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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N° ACÓRDÃO I MM Mil IIIIIJIIIIJ|IJ|IIJ|IIII lllll IIU Ml *02961905* Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.06.137444-5, da Comarca de São José do Rio Preto, em que são apelantes MONTE CARLO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S C LTDA e MUNICIPALIDADE DE SAO JOSÉ DO RIO PRETO sendo apelado MINISTÉRIO PUBLICO. ACORDAM, em 8 a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e JOAQUIM GARCIA. São Paulo, 05 de maio de 2010. SALLES ROSSI RELATOR

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA

REGISTRADO(A) SOB N°

A C Ó R D Ã O I MM Mil IIIIIJIIIIJ|IJ|IIJ|IIII lllll IIU Ml *02961905*

Vistos, relatados e discutidos estes autos de

Apelação n° 994.06.137444-5, da Comarca de São José

do Rio Preto, em que são apelantes MONTE CARLO

EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S C LTDA e

MUNICIPALIDADE DE SAO JOSÉ DO RIO PRETO sendo apelado

MINISTÉRIO PUBLICO.

ACORDAM, em 8a Câmara de Direito Privado do

Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte

decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS. V. U.", de

conformidade com o voto do Relator, que integra este

acórdão.

O julgamento teve a participação dos

Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e

JOAQUIM GARCIA.

São Paulo, 05 de maio de 2010.

SALLES ROSSI RELATOR

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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Voton°: 12.152 Apelação Cível n°: 994.06.137444-5 (antigo 462.961.4/0-00) Comarca: São José do Rio Preto - 6a Vara Ia Instância: Processo n°: 37918/2003 Aptes.: Monte Cario Empreendimentos Imobiliários S.C. Ltda. outra Apdo.: Ministério Público do Estado de São Paulo

VOTO DO RELATOR

EMENTA - LOTEAMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Procedência - Legitimidade do Ministério Público inquestionável, porquanto a ele incumbe zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição Federal — Municipalidade que é parte legítima para figurar no pólo passivo - Inexistência de litisconsórcio passivo com os adquirentes do loteamento - Ação que busca impedir a venda de lotes irregulares e determinar a regularização do loteamento - Descabida a inclusão, no pólo passivo, daqueles que, na verdade, foram vítimas do parcelamento irregular do solo -Precedentes - Prova pericial conclusiva acerca do efetivo parcelamento do solo - Destinação urbana a imóvel rural - Afronta à Lei 6.766/79 - Loteamento que também carece de infra-estrutura (conforme se extrai do mesmo laudo) - Condenação solidária do Município -Cabimento - Responsabilidade pela fiscalização do loteamento (art. 40 do referido diploma legal) -Precedentes (inclusive desta Câmara, envolvendo loteamento vizinho) - Sentença mantida - Recursos improvidos.

ARTES GRÁFICAS-TJ 41.0035

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Cuidam-se de Apelações interpostas contra a r.

sentença proferida em autos de Ação Civil Pública que, decidindo

pelo mérito os pedidos deduzidos na petição inicial, acabou por

decretar a integral procedência dos mesmos para o fim de condenar

as rés a se absterem de realizar vendas, reservas ou promessas de

venda dos lotes em questão, salvo depois da devida regularização,

o que também foram condenadas a fazê-lo no prazo de dois anos,

sob pena de multa diária de R$ 500,00 (prazo fixado apenas para a

empreendedora); para a caso de desfazimento, fica esta última

condenada a indenizar os adquirentes pelos prejuízos sofridos, cujo

montante será apurado em regular liquidação. Por força da

sucumbência, carreou às vencidas o pagamento das custas e

despesas processuais, além de honorários advocatícios, fixados em

15% sobre o valor atualizado da causa.

Inconformadas, apelam as vencidas.

