Tributação dos Bens Digitais

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ADELMO DA SILVA EMERENCIANO TRIBUTAÇÃO DOS BENS DIGITAIS

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ADELMO DA SILVA EMERENCIANO

TRIBUTAÇÃO DOS BENS DIGITAIS

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Emerenciano, Adelmo da Silva.E53 Tributação no comércio eletrônico./ Adelmo da Silva Emerenciano.

São Paulo: PUC- São Paulo, 2002.

Orientador: Paulo de Barros Carvalho.

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título deDoutor em Direito Tributário. Faculdade de Direito – PUC - São Paulo.

1. Tributação - Internet. - Comércio eletrônico. I. CARVALHO, Paulode Barros.II. Faculdade de Direito - PUC- São Paulo. III. Título.

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“Muitas palavras que já morreram terão umsegundo nascimento, e cairão muitas das que agoragozam das honras, se assim o quiser o uso, emcujas mãos está o arbítrio, o direito e a lei da fala.”

Horácio, Ars poetica,

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vv. 70 et seqq.

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AGRADECIMENTOS

Adiei durante muito tempo a redação destes agradecimentos. Temia ter que modificá-los para

homenagear a memória de meu pai. Desafortunadamente meus receios mostraram-se fundados.

Hoje não recebo mais aquele abraço constante, nem sou fitado por seus olhos profundos, pensativos e

de amor incontido. Com modéstia, simplicidade, afeto e extrema dedicação a nós, sua pequena família,

ensinou-nos mais do que todas as escolas e todos os livros, com poucas palavras e inumeráveis

exemplos de vida. Um vencedor, que superou as barreiras que este país injusto e desigual reserva aos

mais humildes. Não fosse a emoção, dedicaria a ele muito mais do que este trabalho e, mesmo assim,

não faria jus à imensa grandeza de seu nome.

A Antonio Emerenciano Filho, amigo, companheiro, protetor, educador, provedor e pai, dedico esta tese.

Lamento que as horas exigidas pelo estudo tenham diminuído o tempo que passei em sua companhia

nos últimos anos. Espero honrá-lo com os resultados e com a vida que na sua ausência e dolorida

saudade terei que trilhar. Obrigado meu Pai. Seu sorriso não me sai da lembrança.

Durante os anos em que elaborei este estudo, tive noticiada a gravidez de minha esposa. Com livros na

cabeceira, acompanhei aquela barriga promissora. Entre apostilas aprendi a oferecer os cuidados de pai.

Entremeando anotações, vi minha filha, entre uma mamadeira e outra, deixar de ser um bebê.

Engatinhou entre os marcadores de livros, embaralhou meus textos e aprendeu a andar. Entre seus

cochilos e em seguidas noites sem dormir, avancei em longas jornadas de digitação. Agora, concluído o

trabalho, já a tenho brigando comigo para compartilhar o uso do computador. Esta tese, embora de

Direito Tributário, é regada a muita emoção. A ela, Maíra, pela felicidade que nos trouxe, também oferto

este trabalho.

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À Mara, minha esposa, pelo amor profundo, amigo, solidário e puro, quero agradecer a compreensão, a

ajuda, o presente que é nossa filha, o apoio e incentivo. Lamento pelos verões que perdemos. Outros

virão e, juntos, como há longos anos, desfrutaremos apaixonados e integralmente.

Agradeço aos meus irmãos Adauto e Arnaldo pela compreensão durante todo esse período, em especial

ao Robertson que, em meio aos seus próprios desafios, apoiou-me sem restrições, multiplicando suas

horas de trabalho para suprir minhas ausências.

Aos amigos Ari de Oliveira Pinto e Jussara Iracema de Sá e Sacchi, minha gratidão pelo suporte

profissional e valiosa amizade.

Rendo também minhas homenagens ao Professor Doutor Paulo de Barros Carvalho que de forma

sempre atenciosa e amiga deu-me a exata dimensão do quanto um mestre pode influenciar uma vida e

mesmo toda uma geração. Não poderia ter recebido melhor orientação. Sou-lhe grato por permitir-me

compor seu seleto grupo de amizades.

À minha mãe, que em sua modéstia, amor e otimismo nos deu tudo. Neste momento de dor e solidão,

esperamos ser capazes de confortá-la e ampará-la como tantas vezes já nos fez. Unidos, como sempre

fomos, dar-lhe-emos em quatro o amor que tinha em cinco. Que Deus sempre a proteja!

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SUMÁRIO

CAPITULO I ................................................................................................................. 11 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 2CAPÍTULO II ....................................................................................................................... 62 AS NOVAS TECNOLOGIAS E A CIÊNCIA DO DIREITO ......................................................... 7

2.1 Dos Feudos e Servos à “Nova Economia” .............................................................. 92.2 Computadores, Semicondutores, Chips e WAP ....................................................... 182.3 Tecnologia Digital e Transformação ...................................................................... 262.4 Internet - A Grande Rede Mundial ........................................................................ 28

CAPÍTULO III ..................................................................................................................... 393 PRESSUPOSTOS E REFERENCIAL DA INVESTIGAÇÃO DO TEMA-OBJETO.............................. 40

3.1 Fundamentos da Pesquisa ................................................................................... 403.2 A Incerteza do Conhecimento Científico ................................................................ 483.3 O Sistema e a Linguagem do Direito ..................................................................... 51

CAPÍTULO IV ....................................................................................................................... 584 PROBLEMAS JURÍDICO-TRIBUTÁRIOS NOS NEGÓCIOS TELEINFORMÁTICOS ......................... 59

4.1 O Conceito de Comércio Eletrônico ........................................................................... 594.2 Negociação Teleinformática e Fornecimento de Bens Digitais ..................................... 664.3 Principais Problemas Jurídicos na Contratação Teleinformática e no Negócio Virtual.... 684.3.1 Principais Problemas em Matérias Tributárias ............................................................ 694.3.1.1 Transações Relativas a Produtos Físicos e Digitais ..................................................... 704.3.1.2 Serviços Específicos e Baseados na Internet ............................................................. 704.3.1.3 Localização do Servidor ........................................................................................... 714.3.1.4 Lucro Obtido no Exterior .......................................................................................... 714.3.1.5 Dupla Tributação ..................................................................................................... 724.3.1.6 Tributabilidade das Operações Pelo ICMS ................................................................. 734.3.1.7 Tributabilidade Pelo Imposto sobre Serviço de qualquer Natureza – ISSQN ................ 744.3.1.8 Tributabilidade Pelo Imposto de Importação ............................................................. 744.4 Problemas de Tributação na Negociação Virtual no Cenário Mundial ........................... 754.4.1 Propostas de Solução Apresentadas Pelos Estados Unidos e Organismos

Internacionais ......................................................................................................... 764.4.1.1 Os Estados Unidos da América ................................................................................. 76

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4.4.1.2 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE ................. 764.4.1.3 Propostas da União Européia ................................................................................... 784.5 Breves Considerações sobre as Incursões Feitas ....................................................... 79

CAPÍTULO V ........................................................................................................................ 815 A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS BENS DIGITAIS ................................................................ 82

5.1 Regime Jurídico Aplicável aos Bens Digitais .................................................................. 915.2 Exploração Econômica e Formas de Comunicação dos Bens Digitais............................... 945.3 Negócios Jurídicos Realizados com Bens Digitais ........................................................... 985.3.1 Licença de Uso ........................................................................................................... 1025.3.2 Locação ...................................................................................................................... 1025.3.3 Cessão de Direitos ...................................................................................................... 103

CAPÍTULO VI ....................................................................................................................... 1056 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA ......................................... 106

6.1 A República e a Federação Brasileira ............................................................................ 1076.2 A Constituição Federal e a Partilha de Competências ..................................................... 1096.2.1 A Competência Como Norma de Estrutura .................................................................... 1106.2.2 A Competência Tributária Impositiva ............................................................................ 1126.3 Critérios da Partilha das Competências Tributárias ........................................................ 1166.3.1 A Competência Tributária da União .............................................................................. 1176.3.1.1 A Competência Residual da União ................................................................................ 1196.4 Evolução e Análise da Competência Tributária no Brasil ................................................ 1206.5 A Norma Tributária ..................................................................................................... 1286.5.1 A Hipótese das Normas ............................................................................................... 1306.5.2 Critérios Constitutivos da Hipótese ............................................................................... 1306.5.3 Elementos do Conseqüente ......................................................................................... 1316.5.4 Propriedades do Conseqüente ..................................................................................... 1326.6 Prazo de Pagamento de Tributos ................................................................................. 1346.7 Fenomenologia da Incidência ...................................................................................... 136

CAPÍTULO VII ..................................................................................................................... 1397 TRANSAÇÕES VIRTUAIS E O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS

– ICMS ................................................................................................................................ 1407.1.1 O Antecedente da Regra-Matriz de Incidência do ICMS ................................................. 1407.1.2 O Critério Material do ICMS ......................................................................................... 1447.1.2.1 Núcleo da Hipótese: O Verbo “Realizar” ....................................................................... 1457.1.2.2 O Núcleo do Complemento: Operações ........................................................................ 1487.1.2.3 O Termo “Circulação” .................................................................................................. 1497.1.2.4 Os Agentes Promotores do Fato Jurídico-Tributário ....................................................... 1497.1.2.5 O Termo “Mercadorias” ............................................................................................... 1537.2 Bens Digitais e o ICMS ................................................................................................ 166

CAPÍTULO VIII .................................................................................................................... 1808 BENS DIGITAIS E O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN ............ 181

8.1 O Critério Material do ISSQN ....................................................................................... 185

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8.2 Não-Incidência do ISSQN sobre os Negócios Jurídicos com Bens Digitais ........................ 190CAPÍTULO IX ....................................................................................................................... 1959 BENS DIGITAIS E O IMPOSTO FEDERAL SOBRE IMPORTAÇÃO .............................................. 196

9.1 O Critério Material do Imposto de Importação .............................................................. 1979.2 Não-Incidências do Imposto de Importação sobre os negócios Jurídicos envolvendo o

Download de Bens Digitais .......................................................................................... 205CAPÍTULO X ........................................................................................................................ 21110 O IMPOSTO ESTADUAL SOBRE IMPORTAÇÃO DE BENS ......................................................... 212

10.1 O Imposto Criado pela Emenda Constitucional N°33/2001 e os Bens Digitais .................. 216BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................................ 221

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CAPÍTULO I

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1 INTRODUÇÃO

Assim como as demais ciências, a Ciência do Direito também tem sofrido os influxos das aceleradas

transformações ocasionadas pelas descobertas e invenções tecnológicas que incessantemente são

anunciadas, num frenesi diário e de destino imprevisível.

A mutação constante do sistema de Direito Positivo, alterado continuamente em sua própria base, em

sua estrutura constitucional, impõe um novo modo de conhecimento. Menos perene, veloz e impossível

de tornar-se profundo, pois, antes de ser inteiramente dominado, muda novamente, este Direito

inconstante, quase que totalmente provisório, tenta impor-se pela necessidade imperiosa e dogmática

de tomar decisões, de ser aplicado às questões da vida cotidiana. A superficialidade dos fundamentos e

das conclusões é a marca desse Direito.

A premência do tempo para resposta às indagações que surgem causa reações qualitativamente

prejudiciais à adequada apreensão do objeto e move para o terreno científico afirmações destoantes

das regras que demarcam esse campo. Ou aplicam-se conceitos tradicionais para abordar novas e

diferentes realidades, os quais, revestidos da autoridade conferida pela tradição, prestam-se a amenizar

a inquietude dos analistas, embora não resolvam os problemas emergentes, ou, então, precipitam-se

afirmações coroadas de ineditismo impensado, impregnadas por modismos e campos outros do

conhecimento, completamente distantes das searas e categorias do Direito Positivo.

Este trabalho busca recortar um conjunto específico dessas mutações causadas pelo avanço tecnológico

que consiste na criação de uma nova categoria de bens, os bens digitais. Surgidos exclusivamente por

força da atuação humana em seus esforços de ampliar os meios e os modos de comunicação, já

representam importante parcela do movimento econômico mundial e, no futuro, talvez constituam a

maior parcela. Atualmente, seu principal modo de distribuição são as redes de computadores,

notadamente a Internet, a grande rede mundial que interliga livremente computadores em todo o globo

terrestre. 2

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Nesta moderna realidade configuram-se a oportunidade e a relevância do estudo por nós empreendido.

Ressente-se a literatura brasileira de escritos com maior densidade e reflexão sobre este assunto.

Pressionados pelos desafios do novo contexto e do mercado editorial, pululam, após longo silêncio,

artigos quase panfletários, repetições de equívocos ou conclusões cujas premissas não se prestam à

análise e à crítica aberta.

Contextualizando em termos históricos o ambiente econômico e tecnológico em que surgiram os bens

digitais, como contribuição e referencial para uma reflexão mais completa, seguimos em direção a um

estudo dogmático, tendo como premissa a perspectiva do Direito como fenômeno lingüístico, tendo sido

utilizadas as ferramentas dos estudos da linguagem como instrumentos de abordagem e explicação dos

textos de Direito Positivo aplicáveis ao estudo.

Indicamos como a Ciência do Direito tem respondido às novas tecnologias, em seu tempo e modo

próprios. É necessário que a Ciência responda agora a uma nova era, a da Economia do Conhecimento,

onde o conteúdo e a significação superam o valor do meio que transmite. Mostramos como se

organizam esses conceitos e indicamos, por meio de um breve apanhado histórico, a evolução e os

caminhos pelos quais se produziu o ambiente para a emergência dos bens digitais, difíceis de serem

compreendidos quando se abstrai o entorno das circunstâncias que produziram esse patrimônio.

Alertamos para o fato de que, embora fundados em um modelo de produção científica do conhecimento,

os resultados obtidos também sofrerão a inevitável marca da provisoriedade e de eventuais equívocos,

circunstância própria da incerteza que marca o conhecimento científico. Buscamos, todavia, o máximo de

consensualidade, explicitando as premissas e admitindo o erro como possibilidade presente em qualquer

análise.

O conhecimento produzido busca também a consensibilidade e, por isso, não somente foi vazado em

linguagem que pretende evitar a ambigüidade, mas também teve reduzido seu escopo de análise aos

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bens digitais, como forma de evitar a imprecisão categorial e permitir trabalhar com elementos mais

controlados.

Para levar a cabo a empreitada, apontamos a impropriedade e a confusão gerada pelo uso da expressão

“importada”, resultante de tradução da palavra estrangeira “comércio eletrônico.” Ao identificar sua

inadequação não só cunhamos estipulativamente seu campo de significação, mas também passamos a

empregar a expressão “negócio teleinformático”, definida por nós como mais precisa para representar o

conteúdo e o uso nacional do termo.

Destacando nos negócios teleinformáticos a contratação teleinformática e o negócio virtual, apontamos

estes conceitos como nosso campo delimitado de indagações.

Os negócios virtuais atraem uma infinidade de questões para o campo dos Direitos Civil, Autoral, Penal

e Constitucional, pelas repercussões e possibilidades de incremento na arrecadação de impostos. Assim,

na seara do Direito Tributário, onde a tangibilidade dos bens transacionados possui grande importância,

são observados os maiores impactos.

A estrutura atual, que toma por suposto bens materiais em sua cadeia de circulação econômica, é

altamente afetada pelas transações de bens digitais e também pela criação de serviços baseados

exclusivamente no tráfego comunicacional da Internet. Surgem problemas de aplicação transfronteira

das legislações, questões relativas ao tratamento do lucro em um espaço incerto, exterior à fronteira

física dos países, além de repercussões nos problemas de dupla tributação.

Ainda no campo do Direito Tributário, em sua órbita interna, suscitam problemas nas operações que

compõem os campos próximos aos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços- ICMS, ao

Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISSQN e ao Imposto de Importação.

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É evidente que todo o sistema tributário, quando cotejado com o campo dos negócios virtuais, irá exigir

novas e percucientes reflexões, com vistas à análise sobre a ocorrência ou não de efeitos tributários

sobre os negócios encetados.

Embora seja infindável o campo das preocupações, delimitamos nosso objeto de estudo, focando nossa

atenção exclusivamente sobre a matéria tributária, cuja análise se inicia com um panorama sobre as

propostas de soluções apresentadas por outros países e por organismos internacionais.

Precede qualquer análise do Direito Tributário Brasileiro uma necessidade metodológica que consiste na

classificação jurídica dos bens digitais, dentre as categorias de bens arroladas pelo Código Civil

Brasileiro. Por outro lado, faz-se necessária também a determinação de seu regime jurídico específico.

Estritamente limitados ao campo do Direito Positivo Brasileiro, reconhecemos a aplicabilidade, ajustada

pela natureza do objeto, do regime de direitos autorais mesclados pelas leis 9.609 e 9.610/98 como

pilares da compreensão e regulação dos bens digitais. Por força de seu regime jurídico, os negócios

jurídicos passíveis de serem realizados com os referidos bens, ou seja, a licença de uso, a locação e a

cessão de direitos, são então analisados. Compreendidas as questões relativas à competência tributária

e à fenomenologia de incidência da norma tributária, os referidos negócios com bens digitais passam a

ser estudados em suas repercussões tributárias. Os tributos selecionados para análise levaram em conta

os substratos classificatórios do Código Tributário Nacional quanto aos impostos sobre a circulação e

sobre o comércio exterior. Empreendemos, assim, detida análise sobre a possibilidade de tributação de

tais transações pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços-ICMS, pelo Imposto sobre

Serviços de Qualquer Natureza- ISSQN e pelo Imposto sobre Importação.

Este recorte conceitual fundamenta-se no fato de que esses tributos, a nosso juízo, são os que mais

sofrem os impactos da transformação de uma economia tradicionalmente lastreada em coisas físicas na

“nova economia”, agora lastreada em bens digitais.

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CAPÍTULO II

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2 AS NOVAS TECNOLOGIAS E A CIÊNCIA DO DIREITO

Modificações causadas pela tecnologia das comunicações e dos computadores, tão profundas no modo

como a sociedade se relaciona, bem como realiza suas trocas econômicas, resultam em inquestionável

alteração da visão de mundo e, por conseqüência, alteram-se também as formações discursivas. A cada

formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é o conjunto de temas e figuras que

materializam uma dada visão de mundo1.

As alterações na forma de constituir a realidade são determinadas, em última instância, pelo substrato

econômico. O modo de produção determina as idéias e os comportamentos dos homens, não de forma

direta e mecânica, antes uma determinação complexa( VI )2.

As alterações discursivas, submetidas a novas coerções ideológicas pelas mudanças nas relações sociais

de produção, determinaram uma reconstrução do componente semântico do discurso que constitui um

elemento relevante e precioso, o material básico para o processo interpretativo do Direito.

Não se deseja neste trabalho adotar uma visão mecanicista de que o Direito seja mero reflexo da

economia, tendo por base as propaladas, mas incompreendidas, afirmações de Marx sobre a influência

dos modos de produção na superestrutura3, mas sim que o modo de produção da vida material (social),

processo diverso do modo de produção de bens materiais, determina o Direito.

1 FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 32.

( VI ) “A concepção materialista da história parte do princípio de que a produção e com ela a troca de produtos constitui a base de toda a ordem social; deque, em cada sociedade que a história apresenta, a repartição dos produtos, e com ela a hierarquia social de classes e ordens, rege-se segundo a natureza e aforma da produção e segundo a forma de troca das coisas produzidas. Por conseqüência, é necessário procurar as cuasas últimas de todas as transformaçõessociais e de todas as revoluções políticas, não na cabeça dos homens, isto é, na idéia cada vez mais clara que adquirem da verdade e da justiça eternas, masnas variações da forma de produção e de troca; é mister procurar tais causas, não na filosofia, mas na economia de cada época. ( ENGELS, apudFIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 30.).

2 ENGELS, apud FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 30.

3 MARX, Karl. Contribuition à la critique de la economía politique. Paris: Sociales, 1977.8

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O Direito compõe o todo social4 integrado ao modo de produção como elemento constitutivo, por ele

informado e determinado. Como nível do todo social, o Direito interage com a estrutura econômica,

produzindo alterações na economia . A economia condiciona o Direito, mas o Direito também condiciona

a economia5. O modo de produção capitalista, essencialmente jurídico, reclama por um Direito Posto

(Direito Positivo), construído sobre seu Direito Pressuposto, sendo este elemento constitutivo daquele,

modo de produção capitalista6.

O Direito responde a essas novas condicionantes da realidade, já que sua constituição está lastreada em

linguagem7 e como objeto é também alvo da expedição de enunciados lingüísticos, mediante

proposições descritivas ou indicativas8. As modificações no conteúdo semântico determinam alterações

nas normas jurídicas, entendidas estas como a significação que colhemos da leitura dos textos do Direito

Positivo9.

Essas novas significações, colhidas no ato de compreensão do Direito exercido pelo jurista, respondem

ao enorme desafio, fruto de novas realidades tecnológicas que afetam os sistemas de troca, como as

mudanças causadas no todo social pela tecnologia da Internet e suas fortes alterações em conceitos

fundamentais para a matéria jurídica. Essas modificações incluem conceitos como soberania, território,

liberdade, intimidade, nacionalidade e, particularmente, no que diz respeito à jurisdição e potestade

tributária local e internacional10, causando o que se passou a denominar pressurização do mercado

legal11.

4 JEAMMAUD, Antoine. La crítica jurídica em Francia. Puebla, ME: Universidad Autônoma de Puebla, 1986. p. 48.

5 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 41.

6 Ibidem, p. 44.

7 GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Riardo V. Introducción al conocimiento científico. 2.ed. Buenos Aires: EUDEBA, 1994. p. 81.

8 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de do direito positivo. São Paulo: Saraiva/EDUC, 1977. p. 3.

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 8.

10 GOODLATE. Rep. Developments in the law: the law of cyberspace. Harvard Law Review, Cambridge, v. 112, n. 7, 1999. p.1574.

11 SUSSKIND, Richard. The future of law: facing the challenges of information technology. Oxford: Clarendon Press, 1996. p.27.9

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Um novo modo de produção social instala um novo Direito na sociedade, um determinado Direito,

diverso e distinto dos outros Direitos, manifestados em outros momentos históricos de uma certa

sociedade.

2.1 Dos Feudos e Servos à “Nova Economia”

Estruturado na produção familiar e com os resultados dirigidos ao atendimento das necessidades vitais

dos senhores feudais e do clero, o trabalho humano voltava-se para idéia de subsistência12. A medida

da riqueza era a quantidade de terra13, pois desta se retiravam todas as coisas necessárias para a vida.

Assim foi na Idade Média.

O capital estático lastreava uma economia de consumo, onde cada aldeia feudal era praticamente auto-

suficiente. A inexistência de excedente determinava uma atividade incipiente de trocas entre servos e

artesãos.

Os séculos XI e XII foram profundamente influenciados pelo crescimento do comércio em toda a Europa

Ocidental, impulsionado pelos mercadores que acompanhavam as cruzadas e proviam os novos hábitos

assumidos pelos que retornavam dos confrontos no Oriente14.

As mercadorias negociadas por atacado nas feiras ampliaram os mercados e causaram o renascimento

das cidades que, em suas disputas de importância, apregoavam mais e mais liberdades para os

mercadores. Negociavam toda sorte de mercadorias, dos alimentos aos adornos.

O aumento da população das cidades, agora dedicadas ao comércio e à produção, gerou uma divisão

entre o trabalho na cidade e no campo, e neste se verifica a necessidade de ampliação dos excedentes,

12 BOISSONNADE, Prosper. Life and work in medieval Europe: fifth to fifteenth centuries. New York: Alfred Knopf, p. 146.

13 ROBINSON, J. H. Readings in European history. Boston: Ginn & Company, 1904. v. 1, p. 177.

14 DAVIS, Henry William Carless. Medieval Europe Thornton. Londres: Butterworth, 1930, p. 184.10

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possíveis de serem obtidos por melhores métodos produtivos ou por extensão da cultura15 . Os produtos

ainda eram em sua maioria o que a terra produzia.

O contínuo crescimento das cidades impunha outras necessidades, próprias desse novo local de vida.

Nos Séculos XIV e XV muitas profissões surgiram para abastecer o crescente mercado das cidades. As

pequenas oficinas já ofertavam variada gama de produtos como carne, velas, arreios e armas.

Estruturavam-se as corporações de ofício16 e os objetos produzidos não eram mais bens destinados

somente à subsistência, mas também às próprias exigências do cotidiano, como peles, perfumes e

drogas.

A expansão comercial ampliava os horizontes de negócios, estes impulsionados pelo apoio dos reis que

desejavam participar dos vultosos lucros restritos aos venezianos. A chamada Revolução Comercial

abrangia quatro continentes e remunerava de forma generosa todos os que financiavam as investidas

das grandes navegações, lastreadas nos grandes capitais (para a época) das sociedades por ações e no

apoio financeiro dado aos mercadores pelos banqueiros e financistas17.

Prosperava a Antuérpia, procurada pela sua liberdade comercial por mercadores de toda parte. O

aparecimento das vendas por amostra, de produtos padronizados, impactaram fortemente a importância

das feiras, que terminaram seu ciclo de prosperidade varridas pelo moderno instrumental de finanças,

dentre eles a Letra de Câmbio que assegurava a entrega da moeda em lugares outros que não o da

praça de comércio18, bem como o uso das hipotecas e outros meios de assegurar o fluxo do dinheiro.

15 BOISSONNADE, Prosper. Life and work in medieval Europe: fifth to fifteenth centuries. New York: Alfred Knopf, p. 229.

16 BLAND, A. E; BROWN, P. A; TAWNEY, R. H. English economic history, select documents. Londres: G. Bell & Sons,1914. p. 136.

17 HAYES, Carlton Joseph Huntley. A political and social history of modern Europe. New York: The Macmillan Company,1921. p. 66.

18 MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense , 1997. p. 29.11

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Quando o mercado tornou-se internacional, a estrutura das corporações mostrou-se insuficiente para

atender às crescentes demandas geradas pela nova figura do comerciante que, como intermediário,

auferia seus lucros dos volumes que conseguia transacionar. Os velhos monopólios dos artesãos

restaram superados pelas iniciativas de instalação de algumas indústrias fora dos limites das cidades e

absorveram a mão-de-obra liberada pelo trabalho da terra. Reis, comerciantes e artesãos, descrentes no

velho modelo das corporações, e aventureiros a quem se concediam monopólios, buscavam novas

empresas e indústrias19.

Do Século XVI ao XVIII, os artesãos independentes tendem a desaparecer e em seu lugar surgem os

assalariados que cada vez mais dependem do “capitalista-mercador-intermediário-empreendedor”. A

nova estrutura produtiva tornou-se lastreada no uso intensivo do capital e na mão-de-obra assalariada.

Do sistema familiar ao sistema de corporações e deste para o sistema doméstico, verificou-se a perda do

controle da matéria prima e a interposição de um empreendedor entre os produtos e os consumidores.

Os artesãos, transformados em meros tarefeiros, enfrentavam agora as modificações impostas pelo

sistema fabril, no qual os trabalhadores perderam completamente a independência e a habilidade deixou

de ser tão importante, devido ao maior uso da máquina. O capital financeiro tornou-se fundamental20 e o

esforço estava, no estado político e econômico criado, concentrado em produzir e exportar mercadorias

de que os povos precisavam21, fixando as bases do sistema mercantil.

O Século XIX registrou as mudanças para o progresso do sistema mercantilista. A máquina a vapor e a

divisão do trabalho22 marcaram o início da chamada Revolução Industrial, tendo como características o

aumento da produtividade23 , os aumentos de preços e os excedentes de mão-de- obra causados pela

19 DOBB, Maurice. Capitalist enterprise and social progress. Londres: Rutledge & Sons, 1925. p. 310.

20 HUBERMAN, Léo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiros: LTC Editora, 1986. p. 115.

21 MUN, T. England’s treasure by foreign trade (1664). New York: The Macmillan Company, 1895. p. 52.

22 SMITH, Adam. Riqueza das nações. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 77.

23 Ibidem, p. 80.12

Page 23: Tributação dos Bens Digitais

busca incessante do lucro, fundado nas teorias desenvolvidas para expansão dos negócios e que

constituíram o que se denominou Economia Clássica24.

As fábricas produziam todo tipo de bens, já denominados mercadorias, assim entendidos os bens

produzidos não para consumo próprio, mas para a troca por dinheiro ou por outros artigos25.

Deste modo iniciou-se o Século XX, influenciado pelas idéias de Marx e pela tentativa de implantação da

economia planificada, como resposta à contínua busca dos excedentes de produção, causadora de

grande miséria e penúria social devido à perda total, para os capitalistas, dos meios de produção. A

resposta dada pela idéias de abolição da abundância e da tentativa da superação de Marx pelo

aperfeiçoamento da teoria marginal da utilidade26.

Os primeiros trinta anos do século XX foram marcados por novas tecnologias de racionalização do

trabalho. A linha de montagem da Ford e a revolução organizacional da General Motors alteraram

drasticamente o modo como as empresas produziam bens e serviços. O transporte e a eletricidade

causaram impressionantes incrementos ao processo produtivo. Em 1904, eram necessárias 1.300

horas/homem para produzir um carro. Em 1932 bastavam 19 horas27. A produtividade da indústria

norteamericana aumentou entre 1920 e 1927 em 40%28. Assistia-se à curiosa situação de excesso de

produção e falta de compradores. Era necessário incrementar uma cultura de consumo e os

comerciantes abraçaram essa causa29. O objetivo era incutir no consumidor o sentimento de insatisfação,

de modo a motivar uma busca intensa à sucessão de carros seis cilindros, cigarros, batons e

refrigeradores elétricos, cuja produção precisava encontrar destino. Havia necessidade de impulsionar a24 HUBERMAN, Léo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1986. p. 196.25 MARX, Karl. O capital. Tradução de: Reginaldo Sant’ana. São Paulo: Difel, 1982. v. 1: O processo de produção do capital.

26 HUBERMAN, Léo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiros: LTC Editora, 1986.

27 LA FEVER, Mortier. W. Workers machinery and production in the automobile industry. Montly Labor Review, Washington-DC, v. 47, n. 10, p. 3-5, oct. 1924.

28 FANO, Éster A. Wastage of men: technological progress and unemployment in the United States. Technology and Culture,Chicago, ILL, v. 32, p. 274-275, abr. 1991.

29 HUNNICUTT, Benjamim. “Work without end: abandoning shorter hours for the right to work. Philadelphia: TempleUniversity Press, 1988. p. 38.

13

Page 24: Tributação dos Bens Digitais

sociedade para o consumo dinâmico do supérfluo e desprestigiar a produção caseira em favor dos itens

fabricados industrialmente30.

Seguiu-se a automatização dos processos de produção em bases tão eficientes que o aumento da

produção não mais dependia da quantidade de mão-de-obra. Mais de dois terços, conforme anunciava

o Programa para Desenvolvimento das Nações Unidas, originavam-se de investimentos em tecnologia e

capital31. As fábricas e os empregos de baixa tecnologia e produtividade eram transferidos para os países

do terceiro mundo.

Entre as décadas de 60 e 90 os novos métodos de produção estruturados sobre a nova base

tecnológica composta pelo desenvolvimento da engenharia industrial, das telecomunicações e do

expressivo crescimento da capacidade dos, já então existentes, computadores, não modificou os

produtos, mas modificou a maneira como eram produzidos.

Nesse período o setor de serviços experimentou grande desenvolvimento. A economia automatizada,

aliada ao crescimento de tão alta tecnologia, tornaram desnecessária a manutenção de grandes

contingentes de mão-de-obra dedicados à atividade fabril. O setor de serviços foi capaz de reempregar

muitos dos operários demitidos em função da automação32, das substanciais melhorias da produtividade

e, essencialmente, das economias de escala.

O denominado terceiro setor, considerando-se a tradicional divisão tripartite dos setores da economia,

cresceu de forma assombrosa. Em alguns países como os Estados Unidos e o Reino Unido, o setor de

serviços chega atualmente a ser responsável por 70% do Produto Interno Bruto33, mostrando

claramente que a economia passou a basear-se em outro tipo de setor, não mais lastreada no comércio

30 BRAVERMAN, Harry. Labor and monopoly capital: the degradation of work in the twentieth century. New York: MonthlyReview Press, 1974. p.276.

31 HUMAN development report 1993. New York: Oxford University Press, 1993. p. 35

32 RIFKIN, Jeremy. O fim dos empregos. São Paulo: Makon Books, 1996. p. 37.

33 ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Statistique historique. Paris: OCDE,1997.

14

Page 25: Tributação dos Bens Digitais

puro e simples de bens móveis e de imóveis, mas, fundamentalmente, em facilidades apreciadas pelos

novos consumidores e que lhes agregam valor34 .

Os serviços relacionados com o tratamento e a troca de informações e dependentes da infra-estrutura

das telecomunicações35 geraram forte demanda de desenvolvimento desses segmentos. A criação dos

computadores pessoais, o incremento da capacidade de processamento individual e o aparecimento das

grandes redes de comunicação permitiram que importantes companhias pudessem espalhar suas

operações pelo mundo todo e que as pessoas passassem a tornar tudo mais rapidamente obsoleto e a

criar uma nova demanda: a demanda pela informação.

Com a maior rapidez do fluxo de informações, a competição econômica passou a considerar a

velocidade das informações como um dos fundamentos de suas reações e, também, como um novo

elemento determinante de seu sucesso. O conhecimento não era mais produzido individualmente, mas

com partícipes de todo o mundo, criando uma inteligência em rede36. Isso deslocou as atividades

profissionais para fora dos escritórios37, causando uma alteração qualitativa no trabalho38 e nas opções

de investimento das empresas, que preferiam equipamentos de alta tecnologia39a novos trabalhadores,

incrementando a pressão pela informação e pela transformação.

Uma nova economia passou a ser reconhecida, a “economia do conhecimento”40, baseada na aplicação

do know-how humano a tudo o que produzimos e como produzimos41. A tecnologia incorporou-se não

somente ao modo de produzir, mas também a todo o modo de vida do final do século XX, chegando até

34 BROWN, Richard; JULIUS, DeAnne. Manufacturing in the new word order: shell international petroleum Company. Boston,MA: Global Scenarios, 1993.

35 TÉBOUL, James. A era dos serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999. p. 18.

36 TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997. p. 20.

37 Mason, Julie Cohen. Workplace 2000: the death of 9 to 5? Management Review, New York, v. 82, n. 1, p. 95, jan. 1993.

38 BRIDGES, Willian. Um mundo sem empregos. São Paulo: Makron Books, 1995, p. 10.

39 BUSINESSES prefer buying equipment to hiring new staff. Wall Street Journal, New York, 03 set. 1993.

40 ROMER, Paul. Nova economia. Exame, São Paulo, n. 695, 25 ago. 1999. p. 122-130. Entrevista.

41 TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997. p. 9.15

Page 26: Tributação dos Bens Digitais

mesmo a motivar o aparecimento de uma nova geração, a Geração Net, a primeira cercada pela mídia

digital e pela crescente teia de redes de computadores42.

Essa nova fase da economia constitui uma autêntica “segunda revolução industrial”, onde os setores

primário, secundário e terciário cederam espaço para a estruturação do setor quartenário, constituído

pela criação e tratamento automatizado da informação como recurso econômico básico da sociedade

pós-industrial43.

