TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São PauloRENATO FERRARI Rescisão contratual por denúncia...

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2017.0000707266 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação 0077690-82.2012.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes/apelados KAWASAKI TRADING DO BRASIL LTDA e KAWASAKI MOTORES DO BRASIL LTDA, é apelado/apelante AUTOSUL COMERCIAL LIMITADA. ACORDAM, em 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Não conheceram do recurso de apelação da reconvenção, deram parcial provimento ao recurso da ré Kawasaki Trading do Brasil para excluí-la do decreto condenatório, deram parcial provimento com observação ao recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil e negaram provimento ao recurso da parte autora. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores REBELLO PINHO (Presidente sem voto), ROBERTO MAIA E ÁLVARO TORRES JÚNIOR. São Paulo, 18 de setembro de 2017 MARIA SALETE CORRÊA DIAS RELATORA Assinatura Eletrônica

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TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

São Paulo

Registro: 2017.0000707266

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes/apelados KAWASAKI TRADING DO BRASIL LTDA e KAWASAKI MOTORES DO BRASIL LTDA, é apelado/apelante AUTOSUL COMERCIAL LIMITADA.

ACORDAM, em 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Não conheceram do recurso de apelação da reconvenção, deram parcial provimento ao recurso da ré Kawasaki Trading do Brasil para excluí-la do decreto condenatório, deram parcial provimento com observação ao recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil e negaram provimento ao recurso da parte autora. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores REBELLO PINHO (Presidente sem voto), ROBERTO MAIA E ÁLVARO TORRES JÚNIOR.

São Paulo, 18 de setembro de 2017

MARIA SALETE CORRÊA DIAS

RELATORA

Assinatura Eletrônica

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São Paulo

Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 2/26

Voto nº 109

Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100

Apelante / Apelado: Kawasaki Trading do Brasil Ltda. / Kawasaki Motores do

Brasil Ltda. / Autosul Comercial Ltda.

Comarca: São Paulo 32ª Vara Cível do Foro Central

Juiz prolator: Fabio de Souza Pimenta

CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES CONCESSÃO COMERCIAL LEI RENATO FERRARI Rescisão contratual por denúncia motivada - Autora/Concessionária que alega infração econômica por abuso de poder econômico e culpa das rés pelos prejuízos suportados pela rescisão contratual de duas agências distribuidoras, pleiteando aplicação integral das indenizações do artigo 24 da Lei nº 6.729/1979 (Lei Renato Ferrari) Concorrência desleal -

Não conhecimento de recurso de apelação específico à reconvenção pelo Princípio da Unirrecorribilidade da sentença - Ilegitimidade passiva da Corré/concessionária do grupo do fabricante, não configurada - Formação de grupo econômico entre o produtor e distribuidor que não implica em responsabilidade solidária das rés, pessoas jurídicas distintas Ausência de prova de prática de concorrência desleal entre as concessionárias Fato abertura de concessionária pela fabricante automotivo que não caracteriza por si só concorrência desleal Loja aberta em localização diversa do autor - Laudo pericial provou que não houve prática de preços diferenciados entre as concessionárias Improcedência da ação em face da corré Concessionária - Caracterização de descumprimento contratual pelo fabricante - Concessão de numerário de incentivo de marketing à outra concessionária (terceira dos autos) que contribuiu para o fechamento das empresas do autor - Exigência de estoque mínimo sem solução adequada em face das concessionárias - Caracterização de infração da Concedente/fabricante à Lei 6.729/79 - Reparação material adstrita aos termos da Lei Renato Ferrari Exclusão de outros valores indenizatórios pleiteados pela Concessionária - Não

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comprovação de outros prejuízos pela concedente Não configuração de dano moral Não conhecimento do recurso de apelação da reconvenção - Recurso da ré Kawasaki Trading do Brasil parcialmente provido para exclui-la do decreto condenatório Recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil parcialmente provido com observação Recurso da parte autora não provido.

A r. sentença de fls. 3239/3244, cujo relatório adoto,

julgou improcedente a ação reconvencional de Kawasaki Motores do Brasil Ltda

condenando o reconvinte ao pagamento à reconvinda de honorários advocatícios

fixados em 15% do valor da reconvenção, custas e despesas processuais e

parcialmente procedente a ação principal para condenar as requeridas ao

pagamento da quantia de R$ 833.416,26, devidamente corrigida monetariamente

desde a data do laudo pericial, acrescido de juros 1% a partir da citação. Ante a

sucumbência, condenou igualmente as partes ao pagamento das custas e

despesas processuais, devendo cada parte arcar com os honorários advocatícios

do seu respectivo patrono.

Embargos de declaração opostos por Autosul Comercial

Limitada às fls. 3249, rejeitados às fls. 3320.

Inconformada com a r. sentença, apela a corré Kawasaki

Trading do Brasil Ltda. (fls. 3255/3271) aduzindo, preliminarmente, 1) a ausência

de fundamentação da sentença em relação à solidariedade imposta para

pagamento da condenação; 2) a sua ilegitimidade passiva, “visto não ter sido o

causador do suposto dano”, sustentando a sua independência em relação à corré

Kawasaki Motores do Brasil, inexistindo grupo econômico. No mérito, sustentou,

em apertada síntese, que 1) a ação visa à discussão da relação contratual

existente entre a autora e corré Kawasaki Motores do Brasil, sendo totalmente

estranha ao contrato de concessão comercial; 2) a inexistência de danos por

culpa da apelante, tendo em vista que a suposta infração contratual teria sido

causada por conduta exclusiva da corré Kawasaki Motores do Brasil; 3) a

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inexistência de grupo econômico entre as rés, posto que são “empresas que tem

como controladores acionistas diferentes, objetos e administrações distintas entre

si”; 4) a inexistência de privilégios em seu favor, sendo que “a todo momento é

citada apenas uma concessionária diversa a lide, ou seja, a extinta

concessionária FPK”.