No que tange ao apelo deduzido pela

empreendedora Monte Cario (fls. 271/291), pugna pela necessidade

de reforma da r. sentença recorrida, na medida em que o

loteamento em questão beneficia diversas famílias e existe há mais

de dezesseis anos. E que o próprio Perito Judicial observa que

referido loteamento se encontra na área rural e não urbana, situada

muito longe do perímetro urbano, tendo a apelante protocolizado

pedido de legalização do loteamento rural, perante a

Municipalidade, nos termos da Lei Municipal 4.568/89. Que,

portanto, não são lotes, mas sim frações ideais. Asseveram que a r.

sentença padece de nulidade ao determinar que retornassem a área

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a estado primitivo, o que atingiria centenas de moradores, sendo

ainda humanamente impossível legalizar esse loteamento como

urbano, mas sim rural, mediante aprovação pelo INCRA. Reitera a

necessidade de inclusão dos adquirentes, na qualidade de

litisconsortes, insurgindo-se ainda e finalmente quanto ao valor da

multa e o prazo fixado.

O recurso ora referido foi recebido pelo r.

despacho de fls. 301.

Com relação ao apelo deduzido pela

Municipalidade ré (fls. 303/315), argui nulidade da r. sentença ante

a existência de litisconsórcio passivo necessário, sendo essencial a

inclusão dos adquirentes e inclusão no pólo passivo da ação, eis

que o objeto desta interfere na esfera dos mesmos, que terão

algumas construções demolidas sem que sequer tenham tido

oportunidade de se manifestar nos autos. Ainda em sede de

preliminar, que o pedido é juridicamente impossível, já que não se

pode compelir o Município a realizar ato discricionário e

impossibilidade de transmudar pedidos alternativos em

cumulativos. Que o Ministério Público, por seu turno, é parte

ilegítima para figurar no pólo ativo da demanda.

No tocante à matéria de fundo, pugna pela

necessidade de reforma da r. sentença recorrida, conquanto não

incorreu em omissão, reiterando a discricionariedade das medidas

determinadas pelo Juízo, devendo o apelo ser provido, sob pena de

ingerência indevida no Poder Executivo, em ofensa à tripartição de

poderes.

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O recurso acima foi recebido pelo r. despacho

defls. 316.

Contrarrazões do Ministério Público às fls.

318/338.

Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça,

pelo improvimento (fls. 343/367).

Inicialmente, os autos foram distribuídos ao

Exmo. Desembargador SILVIO MARQUES NETO que lançou o

despacho de fls. 369, seguindo-se posterior redistribuição a este

Relator, que assumiu o acervo deixado pelo Desembargador ora

referido, em virtude de aposentadoria.

E o relatório.

Os recursos não comportam provimento.

Antes de adentrar ao exame dos recursos

propriamente ditos, insta consignar que não se ignora que a r.

sentença recorrida foi proferida aos 12 de dezembro de 2005.

No entanto, este Relator assumiu o acervo

deixado pelo Desembargador SILVIO MARQUES NETO,

conforme publicação no Diário da Justiça Eletrônico, aos 12 de

dezembro de 2008, não tendo, a evidência, dado causa a tão longa

espera.

Feitas tais considerações, não prosperam as

pretensões deduzidas nos apelos interpostos.

Ainda antes de examinar o mérito recursal,

observo que a d. Procuradoria Geral de Justiça consigna em seu

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parecer, a competência da Câmara Especial do Meio Ambiente

para conhecer do presente feito. No entanto, respeitado o

entendimento do d. Procurador de Justiça ofíciante, a questão aqui

discutida não se refere a matéria ambiental, mas sim loteamento

irregular (parcelamento do solo), sendo, portanto, esta 8a Câmara

de Direito Privado competente para o julgamento destes apelos

(cfr. julgamento da Dúvida de Competência n. 136.068-0/7, do

Órgão Especial deste. E. Tribunal, decidindo caso análogo).

No mais, ao contrário do sustentado nos apelos

interpostos, a r. sentença não padece de nulidade. Em primeiro

lugar, anote-se que a legitimação do Ministério Público decorre do

que prevê a Lei 7.347/85. Atua aqui na defesa daquilo que se

chama "interesses transindividuais de natureza indivisível".

O titular desses interesses é a coletividade,

atingida pelo descumprimento das normas que limitam o

parcelamento do solo às exigências legais, que por sua vez

identificam qual o interesse público a ser atingido.

