundo murmrioDe sons, de caminhos, de imagens,De sonhos, de cores, de paisagens.Todos os sonhos contidos, a vidaNas palavras, no timbre, na voz. Naquela sua voz.

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    Walter de Medeiros apresenta Olhos no Presente.Com a presena de Eduardo Santos Duarte (o Senhor Duarte), a quem olivro dedicado. Caf S. Jos (Coimbra).

    O meu primeiro contacto com Walter de Medeiros deu-se na ba-dana de um livro de Aquilino Ribeiro, um autor que ambos admiramos eu, por sinal, nessa altura um pouco mais do que hoje: a badana doprimeiro volume do Romance de Camilo. Andava eu ento nas difceislides coloniais em Luanda e Angola. Na mesma ocasio me chegaramtambm os primeiros ecos da sua fama de Professor: pela boca do entomeu camarada de lides militares, e hoje meu amigo, o Agostinho de Je-sus Domingues, que cursara Filologia Romnica e tinha sido seu aluno.Muito longe estava a minha mente de sonhar que um dia o teria comoMestre em Coimbra e pela vida fora.

    Quando entrei na Faculdade, em 1966, aureolava-o j, alm de v-rios outros estudos, a sua obra Hipnax de fesoI. Fragmentos dos iambos

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    (1961) que impressiona pela exegese exaustiva e meticulosa e colheraa aceitao dos classicistas. Depois, apareceram luz dos escaparatesHipponactea. Subsdios para uma nova edio crtica do iambgrafo de feso

    (1968) e uma srie de outros trabalhos, meticulosos, densos, poticos,que se foram sucedendo em intervalos regulares.

    Colquio Internacional Filologia, Literatura e Lingustica

    de homenagem a Rodrigues Lapa. Curia, Grande Hotel.

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    A FORMAO ACA DMICA

    Mas voltemos s origens os Aores e sua ilha de S. Miguel, deque se declara um lho relapso e desnaturado, uma vez que, de l sa-do feito o Liceu, no mais l voltou at que, em 2007, as saudades ou odesejo de rever a sua cidade ou os stios por onde andou o seu queridoAntero foram mais fortes.

    Casa onde Walterde Medeiros nasceu.

    O n 101 da rua do Frias,hoje Casa Museu Arman-

    do Cortez-Rodrigues

    A verdade que Walter de Medeiros aoriano e a voz por ve-

    zes, talvez em momentos de maior emoo, ainda o trai e no deixa de

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    Quartanistas grelados da Faculdade de Letras (Largo da Portagem, Coimbra).

    Walter de Medeiros e Fernando Campos, seu grande amigo de ento at hoje.Coimbra, Jardim dos Patos (1947)

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    Num jantar nos tempos de Assistente na Faculdade de Letras de Lisboa.Est presente Hernni Cidade.

    Nos anos lectivos de 1953 a 1956 Assistente na Faculdade deLetras de Lisboa Segundo-Assistente, como ento se designava e,a partir de novembro de 1956, contratado como Assistente da Facul-dade de Letras de Coimbra. o retorno cidade e paisagem do Monde-go, pelas quais sempre sentiu grande empatia e ligao. Vai mesmo aoponto de escrever que com prazer regressou Universidade coimbr,de que fora discpulo, e a que o prendiam laos de antiga amizade.Quantas vezes me contou ter subido a Vale de Canas, para retemperaro esprito no silncio da mata e para da alargar os olhos pelo vale do rioe contemplar a cidade que se estendia calma e sossegada ao fundo.

    Para preparar o Doutoramento, foi bolseiro do Instituto de AltaCultura (IAC) em Florena e Roma, em perodos mais ou menos longosdurante os anos de 1957 e 1958 e nos meses de setembro a dezembro de1959. Nessas estadias, investigou nas bibliotecas Alessandrina e Vatica-

    na, frequentou os Cursos dos Professores Alessandro Sei, de GiacomoDevoto, de Pugliese Carratelli, de Gennaro Perroa, de Eore Paratore.

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    Foi amigo dos Professores Filippo Maria Pontani (Literatura Grega) eUgo Enrico Paoli (Literatura Latina).