Essa era da inteligência em rede, onde o capital é cada vez mais baseado em bens intangíveis, substituiu

uma engenharia lenta e sequencial pela engenharia simultânea, acelerando o ritmo das operações e

transações, onde a economia da velocidade substituiu as economias de escala44 e cuja base tecnológica

está na troca da forma analógica pela tecnologia digital.

Na forma econômica anterior o fluxo de informações era físico: dinheiro, cheques, faturas,

conhecimentos de carga, relatórios, reuniões face-a-face, chamadas por telefones analógicos ou

transmissões por rádio e televisão, plantas, mapas, fotografias, partituras e publicidade via mala direta.

Na Nova Economia, a informação em todas as suas formas tornou-se digital, reduzida a bits

armazenados em computadores e correndo na velocidade da luz por redes, igualando quase o todo

existente aos códigos binários, sejam áudio, vídeo, texto ou imagens, em um grande “guisado

multimídia”45.

Todos os setores da economia não tardaram em reconhecer o imenso potencial de contato com

consumidores em qualquer parte do planeta que a interligação entre computadores pessoais conectados

à maior das redes, a Internet, oferecia. O desenvolvimento de sistemas amigáveis de interação com a

42 TAPSCOTT, Don. Geração digital. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 2.

43 PÉREZ, Antonio Enrique Luno. Manual de informática y derecho. Barcelona: Ariel, 1996, p. 98.

44 TOFFLER, Alvin.; TOFFLER, Heidi. Criando uma nova civilização: política da terceira onda. Rio de Janeiro: Record, 1994. p.51-58.

45 TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997. p. 8 e 117.16

Page 27: Tributação dos Bens Digitais

tecnologia dos computadores conectados em rede, antes restrita somente aos iniciados, despertou uma

corrida em direção ao uso comercial da rede.

A rede possibilitou que todos tivessem uma vitrine mundial para expor seus produtos, habilidades e

todo tipo de informação, sem controle, sem censuras e sem limites. Esse potencial de relacionamento,

aliado ao uso das tecnologias de segurança na transferência de dados, permitiriam a realização de

negócios entre partes localizadas em qualquer parte do planeta. A essa nova forma de fazer negócios,

entre partes ligadas exclusivamente pelas informações existentes na rede, passou-se a denominar

comércio eletrônico.

Toda essa atividade econômica está apoiada em imensa estrutura regulatória e de equipamentos

diversos instalados em todo o mundo e cujos melhoramentos e investimentos constituirão a denominada

“superestrada da informação” (Global Information Infrastructure – GII). Isto afetará todos os aspectos

da vida cotidiana, sejam estes no campo da educação, da saúde no trabalho ou das atividades de lazer.

Nenhum esforço de transformação pode ser comparado ao que ocorre nas redes de comunicações e na

Internet. Esta tecnologia está gerando um desenvolvimento extremamente acelerado nos negócios

globais e, mais ainda, na área de serviços. Esses negócios mundiais envolvem computadores, softwares,

serviços de entretenimento (filmes e vídeos, jogos eletrônicos, música), serviços de informação como

banco de dados, jornais eletrônicos e, ainda, o campo da informação técnica. Estenderam-se até a

medicina, a produtos sujeitos a licenças, a serviços financeiros e profissionais como consultoria técnica,

contabilidade, arquitetura, designer, consultoria legal, serviços de viagem, etc..

Há uma troca de paradigmas econômicos e mudanças em negócios tradicionais, criando novos modelos

de integração comercial e o desenvolvimento de diferentes empreendimentos, com empresários e

consumidores participando em um mercado de bases eletrônicas46. Os consumidores estão aptos para

comprar de suas próprias casas uma grande variedade de produtos diretamente dos fabricantes e

revendedores e instalados em qualquer ponto do mundo. Esses produtos podem ser vistos em seus

46 A FEW illustration of eletronic commerce aplications. Disponível em: <http://nii.nist.gov/nii/applic/eleccom/elcexmp.html>. Acesso em: 28 set. 2000.

17

Page 28: Tributação dos Bens Digitais

computadores, em suas televisões ou, então, dos seus próprios telefones podem acessar informações

sobre os produtos, visualizar o modo como funcionam, verificar até mesmo se são compatíveis com o

que já possuem, encomendar e pagar , à sua própria escolha, realizando todas essas operações a partir

da sua própria sala-de-estar.

A expressão “infra-estrutura da informação" possui significado ampliado. Abrange mais do que apenas

as facilidades físicas usadas para transmitir, armazenar, processar, e indicar a voz, os dados, e as

imagens. Inclui também uma escala larga e sempre crescente de equipamentos tais como câmeras,

scanners, teclados, telefones, máquinas de fax, computadores, interruptores, discos compactos, vídeos,

fitas, áudio, cabos, fios, satélites, linhas óticas de transmissão em fibra, redes de microondas,

televisões, monitores, impressoras, e muito mais.

Essa infra-estrutura não é um penhasco com que nos confrontamos de repente, mas, ao contrário,

uma vertente que a sociedade tem escalado desde que os serviços postais e as redes de semáforo

foram estabelecidos. A infra-estrutura da informação existe há longo tempo e evolui continuamente a

cada avanço da tecnologia das comunicações. A diferença hoje é que já se pode vislumbrar um futuro

em que todos os construtores independentes atuarão combinados.

Uma infra-estrutura avançada da informação integrará e interconectará estes componentes físicos de

forma tecnologicamente neutra, de modo que nenhuma indústria seja favorecida em detrimento de

qualquer outra. O mais importante, a infra-estrutura, requer fundações para um edifício construído na

“idade da informação” e responsável por avanços tecnológicos de grande utilidade ao público, aos

negócios, às bibliotecas, e a inúmeras entidades não-governamentais. Isso porque, além de seus

componentes físicos, a validade da infra-estrutura da informação para os usuários e para as nações

dependerá, na formação do Patrimônio Digital47(maneira como a informação é produzida e distribuída),

em grande parte da qualidade de outros elementos.

47 MARTIN, Chuck. O patrimônio digital. São Paulo: Makron Books,1998. p. 2.18

Page 29: Tributação dos Bens Digitais

A informação propriamente dita é o principal desses elementos e pode estar no formulário de

programação, em vídeo, nas bases de dados científicas ou dos negócios, nas imagens de gravações,

de arquivos de bibliotecas e em outros meios. Vastas quantidades dessas informações existem hoje

em agências de governo e, a cada dia, informações mais valiosas são produzidas em nossos

laboratórios, estúdios, centros privados , enfim, em toda parte.

Do mesmo modo, extremamente relevantes são as aplicações e os softwares, os quais permitem aos

usuários alcançar, manipular, organizar, e digerir a massa proliferante de informações que as facilidades

de infra-estrutura disponibilizam.. Estes argumentos são baseados em padrões da rede e em códigos de

transmissão que facilitam a interconexão e a interoperação entre redes, e garantem a privacidade das

pessoas e a segurança da informação transmitida, bem como a segurança e a confiabilidade das

redes48.

O que caracteriza o período histórico atual são as maneiras completamente novas pelas quais a

informação pode ser obtida e manuseada, bem como a velocidade para seu acesso e processamento49.

São tão amplas e diversificadas as aplicações dessas tecnologias e tão expressivo seu crescimento no

campo comercial que significativa parte da economia já opera por intermédio dos meios eletrônicos( I ).

Essas operações,que envolvem não só bens já vendidos pelas formas tradicionais de comércio, mas

também novos bens gerados pela própria evolução digital, apresentam estimativas de alcançar

mundialmente( II )50 40 bilhões de dólares no ano 200251 e encontrar 85 milhões de pessoas conectadas à

48 THE NATIONAL INFORMATION INFRASTRUCTURE AGENDA FOR ACTION. What is the NII? Disponível em:<http://nii.nist.gov/nii/whatnii. html>. Acesso em: 15 jun. 1999.

49 GATES, Bill. A estrada do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 35.

( I ) Estima-se que o Brasil terá em 2001 11,6 milhões de “internautas”.( II ) O Brasil é responsável por 90% do comércio latino-americano. Fonte: BRASIL em exame. Exame, São Paulo, n. 700, jul. 1999.

p. 12. Suplemento.

50 BRASIL em exame. Exame, São Paulo, n. 700, jul. 1999. p. 12. Suplemento.51 CLINTON, Willian.. A framework for global eletronic commerce. Disponível em: <http://www. iitf.nist.gov/eleccomm/

ecomm.htm> Acesso em: 30 mar. 2000.52 Disponível em: <www.ju.com> Acesso em: 10 abr. 2000. 19

Page 30: Tributação dos Bens Digitais

“A economia digital ainda está no início do começo do princípio da fase preliminar!”53

2.2 Computadores, Semicondutores, Chips e Wap

Desde o desenvolvimento da Teoria da Álgebra de Boole que legou a seus sucessores a representação

de circuitos de computação e o desenvolvimento da Teoria dos Estudos Lógicos, a humanidade

experimentou evolução superior ao esforço de desenvolvimento de qualquer época.

Esta transformação está calcada, fundamentalmente, na extraordinária velocidade de aumento da

capacidade dos computadores.

George Boole (1815-1864), considerado o fundador da Lógica Simbólica, desenvolveu com sucesso o

primeiro sistema formal para o raciocínio lógico, enfatizando a possibilidade de se aplicar o cálculo

formal a diferentes situações e fazer operações matemáticas com regras formais. De seu autodidatismo

em matemática erigiu a ligação entre a Lógica e a Matemática. Superando a Lógica Formal dos gregos e

a Lógica Aristotélica, tida como manipulação de palavras, deu um salto qualitativo com relação às idéias

de Leibniz sobre o “alfabeto do pensamento”. Foi Boole em sua obra Mathematical Analysis of Logic

(1847) quem forneceu a idéia clara de formalismo, estabelecendo uma álgebra de objetos que não

fossem números, mas na forma de cálculo abstrato, capaz de várias interpretações e cuja validade

independe da interpretação dos símbolos mas, sim, de sua exclusiva combinação. Concebeu a lógica

como uma construção formal, para a qual se busca posteriormente uma interpretação.

Através de símbolos e operações específicas, as proposições lógicas poderiam ser reduzidas a equações

e as equações silogísticas seriam computadas, de acordo com as regras da álgebra ordinária. Pela

aplicação de operações matemáticas puras e contando com o conhecimento da álgebra boolena, é

53 BASTIDE, Juliano apud BETING, Joelmir. Economia. Correio Popular, Campinas, 30 mar. 2000. Caderno Economia, p. 2.20

Page 31: Tributação dos Bens Digitais

possível tirar qualquer conclusão que esteja contida logicamente em um dado conjunto de premissas

específicas.

De interesse extremo para a computação foi sua idéia de um sistema matemático baseado em duas

quantidades, o “Universo” e o “Nada”, representados por 1 e 0, o que levou ao desenvolvimento de um

sistema de dois estados para a quantificação lógica. Mais tarde os construtores do primeiro computador

entenderam que um sistema com somente dois valores pode compor mecanismos para perfazer

cálculos. Sua álgebra demonstrou a equivalência entre Matemática e Lógica e a sistematização do

pensamento humano. Embora limitado ao raciocínio proposicional (Álgebra das Proposições, onde se

poderia determinar se uma sentença é falsa ou verdadeira), após o desenvolvimento de quantificadores

introduzidos por PIERCE, a lógica formal passou a ser aplicada ao raciocínio matemático geral.

Em 1883, o matemático e professor inglês da Universidade de Cambridge Charles Babbage projetou

sua Máquina Analítica ou Diferencial com capacidade de armazenar 1.000 números de dígitos e cálculos

definidos por um programa de entrada por cartões perfurados. Dois anos depois, em l885, Hermann

Hollerith construiu a Máquina de Recenseamento ou Tabuladora, a qual, em 1896 possibilitou a fundação

da Tabulating Machines Company que mais tarde, em 1924, uniu-se a outras empresas para formar a

atual International Business Machiness-IBM.

Mas a era da computação começou efetivamente a realizar-se no ano de 1935, com o estudante Alan M.

Turing, impressionado pelos problemas levantados pelo matemático Max Neumann sobre o

Entscheidungsproblem de Hilbert. Os matemáticos da época buscavam também encontrar um novo tipo

de cálculo lógico que pudesse, entre outras coisas, colocar em uma base matemática segura o conceito

heurístico do que seja proceder a um cômputo. Os resultado obtidos tornaram-se a base teórica da

vindoura Ciência da Computação.

Turing, por seu turno, demonstrou que era possível executar operações computacionais sobre a teoria

dos números por meio de um equipamento em que estivessem embutidas as regras de um sistema

21

Page 32: Tributação dos Bens Digitais

formal. Turing percebeu que era possível substituir a noção intuitiva de procedimento efetivo por uma

idéia formal, matemática. Com isso, construiu uma conceituação matemática da noção de algoritmo,

baseando-se nos passos que um ser humano realiza quando executa um determinado cálculo ou

cômputo. Verificou que os cálculos mentais consistem em operações para transformar números em uma

série de estados intermediários que progridem de um para o outro de acordo com um conjunto fixo de

regras, até que uma resposta seja encontrada. Se tais estados pudessem ser claros e sem

ambigüidades, deveriam resultar em regras de comando para operações em máquina de cálculo.

Provou, então, que os passos de um sistema axiomático formal semelhante à lógica e os estados da

máquina que fazem os “movimentos” em um sistema formal automático são equivalentes entre si54.

Os conceitos desenvolvidos por Turing estão presentes atualmente nos computadores digitais com os

mesmos princípios que levaram ao desenvolvimento da Máquina de Turing Universal, a qual, uma vez

programada, é capaz de executar quaisquer procedimentos de um sistema formal. A Máquina de Turing

representa um objeto matemático formal e seus princípios constituem uma boa definição do que

significa computar algo.

Superados vários outros problemas matemáticos formais, restou demonstrado que a Máquina de Turing

abarcava qualquer processo algorítmico ou, analogamente, o conceito da Máquina de Turing propiciava

um contexto no qual todas as funções computáveis podiam ser descritas55, determinando o alcance e os

limites de um computador.

Assim, o que se buscava desde o século XVII quando Nisquier, em 1617, criou uma pequena máquina

de multiplicar, seguido por Pascal, em 1642, com uma outra máquina que somava e subtraía e pelo

americano Dorr Eugene Felt que, usando a denominação computador, patenteou uma máquina

calculadora56, estava disponível para realizar qualquer tipo de operação que atendesse aos princípios de

54 ASPRAY, William. F. Constructivity to computer science: alan turing john von neumann, and the origins of computer sciencein mathematical logic. Madison, 1980. 272 f. Tese ( PhD em Ciência da Computação) - University of Wisconsin.

55 FORNUNECITY. A tese de church-turing e outros resultados teóricos . Disponível em: <http://skyscraper.for tune city.com/activex/22/ church.htm>. 15 abr. 2000.

56 GOUVÊA, Sandra Medeiros Proença. O direito na era digital. Rio de Janeiro: Mauad, 1997, p. 31.22

Page 33: Tributação dos Bens Digitais

A partir desse ponto vários computadores foram surgindo, podendo ser registrado o criado por Vannevar

Busch (1931), analógico para resolver equações diferenciais simples por meio mecânico, e o primeiro

eletromecânico criado por Thomas Watson em 1937. Este foi construído somente em 1944, após a

guerra (possuía mais de 750.000 partes e mais de 700 quilômetros de cabos), tendo sido denominado

MARK I. Seguiu-se o primeiro eletrônico digital (não trabalha com quantidades expressas em termos

físicos, mas com as informações numéricas ou não, transformadas para um código binário que trabalha

com sinais binários de 1 e 0), produzido por Jonh Atanasoff e denominado Atanasoff Berry Computer-

ABC, usando válvulas e circuitos lógicos57.

Em 1946 o primeiro “grande” computador eletrônico surgiu: O Eletronic Numeric Integrator Analyser

Computer - ENIAC, que ocupava mais de 170 metros quadrados, pesava 30 toneladas e funcionava com

18.000 válvulas, 10.000 capacitores, além de milhares de resistores relés, os quais consumiam cerca de

150.000 watts para executar cinco mil adições e subtrações por segundo.

NEUMANN, BURKS e GOLDSTINE desenvolveram, entre 1945 e 1950, a lógica dos circuitos, os conceitos

de programa e operações com números binários e o conceito de que tanto instruções como dados

podiam ser armazenados e manipulados internamente58.

A partir desses princípios e de investimentos e pesquisas em todo o mundo, o desenvolvimento dos

computadores registrou cada vez maior velocidade, estando sua evolução definida por meio de

classificações denominadas gerações.

Os computadores de primeira geração são todos baseados em tecnologias de válvulas eletrônicas e esta

geração estende-se até 1959. Os computadores de segunda geração já calculavam em microssegundos

57 FORNUNECITY. Dos primeiros computadores até o final da década de 50. Disponível em: <http://skyscraper.for tunecity.com/activex/22/prim.htm>. Acesso em : 20 ago. 2000.

58 NEUMANN, Jonh Von.; BURKS, Arthur W.; GOLDSTINE, Herman H. Electronic computing instrument: preliminarydiscussion of the logical design of electronic computing instrument, institute for advanced study. [S.l.]: Electronic ComputingInstrument, 1946. 80 p. Relatório Técnico.

23

Page 34: Tributação dos Bens Digitais

e funcionavam totalmente transistorizados. A terceira geração começa com a substituição dos

transistores pela tecnologia dos circuitos integrados.

Os circuitos integrados entraram para o mercado em 1959, pela Fairchild Semiconductor e pela Texas

Instruments, e são utilizados até hoje. Não possuindo partes móveis, são mais confiáveis e muito

menores, pois seus componentes são miniaturizados, o que permite a colocação de milhares de

componentes em um único chip.

O uso de semicondutores, material que apresenta uma condutividade entre a alta condutividade dos

condutores (onde o material possui os elétrons de valência fracamente ligados ao átomo, podendo ser

facilmente deslocados deste) e a baixa condutividade dos isolantes (que apresentam os elétrons de

valência rigidamente ligados aos átomos)59 permitiu que o chip, pastilha de silício onde são “impressos”

diretamente os componentes, substituísse os circuitos impressos em chapas isolantes com fitas metálicas

para substituição da fiação entre componentes60.

Em 1971, Ted Hoff, pesquisador da Intel Corporation, aplicando os semicondutores aos computadores,

inventou o microomputador, cuja função é processar milhões de informações contidas na memória do

chip 61 acessadas diretamente62, sendo composto pela estrutura básica de um registrador de endereços,

um controlador de tempo e memória para manter programas e dados63.

A evolução dos computadores passou a ser a história da própria evolução dos microprocessadores na

sua continuada miniaturização de componentes e capacidade de processamento, possuindo hoje os

computadores pessoais quase 10 milhões de transistores. O aumento espantoso da capacidade de

processamento aliado ao desenvolvimento das linguagens de programação, fundadas nos conceitos de

Von Neumann sobre programas armazenados em linguagem de máquina, possibilitaram avançar de suas

59 MELLO, Hilton Andrade. Dispositivos semicondutores. Rio de Janeiro: LTC, 1974. p. 11.

60 DREIER, Thomas L`evolution de la protection dês circuits integers semi conducteurs. Revue Internationale du Droit d`Auteur, Paris, n. 142, 1989.

61 CHAVES, Antônio. Direitos autorais na computação de dados. São Paulo: LTr, 1996. p. 289.

62 KHAMBATTA, Adi. J. Microprocessadores/microcomputadores arquitetura. Rio de Janeiro: Campus, 1984.63 MEAD, Carver. Introduction to VLSI System. Massachusetts, EUA: Addison-Wesley Publishing Company, 1979. p. 189.24

Page 35: Tributação dos Bens Digitais

linguagens simbólicas (Assembler) para as de segunda geração (procedure-orinted) conhecidas como

de alto nível, orientadas para os procedimentos da aplicação e normalmente classificadas em científicas,

comerciais e de uso geral (FORTAN e LISP). Em 1990 ocorreu uma difusão intensa do paradigma da

orientação a objeto, resultado das novas arquiteturas tais como cliente-servidor e de processamento

distribuído.

O crescimento da Internet e o comércio eletrônico acrescentaram novas dimensões de complexidade ao

processo de desenvolvimento de programas. Surgiram linguagens para superar os desafios de

desenvolvimento de aplicações em um contexto heterogêneo (arquiteturas de hardware incompatíveis,

sistemas operacionais incompatíveis, plataformas operando com uma ou mais interfaces gráficas

incompatíveis, etc.). Surgiram novas linguagens como o C++ , Eifell, Objective C, Delphi e um novo

paradigma, a linguagem JAVA, desenvolvida pela Sun Microsystems que superaram as novas exigências

por suas qualidades de portabilidade (atuam em aplicações para vários sistemas heterogêneos que

podem compor uma rede como a Internet, por exemplo) e o novo conceito de arquitetura neutra (seu

código objeto pode ser executado em qualquer computador, desde que tal computador implemente o

ambiente necessário para isso), denominado conceitualmente Máquina Virtual Java64, já considerada de

quarta geração.

Não se pode deixar de registrar a evolução dos softwares para microcomputadores que, a partir do

Control Program for Microcomputers-CPM, desenvolvido por Garry Kindall, introduziu um sistema

operacional fácil de ser usado para controlar o teclado, o monitor de vídeo e as unidades de disco

flexível dos micros, com o processador Intel 8080 ou o Zilog Z-80, microprocessadores de oito bits.

Apenas um ano antes do início da comercialização desse sistema operacional, 1975, dois programadores

e estudantes da Harvard Business School, Bill Gates e Paul Allen, escreveram uma versão do Basic

compatível com a linguagem de máquina do Intel 8080 e, em 1974, fundaram a Microsoft, para

comercializar o produto.

64 FORNUNECITY. O desenvolvimento das línguas. Disponível em: <http://skyscraper.fortunecity.com/activex/22/linguagens.htm>. Acesso em: 02 maio 2000.

25

Page 36: Tributação dos Bens Digitais

Em meados de 1979 surge a primeira planilha eletrônica feita em Basic para um computador Apple,

denominada VisiCalc. Os microcomputadores popularizaram-se. Já possuíam um sistema operacional,

uma linguagem de programação de terceira geração (Basic da Microsoft) e uma linguagem

revolucionária de quarta geração (VisiCalc da VisiCorp).

Quando a IBM entrou (atrasada) no mercado de micros usando um microprocessador 8088 de 8/16 bits,

com maior capacidade de processamento e memória, licenciou o sistema operacional da Microsoft que

desenvolveu o Microsoft-Disk Operating System-MS-DOS, o qual viabilizou o uso popularizado dos

microcomputadores65.

Uma nova etapa de extrema importância ocorreu com a introdução em larga escala do software da

Microsoft denominado Windows, que em suas sucessivas versões tornou cada vez mais amigável o uso

de microcomputadores pessoais, sendo desnecessário o conhecimento de linguagens e comandos

próprios para o microcomputador, uma vez que, por meio de interfaces gráficas operando sobre o MS-

DOS, pessoas sem qualquer conhecimento técnico conseguem intuitivamente operar um

microcomputador66 para realização de suas tarefas cotidianas.

Uma recente mudança pode ser atualmente observada no que se refere ao uso dos microcomputadores.

Seu uso vinculado ao conceito de um teclado, uma central de processamento e monitor de vídeo está

também se modificando. Graças ao uso de interfaces do tipo Windows bem como à tecnologia

incorporada a todo tipo de equipamento, os computadores migraram para outras estruturas, estando

presentes em todos os bens de uso pessoal e diário, bem como nos serviços e produtos oferecidos pelo

mercado, em roupas, cartões, casas, rodovias, carros, pneus, rádios, eletrodomésticos, TVs, telefones,

etc67.

65 FORNUNECITY. Evolução dos software para micros. Disponível em: http://skyscraper.fortunecity.com/active x/22 / software.htm. Acesso em: 10 abr. 2000.

66 CHAVES, Antônio. Direitos autorais na computação de dados. São Paulo: LTr, 1996. p. 23.67 TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997. p. 53.

26

Page 37: Tributação dos Bens Digitais

Com isso e com a tecnologia de comunicações operando em protocolos abertos (padrões para gerir o

compartilhamento), é possível que as informações trafeguem por todos os bens e que estes possam ser

comandados à distância, integrando a grande rodovia da informação.

Por outro lado, computadores ganharam mobilidade com a criação de meios para mantê-los conectados

às grandes redes de dados sem o uso de fios, como no caso da recente tecnologia WAP, que constitui

uma especificação aberta e global, possibilitando aos usuários móveis, com equipamentos sem fio,

acessar e interagir com informações e serviços instantaneamente68.

Passaram, esta tecnologia e os microprocessadores, a integrar objetos pessoais como relógios e

telefones e a assegurar ao usuário um alto grau de interoperabilidade, superando as funções únicas e

isoladas, por meio de operações antes analógicas, agora digitais, estas permitindo o uso simultâneo de

dados, voz, vídeo, som, etc., um exemplo do que passou a ser denominado convergência digital69.

Estava criado o universo da vida em rede70.

2.3 Tecnologia Digital e Transformação

Todos os computadores manipulam informações armazenadas em número binário. Claude Shannon, no

final da década de 30, demonstrou, ainda quando estudante, que uma máquina executando instruções

lógicas serias capaz de processar informação. Em sua tese de mestrado explicou como os circuitos de

computador, fechados para verdadeiro e abertos para falso, poderiam executar operações lógicas

usando o número 1 para representar “verdadeiro” e 0 para representar “falso”. É um sistema binário, o

alfabeto dos computadores eletrônicos, a base da linguagem para a qual todas as informações são

traduzidas e na qual são armazenadas e utilizadas no interior de um computador71.

68 Disponível em: <http://www.wapforum.org/what/index.htm>. Acesso em: 17 abr. 2000.69 LINCH, Daniel C.; LUNDQUIST, Leslie. Dinheiro Digital. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 129.

70 TAPSCOTT, Don. Geração digital. São Paulo: Makron Books, 1999. p. 3.71 GATES, Bill. A estrada do futuro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 37.

27

Page 38: Tributação dos Bens Digitais

Esses estados, onde o significado de 1 ou 0 é uma questão à parte - pois podem significar ligado ou

desligado, verdadeiro ou falso, para cima ou para baixo, dentro ou fora, preto ou branco, etc. - eram

indicados através de transistores, substitutos das válvulas em posição de ligadas ou desligadas, os quais,

reunidos e combinados em um único chip, compunham os circuitos integrados.

Tais estados, atualmente em porção microscópica de um meio material apropriado que compõe a

memória do computador72, constituem um código onde o 1 ou o 0 indica o fluxo de elétrons

denominados bit. Um grupo de oito bits constitui o byte, quantidade de informação que o

microcomputador é capaz de processar a cada vez.

No início os bits representavam somente números, notados em sistemas posicionais73, mas atualmente o

vocabulário binário expandiu-se bastante, passando a incluir diferentes tipos de informação, como áudio

e vídeo, reduzindo-os também a uns e zeros74.

Na antiga economia, as informações eram analógicas ou físicas. As pessoas comunicavam-se estando

presentes em uma sala de reunião, conversando em uma linha telefônica analógica, enviando cartas

formadas por átomos, transmitindo sinais de televisão analógica para os lares, mostrando fotos

reveladas na loja do bairro, trocando dinheiro ou cheques, escutando discos com o auxílio de uma

agulha que se movia sobre os sulcos do disco, publicando revistas par serem vendidas em uma loja ou

entregues pelo correio, ou projetando luz em uma fita no cinema75.

72 GOUVÊA, Sandra Medeiros Proença. O direito na era digital. Rio de Janeiro: Mauad, 1997. p. 151.

73 Disponível em: <http://www.newview.com.br/computacao/sistema.htm>. Acesso em: 17 abr. 2000.

74 NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p.19.75 TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997. p. 55.

28

Page 39: Tributação dos Bens Digitais

Na nova economia, a informação está em formato digital( III )76, bits. Digitalizada, a maneira como é

comunicada, distribuída e recuperada transforma-se radicalmente. Quantidades enormes de informações

podem ser comprimidas e transmitidas na velocidade da luz. A qualidade da informação não se altera se

comparada com as transmissões analógicas. Muitas formas diferentes de informação podem ser

combinadas, armazenadas e recuperadas.

Novos produtos, atividades e serviços surgem em decorrência desse fato. O que só era possível existir

em decorrência de uma existência física ou um agir no mundo físico pode ser realizado independente

dessa condição. Com a transformação da informação analógica para digital, as coisas físicas podem

tornar-se virtuais( IV )77, modificando as etapas e o funcionamento da economia, os tipos de instituição,

os relacionamentos possíveis e a natureza da própria atividade econômica. Não se trata, é bom

esclarecer, das mesmas coisas existentes no mundo físico, mas de um equivalente funcional, de algo

que realiza a mesma função que o seu paralelo em forma física.

Assim, é possível encontrar, por exemplo, os seguintes produtos, serviços ou equivalentes funcionais:

estrangeiros virtuais, urnas virtuais, quadros de aviso virtuais, mapas virtuais, parques virtuais,

comercial virtual, shopping virtual, congressos virtuais, cupom virtual, emprego virtual, centro de

compras virtual, mercado virtual, escritório virtual, leilões virtuais, lojas virtuais, animais virtuais, álbuns

virtuais, oradores virtuais, compositores virtuais, poetas virtuais, apresentadores virtuais78, países

virtuais, etc.

( III ) Na eletrônica sinal é uma forma genérica de se expressar um estímulo elétrico. Sinal analógico se caracteriza pelo fato de quevaria continuamente no tempo. Sinal Digital é aquele que apresenta variações descontínuas ou abruptas no tempo, Costuma-sedizer que apresenta pontos de descontinuidade (NATALE, Ferdinando. Tecnologia digital. São Paulo: Atlas, 1992. p.18.).

76 NATALE, Ferdinando. Tecnologia digital. São Paulo: Atlas, 1992. p. 18.

( IV ) Indica o Dicionário Michaelis em sua versão da Internet (www.uol.com.br) os seguintes significados para a palavra virtual: adj m+ f (lat virtuale) 1 Que não existe como realidade, mas sim como potência ou faculdade. 2 Que equivale a outro, podendo fazer asvezes deste, em virtude ou atividade. 3 Que é suscetível de exercer-se embora não esteja em exercício; potencial. 4 Que não temefeito atual. 5 Possível. 6 Diz-se do foco de um espelho ou lente, determinado pelo encontro dos prolongamentos dos raiosluminosos.

77 MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. Disponível em: <http://www.uol.com.br/michaelis/indexdic.htm?busca=comércio&busca2=comércio>. 05 nov. 1999.

78 Disponível em: <http://www.annanova.com>. Acesso em: 21 set. 1999.29

Page 40: Tributação dos Bens Digitais

A grande questão com que nos defrontamos é se esses novos produtos e serviços oferecem ou realizam,

sob a ótica do usuário, comprador ou consumidor, as mesmas coisas que seus equivalentes físicos.

Todavia, não se trata das mesmas coisas, quer sob seu aspecto físico, quer quanto ao seu

funcionamento, ou às suas potencialidades de utilização.

O existir fisicamente condiciona o funcionamento, o uso, a apropriação e todo o sistema de relações do

objeto com o homem. A inexistência física modifica substancialmente essa relação, embora na

percepção do destinatário das funções do bem ou do serviço a utilidade seja a mesma.

A esse respeito, basta registrar o conceito primário de que os equivalentes virtuais, embora pareçam,

das mesmas coisas não se tratam.

2.4 Internet: A Grande Rede Mundial

A Internet tem como início de seu desenvolvimento um projeto do Department of Defense (Ministério

da Defesa) dos Estados Unidos da América do Norte. Denominado Advanced Research Projects

Agency-ARPANET, tinha como objetivo a interligação de computadores utilizados em centros de

investigação com fins militares. A preocupação dos militares era manter a rede funcionando no caso

de um ataque nuclear. Era imprescindível que não houvesse um centro de controle ou um núcleo

central que pudesse ser destruído. A imensa rede telefônica que se estendia por todo o país, tornou

possível a implementação do projeto79.

Após sua apresentação pública em 1972 e o estabelecimento das primeiras ligações internacionais um

ano depois, a ARPANET continuou a crescer (lentamente) durante os anos 70, mas por razões de

segurança constituia uma rede estritamente controlada pelos militares e inacessível a largos setores da

comunidade acadêmica internacional e dos Estados Unidos.

79 GOUVÊA, Sandra Medeiros Proença. O direito na era digital. Rio de Janeiro: Mauad, 1997. p. 36.30

Page 41: Tributação dos Bens Digitais

No início dos anos 80, mais precisamente em 1983, com a adoção dos protocolos TCP/IP na ARPANET

(da qual se separou a componente estritamente militar formando a MILNET), a criação da Computer

Science Network-CSNet e a sua ligação à ARPANET, surgiu a verdadeira Internet.

Nesse ínterim, duas outras redes foram criadas: A Usenet e a BITNET. Eram redes dedicadas aos

conceitos de livre acesso a informações e fácil utilização. As conexões entre as três redes cresceram na

medida em que as pessoas começaram a querer trocar correspondência eletrônica e informações.

Foram criadas novas redes comerciais, tais como a CompuServe e America Online. Todas essas redes,

coletivamente, formam o que se chama hoje em dia Internet80, valendo registrar que a MCI também

conectou-se em 198981.

Alguns dos principais marcos da história da Internet estão representados no gráfico a seguir.

FIGURA 1EVOLUÇÃO DA REDE INTERNET1968-2001

80 LINCH, Daniel C.; LUNDQUIST, Leslie. Dinheiro digital. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 6.

81 HISTÓRIA da Internet. Disponível em: <http://www.madinfo.pt/organismo s/ceha/Internet/net11.htm#CRONO>. Acessoem: 02 maio 2000.

31

Page 42: Tributação dos Bens Digitais

Durante os anos 80, o ritmo de crescimento da Internet foi-se acelerando, tornando necessária a

existência e o funcionamento de estruturas de coordenação e cooperação entre o cada vez maior

número de redes e operadores que a integravam. Assim, logo em 1983, foi criada o Internet Activities

Board - IAB, agora designado Internet Architecture Board, dentro do qual se criariam, em 1989, o

Internet Engineering Task Force-IETF e o Internet Research Task Force-IRTF. Na década de 80 são

ainda de destacar a criação da European UNIX Network-EUnet, em 1982, da European Academic and

Research Network-EARN, em 1983, e da NSFNET (rede acadêmica americana, responsável pela

expansão das ligações das universidades à Internet), em 1986.

No final da década de 80 (1989), a Internet ultrapassava os 100.000 hosts (máquinas com ligação

direta à Internet). Mas foi nesta primeira metade da década de 90 que, com o desenvolvimento de

novos serviços mais amigáveis e eficientes (como o Gopher e o WWW), se registrou o verdadeiro boom

32

Page 43: Tributação dos Bens Digitais

da Internet. No início de 1996 a Internet devia contar com cerca de 9.500. 000 hosts e mais de 30

milhões de utilizadores (39 milhões de usuários de correio eletrônico e 26 milhões de utilizadores do

conjunto de serviços Internet, segundo o Third MIDS Internet Demographic Survey, de outubro de

1995).