A Ação Civil Pública é, nos termos do artigo

109, III da CF/88, o instrumento adequado para defesa da ordem

jurídica dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Nesse sentido, julgado desta 8a Câmara de

Direito Privado e Relatoria, extraído dos autos do Agravo de

Instrumento n°: 339.767.4/1-00, cuja ementa se transcreve a seguir:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Legitimidade

do Ministério Público inquestionável, porquanto a ele incumbe

zelar pelo efetivo respeito aos poderes públicos, aos serviços de

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d

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relevância pública e aos direitos assegurados na Constituição

Federal - Inquérito Civil que é mera peça informativa

destinada apenas acolher elementos que venham a indicar a

necessidade ou não de ajuizar Ação Civil Pública - Inexistência

por isso, de qualquer infringência a cláusula constitucional da

ampla defesa e do contraditório - ... - Decisão mantida -

Recurso improvido."

Ainda acerca do tema, recente julgado da 7a

Câmara de Direito Público deste E. Tribunal (Agravo de

Instrumento n. 899.974-5/4-00, Rei. MOACIR PERES, j .

30.11.2009, v.u.), conforme segue:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA

PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO - I - Legititimidade

ativa do Ministério Público. A norma constitucional, definindo

como funções institucionais do Ministério Público, 'a defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais

e individuais indisponíveis', atribuiu poderes para 'promover o

inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos' (arts. 127 e 129, inc. III) - II -

Questiona-se, no caso, interesse difuso, passível de defesa por

meio de ação civil pública .. Preliminares afastadas. Recurso

desprovido."

Referido aresto cita precedente do C. STJ que

aqui também possui inteiro enquadramento e merece transcrição, a

saber:

\

APELAÇÃO CÍVEL N° 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152 ^ 6 \

ARTES GRÁFICAS-TJ \ ^ _ > 41.0035

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"/. O Ministério Público, por força do art

129, III, da CF/88, é legitimado a promover qualquer espécie de

ação na defesa do patrimônio público social, não se limitando à

ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não

atua na condição de autor, deve intervir como custos legis

(LACP, art. 5°, § Io, CDC, art 92; ECA, art 202 e LAP, art 9o).

2. A Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no

controle dos atos da administração, com a eleição dos valores

imateriais do art 37 da CF como tuteláveis judicialmente,

coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa

dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela

de interesses difusos referentes à probidade da administração

pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública

e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos

concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas

pétreas. 3. Em conseqüência, legitima-se o Ministério Público a

toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público

sob o ângulo material (perdas e danos) o imaterial (lesão à

moralidade). 4. A nova ordem constitucional erigiu um autêntico

'concurso de ações* entre os instrumentos de tutela dos interesses

transindividuais e, 'a fortiorV, legitimou o Ministério Público

para o manejo dos mesmos. 5. A lógica jurídica sugere que

legitimar-se o Ministério Público como o mais perfeito órgão

intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as

demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação

Popular, revela 'contraditio interminis'. 6. Interpretação

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histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário

do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão,

porquanto à época de sua edição, valorizava-se o parquet como

guardião da lei, entrevendo-se conflitante posição de parte e de

custos legis. 7. Hodiernamente, após a constatação da

importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do

cidadão, não há mais lugar para o veto da 'legitimatio ad

causam' do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Pública ou o

Mandado de Segurança Coletivo. 8. Os interesses mencionados

na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato de

abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo 'mandam us'

coletivo. 9. No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do

ato administrativo atingem o interesse difuso, passível é a

propositura da Ação Civil Pública fazendo as vezes de uma Ação

Popular multilegitimária. 10. As modernas leis de tutela dos

interesses difusos completam a definição dos interesses que

protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP

dilargou-o, abarcando área antes deixadas ao desabrigo, como

patrimônio histórico, estético, moral, etc. 11. A moralidade

administrativa e seus desvios, com conseqüências patrimoniais

para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses

difusos, habilitando o Ministério Público a demandar em Juízo

acerca dos mesmos' (REsp. n°427.140-RO, Primeira Turma, Rei

para o Acórdão Ministro Luiz Fux,j. 20.05.2003).'