    De Novembro de 1959 a 1961, -lhe concedida uma bolsa da

    Fundao Calouste Gulbenkian que lhe permite levar a termo o Dou-toramento em Filologia Clssica, em 20 de novembro de 1961, coma defesa de uma tese sobre a obra de Hipnax, intitulada Hipnax defeso: 1. Fragmentos dos Iambos, em que obteve a classicao de de-zanove valores. Trata-se de uma edio crtica integral das relquiasdo poeta de feso, ento conhecidas a primeira que se fez depoisda colectnea de Welcker (1817) acompanhada de testimonia, larga

    introduo, verso e comentrio de cada um dos fragmentos, tbuade concordncias e ndice lexicogrco. Sete anos depois volta aoestudo da obra de Hipnax com Hipponactea. Subsdios para uma novaedio critica do iambgrafo de feso (1968 = Humanitas 19-20, 1967-1968, pp. 169-267), em que Walter de Medeiros toma em considera-o as sugestes e observaes que lhe zeram vrios especialistasem revistas ou por carta. De facto, com acolhimento caloroso, o pri-

    meiro estudo mereceu mais de uma vintena de recenses (publica-das em revistas da Alemanha, Frana, Inglaterra, Estados Unidos,ustria, Itlia, Blgica, Grcia, Holanda, entre outros pases), almde resenhas bibliogrcas e referncias com juzo critico. A pontode Olivier Masson, um dos melhores conhecedores da obra de Hi-pnax, escrever que esse estudo marque un progrs considrable,de Viore Pisani o classicar como la raccolta pi completa e pi

    genuina e de Lloyd W. Daly o considerar an admirable piece ofwork e avanar mesmo a opinio no que foi acompanhado por J.A. Davison de que a edio de Walter de Medeiros prefervel de Masson, sada em 19621.

    1Respectivamente, O. Mason, L Antiquit Classique32 (1963) 214 e Revue de Philologie90 (1964)94; V. Pisani, Paideia18 (1963) 226; Lloyd W. Daly,American Lournal of Philology84 (1963) 439 e85 (1964) 110; J.A. Davison, Classical Review14 (1964) 21.

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    Doutoramento Solene: Walter de Medeiros e o Padrinho, Doutor Paiva Bolo.

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    as respectivas introdues, rubricas de cena e notas, essas tradues,remodeladas, foram ou sero includas na publicao da obra completado comedigrafo latino: Plauto, Comdias, com coordenao de Walter

    de Medeiros e Aires Pereira do Couto (Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda), de que j saiu o primeiro volume (2006).

    Estreia do Epdico de Plauto no Teatro Paulo Quintela(Coimbra, Faculdade de Letras)

    De Terncio, um dramaturgo por quem sempre manifestou gran-de apreo, pela sensibilidade com que esse comedigrafo trata psicolo-gicamente as personagens e pela ateno dada ao conito de geraes,entre outros aspectos. Dele traduziu a quase totalidade da obra: Os DoisIrmos(1983),A Sogra(1987),A Moa que veio de Andros(1988), O Homemque se puniu a si mesmo(1992). Em 2008 saiu, na Imprensa Nacional Casa da Moeda, a obra completa da Terncio em dois volumes: das seis

    comdias que, do dramaturgo latino, at ns chegaram, s no assina

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    Walter de Medeiros fala no Museu Machado Castro sobre as Stiras de Horcio,a introduzir a representao da Sat.1. 9, em traduo sua (8.3.2001).

    Representao da Satira 1. 9, em traduo de Walter de Medeiros, por dois elemen-

    tos do Thasos (Rui Henriques e Ricardo), no Museu Machado Castro (8.3.2001).

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    Como os sentimentos dos pastores ou de Virglio aoravamnas suas anlises das Buclicas! At parecia que tudo tinha alma e queos animais, rvores e coisas silenciavam e se punham a escutar como

    se fora msica do Orfeu. E como eu comecei a olhar para Eneias comoutros olhos e a ver nele outros sentires, outros sombreados, outro car-regar de rugas anal a outra face de Eneias.

    No se quedaram pelos referidos as verses de autores gregos elatinos a que Walter de Medeiros se abalanou: h incurses por Cal-maco, por Prsio, por Catulo, por Ovdio, por Juvenal, por Apuleio.

    Walter de Medeiros e Maria de Lurdes Belchiorno Colquio em Homenagem a Rodrigues Lapa, na Cria.

    As tradues de Walter de Medeiros, sem se afastarem da deli-

    dade ao texto original, so verses vivas e modernas, com introduesde grande sensibilidade humana e aguda nura, amplas e inovadoras

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    Nas tradues, nada de arestas e asperezas, nada de pesadume dotempo e do passado. A frase deslizava suave, lmpida, saltitante, qualveio de gua em riacho. Fazia-se na sala silncio sem quebras ou ssuras,

    e at parecia que as prprias paredes aguavam os ouvidos. Seguiam-seos seus movimentos e gestos, sempre expressivos e reveladores.