Nestes últimos cinco anos merecem destaque a aprovação nos Estados Unidos de medidas tendentes à

criação das chamadas auto-estradas da informação, em 1991, da High Performance Computing Act-

HPCA, em 1993, - da National Information Infrastructure Agenda for Action NIIAA, a divulgação da

World Wide Web pelo European Organization for Nuclear Research-CERN e criação da Internet Society-

ISOC em 1992. Merecem citação também a proliferação de ligações de empresas e organizações

governamentais à Internet, o desenvolvimento do comércio virtual, das emissões de rádio

(ciberestações) e de diversas outras formas de comunicação interpessoal na Internet, a realização da

reunião cimeira do G7 (Grupo dos sete países mais ricos do mundo), em fevereiro de 1995, sobre o

futuro da sociedade da informação82. Neste último ano é importante mencionar a criação de novas

tecnologias para interligação da telefonia móvel celular à Internet através da definição de um padrão

específico de protocolo para esse tipo de serviço, novidade esta que permite a alavancagem de um novo

modo de contato - a conexão sem fio -, marco de novas e surpreendentes aplicações.

Toda essa interconexão cria um universo próprio de relacionamento entre meios e informações possíveis

de serem localizadas instantaneamente, em termos práticos, sem que necessariamente estejam todas

no mesmo lugar.

Ao contrário de outras grandes redes privadas como a rede Society for Worldwide Interbank Financial

Telecomunication-SWIFT, que desde 1973 interligou em seu início 259 bancos de 15 países para a

realização das Transferências Eletrônicas de Fundos-TEFs, através de uma arquitetura de

82 Dados históricos obtidos em: Origem e evolução da internet. Disponível em: <http://www-bib.eng.uminho.pt/pessoal/eloy/curso/hist.htm>. Acesso em: 02 maio 2000.

33

Page 44: Tributação dos Bens Digitais

concentradores e comutadores continentais interligados83 por um protocolo( V ) fechado, a Internet opera

através de protocolos de comunicação denominados Transmission Control Protocol - The Internet

Protocol –TCP/IP) abertos, não patenteados, que permitem implementar uma variedade de plataformas

diferentes de hardware de computador e um crescimento expressivo da rede (na época se pensava ser

ilimitado)84.

Na Internet também estão interligados vários tipos de redes, quer quanto à cobertura geográfica (redes

locais, redes de longa distância, etc.), quer quanto aos equipamentos que as compõem e à tecnologia

utilizada. Para que isso seja possível igualmente contribuem as regras comuns, os protocolos.

O conjunto de protocolos (também designado família de protocolos) denominados Transmission Control

Protocol/Internet Protocol-TCP/IP, é composto por diversos protocolos, dos quais destacamos (para além

dos dois - TCP e IP- que dão o nome à família) o DNS, o SMTP, o FTP e o Telnet.

83 BAPTISTA, Luiz Olavo. Aspectos jurídicos das transferências eletrônicas internacionais de fundos. São Paulo, 1986. 351 f.Tese (Livre Docência em Direito Internacional) - Departamento de Direito Internacional da Faculdade de Direito, Universidade deSão Paulo.

( V ) Regras que estabelecem a forma de comunicação entre dois elementos quaisquer da rede.

84 LINCH, Daniel C.; LUNDQUIST, Leslie. Dinheiro digital. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 6.34

Page 45: Tributação dos Bens Digitais

FIGURA 2FAMÍLIA DE PROTOCOLOS INTERNET

A comunicação entre os diversos computadores interligados na Internet (garantindo que a informação

não se "perca" pelo caminho, ou que chegue ao destino errado) é assegurada pela atribuição de um

endereço numérico a cada host que o identifica univocamente. Este endereço, denominado endereço

IP, é formado por quatro campos, separados entre si por ponto, como por exemplo: 200.246.21.130 é

o endereço IP de um computador que hospeda páginas. Host é a denominação que se atribui, em

uma rede qualquer, ao principal computador que comanda e controla as ações de outros. Na

Internet, um host é um computador que abriga sites ou diretórios de arquivos para download85.

Ao endereço IP (ideal para a comunicação entre computadores) corresponde também um nome (mais

fácil de usar pelos utilizadores da rede): www.emerenciano.com.br é o nome correspondente ao

endereço 200.246.21.130.

85 DICIONÁRIO de informática e Internet. Disponível em: <http://sites.uol.com.br/evertonferreira/h.htm>. Acesso em: 20jun. 1999.

35

Page 46: Tributação dos Bens Digitais

Os nomes são formados por duas partes: uma que identifica o computador (no nosso exemplo,

www.emerenciano) e outra que identifica a sua localização (no nosso exemplo, .br). A primeira parte é

definida livremente pelos utilizadores. A segunda é atribuída segundo o Domain Name System (DNS),

criado em 1984.

De acordo com o DNS, os nomes têm sempre a seguinte estrutura hierárquica (da direita para a

esquerda): nome.subdomínio(s).domínio.

O domínio de topo (o mais à direita) é normalmente formado pelos códigos (ISO 3166) de nome de

país86, exceto nos Estados Unidos onde existem vários domínios de topo, formados por três digitos (gov,

mil, com, edu, etc.). Por exemplo, todos os nomes dos hosts portugueses terminam em .pt.

Abaixo do domínio de topo podem existir um ou vários subdomínios, que representam organizações,

departamentos de organizações, etc.

Essa sistemática permite uma rápida localização do computador onde se encontram as informações

que se pretenda acessar.

Os serviços disponibilizados na Internet são distribuídos baseados no modelo cliente/servidor, isto

é, existem pelo menos dois tipos de software que interagem para prestar um determinado serviço. Há

um servidor que fornece uma função ou serviço específico, tais como armazenamento, pesquisa e

recuperação de informações; e um cliente que solicita os serviços do servidor. Os servidores de

arquivos são um dos conceitos mais importantes a respeito da Internet. É possível ver a Internet como

um enorme conjunto de servidores de arquivos, sendo constantemente acessados por um número

imenso de clientes.

86 SOME codes ISO 3166. Disponível em: <http://www.isc.org/ds/iso-country-codes>. Acesso em: 13 dez. 1999.36

Page 47: Tributação dos Bens Digitais

Muitas empresas oferecem softwares para uso como cliente. É possível afirmar que qualquer software

navegador da Internet como Mosaic, Netscape ou Internet Explorer constitui um software de cliente

Internet. Muitos fornecedores oferecem softwares de servidor de arquivos Internet. Um programa de

servidor tem que ser suficientemente potente para manipular todos os programas de clientes que

possam solicitar arquivos ou serviços ao mesmo tempo. Qualquer tipo de hardware ou sistema

operacional pode ser usado como base para um servidor Internet, embora o mais usado no momento

seja o sistema UNIX87.

No grande de números de redes que compõem a Internet, uma em particular, foi a grande

responsável pelo explosivo crescimento e popularização do uso das redes de computadores, a

denominada World Wide Web (WWW, W3 ou WEB que em português significa teia). A WWW foi

desenvolvida no European Particle Physics Lab como veículo para o compartilhamento de informações

sobre a física de alta energia entre físicos que trabalhavam em ambiente internacional disperso. Os

responsáveis concluíram que tentar encontrar padrões para hardware ou software era perda de

energia. Em vez disso desenvolveram um padrão para representar os dados. O padrão recebeu o

nome de Hypertext Markup Language, ou HTML.

Usando o HTML é possível marcar uma palavra ou frase para associá-la a uma outra página. Essa

associação pode ser com um documento na mesma máquina ou com um documento em alguma parte

do mundo, explorando a outra grande inovação da Web, o citado sistema universal de

endereçamento. Com ele qualquer dado que venha a converter-se em texto, som, imagem ou vídeo

pode ser acessado e visualizado facilmente, sem que seja necessário discar um outro número,

estabelecer outra conexão ou, ainda, saber qualquer endereço de computador ou inserir dados de

identificação de registro88.

87 LINCH, Daniel C.; LUNDQUIST, Leslie. Dinheiro digital. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 11.

88 TAPSCOTT, Don. Economia digital. São Paulo: Makron Books, 1997. p. 23.37

Page 48: Tributação dos Bens Digitais

Com tais dados, é compreensível o meio pelo qual se estabelece a participação no universo das redes

de computadores. De maneira simplificada, podemos afirmar que qualquer computador individual,

doméstico, que execute o citado protocolo TCP/IP e que esteja conectado a um computador ligado à

Internet está, ele próprio, conectado também à Internet. Muitas das conexões individuais e de

usuários comuns são feitas através de um sistema de discagem automática (dial up) cuja conexão

com a Internet dura apenas o tempo da sessão. As conexões de discagem automática são

geralmente feitas via Serial Line Internet Protocol-SLIP ou Point to Point Protocol-PPP.. Existem vários

softwares comerciais que implementam esses protocolos.

Uma das formas mais comuns de conexão à Internet é a conexão do computador individual, por linha

discada e modem (modulator/demolator), pelos sistemas retro-referidos, a um provedor de serviços

de acesso à Internet e este por sua vez está conectado em taxas mais altas de velocidade a uma

interconexão central de rede Internet, denominada backbone89; estes conectam-se a outros formando

uma grande teia de múltiplas conexões.

No caso do Brasil, as mais importantes conexões estão centralizadas pela Rede Nacional de Pesquisa -

RNP, como a seguir visualizado90:

FIGURA 3REDE NACIONAL DE PESQUISAS – RNP

1999

89 RIBEIRO FILHO, J. L. Engenharias de redes e a Internet no Brasil. In: CONGRESSO NACIONAL DA SOCIEDADEBRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO, 19., São Paulo, 1999. Anais.... São Paulo: RNP, 1999. Disponível em:<http://www.rnp.br/arquivos/ref0 125d.pdf>. Acesso em: 14 nov. 1999.

90 Disponível em: <http://www.rnp.br/backbone_e/bkb-mapa.html>. Acesso em: 26 dez. 1999.38

Page 49: Tributação dos Bens Digitais

Estabelecidas as conexões à rede WWW pelos protocolos TCP/IP especificados e adotando-se o

sistema de endereçamento de domínios (DNS), é possível a um cliente ter acesso a qualquer

informação armazenada em um ou mais servidores em qualquer parte do planeta. Essas informações,

uma vez localizadas em sua posição pelo mencionado padrão HTML, poderão ser tratadas,

“manuseadas” ou transferidas para o computador do cliente.

Além dos protocolos de conexão, um outro protocolo foi desenvolvido com a finalidade de incrementar

a transferência de arquivos na Internet, denominadoHyperText Transfer Protocol-HTTP, um protocolo

simples que pode ser usado até mesmo sem interface gráfica e que permite inclusive a transferência

de dados multimídia.

O grande desenvolvimento da Web deve-se primordialmente ao desenvolvimento e à livre distribuição

de navegadores HTML (Browser) tais como o Netscape e o Internet Explorer que permitem a qualquer

usuário em variadas plataformas acessar os servidores na WWW. Como esta consiste em arquivos e

39

Page 50: Tributação dos Bens Digitais

diretórios individuais espalhados por toda a Internet, conectados por links de hipertexto em uma

arquitetura cliente/servidor, é possível imaginá-la como um único gigantesco documento de

hipertexto, pois os links de hipertexto possibilitam ao usuário conectar-se de forma direta e

transparente com qualquer computador que possua as informações de que ele necessita.

Essa estrutura distribuída sem preocupação com seu local físico, mas somente com seu endereço lógico,

somada ao fato de que boa parte da informação armazenada não está mas é construída no momento

do acesso, conforme as requisições do cliente, na estrutura cliente/servidor, cria um novo tipo de

espaço, um espaço separado, absolutamente não-coincidente com a noção de espaço geográfico, o

ciberespaço91.

No acesso a informações na Web é indiferente e em muitos casos impossível ao usuário saber se o

arquivo procurado está em um computador localizado a poucos metros ou em qualquer outra parte do

mundo, até porque existem “espelhos” que replicam fielmente os dados contidos em outros servidores.

Acresça-se a isso a circunstância de que parte da informação é resultante da resposta entre o

processamento na máquina local e a máquina acessada, criando uma informação interativa, fugaz e

única. Isso torna a Internet virtualmente ajurisdicional: localização física e localização geográfica são

irrelevantes neste ambiente de redes92. O onde é um sem sentido neste ambiente, conhecido como

espaço topológico. Esse fato tem grandes e sérias conseqüências para o Direito.

91 JOHSON, David R. Taking cyberspace seriously: how to deal with obnoxious messages on the net. Disponível em:http://www.cli.org/DRJ/ obnox.html. Acesso em: 20 maio 2000.

92 GOUVÊA, Sandra Medeiros Proença. O direito na era digital. Rio de Janeiro: Mauad, 1997.40

Page 51: Tributação dos Bens Digitais

CAPÍTULO III

41

Page 52: Tributação dos Bens Digitais

3 PRESSUPOSTOS E REFERENCIAL DA INVESTIGAÇÃO DO TEMA OBJETO

Explicitar as premissas é uma das primeiras tarefas de qualquer abordagem que pretenda possuir o

rigor da cientificidade. Determinar previamente o modelo conceitual e os fundamentos da perspectiva

adotados pelo observador determinam as possibilidades de compreensão e crítica ao trabalho

desenvolvido, as quais, necessariamente, devem condicionar o crescente teste de depuração que se

segue à exposição de qualquer concepção intelectual comunicada ao mundo.

3.1 Fundamentos da Pesquisa

Os estudos no campo do Direito Tributário seriam imperfeitos se a empreitada não estivesse fundada

no arcabouço estrutural da Teoria Geral do Direito, onde residem os conceitos fundamentais e as

noções propedêuticas aplicáveis a todos os segmentos do universo jurídico93.

93 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998.42

Page 53: Tributação dos Bens Digitais

A Ciência, todavia, não pode prescindir da demarcação de um horizonte problemático e dos princípios

metodológicos apropriados ao seu modelo epistemológico, este ditado pelo próprio objeto da Ciência

Jurídica, as normas jurídicas, não diretamente a conduta humana, mas somente na medida em que

esta constitui conteúdo de normas jurídicas como pressuposto ou conseqüência94.

É certo que a delimitação do objeto no domínio das ciências reais, que tratam da matéria histórico-

social, não conta com a peculiar invariância e relativa autonomia dos objetos das ciências formais. As

ciências reais convivem forçosamente com a instabilidade e a dependência dos conteúdos afetados e,

ainda, com a impossibilidade de neutralidade prático-valorativa do comportamento congnoscitivo do

homem, que deságua numa objetivação do sujeito e na subjetivação do objeto95, permitindo verificar

que o objeto não precede o ponto de vista, mas que é o ponto de vista que cria o objeto96. Assim,

pois, é a Ciência que recorta o setor da realidade que pretende investigar e explicar, determinando

como resultante seu objeto97.

Por sobre a realidade social, constituída de grande multiplicidade de fatos, perscruta o conhecimento

humano para formular proposições e enunciados que possam construir um entendimento sobre sua

experiência98. O conhecer é um ato de apreensão espiritual do objeto99 que se apresenta, na medida

em que reduz complexidades100, e assegura ao homem a possibilidade de aproveitar, modificar ou

94 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 77.

95 VILANOVA, Lourival. O problema do objeto na Teoria Geral do Estado. Recife, 1953. 312 f. Tese (Doutorado em Direito) -Faculdade de Direito, Universidade do Recife. p. 14.

96 SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1969. 279p.

97 GRECO, Marco Aurélio. Norma jurídica tributária. São Paulo: Saraiva, 1974. p. 10.

98 VILANOVA, Lourival. Política e direito: relação normativa. Revista da Faculdade de Direito, Lisboa, v. 34, p. 53-62, 1993.

99 HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. 8. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1987. p.121.

100 CARVALHO, Paulo de Barros.O ICMS e os regimes especiais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, no. 8, maio1996, p. 94-98.

43

Page 54: Tributação dos Bens Digitais

adaptar-se à realidade101, transformando uma complexidade indeterminada numa complexidade

determinada102.

Qualquer conhecimento somente pode ocorrer mediado pela linguagem, correlato único do mundo103,

por meio da expressão de enunciados que encerram proposições descritivas ou indicativas104. Mundo

aqui tomado não como a soma de todos os objetos, não representando ele mesmo mais um, uma vez

que somente no mundo podemos delimitar um objeto em relação a outros. É impossível delimitar o

próprio mundo em contraste com outros objetos, pois essa forma de pensar implicaria conceber o

mundo com uma outra realidade que o circundasse, e não podem haver vários mundos exteriores uns

aos outros, sendo, todavia, sua unidade uma hipótese que não se pode provar, mas apenas intuir105.

O homem não apenas está no mundo, mas se orienta nele, possui seu “mundo circundante” e o

transforma em seu falar, atualizando-o106em sua consciência. Consciência e mundo são inseparáveis,

estando os objetos deste presentes na consciência, que será sempre composta de objetos107.

Como os demais objetos, o Direito também admite vasta gama de abordagens. Nossa pretensão, a

partir dos capítulos que justificam a tomada de posição e explicitação de premissas, é circunscrever o

objeto deste trabalho, o Direito Positivo, e, particularmente, um delimitado e específico campo de

investigação numa postura dogmática, afastando forçosamente considerações de ordem zetética108. A

dogmática, compreendida como preenchendo um escopo vital que constrói a solução ou a

neutralização dos conflitos, com absorção da insegurança109, será tomada nesta tese não em seu veio

101 GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Riardo V. Introducción al conocimiento científico.Buenos Aires: EUDEBA, 1994. p. 81.

102 LUHMANN, Niklas. The third question: The creative use of paradoxes in Law and legal history. Canadian Journal of Law andSociety, Montreal, Quebec, v. 3, p. 53. 1988.

103 WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 62.

104 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 1.

105 KANT, Immanuel. Progressos da metafísica. Lisboa: Elfos, 1995. p. 51.

106 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2. ed.São Paulo: Saraiva, 1997. p. 4.

107 SCHREIER, Fritz. Conceptos y formas fundamentales del derecho. Buenos Aires: Losada, 1986.

108 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1991.109 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 43.

44

Page 55: Tributação dos Bens Digitais

de uma dogmática concreta, observada na ação dos operadores jurídicos, mas no nível metalingüístico

da dogmática científica, em sua função de atribuir fundamentos para a atividade argumentativa e

decisória da dogmática concreta, numa perspectiva, todavia, de uma teoria retórica, buscando

descrever o campo objetal tal como ocorre110, e não no grupo das teorias prescritivas onde estão

aquelas que indicam regras a serem obedecidas.

Dessa perspectiva impende registrar dois importantes fundamentos. O primeiro que, tomado como

objeto, o Direito não é uma ciência, considerada a inexistência de univocidade do termo( VII )111, porém

é objeto de uma ciência112, a Ciência do Direito. Embora alguns teóricos neguem a esta o caráter

científico, como nos indica Bobbio113, entendemos que a Ciência do Direito, constituindo seu objeto

pela aplicação do método normológico de Kelsen114, pelo qual o jurista, strictu sensu, deve ater-se

exclusivamente às normas jurídicas, aceitando-as como dogmas, estabelecendo as conexões de

imputação e organizando seu sistema para reduzi-lo a uma unidade inteligível115, segundo critérios

lógicos-sistemáticos116, libertado117 seu pensar de elementos espúrios fornecidos por outras áreas do

conhecimento, constitui verdadeiramente uma ciência. Uma ciência ontologicamente ideal, predicada

sua existência somente porque o homem a vivencia intelectualmente como produto da razão ou do

intelecto118, e que se dirige a um objeto cultural, o Direito Positivo.

110 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 17.

( VII ) Unívoco é o termo que se aplica a uma só realidade, e equívoco o que designa duas ou mais realidades desconexas (TELLESJÚNIOR, Goffredo. Tratado da conseqüência. São Paulo: Bushatsky, 1962. p. 329.)

111 TELLES JÚNIOR, Goffredo. Tratado da conseqüência. São Paulo: Bushatsky, 1962. p. 329.

112 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 31.

113 BOBBIO, Norberto. Teoria della scienza giuridica. Torino: Giappichelli, 1950. p. 53.

114 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1985. p. 31.

115 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 119.

116 Ibidem, p. 120.

117 TELLES JÚNIOR, Goffredo. O direito quântico. São Paulo: Max Limonad, 1971. p. 159.

118 COELHO, Luiz Fernando. Teoria da ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 1974. p. 64.45

Page 56: Tributação dos Bens Digitais

O discurso da Ciência, por sua vez, deve traduzir-se numa linguagem rigorosa, mais cuidadosa do que

a linguagem natural. A linguagem da Ciência do Direito tem seu objeto sobre dados constituídos

igualmente pela própria linguagem. Nesse sentido, é precisa a observação de CARVALHO de que,

onde houver Direito haverá normas jurídicas e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma

linguagem em que tais normas se manifestem119.

Este corte lógico é indispensável quando se pretende a aproximação científica das ciências dirigidas ao

conhecimento dos dados da experiência social. O objeto social é sempre plurilateral, inexistindo o fato

puro e simples, exigindo sempre a purificação como construção metódica120. Com o Direito, não é

diferente, pois este também se apresenta como um fato complexo121, continuamente em construção

pelo jurista na forma de sistema de enunciados normativos com referentes empíricos e não

homogeneamente lógicos122.

Tomar as expressões da realidade social em sua totalidade não conduziria a nenhum resultado

prático, dada a complexidade infinita da tarefa. Nisto reside a necessidade do corte metodológico para

a compreensão dos resultados de nossas ações intencionais, permitindo a análise crítica dos

fenômenos do mundo social, numa explícita aplicação de uma tecnologia social fragmentária123. A

totalidade das propriedades ou aspectos de uma coisa e todas as relações que decorrem de sua

existência ou as relações dos próprios componentes entre si não podem ser objeto de conhecimento

científico. Por isso toda descrição é seletiva, dada a obrigatoriedade de selecionar certos aspectos e

características124 do objeto, sendo o todo, no sentido de “totalidade”, insuscetível de conhecimento

científico125, pois a mente humana é incapaz de abarcar a infinidade dos objetos do Universo

(inabarcabilidade psicológica). Embora esta seja uma limitação que se apresente ao espírito, não119 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 17..

120 VILANOVA, Lourival O problema do objeto na Teoria Geral do Estado. Recife, 1953. 312 f. Tese (Doutorado em Direito) -Faculdade de Direito, Universidade do Recife. p. 16.

121 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 1.

122 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 14.

123 POPPER, Karl Raimond. A miséria do historicismo. São Paulo: Edusp, 1980. p. 52.

124 KANT, Immanuel. Lógica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 75.

125 PELUSO, Luiz Alberto. A filosofia de Karl Popper. São Paulo: Papirus, 1995. p. 75.46

Page 57: Tributação dos Bens Digitais

podemos deixar de considerar a possibilidade da abarcar o mundo a partir de uma taxonomia

(abarcabilidade lógica), pois nossa capacidade classificatória não tem limites. O Universo inteiro pode

caber em duas classes: isto e o outro126.

É inevitável que o pensar humano e a descrição dos fenômenos sociais se dê através da linguagem. O

ato gnoseológico – a atitude de conhecer o mundo – não se apóia, todavia, na abordagem da

casuística da realidade fenomênica percebida( VIII )127, mas utiliza-se de tipos ideais, os universais. Esses

conceitos gerais, sem correspondência com o real, asseguram a aquisição e a transmissão de

conhecimentos. O mesmo se dá com o conhecimento científico, que dessa circunstância também não

escapa. Embora composta por uma linguagem rigorosa e com recursos para reduzir a vagueza, a

ambigüidade e a plurissignifcação128, sua estrutura é a da linguagem comum, não escapando à

inevitabilidade de suas condicionantes.

A idéia, conceito da razão cujo objeto não se pode de modo algum encontrar na experiência129, ao

ser expressa em linguagem, aprisiona uma realidade que não pode ser totalmente contida neste ato.

Sofrem, as idéias, profunda transformação ao serem articuladas e se tornarem formas de expressão

exteriorizadas, os conceitos, reunidos em juízos que, unidos, compõem os raciocínios ou argumentos,

enfim o discurso. Da idéia para o discurso sobressai a questão primordial da gnoseologia, sobre ser a

linguagem humana um meio que expressa uma realidade objetiva (coisas), posição adotada pelas

teorias ontológicas, ou se o discurso é auto-referente, não tendo a linguagem outro fundamento

senão ela mesma, inexistindo elementos externos à linguagem que permitam assegurar sua

consistência e legitimá-la, posição adotada pelas teorias retóricas130.

126 GUIBOURG, Ricardo A. El fenômeno normativo. Buenos Aires: Astrea, 1987. p.197.

( VIII ) “A percepção é a consciência empírica, isto é, uma consciência em que há simultaneamente sensação” (KANT, Immanuel . Crítica da razãopura. São Paulo, Nova Cultural, 1996. p. 159).

127 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo, Nova Cultural, 1996. p. 159.

128 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 1991. p. 39.

129 KANT, Immanuel. Lógica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 110.130 ADEODATO, João Maurício. O sério e o jocoso. Recife: Universitária, 1996. p. 85. ( Jhering e o Direito no Brasil)

47

Page 58: Tributação dos Bens Digitais

Além dessas duas concepções há uma outra posição, denominada pluralista por seu autor, POPPER, e

cuja linha básica é admitir que os produtos da mente humana, os conceitos expressos, como os

argumentos e o próprio conhecimento, constituem um mundo autônomo, o mundo três131. Não logrou

grande aceitação a referida concepção, não obstante a influência do pensador, devendo, porém, ser

registrada.

A linguagem científica expressa em enunciados admite seu controle de rigor por meio da lógica. A

lógica enquanto ciência que se refere a todo o pensamento constitui fundamento para todas as outras

ciências132. Assim, aplica-se igualmente ao campo do Direito. Neste identificamos dois diferentes

corpos de linguagem: a do Direito Positivo e o da Ciência do Direito. O primeiro, constituído do

complexo de normas jurídicas válidas num dado país, e o segundo, das descrições que o cientista do

direito enreda para desvelar a trama normativa. Este discurso descritivo diz de seu objeto - o Direito

Positivo - que por sua vez se apresenta como um estrato de linguagem de cunho prescritivo133.

Embora para alguns não se apresente determinada, ou até mesmo supérflua, uma lógica especial para

o campo normativo134, admite - se na comunidade jurídico-científica que no sistema jurídico deve

existir lógica entre as proposições que o integram, embora o mesmo não seja exigido da ordem

jurídica, neste contexto tomada como conjunto de normas jurídicas135. No primeiro caso aplica-se a

lógica deôntica para identificar as propriedades e relações lógicas das normas. No segundo caso a

aplicação é da lógica normativa136.

131 POPPER, Karl Raimond. O conhecimento e o problema corpo-mente. Lisboa: Edições 70, 1996.

132 KANT, Immanuel. Lógica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992. p. 110.

133 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 3.

134 KLUG, Ulrich. Normas juridicas y analisis lógico. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1988. p. 61.

135 COELHO, Fábio Ulhôa. Roteiro de lógica jurídica São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 61.136 ALCHOURRON, Carlos E. A.; BULYGIN, Eugenio. Analisis logico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitcuionales,

1991. p. 25.48

Page 59: Tributação dos Bens Digitais

A lógica é apenas a teoria formal, não se preocupando com os conteúdos, com os objetos, mas com

as leis necessárias do pensamento, não relativas a objetos particulares. Nem por isso se pode afirmar

que as investigações lógicas são imprestáveis ou insuficientes para espelhar a grandeza do fenômeno

jurídico, porque a lógica não nos dá o direito vivo, concreto; isto constitui tema extralógico137.

Ao se considerar a linguagem como ponto de partida do conhecimento sobre a Ciência do Direito,

torna-se inevitável o confronto entre as posturas gnoseológicas que o termo suscita no campo da

filosofia para que a opção por uma teoria possa permitir que se persiga a coerência de pressupostos e

de conclusões, pois se, por um lado, é certo que toda teoria positiva deve fundar-se em observações,

por outro lado, é indispensável aos nossos espíritos para entregar-se à observação de uma teoria

qualquer138. Empregamos aqui a palavra teoria com um significado maior do que um conjunto de

hipóteses, assumimos que uma teoria constitui todo um ponto de vista, uma proposta de explicação a

respeito de certo setor da realidade cuja verdade é quase uma figura de linguagem, já que sua

relação com a experiência é extremamente tênue, refletindo mais uma decisão metodológica do que

uma comprovação empírica139.

Como anteriormente abordado, as teorias ontológicas admitem ser possível conhecer os objetos da

experiência e as teorias retóricas postulam que o homem está aprisionado em um universo lingüístico.

O meio ambiente não é tido como um dado, mas, sim, produzido por um sistema lingüístico auto-

referente, constituindo este a única “realidade artificial” sobre a qual pode laborar140. Apostas tais

posturas à Ciência do Direito, teríamos, como conseqüência da adoção da primeira escola de

pensamento, a conclusão de que o Direito corresponde a um fenômeno social específico e permanente

e que seus caracteres ônticos podem ser apreendidos pelo sujeito cognoscente. Da segunda, se

137 DALLAZEM, Dalton Luiz. Cisão e responsabilidade tributária. Curitiba: Juruá, 1999. p. 32.

138 COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva. Tradução de: Miguel Lemos. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 24.

139 GUIBOURG, Ricardo A. Derecho, sistema y realidad. Buenos Aires: Astrea, 1996. p. 10.

140 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 196-201.49

Page 60: Tributação dos Bens Digitais

seguiria a impossibilidade de determinação de um conteúdo específico para esse objeto, sendo o

Direito uma atitude lingüística e não um objeto com características delimitadoras.

Severas conseqüências resultam da adoção de uma ou de outra escola. A linha ontológica afastaria a

necessidade de obediência aos fundamentos básicos conformadores da atitude científica: garantir seus

resultados ou sua previsibilidade, verificar e demonstrar, além de provar seus postulados. A atitude

científica é hipotética e se dirige pela probabilidade, buscando sempre o conhecimento. A postura

retórica teria outros fundamentos. Estes são opinativos, devem justificar seus argumentos e

fundamentar seus postulados, a atitude diante do seu objeto é dogmática e se baseia na

verossimilhança, buscando o reconhecimento e a credibilidade. São estabelecidas diferenças básicas

entre a prudentia ou fronesis e a scientia ou episteme. Outra importante conseqüência da adoção dos

fundamentos retóricos é que a verdade, objeto da filosofia essencialista, passa a ser o consenso,

objeto da filosofia retórica, sendo o próprio consenso também uma figura retórica141. O “ser” de

estudo do jurista, o fato jurídico, será conhecido por meio de sua significação. A manifestação do

evento, como identidade suficiente entre o ocorrido e o que será relatado em linguagem própria do

Direito, será considerado como a tarefa possível142.

Fundados na estruturação do pensamento de Husserl, conhecido como fenomenologia143, não

hesitamos em nos pronunciar adeptos da posição retórica sobre o Direito, entendendo-o sobretudo

como um fenômeno lingüístico, afastando por conseqüência as preocupações próprias do

essencialismo e buscando os fundamentos conforme as exigências metodológicas do

convencionalismo144.

3.2 A Incerteza do Conhecimento Científico

141 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 204.

142 HOFFMANN, Susy Gomes. Teoria da prova no direito tributário. Campinas: Copola, 1999. p. 47-48.

143 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosófica. São Paulo: Ática, 1995. p. 237.

144 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1991. p.37.

50

Page 61: Tributação dos Bens Digitais

Impende ressalvar que tão alargada distância em muito se reduz quando se verifica que o dito

conhecimento científico sobre os bens da natureza tem sido também objeto de profundas críticas em

seus fundamentos gnoseológicos, a ponto de certos críticos ousarem dizer que a Ciência moderna não

tem características que a tornem superior e distinta do vodu ou da astrologia145, inexistindo diferença

intrínseca entre o método da Ciência e o método empregado por Marian Keech e seus seguidores para

convencer as pessoas sobre a autenticidade de seus métodos ao lidar com seres extraterrestres146.

Adotamos o conceito de Ciência e seu produto, o conhecimento científico, como resultado do esforço

coletivo humano levado a efeito pelos cientistas através de suas contribuições individuais depuradas e

alargadas pela crítica mútua e pela continuada cooperação intelectual, com o objetivo de obter uma

zona de consenso racional o mais extensa possível. Para tanto, há necessidade de se adotar um

axioma de que os cientistas comportam-se com honestidade uns para com os outros tanto na

comunicação de seus trabalhos, quanto na admissão dos trabalhos alheios147. Verifica-se aqui que o

conhecimento científico está sendo tomado como o repertório de conteúdo das pesquisas e trabalhos

científicos disponíveis e não como as lembranças e registros mentais de cada pessoa, como pretendeu

POPPER em sua formulação do mundo três148.

A meta da Ciência sob esse aspecto é a contínua tentativa de obtenção de um conteúdo com grau

máximo de consensualidade estabelecido pela maioria expressiva de cientistas, apontando fatos e

princípios rigorosamente estabelecidos, sem grandes áreas de incerteza. Na determinação do que é

tomado como consensual, torna-se fundamental uma linguagem inequívoca. Nisto está a grande

importância do uso da matemática, pois contribuiu significativamente para estabelecer eventos

reconhecíveis e reproduzíveis determinados por cientistas definidos. Embora não se afaste a

145 FEYERABEND, Paul Karl. Against method. Londres: New Left Books, 1975.

146 COLLINS, H. M.; COX, G. Recovering relativity: did prophecy fail?, Social Studies of Science, London, n. 6, p. 423, 1976.

147 MERTON, Robert K. The sociology of science. Chicago: University of Chicago Press, 1973. p. 267.

148 POPPER, Karl Raimond. O conhecimento e o problema corpo-mente. Lisboa: Edições 70, 1996. 51

Page 62: Tributação dos Bens Digitais

possibilidade do erro, sua possibilidade é admitida e continuamente corrigida pela prova constante das

previsões e pela certificação de eventos secundários não registrados inicialmente.

Este contorno deixa antever que a consensualidade exigirá grande esforço retórico, com objetivos

persuasivos evidentes. O aglomerado de conteúdos resultante desse modelo estabelece o que se pode

denominar de paradigma científico, um acordo intersubjetivo, não exclusivamente lógico. Tal acordo

pressupõe um conhecimento objetivado, comunicado de uma pessoa para outra. Para tanto, a

linguagem deve ser universal e inequívoca, que resulte num conteúdo consensível, precedente à própria

consensualidade.

A busca da consensibilidade, antes da consensualidade de cunho persuasivo, denota a inadequação do

uso da linguagem comum, do dia-a-dia, no mais das vezes inconclusiva, sem precisão e possível de

mal-entendidos e ambigüidades. A linguagem deve permitir a transmissão da informação com clareza e

reduzido ou nenhum grau de ambigüidade, pois a necessidade de compreensão exata é premente para

permitir a análise, a comparação e a crítica149. Por isso o destaque da matemática e da lógica no uso

científico, embora no mais das vezes inadequadas para análise dos fenômenos sociais e plenas

igualmente de dificuldades de consensibilidade150.

A consensibilidade em uma mensagem significativa precisa funciona como condição da emissão de

qualquer juízo consensível para exercício da teorização que, admitida, caminhará em direção à

axiomatizaçao, quando, então, deixará de ter interesse para ser apenas a base para novas incursões

do conhecimento. Nessa estrutura fica evidente que o consenso em uma nova coisa exige consenso

prévio em outras coisas mais simples.