A implantação de loteamento clandestino não

interessa apenas a um conjunto de pessoas identificadas, mas ao

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universo indeterminado de possíveis adquirentes equiparados a

consumidores, bem como toda a sociedade, vez que os problemas

relativos aos loteamentos irregulares não ficam circunscritos à

localidade, mas refletem em toda a região.

A evidência, questiona-se, no caso, interesse

difuso, passível de defesa por meio de ação civil pública..".

Igualmente descabida a alegada

impossibilidade jurídica do pedido. Aliás, tal argüição está

diretamente ligada ao mérito recursal (quanto a alegada

impossibilidade de retorno do loteamento ao estado anterior) e

assim será melhor analisada.

Também não se há falar na inclusão dos

adquirentes do lote no pólo passivo. Ora, a presente ação civil

pública busca impedir a venda de lotes irregulares e determinar a

regularização do loteamento - o que torna totalmente infundada a

inclusão, no pólo passivo, daqueles que, na verdade, foram vítimas

do parcelamento irregular. Assim, o pólo passivo deve (como de

fato foi) ser composto exclusivamente pelo loteador e por aquele

que tem o dever legal de fiscalizar (este último, a Municipalidade).

Nesse sentido, diversos julgados deste E.

Tribunal, destacando-se recente aresto extraído dos autos da

Apelação com Revisão n. 404.477-4/6-00, que teve como Relator o

Desembargador ÁLVARO PASSOS, que em tudo se amolda à

hipótese aqui discutida:

"LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO -

Ação civil pública na qual se pretende a condenação no

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pagamento de indenização por danos urbanísticos e ambientais

decorrentes do parcelamento irregular do solo - Não

ocorrência - Responsabilidade civil daquele que comete o ilícito

- Recurso provido, julgando-se procedente a ação civil

pública."

E ainda:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO

CIVIL PUBLICA - Regularização de loteamento clandestino -

Liminar deferida parcialmente em relação ao Município de

Várzea Paulista - Alegação de ilegitimidade passiva 'ad

causam' - Descabimento da objeção processual - Município

que tem competência em organizar a ocupação do solo prevista

na Constituição Federal (artigo 30, inciso VIII) e na Lei n°

6.766/79 - ... - Chamamento ao processo dos adquirentes dos

lotes irregulares - Desnecessidade - Inexistência de

litisconsórcio passivo necessário - Negado provimento ao

recurso (AI 887.562.5/1-00, 7a Câmara de Direito Público, Rei.

RUBENS RIHL, j . 12.08.2009, v.u.)."

Também nesse mesmo sentido:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Guarujá.

Loteamento Jardim Pernambuco. II. Anulação da licença e

adequação ambiental. ... 2. Litisconsórcio. Não se estabelece

litisconsórcio necessário passivo entre os loteadores e os

adquirentes. O pedido principal, de adequação do loteamento à

lei ambiental e urbanística, só atinge os loteadores e a

administração, pois apenas a eles cabe o cumprimento; ...

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Processo extinto sem apreciação do mérito. Apelação provida

para afastar a extinção abreviada; no mérito, decidiu-se pela

improcedência da ação (ac 782.661.5/8-00, Câmara Especial

do Meio Ambiente, Rei. TORRES DE CARVALHO, j .

07.05.2009, v.u.)."

Afastadas as preliminares, passa-se ao exame

do mérito do apelo interposto, cujos argumentos também não se

sustentam.

A prova pericial realizada no loteamento

Estância Bela Vista I é conclusiva no sentido de que este se

encontra implantado na zona rural e que houve parcelamento do

solo - alteração do uso do solo rural para fins urbanos - em afronta

à Lei 6.766/79 (fls. 157 e seguintes), observando ainda o Expert

que aludido loteamento carece de obras de infra-estrutura ("... não

foram implantadas redes de esgoto e de distribuição de água,

asfaltamento das vias e colocação das guias e sarjetas..." - fls.