    A sequncia de fotos das pginas seguintes, tiradas por um alunona ltima aula do Curso de Frias da Faculdade de Letras de Coimbra,em agosto de 1965, d pequena ideia do que eram as aulas de Walter deMedeiros.

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    Pena que essas tradues se quedassem pela oralidade e nuncatenham passado a letra de forma Sero, quando muito, apenas sorra-teiramente sentidas nas obras de um ou outro dos seus antigos alunos,

    dos seus discpulos.

    No dia do doutoramento de Jos Lus Brando.

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    O GOSTO DA VIAGEM

    Na Acrpole de Atenas, junto ao Prtenon.No tempo em que ainda era permitido entrar no templo (2.9.1973).

    Comunicador nato, Walter de Medeiros gosta de conversar. E gos-ta de viajar. A viagem sempre a abertura a novos mundos. O franque-

    ar do esprito a novos povos, pases, paisagens, imagens, formas, cores,pessoas, palavras, lnguas, costumes. Entram-nos em casa, sentam-se nossa mesa, obrigam-nos a com eles dialogar.

    Gosta de viajar Walter de Medeiros, sobretudo pela Grcia e pelaItlia. Compreende-se esta preferncia em pessoa que escreve gura-rem, entre os componentes mais estimulantes da sua formao, oamor Grcia, a delidade terra e cultura italianas; e que reitera-

    damente arma escutou-o j por vrias vezes o autor destas linhas

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    que nem uma vida inteira chega para conhecer Roma, a cidade dos milfascnios. Em Roma, usava como poiso, de modo geral, Santo Antniodos Portugueses, onde esteve por ocasio da investigao para o dou-

    toramento e a ele cou afeioado para sempre. Da irradiava, nos inter-valos da investigao e recolha de bibliograa, para as suas incursesde reconhecimento e descoberta de segredos e pormenores, por ruas,vculos, praas, museus e locais arqueolgicas. Em Santo Antnio dosPortugueses o encontrei mais do que uma vez nas minhas rpidas idasde investigao na Cidade Eterna.

    entrada de Santo Antnio dos Portugueses (6.5.2002)

    Walter de Medeiros, Maria Lusa Braga e Monsenhor Agostinho Borges.

    Programou e acompanhou vrias viagens Grcia e a Itlia, comalunos nalistas de Estudos Clssicos: na Pscoa de 1968, a Florena,Roma, Npoles, Capri, Pompeia e Herculano; no vero de 1971 e no de1972, a vrias cidades e stios arqueolgicos da Grcia e Itlia1. Em anos

    posteriores outras programou e realizou.

    1Walter de Medeiros e Maria de Ftima Silva do notcia dessas viagens de 1971 e 1972 emHumanitas23-24 (1971-1972), respectivamente, pp. 492-497 e 497-502.

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    Ele prprio ia com frequncia a Roma colher bibliograa para trabalhos

    e tentar conhecer mais um pouco os sortilgios ou descobrir os segredos dessacidade feiticeira... mgica...

    um encanto com ele viajar pela Grcia e pela Itlia: acompanha-nos asurpresa, o caminho no cessa de nos levar por mil sendas, os sonhos voam etm longes e innitos. Prepara a viagem meticulosamente e de forma exaustiva,

    cuidado e seguro nas informaes que colhe e fornece, sempre de acordo comos ltimos dados da arqueologia e da interpretao histrica.

    Com ele z uma viagem de m de curso, em 1972, por Grcia e It-lia, com visita a Atenas e Elusis, a Delfos e Olmpia, a Corinto e Arglida, a

    Micenas e Epidauro, a Egina e Hidra, a Roma e Tivoli, a Npoles e Capri, aPompeia e Herculano, aos Campos Flegreus, a Cumas e Gruta da Sibila, aoutras muitas localidades. No mais esqueci essa viagem, evidentemente pelogrupo que se formou em grande parte constitudo por colegas de Curso ,mas sobretudo pela vida que as explicaes e palavras de Walter de Medeirosderam a locais, obras e paisagens.

    Em Atenas na Plata Syntgmatos ou Praa da Constituio (1.9.1972).

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    em que solta os alteres, para que a queda seja mais distante; acompa-nhamos a procisso que conduz os animais ao sacrifcio e subimos arampa da colina de cinzas do altar, de onde o fumo j se ergue; assisti-

    mos coroao dos vencedores e vemos o brilho intenso e fascinante doouro da esttua de Zeus, magnca obra de Fdias.