Para que a consensualidade seja atingida, torna-se necessária a exclusão dos aspectos acidentais,

indeterminados, ainda não-compreendidos ou não-redutíveis aos instrumentos de análise, que geram,

149 RYLE, Gilbert. The concept of mind. Londres: Hutchinson, 1949.

150 KORNER, Stephan. What is philosophy. Londres: Allen Lane, 1969. 52

Page 63: Tributação dos Bens Digitais

por conseqüência, uma grande imprecisão categorial e declarações feitas sobre realidades seccionadas

de vários elementos não controlados. Há escolha dos temas, condições e fenômenos a serem

observados, recaindo a observação sobre sistemas em condições quase ideais e distantes de suas

condições naturais de existência. Há nesse modelo uma redução do campo de imprecisão, permitindo

a elaboração de explicações e a formulação de previsões acertadas. Todavia, o campo de consenso se

dá sobre parcela muito bem delimitada e aquém da extensão imensa dos fenômenos observados.

Campo onde as falhas são separadas das objeções sérias ou de detalhes que possam ser desprezados

para validação do modelo e posterior explicação.

Certo é que a comunidade científica não constitui amostra aleatória da humanidade. Constitui um

grupo especializado e com formação diferenciada e dirigida para a adoção de uma postura científica e

de uso de métodos de observação e experimentação consagrados (no direito afigura-se a

sistematização, descrição e explicação dos fenômenos( IX ))151, o que sobreleva a importância da

formação científica como uma fonte maior de autoridade do que o próprio conhecimento acumulado

nos arquivos públicos da ciência. Apoiado em estruturas de regras de trabalho, como o ceticismo

organizado e a crítica competitiva, só uma pequena parte dos resultados das incursões científicas são

incorporados definitivamente aos arquivos do corpo do conhecimento científico152 O conhecimento

científico evolui por seleção crítica, tendo por característica a tolerância da dissidência e a avaliação

crítica153.

( IX ) “o objeto da ciência jurídica não é apenas “descrever” (num sentido estrito) fenômenos, senão amplamente explica-los, comsua metodologia própria: função objetivamente cognoscente da ordem jurídica-positiva” (BORGES, José Souto Maior. O direitocomo fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciência jurídica, sua base empírica e o método hipotético-dedutivo.Anuário do Mestrado em Direito. Recife, n. 4, p.11, jan./dez. 1988.).

151 BORGES, José Souto Maior. O direito como fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciência jurídica, sua baseempírica e o método hipotético-dedutivo. Anuário do Mestrado em Direito. Recife, n. 4, p.11, jan./dez. 1988.

152 ZIMAN, John. O conhecimento confiável. Tradução de: Tomás R. Bueno. Campinas: Papirus, 1996. p. 175.153 Ibidem, p. 176.

53

Page 64: Tributação dos Bens Digitais

Vista assim, a Ciência, como um acordo consensual da maioria esmagadora dos que participam de sua

formação, possui um grau de falibilidade que lhe é intrínseco. Seus princípios constitutivos, a estrutura

categorial e o paradigma dominante da imagem científica do mundo, “não são tão firmes quanto os

professores e estudantes carinhosamente supõem” 154.

3.3 O Sistema e a Linguagem do Direito

O Direito Positivo apresenta-se como um descontínuo, um conjunto fragmentário de comandos

prescritivos emanados de diferentes focos ejetores de comandos normativos. O ato cognoscente desse

conjunto de comandos prescritivos é a interpretação155, promovida pela Ciência do Direito na

construção das normas. Desse modo, podemos tomar a norma como o sentido (significado) de um ato

de vontade (que um homem deve conduzir-se de determinada maneira), através do qual uma conduta

é prescrita, permitida ou, especialmente, facultada, no sentido de adjudicada à competência (escolha

decisória) de alguém. Assim, tomamos a norma como um dever-ser, já o ato de vontade objetivado de

que ela constitui o sentido é um ser156.

Assim composto o Direito Positivo, é de básica percepção o defluir da ocorrência de contradições em

seu seio. É de sua compostura a coexistência de normas contraditórias, pois é o Direito Positivo

considerado como sistema dinâmico, na abordagem do conceito de sistema empreendida por KELSEN

157, no qual as normas que o compõem derivam umas das outras através de sucessivas delegações de

poder. Esta derivação ocorre não através da sua relação de conteúdo, mas por meio da autoridade

que as colocou (uma autoridade inferior deriva de uma autoridade superior, até chegar à autoridade

suprema que não tem nenhuma outra acima de si), criando uma relação formal e não material. O

Direito Positivo diferencia-se dos sistemas estáticos, onde as normas estão relacionadas entre si no

154 Ibidem, p. 185.

155 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: Saraiva, 1989. p.17.

156 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 5.

157 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. 54

Page 65: Tributação dos Bens Digitais

que se refere ao seu conteúdo (tome-se como exemplo os sistemas morais). Todavia, o mesmo não

se dá na área da Ciência do Direito. Esta, por seu turno, tem sua compostura isenta de contradições

pela aplicação das três imposições formais do pensamento, relativas às proposições apofânticas,

sustentadas pelos princípios da identidade, não-contradição e do meio excluído( X )158.

Impende aclarar que a palavra sistema possui, no vasto campo de estudos do Direito, ao menos três

diferentes significados atribuídos pela doutrina159. Um primeiro significado como expressando um

sistema dedutivo, onde se verifica que todas as normas jurídicas do ordenamento são deriváveis de

alguns princípios inaugurais e gerais, ao modelo da geometria.

Um segundo significado, utilizado pela Ciência do Direito Moderno é usado, ao contrário, para indicar

um ordenamento da matéria, realizado pelo processo indutivo, ao modo das ciências empíricas ou

naturais. O procedimento típico é a classificação, buscando reunir os dados obtidos pela experiência,

com base nas semelhanças, para formar conceitos sempre mais gerais, que em última generalização

permitam unificar todo o material dado( XI )160. O Direito não é concebido como sistemático, mas como

passível de sistematização pela ação do jurista, com vistas ao seu conhecimento e operação. Neste

sentido Diniz observa que: “Sistema significa nexo, uma reunião de coisas ou conjunto de elementos,

e método, um instrumento de análise. É o aparelho teórico mediante o qual se pode estudar

logicamente a realidade que não é sistemática. Assim sendo, o direito não é um sistema jurídico, mas

uma realidade, que pode e deve ser concebida de modo sistemático pela ciência do direito, para

facilitar seu conhecimento e manejo pelos que o aplicam. A função do jurista não é transcrever

( X ) “O sistema da Ciência do Direito é isento de contradições. Por seu turno, o sistema do direito positivo abriga antinomias entreas unidades normativas, as quais somente desaparecem com a expedição de outras regras” (CARVALHO, Paulo de Barros. Cursode direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 9.).

158 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 9.159 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro dos Santos. Brasília:

Universidade de Brasília, 1999. p.77.

( XI ) ATALIBA, Geraldo. (Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1968. p. 4.) observa que“o caráter orgânico das realidades componentes do mundo que nos cerca e o caráter lógico do pensamento humano conduzem o homem ao abordar arealidade que pretende estudar, sob critérios unitários, de alta utilidade científica e conveniência pedagógica, em tentativa do reconhecimento coerente eharmônico da composição de diversos elementos em um todo unitário, integrado em uma realidade maior. A esta composição de elementos, sob a perspectivaunitária, se denomina sistema. Os elementos de um sistema não constituem o todo, com sua soma, como suas simples partes, mas desempenham cada umsua função coordenada com a função dos outros”.

160 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1968. p. 4.55

Page 66: Tributação dos Bens Digitais

normas, fatos e valores, mas os descrever e interpretar, determinando suas conseqüências e

efeitos” 161.

Por esta ação do jurista se constrói o sistema jurídico, fazendo com que apareça como um todo uno e

indecomponível, onde a ordenação jurídica figura como um todo que gravita integralmente sobre cada

relação jurídica162.

Um terceiro significado conceitualiza sistema porque assume que nele não podem existir normas

incompatíveis. Sistema equivale a considerar válido o princípio que exclui a incompatibilidade de

normas. A exigência é de compatibilidade e não de uma redução exata de uma norma a outra, como

ocorre em sistema dedutivo perfeito. Por se admitir a exclusão da norma incompatível, inexiste a

coerência do ordenamento jurídico como um todo, mas somente de suas partes simples. O sistema

não se desagrega por incompatibilidade das normas, mas ocorre a exclusão da norma incompatível ou

de ambas as normas incompatíveis, pela aplicação dos métodos de solução de antinomias. Por tal

razão, nem todas as normas produzidas pelas fontes qualificadas de produção normativa são normas

válidas, mas somente aquelas compatíveis com as outras163.

161 DINIZ, Maria Helena; FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio.; GEORGAKILAS, Ritinha Alzira Stevenson. Constituição de1988: legitimidade, vigência, eficácia e supremacia. São Paulo: Atlas, 1989. p. 63.

162 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 73.

163 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro dos Santos. Brasília:Universidade de Brasília, 1999. p. 81.

56

Page 67: Tributação dos Bens Digitais

O sistema do Direito revela-se como uma superestrutura de relações de comunicação164 e como tal um

subsistema social auto - referente e autopoiético165. Por essa razão deve ser afastada a noção de

sistema como sendo a inter - relação de todos os elementos presentes no sistema. A estruturação das

relações exige seleções por motivos de complexidade, de tal maneira que o resultado não pode

corresponder simplesmente à soma total dos elementos. A efetivação das relações se dá,

necessariamente, através da qualificação dos elementos, com observância e apontando para um

grupo de possibilidades. O sistema contém, como complexidade, um excedente de possibilidades que

ele mesmo reduz auto - seletivamente. Somente a complexidade pode reduzir a complexidade166.

O conceito de sistema realiza assim uma função fundamental que é traduzir e realizar a adequação

valorativa e a unidade interior da ordem jurídica167.

O Direito, assim como o organismo, como o psiquismo interior e o mundo revelam-se em

linguagem168. Para LUHMANN a sociedade não é composta de seres humanos, mas, sim, de

comunicações169. O discurso jurídico como modo de inter - relação humana se configura como ação

lingüística que apela para a compreensão do outro, estando o ser humano inserido num mundo

lingüisticamente articulado170.

O contato do homem com o mundo não se dá de forma direta, mas sempre mediada pelo signo. O

signo funciona como mediador entre o objeto e o efeito que produz na mente atual ou potencial,

164 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. Tradução de: Michael Lahud e Yara. São Paulo: Hucitec, 1997.p. 39.

165 TEUBNER, Gunther, O direito como sistema autopoiético, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.166 LUHMANN, Niklas. Sociedade y sistema: la ambición de la teoria. Tradução de: Santiago Lòpez Petit y Dorothee Schmitz.

Barcelona: Ediciones Piados Ibérica, 1990. p. 73-102.

167 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1996. p. 23.

168 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. Tradução de: Michael Lahud e Yara. São Paulo: Hucitec, 1997.p. 49.

169 LUHMANN, op. cit., p. 27.

170 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 3.57

Page 68: Tributação dos Bens Digitais

efeito este denominado interpretante, que é mediatamente devido ao objeto através do signo. O signo

está no lugar do objeto, não o substitui, apenas está no lugar dele e o indica para a idéia que ele

produz ou modifica171. Os textos escritos do Direito Positivo , como todo e qualquer fato cultural, toda

e qualquer prática ou atividade social, constituem práticas significantes, práticas de produção de

linguagem e de sentido172.

Dos textos do Direito Positivo, sinais variáveis e flexíveis (que somente assim têm importância para a

forma lingüística)173, efeitos da articulação produtora de sentido, remanescem em nossa consciência.

Não são apreendidos direta e simplesmente, sem mediação, os pensamentos e fatos do mundo dos

objetos representáveis. Estes só são acessíveis enquanto representados174.

Para conhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, um pensamento como

mediação irrecusável entre o ser cognoscente e os fenômenos. Como esclarece SANTAELLA:

“Perceber não é senão traduzir um objeto de percepção em um julgamento de percepção, ou melhor

é interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido”175. Pontifica ainda que:

“O homem só conhece o mundo porque, de alguma forma, o representa e só interpreta essa

representação numa outra representação, que Peirce denomina interpretante da primeira” 176.

O discurso jurídico recai sobre dados lingüísticos pré-elaborados que corporificam as próprias idéias,

pois tocar na linguagem é tocar nas idéias, como preconiza a teoria analítica, alçado ao nível de

metadiscurso177, onde labora o jurista em sua construção da Ciência do Direito.

171 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 38.

172 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 13.

173 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. Tradução de: Michael Lahud e Yara. São Paulo: Hucitec, 1997.p. 93.

174 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução de: Flávio Beno Siebeneichler. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 1997. p. 28.

175 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 51.

176 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 51.

177 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1996. p. 93.

58

Page 69: Tributação dos Bens Digitais

As normas jurídicas enquanto autorizam, proíbem ou permitem condutas não só se valem da

linguagem natural, mas, em certo sentido, têm mesmo que fazê-lo178 pois as normas jurídicas, seu

sentido, não podem ser compreendidas por um pequeno número de iniciados, mas devem ser

compreendidas pelo maior número possível de homens. A norma sendo a significação que nosso

intelecto constrói a partir da leitura do texto do Direito Positivo deve permitir a menor dubiedade

possível em sua significação, entendida significação como a simples representação intelectual de um

objeto, sinônimo de idéia179. Certo é que essa precisão compreensiva não pode ser afirmada a priori

pois os signos além de arbitrários180 não podem ser absolutamente precisos, visto que a relação do

signo com seu objeto (aquilo que o signo representa) é uma fonte de indefinição na extensão ou

aplicabilidade do signo e a relação do signo com seu interpretante (o efeito que o signo produz na

mente que o interpreta) é uma fonte de indefinição na profundidade (poder conotativo) do signo. O

signo é objetivamente vago, pois deixa para o intérprete o direito de completar a determinação por si

mesmo181 . É fundamental manter presente que o objeto representado pelo signo, o objeto imediato,

não consegue expressar em sua completude o objeto real, objeto dinâmico, pois somente é indicado,

cabendo ao intérprete descobri-lo por experiência colateral182.

As normas jurídicas, resultado do processo de interpretação dos textos legislados, no corte lógico da

região material que se estuda183, ao serem tratadas como objeto de uma aproximação científica

através das ferramentas típicas da Ciência do Direito, têm neste labor igualmente a constituição de

uma linguagem. Uma linguagem que remete a de uma outra, a do Direito Positivo184. A linguagem que

178 CARRIÓ, Genaro. Rubén. Notas sobre derecho y lenguaje. 4. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p. 49.

179 BITTAR, Djalma. Relação jurídica tributária em nível lógico. São Paulo: LTr, 1993. p. 21.

180 SAUSURRE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. 23. ed. Tradução de: Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein.São Paulo: Cultrix, 1999. p. 81.

181 SANTAELLA, Lúcia. A assinatura das coisas: peirce e a literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 50.

182 Ibidem, p. 54.

183 BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 4.

184 EMERENCIANO, Adelmo da Silva. Procedimentos fiscalizatórios e a defesa do contribuinte. São Paulo: Copola, 1995. p.14.

59

Page 70: Tributação dos Bens Digitais

diz sobre o Direito Positivo revela-se como metalinguagem. Todas as Ciências do Direito são

metalinguagens185 .

O contexto de normas186 descrito na metalinguagem construída, considerada como uma leitura

relacional, isto é, mantém relações de pertença porque implica sistemas de signos de um mesmo

conjunto, onde as referências apontam para si próprias e estruturam explicativamente a descrição de

um objeto187, classifica e determina o conteúdo do Direito Positivo, como a ordem organiza o relato em

tema de metacomunicação188.

Das várias direções em que funciona a linguagem, interessa ao Direito o campo temático da lógica

deôntica, onde não estão presentes os valores de verdade e falsidade próprios do discurso apofântico,

mas, sim o plano do discurso prescritivo, da linguagem prescritiva de situações objetivas, cuja

finalidade é alterar a conduta humana em sua interação social189. Essa conduta é controlada,

precipuamente por meio de diretivas gerais, quer quanto ao tipo geral de conduta, quer quanto a uma

categoria geral de pessoas que se espera que reconheçam que a elas se aplica o comando e que

acatem190 seu propósito ilocucionário de fazer o mundo ajustar-se aos comandos da lei estabelecidos

de maneira conforme às instituições extralingüísticas e que conferem um estatuto de maneira

relevante para sua força ilocucionária191.

Esses são os pressupostos e os referentes da investigação do tema objeto.

185 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 31.

186 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 80.

187 CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo: Ática, 1998. p. 8.

188 WATZLAWICK, Paul; HELMICH, Beavin Janet.; JACKSON, Don. Pragmática da comunicação humana. 12. ed. Traduçãode: Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1999. p. 50.

189 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 3.

190 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. p. 27.

191 SEARLE, John. R. Expressão e significado. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 11.60

Page 71: Tributação dos Bens Digitais

CAPÍTULO IV

61

Page 72: Tributação dos Bens Digitais

4 PROBLEMAS JURÍDICO-TRIBUTÁRIOS NOS NEGÓCIOSTELEINFORMÁTICOS

A realização de negócios por meio de redes teleinfomáticas suscita variada gama de problemas no

campo do Direito.

Questões surgem no campo do Direito Civil, Comercial, Administrativo, Constitucional e, de forma

inegável, em matéria tributária.

Estruturado sobre um modelo que toma os negócios tributáveis com fundamento no pressuposto de

que este possuem identificação e pontos físico-geográficos de realização, bem como compreendem

produtos de natureza física e tangível, o Direito Tributário apresenta-se profundamente afetado pela

peculiaridade e singularidade que o universo de negócios em bases digitais engloba.

A compreensão adequada desses efeitos exige acurado estudo da realidade que os condiciona,

inadequadamente nomeada “comércio eletrônico”, para posterior determinação das normas de Direito

Positivo passíveis de serem aplicadas.

4.1 O Conceito de Comércio Eletrônico

Os negócios jurídicos levados a efeito por meio das redes de computadores não possuem, até o

momento, tratamento jurídico positivo específico ou peculiar. Isto não impede que esses negócios gerem

efeitos jurídicos na esfera da comunidade que os realiza e que pratica atos constitutivos, ou que assim

pretendam ser, de relações jurídicas, estas entendidas como os enlaces de sujeitos de direito em torno

de conduta regulada como proibida, permitida ou obrigatória.

62

Page 73: Tributação dos Bens Digitais

Tais enlaces decorrem da proposição relacional contida no prescritor das normas jurídicas e que

conferem efetiva substância ao Direito, cuja pretensão fundamental é regular as condutas intersubjetivas

de seus sujeitos.

As transações feitas por meio de redes de computadores, dentre elas a WWW, acarretam perplexidades

naturais, típicas do enfrentamento intelectual daquilo que se apresenta como novo. Esta realidade

apresenta uma infinidade de complexidades e ângulos de abordagens que obrigam, além do corte

metodológico delimitador da aproximação investigativa, que se esclareça igualmente de que objeto se

vai tratar, enfim, que se conceitue e defina o objeto como forma de propiciar maior grau de

confiabilidade à construção lógica do raciocínio192.

A tarefa de demarcar o sentido, construindo o conceito, é fundamental na Ciência Jurídica193, como

forma de tornar possível sua operação, pois o conceito nos dá a forma e o sentido das coisas194.

Considerada essa necessidade, ao nos debruçarmos sobre o objeto pesquisado, verificamos o uso da

expressão “comércio eletrônico”, utilizada pelos utentes da linguagem despida de quaisquer

preocupações de precisão terminológica ou científica, como é comum na linguagem natural. Os

obstáculos à definição aumentam ao identificarmos que a referida expressão, além do uso indiscriminado

para indicar realidades diversas, e da ambigüidade e vagueza próprias da linguagem, está ainda

contaminada pelo conteúdo significativo incerto, fruto de traduções de termos de língua estrangeira.

Tomaremos o ato de definir no sentido que lhe empresta BACQUÉ, como toda atividade humana que

consiste em transmitir um critério de uso para uma palavra, qualquer que seja a intenção com que o

transmita195.

192 CARNAP, Rudolf. Testability and meaning. Baltimore, Md: Philosophy of science, 1936. v. 3.

193 MIRANDA, Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito. Campinas: Bookseller, 2000. p. 104.

194 ORTEGA Y GASSET, J. Meditaciones Del Quijote. 3. ed. Madrid: Catedra, 1995. 247p. apud HOESCHL, Hugo Cesar. OCiberespaço e o direito. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, São Paulo, v. 22, n. 167, p. 15-28, nov./ dez. 1998.

195 BACQUÉ, Jorge A. Derecho, filosófia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976. p. 2.63

Page 74: Tributação dos Bens Digitais

A ausência de critérios específicos para utilização do termo comércio eletrônico denota a particularidade

da definição lexicográfica presente em sua utilização. As palavras com definições lexicográficas não

possuem critérios seguros que permitam precisar seu sentido, gerando uma constante renovação e

combinações de significação. Inadequada, portanto, sua utilização para fins específicos de trabalho

científico.

Tradicional também é definir mediante a utilização do método designativo, que consiste na

enumeração das características que um objeto deve possuir para ser nominado como tal.

Este método, o designativo, presente quando se opta pela enumeração de todos os membros de uma

determinada classe mediante a enunciação de seus nomes particulares, para definir a palavra que

nomina toda esta classe. Ao conjunto de todos os objetos incluídos denomina-se denotação da palavra

designada. As inclusões não ocorrem ao acaso, mas são resultantes do uso de um critério, razões mais

ou menos uniformes que determinam a inclusão ou exclusão. Isto nos permite conceituar, tarefa de

aplicar aos objetos os critérios, requisitos ou razões, selecionados. Ao critério de uso de uma palavra

chama-se designação dessa palavra196. Para utilização desses critérios, pressupõe-se que se possua

conhecimento prévio do significado de algumas palavras, seja dos nomes dos membros da classe que se

está definindo, seja das palavras que nominam as características designadas pelas referidas197 palavras.

Qualquer que seja o critério adotado, deve-se observar, em primeiro lugar, que os membros da classe a

ser nominada deverão constituir institutos ou termos presentes nos textos do Direito Positivo Brasileiro.

Ocorre, todavia, que o grau de desconhecimento e dispersão dos termos e conceitos é tal que qualquer

dos dois métodos mostra-se inviável, quer pela ausência imediata de um referencial jurídico-positivo

explícito, ou até mesmo pela inexistência de qualquer definição lexicográfica corrente.

Esta singular circunstância determina que qualquer definição somente poderá ser elaborada mediante

recurso a uma definição estipulativa. Isso é próprio da abordagem lógico-positiva, que tem como

196 GUIBOURG, Ricardo A.; GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Riardo V. Introducción al conocimiento científico.Buenos Aires: EUDEBA, 1994. p. 42.

197 BACQUÉ, Jorge A. Derecho, filosófia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976. p. 2.64

Page 75: Tributação dos Bens Digitais

pretensão construir ciência a partir de linguagem que converte o discurso natural em discurso de

estipulações precisas. Como proposta significativa inédita, a definição estipulativa afasta-se das teses

realistas que buscam a essência dos termos jurídicos e que assumem como pressuposto que a relação

das palavras com o mundo não se dá de forma construtiva e arbitrária.

A definição estipulativa atribui um nome a um objeto ao invés de registrar uma atribuição já existente198,

dando lugar posteriormente a um enunciado analítico199, já que passam a ser imunes a todas as

experiências, pois se limitarão a explicitar o significado de certos termos selecionados. O processo de

estipulação pelo qual se introduz um novo termo no discurso científico é chamado de especificação de

significado ou processo de elucidação, cujo resultado tem a pretensão de produzir signos unívocos para

tipos de objetos e as proposições em signos unívocos para fatos. Pela elucidação, as significações da

linguagem natural tornam-se unívocas200.

Antes de empreender uma tentativa de elucidação para introdução de uma definição estipulativa,

convém determinar qual realidade fática o termo comércio eletrônico tem recoberto de significado na

linguagem comum.

A expressão comércio eletrônico tem sido usualmente empregada com diferentes significados, sendo o

mais comum desses significados:

(i) realização de negócios através da Rede Internet201;

(ii) a realização de compras on-line202 (conectadas a umsistema de transmissão de informações);

(iii) a compra e venda de produtos e a prestação de serviçosem escala mundial por meio da Internet203;

198 BACQUÉ, Jorge A. Derecho, filosófia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976. p. 2.

199 ALCHOURRÓN, Carlos E. A.; BULYGIN, Eugenio. Definicione y normas in el lenguaje del derecho. Buenos Aires:Abeledo Perrot, 1983. p. 35.

200 WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1995. p. 60.

201 REBOUÇAS, L. Negócios em evolução. Exame, São Paulo, n. 707, p. 93-102, fev. 2000.

202 EMPRESAS apostam no negócio do futuro. Gazeta Mercantil, São Paulo, 30 ago. 1999. Comércio Eletrônico, p. 1B.

203 SERÁ o fim dos intermetidários? Internet Business, São Paulo, n. 17, p.18,. 1999.65

Page 76: Tributação dos Bens Digitais

(iv) a realização de vendas de produtos e a prestação deserviços a partir de estabelecimento virtual204; e

(v) a utilização da Internet como canal mundial dedistribuição de bens e serviços205.

Em todos esses casos a expressão é utilizada englobando tanto as transações que envolvem bens físicos

entregues por forma tradicional, quanto bens entregues diretamente pelas redes de computadores

conectados por sistemas de telecomunicações.

Levando em conta essa realidade, encontramos várias propostas de definição de comércio eletrônico,

tais como:

(i) “Sistema global que, utilizando redes informáticas e emparticular a Internet, permite a criação de um mercadoeletrônico (operado por computadores e à distância) queabrange todo os tipos de produtos, serviços, tecnologia e bens,e que inclui todos os procedimentos necessários paraconcretizar operações de compra e venda, incluindo alocalização, a negociação, a obtenção de referênciascomerciais, intercâmbio de documentos, acesso à informaçãosobre serviços de apoio (tarifas, seguros, transportes, etc.)serviço bancário, além das condições de segurança e sigilonecessários”206.

(ii) “Comércio eletrônico é a capacidade para realizaroperações comerciais envolvendo produtos ou serviços entreduas ou mais partes, com a utilização de ferramentas etécnicas eletrônicas”207.

(iii) “Comércio eletrônico é a capacidade para realizaroperações comerciais, tanto transações de mercadorias comode serviços, entre dois ou mais sujeitos utilizando para tantocomputadores conectados à Internet ou a Intranets eencontrando-se os atores em jurisdições identificáveis ou não,dentro de um mesmo país ou em países diferentes”208.

204 COELHO, Fábio Ulhôa. A Internet e o comércio eletrônico. Tribuna do Direito, São Paulo. v. 7, n. 77, p. 8, set. 1999.

205 DRUCKER, Peter. O futuro já chegou. Exame Digital, São Paulo, n. 710, p. 113, mar. 2000. Entrevista.

206 ARGENTINA. Ministério de Economia. Argentina y Obras Y Servicios Públicos de la República Argentina. Primer informe deprogresso Del grupo de trabajo sobre Comercio Electrónico y Comercio Exterior, Buenos Aires, 1998. p. 6.

207 Disponível em: http://www.ustreas.gov/taxpolicy/library/internet.pdf. Acesso em: 10 fev. 2000.

208 ALTAMIRANO, Alejandro C. Tributación em el Comercio Electrónico. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DEDIREITO TRIBUTÁRIO, 1., 1999, São Paulo.

66

Page 77: Tributação dos Bens Digitais

Estabelecem-se diferenças também se as transações de comércio eletrônico envolvem bens e cessões de

direito fornecidos diretamente pela rede, denominado comércio eletrônico direto ou se envolvem

bens físicos relativos ao comércio tradicional e que somente são adquiridos através dos canais

informáticos, o denominado comércio eletrônico indireto209.

Sobressai das definições e usos apontados como características principais o uso de redes de

computadores para realização de negócios jurídicos210 envolvendo a compra e venda não só de bens do

comércio tradicional, mas também de bens fornecidos através da própria rede, além de serviços

contratados ou prestados pela rede e contratação de cessões de direitos. Parece-nos equivocado o foco

sobre a natureza do produto negociado ou sobre o uso de computadores e mesmo as referências ao

espaço físico onde os negócios se realizam.

Apresentam-se secundários o uso e a definição de “comércio eletrônico” tendo por nota característica o

objeto do contrato, a localização geográfica das partes, o tipo de equipamento e de rede de

comunicação utilizados ou as operações e cuidados que cercam o negócio. Parece-nos que o

juridicamente relevante é o fato de que a oferta e a aceitação dos contratos se perfaz por transmissão

eletrônica de dados211 e que, em alguns casos, a prestação contratada tem sua execução realizada

também por transmissão eletrônica de dados. O restante tem pouca ou nenhuma significação

diferenciadora.

Debruçados sobre esse conjunto de informações e desbastada a imensa confusão dos planos de

abordagem, afastadas as miragens produzidas pela profusão de informações técnicas, de engenharia, de

comunicações, de softwares, econômicas, financeiras, de marketing, logística, administrativas, dentre

outras, resta claro que a integração entre computadores, softwares, redes de dados e sistemas de

telecomunicações produziu:

209 CORABI, Giampaolo. Evasion fiscal internacional y evolución de las tecnologias: el desafio del comercio electrônico y lascontradicciones del derecho tributario internacional. Impuestos, Buenos Aires, n. 57-B, p. 36, 1993.

210 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 127.

211 TOSI, Emílio. I problemi giuridici di internet: la conclusoine di contratti online. Milano: Giuffré, 1999. p. 15.67

Page 78: Tributação dos Bens Digitais

(i) novas formas de contratação entre ausentes( XII ); (ii) a criação e a possibilidade de fornecimento pelas redes decomunicação de bens desapegados de uma base, de um meiofísico, os bens digitais;

(iii) a possibilidade de operar serviços específicos da redemundial de computadores (Web-based services) remotamente.

Inadequado igualmente o uso da própria expressão comércio (eletrônico) que, embora possua carga

semântica adequada em idiomas estrangeiros, na língua pátria imprime maior distanciamento à

realidade descrita. No Brasil, comércio está lexicograficamente referido à atividade de intermediação, à

compra de mercadorias para posterior revenda212 XII )213. Tal conteúdo semântico e pragmático indica a

inadequação da expressão para conter prestações de serviços e negociação de direitos, indicados como

fatores componentes da realidade designada.

A expressão (comércio) eletrônico também se mostra inadequada na medida em que nomina porção da

realidade que inclui meios aos quais não iremos nos referir, tais como fax, que possibilita o fechamento

eletrônico de operações empresariais, mas não possui interoperabilidade e tratamento de dados nas

redes de computadores e de telecomunicações.

Embora se argumente que uma palavra, por sua característica de polissemia essencial 214, possa variar o

conteúdo, alterando o significado do nome relativo a um mesmo objeto, a partir de qualquer mudança

na percepção que dele temos, no nosso conhecimento acerca dele ou no nosso sentimento para com

ele215, nisso desempenhando papel preponderante o contexto de sua utilização216 na circunstância

( XII ) Código Civil Brasileiro.

212

213 co.mér.cio sm,(lat commerciu). 1 Negócio, tráfico que se faz comprando e vendendo. 2 O fato de vender mercadorias. 3 Ato decomprar mercadorias para as revender ou de fazer operações para este fim (MICHAELIS. Moderno dicionário da línguaportuguesa. Disponível em: <http://www.uol.com.b r/michaelis/indexdic.htm?busca=comércio&busca2=comércio>. Acessoem: 16 out. 1999.

214 ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. 5. ed. Tradução de J. A. Osório Mateus. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1964.

215 Ibidem, p. 118.

216 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 53.68

Page 79: Tributação dos Bens Digitais

analisada, neste caso, não parecem estar presentes tais elementos. Quer pela recente introdução do

tema, quer pela inexistência de uso específico da expressão no universo pragmático dos falantes217.

Sequer se deve admitir que a manutenção do sistema objetivo possa, como às vezes ocorre, permanecer

imune a alterações, embora estas estejam presentes no sistema científico218. No presente caso sequer

existem trabalhos científicos ou manifestações jurisprudenciais construtoras de um novo significado, algo

que o signo ele próprio transmite219 para o conceito anteriormente existente, circunstância que afasta

qualquer interpretação nesse sentido, embora não se possa negar uma pequena mudança na

experiência subjetiva dos observadores220.

Considerados esses elementos, propomos substituir a expressão comércio eletrônico por negócio

teleinformático. A expressão teleinformática diferencia-se de telemática. Esta é a técnica que trata da

comunicação de dados entre equipamentos informáticos distantes uns dos outros. O conjunto desses

equipamentos e meios de comunicação recebem a denominação de sistema teleinformático221. A palavra

negócio, além do seu emprego temático no campo jurídico,( XIII )222 possui extensão( XIV )223 para além das

atividades comerciais, recobrindo também todo tipo de transação empresarial, independente da

natureza do objeto transacionado.

217 SANDOVAL, Antonio Moreno. Lingüística computacional. Madri: Sintesis, p. 34.

218 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1996. p. 116.

219 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 42.220 CHALMERS, Alan. A fabricação da ciência. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Unesp, 1994. p. 66.221 PIMENTEL, Alexandre Freire. O direito cibernético: um enfoque teórico e lógico-aplicativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.

40.

( XIII ) “negócio jurídico é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fáctico consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade,em relação ‘aqual o sistema jurídico faculta ‘as pessoas, dentro delimites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturaçãodo conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico” (MELLO, MarcosBernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 162.).

222 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 162.

( XIV ) “extensão são todos os objetos a que uma idéia se aplica; compreensão são todas as determinações que a idéia encerra e que não podem ser-lheretiradas sem destruí-la” (ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 12.).

223 ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 12.69

Page 80: Tributação dos Bens Digitais

A negociação teleinformática pode referir-se a todo tipo de negócios, quer aos bens móveis e imóveis, à

prestação de serviços, à cessão de direitos ou ao fornecimento de bens digitais, além de qualquer outro

negócio jurídico.

4.2 Negociação Teleinformática e Fornecimento de Bens Digitais

O negócio empresarial concluído por meio de negociação teleinformática refere-se a diferentes tipos de

bens e direitos.

Pode ocorrer a conclusão de um negócio teleinformático para fornecimento de bens ou prestação de

serviços convencionais, como, por exemplo, a compra de eletrodomésticos e carros através da Internet,

ou a contratação de um paisagista para desenvolver um projeto a partir de seu currículo exposto em um

site . Nestas situações, concluído o contrato por meio teleinformático, sua execução desenvolve-se de

forma tradicional, no primeiro caso com a entrega física do bem ao comprador ou o desenvolvimento do

trabalho contratado de maneira pessoal, no segundo caso.

Nestas situações, estamos diante do mencionado “comércio eletrônico” indireto ou off-line224, aos quais

estaremos nos referindo como contratação teleinformática, vez que somente a etapa de conclusão

do negócio jurídico é suportada por redes teleinformáticas. Aliás, a convergência tecnológica já

apresenta soluções como “voz sobre IP”, onde, através da conexão de dados, se oferece a oportunidade

com contato de voz e imagem humanas, com interação em tempo real e controle assistido de navegação

dos browsers.