Também inconformada, a corré Kawasaki Motores do

Brasil interpôs recurso de apelação (fls. 3276/3330) aduzindo, em apertada

síntese, 1) a inexistência de infração contratual que causasse prejuízo à autora,

sendo equivocado supor que um benefício concedido a uma concessionária

situada na Capital prejudicaria estabelecimentos em outras localidades e que a

autora requereu a dissolução amigável do contrato; 2) a inexistência de grupo

econômico, não havendo “controle de uma sociedade sobre outra ou mesmo

exercerem elas as mesmas atividades e, que possuam os mesmos sócios ou que

haja confusão patrimonial e administrativa”; 3) que o acordo judicial celebrado

com a Concessionária FPK não corresponde a um incentivo de marketing e sim

uma “composição para por fim a uma demanda judicial”; 4) a ilegalidade da

condenação fixada na r. sentença, porquanto extrapolou o rol de penalidades

previstas no art. 24 da Lei nº 6.729/1979; 5) o descumprimento contratual por

parte da autora, em razão do abrupto encerramento das atividades, devendo ser

condenada ao pagamento de indenização em favor da Apelante.

A corré Kawasaki Motores do Brasil também interpôs

recurso de apelação nos autos da reconvenção (fls. 3306/3315), aduzindo, em

síntese: 1) argumentos da apelação de fls. 3276/330, no sentido de que nunca

teria existido ato seu de forma a prejudicar a autora; 2) que esta inclusive havia

proposto rescisão do contrato através de acordo; que a parte autora não poderia

ter encerrado subitamente suas demais empresas; 3) Que por isso teria incorrido

em infração ao disposto no § 2º do artigo 22 da Lei 6.729/79, ou seja, teria que

aguardar o prazo de 120 dias de manutenção das atividades das concessionárias

aplicável mesmo que haja discussão nos autos principais; 4) pleiteia pagamento

da indenização respectiva; 5) ilegalidade da sua condenação ao pagamento de

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 5/26

honorários quando a reconvinda é revel.

Também inconformada, recorre a autora (fls. 3328/3335)

aduzindo, sumariamente, que: 1) a r. sentença deve ser reformada,

reconhecendo a obrigação de indenização decorrente da Lei Renato Ferrari,

devendo a indenização corresponder ao benefício dado a outros concessionários;

2) que “mesmo que se desconsiderado o benefício extraordinário concedido à

concorrente da rede (inciso IV, art. 24), ainda, assim, por corolário, a manutenção

de concessionária própria pelo Grupo Kawasaki configura concorrência desleal,

até porque excluiu da rede autorizada todas as vendas por ela realizadas, em

prejuízo direto imposto à autora que não teve acesso à parte daquele resultado”;

3) a culpabilidade da ré pelos encerramento das atividades da autora, pela

desigualdade de tratamento, com responsabilidade civil da mesma por dano

moral .

Recursos recebidos às fls. 3338.

Contrarrazões da autora às fls. 3341/3343, da Kawasaki

Motores do Brasil às fls. 3344/3355 e da Kawasaki Trading do Brasil Ltda. às fls.

3357/3362.

A C. 28ª Câmara de Direito Privado (fls. 3377/3380) não

conheceu os recursos, declarando sua incompetência, sendo os autos

redistribuídos para esta Seção.

É o relatório.

1 Da apelação da Reconvenção.

Inicialmente, a apelação de fls. 3306/3315, interposta

pela Kawasaki Motores do Brasil “nos autos da reconvenção” não merece

conhecimento.

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 6/26

O artigo 318 do Código de Processo Civil de 1973

dispunha que: “Art. 318. Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a

reconvenção”, sendo cabível apenas um recurso de apelação em face da

sentença prolatada, observando o Princípio da Unirrecorribilidade. Neste sentido:

COMPRA E VENDA. Ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos.

Reconvenção. Sentença que julgou improcedente a ação principal e parcialmente

procedente a reconvenção.

- Autor reconvindo interpôs duas apelações em face da mesma sentença. Princípio da

unirrecorribilidade. Decisões judiciais são impugnadas por meio de um único recurso.

Ação principal e reconvenção foram julgadas em conjunto pela mesma sentença. Cabível a

interposição de apenas uma apelação, na qual a parte sucumbente poderia impugnar todas

as questões enfrentadas pela sentença recorrida. Segunda apelação interposta pelo autor

reconvindo não deve ser conhecida, em razão da preclusão consumativa.

- Apreciação da primeira apelação interposta. Apelante que não se desincumbiu do ônus de

comprovar o descumprimento de obrigações contratuais pelas apeladas, o que era o fato

constitutivo do seu direito, como determina o artigo 333, inciso I, do CPC/73. Ausência de

inadimplemento das apeladas. Juiz de origem agiu bem ao rejeitar a pretensão de rescisão

contratual e de reparação de perdas e danos. Considerado que não houve a rescisão do

contrato de compra e venda, verifica-se que é indevida a sustação dos cheques emitidos

para pagamentos das parcelas da aquisição do consultório médico. Condenação do apelante

ao pagamento, em favor das apeladas, da quantia equivalente à somatória dos cheques

sustados, a saber, R$ 9.000,00. Manutenção da r. sentença.