    Em Corinto os edifcios e os templos, as praas e as ruas, as fontese a gora ganham vida. Vemos Pgaso ferir a rocha e a gua de Pirene a

    brotar, as mulheres de hdria de braado ou cabea, em la espera davez e em animada conversa. Ao passar pelo Istmo e contemplar o fundoestreito veio azul do actual canal, os olhos da memria perfeitamente

    distinguem os sulcos do Diolkos e os bois a puxarem as carretas quetransportam os barcos do Golfo Sarnico para o de Corinto e vicever-sa e que assim evitam o contorno do Peloponeso em mar nem semprecalmo.

    Na Arglida foi a descrio da Fortaleza de Palamedes e a evoca-o do heri que a traio matou, com o consequente engano vingativodas tochas, colocadas pelo pai, que encaminharam os barcos aqueus

    at se despedaarem contra as rochas. E ao chegarmos grandeza tor-turada da antiga Micenas, parecia pairar naqueles stios a sensao detragdia. certo que, com as suas palavras, seduzidos, percorremos assuas ruas, as suas casas e os seus tmulos; que assistimos solene che-gada de Agammnon

    Mas logo o cruento drama da sua morte nos arrepia as entranhas.E, incrdulos e captados, assistimos tambm na recriao artstica de

    LaCi Mortade Gabriele DAnnunzio, um autor que Walter de Medei-ros muito admira repetio do acontecimento trgico na vida do ar-quelogo que escavava a cidade. Contemplamos, espantados, o chamadoTesouro de Atreu ou tmulo de Agammnon, a abertura das tumbas doCirculo Tumular A e o aparecimento dos ricos e artsticos achados: pu-nhais, anis, coroas, peitorais, escudos, mscaras aquela assombrosamscara que levara Schliemann a telefonar para Londres e a comunicar

    que acabara de contemplar a face de Agammnon; ou aqueloutra, cujo

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    Se nunca ali chegaste com o solcorrendo nas colinas entre as hastesda or encontrada por Ulisses

    no prprio inferno ento no sabescomo a terra o lugar certopara morrer.

    Ou de novo nos versos de Sophia, no poema de DualEm Hydraevocando Fernando Pessoa (2004, p. 55): H na manh de Hydra umaclaridade que tua / H nas coisas de Hydra uma conciso visual que

    tua / H nas coisas de Hydra a nitidez que penetra aquilo que olhadopor um deus / Aquilo que o olhar de um deus tornou impetuosamentepresente.

    Em Roma que Walter de Medeiros no cansa de repetir sercidade de mil sortilgios e fascnios que nem uma vida chega paraconhecer , vimos a loba a condoer-se dos gmeos e a aliment-los namargem do Tibre... E sentimos tambm os olhares das outras lobas,

    intensos ou ternos, nas ruas, vculos e tabernas. Vivemos a traio deTarpeia e colhemos o simbolismo da rocha que tem o seu nome. E nodeixamos de dar uma olhadela Maddama Lucrezia, e ver se l existiaalguma diatribe a desancar os adversrios. A Madamma Lucrezia,uma das clebres esttuas falantes de Roma em que as famlias nobresdo Renascimento brindavam os opositores com criticas e dennciasannimas. Outra dessas esttuas era o Paschino, situado junto da Piazza

    Navona.E, sem demora, subimos as escadas de visita ao Capitlio, onde

    a trade capitolina nos acena em sinal de boas vindas e apreciamos aharmonia e a medida da Piazza Campidoglio e o garbo e solenidadede Marco Aurlio e do seu cavalo, l no centro, como que acenando smultides ou ao exrcito...

    E connosco ainda arrastamos a estranha impresso e viso que,

    ao subir as escadas, insensivelmente as palavras de Walter de Medeiros

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    e de Eugnio de Andrade (Poesia, 22005, p. 291) nos deixaram na mem-ria, quando nos desviaram os olhos para os Dioscuros que no topo dosdegraus, lateralmente, se entreolham:

    Os Dioscuros. Eu vi-os, numa praa de Roma, era de noite, levavamos cavalos pela mo. O seu olhar era oblquo passagem das rapari-gas, mas era um para o outro que sorriam.