Na outra perspectiva, temos, além da contratação teleinformática, também a execução do próprio

contrato, seja com o fornecimento de bens digitais, como filmes, fotografias, músicas, jogos, etc., seja a

possibilidade de uso remoto de banco de dados ou execução de softwares. Estamos diante do mal

denominado comércio eletrônico direto, ou on-line225, o qual denominamos de forma estipulativa e mais

224 CUELLO, Rafael Oliver. Tributación deol comercio eletrónico. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 21.

225 CUELLO, Rafael Oliver. Tributación deol comercio eletrónico. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 21.70

Page 81: Tributação dos Bens Digitais

apropriada negócio virtual, onde ocorre não só a contratação teleinformática, mas também o próprio

fornecimento de bens digitais, assim como as licenças de uso ou a utilização remota de softwares e base

de dados. Neste caso as operações iniciam-se e terminam no âmbito da rede, sem remessa física de

qualquer espécie, transitando somente no ambiente de rede de computadores226, de forma virtual, num

espaço topológico.

Em síntese, a expressão negócio teleinformático inclui a contratação teleinformática e o

negócio virtual. Tanto a contratação teleinformática quanto o negócio virtual constituem novas

realidades que vêm acarretado importantes problemas jurídicos227, principalmente no que se refere à

matéria tributária228, onde devem ser enfrentados229. A esta tarefa nos dedicaremos a seguir.

4.3 Principais Problemas Jurídicos na Contratação Teleinformática e no Negócio Virtual

A Internet constitui um ambiente adequado para venda de produtos tangíveis e digitais, bem como para

as operações de gestão dos negócios, prestação de serviços e onde se presumem novas operações

econômicas próprias do ambiente de rede e até o momento sequer pensadas.

Os negócios virtuais - envolvendo as transações com produtos digitais tais como software, livros, música,

vídeos, fotografias, games -, são ideais para o ambiente da Internet. Uma vez em formato digital, o bem

pode ser entregue diretamente pela rede mediante operação denominada download, diretamente ao

interessado, sem custo e envolvimento de varejista, agregando, quando muito, o custo exclusivo da

transação. Há inúmeras variações desse procedimento que envolvem desde bens em demonstração até

o uso de senhas protegidas ou a obrigação de pagamento após certo período de uso do bem, com a

utilização ou não de cartões de crédito. Outras empresas, além do vendedor, podem estar envolvidas na

226 United States v. Baker. 890 f. Supp. 1375. E.d. Mich. 1995.

227 CARRASCOSA LÓPEZ, V.; POZO ARRANZ, M. A.; RODRIGUEZ de CASTRO, E. P. La contratación informática: elnuevo horizonte contractual. Los contratos electrónicos e informáticos. Granada: Comares, 1999.

228 LEMOV, Penélope. The tax free zone in cyberspace. Disponível em: <http://web.lexis-nexis.com> Acesso em: 10 out. 2000.

229 STATE tax, the internet and electronic commerce: a backgrounder. Disponível em <www.itta.org> Acesso em: 12 ago. 1999.71

Page 82: Tributação dos Bens Digitais

transação, como empresas de segurança de rede, de controle de senhas, de portais de acesso, de

processamento das transações, de certificações digitais, etc.

Tais transações envolvem problemas que abrangem desde o do pagamento de direitos autorais até o

uso de dinheiro digital, o anonimato dos envolvidos, a localização geográfica e a mobilidade de

compradores, vendedores, contratantes e prestadores de serviços.

Além das transações de bens tangíveis realizadas nas redes de computadores, onde se pode concluir a

operação sem contato direto entre os contratantes, negócio entre ausentes, portanto, em mercado

mundial ininterrupto em termos operacionais, outros negócios também são desenvolvidos ou

incrementados no ambiente de rede. Leilões ou classificados com realidade virtual e experimentação são

abordagens novas nas formas tradicionais de negócios de bens tangíveis.

Do mesmo modo observam-se alterações no mercado de serviços, onde várias atividades sequer

possuem intervenção humana, como investimentos, análises financeiras, aconselhamentos, criação de

cenários de negócios, aconselhamentos econômicos e pessoais. As atividades de desenvolvimento de

softwares e a própria prestação de serviços tendem a tornar-se únicas.

Outros serviços realizados mediante o uso de computadores, como manutenção, monitoramento e

suporte, também prescindem de qualquer contato direto entre prestador e cliente. Da mesma forma,

nas áreas de gestão, administração, marketing, consultoria legal, médica, psicológica, econômica,

ambiental, dentre outras, pode-se prestar o serviço abstraindo a questão da localização física dos

envolvidos, bastando a especialidade e a capacitação do prestador.

Serviços exclusivos do ambiente da Web, como fornecimento de acesso a conteúdo, o próprio acesso à

Internet, aos serviços de busca, que envolvem tanto o rastreamento e a coleta de informações e

localização, indexação e softwares de pesquisa, propagandas on-line, provedores de e-mail , e até

cassinos virtuais, constituem grandes desafios em matéria de enquadramento legal e tributação.

72

Page 83: Tributação dos Bens Digitais

Associações de serviços na rede, joint ventures de portais de acesso, parcerias e fusões de negócios

virtuais desafiam os formatos existentes e as soluções legais típicas.

4.3.1 Principais Problemas em Matérias Tributárias

Inúmeras são as novas questões no campo da tributação, geradas pela inadequação dos conceitos e

estruturas legais existentes, diante das novas realidades fruto das operações possíveis de serem

realizadas no ambiente de redes de computadores.

Podem ser elencadas, dentre as mais relevantes atualmente, as seguintes questões com respeito aos

temas a seguir:

4.3.1.1 Transações relativas a produtos físicos e digitais

As regras atualmente existentes possuem por pressuposto, em sua grande parte, a tangibilidade do

produto objeto da transação. As hipóteses de incidência trazem em sua estrutura típica230, como critério

material, no mais das vezes descrições de situações de possível ocorrência no mundo fático e ligadas a

evento fisicamente identificável (a própria denominação de “material” induz o raciocínio a pensar em

coisas fisicamente detectáveis). Assim se verifica quando há referência a conceitos como produtos,

mercadoria, serviços e bens móveis. A necessidade de perfeita identificação no que se refere a tempo e

espaço também é encontrada no critério temporal e espacial, no qual conceitos como saída, entrada,

estabelecimento, território nacional, município e exterior estão sempre presentes e cuja aplicação, por

equivalência de conceitos, apresenta inúmeras dificuldades ou até mesmo inutilidade.

Esta questão torna-se mais difícil quando nos deparamos com a necessidade de determinar se as regras

aplicáveis aos produtos tangíveis devem também ser aplicadas aos produtos digitais. Se aplicáveis a

230 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968. p. 4.73

Page 84: Tributação dos Bens Digitais

alguns, poderão ser aplicadas a todos? Produtos digitais e seus equivalente funcionais como vídeos,

músicas, livros, revistas, fotografias geram grande fluxo de receitas transfronteiras e sua natureza

dificulta o tratamento jurídico, com a utilização das mesmas regras aplicáveis aos bens físicos.

4.3.1.2 Serviços específicos e baseados na Internet

Serviços são tributáveis, como regra geral, no local em que está a sede do prestador e em alguns casos

onde está o tomador do serviço.

A determinação dos locais físicos onde o serviço é prestado ou onde estão o tomador e o prestador é, no

caso de serviços prestados pela Internet, quase impossível, quer pela natureza, quer pela mobilidade, ou

ainda por sua interconexão ou realização em múltiplos lugares simultaneamente.

Como determinar lugares onde o serviço é prestado quando se utiliza remotamente uma base de dados?

E no caso de serviços on-line ? E quanto aos serviços automáticos?

Adicionem-se a estas questões os problemas decorrentes da relevância de se identificar ou não o local

onde está localizado o servidor de rede que executa o processamento da solicitação ou onde está o

responsável que o opera e o mantém.

Ainda em matéria de serviços será importante determinar se operações on-line, como o uso de banco de

dados ou consultas a dicionários, constituem prestação de serviços de pesquisa ou demandam

pagamento pelo uso de licenças de software (sujeitas ao pagamento de royalties).

4.3.1.3 Localização do Servidor

Um Web Site pode constituir inteiramente o próprio negócio, não ocorrendo nenhuma etapa de

funcionamento fora do ambiente de rede.

74

Page 85: Tributação dos Bens Digitais

Ocorre que o Web Site pode ser operado remotamente de qualquer ponto do planeta, permitindo toda a

contratação, o recebimento de créditos financeiros e o fornecimento de bens digitais, não havendo

qualquer razão para proximidade entre o site e seu operador ou seus responsáveis. O fato de inexistir

ato executório humano onde se localiza o site gera grandes problemas para determinação da legislação

aplicável, principalmente a fixação da autoridade competente para tributar; tendo em vista a dificuldade

de aplicação das atuais regras de solução tais como as de residência e de estabelecimento permanente.

Do mesmo modo, quando um Web Site de empresa estrangeira está hospedado em um servidor no

Brasil e conclui negócios virtuais, surge a interessante questão de saber se o lucro gerado pode ser

tributado no Brasil (v.g. artigo 147,II e III do RIR – Decreto 3.000 de 1999).

4.3.1.4 Lucro Obtido no Exterior

O contribuinte do Imposto sobre a Renda, sujeito passivo do tributo, é tributado no Brasil pela totalidade

dos lucros e rendimentos obtidos dentro ou fora das fronteiras brasileiras.

Pelas regras dispostas na Lei 9249/95, que também dispõe sobre a tributação do Imposto sobre a

Renda, o lucro obtido através de filiais e sucursais de pessoa jurídica no exterior está sujeito a

disposições diversas e a tratamento específico na determinação do lucro tributável no Brasil.

A possibilidade de um servidor de Web estar em país estrangeiro e ser operado remotamente do Brasil

gera o importante problema de se determinar se os negócios e lucros por ele processados são lucros da

empresa sediada no Brasil ou lucro de operações realizadas no exterior. Embora o tratamento final do

lucro consolidado de operações possa ser o mesmo, o certo é que a Lei 9.249/95 apresenta provisões

específicas e obrigações diferenciadas para o tratamento de um ou outro resultado.

4.3.1.5 Dupla tributação

75

Page 86: Tributação dos Bens Digitais

Com a tributação do Imposto sobre a Renda em bases mundiais, adotada pelo Brasil, ocorrem situações

de dupla tributação.

A dupla tributação ocorre, conforme Heleno Tôrres231, quando presentes concursos de pretensões

impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, em bases transnacionais, pela incidência

das normas do Estado que constitui a fonte efetiva dos rendimentos e, contemporaneamente, pelas

normas dotadas de elementos de estraneidade do Estado de residência do respectivo sujeito passivo,

uma vez que o país aplica o princípio da universalidade.

Para evitar a dupla tributação, o Brasil é signatário de vários tratados internacionais onde se busca evitá-

la ou, em alguns casos, aplica-se a técnica do tax credit previsto na Legislação interna .O crédito do

imposto pago em outro país está condicionado à sua natureza e aos termos dos tratados assinados

entre os países signatários.

Normalmente os referidos tratados contêm regras determinando qual dos países tributará certo tipo de

operação, bem como prevêem a redução de bases de cálculo ou alíquotas para certos tipos de ganhos e,

em alguns casos, o tratamento a ser dado em termos de obrigações decorrentes dessas operações.

Como o lucro gerado nessas operações não possui tratamento específico, seu enquadramento como

lucro, serviços, royalties ou aluguéis pode determinar situações de dupla tributação ou inconsistência na

aplicação da legislação pelos países signatários.

4.3.1.6 Tributabilidade das operações pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias eServiços - ICMS

A Constituição Federal confere em seu artigo 155, inciso II a competência aos estados para a instituição

do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias-ICMS e sobre prestações de serviços

de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Estruturado na Constituição anterior,

231 TÔRRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: RT, 1997, p. 372.76

Page 87: Tributação dos Bens Digitais

inicialmente sobre o conceito de mercadorias, e denominado ICM, teve agrupados e assemelhados em

estrutura na Constituição de 1988 outros tributos que figuram no mesmo artigo retro referido.

Em sua feição atual, a aplicação do ICMS constitui um grande desafio quando se trata de negócio virtual.

Imposto criado para incidir em várias etapas da circulação física de qualquer mercadoria, tendo como

seu momento de incidência a saída da mercadoria do estabelecimento traz à tona problemas

diversificados, ampliados pela circunstância de ter sido elaborado com base em ocorrências físicas e

facilmente perceptíveis. Num ambiente virtual e com produtos digitais, sua própria conformação dificulta

a absorção dessa nova realidade.

Torna-se indispensável determinar se os produtos digitais estão contidos no conceito de mercadoria, se

os sites podem ser equiparados a estabelecimentos comerciais e, portanto, se estão sujeitos, no mínimo,

ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais e, ainda, se ocorre a prestação de serviços de

telecomunicações.

No âmbito interno há que determinar se as operações realizadas através de um site localizado em

estado diferente do estado onde se encontra o consumidor podem ser consideradas ou não como

operações interestaduais.

No caso de negócio virtual envolvendo empresa no exterior, temos que determinar se o bem digital

recebido por meio de uma operação de download pode ser considerada uma importação, sujeitando-se

o bem à tributação do ICMS como bem importado do exterior na forma da Lei Complementar 87/96.

4.3.1.7 Tributabilidade pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN

77

Page 88: Tributação dos Bens Digitais

O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN, previsto no artigo 156, III da Constituição

Federal, é um dos tributos que mais exigem reflexão diante das questões geradas pelas tecnologias de

comunicação em redes de computadores.

Este tributo está estruturado em circunstâncias bastante delimitadas em matéria de espaço, pois a

competência para sua instituição e incidência é a do território do município e para os serviços nele

prestados.

Em matéria de negócios virtuais a noção de espaço praticamente inexiste, o que impede um tratamento

simplificado do problema, exigindo minuciosa análise dos seus pressupostos para determinar a

possibilidade de tributação.

Precede, todavia a necessidade de verificar se as atividades criadas pela novel tecnologia integram o

conceito de serviço e, assim sendo, se tais serviços estão compreendidos na relação de serviços que

determina os tributáveis, previstos na Lei Complementar 56/87.

Assim o ISSQN constitui um dos tributos mais suscetíveis de dúvidas e perplexidades.

4.3.1.8 Tributabilidade pelo Imposto de Importação

Os tributos sobre o comércio exterior envolvem tanto o Imposto de Importação, quanto o Imposto sobre

a Exportação, sendo ambos de competência da União Federal, conforme prevê a Constituição Federal

em seu artigo 153, I e II.

Especificamente, o Imposto de Importação recai sobre a importação de produtos estrangeiros. Resta

evidente a necessidade de determinar se a expressão produtos inclui os bens digitais, submetendo-os

aos efeitos da norma tributante.

78

Page 89: Tributação dos Bens Digitais

Do mesmo modo é indispensável a verificação da aplicação do conceito de estrangeiro para o bem de

natureza digital obtido a partir de um ponto indeterminado na rede de computadores. É comum

pensarmos em bens vindos do exterior, mas no caso dos bens digitais de onde eles são “trazidos”? É

válido o conceito de “exterior”?

Ao revés, no caso do Imposto de Exportação, devemos nos certificar se a venda de produtos digitais

implica a incidência desse tributo e ainda se as operações realizadas por um server localizado no Brasil,

mas operado remotamente do exterior implica considerar essa operação como de exportação, sendo a

venda e o lucro tributáveis no Brasil.

4.4 Problemas de Tributação na Negociação Virtual no Cenário Mundial

As dificuldades de ajustes interpretativos e legislativos para alcançar a tributação dos bens digitais têm

sido enfrentadas por todos os países.

Divide-se a doutrina mundial em dois grandes grupos; um primeiro entende que não devem ser criadas

novas figuras tributárias, mas, sim, preservar as estruturas tradicionais existentes e aplicá-las aos

negócios virtuais, seja no âmbito interno, seja no cenário internacional232. O segundo grupo defende a

necessidade de revisar os conceitos fiscais tradicionais que sempre levavam em conta a movimentação

física das pessoas e dos bens, para adaptá-los à realidade emergente, alcançando novas formas de

reconhecimento das bases econômicas e enfrentando as dificuldades de identificação e localização dos

intervenientes233.

4.4.1 Propostas de Solução Apresentadas pelos Estados Unidos e Organismos Internacionais

4.4.1.1 Os Estados Unidos da América

232 OWENS, Jeffrey. Tax and the Web: new technology, old problems. Bulletin for International Fiscal Documentation,Amsterdam, NL, n. 11-12, p. 516. 1996.

233 JUAN LEDESMA, Álvaro de. Internet y nuevas tecnologias em telecomunicaciones: nuevos retos de la fiscalidadinternacional. Madri: Impuestos, 1998. v. 2, p. 115.

79

Page 90: Tributação dos Bens Digitais

Em1996 os Estados Unidos fixaram uma política específica para o assunto, fundada em três importantes

premissas sobre como a política de tributação deveria tratar a questão da tributação dos negócios

virtuais234.

O primeiro princípio é o da neutralidade, pelo qual os negócios teleinformáticos que sejam

substancialmente similares àquelas que se realizam de forma comercial tradicional devem ser tributadas

de maneira igualmente similar. Em outros termos, não se deve dar tratamento tributário diferenciado ou

discriminado pelo simples fato de a transação ter se sido efetuada de forma eletrônica ou convencional.

A perseguição dessa regra evitaria o incentivo à troca da natureza da transação ou do local de sua

realização.

O segundo princípio é o da aplicação, quando adequado, dos atuais princípios de fiscalidade

internacional. A substituição dos atuais princípios somente deve dar-se em casos extremos, onde seja

impossível a aplicação dos princípios atuais. Como resultado desse raciocínio, adota-se que as novas

medidas fiscais implementadas devem procurar aplicar as regras que sejam familiares e reconhecíveis

pela comunidade internacional.

O terceiro princípio determina que a nova legislação a ser implementada deve ser suficientemente geral

e flexível de modo a apresentar soluções para o futuro desenvolvimento tecnológico e para as novas

formas de realizar negócios que vierem a surgir.

4.4.1.2 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE editou em 1997 uma diretiva

234 SELECTED tax policy of global electronic commerce. Washington: Department of Treasury, Office of Tax Policy, 1996.80

Page 91: Tributação dos Bens Digitais

sobre a política a ser implementada com relação às negociações virtuais235 com abordagens específicas

sobre o tema da sua tributação. Fixou expressamente a necessidade de analisar e readaptar os

diferentes conceitos e critérios utilizados até o momento em matéria de tributação internacional.

Em 1997, na Finlândia, a OCDE editou um pormenorizado estudo sobre os efeitos fiscais provocados

pelos negócios virtuais, propondo critérios orientativos que deveriam nortear reformas fiscais236 . Fixou

vários princípios que contribuiriam para solução dos problemas que se apresentam: a equidade, a

simplicidade, a segurança jurídica, a eficiência e a justiça.

Pela observância da equidade, não se deve causar distorções econômicas com a introdução dos sistemas

de negociação virtual. Pela simplicidade, busca-se que os custos administrativos com o cumprimento das

normas sejam os mínimos possíveis. A segurança jurídica significa que os sujeitos passivos devem ter

certeza dos elementos constitutivos dos impostos em um ambiente informatizado. Através da eficiência

deve ser evitada a evasão e a fraude fiscais decorrentes da introdução das novas tecnologias. Pela

justiça, a distribuição dos impostos entre os países deve ser proporcional.

Em 1998, em Ottawa, realizou-se a Conferencia Ministerial da OCDE denominada “Um mundo sem

fronteiras: obter todo o potencial do Comércio Eletrônico”. Desse encontro resultou uma resolução

conjunta abordando as “Condições do sistema de tributação do comércio eletrônico”.

As principais resoluções reafirmaram as propostas originais estabelecendo adicionalmente que os atuais

princípios tributários podem e devem ser aplicados aos negócios virtuais e que, adicionalmente, não é

necessário criar figuras tributárias novas que poderiam ser discriminatórias com relação a esses tipos de

negócios.

No que tange às administrações tributárias, estabeleceu-se que deve existir nos negócios virtuais o

mesmo nível de identificação e informação do contribuinte exigível nos negócios convencionais, embora

com emprego de métodos diferentes.

235 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. The emergence of electroniccommerce: overview of OECD´s work, OECD policy brief. Paris: OECD, 1997.

236 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. The emergence of electroniccommerce: overview of OECD´s work, OECD policy brief. Paris: OCDE, 1997.

81

Page 92: Tributação dos Bens Digitais

Com relação às incidências dos impostos sobre consumo, acordou-se que a melhor opção é a tributação

no lugar de consumo e que os produtos digitais não devem ser tratados como bens.

Foi proposta também uma revisão dos Comentários ao art. 12 do Modelo de Convenção da OCDE sobre

dupla tributação, para tratar mais claramente da forma de tributação das aquisições de software, bem

como dos royalties, salientando que não deve existir diversidade de tratamento tributário quando o

fornecimento de produtos se dá através da rede.

Estabeleceu-se também o consenso de que as normas internacionais atualmente vigentes devem ser

aplicadas bem como seus princípios, embora revisando e clarificando suas condições de aplicação.

4.4.1.3 Propostas da União Européia

A União Européia entende aplicável às transações virtuais o Imposto sobre Valor Adicionado – IVA.

Reconhece como grave problema o fato de as novas tecnologias estarem sendo utilizadas para transferir

as rendas tributáveis para lugares não alcançáveis pela tributação do IVA, apontando as dificuldades

adicionais causadas pelos diferentes tipos nacionais de aplicação desse tributo e pela redução das

possibilidades de controle dos movimentos de bens237.

Uma grande preocupação é o estabelecimento de práticas indesejáveis tais como o dumping fiscal no

âmbito da União Européia. Para evitar essa e outras práticas desleais, a União Européia emitiu a

Comunicação da Comissão ao Conselho de Ministros, ao Parlamento Europeu e ao Comitê Econômico e

Social, em 17 de junho de 1998, dispondo sobre o “Comércio Eletrônico e fiscalidade indireta”238,

propondo diretrizes gerais que “orientem um estudo mais detalhado das possibilidades de adaptar o

atual sistema IVA comunitário ao comércio eletrônico na Europa e facilitar seu desenvolvimento”.

237 INFORME [do] Comitê Econômico y Social de lãs Comunidades Europeas. Luxemburgo, n. 773, 1997.

238 SERRANO ANTÓN, Fernando. Estrategia y desarrollo de los sistemas tributários em la Unión Europea. Quincena Fiscal,Aranzadi, v., n. 9, p. 51, 1998.

82

Page 93: Tributação dos Bens Digitais

A referida comunicação indica que o IVA aplica-se a todas as entregas de bens e prestações de serviços

destinadas ao consumo dentro da União Européia, independente do meio de comunicação e da forma

comercial utilizada para efetuar a transação.

Dando formato ao tratamento tributário sugerido, a Diretriz 1a. aponta a necessidade de adequação dos

impostos existentes, não prevendo a criação de impostos novos ou adicionais. A Diretriz 2a. por sua vez,

qualifica como prestações de serviços as operações com bens e serviços que circulam pela rede,

entendendo que uma operação consistente em colocar à disposição do destinatário um produto, em

formato digital, através de rede eletrônica, deve ser considerada uma prestação de serviços tributada

pelo IVA.

Em seqüência, a Diretriz 3a. fixa uma proposta de que os serviços prestados on-line provenientes de fora

da União Européia, para particulares comunitários, estariam sujeitos ao IVA e este mesmos serviços,

quando exportados da União Européia para outros países, não estariam sujeitos ao IVA. Isso asseguraria

a neutralidade fiscal entre os fornecimentos comunitários e os não-comunitários.

Verifica-se que a Comissão assume de forma evidente o critério da territorialidade, que favorece o país

de destino239, premiando os países importadores de tecnologia. Mas reforça em suas demais diretrizes

que os mecanismos fiscais não devem desincentivar o “comércio eletrônico” e que as normas devem se

limitar ao mínimo necessário para evitar obrigações desproporcionais com vistas a facilitar o

desenvolvimento.

4.5 Breves considerações sobre as incursões feitas

Além de conceituar o objeto desse estudo, análises foram feitas que podem parecer refugir da postura

científica de descrever as normas jurídicas do Direito Positivo reguladoras do tema.

239 BUHLER, Ottmar. Princípios de Derecho internacional tributário. Madrid : De Derecho Financeiro, 1968. p. 272.83

Page 94: Tributação dos Bens Digitais

O panorama traçado, todavia, em muito se justifica. Não fosse somente pela necessidade de

compreensão do ambiente em que se insere a temática abordada, fato que por si acrescenta grande

carga de importância, pois todo discurso obedece às coerções das estruturas, construindo-se numa

relação polêmica sobre outros discursos240, mas também para que a interpretação dos textos de Direito

Positivo que se seguirão ocorra tomando em conta os elementos contextuais apresentados, facilitando a

captura intelectual de seus objetos dinâmicos241, garantindo o funcionamento adequado do mecanismo

de interpretação242.

Ademais, não se deve tomar como regra impeditiva o recurso a elementos externos à dogmática, no

exercício da Ciência do Direito. Quando se aborda o campo da Ciência do Direito, em sentido amplo,

outros elementos de análise são tolerados, sendo possível tal recurso na busca da boa compreensão do

fenômeno jurídico, tomado como a linguagem prescritiva em que se verte o Direito243.

Considerando tais premissas, os estudos avançaram pelos textos de Direito Comparado, não como

propósito específico, mas tão-somente para permitir a identificação de peculiaridades assim como

viabilizar, nas palavras de GERALDO ATALIBA, o estabelecimento de comparações que nos fornecem

critérios para reconhecer melhor as semelhanças, as diferenças e as singularidades do nosso sistema em

contraste com os demais244.

Os estudos preambulares também denotam o imenso universo de indagações e o vasto campo a ser

pesquisado.

240 FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática, 1999. p.15.

241 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 55.

242 ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. 5. ed. Tradução de J. A. Osório Mateus. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1964. p. 347.

243 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 52.

244 ATALIBA, Geraldo. (Estudo inédito sobre ICM na Constituição), apud GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre aRenda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 21.

84

Page 95: Tributação dos Bens Digitais

CAPÍTULO V

85

Page 96: Tributação dos Bens Digitais

5 A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DOS BENS DIGITAIS

O Código Civil Brasileiro possui numerosa categoria de bens. O Livro II da Parte Geral disciplina-os em

cinco capítulos diferentes:

I - Dos bens considerados em si mesmos;

II – Dos bens reciprocamente considerados;

III – Dos bens públicos e particulares;

IV – Das coisas que estão fora do comércio;

V – Do bem de família. Esta classificação pertence à linguagemdo Direito Positivo Brasileiro e portando deve ser conhecida edominada para melhor compreensão do campo deespeculação do jurista245.

As classificações possuem alto valor operativo e admitem variados critérios conforme os objetivos e

interesses daquilo que classifica. Como nós classificamos um objeto depende não somente das suas

características, mas também dos nossos interesses. Há interesses práticos em classificar cobras como

venenosas ou não, mas nenhum interesse especial, a não ser de zoólogos especializados, com relação

àquelas com maior ou menor diâmetro. Casas são classificadas de uma forma por arquitetos e de outra

nos mapas municipais de tributação. Animais são classificados de modos diferentes conforme as

profissões que deles se ocupam e pelas indústrias que os utilizam.

245 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. p. 145.86

Page 97: Tributação dos Bens Digitais

O uso de classes é exterior ao objeto classificado. O homem realiza o ato de classificar dependendo de

seus objetivos e interesses. Quando as características comuns são as mesmas, o ato classificatório não

oferece maiores dificuldades, o mesmo não ocorrendo quando os objetos possuem quase as mesmas

características. Nesta circunstância, teremos de decidir se os incluímos na mesma classe ou se

constituímos uma nova classe. Se usarmos a mesma palavra para designar classes com objetos de

características comuns, mas nem todas, estaremos explicitando sua similaridade, mas ao mesmo tempo

afastando a percepção de suas diferenças, assumindo que são coisas parecidas porque possuem o

mesmo nome. Quando usamos uma nova palavra, afastamos a identificação de suas características

comuns246. Esta dificuldade aparece sempre no ato de classificar.

Quando nominamos uma classe como coisa, a palavra usada funciona como um rótulo em um frasco. Se

o conteúdo é diferente, os rótulos devem ser diferentes, pois estes não têm importância em si mesmos,

somente indicam o que há nos frascos. O rótulo, como as palavras, é também um signo convencional.

No Direito, o ato de classificar um bem em uma determinada categoria resulta em atrair princípios que

permitem fixar de forma genérica os institutos que o regulam e as relações jurídicas que suscitam247.

Além das classificações apontadas no Código Civil, a doutrina, atendendo a um critério de utilidade,

também adota uma classificação proveniente do Direito Romano que distribui todos os bens em dois

grandes grupos: os das coisas corpóreas e o das coisas incorpóreas, tendo por premissa, segundo

GAIUS, a possibilidade de serem ou não tocadas248.

A distinção entre coisas corpóreas e incorpóreas é anterior a Cícero, baseada na filosofia estóica. Era

desconhecida pelo antigo Direito, que considerava integrante do patrimônio apenas coisas corpóreas,

não distinguindo o Direito de Propriedade as coisas que não são objeto de propriedade. No período do

Imperador Justiniano, a propriedade confundiu-se com as coisas. O Direito de Propriedade em si mesmo

246 HOSPERS, John. An introduction to philosophical analysis. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1997. p. 10-12.

247 PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. 1, p. 340.

248 GAIUS. Institutiones. Tradução de: Alfredo di Pietro. La Plata : Ediciones Librería Jurídica, 1967.87

Page 98: Tributação dos Bens Digitais

é coisa corpórea. Coisas incorpóreas são todos os outros direitos, com exceção da propriedade, igualada

ao seu objeto249.

Das coisas corpóreas ou tangíveis distinguem-se as incorpóreas ou intangíveis, que constituem os

Direitos.

Teixeira de Freitas já indicava a inadequação lógica dessa classificação ao apontar que separar, de um

lado, a coisa como objeto material sobre o qual recai o Direito, fazendo abstração do próprio Direito (res

corporales) e, do outro lado, os direitos, sem o objeto dos direitos reais, constitui evidente

inexatidão( XV ).

Mantenha-se em evidência que a doutrina jurídica clássica entende, no mais das vezes, por “bem” tudo

que nos agrada: a casa, o dinheiro, a herança, a música, o viver, as prestações que podemos exigir.

Nem tudo, porém, é bem jurídico. Só o são aqueles suscetíveis de proteção legal, que podem integrar

nosso patrimônio por terem apreciação econômica e mesmo os inestimáveis, sem expressão econômica.

Os bens distinguem-se das coisas em razão da materialidade destas: as “coisas” são materiais ou

concretas, e a expressão “bens” é aplicada para significar o que for imaterial ou abstrato. Uma mesa é

uma coisa, um direito de crédito é um bem250.

Nem todas as coisas corpóreas, todavia, observa KOHLER, compõem essa classificação em seu sentido

jurídico, pois aquelas que escapam à ação do homem, como os corpos celestes, não pertencem ao

Direito e não estão contidas nessa divisão em seu sentido estritamente jurídico251. O Código Civil

Brasileiro, todavia, não foi preciso em todas as oportunidades em que registrou estas expressões252,

tendo falhado em seu rigor técnico-científico ao não fixar o campo semântico de tais palavras.

249 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 112.

( XV ) Esboço, observações ao art. 317.

250 PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982. v. 1, p. 336.

251 KOHLER,. Jhering. Lehrbuch des buergerlichen Recht. Berlin: Heymanns, 1904.

252 KOHLER, Jhering. Lehrbuch des buergerlichen Recht. Berlin: Heymanns, 1904.88

Page 99: Tributação dos Bens Digitais

Inexistem preceitos específicos no Código Civil Brasileiro, concernentes à divisão das res corporales e

res incorporales, mas é certo que a relação jurídica pode ter como objeto uma coisa ou um bem. Neste

ponto faz-se importante ressaltar que a tangibilidade não é critério seguro para essa classificação, pois

há coisas corpóreas intangíveis, como os gases, e há bens considerados incorpóreos referidos a bens

tangíveis, como a herança.

O interesse por tal classificação residia, no Direito Romano, em determinar o que era suscetível de

posse, pois somente para à res corporales tal direito era reconhecido253.

Dada sua notória incoerência, TEIXEIRA DE FREITAS já apontava:

“... a classificação confunde todas as idéias e tem sido causade uma perturbação constante na inteligência e aplicação dasleis civis, com os erros e injustiças que daí sempre dimanam”(

XVI ).

Atualmente o interesse prático nessa distinção consiste no fato de que as coisas corpóreas se transferem

pela tradição - como a compra e venda e a doação - e os bens incorpóreos pela cessão254.

Por não decorrer da análise de dispositivos do Direito Positivo, a referida classificação não atende às

exigências de um discurso jurídico dogmático e como tal é inadequada para servir de base à sustentação

de enunciados científicos no campo da Ciência do Direito, não se podendo olvidar, porém, que, por sua

longa tradição e incorporação à doutrina, é útil para trazer esclarecimento à compreensão das relações

de direito e por isso não deve ser repelida255.

Tomando-a por base, com as ressalvas acima apontadas e pela circunstância de que no campo deste

estudo a referida classificação tem retornado ao debate para compreensão da tributação dos bens

digitais vamos assumi-la como parte da análise e fundamento do discurso.

253 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 112.

( XVI ) Esboço, comentário ao art. 317.

254 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. p. 146.

255 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Rio, 1980. p. 172.89

Page 100: Tributação dos Bens Digitais

Neste campo de referência, vejamos como podem ser classificados os bens digitais.

Longe da busca da essência das coisas em si mesmas, preocupação não presente na linha de

fundamentos retóricos do presente trabalho256, importa-nos saber em que consistem, no campo jurídico,

os referidos bens.

A Lei 9.609, de 18 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a proteção de propriedade intelectual de

programa de computador, sua comercialização no País, e dá outras providências, dispõe em seu artigo

1o. e 2o. que:

“Art. 1o. Programa de computador é a expressão de umconjunto organizado de instruções em linguagem natural oucodificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, deemprego necessário em máquinas automáticas de tratamentoda informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentosperiféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.

Art. 2o. O regime de proteção à propriedade intelectual deprograma de computador é o conferido às obras literárias pelalegislação de direitos autorais e conexos vigentes no País,observado o disposto nesta lei.

§1o. Não se aplicam ao programa de computador asdisposições relativas aos direitos morais, ressalvado, aqualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidadedo programa de computador e o direito do autor de opor-se aalterações não-autorizadas, quando estas impliquem emdeformação, mutilação ou outra modificação do programa decomputador que prejudiquem a sua honra ou a suareputação”.

Temos aqui uma definição produzida por norma legal. É preciso assinalar que existem diferenças entre a

“norma definitória” e a definição. Enquanto a primeira se introduz como norma de estrutura, como ato

enunciador, a definição é enunciado, produto desse ato. Da enunciação resulta o enunciado257. Como

enunciado normativo, a compreensão de seu sentido é condição necessária para que se alcance o

256 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 204.

257 FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. São Paulo: Ática, 1999. p. 31.90

Page 101: Tributação dos Bens Digitais

objetivo da norma que é motivar a conduta de seus destinatários. A edição de normas pressupõe uma

comunidade lingüística à qual pertencem seus destinatários e que possam compreender seu significado.