Segunda apelação não conhecida. Primeira apelação não provida. (Apelação nº

0199118-31.2012.8.26.0100. Relator Carlos Dias Motta. 1ª Câmara Reservada de Direito

Empresarial. Julgado em 29/03/2017).

Ação de reintegração de posse e indenização por danos materiais - Reconvenção -

Protocolizadas duas apelações pelos réus-reconvintes contra a mesma decisão - Não

conhecido o segundo recurso - Sentença una - Preclusão consumativa - Permissão para

ocupação de imóvel - Caracterização de contrato de comodato Réus comodatários são

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meros detentores do imóvel - Comprovada a aquisição dos direitos sobre o imóvel pelos

autores Sentença mantida - Recurso conhecido que não fica provido. (Apelação nº

0001203-77.2011.8.26.0271. Relator Roberto Maia. 20ª Câmara de Direito Privado.

Julgado em 1º/02/2016).

A Kawasaki Motores interpôs também apelação na ação

principal, cujas questões são as mesmas arguidas na apelação da reconvenção.

Assim, devem ser objeto de um único recurso, caracterizando-se a preclusão

consumativa em face do recurso de apelação da reconvenção de fls. 3306/3315.

Passo a analisar os demais recursos de apelação.

Cuidam os autos de ação de indenização c/c

obrigação de fazer e não fazer, decorrente de contrato de distribuição de

veículos através de concessão comercial, ajuizada em 13/12/2012.

Narra a vestibular, que a autora detinha três

estabelecimentos para venda de produtos da ré Kawasaki Motores do Brasil,

sendo uma em São Paulo, uma em Campinas e outra em São José dos

Campos, sob o regime da Lei n

º 6.729/1979 (Lei Renato Ferrari).

Narra, ainda, que suas vendas foram diretamente

afetadas em razão do incentivo dado pelo produtor ao distribuidor FPK

Comércio de Veículos, no valor de R$ 650.000,00, ferindo a isonomia entre

as distribuidoras, o que ocasionou diversas notificações por parte da

Assokawa (Associação Nacional dos Concessionários da Kawasaki).

Após, sustenta que houve represália por parte da ré

Kawasaki Motores do Brasil, obrigando-a a manter seus estoques acima do

acordado, afetando o seu capital de giro. Além disso, em detrimento a

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lealdade concorrencial, a Kawasaki Motores do Brasil teria mantido

concessionária própria, a Kawasaki Trading do Brasil Ltda., cujo nome

fantasia é K-Dealer, a qual usufrui “benefícios ignorados por todos e que são

inexistentes aos demais distribuidores”.

Alega que a junção desses fatores, para estancar

corrosão de seu capital, a obrigou a encerrar motivadamente dois dos

contratos, relativos às duas lojas localizadas no interior do Estado, passando

a se concentrar somente na concessionária da Capital, conforme constou de

sua notificação datada de 15/5/2012, enviada à Kawasaki Motores do Brasil

Ltda. (fls. 69):

Por força de atitudes dessa concedente, em confronto com as

normas disciplinadoras da lei nº 6.729/79, notificamos Vossas

Senhorias no sentido de encerrar imediatamente as atividades

das concessionárias da marca KAWASAKI nas cidades de

São José dos Campos e Campinas. Justifica-se este

procedimento, uma vez que recentemente a rede de

concessionárias tomou conhecimento de contrato celebrado

entre essa concedente e a concessionária FPK Com. de

Veículos Ltda.

Aquela ação de marketing, no valor de R$ 650.000,00,

privilegiando exclusivamente determinada concessionária em

flagrante detrimento das demais, acarretou e acarreta

vultuosos prejuízos para nossa empresa, sem que a

KAWASAKI tenha tomado a iniciativa de mitigar os efeitos

daquela imprópria atitude. Ademais, essa concedente tem

imposto à rede estoque mínimo em desacordo com o contrato,

elevando sobremaneira a necessidade de capital de giro, sem

qualquer incremento nas vendas da marca. Ao contrário,

Vossas Senhorias, diante da queixa da rede de

concessionárias formulada pela ASSOKAWA a respeito do

“estoque mínimo”, trataram de informar que “iniciarão

processo de seleção para a contratação de novas

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concessionárias”. Veja-se, portanto, que novamente emerge o

descumprimento da lei (art. 6º, I), impondo condição que

busca constranger e até mesmo coagir os concessionários.

Desse modo, na forma do inciso III, art. 22 da Lei 6.729/79,

damos por resolvidos os contratos nas Cidades acima

indicadas, anotando que continuaremos prestando assistência

técnica àqueles veículos cobertos pela garantia...”.

A r. sentença reconheceu a existência de grupo

econômico entre as rés e que, pela perícia, pela análise de preços praticados

nos faturamentos das concessionárias da autora, da concessionária FPK e

da concessionária Dealer (da correquerida Kawasaqui Trading), dos quadros

de funcionários e dos respectivos custeios de despesas, a concessionária

pertencente ao grupo econômico das rés não tinha privilégios em detrimento

das demais.

Mas entendeu que o incentivo pago à concessionária

FPK - Fittipaldi em dezembro de 2.012, a título de incentivo de marketing e

publicidade, no valor de R$ 650.000,00, caracteriza favorecimento que

privilegia essa concessionária em detrimento das demais, o que enseja

desequilíbrio de concorrência, uma vez que causa diferença na divulgação

de atividades, produtos e serviços, colocando a beneficiada em vantagem

desproporcional, em prejuízo daquelas que não puderam contar com esse

aporte.