160).

Ora, diante da conclusão pericial, não restam

dúvidas acerca da ilegalidade e clandestinidade do parcelamento

havido, havendo flagrante desobediência ao já mencionado

diploma legal.

As apelantes, por seu turno, sustentam a

inviabilidade de cumprir a determinação contida na r. sentença -

argumentação totalmente descabida. Acerca dessa insurgência,

cumpre aqui transcrever as bem lançadas considerações da d.

Procuradoria Geral de Justiça, ao observar que "... é insustentável a

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manutenção do atual 'status quo', retratado pela negativa dos

entes privado e público de cumprir obrigações contratuais e legais

e de suprir, sem demora, itens básicos de consumo dos moradores

e adquirentes de lotes, sem o fornecimento dos quais resulta

inequívoca afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana,

escorador do Estado Democrático de Direito (CR, art. 1 °, inc. III).

Como visto, por determinação constitucional,

incumbe ao Município promover adequado ordenamento

territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento e da ocupação do solo urbano (CR, art. 30, inc.

VIII). Além disso, preconiza a Magna Carta que a política de

desenvolvimento urbano, a ser desenvolvida pelos municípios, tem

por objetivo não apenas ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade, mas igualmente viabilizar a garantia do

bem-estar de seus habitantes (art. 182, 'caput').

Assim, a partir da emissão de ato autorizativo

por parte do Município para a implantação de parcelamento ou

loteamento, incumbe ao Poder Público a continuidade na

prestação de serviços de controle e fiscalização, de modo a

possibilitar a verificação, por exemplo, do atendimento dos

padrões urbanísticos, de danos ao meio ambiente e ao patrimônio

público, assim como dos eventuais danos ao ente coletivo e aos

mais altos interesses sociais. E exatamente nesse ponto o

fornecimento de água de abastecimento, saneamento, energia

elétrica e iluminação pública assumem contornos de poder-dever.

Contudo, na espécie versada, sequer há falar-se de existe

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legítima e regular autorização, quer de caráter urbanístico, quer

ambiental, quer sanitário..." (fls. 361/362).

Diante de tal quadro, a r. sentença recorrida,

com inteira pertinência, condenou a loteadora e a Municipalidade a,

solidariamente, procederem à regularização do loteamento referido,

ante a flagrante ilegalidade/irregularidade deste último.

Correta ainda a condenação solidária imposta à

Municipalidade. Ora, caberia a esta a fiscalização do

empreendimento, o que, ante as incontroversas irregularidades,

conclui-se que não o fez. Ademais, tal responsabilidade não se

resume à fiscalização, mas também quanto à omissão do

loteamento irregular, tudo em afronta ao artigo 40 da Lei 6.766/79.

Como é sabido, o Poder Público tem o poder-

dever de substituir o parcelador inadimplente na execução de obras

de infra-estrutura ou na formalização e regularização dos

loteamentos e, em decorrência, sub-rogar-se em seus direitos. Tem

o poder, porque lhe compete fiscalizar e coordenar a urbanização.

Tem o dever, porque ao aprovar o loteamento, tornou-se

responsável perante toda a coletividade.

Ora, irregular como está, o loteamento não

pode permanecer, pelo que imperiosa sua regularização, devendo a

Municipalidade fazê-lo por si mesma ou em conjunto com o

loteador, ou compelir este último a tanto. O que não se pode

admitir é que tal encargo seja transferido aos adquirentes,

anotando-se ainda quanto a incidência imediata da mencionada Lei

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6.766/79, que foi editada para evitar a proliferação de loteamentos

irregulares como o objeto da presente ação civil pública.

Decidindo sobre a responsabilidade solidária

do loteador e da Municipalidade, julgado da 6a Câmara de Direito

Privado deste E. Tribunal de Justiça (AC 70.110-4/4, Rei.

Desembargador MOHAMED AMARO), do qual se extraem as

bem lançadas considerações que ora se transcreve:

"... se descumprida a obrigação de

fiscalização, que lhe é inerente, por certo, fica o Município,

responsável, perante terceiros, por essas obras de infra-estrutrura

(LÚCIA VALE FIGUEIREDO, in ob. cit Pág. idem).