    Calcorreamos o Forum e no deixamos de escutar os inamadosdiscursos de Ccero nos Rostra (Quo usque tandem abutere, Catilina,

    patientia nostra?...). Ou as discusses do Senado na Cria e o infalvelrefro de Cato o Antigo a terminar todos os seus discursos: Delendaest Carthago ou, mais incisivo ainda, Delenda Carthago. Subimos aomonte Palatino e sentimos a vida na Casa de Augusto, na de Lvia, nade Domiciano. At vivemos, no Coliseu, lutas de gladiadores uns comos outros e com animais. Levemente irnicos, no podemos furtar-nos asorrir da azfama de Nero em erguer a enorme esttua em que se repre-

    sentava como deus Sol. Assistimos entrada triunfante de Constantinopelo seu arco compsito. Sentimos, no Circo Mximo e no Estdio deDomiciano (actual Piazza Navona), o burburinho nervoso e incontidodo pblico, acompanhamos o rpido curso das quadrigas e escutamosos aplausos nais ao vencedor.

    Roma de tantas evocaes, de tantas histrias, de tantas curiosi-dades, de tantas memrias. No Pincio, em Villa Borghese, a vista, nas

    palavras de Walter de Medeiros, alarga-se pela cidade e para alm delae dos edifcios; as ruas e jardins pareciam acolher-se na memria dosnossos olhos. Em Trinit dei Monti, Gabriele D Annunzio sai do seupalcio-hotel e vem sentar-se na nossa memria. NaAra Pacis, a fam-lia imperial guarda silncio, Augusto abandona o sacrifcio e connoscoconvive. No Museo delle Terme, vibramos com o lanamento do discopelo Discbolo, de Mron; e apreciamos as sedutoras e tentadoras for-

    mas do corpo de Afrodite a nascer do mar, no Trono de Ludovisi.

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    Walter de Medeiros, junto da Villa de S. Michele de Axel Munthe, em Anacapri (2002).

    E tardinha, no regresso a Npoles, com as sombras a desceramsobre as colinas e a adensarem o anilado das guas, a gura de Walterde Medeiros olha a distncia e a sua voz evoca a memria de Virglioque, de Posillipo, distende os olhos pelo mar azul, com toda a ternurada alma, e parece ver Eneias que nas suas ondas navega impelido porum misto de determinao e preocupao.

    As ruas de Npoles enchem-se de pessoas e de imagens, de vozes

    e bulcio; a noite, em certas praas e ruas, um corrupio at altas horas,sombras esquivas que chegam, parecem fazer trocas entre si ou com-prar algo e logo desaparecem com a mesma rapidez e silncio que astrouxe. As esculturas do Museu Nacional, descritas e apresentadas porWalter de Medeiros, perdem a rigidez e ganham vida; as guras dosmosaicos, dos frescos e dos quadros deixam a postura esttica e deam-

    bulam, falam umas com as outras, num brua vivo e animado.

    Em Posillipo sentimos a presena esguia e tmida de Virglio, a

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    contemplar o desenho harmonioso e a luz suave do golfo de Npoles.Nos Campos Flegreus, vemos os fumos das sulfataras e absorvemosos seus acres odores sulfricos; colhemos a densidade cultural de Po-

    zzuoli, de Cumas, de Baias, do lago Averno. Assistimos chegada deDdalo a Cumas, e depois de Eneias, notamos que as cenas da portado Templo de Apolo, a esculpidas pelo primeiro, se movimentam efalam. Entramos com Eneias na Gruta da Sibila e, receosos, escutamoso seu dilogo; acompanhamo-los na descida aos Infernos e vemos asalmas na grande excitao que precede a sua reencarnao nos futurosheris de Roma.

    E surge momento espesso de negrume e de medos: o nome doVesvio. Ao longe parece vermos as lavas e fumos projectarem-se e su-

    birem no cimo do monte e o vulco a vomitar fogo. Sentimos incmo-do, agudo calafrio percorrer-nos a espinha. As cinzas e pedras caemsobre as casas de Pompeia e tudo ocupam. E os nossos olhos incrdu-los observam a invaso de Herculano pela lama fumegante, candentee espessa que submergiu a cidade e soterrou casas, edifcios e ruas a

    uma profundidade de cinco a dez metros. E o grupo de fugitivos que serecolheu no porto, na esperana de ltima salvao, surge petricadode susto, de espanto e de pavor, tragicamente envolvido pela avalancheque penetra muitos metros pelo mar e os envolve em longo e indes-lavel abrao mortfero, s desfeito pelos arquelogos j na segundametade do sculo vinte. E que revelao e calafrio no sentiram os seusolhos quase incrdulos!

    E assim, pelos seus olhos e palavras, aprendi a ver e a sentir; aobservar e a dar peso aos lugares; a absorver as cores e os cheiros; a dis-tinguir as linhas, os traos, as formas e volumes; a compreender a vidadas cidades e povos e a sua espessura.