Reputou que, por isso, há indícios de que a ré teria

contribuído para fechamento das duas lojas da autora, o que caracterizaria

descumprimento contratual, incidindo nas penalidades previstas no artigo 24

da Lei Ferrari, no valor equivalente a R$ 833.416,26, “da qual R$ 53.772,96

diz respeito ao investimento efetuado nas duas concessionárias da autora

que encerraram as suas atividade, R$ 646.517,92 se refere às projeções de

faturamento, nos termos da referida Lei, para esses mesmos

estabelecimentos e R$ 133.125,38 pelos custos de capital de giro (fls.

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921/923)”. A sentença afastou “o pedido de ressarcimento da verba

concedida à concessionária FPK Fittipaldi, no importe de R$ 650.000,00

para cada das concessionárias da autora, pois esses valores não podem ser

contabilizados como prejuízos. Tais verbas foram pagas de maneira indevida

a outra concorrente, mas não eram valores que a autora tinha o direito

contratual de receber ou que deixou de faturar no curso de sua atividade”.

2 Do Recurso da Apelante Kawasaki Trading do

Brasil.

2.1 - De plano, afasto a preliminar de ilegitimidade

passiva da Kawasaki Trading do Brasil.

O autor requereu, em sua exordial, “o fechamento

definitivo da concessionária K-Dealer (uma das atividades da ré Kawasaki

Trading do Brasil Ltda.) por violação às normas legais, bem como pelo fato

de constituir concorrência desleal”.

Assim, se tal pedido fosse provido, a apelante

Kawasaki Trading do Brasil seria diretamente afetada, sendo, portanto, parte

legítima para figurar no polo passivo da ação.

Além disso, a sua participação no polo passivo

também permitiu o exercício de sua defesa em face da alegação de formação

de grupo econômico com a corré Kawasaki Motores do Brasil Ltda.,

caracterizado pela r. sentença: “No tocante à alegação de grupo econômico,

temos que tal está caracterizado nos autos entre as empresas requeridas.

Diversos são os fatores a indicar tal conclusão: as requeridas operam com o

nome comercial da montadora japonesa; são controlados pela mesma

empresa no Japão, conforme afirmação da própria correquerida às fls. 676;

possuem o mesmo endereço comercial, cuja locação e demais custos são

arcados somente pela correquerida Kawasaki Motores do Brasil Ltda.

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(919/920); bem como possuem sócios em comum em suas composições

societárias (fls. 928)”.

O laudo pericial (fls. 674/684) constatou que:

A colocação das Autoras procede. O imóvel é alugado

pela Kawasaki Motores do Brasil Ltda., sendo que parte

dele é sublocada para a Kawasaki Trading do Brasil Ltda.

(anexo 5).

Também foram apresentados comprovantes de despesas

com aluguel, água, luz, operadora NET (TV a cabo,

internet e telefone) do referido imóvel, todos enviados

para Kawasaki motores do Brasil Ltda. (anexo 6).

Destes comprovantes, têm-se os pagamentos de aluguel

apenas do contrato efetuado pela Kawasaki Motores do

Brasil Ltda. ao proprietário do imóvel. Não foram

apresentados comprovantes do pagamento da Kawasaki

trading do Brasil Ltda. à Kawasaki Motores do Brasil Ltda.

As contas de luz com vencimento entre janeiro e março

de 2011 eram nominais a Giesse Brasil Indústria e

Comércio de Fe (razão social incompleta no documento

base); de abril a junho de 2011, nominais a Kawasaki

Trading do Brasil Ltda. e, a partir desta data, em nome da

Kawasaki Motores do Brasil Ltda..

A conta de água com vencimento em abril de 2011 é

nominal a Kawasaki Trading do Brasil Ltda.; as de maio e

junho de 2011 não contem a identificação do cliente por

se tratar de segundas vias resumidas. A partir de julho de

2011 todas estão em nome da Kawasaki Motores do

Brasil Ltda.

Verifica-se, assim, que a caracterização de um grupo

econômico entre as rés foi devidamente motivada e fundamentada pela r.

sentença.

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Contudo, assiste razão à recorrente Kawasaki Trading

Ltda. quanto a improcedência da responsabilidade solidária que lhe foi

atribuída na r. sentença.

O fato de ter sido reconhecido a formação de grupo

econômico entre as rés, por si só, não permite a responsabilização da

distribuidora (Kawasaki Trading Ltda.) pelos atos praticados pelo produtor.

Neste sentido, transcrevo parte do voto do E.

Desembargador Araldo da Costa Telles:

Tocante ao mérito é preciso convir que, embora integrante

do mesmo grupo econômico, não responde o apelado pelos

atos praticados pela montadora em seus contratos de

concessão, não havendo como impingir-lhe, por conta de

suposta infração à respectiva lei de regência, sanções por

abuso de poder econômico. (Apelação nº

9204370-46.2004.8.26.0000. 15ª Câmara de Direito

Privado. Julgado em 18/01/2011).

Ademais, não se apurou nenhum fato de privilégio

desta, em detrimento das demais.

Salienta-se, ainda, que se constatou no laudo pericial

que, mesmo fazendo parte de um só grupo econômico, “como já dito

anteriormente, não há evidências da prática de preços diferenciados nos

faturamentos para a K-Dealer”.

Assim sendo não há caracterização de prática de

concorrência desleal em face dessa corré ou provas, de que a abertura

dessa concessionária ligada ao fabricante apresente nexo de causalidade

para o fechamento das duas concessionárias da parte autora do interior do

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Estado.