Nesta conformidade, desde que autorizada a

implantação do questionado loteamento, ante a incúria, o

inadimplemento da obrigação de fazer pelo parcelador, cumpria

à Municipalidade-ré, executar ou implementar as obras

necessárias (Lei 6.766/79, art. 40) e, regressivamente, obter o

ressarcimento das despesas correspondentes ou excutir a caução

regularmente prestada, levando-se em conta os altos propósitos

de interesse social decorrentes do empreendimento do

parcelamento do solo.

Pode-se perfeitamente tipificar essa operação

como um caso de sub-rogação legal, no que se refere aos

dispêndios de urbanificação já efetivamente realizados pelo

Poder Públcio (TOSHIO MUKAI e outros, in LOTEAMENTOS

E DESMEMBRAMENTOS URBANOS, pág. 238).

APELAÇÃO CÍVEL N" 994.06.137444-5 - SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - VOTO N° 12.152

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De resto, diante dos fatos relativos aos danos

aos adquirentes dos lotes, ao meio ambiente e aos padrões de

desenvolvimento urbano, deduzidos na inicial, comprovados na

instrução processual, tem-se que a responsabilidade de todos os

demandados, inclusive da Municipalidade-ré, eficientemente

apurada, a justificar a sua legitimidade de parte passiva à luz do

disposto no artigo 22 da Lei 6.766/79..?.

No mesmo sentido, o recente julgado da Ia

Câmara de Direito Público, também deste E. Tribunal, extraído dos

autos da Apelação Cível n. 836.061-5/7-00, Rei. Desembargador

DANILO PANIZZA, que também em tudo se amolda à hipótese

aqui discutida:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA

LOTEAMENTO IRREGULAR - RESPONSABILIDADE

SOLIDÁRIA DE LOTEADOR E DO MUNICÍPIO.

PROCEDÊNCIA.

Há plena caracterização de

responsabilidade, na ação civil pública, de loteador e

Município, de maneira solidária, em caso de loteamento

irregular. O loteador se enquadra pelo direto descumprimento

da lei de parcelamento do solo e o Município pela omissão

fiscalizatória. Improcedência mantida. Recursos negados."

Em situação idêntica (relativa a loteamento

vizinho, situado na mesma cidade de São José do Rio Preto,

denominado Estância Bela Vista II), recentíssimo julgado desta 8a

Câmara de Direito Privado e Relatoria, extraído dos autos da

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Apelação Cível n°: 994.03.091002-5 (antigo 293.802.4/9-00), que

assim decidiu:

"LOTEAMENTO - AÇÃO CIVIL

PÚBLICA - Procedência - Legitimidade do Ministério Público

inquestionável, porquanto a ele incumbe zelar pelo efetivo

respeito aos poderes públicos, aos serviços de relevância

pública e aos direitos assegurados na Constituição Federal —

Municipalidade que é parte legítima para figurar no pólo

passivo - Inexistência de litisconsórcio passivo com os

adquirentes do loteamento - Ação que busca impedir a venda

de lotes irregulares e determinar a regularização do loteamento

- Descabida a inclusão, no pólo passivo, daqueles que, na

verdade, foram vítimas do parcelamento irregular do solo -

Precedentes - Prova pericial conclusiva acerca do efetivo

parcelamento do solo - Destinação urbana a imóvel rural -

Afronta à Lei 6.766/79 - Loteamento que também carece de

infra-estrutura (conforme se extrai do mesmo laudo) -

Condenação solidária do Município - Cabimento -

Responsabilidade pela fiscalização do loteamento (art. 40 do

referido diploma legal) - Precedentes - Sentença mantida -

Recurso improvido."

Em vista de todo explanado, correta e bem

fundamentada a r. sentença recorrida, ao condenar os réus,

solidariamente, à regularização do loteamento em questão, o que

aqui se ratifica.

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Isto posto, pelo meu voto, nego provimento aos

recursos.

S^LLES ROSSI

Relator

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