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    Walter de Medeiros em Segbriga, quando o Thasos l foi representar oEpdico (9.5.2000).

    Nos vinte e cinco anos de Licenciatura.Cursos de 1965 a 1971.

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    O PROFE SSOR E O CULTO DA PALAVRA

    Walter de Medeiros e Fernando Campos em bidos (2003).

    Walter de Medeiros foi sobretudo um Professor e, quando che-guei Faculdade, j um Professor conceituado e querido dos alunos.Quem dos que frequentaram as suas aulas no guarda na memria ocuidado e mincia de anlise das Buclicasde Virglio, das Odese Sti-rasde Horcio, do Satriconde Petrnio, dasMetamorfosesde Apuleio?

    Quem no recorda, ou guarda religiosamente, as belas, poticas e ela-boradas tradues com que, aula a aula, brindava o curso?

    Os pastores do Mantuano readquiriam sentimentos, sofriam, ale-gravam-se, vibravam com a natureza, olhavam com imensa nostalgia emgoa as terras que deixaram de ser suas.

    As Odesde Horcio mantinham a sua multmoda signicao, asua cadncia rtmica, a sua beleza. E at parece que o maador nos la

    o brao e arranja sempre maneira de tornear as nossas tentativas de

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    escapar. E vemos, nitidamente branco, o Soracte a brilhar de neve, e nstodos recolhidos ao calor da lareira.

    Petrnio conservava a sua ironia na e requintada, a sua graa e

    elegncia. Vestia Apuleio os complexos enfeites da retrica.S pena que essas tradues e interpretaes, em nmero signi-

    cativo, no tenham sido oferecidas, em letra de forma, a um pblicomais vasto. E que sucesso no fariam tradues suas, por exemplo, deVirglio, de Horcio, do Satricon ou pelo menos doFestim de Trimal-quio de Petrnio!

    Igual, ou superior com certeza, ao que obteve com as primorosas

    verses das peas de PlautoA comdia da marmita, OGorgulho, oEpdico;com as de Os dois irmos,A sogra,A moa que veio de Androse O homemque se puniu a si mesmode Terncio. So modelares as indicaes cni-cas, o vocabulrio apropriado e exacto, a linguagem que apresenta umaadequao perfeita s diversas guras. Quase apetece dizer que, nestecaso, se no aplica, ou pelo menos tem escasso cabimento, o clebreprovrbio de que o tradutor traidor.

    Walter de Sousa Medeiros e Professor, nas aulas e para alm de-las. Nele se sente o gosto de leccionar, de conversar, de ter a presena deinterlocutores. Em boa parte dos seus trabalhos perpassa a inclinaopara a oralidade. Nasceram inclusivamente de conferncias: O poetaque buscava o amor, A Donzela no carro do Sol: os caminhos do abis-mo e da redeno naMedeiasenequiana, A lana contra o cu. Mortee vida na Fedradanunziana, A gua e o fogo. Uma revivncia de A

    cidade morta, O bom cantor e as suas falcias. A histria da matronade feso.

    Quantos, da Faculdade e fora dela, no o consultaram j e quan-tos no aprenderam o caminho do Instituto de Estudos Clssicos, porele: para pedir a sua opinio sobre questes lexicais, lingusticas, termi-nolgicas. E sempre a sua modstia se escusou a aparecer na ribalta.

    Um Mestre, Walter de Medeiros. Tive-o como Professor em His-

    tria da Civilizao Grega, Latim II e III, Lingustica Latina e Literatura

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    Latina. Lembro-me bem das suas aulas: claras, metdicas, com grandepropriedade terminolgica, o sumrio de cada lio sempre passado noquadro com aquela letra inconfundvel que a sua, certa e mida: no

    mais pequeno papel cabia um tratado!

    Autgrafo de Walter de Medeiros Incio de texto sobre Verglio Ferreira

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    No mais esqueci a aula de abertura de Lingustica Latina: semolhar directamente os alunos, de mos apoiadas na secretria, falou

    do carcter rebarbativo e pouco aliciante da matria, nada propcio adespertar a ateno e interesse. E da sua pouca cincia e gosto por taisassuntos. De olhos semicerrados, modestamente, como que pedia des-culpa por ter entrado na sala e se encontrar ali. Os alunos, para quem pelo menos para a maioria , o simples nome de lingustica jera sinnimo de maadoria, entreolharam-se apreensivos, assustados.E anal, ao longo do ano, ningum notou, na disciplina, o carcter re-

    barbativo e pouco aliciante. Mas tanto nesta como nas demais cadeirasque leccionava.