In casu, o estabelecimento da Kawasaki Trading Ltda.

foi aberto na comarca de São Paulo, enquanto as lojas fechadas situavam-se

em São José dos Campos e em Campinas.

2.2 - Destarte, dá-se parcial provimento ao recurso da

corré Kawasaki Trading Ltda. para excluir sua responsabilidade pelos atos

praticados pela Kawasaki Motores do Brasil e respectiva indenização imposta

a esta última.

3 Do Recurso da Apelante/concedente Kawasaki

Motores do Brasil Ltda.

Três foram os fundamentos da petição inicial que

teriam causado o fechamento das concessionárias da autora do interior do

Estado: 1) incentivo concedido à concessionária FPK; 2) represália do

fabricante que estaria exigindo estoque mínimo em desacordo com o

contrato; e 3) concorrência desleal entre as citadas concessionárias.

O laudo pericial contábil foi taxativo quanto a não

configuração de diferenças de preços entre o faturamento das

concessionárias, inclusive da FPK.

O incentivo de marketing em favor da concessionária

FPK foi feito em virtude de ação judicial (fls. 102/106) de 05/05/2011.

A respeito do incentivo fiscal concedido à concessionária

FPK, o laudo pericial concluiu (fls. 930) que:

Considerando os faturamentos efetuados pela Ré Kawasaki

Motores do Brasil Ltda. no período de 2009 a 2012 (Anexo 14),

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 14/26

vemos que em 2009 a FPK foi disparada a concessionária com

maior volume de compras, caindo para a 4ª posição em 2010,

retomando a 2ª posição em 2011 e caindo para a 3ª posição em

2012.

Não é possível para a Perícia identificar o valor pago a título

de inventivo de marketing como sendo o único fator que

causou um incremento de vendas na FPK, assim como

também não há nos autos evidencias na prática de preços da

forma como questionada no quesito anterior.

A autora não realizou compras em 2009; foi a 2ª colocada em

volumes de compra na cidade de São Paulo em 2010, 3ª em

2011 e 7ª em 2012. Olhando somente por esses dados não há

como dizer que os prejuízos da Autora foram devido a estes

fatores. (destaquei)

Na resposta ao quesito nº 09 (fls. 930), da parte

autora, a perícia judicial respondeu que considerando os faturamentos entre

as concessionárias, a FPK foi a disparada concessionária com maior volume

de compras no período de 2009 a 2012, o que denota que o incentivo em

questão a favorece em detrimento às demais, assistindo razão, nessa parte

ao entendimento esposado pelo MM. Juiz de Primeiro Grau.

Embora não tenha havido necessariamente prática de

concorrência desleal, até porque efetuado acordo via judicial, tal incremento

na prática conferiu vantagem da concessionária em detrimento das demais.

No que concerne ao estoque mínimo, fundamentou a

parte autora sua denúncia contratual (fls. 69), em 15/05/2012, o fato de que o

fabricante estaria impondo estoque mínimo em desacordo com o contrato.

Assevera, ainda que por força disso, a Associação

Nacional dos Concessionários da Kawasaki havia notificado a Kawasaki

Motores a respeito dessa exigência.

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 15/26

Vê-se que a partes, anteriormente estavam sob

tratativas de resolução contratual (fls.337/349), a qual não se concretizou.

Na contra notificação do fabricante, datada de 22 de

maio de 2012 (fls. 366/367), este refuta qualquer culpa para o fim das

concessionárias do interior, discorrendo que a “Carta da Assokawa” seria ato

deliberado da diretoria da Associação, representando minoria de

concessionárias, enfatizando que a resolução dessas filiais seria ato

unilateral da parte autora.

A referida Associação notificou a fabricante/ré quanto

a tal exigência (fls.138/140), em 27/04/2012.

Pelo seu termos, descreve-se que havia elevado nível

de estoque, restrição de crédito de instituições financeiras, o que fazia

minguar capital de giro das concessionárias, que essa descapitalização devia-

se principalmente à conduta da Kawasaki em forçar o faturamento de

produtos além do que prevê o contrato de concessão e da Lei 6.729/79; que

pelo artigo 10 da referida Lei, haveria condições para regulamentação da

produção quanto do estoque da rede; que o concessionário poderia limitar

seu estoque a 65% da média de vendas dos últimos seis meses por produto

diferenciado; que a fabricante estaria exigindo da rede a aquisição por

versão, cor e opcionais de cada produto, onerando o negócio, propondo

relação de produtos que o concessionário deveria enviar ao fabricante, caso

esteja com estoque acima do permitido pelo contrato e Lei.

Em contra notificação de 08/05/2012 (fls.141), não

concordou com a proposição asseverando que estaria tolhida em fabricar e

comercializar outros modelos, bem como da modernização de sua grade de

produção.

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 16/26

Dispõe o art. 17 da Lei sob enfoque:

Art. 17. As relações objeto desta Lei serão também reguladas

por convenção que, mediante solicitação do produtor ou de

qualquer uma das entidades adiante indicadas, deverão ser

celebradas com força de lei, entre:

I - as categorias econômicas de produtores e distribuidores de

veículos automotores, cada uma representada pela respectiva

entidade civil ou, na falta desta, por outra entidade competente,

qualquer delas sempre de âmbito nacional, designadas

convenções das categorias econômicas;

II - cada produtor e a respectiva rede de distribuição, esta através

da entidade civil de âmbito nacional que a represente, designadas

convenções da marca.