Demonstramos que a determinação do sentido e o alcance de uma norma é tarefa que se opera no

campo conjuntural das dificuldades da linguagem, como a vaguidade e a ambigüidade de seus termos, e

que o sentido é um dado construído pelo agente cognoscente, tomando em conta os níveis sintático,

semântico e pragmático dessa linguagem. O ponto de partida de qualquer interpretação é a expressão

como entidade, já carregada das contingências do sistema semiótico (intertextual) predefinido com seus

conteúdos preexistentes ao nosso léxico258, partindo em seguida para suas conexões sintáticas e

contextuais, sendo o sentido uma função do todo em que os enunciados aparecem259. Importa dizer que

se o sentido depende desse ato interpretativo, uma interpretação diferente confere outro sentido e, se

este foi modificado, modificou-se a norma. Afere-se a identidade de uma norma pela identidade de

sentidos e não pela identidade dos signos lingüísticos que a mesma provém.

Quando o legislador formula uma definição, isto indica que compreendeu a necessidade de aclarar os

significados, reduzindo o campo de incertezas, selecionando possibilidades e controlando as

contingências das expectativas selecionadas, de modo a assegurar o cometimento jurídico decorrente da

institucionalização de um conteúdo260.

Por tal razão, as definições legais atuando sobre a base de significações existentes são sempre

estipulativas e não meramente informativas261, pois não pretende o legislador informar sobre os usos da

expressão comunicada, mas, sim, estipular o significado das expressões utilizadas no texto normativo.

Dentre os vários objetivos que uma definição legal pode perseguir, ressalta o de conferir maior precisão

a um termo, restringindo seu alcance ou introduzindo um termo que não tem uso determinado na

linguagem comum. Independente de qual seja o caso, todas as definições legais servem para identificar

258 ECO. Humberto. Kant e o Ornitorrinco. Tradução de Ana Thereza B. Vieira. Rio de Janeiro: Record, 1998. p. 234.

259 ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000. p. 146.

260 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1990. p.106.

261 COPI, Irving. Introducción a la Lógica. Buenos Aires: Eudeba, 1962. p. 100.91

Page 102: Tributação dos Bens Digitais

as normas em que figuram os termos definidos e assim determinar as normas a serem usadas. A

definição legal encerra um critério de identificação de outras normas, obrigando todos a identificar as

normas que com a definição fazem conexão, a partir da definição elaborada, e a utilizar as definições

legais para tal fim( XVII )262.

Nas definições não se usam certas palavras para referir-se a determinadas condutas com o fim de

regulá-las, mas certas palavras são utilizadas para indicar o sentido de outras palavras que se

mencionam, mas não se usam. Definem-se palavras e não as coisas referidas por esses termos.

Como as definições explícitas, caso do artigo 1o. da Lei 9.609, podem ser completas, quando há

equivalência entre o definiendum (o que se pretende definir) e o definiens (as palavras que se usam

para indicar o sentido do definiendum) ou parciais, quando não se pretende dar todo o significado do

definiendum, mas tão-somente de uma parte. Se tivermos uma implicação é preciso determinar se a

referida definição é do primeiro ou do segundo tipo.

Levando em consideração que estamos tratando de tema ligado ao universo tecnológico, cuja natureza

incorpora as notas da evolução contínua, mutação, diversidade e velocidade de novas descobertas, é

certo que o pressuposto para todo ato interpretativo é obter, como resultado, uma interpretação

produzida de forma extensiva263, dado que o domínio de aplicação deste conceito é descritivo e não

normativo, no dizer de ENGISH264. Assim, na função de identificação de normas, as referentes a

softwares, embora não contenham todas as características elencadas na definição, devem possuir

características suficientes que permitam reconhecer o definiendum. Isto não significa que todas as

características expressadas sejam essenciais e nem que cada uma delas seja suficiente por si só para

( XVII ) Ressalvo que para ALCHOURRÓN, Carlos E. A.; BULYGIN, Eugenio (Definicione y normas in el lenguaje delderecho. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1983. p. 26.), as definições não são normas de conduta e nem regras técnicas não seutilizando do conceito de normas de estrutura.

262 ALCHOURRÓN, Carlos. E A..; BULYGIN, Eugenio. Definicione y normas in el lenguaje del derecho. Buenos Aires:Abeledo Perrot, 1983. p. 26.

263 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1990. p.276.

264 ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6. ed. Tradução de J.Baptista Machado. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1988. p. 189-212.

92

Page 103: Tributação dos Bens Digitais

definir o definiendum265. Esta afirmação está fundamentada, também, no fato de que as circunstâncias

do campo de aplicação não possuem, de forma definitiva, um uso lingüístico que prevaleça na

comunidade jurídica, ou seja, inexiste uma assentada referência semântica da proposição266.

Os bens digitais, conceituamos, constituem conjuntos organizados de instruções, na forma de linguagem

de sobrenível( XVIII ), armazenados em forma digital, podendo ser interpretados por computadores e por

outros dispositivos assemelhados que produzam funcionalidades predeterminadas. Possuem diferenças

específicas tais como sua existência não-tangível de forma direta pelos sentidos humanos e seu trânsito,

por ambientes de rede teleinformática, uma vez que não se encontram aderidos a suporte físico.

As instruções estão organizadas por algoritmos. Algoritmo é “a descrição de um comportamento,

expresso em termos de um repertório bem definido e finito de ações primitivas”, as quais damos por

certo que podem ser executadas”267.

Feitas essas digressões, podemos afirmar que os bens digitais constituem software sem suporte tangível,

sendo-lhes aplicáveis todas as normas em que a referida definição seja encontrada. Evidencio que as

expressões “contida em suporte físico de qualquer natureza”, usadas pelo legislador ao dispor no artigo

1o. da Lei 9.609 sobre o tema, não colidem com a afirmação feita, pois não negamos uma forma de

existência corpórea qualquer para os bens digitais, mas tão-somente sua intangibilidade direta pelos

sentidos humanos.

265 ALCHOURRÓN, Carlos. E. A.; BULYGIN, Eugenio. Definicione y normas in el lenguaje del derecho. Buenos Aires:Abeledo Perrot, 1983. p. 268.

266 ROSS, Alf. Tu-Tu. Tradução de Genaro Rubén Carrió. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1976. p. 10.

( XVIII ) O computador opera com as instruções transmitidas em linguagem de baixo nível, que é a linguagem capaz de serinterpretada pela máquina. As linguagens são de alto ou baixo nível conforme sua maior ou menor proximidade com a linguagemhumana. É de alto nível as que são próximas da linguagem humana e de baixo nível as que são distantes, mas mais próximas dalinguagem da máquina.

267 GUIMARÃES, Ângelo de Moura; LAGES, Newton A. Castinho. Algoritmos e estruturas de dados. Rio de Janeiro: LTC, 1985.p. 4.

93

Page 104: Tributação dos Bens Digitais

Os sinais digitais( XIX )268, aspecto componente dos signos que os representam em sua dimensão de

“representamen”, na acepção que lhe empresta PIERCE, ou seja, matéria que serve como signo para o

receptor, ao lado do “objeto” referente, isto é, do que se quer representar, e ao “interpretante” que é o

pensamento, a imagem criada na mente do intérprete, não podem ser sentidos, percebidos diretamente

pelo homem. Exigem um interpretante mediato que possa decodificá-los e apresentá-los de maneira

perceptível, de forma direta aos sentidos humanos.

O computador funciona, neste aspecto, como um interpretante cibernético, fato que não o

descaracteriza como tal. De acordo com SANTAELLA:

“...o intérprete e o ato interpretativo não precisam sernecessariamente humanos”; “...é possível tratar-se, porexemplo, de um processo cibernético, podendo essa noçãoabranger também qualquer equipamento capaz de receber etraduzir algo em signo”. Sob esse critério, o interpretante podeser classificado como imediato (humano) ou mediato(cibernético)( XX )269.

Tomado este pressuposto, constituem software ou programa de computador, que em termos semióticos

são “legi-signos” altamente codificados, ou seja, considerados signos no que diz respeito ao poder que

lhes é próprio, o de agir semioticamente, isto é, de gerar signos interpretantes270, todos os bens

fornecidos pela rede, os quais, por questões comerciais e técnicas a que se emprestou o jargão

“transparência e amigabilidade”, são apresentados em formatos e visualizações que imitam o objeto

físico, real, material ou que produzem os mesmos efeitos em nossos sentidos. Em termos semióticos,

apresentam-se como ícones ou índices. Dentre os mais diversos programas de computador que

cumprem esse papel, podemos enumerar as fotografias digitais, a música transferida por meio digital, os

( XIX ) La digitalización es um término técnico que se aplica al proceso por el cual se traduce de um código complejo de cualquier tipo a um código binário, quees muy sencillo porque emplea unicamente combinaciones de 0 y 1 (bits) de determinada longitud. (SANDOVAL, Antonio Moreno. Lingüísticacomputacional. Madri: Sintesis, 1994. p. 23.).

268 SANDOVAL, Antonio Moreno. Lingüística computacional. Madri: Sintesis, 1994. p. 23.

( XX ) SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração, apud SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Imunidadetributária como limite objetivo e as diferenças entre “livro” e “livro eletrônico. In: MACHADO, Hugo de Brito. (coord.).Imunidade tributária do livro eletrônico. São Paulo, 1998. p. 54. Insta registrar que a edição traz, ao que parece, uma imprecisão,pois, cita o interpretante humano como mediato e o cibernético como imediato, o que à evidência, mostra inversão dos termos. Portal razão já o apresentamos escoimado dessa imprecisão. A expressão imediato também não traz aqui o sentido emprestado porSantaella em “Teoria geral dos signos” onde refere-se a uma das três possibilidades em que o interpretante pode estar a funcionar nosigno.

269 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Imunidade tributária como limite objetivo e as diferenças entre “livro” e “livro eletrônico. In:MACHADO, Hugo de Brito. (coord.). Imunidade tributária do livro eletrônico. São Paulo, 1998. p. 54.

270 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995.94

Page 105: Tributação dos Bens Digitais

livros eletrônicos, as enciclopédias multimídia, os jogos, os desenhos técnicos, os mapas eletrônicos, as

pinturas em museus virtuais, etc. É evidente que, embora os nomes que designam tais bens sejam os

mesmos para os objetos reais, definem objeto completamente diverso. Essa alquimia digital e sua

compreensão inexata talvez sejam as verdadeiras fontes dos equívocos nas análises empreendidas sobre

o tema.

Em sua natureza como bem digital tanto o “livro” quanto a “música” são compostos da mesma matéria:

seqüência de bits.

5.1 Regime Jurídico Aplicável aos Bens Digitais

Como software, os bens digitais atraem para si as normas que respeitam ao seu regime jurídico

específico271, o do Direito Autoral, conforme preceitua o mencionado artigo 2o. da Lei 9.609 ao dispor:

“O regime de proteção à propriedade intelectual de programade computador é o conferido às obras literárias pela legislaçãode direitos autorais e conexos vigentes no País, observado odisposto nesta lei.

§1o. Não se aplicam ao programa de computador asdisposições relativas aos direitos morais, ressalvado a qualquertempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade doprograma de computador e o direito do autor de opor-se aalterações não-autorizadas, quando estas impliquem emdeformação, mutilação ou outra modificação do programa decomputador que prejudiquem a sua honra ou a suareputação”.

Tomados como bens, protegidos e reconhecidos como direitos intelectuais, possuem os bens digitais

regime jurídico próprio. Na divisão tripartite clássica - direitos pessoais, da pessoa em si e no meio

familiar; direitos obrigacionais, da pessoa com outras pessoas, no circuito negocial; e direitos reais, da

pessoa com a coletividade, em função das diferentes coisas (bens então existentes) -, os direitos

intelectuais não estavam presentes. Somente após a teses de Edmond Picard em 1877, os direitos

intelectuais foram considerados.

271 Os regimes jurídicos são efeitos, não causas. Neste sentido SANTI, Eurico Marcos Diniz de. As classificações no sistematributário brasileiro, Justiça Tributária, 1o. Congresso Internacional de Direito Tributário – IBET, São Paulo, Max Limonad, 1998,125.

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Page 106: Tributação dos Bens Digitais

No Brasil, a Constituição Federal gizou garantia constitucional específica, tratada no artigo 5o, inciso

XXVI, assegurando aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras,

bem como sua transmissibilidade aos herdeiros.

Possuindo regime jurídico específico, as questões que envolvem o software devem ser realizadas

tomando por pressuposto inafastável as normas do Direito Positivo que traçam seu regime peculiar,

preponderantemente a Lei 9.609/98 que trata da proteção da propriedade intelectual do programa de

computador, e a Lei 9.610/98 que consolida as regras relativas aos direitos autorais.

Direitos intelectuais (jura in re intelectuali) são aqueles referentes às relações entre as pessoas e as

coisas (bens) imateriais que criam e trazem a lume, vale dizer, entre os homens e os produtos de seu

intelecto, expressos sob determinadas formas, a respeito dos quais detêm verdadeiro monopólio272.

É indisputável a necessidade de que o ordenamento jurídico consagre ao titular o direito exclusivo de

gozo e exploração. As coisas corpóreas, pela sua própria natureza, não podem ser objeto de apropriação

simultânea por outrem, mas isto não é impossível quando os bens são imateriais. Não é possível que

duas pessoas sejam titulares ao mesmo tempo de igual direito real, pois a sujeição passiva única que o

caracteriza faz com que o direito de uma exclua o direito das demais. No campo dos direitos imateriais,

é possível que dois homens diferentes criem o mesmo bem e o expressem da mesma forma, passando a

possuir direitos sobre bens intelectuais idênticos. Não é suficiente, portanto, a apropriação para garantir

o gozo exclusivo, como acontece nos bens materiais, tornando necessário que o sistema jurídico confira

ao titular a exclusividade de direito, evitando a exploração por outrem273.

Nas obras intelectuais há completa dissociação entre a criação e o objeto em que se inscreve ou se

concretiza, sendo protegida mesmo que não concretizada em um suporte, coisa material. Isto acarreta

importantes conseqüências, sendo a principal o reconhecimento de que no campo do direito de autor

272 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p. 2.

273 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Proteção jurídica do software: eficácia e adequação. Porto Alegre: Síntese, 1988. p. 30.96

Page 107: Tributação dos Bens Digitais

quem tem a res não tem senão direito sobre o corpus, continuando a obra sob a esfera de atuação do

autor274. O autor exerce direitos de cunho intelectual, que não se incluem nas categorias dos direitos

reais, onde se encontram os direitos denominados patrimoniais, ou na dos direitos pessoais, em que se

alojam os direitos morais, sendo modalidade específica e diversa do pretenso englobamento nas

categorias históricas e tradicionais275.

Embora toda obra intelectual possa ter reconhecidos dois diferentes aspectos, os direitos patrimoniais e

os direitos morais, esta secção atende somente aos objetivos da circulação jurídica dos primeiros, sendo,

todavia, sempre considerados conjuntamente, inseparáveis por definição. No caso específico do

software, a própria lei que lhe conferiu o status de obra protegida pelo direito do autor, categoria

aplicada somente aos bens que cumpriam finalidades estéticas – embora possam atingir resultados de

exteriorização material em possíveis usos industrial e comercial, como por exemplo, a fotografia, sem

qualquer modificação da sua condição - e não aos utilitários (aos quais se aplica o regime da

propriedade industrial), afastou a aplicação integral das características intrínsecas ligadas aos direitos

morais, mantendo, todavia, íntegra a aplicação dos regimes e características da circulação dos direitos

patrimoniais.

Como todo direito intelectual, a criação, para receber proteção legal, deve ser exteriorizada. Por

evidência, para o que reside somente na mente do autor, no campo de suas elucubrações, e que não

venha compor o mundo físico, em qualquer forma perceptível aos sentidos, não está prevista proteção

no campo do Direito Autoral.

A obra, como corpus misticum, deve estar concretizada em um suporte material, corpus mechanicum, a

não ser nos casos em que sua comunicação seja sonora ou visual, onde se faz presente e se exaure em

seguida à própria criação. Esta forma de separação afasta a aplicação da antiga divisão romana dos

direitos em pessoais, de obrigação e reais, a qual parecia esgotar toda a matéria jurídica, pois não se

274 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Proteção jurídica do software: eficácia e adequação. Porto Alegre: Síntese, 1988. p. 5.

275 DINIZ, Maria Helena. (Curso de direito civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 4, p. 225.) aponta as opiniões de Jhering,Kohler, Dernburg e Ahren onde os mesmos apontam os diretos morais e patrimoniais como duas prerrogativas distintas de ummesmo direito.

97

Page 108: Tributação dos Bens Digitais

concebia que os frutos da inteligência pudessem ser objeto de direitos. Não admitiam os romanos que o

pensamento por si mesmo pudesse ser suscetível de proteção legal e só consideravam a propriedade da

sua realização em um corpo material (manuscrito, quadro, estátua e outros tipos de trabalho), não

havendo distinção, ainda, entre o corpus mechanicum e o direito sobre a criação intelectual nele

incorporada276.

Afastados pelo legislador os direitos morais, vínculos perenes que unem o criador à sua obra para

realização da defesa de sua personalidade, de natureza pessoal, inalienáveis, imprescritíveis e

impenhoráveis, despontam dotados de plena aplicação aos bens digitais os direitos patrimoniais.

Direitos patrimoniais são aqueles referentes à utilização econômica da obra, por todos os processos

técnicos possíveis. Compõem um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário, nascidas com a obra e

que se manifestam com sua comunicação ao público, onde qualquer exploração econômica, sob

qualquer modalidade, está submetida à sua vontade e autorização expressa.

A circunstância de os softwares poderem ser submetidos a registro não afasta o reconhecimento das

características essenciais do regime de Direito Autoral, mas o singulariza. O registro feito não tem

natureza constitutiva, mas tão-somente efeito declaratório. Esse regime específico não protege a idéia

do autor, mas a forma pela qual ela se exterioriza e se apresenta ao público277.

5.2 Exploração Econômica e Formas de Comunicação dos Bens Digitais

São características básicas do regime de Direito Autoral, aplicável aos direitos patrimoniais relativos aos

softwares, por força do artigo 2o. da Lei 9.609, que determina a aplicação do regime que veio a ser

instaurado pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, o cunho real ou patrimonial (da relação direta com

a obra); o caráter de bem móvel (que permite a disposição pelos meios possíveis); e a alienabilidade e

temporaneidade.

276 CHAVES, Antônio. Criador da obra intelectual: direito de autor, a natureza, importância e evolução. São Paulo: LTr, 1995. p.41.

277 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 139.98

Page 109: Tributação dos Bens Digitais

Como os direitos patrimoniais são independentes entre si, consagra o artigo 31 da Lei N° 9.610/98 a

regra da divisibilidade desses direitos, podendo cada qual ser utilizado pelo autor como lhe aprouver e

negociar com pessoas diferentes de forma exclusiva ou não, integrando o patrimônio do autor todas as

receitas produzidas pelo uso econômico do bem.

A exploração econômica do bem no regime de Direito Autoral ocorre por variados processos,

constituindo cada uso uma forma autônoma de exploração, com suas correspondentes prerrogativas

patrimoniais. A comunicação de um bem protegido por Direito Autoral pode ser feita conforme seu

modo de comunicação ao público, de maneira direta, quando incorpórea ou imaterial, ou de forma

indireta, sob a forma corpórea ou material.

Considera-se a transmissão direta aquela na qual a própria obra é apresentada ao público, como ocorre

na recitação pública, na execução lírica, na difusão de sons e imagens, na representação teatral, etc.

Quando da exploração dos direitos patrimoniais sob essa forma, consideramos como exercício dos

direitos de representação.

A comunicação indireta ou transmissão indireta ocorre quando se reproduz a obra por meio de fixação

material, com o concurso de exemplares (cópias), como, por exemplo, na impressão, no desenho, na

fotografia, nos processos de artes gráficas e artes plásticas, etc., ou, até mesmo, na forma de sinais de

satélites, os quais terminam igualmente por transportar criações intelectuais estéticas. Quando da

exploração dos direitos patrimoniais sob essa forma, qualificamos como exercício dos direitos de

reprodução278.

A Lei 9.610/98 em seu artigo 7o. dispõe que “...são obras intelectuais protegidas, as criações de espírito,

expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que

se invente no futuro, tais como:...Inciso XII – os programas de computador.” Acrescentando o parágrafo

278 MANSO, Eduardo Vieira. Direito autoral. São Paulo: José Bushatsky, 1980. p. 41.99

Page 110: Tributação dos Bens Digitais

primeiro: “Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições

desta Lei que lhe sejam aplicáveis”.

Dúvida não remanesce, portanto, de que os bens digitais em sua intangibilidade, não-acoplados a um

corpus mechanicum, mas exteriorizados por seu autor, constituem bens intelectuais cujos direitos

patrimoniais podem ser explorados, exercitando-se os direitos de reprodução.

Para compreender o direito de reprodução, importante na análise empreendida sobre bens digitais, a

disposição do artigo 5o., inciso VI da Lei 9.610/98 que estabelece:

Artigo 5o. Para efeitos desta Lei, considera-se:...omissis

VI – reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de umaobra literária, artística ou científica ou de um fonograma, dequalquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamentopermanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualqueroutro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;

Direitos de reprodução são aqueles pelos quais se coloca a obra em circulação, à disposição do público,

na forma, local e tempo que o autor desejar, podendo fazê-lo a título oneroso ou gratuito (artigo 30 da

Lei 9.610/98 - LDA), sendo que o referido direito somente poderá ser exercido mediante autorização

prévia (artigo 29) e interpretado como concedido de forma restritiva (artigo 31). Necessário se faz

ressaltar que se encontra incluído como forma de reprodução o armazenamento permanente ou

temporário por meios eletrônicos, típica operação realizada nas transações com bens digitais ( XXI )279.

A circulação econômica de bens digitais é, portanto, típica atividade de reprodução de obra protegida

pela Lei de Direitos Autorais.

Ilustra bem essa afirmação a circunstância freqüentemente presente de se realizar o download de um

bem digital no disco rígido de um computador pessoal para sua efetiva utilização.

( XXI ) Conclusão muito parecida chegou André Bertrand ao analisar a colocação de um código-fonte na memória de um computador(Bertrand, André. A proteção jurídica dos programas de computador. Tradução de: Marco Antonio Costa Souza e ManuelLopes Rocha. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 75. Original francês.).

279 Bertrand, André. A proteção jurídica dos programas de computador. Tradução de: Marco Antonio Costa Souza e ManuelLopes Rocha. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 75. Original francês.

100

Page 111: Tributação dos Bens Digitais

Por outro lado, como prevê o artigo 37 da Lei de Direitos Autorais, a aquisição de um exemplar, ou

mesmo do original de obra protegida, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais

pertencentes ao autor, a não ser em condições contratualmente ajustadas ou em exceções previstas na

própria lei.

Assegurado ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua obra, conforme prevê o artigo 28

da Lei 9.610/98, e assim explorá-la economicamente por todas as formas possíveis e futuras, tais são

igualmente os direitos do criador de um bem digital.

Há uma importante peculiaridade digna de nota: Os bens digitais além de poderem ser comunicados de

forma indireta, no exercício do direito de reprodução, também podem ser comunicados de forma direta,

num modelo que pode ser equiparado aos direitos de transmissão ou emissão previstos no inciso II do

artigo 5o. da Lei 9.610/98 que estabelece:

“Art. 5o. Para os efeitos dessa Lei, considera-se”:“II- transmissão ou emissão – a difusão de sons ou de sons eimagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélites;fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outroprocesso eletromagnético;” ·

O fato é que muitos softwares podem ser utilizados pelos usuários sem qualquer tipo de fixação nos

próprios computadores. Ou seja, é possível a utilização sem a realização de uma cópia (download) pela

Internet. As informações transmitidas são mantidas na memória RAM (Read Access Memory) de maneira

volátil, ou seja, somente durante o seu uso, desaparecendo quando o computador é desligado ou a

conexão é terminada.

Nesse caso a transmissão do bem digital pode ser considerada como ocorrida ao abrigo do regime dos

chamados direitos conexos280. Na definição de BITTAR, direitos conexos são “os direitos reconhecidos, no

plano dos direitos de autor, a determinadas categorias que auxiliam na criação ou na produção ou,

280 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Proteção jurídica do software: eficácia e adequação. Porto Alegre: Síntese, 1988. p. 43.101

Page 112: Tributação dos Bens Digitais

ainda, na difusão da obra intelectual”281. O artigo 89 e seguintes da Lei 9.610/98 traz as disposições

que dão o contorno desses direitos.

Interessam-nos, neste ponto, os direitos elencados no artigo 95 da Lei 9.610/98, que estabelecem os

direitos das empresas de radiodifusão no que se refere à proteção de suas emissões. Assegura o

referido dispositivo o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução, bem

como a comunicação de obras protegidas ao público. Assumindo que os bens protegidos e o alcance das

proteções estabelecidas na Lei de Direitos Autorais são exemplificativos282 (artigo 7o.) e que os avanços

tecnológicos influenciam em muito esse campo especial do Direito, que busca fundamentalmente

garantir a criatividade e a expressão do pensamento humano, não se pode deixar de concluir que a obra

protegida, quando apresentada ao público por diferentes meios de tecnologia, está, irremediavelmente

ao abrigo da referida lei. Parece indubitável, por exemplo, que a empresa transmissora de programação

musical pela Internet goze da mesma proteção e regime jurídico autoral a que tem direito aquele que o

faz por meio de ondas de rádio (radiodifusão-artigo 7o., XII da Lei de Direitos Autorais) ou, então, que

as empresas que transmitem imagens pela Internet devam ter direito ao mesmo tratamento jurídico

dado às que transmitem as mesmas imagens pela televisão (artigo 95 da Lei de Direitos Autorais).

Tais considerações levam à imediata conclusão de que na comunicação de um bem digital de forma

direta pela Internet estão presentes não só os direitos do autor do software, como também os direitos

daquele que o transmite. No primeiro, os direitos de autor sobre a obra, no segundo caso os direitos

conexos sobre a transmissão (efetivada pela conexão dos computadores na rede). Não foram diferentes

as conclusões da doutrina ao analisar a novel introdução da transmissão de imagens e sons pela TV por

assinatura, como à época se apontou283.

5.3 Negócios Jurídicos Realizados com Bens Digitais

281 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 152.

282 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 31.

283 BITTAR, Carlos Alberto. A comunicação por satélite e o direito de autor. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 93, n. 277, 1997.102

Page 113: Tributação dos Bens Digitais

Como já tivemos oportunidade de enfatizar, os programas chamados programas-fonte, programas-

objeto, os aplicativos e os arquivos gerados, em linguagem de qualquer nível, são todos softwares. Não

ocorre senão verdadeira impropriedade afirmar que recebemos pela Internet um “livro”, ou que através

dela compramos música de “um CD” ou que remetemos uma “fotografia” ou que enviamos “flores” ou

“cartões” para alguém. A incompreensão dos temas ligados ao campo da Internet está não só no

desconhecimento da face tecnológica, mas também no uso inadequado da terminologia técnica e na

extensão de sentidos de palavras e expressões que buscam recobrir realidade bastante diversa da que

lhes cunharam o sentido inicial. O desacordo verbal é fonte de desentendimento, e, também, de

disputas que se estendem exclusivamente por razões de conteúdo semântico.

Esta dificuldade é própria da contingência humana no uso da linguagem. O ser humano comunica-se

intensamente pelo uso da palavra usando milhares delas em conexões altamente complexas para

comunicar pensamentos abstratos e para comunicar seu campo de realidade. Todavia, o campo da

realidade é tão vasto que, embora não-infinito é certamente indeterminável. Mas o número de palavras

é finito e extremamente pequeno se comparado com o campo a ser recoberto. Muitas coisas não

contam com uma palavra específica o suficiente para descrevê-las. Mas com as palavras podemos dizer

tudo que o queremos e para tanto usamos variados recursos, principalmente classes e tipos.

Para enquadrar algo em uma classe, utilizamos o recurso que consiste em abstrair certas qualidades,

ressaltando as semelhanças e desconsiderando as diferenças. Assim, no lugar de existir uma palavra

para cada coisa, há uma palavra para várias coisas, para um grupo de coisas baseadas na similaridade.

Desconsideramos a individualidade das coisas e atribuímos um mesmo nome a coisas que contém

diferenças individuais, embora tenhamos consciência de que não são exatamente as mesmas, fenômeno

denominado por Heraclito (540-480 A. C.) “falácia do coletivo”. Isto causa um curioso efeito reflexo:

embora as coisas apresentem diferenças, pelo fato de serem designadas pelo mesmo nome somos

levados a acreditar que estamos falando do mesmo objeto284. Esta falácia certamente se encontra na

base de grande parte dos problemas atualmente.

284 HOSPERS, John. An introduction to philosophical analysis. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1997. p. 11.103

Page 114: Tributação dos Bens Digitais

Nas línguas conceituais o significado atribuído às formas auditivas ou visuais (fala e escrita) se perfaz de

maneira convencional. Todos os símbolos são convencionais e artificiais285.

Devido à semelhança visual apresentada pelo interpretante utilizado, olhamos para um monitor de vídeo

e dizemos: “veja esta fotografia” ou “estou consultando um livro” ou “esta pintura é magnífica” ou

“gostei muito do cartão que recebi”. Não nos damos conta de que estamos diante de objeto

absolutamente diverso do significado semântico referido por tais palavras e expressões. Não estamos

em contato com uma fotografia, um livro, uma pintura ou um cartão, mas experimentamos estímulos

em nossos sentidos gerados por ícones que nos remetem ao objeto do mundo físico com os quais

estamos habituados a lidar. Na tríade de PEIRCE, que diz respeito ao signo em si mesmo (quali-signo,

sin-signo e legi-signo), os computadores estão como legi-signos assim como os softwares são legi-signos

altamente codificados, estrutura seqüencial de algoritmos como norma executável para estabelecer um

certo efeito desejado e que funciona para obter-se solução de um certo tipo de problema286, enfim,

modelos matemáticos complexos em que se constituem os processos tradutórios encapsulados na

própria máquina, que revertem a ordem do inteligível para a ordem do sensível, nas imagens e sons que

se projetam287, criando os componentes do chamado “mundo virtual”. É de PEIRCE a afirmação que:

“...o mundo real não pode ser distinguido de um mundo fictíciopor nenhuma descrição. Nada, a não ser um signo dinâmicoou indicial pode realizar tal propósito”288.

Revisitamos o conceito de que os bens digitais são softwares em suas funcionalidades e dentro do

ambiente de rede, apoiando-nos para assim conceituá-los na técnica de apresentação para fins

exclusivamente sistemáticos usada pelo Direito, consistente na entabulação de conceitos sem referência

semântica independente289.

285 ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de: Edson Bini. Bauru: EDIPRO, 2000. p. 140.

286 GUIMARÃES, Ângelo de Moura; LAGES, Newton A. Castinho. Algoritmos e estruturas de dados. Rio de Janeiro: LTC, 1985.p. 5.

287 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 139.

288 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 159.

289 ROSS, Alf. Tu-Tu. Tradução de Genaro Rubén Carrió. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1976. p. 42.104

Page 115: Tributação dos Bens Digitais

Ao criador de bens digitais, como programas de computador que são, sejam programas-fonte,

programas-objeto, aplicativos( XXII )290, ou dados gerados ou operados pelos primeiros, são assegurados,

de forma exclusiva, o exercício e a exploração econômica dos direitos patrimoniais que, como autor, a lei

lhe garante291.

Os bens digitais podem, portanto, ser objeto de variados negócios jurídicos. Como obras intelectuais,

esses bens podem ser, na exploração dos direitos patrimoniais, licenciados para uso, locados ou cedidos,

como preconiza o artigo 49 da Lei de Direitos Autorais.

Há verdadeira impropriedade esculpida na Lei 9.609/98 ao dispor no parágrafo 5o. do artigo 2o a

previsão da compra e venda como forma de transferência da cópia de programa. Erro típico das

impropriedade do legislador, em sua linguagem permeada por atecnias, deficiências e ambigüidades

resultantes da formação socialmente heterogênea do parlamento que resulta no que CARVALHO

registrou como “desarrumação heterogênea dos textos do Direito posto”292.

É que os direitos intelectuais não podem ser objeto de venda, vez que o direito titularizado pelo autor diz

respeito à criação e utilização da obra e não ao corpus mechanicum no qual se exterioriza. Não é

possível falar em tradição, pois não estão presentes os pressupostos essenciais deste ato jurídico, ou

seja, o uso, o gozo e a fruição, vários direitos do autor, e, no caso de software, do autor-desenvolvedor,

não são alienáveis293. O eventual objeto, res, protegido pelo direito do autor, este sim pode ser objeto

de compra e venda (atividade de distribuição – artigo 5o., IV da Lei de Direitos Autorais), como coisa

( XXII ) Por programa fonte entende-se a lista das instruções que compõem o programa e programa objeto é o registro ou transcriçãoem código binário, em fita, disco ou disquete magnético ou dentro de uma memória do tipo ‘ROM”do programa fonte de umprograma. Muitos vêem no programa objeto apenas uma nova forma, de certa maneira uma tradução do programa-fonte em umalinguagem codificada magneticamente. Aplicativos são programas capazes de tratar um problema determinado (contabilidade,processamento de texto, concepção assistida por computador). Os vídeo-games são aplicativos (Bertrand, André. A proteçãojurídica dos programas de computador. Tradução de: Marco Antonio Costa Souza e Manuel Lopes Rocha. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1996. p. 65-78.. Original francês.).

290 Bertrand, André. A proteção jurídica dos programas de computador. Tradução de: Marco Antonio Costa Souza e ManuelLopes Rocha. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 65-78.. Original francês.

291 RIBAS, Javier. Derechos de autor y programas de ordenador. In: SIMPÓSIO IBERO-AMERICANO DE PROPRIEDADEINTELECTUAL, p. 131.

292 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4.105

Page 116: Tributação dos Bens Digitais

sobre a qual se exercem os direitos reais, com as restrições de respeito ao direito do autor, mas a

aquisição deste não implica a aquisição dos direitos do autor, como já tivemos oportunidade de

comentar. Ao adquirente compete a fruição em seu âmbito privado e para fins próprios, não podendo

fazer qualquer uso que importe em circulação econômica294. Caso contrário haverá violação da lei

protetiva, cujo objetivo básico é proteger a personalidade do autor e lhe carrear todos os proventos

decorrentes da utilização da obra295.

Ademais, a expressa revogação dos artigos 649 a 673 do Código Civil que tratavam de matéria autoral

em seu Título II, pela Lei 9.610/98, pôs fim a qualquer pretensão de aplicar o conceito e regime do

Direito de Propriedade aos bens intelectuais protegidos pelo Direito Autoral.

Assim, o autor-desenvolvedor de um bem digital pode comunicar sua obra exercendo seus direitos

patrimoniais de variadas formas. Pode fazê-lo por si, como titular dos direitos do programa, ou por

cessão dos direitos de “comercialização” a terceiro, como preceitua o artigo 8o. da Lei 9.609/98: lei do

software.

Pelas peculiaridades já citadas, o interesse nos bens digitais recai sobre seu uso. Fixados e transmitidos

por meio eletrônico, operação de reprodução e transmissão de obra intelectual protegida, o direito de

usar pode ser obtido pela licença de uso ou por meio de locação.