    Walter de Medeiros vivia a suas aulas e parecia alhear-se de tudoo mais que se passava sua volta. Baixava-se , soerguia a cabea, viravaa face, endireitava-se e olhava a distncia e o vcuo, fechava ou semi-cerrava os olhos, como a concentrar-se nos precisos contornos e limitesexactos dos conceitos.

    Walter de Medeiros com o neto em Sintra (agosto de 2000).

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    que o Doutor Walter de Medeiros tinha e tem o condo detransformar as coisas com o seu verbo claro, preciso. Acabamos por -car a ouvi-lo, presos no discurso harmonioso e bem medido. Indelvel,

    a sua voz vibra na emoo de uma ideia. Aprofunda contornos, formas,sensaes. E do fundo das coisas ganha nitidez o mundo, nos claros esombras que o sustentam.

    Um rasto de fascnio e o aroma de outras eras, nas palavras. Osgestos, ora largos e pensados, ora vivos e rpidos, corroboram a vozno apelo a sonhos e a longes. Nos sons claros, ntidos, precisos, tantasimagens do passado ali mo, presentes e vivas.

    Nada indiferente msica das palavras. Subtil, a imagem ga-nha luz e vive na voz e no silncio. A melodia em cada forma e um fr-mito de brisa em cada som, no h asperezas nas arestas nem escolhosna rota prosseguida. Tudo lmpido, certo, sem ssuras. No timbre dossons, sem turbao nem sombras, douradas de beleza, animam-se ascoisas.

    E, qual Midas das palavras, aora em tudo um toque de magia!

    assim Walter de Sousa Medeiros.

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    Se tentou a modstia esconder-se sob o alqueire, quase a pedirdesculpa do que era e valia, o saber e o mrito, por intensos e irradian-tes, ultrapassam barreiras e silncios: brilham luminosos, precisos os

    contornos.E, a escut-lo, continuamos ao longo da vida, e continuaremos no

    o inconstil e indelvel da nossa memria.A voz em ondas se propaga...

    Walter de Medeiros M.H. Rocha Pereira e Jos Ribeiro Ferreira.

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    Orao de Sapientia.

    Universidade de Coimbra (11.11.1986).

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    Maria Helena Monteiro da Rocha Pereira gura mpar e cimeirada cultura, no apenas portuguesa, e porque no acentu-lo da ticauniversitria. Pronuncia-se o seu nome e logo se lhe associa respeito, es-

    tima, apreo, saber, rigor, elevado comportamento tico e acadmico.Apetece-me abrir esta evocao com o poema sobre a deusa

    Atena, intitulado O silncio germina no olhar, que publiquei no li-vroA outra Face do Labirinto(2002, p. 89):

    Em revelao luminosa refulge,O espanto dos deuses a envolv-la.

    Inteligente e lcido percute o olhar distante.Nela vive a sophia concreta, a mente se concentra.

    Tudo claro, exacto, evidenteNas palavras ditas e pensadas.

    Arte e saber tudo modelam, tudo conformam.

    Cada silncio, cada gesto olha a distncia,Como quem pesa o destino e o suspende.

    Tenho a percepo, pelo convvio que a vida com ela me pro-porcionou, de que alguns dos versos se aplicam tambm a Maria He-lena da Rocha Pereira, ou traduzem pelo menos caractersticas e qua-lidades suas. Por isso lhe dediquei o poema.

    A seu respeito e dos sentimentos e da amizade que aos poucospassaram a unir-nos, desde a primeira cadeira em que fui seu aluno, aHistria da Cultura Clssica, apetece-me utilizar as conhecidas e famo-sas palavras que Ea de Queirs escreveu a respeito de Antero: desdealuno me tornei seu discpulo e me sentei a escutar, num enlevo, e parasempre assim me conservei na vida1.

    1Obras de Ea de Queiroz(Porto, Lello & Irmos), vol. 2, p. 1541.

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    O nome de Maria Helena da Rocha Pereira ou Doutora RochaPereira, usando a forma simplicada, como era conhecida no meioacadmico de Coimbra no me era desconhecido, quando entrei na

    Faculdade de Letras em outubro de 1966, depois de mais de trs anosde lides militares. Ouvira-o no poucas vezes da boca de camaradasque comigo percorreram caminhos de Mafra ou picadas de Angola ouseja, aqueles que compartilhavam a mesma camarata ou caserna queeu. E sempre a caracterizavam como pessoa de muito saber, meticulosanas aulas, alguma frieza e distncia nas relaes. E exigente. Acima detudo exigente a tnica sempre percutida.