§ 1º Qualquer dos signatários dos atos referidos neste artigo

poderá proceder ao seu registro no Cartório competente do

Distrito Federal e à sua publicação no Diário Oficial da União, a

fim de valerem contra terceiros em todo território nacional.

§ 2º Independentemente de convenções, a entidade

representativa da categoria econômica ou da rede de distribuição

da respectiva marca poderá diligenciar a solução de dúvidas e

controvérsias, no que tange às relações entre concedente e

concessionário.

Nota-se que o fabricante não logrou dar solução a

controvérsia, alegando se tratar de reclamação de mínima faixa de representação

da categoria. Contudo, seja como for, o assunto do estoque mínimo merecia

melhor resolução.

A questão do “estoque mínimo” deve ser interpretada à

luz da Lei Especial e do contrato estabelecido entre as partes, o qual

estabeleceu:

CLÁUSULA VIII

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 17/26

A CONCESSIONÁRIA emitirá em formulário próprio ou através

de informática, os pedidos de compra dos produtos, conforme

critérios definidos no Aditivo Contratual:

1º. Deverá a CONCESSIONÁRIA manter um estoque de uma

unidade de cada modelo, condicionado a compra inicial na

abertura e no lançamento do produto, uma unidade de cada cor e

modelo dos produtos comercializados descritos na cláusula III.

2º - Deverá, ainda, a CONCESSIONÁRIA, manter um estoque de

peças originais KAWASAKI, compatível com o volume de venda

de motocicletas e de aplicação na prestação de serviços de

assistência técnica ou atendimento a varejo.

3º - Nenhuma indenização, compensação ou ressarcimento serão

devidos à CONCESSIONÁRIA em relação aos pediso que não

vierem a ser atendidos pela KAWASAKI.

A fim de esclarecer a divergência de entendimento sobre

o “estoque mínimo”, o laudo pericial esclareceu as teses apresentadas pelas

partes, a saber:

A primeira, que é defendida pela Autora, é a de que as versões

com ABS se tratam de um opcional e não de um modelo diferente

do modelo sem ABS, bastando ter uma das motos em seu show

room para atender o determinado em contrato.

A segunda é a interpretação da Ré Kawasaki Motores do Brasil

de que as versões ABS são modelos diferentes e, portanto,

devem fazer parte do show room da concessionária.

O contrato não esclarece se “modelo” se refere ao

modelo genérico (ex. Ninja 250 R), abrangendo todas as variações deste modelo

(ex. Ninja 250R Candy Lime Green; Black/Red; Edição Limitada) ou se cada item

configura um novo modelo que deve ser exposto individualmente.

De uma forma ou de outra, constata-se a obrigação da

concessionária adquirir os veículos para exposição em seu show room, o que,

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 18/26

inevitavelmente, afeta seu capital de giro, na medida em que é obrigada a estocar

os produtos para exposição.

A perícia não logrou definir o que fosse estoque

mínimo de acordo com o contrato, apenas o descreveu, segundo a

compreensão da parte autora e segundo a da parte ré.

No entanto o estoque mínimo deve ser aferido pelo

pacto contratual e legal.

A Lei 6.729/1979, por seu turno, estabelece faculdade

tanto ao fabricante quanto ao concessionário quanto a limitação de estoque.

A respeito, preceitua:

Art. 10. O concedente poderá exigir do concessionário a

manutenção de estoque proporcional à rotatividade dos produtos

novos, objeto da concessão, e adequado à natureza dos clientes

do estabelecimento, respeitados os limites prescritos nos §§ 1º e

2º seguintes.

§ 1º É facultado ao concessionário limitar seu estoque:

a) de veículos automotores em geral a sessenta e cinco por cento

e de caminhões em particular a trinta por cento da atribuição

mensal das respectivas quotas anuais por produto diferenciado,

ressalvado o disposto na alínea b seguinte;

b) de tratores, a quatro por cento da quota anual de cada produto

diferenciado;

c) de implementos, a cinco por cento do valor das respectivas

vendas que houver efetuado nos últimos doze meses;

d) de componentes, o valor que não ultrapasse o preço pelo qual

adquiriu aqueles que vendeu a varejo nos últimos três meses.

§ 2º Para efeito dos limites previstos no parágrafo anterior, em

suas alíneas a e b , a cada seis meses será comparada a quota

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com a realidade do mercado do concessionário, segundo a

comercialização por este efetuada, reduzindo-se os referidos

limites na proporção de eventual diferença a menor das vendas

em relação às atribuições mensais, consoante os critérios

estipulados entre produtor e sua rede de distribuição.

Portanto, a Lei faculta ao concedente exigir do

concessionário manutenção de estoque proporcional à rotatividade dos produtos

novos, objeto da concessão, e adequado à natureza dos clientes do

estabelecimento.

Da conjugação dos termos do contrato com os da Lei,

nota-se que a exigência do fabricante apresenta-se severa, tanto, que houve

queixa da Associação, na medida em que a parte autora e as demais

concessionárias estariam obrigadas à integralidade de

exposição/manutenção na concessionária, de cada modelo de veículo com

suas respectivas variantes, as quais configurar-se-iam, por sua vez, modelos

específicos.

A exigência do fabricante, de manutenção nas

concessionárias, de todos os tipos de cada modelo, de cada veículo de sua

linha, ainda que para cumprimento “ipsis litteris” do ajuste contratual, acaba

por onerar o capital de giro da concessionária, obrigando-a a maior dispêndio

a esse título.

Observe-se, conforme consta dos documentos autos

que as partes tentaram engendrar composição, o que denota dificuldades da

parte autora.