É a dicção do artigos 2o. § 5o. e 9o. da Lei 9.609/98:

Art. 2o. omissis

§ 5o.Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei epela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País,aquele direito exclusivo de autorizar ou proibir o aluguelcomercial, não sendo esse direito exaurível pela venda, licençaou outra forma de transferência da cópia do programa.

Art. 9o. O uso de programa de computador no País será objetode contrato de licença.(g.n.).

293 WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de software no Brasil: uma questão legal a ser avaliada. Rio de Janeiro: Forense,2000. p. 8.

294 BITTAR, Carlos Alberto. A comunicação por satélite e o direito de autor. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 93, n. 277, 1997.

295 BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito do autor. São Paulo: RT, 1992. p. 82.106

Page 117: Tributação dos Bens Digitais

Analisemos cada um desses negócios jurídicos, limitando-nos aos negócios que dizem respeito ao escopo

desse estudo.

5.3.1 Licença de Uso

Por meio do contrato de licença, o licenciado tem assegurado o direito de usar o bem digital na

conformidade das estipulações contratuais e com as restrições previstas na lei, conservando o licenciador

sua titularidade e presumindo-se que a licença é exclusiva e intransferível com a finalidade de satisfazer

as necessidades do licenciado296. Estabelece-se uma obrigação contratual de, fundamentalmente, “não

fazer” para o licenciado, impedindo-o de copiar, alterar ou fazer circular o programa, definindo as

condições em que, detendo o programa, poderá usá-lo.

5.3.2 Locação

É também possível a locação de bens digitais. O artigo 3o. da Lei 9.610/98 expressamente declara os

direitos de autor como bens móveis, permitindo que também os bens incorpóreos sejam objeto de

direito real. Esta disposição inovou no campo doutrinário onde reinava a opinião de que o direito autoral

estava incluído no direito das coisas297, opinião que já enfrentava divergências298.

A Lei 9.609/98 expressamente assegurou a possibilidade de locação de softwares:

‘Art. 2o.

§ 5o. – Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei epela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no Paísaquele direito exclusivo de autorizar ou proibir o aluguelcomercial, não sendo esse direito exaurível pela venda, licençaou outra forma de transferência da cópia do programa.

§ 6o. – O disposto no parágrafo anterior não se aplica aoscasos em que o programa em si não seja objeto essencial doaluguel.

296 ANGEL, Miguel; RODRIGUEZ, Davara. Manual de derecho informático Madri: Aranzadi, 1997. p. 125.

297 BEVILÁCQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Libraria F. Alves, 1953.

298 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 9.107

Page 118: Tributação dos Bens Digitais

A vedação anteriormente existente já vinha sendo superada nos acordos internacionais, coroando sua

viabilização no encontro dos países membros da Organização Mundial do Comércio – OMC, realizado em

Montevidéu, Uruguai, onde os países signatários reconheceram essa possibilidade, dependendo de

normalização interna, específica a cada um.

A locação de bens digitais, como bens móveis, ocorre ao abrigo dos artigos 1.188 e seguintes do Código

Civil, com as adaptações necessárias a esse objeto, assegurando-se, assim, também, a legitimidade de

seu uso na conformidade das estipulações contratuais e legais.

5.3.3 Cessão de Direitos

É possível também a cessão dos direitos de um software. É necessário diferenciar a

(i) cessão dos direitos de exploração da

(ii) cessão dos direitos sobre a reprodução do próprioprograma.

Aplicando-se os conceitos da Lei de Direito Autorais, verifica-se que, no primeiro caso, o autor transfere,

a título oneroso ou gratuito, a outrem, um ou mais direitos patrimoniais sobre sua criação intelectual. O

artigo 49 da Lei de Direitos Autorais assegura a possibilidade da cessão ser total ou parcial, sendo certo

que a cessão só ocorre para a modalidade de utilização já existente à época do contrato (inciso V do

artigo 49).

No segundo caso, a cessão desses direitos pode permitir a reprodução do próprio programa, inclusive

sendo possível implicar o direito de modificar e adaptar o software para fazê-lo evoluir. O cessionário

terá direito a introduzir novas funcionalidades, corrigir erros, ajustá-lo para uso em outra plataforma,

traduzi-lo, integrá-lo, etc. Neste caso, aproximamo-nos do contrato de edição, previsto no artigo 53 da

Lei de Direitos Autorais, onde o cessionário não pretende de forma imediata o uso do software, mas sim

sua divulgação de forma gratuita ou onerosa.

108

Page 119: Tributação dos Bens Digitais

Outras formas de negócios também são possíveis tais como os contratos de desenvolvimento, os de

transferência de know-how, etc., os quais, no entanto, não são pertinentes ao delimitado objeto desse

estudo.

Identificados os negócios, cumpre-nos analisar sua tributação.

109

Page 120: Tributação dos Bens Digitais

CAPÍTULO VI

6 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E FENOMENOLOGIA DA INCIDÊNCIA

110

Page 121: Tributação dos Bens Digitais

Iniciamos nosso estudo dogmático, assim entendido o trabalho do jurista ao descrever e explicar a

trama normativa do Direito Positivo e da conduta juridicamente normalizada, num corte lógico do objeto

material que estuda299. Esta atividade dá-se exclusivamente como operação lógica, já que a

característica do Direito Positivo é sua indecomponibilidade, pois não pode existir regra jurídica

independente da totalidade do sistema jurídico300. Esse exercício possui o objetivo exclusivo de ampliar o

alcance cognoscível pelo afastamento das proposições que não façam parte do sistema analisado

( XXIII )301.

Importa ressaltar que as proposições do Direito Positivo somente admitem os valores de validade-

invalidade, já que a verdade e a falsidade são valores próprios da Ciência do Direito302 , circunstância

que obriga o abandono das abordagens que se mostrem incompatíveis com o fim da dogmática jurídica.

Esta consiste em um sistema isento de contradições, pela aplicação das três imposições formais do

pensamento, relativas às proposições apofânticas, traduzidas pelos princípios da identidade, da não-

contradição e do meio excluído303.

Esses cuidados são fundamentais para o estabelecimento de um princípio metodológico fundamental,

garantindo um conhecimento apenas dirigido ao Direito, com a exclusão deste conhecimento de tudo

quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como

Direito304.

299 BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 4.300 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998. p. 31.

( XXIII ) Uma ciência jurídica que não disponha de critério que permita decidir se uma proposição pertence ou não ao seu sistema ficaà mercê de proposições provenientes de diversas origens: no seu campo acorrem, em atropelo, proposições de conteúdo físico,biológico, sociológico ou axiológico (filosófico) (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo.São Paulo: Saraiva, 1977. p. 127.).

301 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 127.302 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 3.

303 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 9.

304 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. p. 17-18.111

Page 122: Tributação dos Bens Digitais

A esse repertório prescritivo305, limitado ao campo temático em estudo, nos dedicaremos a seguir,

observando que a dogmática exige argumentar e decidir com base em leis.306

6.1 A República e a Federação Brasileira

Tomando essa perspectiva, o deslinde das questões propostas necessariamente exige breves notas

sobre as estruturas da República e da Federação Brasileiras, ambas estabelecidas constitucionalmente.

Como forma de governo o Brasil adota a República, como explicitam as prescrições inaugurais da

Constituição Federal em seu artigo 1o., o qual, de forma singular, como em todas as Repúblicas, a

estabelece.

Por força desta forma de governo, o sistema de Direito Positivo passa a albergar valores e princípios

que se distribuem por todos os plexos normativos de seu repertório. Como princípio que é, sobrepõe-se

às normas ordinárias e até mesmo às constitucionais. A norma é limite, o princípio é limite e conteúdo e

estabelece uma direção, um sentido axiológico, de valoração, de espírito307. Sem atenção aos princípios,

não é possível entender corretamente uma norma constitucional308.

Decorre do modelo republicano a igualdade formal das pessoas( XXIV ), a periodicidade dos mandatos

políticos, obtidos em caráter eletivo, e a responsabilidade dos mandatários. No que diz respeito à

possibilidade de modificação da forma republicana, nossa Constituição é, no dizer de ATALIBA,

305 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica. 2. ed. São Paulo: Forense, 1986. p. 141.

306 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1990. p.303

307 GORDILLO, Agustín. Introducción al derecho administrativo, 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1966. p. 176.

308 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 15, p. 283, 1970.

( XXIV ) Em disposição claríssima preceituava a Constituição de 1891 que: Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégio denascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulosnobiliárquicos e de conselho.

112

Page 123: Tributação dos Bens Digitais

“rigidíssima”, pois não admite, por força do § 4o. do artigo 60, qualquer alteração ou proposta de

emenda309 310.

Importantes conseqüências no campo tributário defluem do postulado republicano, e da democracia

constitucional como um todo. A destinação pública do dinheiro obtido mediante tributação311, a igualdade

da tributação, a não-tributação em benefício exclusivo do Poder Público ou de uma determinada

categoria de pessoas, o respeito à capacidade contributiva312.

Tais postulados espraiam-se no exercício de toda tributação levada a efeito por todos os entes

integrantes da Federação Brasileira.

Cada Federação possui conformação própria, construída a partir dos enunciados prescritivos de sua

ordem jurídica interna, inexistindo um modelo padrão que assegure a esta ou àquela estrutura o status

de genuína Federação.313.

A Constituição Federal conformou uma Federação de estrutura quádrupla, integrada pela União, pelos

estados-membro, municípios e pelo Distrito Federal. Além dessa peculiaridade, possui a Federação

Brasileira os elementos clássicos tipificadores de uma Federação, quais sejam: descentralização política

ou repartição constitucional de competências, participação da vontade dos estados na vontade nacional

e possibilidade de autoconstituição. Além desses, outros elementos tipificadores estão presentes, como

observa Michel Temer: rigidez constitucional e existência de um órgão incumbido do controle da

constitucionalidade das leis314.

309 ATALIBA. Geraldo. República e constituição. 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 38.

310 Entende, em sentido contrário, CARRAZA, Roque Antônio. (Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo:Malheiros, 2000. p. 65.), que somente os reflexos da forma republicana é que não podem ser modificados.

311 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1974. p. 265, apudCARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 58.

312 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 44-89.

313 MELLO, Bandeira de Oswaldo Aranha. Natureza jurídica do Estado Federal. São Paulo: RT, 1937. p. 11.

314 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: RT, 1990. p. 67.113

Page 124: Tributação dos Bens Digitais

6.2 A Constituição Federal e a Partilha de Competências

Na Federação, assim gizada, a Constituição Federal opera a distribuição de competências.

Competência é a capacidade de agir em uma esfera determinada315, com uma “quantidade de poder”

que, constitucional ou legalmente, foi conferida a alguém316. O sistema federal articula-se basicamente

por meio de um sistema de distribuição de competências, lastreado em norma constitucional, entre a

União e os estados federados. Nesse sistema há uma parificação dos entes integrantes da Federação,

com a participação dos estados no órgão legislativo do Estado Federal como forma de sua legitimação317.

No caso brasileiro, embora os municípios não participem do órgão legislativo nacional, isso não

desnatura a Federação, mas tão-somente lhe confere singularidade, consagrando uma forma de

Estado318, mantida a capacidade de auto-administração e as características da autonomia política,

normativa, administrativa e financeira319.

No Estado Federal Brasileiro a repartição de competências se faz no nível constitucional por meio da

enumeração dos poderes da União (artigos 21 e 22), com poderes remanescentes para os estados

(artigo 25, § 1o.) e poderes definidos indicativamente para os municípios (artigo 30). Combina, porém,

com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, pois em alguns casos são apenas

privativos), possibilidades de delegação (artigo 22, parágrafo único), áreas comuns onde se prevêem

atuações paralelas da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (artigo 23) e setores

concorrentes entre a União e os estados em que a competência para estabelecer políticas gerais,

diretrizes gerais ou normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos estados e até aos municípios a

competência suplementar320.

315 FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. São Paulo: RT, 1991. p. 327.

316 MELLO, Bandeira de Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito administrativo. São Paulo: Forense, 1969. v.1, p. 441.

317 KELSEN, Hans. General theory of law and state. Tradução de: Anders Wedberg. Cambridge: Harvard University Press, 1945.p. 317.

318 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997. p. 84.

319 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: RT, 1989. p. 154.

320 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 5. ed. São Paulo: RT, 1989. p. 413.114

Page 125: Tributação dos Bens Digitais

6.2.1 A Competência como Norma de Estrutura

A competência é uma forma de poder jurídico, uma capacidade estabelecida de criar normas jurídicas

(ou efeitos jurídicos) por meio de acordos com certos enunciados321.

Todas as normas jurídicas têm por objeto final atingir a conduta humana, no sentido de regulá-la,

impondo um determinismo artificial ao comportamento dos homens322. É de Lourival Vilanova a aguda

observação:

“...Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e atecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundosocial mediante a linguagem das normas, uma classe da qual éa linguagem das normas do Direito” 323.

Embora todas as normas jurídicas ao final pretendam regular diretamente a conduta humana, algumas o

fazem de forma mediata. Existem normas que dizem respeito à organização, aos poderes e

procedimentos. Para estas, os autores adotam diferente terminologia324. Utilizamos a expressão normas

de estrutura para indicar as normas que determinam os órgãos do sistema e os procedimentos formais

necessários para que se introduzam normas jurídicas válidas no ordenamento, bem como o modo pelo

qual serão alteradas e desconstituídas325.

Enquanto as normas de conduta apresentam-se com o dever-ser modalizado deonticamente em suas

321 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Competência municipal. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 14, n. 54, p. 158-163,out./dez. 1990.

322 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998. p. 320.

323 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 3-4.

324 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 1990. p.125.

325 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 136.115

Page 126: Tributação dos Bens Digitais

formas de permitido, obrigatório e proibido, inexistindo uma quarta possibilidade326, nas normas de

estrutura o dever-ser não se modaliza, permanecendo no estado neutro, não comportando substituição

pelos referidos modais327. Para FERRAZ JR., tais normas conformam-se por meio de normas

permissivas328.

São normas de estrutura as que outorgam competências, isenções, procedimentos administrativos e

judiciais, bem como as regras de imunidade tributária329.

As normas de competência, como regras de estrutura, não criam tributos, mas tão-somente criam

abstratamente tributos, fazendo-o, via-de-regra, através de lei ordinária e, excepcionalmente, nas

hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal, através de lei complementar.

Neste sentido, afirma-se que a Constituição não cria tributos, mas tão-somente prevê a norma padrão

de incidência, o arquétipo dos vários tributos cometidos a cada poder tributante que através de lei, no

sentido orgânico-formal, criará os tributos em conformidade com o desenho traçado

constitucionalmente330.

A norma instituidora do tributo, desenhando a regra-matriz de incidência e fixando sua forma final, bem

como estabelecendo os instrumentos de controle, os deveres instrumentais ou formais, é, na

conformidade da classificação adotada, norma de conduta.

326 Fixa VILANOVA, Lourival. (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 45) que: ouniverso da conduta que é ocorrência tempo-espacial, está em face de um sistema de norams, com seu âmbito de valide temporal e espacial, suficentementerepartido em conduta obrigatória, em conduta proibida ou vedada e em conduta permitida (na dúplice modalidadeda permissão unilateral e da permissãobilateral: na primeira, só fazer, ou só omitir, na segunda, permissão de fazer e omitir”.

327 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 136.

328 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1991. p.54.

329 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 36.

330 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados internacionais em matéria tributária e ordem interna. São Paulo: Dialética,1999. p. 37.

116

Page 127: Tributação dos Bens Digitais

É também a regra-matriz de incidência norma geral e abstrata. Tenha-se em conta o que a generalidade

e a individualidade da norma diz do quadro de seus destinatários. Será geral quando se referir a um

conjunto indeterminado de indivíduos quanto ao número. Individual quando referir-se a determinado

indivíduo ou grupo delimitado de pessoas. No que respeita à abstração e à concretude, refere-se ao

modo como se toma o fato descrito no antecedente. A previsão de um conjunto de fatos diz da

abstração, de uma conduta referida no tempo e no espaço, em caráter concreto do comando normativo,

da concretude331.

Nessa linha de raciocínio, a hipótese tributária é norma geral e abstrata, o lançamento, individualizador

do tributo é norma individual e concreta.

6.2.2 A competência tributária impositiva

Frisa CARVALHO, com a precisão que lhe é peculiar, que a competência tributária é “uma das parcelas

entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na

faculdade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos’332.

Podemos também tomar a competência como uma forma de poder jurídico, uma capacidade

estabelecida de criar normas jurídicas (ou efeitos jurídicos) por meio e de acordo com certos

enunciados333.

331 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 34.

332 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 211.

333 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Competência municipal. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 14, n. 54, p. 158-163,out./dez. 1990.

117

Page 128: Tributação dos Bens Digitais

Nos países de Constituição rígida, particularmente no Brasil, a distribuição de competências é exaustiva

entre as várias pessoas políticas, o que impede atropelos, conflitos ou desarmonias334, embora os

“remédios” para os distúrbios e para as invasões de autoridade estejam perfeitamente preceituados335.

Há, portanto, entre as pessoas políticas uma igualdade jurídica traduzida em uma Constituição rígida336.

Tal competência, por sua vez, já nasce delimitada pelas próprias limitações constitucionais ao poder de

tributar que lhes são inerentes337, bem como pelos princípios federativos, autonomias municipal e

distrital. A Constituição delimita, antecedendo os princípios federativos, a autonomia municipal e distrital,

as competências dos estados, dos municípios e do Distrito Federal em matéria legislativa-tributária.

Assim, pode-se afirmar que inexiste poder tributário, mas tão-somente competência tributária, já que

nenhuma pessoa política pode exercer suas atribuições de forma incontrastável e absoluta.

No Brasil, a competência tributária, como aptidão para criar, in abstracto, tributos, somente pode dar-se

por lei que prescreva todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária.

Após a edição da lei, exercida a competência tributária, mantém-se a capacidade tributária ativa.

Errônea é a afirmação de que a edição da lei exaure a competência tributária. Se assim fosse impedido

estaria o legislador de promover modificações na lei criada o que, por certo, não ocorre. O exercício da

competência tributária é limitado pela Constituição. Uma vez regularmente exercida, cria um Estado

genérico de sujeição.

334 CARRAZZA, Roque Antônio. Conflitos de competência: um caso concreto. RT, 1991. p.38.

335 ARINOS, Afonso de Melo Franco. Estudos de direito constitucional. Local: Forense, 1957. p. 148.

336 ATALIBA, Geraldo. Princípio federal: rigidez constitucional e poder judiciário, estudos e pareceres de direito tributário. SãoPaulo: RT, 1978. v. 3, p. 134.

337 ATALIBA,Geraldo. Elementos de direito tributário, São Paulo: RT, 1978. p. 134.118

Page 129: Tributação dos Bens Digitais

A competência tributária é um tema exclusivo e, excepcionadas as normas gerais de Direito Tributário,

esgotado pela normalização constitucional. Nada novo pode ser agregado, pela legislação

infraconstitucional.

A Constituição não cria tributos, mesmo quando traça a norma padrão de incidência . Assim, só surge o

tributo quando a norma da pessoa política competente é introduzida.

A pessoa política a que é dada a competência tributária tem, igualmente, competência para instituir

deveres instrumentais e sanções, a fim de implementar o objetivo do tributo. O exercício da competência

tributária deve dar-se dentro dos limites do âmbito de eficácia da lei tributária.338

Ao estabelecer a competência tributária, indica, também, a norma padrão de incidência de cada exação,

designando a hipótese de incidência possível.

Conforme nos ensina CARRAZZA339: A competência tributária é caracterizada pela: a) privatividade; b)

indelegabilidade; c) incaducabilidade; d) inalterabilidade; d) irrenunciabilidade; e) facultatividade do

exercício.

A privatividade significa o estabelecimento de faixas tributárias exclusivas, área de atuação em que

somente a pessoa política detentora da competência poderá atuar. A exclusividade da competência de

uma pessoa implica a impossibilidade de exploração desse campo por outra340.

A invasão de competência de uma pessoa por outra causa a nulidade absoluta do ato por violação da

delimitação constitucional.

338 GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados internacionais em matéria tributária e ordem interna. São Paulo: Dialética,1999. p. 39.

339 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 355.

340 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 143.119

Page 130: Tributação dos Bens Digitais

Cabe observar, de forma meramente indicativa, já que fora dos objetivos deste trabalho, que em um

Estado Federal a rigidez da competência tributária torna indispensável o estudo das espécies tributárias,

pois somente pelo seu minudente conhecimento é que se poderá verificar ou não, o exercício regular da

competência por parte de cada pessoa política.

Não se pode, também, falar em privatividade sem mencionar a arguta tese de CARVALHO de que, a

rigor, impostos privativos são somente os da União, uma vez que esta, em caráter extraordinário

(art.154,II), pode sobre quaisquer faixas de competência exercer a sua341.

A indelegabilidade é a impossibilidade de uma pessoa política renunciar ou delegar a terceiros a

competência que, constitucionalmente, lhe foi atribuída.

Tal característica decorre do fato de que não há norma constitucional que permita tal delegação bem

como a rigidez do sistema não admite tal comportamento dos dotados de competência. Considera-se,

ainda, que uma competência é atribuída em virtude da determinação de uma atuação por parte da

pessoa política que a recebe, o que denota a impossibilidade de atribuição a outra, já que se estaria

substituir o responsável eleito pelo legislador constitucional.

Incaducabilidade é a não-sujeição do exercício da competência tributária a qualquer prazo limite. A

competência tributária, mesmo quando não exercida. O não- exercício, não legitima, também, outra

pessoa política a exercê-la, sob o argumento da inércia do titular. Pode a ser exercida, ou não, e a

qualquer tempo.

É inalterável a competência tributária pela própria pessoa que a detém, não existe possibilidade de ser

alargada, ampliada ou modificada. É matéria sob reserva constitucional. Qualquer modificação pela

própria pessoa política titular significará invasão de competência tributária de outrem ou atingirá área

imune à tributação. Mesmo que se pretenda realizar tais alterações por meio de Emenda Constitucional,

estará a pretensão restringida pelo desenho e equilíbrio original, delimitado pela estrutura da Federação

341 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 143.120

Page 131: Tributação dos Bens Digitais

Brasileira, estando qualquer tentativa submetida ao jugo das restrições ditadas pelo Artigo 60, § 4o da

Constituição Federal.

Do mesmo modo, a competência tributária é irrenunciável. Não pode a pessoa política que a possui, dela

dispor ou legislar negativamente no sentido de extirpá-la. É matéria sob reserva constitucional,

inalterável, portanto, por norma infraconstitucional.

É também facultativo o uso da competência tributária. Tal característica está garantida pela

incaducabilidade do exercício da competência. Significa que pode a pessoa política detentora da

competência exercitá-la ou não, estando tal opção vinculada à opção política do legislador competente.

Cede tal regra, todavia, sua total aplicação ante as circunstâncias próprias do ICMS, imposto de

competência dos estados-membros da Federação, ante as inafastáveis exigências dos princípios da

eqüiponderância, ou, ainda, da homogeneidade de sua incidência, como de forma inovativa demonstrou

recentemente CARVALHO342.

6.3 Critérios da Partilha das Competências Tributárias

A Constituição traça a regra-matriz de incidência dos impostos, identificando os possíveis de serem

instituídos por toda pessoa política. A competência para instituir os impostos é dada de forma

ordinariamente privativa para fatos específicos determinados343.

A adoção desse critério material é adequada para afastar eventuais conflitos de competência entre as

pessoas políticas.

342 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 216.

343 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1988: sistema tributário. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,1992. p. 4.

121

Page 132: Tributação dos Bens Digitais

Nesse ponto, todavia, é indispensável a lição de CARRAZZA que com apoio em GIARDINO, observa que

os estados, os municípios e o Distrito Federal possuem competências materialmente concorrentes.

Assim, a inevitabilidade do conflito pode ser melhor afastada pela adoção de um outro critério, o critério

territorial de repartição das competências impositivas344. Merece registro a também insuficiência deste

critério, embora superior, diante da coincidência do âmbito de validade das leis federais e municipais.

Por esse critério, evidencia-se que cada pessoa política somente pode instituir tributos sobre fatos

verificados no território da ordem jurídica que os editou.

A partir desses traços, a Constituição confere aos estados em seu artigo 155, I e II os seguintes

impostos: transmissão causa mortis, de quaisquer bens ou direitos; sobre a doação de quaisquer bens

ou direitos; sobre operações mercantis; sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal;

sobre serviços de comunicação, sobre a propriedade de veículos automotores.

A Constituição outorga aos municípios, com base no artigo 156, I a IV, o Imposto sobre a Propriedade

Predial e Territorial Urbana, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISQN, não

compreendidos no artigo 155, II e definidos em lei complementar, e o Imposto sobre a Transmissão

Inter Vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de

direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição.

O Distrito Federal, peculiarmente, pode instituir os impostos estaduais e, também, os municipais.

À União está deferida a instituição de quaisquer outros impostos, desde que não invada o campo

impositivo das outras pessoas políticas e desde que o faça por meio de lei complementar.

Expressamente, mas não exaustivamente, o artigo 153 defere à União os seguintes impostos:

importação de produtos estrangeiros; exportação para o exterior; renda e proventos de qualquer

natureza; produtos industrializados; operações de crédito; câmbio; seguro; títulos ou valores mobiliários,

344 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 311.122

Page 133: Tributação dos Bens Digitais

propriedade territorial rural e grandes fortunas. Afirma-se que não esgota a competência da União, em

face de possuir a esta competência residual para criação de novos impostos.

Vale repetir, ainda, que, em caso de guerra externa, os impostos extraordinários conferidos à União não

estão impedidos de se igualar aos já existentes ou deferidos a outras pessoas políticas.

Quanto aos tributos vinculados, a doutrina costuma indicá-los como de competência comum entre as

pessoas políticas. Tal interpretação, como se apresenta, não é rigorosa uma vez que, embora todos os

entes políticos tenham competências para tal, cada um somente pode instituí-los sobre a atuação

estatal de sua competência administrativa.

Como a competência administrativa é indelegável e privativa, resta claro que a instituição de um tributo

vinculado, de competência natural entre as pessoas políticas, não pode ser transferido, mesmo que por

lei isso esteja previsto. A matéria é tratada no nível constitucional, o que retira qualquer possibilidade de

os titulares efetuarem transações .

6.3.1 A Competência Tributária da União

Além de competência para os impostos anteriormente discriminados, bem como para taxas e

contribuição de melhoria, possui também a União competência para instituir contribuições sociais,

profissionais e de intervenção no domínio econômico.

Sobre o fato de ser tributo e sobre sua natureza é enorme a divergência doutrinária. Dúvida não há,

nem poderia haver, já que texto expresso da Constituição destaca que somente a União pode instituir as

contribuições.

Para a instituição das figuras tributárias assim indicadas, encontra-se objetivamente conformada a

competência tributária da União.

123

Page 134: Tributação dos Bens Digitais

Embora a rígida divisão de competências aliada aos outros princípios estudados possam indicar a

impossibilidade de conflito, a Constituição previu ainda que normas gerais, editadas por lei

complementar, também tratariam de matéria tributária e sobre conflitos de competência entre as

pessoas políticas.

Ao contrário do que a doutrina ortodoxa prega, tem sido veemente a crítica a tal previsão pela sua

enorme distância dos foros científicos. Liderados por ATALIBA e CARVALHO, a cada dia mais pensadores

do Direito afastam-se da mera expressão literal do disposto no artigo 146 da Constituição Federal.

Resumidamente, observam tais autores, seguidos por CARRAZZA, que o sistema de forma rígida, como

se encontra estruturado, praticamente não dá margem à existência de conflitos entre as pessoas

políticas, desde que os comandos constitucionais sejam adequadamente observados. O campo de

conflito é tão mínimo que sequer é possível imaginar a necessidade de que lei complementar o preveja.

CARVALHO observa que somente na existência de conflitos poder-se-ão editar as previstas normas

gerais em matéria tributária. Por tais razões, CARRAZZA outorga à lei complementar disciplinadora de

conflitos efeitos meramente declaratórios345.

Todavia, é imprescindível ter em mente as observações de CARRAZZA, de que tão pouco resta em

matéria de competência para ser legislado que, se realidade, estaria o legislador a criar, previamente,

conflitos para solucioná-los o que, propriamente, de resolver conflitos existentes, em sua maioria

resultantes de mera ofensa constitucional e não de conflito real, por isso sua natureza preventiva346.

A lei complementar prevista no artigo 146 da Constituição aparece, assim, como uma tentativa de

comando em esfera que dele prescinde.

345 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 628.

346 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 629.124

Page 135: Tributação dos Bens Digitais

ATALIBA entende desnecessária a veiculação de leis complementares a implementação de tributos, uma

vez que tudo já está fixado na Constituição, e a competência tributária aliada ao estudo das figuras na

Constituição são suficientes para o exercício da competência tributária também.

Não se faz necessária, também, visto que não há possibilidade de conflitos entre os entes tributantes.

Por outro lado, ainda no entendimento do mesmo pensador, não há necessidade de veiculação de leis

complementares, para regular as limitações do poder de tributar, já que nada poderá ser reduzido ou

modificado na cláusula negativa que consiste na limitação ao poder de tributar.

Para CARVALHO, todavia, a veiculação de leis complementares só deve ocorrer para regular conflitos

entre os entes tributantes e, também, poderá regular o exercício dos limites ao poder de tributar347.

Além das competências expressas, à União também é deferido o exercício da competência residual,

tópico este objeto imediato de nosso estudo.

6.3.1.1 A Competência Residual da União

A Constituição Federal explicita em seu artigo 154, inciso I:

"A União poderá instituir:

I-mediante lei complementar, impostos não previstos no artigoanterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fatogerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nestaConstituição."

Tal dispositivo encerra o que se denomina competência residual, ou seja, é concedido à União um

campo infinito de competência impositiva em matéria de impostos, desde que observe as limitações

contidas na dicção do próprio artigo conformador.

347 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 216.125

Page 136: Tributação dos Bens Digitais

Enganosa, porém, a tranqüilidade que reina quanto ao tema. É fácil observar que a maioria da doutrina

não se demora no assunto, provavelmente por nele não vislumbrar maiores dificuldades para

interpretação.

O arranjo textual do dispositivo, por evidência, não pode ser considerado cientificamente interpretado

somente pela sua singular compreensão literal. Mais deve ser exigido para que se possa efetivamente

extrair o todo, senão a maior parte do efetivo significado da arquitetura do comando constitucional.

Há conceitos imprecisos na compostura lingüística do enunciado cuja resposta não se encontra

formulada, até porque, ao que parece, não se formularam as perguntas.

Não se encontram demarcados o conteúdo e a extensão dos enunciados, o que impede que se possa

afirmar o exato significado da competência em comento.

O esforço exegético por demais se justifica em busca do possível e do razoável conteúdo da norma.

6.4 Evolução e Análise da Competência Tributária no Brasil

A primeira Constituição do Brasil-República, de 1891, em seu artigo 12, já previa a partilha de

competências e dispunha sobre a competência residual.

Assegurava aquele texto constitucional competência para criação de novos tributos não-elencados no

texto constitucional não-somente à União, mas também aos estados:

"Art.12 - Além das fontes de receita discriminadas nos artigos7o. e 9o., é lícito à União, como aos estados, cumulativamenteou não, criar outras quaisquer, não contrariando o dispostonos artigos 7°., 9°., e 11, n°1"

126

Page 137: Tributação dos Bens Digitais

Certamente, expairando as dúvidas decorrentes da interpretação da Carta Constitucional anterior à

Constituição de 1934, manteve-se a competência residual concorrente, impedindo-se porém a

bitributação e declarando-se a prevalência da decretação federal sobre a estadual:

"Art.11 - É vedada a bitributação, prevalecendo o impostodecretado pela União, quando a competência for concorrente.Sem prejuízo do recurso judicial que couber, incumbe aoSenado Federal, "ex offício", ou mediante provocação dequalquer contribuinte, declarar a existência da bitributação edeterminar a qual dos dois tributos cabe a prevalência."

No mesmo sentido, dispôs a Carta de 1937:

"Art.24- Os Estados poderão criar outros impostos. É vedada,entretanto, a bitributação, prevalecendo o imposto decretadopela União, quando a competência for concorrente. É dacompetência do Conselho Federal, por iniciativa própria oumediante representação do contribuinte, declarar a existênciaa bitributaçào, suspendendo a cobrança do tributo estadual".

A Constituição liberal de 1946 não dispôs de forma diferente, prevendo, todavia, a obrigação de partilha

das receitas entre o estado arrecadador e a União:

"Art.21- A União e os estados poderão decretar outros tributosalém dos que lhes são atribuídos por esta Constituição, mas oimposto federal excluirá o que ela efetuar. Os estados farão aarrecadação de tais impostos e, à medida que ela se efetuar,entregarão vinte por cento do produto à União e quarenta porcento aos municípios onde se tiver realizado a cobrança."

A Carta Constitucional de 1967, por seu turno, trouxe substancial modificação no que tange ao assunto.

Com efeito, a competência residual restou conferida somente à União, bem como se suprimiu

explicitamente a possibilidade de que os novos impostos criados colidissem com os integrantes da

competência privativa dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Admitia, todavia, o exercício da

capacidade tributária por parte dessas pessoas políticas, mantida a instituição, sempre, pela União.

"Art. 19-Compete à União, aos estados, ao Distrito Federal eaos municípios arrecadar:

§6°.-A União poderá, desde que não tenham base de cálculo efato gerador idênticos aos dos impostos previstos nestaConstituição, instituir outros tributos além daqueles a que se

127

Page 138: Tributação dos Bens Digitais

referem os artigos 22 e 23 e que não se contenham nacompetência privativa dos estados, Distrito Federal emunicípios, assim como transferir-lhes o exercício dacompetência residual em relação a determinados impostos,cuja incidência seja definida em lei federal."

A Emenda Constitucional n°.1/69 em nada modificou as prescrições da matéria.

Como se pode verificar, dois momentos distintos marcaram a questão da competência residual. Num

primeiro momento, temos a competência distribuída entre União e estados, num segundo, essa

competência é exclusiva da União, devendo esta respeitar a faixa de competência das demais pessoas

políticas.

Nesse último sentido está elaborado o atual texto constitucional.

Cabe-nos aprofundar a análise sobre as disposições do artigo 154, I, da Constituição vigente. Estas

contêm as regras atuais para o exercício da competência residual pela União.

Exige-se que o imposto criado com base na competência residual seja não-cumulativo. A cumulatividade

está expressa no nível constitucional, quando se observam as prescrições relativas ao ICMS, de

competência do estados, e ao IPI, de competência da União. A técnica adotada é a do abatimento do

montante incidido na operação anterior, de maneira que a tributação ocorra somente sobre o valor

acrescido.

Cabe indicar neste ponto que o inciso I do art. 154 não prescreve que a não-cumulatividade para os

novos impostos deva ser a mesma utilizada para aqueles outros dois tributos, o que nos permite afirmar

que pode o legislador federal, no exercício de sua competência residual, utilizar outras técnicas de não-

cumulatividade que não a do abatimento sobre que já sofreu incidência.

128

Page 139: Tributação dos Bens Digitais

Ao contrário dos impostos cumulativos plurifásicos, que causam privilégio às empresas verticalizadas, e

dos impostos monofásicos, que reduzem o número de contribuintes,348 o imposto sobre o valor acrescido

tanto amplia o número de contribuintes, quanto não resulta em prejuízo aos produtos que circulam por

maiores ciclos349.