    No deixo de confessar que um certo receio para no dizermedo acompanhava o aluno que, no j distante outubro de 1966, sesentava no Anteatro II da Faculdade de Letras para cursar Histria daCultura Clssica. O tempo e a convivncia, porm, logo dissiparam essareceosa impresso inicial.

    Exigente, -o, de facto, Maria Helena da Rocha Pereira, consigo ecom os outros. No pactua com facilidades, no suporta deslealdades.

    No do seu temperamento passar quem o no merea. Mas nunca dei-xou de dar valor e compensar o trabalho, o esforo, a inteligncia. Paraela, as notas vo, de facto, de zero a vinte, e so para dar, de acordo como mrito e os conhecimentos.

    Por outro lado, considera a amizade e a lealdade a clebrefdesromana sentimentos sagrados. Costuma dizer que s temos a certezade que algum nosso amigo passados vinte anos de contactos e conv-

    vio. Se subjaz armao alguma amargura, por deslealdades sofridas,no o deixa traduzir nos gestos, palavras, expresso.

    Tive-a como professora desde o ano em que entrei na Faculdadee em vrias cadeiras: primeiro em Histria da Cultura Clssica, depoisem Literatura Grega e por m no Seminrio de Grego, e na orienta-o das teses de licenciatura e de doutoramento. Sempre a seguranae o mtodo a guiar-lhe os passos, sempre os princpios e as normas a

    moldar-lhe os actos. Sempre a exigncia e o pronto apoio.

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    A Doutora Maria Helena da Rocha Pereira no Anteatro II.

    Nesses primeiros tempos de estudantes, admirando embora oseu saber e atitude tica, um mistrio nos intrigava. A Doutora MariaHelena da Rocha Pereira entrava na sala e tirava da pasta uma folha quemeticulosamente colocava na secretria, quase sem mais a consultar.E os nossos olhos convergiam a ateno para essa mgica folha que,

    na sua cor branca, aparentemente nada continha escrito. A imaginaosuspensa do que a folha continha e das imensas possibilidades que dasua brancura nasciam e se avolumavam.

    E a aula seguia certa, segura, pausada e medida. A preciso dosconceitos e dos termos, sem palavras a mais, nem a menos. A aplicaoda mxima grega medn gan, nas palavras e nos actos.

    E em quantos no caram os valores gregos, como marcas inde-

    lveis, a germinar futuro.

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    No Congresso Int. Almeida Garre, um Romntico, um moderno(3-5 de Fevereiro de 1999).

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    A FORMAO ACA DMICA

    Doutoramento Solene, entre Reitor, Maximino Correia, e o Director da Faculdadede Letras, Doutor Providncia Costa.

    Maria Helena da Rocha Pereira est ligada pela sua vivnciaafectiva e formao intelectual s cidades do Porto, de Coimbra e de

    Oxford. Todas elas representam marcos determinantes na modelao earmao do seu esprito.No Porto, nasceu e fez o seu curso liceal com o mais alto apro-

    veitamento (20 de classicao nal). No Porto, adquiriu os valores ea rmeza de princpios que a tm acompanhado ao longo da vida. AoPorto se recolhe sempre que os afazeres acadmicos lho permitem.

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    Duas imagens da casa em que nasceu, sita na Rua ????

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    Filha do Professor Alfredo da Rocha Pereira, renomado catedrticoda Faculdade de Medicina do Porto, de que chegou a ser director, no Portodesperta para o mundo da cultura, graas s inuncias recebidas, quer no

    seio da famlia, quer no Liceu D. Carolina Michaelis. no Porto que inicia a sua vida acadmica, no Centro de Estudos

    Humansticos, anexo Universidade dessa cidade, onde lecciona at partirpara Oxford. Nesse Centro, em maio de 1948, profere uma srie de seis li-es sobre Literatura Latina, editadas no mesmo ano no Boletim CulturaldaCmara Municipal do Porto (vol. 11, 1948, pp. 62-114 e 192-242). Trata-se deum verdadeiro curso de literatura latina, embora esboo rpido dos princi-

    pais gneros e, porque destinado a pblico heterogneo, apresenta carcterde divulgao, como natural. Em seis lies so abordados temas como ahelenizao de Roma e a originalidade da sua literatura; a epopeia e o teatro;a poesia didctica, a