Assim, embora a posição do fabricante quanto ao

estoque mínimo, o seja na conformidade do contrato, não proporciona, em

contrapartida, ao concessionário, a faculdade legal de outro limite de

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estoque, o que obriga a parte autora a compatibilizar maior capital de giro

entre seus três contratos (Capital e dois do interior), tornando-os mais

onerosos, o que causou inviabilidade de suas manutenções.

Por conseguinte, embora não tenha havido

caracterização de concorrência desleal, segundo os termos da Lei pertinente,

demonstra-se, seja na concessão de incentivo de marketing à concessionária

FPK, que caracteriza no final tratamento diferenciado, seja, na imposição de

exigência de estoque integral de acordo com cada modelo específico, esses

fatores deram causa à inviabilidade da continuidade da relação jurídica entre

as partes, procedendo a resolução dos contratos em questão, nos termos do

artigo 22, III, da Lei 6.729/79, o que fundamenta o pedido reparatório previsto

no artigo 24 da Lei 6.729/1979.

3.1 Da impugnação do Apelante/concedente (fls.

3295).

Quanto ao valor indenizatório, o artigo 24 da Lei

Renato Ferrari estabelece a penalidades impostas na rescisão do contrato

por prazo indeterminado, quando ocasionados pela montadora:

Art. 24. Se o concedente der causa à rescisão do contrato

de prazo indeterminado, deverá reparar o concessionário:

I - readquirindo-lhe o estoque de veículos automotores,

implementos e componentes novos, pelo preço de venda ao

consumidor, vigente na data da rescisão contratual;

II - efetuando-lhe a compra prevista no art. 23, inciso II;

III - pagando-lhe perdas e danos, à razão de quatro por

cento do faturamento projetado para um período

correspondente à soma de uma parte fixa de dezoito meses

e uma variável de três meses por quinqüênio de vigência da

concessão, devendo a projeção tomar por base o valor

corrigido monetariamente do faturamento de bens e

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Apelação nº 0077690-82.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 109 - 21/26

serviços concernentes a concessão, que o concessionário

tiver realizado nos dois anos anteriores à rescisão;

IV - satisfazendo-lhe outras reparações que forem

eventualmente ajustadas entre o produtor e sua rede de

distribuição.

A r. sentença fixou a indenização no valor de R$

833.416,26, “da qual R$ 53.772,96 diz respeito ao investimento efetuado nas

duas concessionárias da autora que encerraram as suas atividade, R$

646.517,92 se refere às projeções de faturamento, nos termos da referida

Lei, para esses mesmos estabelecimentos e R$ 133.125,38 pelos custos de

capital de giro (fls. 921/923)”, conforme o valor apurado pelo laudo pericial.

Quanto às projeções de faturamento, o valor

indenizatório foi bem fixado, atentando-se ao disposto no artigo 24, inciso III.

No que diz respeito ao valor de R$ 53.772,96, o artigo

24, II, remete à indenização na forma do artigo 23, II da mesma Lei, a qual

determina:

II - comprar-lhe os equipamentos, máquinas, ferramental e

instalações à concessão, pelo preço de mercado correspondente

ao estado em que se encontrarem e cuja aquisição o concedente

determinara ou dela tivera ciência por escrito sem lhe fazer

oposição imediata e documentada, excluídos desta obrigação os

imóveis do concessionário.

Portanto, esse apurado a fls. 921 encontra respaldo no

valor do investimento na conformidade do artigo 24, II, da Lei 6.729/79.

Quanto ao valor apurado de R$ 133.125,38 (fls. 922 e

924) foi apurado na perícia: “indenização pelo custo adicional de capital de

giro gerado pela manutenção de estoque mínimo, conforme entendimento da

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autora, acima do exigido contratualmente”. Calculou-se na conformidade do

pedido da parte autora item “e” de fls. 14/15: “indenização pelo custo

extraordinário do capital de giro, pelo período de doze meses, para fazer

frente ao aumento do estoque mínimo (item “12” supra), tomando-se por

base a taxa média de juros informada pelo BACEN (cf. tabela com taxas de

operação de crédito DOC 49), à razão de 3,51%, representando R$

237.092,63 (duzentos e trinta e sete mil, noventa e dois reais e sessenta e

três centavos) pela diferença no valor do estoque exigido (R$ 1.064.880,00)

e o legal (R$ 501.982,00)”.

Entretanto, o artigo 24, I, da aludida Lei diz

expressamente:

I - readquirindo-lhe o estoque de veículos automotores,

implementos e componentes novos, pelo preço de venda ao

consumidor, vigente na data da rescisão contratual.

Ora esse pleito indenizatório pleiteado pela parte autora, na

inicial não se insere no conceito do artigo indenizatório em epígrafe, que cuida

objetivamente do valor correspondente ao estoque de veículos (ativo

circulante).

3.2 - Dessa forma, assiste razão nessa parte ao

recorrente/concedente, merecendo ser excluído tal valor indenizatório da

condenação por não comportar adequação à indenização prevista na lei

específica.

De se frisar, ainda, que não houve mostra na perícia

de efetivo dispêndio de prejuízo, a título de diferença do estoque exigido.

Cite-se, aliás, que por falta desse numerário é que houve o pedido de

resolução dos contratos. O Sr. Perito (fls.922/923), se limitou a calcular o

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valor de diferença de capital de giro, seguindo apenas entendimento da parte

Autora.

3.3 Do pleito da Apelante/concedente/reconvinte que

pretende aplicação à parte autora da multa prevista no artigo 22, III, § 2º c.c

art. 26 da Lei sob exame.

Preceitua o artigo 22, § 2º da Lei 6.729/79:

Em qualquer caso de resolução contratual, as partes disporão do

prazo necessário à extinção das suas relações e das operações

do concessionário, nunca inferior a cento e vinte dias, contados

da data da resolução.

E o artigo 26 proclama:

“Art . 26. Se o concessionário der causa à rescisão do contrato,

pagará ao concedente a indenização correspondente a cinco por

cento do valor total das mercadorias que dele tiver adquirido nos

últimos quatro meses de contrato”.

Ora, não comporta acolhimento a aplicação da

alegada multa em face da parte autora/concessionária conquanto o término

dos contratos decorreu por responsabilidade da Concedente. A aplicação da

referida multa a concessionária só teria causa se a mesma desse causa à

rescisão do contrato, o que não ocorre no presente, improcedendo a

reconvenção.

No entanto, fica a observação: se a parte

autora/concessionária der causa a algum prejuízo a concedente em virtude

de eventual não cumprimento do prazo necessário previsto no artigo 22, § 2º

da Lei 6.729/79, deverá esta última resolver seu prejuízo nas vias próprias.

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3.4 - Da Condenação sucumbencial da

Reconvenção.

Embora não acolhido o recurso da Lide

Reconvencional, mas uma vez mantida a decisão de improcedência da

reconvenção, o critério de fixação de sucumbência naquela lide não merece

modificação até porquanto a revelia da reconvinda limitou-se à peça de

contestação e houve regular instrução no processo inclusive quanto à

matéria da reconvenção, sendo devida a honorária tal qual fixada na

sentença recorrida.

4. Do Recurso da Apelante/Concessionária.

O autor recorreu do valor fixado na r. sentença

sustentando que “mister a cominação de todos os incisos do art. 24 a contemplar

a condenação, sob pena de subsistir desigual a posição das partes, pois a

indenização visa equilibrar uma situação que outrora se mostrou desalinhada,

tendo a recorrente experimentado o prejuízo pela perda do negócio e que

somente poderá ser reparado pelo provimento integral do pedido, sem exclusão

da verba prevista no inciso IV do art. 24, até porque está tarifada pelos valores

distribuídos a outros concessionários, como forma de equidade”.

O C. Superior Tribunal de Justiça, em caso análogo,

entendeu que: “Nos termos da Lei nº 6.729/79 (Lei Renato Ferrari), para a

resolução unilateral, a parte inocente que alegar descumprimento da lei, do

contrato ou de convenção deverá cercar-se de um amplo e contundente contexto

probatório para justificar a culpa da parte adversa, haja vista que as relações

reguladas pelo mencionado diploma envolvem valores expressivos, múltiplas

contratações, além de penalidades gradativas que devem ser obedecidas e

devidamente demonstradas” (STJ. REsp 1400779 / SP. Ministro Ricardo Villas

Boas Cueva. Terceira Turma. Julgado em 05/06/2014).

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Tenho que restou demonstrado que o incentivo à outra

concessionária e a exigência do estoque mínimo caracterizou desequilíbrio na

relação contratual entre a parte autora/concessionária e o fabricante/concedente,

o que deu causa ao término da relação jurídica das concessionárias da autora,

todavia, esse incentivo, no meu ver, em valor equivalente, não merece ser

indenizado à parte autora.

A r. sentença recorrida bem justificou o afastamento do

pedido indenizatório da quantia de R$ 650.000,00 para cada concessionária da

parte autora, pois tal(is) valor(eres) não são provenientes de direito contratual a

receber ou que se deixou de faturar no curso da atividade, não consistindo

prejuízo.

Além disso, não houve prova de efetivos outros prejuízos

que pudessem ser objeto de indenização na forma do inciso IV, do artigo 24 da

Lei 6.729/79.

4.1 - Por isso não merece acolhimento essa indenização

pleiteada.

4.2 - Quanto ao pleito indenizatório de dano moral, é

possível, encontra suporte jurídico no Direito Comum.

Entretanto, não houve demonstração que a causa de

fechamento das concessionárias da autora, em virtude das condutas da

fabricante/concedente deu causa a tal dano.

Embora essas sirvam de elementos de

descumprimento contratual, que inviabiliza a continuidade da relação jurídica,

com subsistência das reparações indenizatórias materiais, não serve por si

só de fundamento à configuração de dano de natureza moral.

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Ademais, não houve comprovação específica que esse

descumprimento contratual gerou alguma mácula à honra objetiva da

empresa autora.

Assim sendo, não procede tal pedido reparatório de

dano moral.

Diante do exposto, pelo meu voto, DEIXO DE

CONHECER o recurso de apelação da reconvenção interposto por Kawasaki

Motores do Brasil; DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da ré Kawasaki

Trading Ltda. para julgar improcedente a ação em relação à mesma; DOU

PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da ré Kawasaki Motores do Brasil para

excluir da condenação, o valor indenizatório de R$ 133.125,38 e, NEGO

PROVIMENTO ao recurso da Autora.

Pela sucumbência em face da parte ré Kawasaki

Trading Ltda., a parte autora pagará as custas e despesas que esta última

despendeu e honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00.

Em razão do acolhimento de parte do recurso da parte

ré Kawasaki Motores do Brasil, esta ficará responsável por 30% das custas e

despesas processuais da ação principal, fixando a honorária advocatícia do

patrono desta, a ser pago pela parte Autora em 10% sobre o valor de R$

133.125,38.

MARIA SALETE CORRÊA DIAS

RELATORA.