A tributação sobre o valor acrescido, ou seja, não-cumulativo, pode dar-se ainda, como informam os

estudos econômicos, de duas formas: sobre base real ou sobre base financeira350. Na primeira, temos

métodos estatísticos pelos quais se apura o valor acrescido pela verificação das deduções do período. No

segundo, é irrelevante a efetiva produção dos bens, considerando-se apenas a movimentação dos

créditos, a movimentação financeira. A fórmula de cálculo sofre variações, já que podem ser autorizadas

deduções do valor adquirido, sejam estas totais ou não351.

O método de cálculo pode ser, ainda, de adição ou de subtração. No primeiro, consideram-se os

componentes do valor acrescido num determinado período e, no segundo, apuram-se as diferenças

entre o montante das aquisições e o valor das vendas num mesmo período, quer pela variante do

"imposto sobre imposto", quer pela "base sobre base"352.

Assim, somos de parecer que, na medida em que a Constituição não delimita ou se refere, sequer

implicitamente, pode o legislador, ao criar novos impostos, adotar qualquer dessas técnicas ou mesmo

uma nova que o seu gênio inventivo possa criar.

348 COSCIANI, Cesare. El impuesto al valor agregado. Buenos Aires: Ediciones Depalm, 1969. p.10.

349 BONILHA, Paulo Celso. IPI e ICM: fundamentos da técnica não cumulativa. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 30.

350 COSCIANI, Cesare. El impuesto al valor agregado. Buenos Aires: Ediciones Depalm, 1969. p. 76.

351 DUE, John F. Critérios administrativos para el estabelecimiento de estructuras de impuestos sobre ventas y consumos.Washington: Union Panamericana/OEA, 1963. p. 400-421..

352 SAIZ, Ricardo Calle. El impuesto sobre e valor anãdido y la Comunidad Economica Europea. Madrid: Instituto deEstudios Fiscales, 1969. p. 8.

129

Page 140: Tributação dos Bens Digitais

Por qualquer método utilizado para criação de novos impostos, no resultado final, a não-cumulatividade

estará condicionada à limitação constitucional, não havendo, assim, obrigação de utilização da técnica

indicada para o IPI e para o ICMS.

Encerra o artigo outra limitação: o novo imposto não pode ter fato gerador ou base de cálculo próprios

de outros já discriminados na Constituição.

Uma leitura menos atenta deste artigo indica o uso do disjuntivo, isto é, a proposição é verdadeira desde

que um dos termos o seja. Assim, de imediato nos ocorre que estará atendida a determinação

constitucional se o fato gerador (inadequadamente designado, já que a expressão correta seria hipótese

de incidência) for diferente dos demais impostos discriminados, independente da base de cálculo

adotada, como também, estará atendido preceito constitucional se somente a base de cálculo for

diferente, mesmo que a hipótese seja a mesma.

É descabido assim pensar. Com efeito, demonstra CARVALHO353, com apoio nas lições de BECKER354,

que a base de cálculo deve confirmar ou infirmar o critério material da hipótese de incidência, de

maneira que se pode, seguramente, afirmar que tal binômio é indissociável. E assim demonstram o

estudo sistemático da Constituição e a obras de nível científico.

Com base em tão judiciosas lições, devemos retornar à observação para concluir que, por estar o

disjuntor vinculado à formulação negativa (não tenham) que a precede, devemos interpretar como

houvesse implícito um "e" conjuntor, isto é, não pode ter "fato gerador" e também não pode ter “base

de cálculo”, próprios dos demais indicados na Constituição”.

Assim interpretado de forma organizada o sistema, alcançamos o verdadeiro significado da restrição

constitucional.

353 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 225.

354 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998. p. 338.130

Page 141: Tributação dos Bens Digitais

Além disso outra expressão também nos desafia: o imposto não pode ser próprio dos demais indicados

na Constituição.

A expressão "próprio" ganhou relevância jurídica desde a Constituição anterior, quando se buscou a

exata interpretação de parecida limitação relativa às taxas, uma vez que o artigo 18, parágrafo 2o.

daquele texto continha a determinação de que as taxas não poderiam ter base de cálculo própria de

impostos. A referida disposição restou reproduzida pela Constituição atual.

Preceitua o artigo 145 , parágrafo 2o. da Constituição Federal :

"§2°. - As taxas não poderão ter base de calculo própria deimpostos”.

A interpretação literal desse dispositivo também poderia levar o exegeta desavisado a entender que só

haveria a inconstitucionalidade se a base de cálculo fosse exatamente igual à do imposto.

Todavia, o que prevê o dispositivo é que a taxa não pode ter base de calculo própria de imposto, ou

seja, não se pode utilizar critério dimensível de uso adequado somente quando se trata de imposto.

A base imponível da taxa somente poderá referir-se ao seu fato gerador que é a prestação de serviços.

Se, indiferentemente, apresentar-se como a expressão dimensível de um fato econômico qualquer, terá,

então, base de cálculo peculiar a imposto, tornando-a inconstitucional em face do preceito supracitado.

A esse respeito, o saudoso Professor BALEEIRO rememora:

"Bilac Pinto, em erudito parecer, já teve oportunidade deafirmar e provar a tese de que o característico fundamental dataxa, como estamos vendo de sua definição (Decreto-lei 1804,de 1939), é o de constituir contraprestação de serviçosespeciais prestados ou postos à disposição do contribuinte. Obenefício especial, objetivo, mensurável, é condição para queo tributo seja conceituado como taxa”.355

No mesmo sentido, comenta FANUCCHI:

355 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, [197?]. p. 327.131

Page 142: Tributação dos Bens Digitais

"Então, em resumo, para cobrar taxa, o poder tributante teráde contrapor algo devidamente mensurado e individualizado,ao sujeito passivo". 356

De qualquer forma, convém salientar que, para caracterizar inconstitucionalidade, por violação do artigo

145, parágrafo 2o. da Constituição Federal, não é, sequer, necessário absoluta identidade de bases de

cálculo. Basta que se adotem critérios gerais similares aplicáveis tanto à taxa, quanto ao imposto.

Aliás, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, firmou excelente doutrina quanto à correta

interpretação do artigo 18, parágrafo 2°, da Constituição Federal anterior, que era o precedente do

atual artigo 145, parágrafo 2°. da atual Carta, demonstrando que o que se proíbe não é a adoção da

base de cálculo exatamente igual à de imposto, mas sim a base de cálculo própria de imposto( XXV ).

356 Fanucchi, Fábio. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 250.

( XXV ) Esse entendimento encontra-se esposado no RE n: 100.729 (RTJ 108/905) em que ficou reconhecida a inconstitucionalidade detaxa de coleta de lixo, tendo em vista o artigo 18, §. 2o , da Constituição Federal, e o artigo 77 §. único do Código Tributário Nacional,devendo se ressaltar o voto do eminente Ministro Francisco Rezek do seguinte teor: " O Código Tributário Nacional no seu art. 7,determina que a taxa não tem base de cálculo ou fato gerador idêntico aos que correspondem a imposto, e, para que este dispositivo legal tenha aplicação nãoé essencial que as bases de cálculo sejam exatamente idênticas, mas que o critério adotado para a taxa se confunda com o critério já adotado para o imposto"(RTJ 108/905). No mesmo sentido, manifestou-se a Suprema Corte, ao decretar, em inúmeros julgados, a inconstitucionalidade porofensa ao art. 18, §. 2o.da Constituição anterior, da taxa de conservação de estradas de rodagem instituída por alguns municípios,tomando por base o número de hectares total de área rural. Dentre eles, Digno Magistrado, denota o voto do eminente MinistroAlfredo Buzaid , no RE 98581 (RTJ 105/858. " A controvérsia tem sido objeto de inúmeros recursos, nos quais esta Egrégia Corte declarou ainconstitucionalidade de leis municipais, que tomaram para base de cálculo na cobrança de taxas de conservação de estradas, o fato gerador do imposto. Naverdade, a distribuição do custo do serviço, tomando por base o número de hectares total da área rural do município, ofende o artigo 18, §. 2o, a ConstituiçãoFederal e o art. 77 do Código Tributário Nacional, pois a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idêntico aos impostos. Essas idéias já foramconsagradas nos recursos extraordinários 94.397 em 27/05/81, rel. Ministro Moreira Alves 97.137 em 16/06/82, rel. Ministro Cordeiro Guerra;96.846, rel.Ministro Moreira Alves, além de outros. Ora, como se vê no artigo 4o. da Lei 999 de 13/12/77 do municípios de Junqueirópolis, posto quea base de cálculo do tributo seja o custo do serviço, os parágrafos 1 e 2, inseridos nesse artigo, mandam calcular a taxa, tomando por base o número dehectares beneficiados com o serviço total da área rural do município. Tal base de cálculo é peculiar a imposto e não a taxa, que tem como fato gerador autilização efetiva ou o potencial do serviço publico especifico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Ante o exposto,conheço do recurso e lhe dou provimento para declarar a inconstitucionalidade dos parágrafos 1 e 2 do art. 4 da Lei 999 de13/12/77, do município de Junqueirópolis, concedendo a segurança impetrada”. Idêntico entendimento foi adotado na decisãodo RE 96.344 - SP, pelo plenário do STF: " Relator: O Sr. Ministro Neri da Silveira: Recorrente: Antônio Carlos Pinto da Costa -Recorrida - Prefeitura Municipal de Ibitinga. Taxa Municipal de Conservação de Estradas de Rodagem. Base de cálculo idêntica a doimposto territorial rural, ofensa do artigo 18, §. 2, da Constituição. CTN, art. 77 §. único. Área de propriedade rural, tomada comocritério da distribuição do custo de conservação de estradas, fixando-se para cobrança da taxa, valor por hectare de cadapropriedade, dentro do perímetro rural do município. Firmou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido deconsiderar inconstitucional a cobrança de conservação de estradas, calculada a base da divisão da despesa do município, naconservação das vias interiores da comunicação terrestre, de forma proporcional à superfície de cada propriedade rural. Precedentesdo Plenário dentre outros, nos RR.EE. 87354, 91293, 92142, 74910 , 78710 e 80001. Súmula 595. Recurso conhecido para declarar ainconstitucionalidade do artigo 161 parágrafo da Lei 1042 de 07.12.73, alterada pela Lei 1.166 de 16.12.77, ambas do município deIbitinga, SP e do artigo 4 do Decreto 634, de 05.05.78, do mesmo município que regulamentou as leis mencionadas" (RTJ 108/689).

132

Page 143: Tributação dos Bens Digitais

Como se verifica, o artigo 145, parágrafo 2, veda a adoção, para a taxa, de base de cálculo decorrente

de critério peculiar à fixação de base imponível de imposto.

Nas decisões analisadas nos dois últimos acórdãos, observa-se que os critérios tomados para a fixação

das bases de cálculo tanto do imposto territorial rural, quanto da taxa de conservação de estradas de

rodagem, foi a da superfície do imóvel rural. No caso do Imposto Territorial Rural -ITR, a base imponível

é o valor fundiário, aferido por meio da área total do imóvel, medida em hectares. Na taxa, a área da

propriedade rural foi tomada como critério de distribuição do custo dos dispêndios do município no

setor de estradas( XXVI ).

( XXVI ) Verifica-se, pois, que, embora as bases de cálculo não resultem absolutamente idênticas (no ITR - valor fundiário na taxa deconservação de estradas, o número de hectares beneficiados com o serviço) idêntico foi o critério adotado para a fixação de ambas,sendo tal circunstância suficiente para inviabilizar, por ofensa do artigo 77, parágrafo único do CTN, a exigência da taxa, como bemobservou o eminente Ministro Neri da Silveira , ao fundamentar seu voto no RE 96344 (RTJ 108/960) para dar provimento aorecurso decretando a inconstitucionalidade da Lei Municipal. " Faço-o tendo em conta a jurisprudência deste tribunal que considerainconstitucional a cobrança da taxa de conservação de estradas, calculada a base de divisão de despesa do Município na conservação das vias interiores decomunicação terrestre de forma proporcional à superfície de cada propriedade rural, porque coincide em parte o critério de imposição como o do ImpostoTerritorial Rural." (g.n.). Segundo entendimento daquele eminente Magistrado, a proibição incerta no referido dispositivo da LeiMaior consistiria em vedar a adoção, como base de cálculo para a cobrança das taxas, de base de cálculo correspondente ao fatogerador dos impostos. Em outras palavras, o fato gerador (incidência) do qual decorresse a cobrança de taxa. Ora, inexistindo entreo fato gerador do imposto de importação (entrada da mercadoria estrangeira no território nacional) e a base de cálculo da TMP (valorcomercial da mercadoria importada), estaria, na hipótese, afastada a aplicabilidade do art. 18, §. 2 da Constituição Federal. Se talentendimento prevalecesse jamais se poderia chegar às conclusões atuais com relação à taxa de conservação de estradas de rodagem,cuja base de cálculo se confunde com o fato gerador do ITR - Imposto Territorial Rural. Ora, já no mesmo julgado, o MinistroAliomar Baleeiro, refutava aquela interpretação do dispositivo constitucional, ressaltando que a inconstitucionalidade da TMP decorriada identidade entre sua base de cálculo e a base de cálculo do imposto de importação. A jurisprudência, como se vê, orientou-se nosentido vislumbrado por Aliomar Baleeiro, evoluindo, contudo, na medida em que, hoje, considera suficiente a configuração dainconstitucionalidade, que a base de cálculo da taxa decorra do mesmo critério que enseja a fixação de base de cálculo de impostos.Cumpre salientar, ainda, que o antigo Tribunal Federal de Recursos em julgado, publicado no DJU de 04/09/86, decidiufavoravelmente em caso no qual a tese era semelhante à exposada, mas, naquele caso, relativo à TMP, conforme se constata noacórdão relatado pelo Ministro Américo Luz, abaixo ementado, no que tange a adoção de critério fora da grandeza ínsita no tributo." Remessa ex-officio n: 109453 - SP - (Reg. 6684092). EMENTA " Taxa de Melhoramento dos Portos, calculada sobre o valor CIF dosprodutos importados. A ilegalidade da exigência é manifesta, uma vez que a TMP, não tendo por base de cálculo mensuração de serviço prestado oucolocada à disposição do contribuinte, teria a mesma base de cálculo de imposto de importação, tornando-se adicional deste. Em se tratando de taxa, o custoCIF da mercadoria não pode ensejar tal incidência incondizente com a atividade estatal, desenvolvida, supedâneos de taxas. Segurança concedida por sentençaque se confirma." Mais recentemente o E. Tribunal Regional Federal da Quinta Região no julgamento do processo de ARGÜIÇÃO DEINCONSTITUCIONALIDADE, declarou a inconstitucionalidade argüida, nos termos do voto do juiz-relator Juiz LázaroGuimarães:“EMENTA - Constitucional. Taxa cobrada pela CACEX para emissão de guia ou licença para importação. Natureza tributária daexigência. Valor da mercadoria como base de cálculo. Afronta à proibição contida no art. 145, parágrafo 2o da Constituição Federal. Declaração deInconstitucionalidade do art. 1o da Lei 7.690/88. Na esteira de tal entendimento também reconheceu a inconstitucionalidade da

133

Page 144: Tributação dos Bens Digitais

Por fim, resta ressaltar que a evolução doutrinária foi tão grande e clara, que inclusive podemos afirmar

ter sido absorvida e expressamente declarada pela atual Constituição Federal, no mencionado parágrafo

2°. do artigo 145.

Tais estudos tiveram efetiva expressão a partir dos trabalhos elaborados por ATALIBA, quando analisou

a da mencionada Taxa de Melhoramento dos Portos357 - TMP.

Embora não possamos adotar integralmente as conclusões com base naqueles estudos, já que se

referiam às taxas, é lícito assumir algumas delas. A primeira, que a identidade não deve ser apreciada

quanto à absoluta igualdade, sendo suficiente a adoção de parâmetros gerais.

A segunda, que a expressão “própria” não deve ser interpretada da mesma maneira como foi com

relação às taxas, visto que não podemos afirmar que um imposto é vedado possuir base de cálculo de

impostos. Assim, torna-se necessária outra proposição.

A nosso ver, quando a Constituição se refere a adotar "fato gerador" ou “base de cálculo” de impostos

quer significar que os novos impostos criados não podem adotar critérios materiais, mesmo que em

estipulações gerais de conformação do tributo, iguais aos adotados para os impostos já previstos

constitucionalmente.

Pode ainda a Constituição criar tais impostos com base na competência residual, mas com finalidades

específicas. É o caso do exercício da competência para criação de novas fontes destinadas a garantir a

manutenção ou a expansão da seguridade social, como prevê o parágrafo 4o. do artigo 195 da

Constituição Federal

denominada “taxa de emissão de guia de importação” tanto o Tribunal Regional Federal da 3a. Região, quanto o Supremo TribunalFederal.

357 ATALIBA, Geraldo. Estudos e pareceres de direito tributário. São Paulo: RT, 1978. v. 2, p. 128.134

Page 145: Tributação dos Bens Digitais

Mesmo para estes deverão ser obedecidas as limitações anteriormente retroexposadas.

6.5 A Norma Tributária

O Direito regula as condutas pela ponência de normas. Por meios estas é possível induzir o

comportamento humano em direção aos fins desejados para adequada convivência social. Essas normas

possuem idêntica conformação estrutural, portanto, homogeneidade sintática, independente do

mandamento que veiculam. Observa KELSEN que a regra jurídica é um juízo hipotético (solução

preestabelecida) que impõe certas conseqüências (efeitos jurídicos) a determinadas condições (hipótese

de incidência)358.

CARVALHO, de forma mais clara, expõe que “as normas jurídicas são juízos hipotéticos, em que se

enlaça determinada conseqüência à realização condicional de um evento” 359.

Essa estrutura da norma é uma relação lógica entre um antecedente e um conseqüente, que

denominaremos hipótese e conseqüência, e que corresponde à prótase e à apódose na composição de

juízos hipotéticos em reduções à lógica.

As normas tributárias conformam-se a essa estrutura lógica, típica em todas as normas jurídicas. Sua

diferenciação se dá não em virtude de sua estrutura sintaticamente uniforme, mas de sua

homogeneidade semântica. Para que alcancem a qualidade de normas jurídicas é indispensável que

constituam uma unidade de significação, labor do exegeta em esforço contínuo de contextualização dos

textos de Direito Positivo. O percurso de construção de sentidos, com suas regras próprias, se profícuo,

deve desaguar na construção da norma jurídica, expressão completa de significação deôntico-jurídica,

manifestação mínima e irredutível do conjunto de enunciados jurídico-prescritivos perscrutados360.

358 KELSEN. Hans. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 53.

359 FANICCHI, Fábio. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: Resenha Tributária, 1979. p. 233.

360 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 58.135

Page 146: Tributação dos Bens Digitais

Às normas que prevêem a incidência do tributo, norma tributária em sentido estrito, denominamos, em

conformidade com a doutrina que assenta o uso da expressão, regra-matriz de incidência. Sua fórmula

abstrata, fruto do processo de construção do intérprete, prevê em sua estrutura bimembre - (hipótese e

conseqüência) na hipótese - diretrizes para identificação de eventos de conteúdo econômico361. Não um

fato determinado, mas uma classe de eventos, nos quais pode inserir-se indeterminado número de

sucessos concretos. Pela operação lógica de inclusão de eventos numa classe (subsunção),

acompanhada, por força da implicação normativa, do efeito previsto no conseqüente, haverá a

incidência da regra. Esta somente se perfaz ante a expedição de uma norma individual e concreta, que

nesse processo de positivação assegurará a motivação da conduta então modalizada deonticamente.

O conseqüente da norma, por sua vez, a proposição-tese atua como prescritora de condutas

intersubjetivas. É uma proposição relacional de enunciados conotativos também que enlaça dois ou mais

sujeitos de direito em torno de uma conduta, no quadro geral da possibilidade, regulada como proibida,

permitida ou obrigatória. O conseqüente também é constituído por enunciados cuja composição se dá

pela indicação de classes, com notas que uma relação deve ter para ser considerada relação jurídica.

Os efeitos entre a hipótese o conseqüente se estabelecem não como relação causal, mas, sim, como

relação lógica, por força da implicação normativa362.

6.5.1 A Hipótese das Normas

361 Essa opinião é alvo de críticas por parte da doutrina. BECKER, Alfredo Augusto. (Teoria geral do direito tributário. São Paulo:Lejus, 1998. p. 327.) aponta que a eleição do suposto de fato é circunstância pré-jurídica e que, portanto, qualquer fato podecompor a hipótese de incidência, excetuando somente os países que peculiarmente possuírem norma constitucional prescrevendo anecessidade dos tributos serrem cobrados conforme a capacidade econômica do contribuinte.

362 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 84.136

Page 147: Tributação dos Bens Digitais

A hipótese das normas é composta pela descrição de uma classe de eventos quaisquer, recolhidos

dentre o universo da realidade e de possível ocorrência. O descritor não toma tais eventos em sua

inteireza363, mas funciona como um seletor de propriedades

“... no campo do Direito, especialmente, a hipótese, apesar desua descritividade, é qualificadora normativa do fáctíco. O fatose torna jurídico porque ingressa no universo do Direitoatravés da porta aberta que é a hipótese. E o que determinaquais propriedades entram, quais não entram, é o ato devaloração que preside à feitura da hipótese da norma” 364.

A hipótese descreve um evento, por suas notas características, como suficiente para, dada sua

realização, enlaçar o comando previsto no conseqüente. Nesse sentido, a norma é incidente na realidade

e não-coincidente com a realidade365.

O campo de eleição dos supostos tributários é o dos comportamentos lícitos, podendo nele figurar tanto

os comportamentos obrigatórios quanto os comportamentos permitidos. Excluem-se os comportamentos

ilícitos, pois estes constituem campo de eleição exclusivo das normas sancionatórias366.

6.5.2 Critérios Constitutivos da Hipótese

Ao compor a hipótese, como exposto, o legislador seleciona as propriedades pelas quais, considerar-se-á

caracterizado o fato jurídico. Partindo desse conceito, podemos indicar os critérios pelos quais sempre

que ocorrido o fato jurídico, se torne possível reconhecê-lo seguramente.

363 “A própria morte não é fato que entre nu, em sua rudeza, em sua definitividade no mundo jurídico” (MIRANDA, Pontes de. Tratado dedireito privado. São Paulo: RT, 1974. v. 1, p. 20.).

364 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 46.

365 Ibidem, p. 47.

366 CARVALHO, Paulo de Barros. (Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. ) esclarece que: “Diante do que seacaba de expor, não caberia saber a respeito da chamada “tributação dos atos ilícitos”. Não seria, porventura, descumprimento de deveres jurídicos elevadosà condição de hipótese de normas tributárias? Certamente que não. Ao condicionar a inauguração do vínculo obrigacional tributário ao acontecimento decertos ilícitos, não estará o legislador, consoante já se predicou inúmeras vezes, contemplando o próprio descumpimento do dever jurídico, considerado em simesmo, todavia mero efeito seu. No exemplo de alguém que aufere rendimentos ao explorar o lenocínio, poder-se-iia inicialmente supor que a figura típicaestaria por abrigar um fato ilícito conjugado a determinado efeito-auferir rendimentos. Isso, entretanto, não ocorre. Para a norma tributária é unicamenterelevante aquele efeito-auferir rendimentos- associado que esteja a fato lícito ou ilícito. O evento que origina o efeito é de todo prescindível, já que o fatohipotéticamente previsto a ele se não refere. Em linguagem técnica, poderíamos dizer que o fato originador do rendimento aufeirdo não se subsume aocritério mateiral da hipótese ”.

137

Page 148: Tributação dos Bens Digitais

Na hipótese, encontramos três critérios: a) o material; b) o espacial; e c) o temporal.

O critério material faz referência a um comportamento, liberado das coordenadas de espaço e de tempo,

de pessoa física ou jurídica. Este comportamento estará sempre indicado por um verbo de predicação

incompleta, o que determina a presença de um complemento. Em cada figura impositiva, o verbo e o

complemento compõe a estrutura do núcleo das hipóteses normativas367.

Como toda ação humana realiza-se dentro de coordenadas de espaço e de tempo, necessário se faz que

o arquétipo, também traga em seu bojo essas coordenadas para que se reconheça a ocorrência do fato

jurídico tributário.

Nesse sentido, o critério espacial determinará a coordenada de espaço onde terá por ocorrido o fato

jurídico tributário. Insta precisar que o critério espacial das normas tributárias não se confunde com o

campo de validade da lei.

Por sua vez, o critério temporal indicará o preciso instante em que terá acontecido o fato jurídico

tributário, determinando o aparecimento da relação jurídica obrigacional que vinculará o sujeito

pretensor ao sujeito devedor, em virtude da prestação pecuniária.

6.5.3 Elementos do Conseqüente

Enquanto a hipótese prevê critérios para reconhecimento de um evento para o qual se reserva o

fenômeno da subsunção, no sentido de encontrável nos eventos contidos nas classes especificadas na

hipótese moldurada normativamente, no conseqüente são previstos elementos para reconhecimento do

vínculo jurídico fruto dessa ocorrência e a quem foi cometido o dever jurídico de cumprir certa prestação

e seu objeto. Em outros termos, o comportamento que se espera do sujeito passivo que cumpre o dever

a ele atribuído e extingue o direito subjetivo atribuído ao pretensor. Importante se faz registrar que a

367 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 250.138

Page 149: Tributação dos Bens Digitais

divisão de hipótese/conseqüente é apenas uma operação de abstração, lógica já que a conformação é

única e incindível.

Ocorrido o evento e revestido com a linguagem competente, aquela que o Direito estipula como

necessária e suficiente, automática e infalivelmente, na expressão de BECKER368, instala-se uma relação

jurídica, também um enunciado de linguagem, nos limites das previsões contidas no conseqüente da

norma. Observa CARVALHO que:

“... o prescritor normativo é o dado por excelência darealização do direito, porquanto é precisamente ali que estádepositado o instrumento da sua razão existencial” 369.

A hipótese e a conseqüência estão unidas por um dever-ser neutro e um dever-ser modalizado. Dever-

ser modalizado é aquele no qual se prescreve ser a conduta desejada estipulada em um dos modais

deônticos, proibido, permitido ou obrigatório.

Destaca VILANOVA que a relação da hipótese com o conseqüente é uma relação de implicação. “O

deôntico não reside na hipótese como tal, mas no vínculo entre a hipótese e a tese. Deve-ser o vínculo

implicacional. Em outro giro: deve-ser a implicação entre a hipótese e tese” 370.

A proposição implicativa não se confunde com a relação fática de causa e efeito. O antecedente é

somente uma posição funcional da proposição. Trata-se de posição sintática, inexistindo sentido

temporal de que um preceda ao outro. A relação dá-se exclusivamente entre termos, exclusivamente no

plano lógico, entre proposições e sistemas de proposições.

6.5.4 Propriedades do Conseqüente

368 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998.

369 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 278.

370 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 51-52.139

Page 150: Tributação dos Bens Digitais

No conseqüente, elencamos as propriedades tomadas como indispensáveis à identificação, no vínculo

que se inaugura, do sujeito portador do direito subjetivo, do sujeito a quem foi cometido o dever

jurídico e do objeto, o comportamento que se espera.

Nas normas tributárias a relação jurídica deve prever dois elementos: o pessoal e o quantitativo.

Pelo elemento pessoal, identificamos os sujeitos da relação. O sujeito ativo é o titular da capacidade

tributária ativa, aquele que tem capacidade para exigir o cumprimento da obrigação formada pela

relação jurídica tributária, instaurada pela ocorrência do fato previsto na hipótese. Podem figurar as

próprias pessoas políticas de direito constitucional interno ou outra pessoa, pública ou privada, a quem a

lei atribuir capacidade para figurar como sujeito ativo da relação. Como visto, a competência é

indelegável, mas a capacidade tributária ativa não o é.

O sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, de quem

se exige o cumprimento da prestação.

Pelo critério quantitativo será identificado o valor da prestação pecuniária a ser pago pelo sujeito passivo

ao sujeito ativo, em razão da ocorrência do fato descrito na hipótese tributária. Esse critério desdobra-se

em bases de cálculo371 e de alíquota.

Base de cálculo, base imponível na dicção de ATALIBA é a “dimensão do aspecto material da hipótese

de incidência. É, portanto, uma grandeza ínsita na h.i.” 372.

Três funções distintas são elencadas por CARVALHO para a base de cálculo:

(i) medir as proporções reais do fato;

(ii) compor a específica determinação da dívida; e

(iii) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério materialda descrição contida no antecedente da norma”.

371 ATALIBA, Geraldo. (Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 101.) critica o uso desta expressãoobservando que “Não parece adequada a designação base de cálculo, quando há tributos cuja determinação quantitativa independe de cálculo e cujabase, portanto, não pode ser corretamente designada como “de cálculo”(além dos impostos fixos, isto se dá com a maioria das taxas”.

372 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 101..140

Page 151: Tributação dos Bens Digitais

O reconhecimento da espécie tributária instituída terá segura identificação pela análise da base de

cálculo, verificando-se a correspondência entre o critério material e a base de cálculo. Nesse sentido é

que se diz ser a base de cálculo uma grandeza ínsita à hipótese.

O segundo elemento que conforma a compostura do critério quantitativo é a alíquota( 01 BIB ).

A alíquota é um componente aritmético para determinação da quantia objeto da prestação tributária.

Alíquota é a fração que o Estado chama para si do valor dimensível albergado pela base de cálculo

referida ao fato jurídico tributário.

Da aplicação da alíquota à base de cálculo, tem-se com exatidão o montante devido pelo sujeito passivo

a título de tributo.

6.6 Prazo de Pagamento de Tributos

Os critérios do conseqüente prestam-se, exclusivamente, a permitir a identificação da relação jurídica

que se inaugura pela ocorrência do fato previsto na hipótese, tudo por força da imputação normativa.

É remansosa a doutrina ao admitir que a existência dos critérios pessoal e quantitativo é suficiente para

o reconhecimento da relação jurídica. Observa CARVALHO que:

“Nada mais será preciso para que conheçamos, em toda aextensão, o liame jurídico estabelecido por virtude doacontecimento suposto” 373.

Estas afirmações, embora corretas, têm permitido, pela sua concisão, que os detentores da competência

tributária preocupem-se em estabelecer através de lei, quando o fazem, exclusivamente o arquétipo

delineador da regra-matriz, imaginando que com isto estão atendendo ao princípio da estrita legalidade,

( 01 BIB ) Excelente estudo sobre a alíquota pode ser encontrado na obra: BARRETO, Aires Ferdinando. Base de cálculo, alíquota eprincípios constitucionais. São Paulo: RT, 1986. .

373 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 69.141

Page 152: Tributação dos Bens Digitais

podendo estabelecer tudo o mais que diga respeito à obrigação tributária e à sua exigibilidade através

de atos infralegais.

É freqüente, nesta forma de conduta, que o prazo de pagamento dos tributos seja fixado livremente

através de atos de mínimo escalão hieráquico tais como portarias e comunicados e, no nível estadual,

através de decretos do Executivo. Diante da importância do assunto, permitimo-nos este pequeno desvio

com vistas a algumas ponderações que demostram o desacerto dessa interpretação.

À primeira vista pode parecer que tal momento de cumprimento da prestação é questão ancilar e de

finalidade meramente instrumental para cumprimento do objeto da prestação.

Tal raciocínio, todavia não pode prosperar diante dos rigores e da profunda modificação da relação

Estado/Cidadão instituída pela Constituição de 1988.

O principio da segurança jurídica expõe ao sistema normativo a necessidade assegurar de garantia

continuamente a certeza do direito, protegendo qualquer área do arbítrio dos poderes constituídos,

exigindo, sem qualquer concessão, razoável grau de previsibilidade em todo o atuar estatal.

Nesse sentido explicita MALERBI:

“A segurança jurídica consubstancia um sistema de garantiasque a ordem constitucional oferece de sua própria eficácianormativa. Há, como já mencionado, perfeita união entrefinalidade e segurança jurídica, levando ao estabelecimento doEstado democrático de direito. A tutela da dignidade humana,que o direito deve realizar, pressupõe que a própria ordemconstitucional seja certa e estável. A segurança jurídicaconsiste, portanto, num aspecto inseparável da Constituição de1988 pois, sem sua presença, o seu texto jurídico se tornaria,facilmente, instrumento de arbítrio” 374.

É preciso que o sujeito passivo de uma obrigação tributária, sob pena de graves prejuízos ao seu

patrimônio, o que obviamente a ordem jurídica não pode pretender causar, conheça desde o momento

374 MALERBI, Diva. Segurança jurídica e tributação. São Paulo,1992. 312 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito,Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

142

Page 153: Tributação dos Bens Digitais

de instalação da relação jurídica, quando a prestação deverá ser cumprida. Não compadece com o

princípio da segurança jurídica que, instalada a obrigação, fique ao arbítrio do sujeito ativo a definição

do momento do cumprimento da obrigação, podendo fazê-lo a qualquer tempo, sem qualquer

previsibilidade por parte do sujeito passivo. A sistemática, hoje existente permite dizer que, instalada a

obrigação, o sujeito ativo pode exigir que no mesmo dia de sua decisão as obrigações tributárias sejam

cumpridas, colhendo os contribuintes nas mais diversas situações. Poderá tal decisão até mesmo ser

veiculada por outro instrumento que não a lei conformadora dos tributos, aliás como hoje vem

ocorrendo, com incontáveis prejuízos aos cidadãos.

Ressalve-se que tal entendimento não decorre das mesmas razões adotadas por CARRAZZA375,

pertinentes basicamente a questões de fundo econômico, lastreadas em circunstância de regimes

inflacionários. Afirma-se essa compostura para o conseqüente normativo por uma exigência lógico-

sistemática, para perfeito delineamento da obrigação (já que não se pode pensar em obrigação sem

prazo: até mesmo nas obrigações privadas o Código Civil traça regras gerais para determinação do

momento do cumprimento da obrigação e o CTN fixa norma de aplicação supletiva no caso de omissão

do legislador, como se vê da dicção do artigo 160), bem como para atendimento à exigência

constitucional, de contínua observância do princípio da segurança jurídica. Toda ação estatal que atinja o

patrimônio do cidadão deve ser absolutamente previsível por parte daqueles que suportarão o encargo.

Nessa mesma linha de justificação é que se põe o princípio da anterioridade em matéria tributária.

CARVALHO delinia, por outro caminho, idêntico entendimento quando analisa, no lançamento, a

indispensabilidade da estipulação dos termos da exigibilidade como fator de superior importância376.

375 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 165.

376 São as palavras do referido autor: “De que serviria a formalização do crédito se o destinatário da notificação do lançamento não pudesse conhecer omomento ou o prazo em que deve fazer cumprir a prestação? Em que átimo reputar-se-ia descumprido o dever pecuniário? Em que instante surgiria parao sujeito ativo a possibilidade de invocar a prestação jurisdicional do Estado, para ver respeitado seu direito subjetivo? Essas questões, de indispensávelcabimento teórico e prático, ficariam sem resposta se não inscrevêssemos no quadro dos antessupostos necesssários ao lançamento o período de tempo, dentrodo qual o sujeito devedor deverá cumprir a prestação que lhe é exigida”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed.São Paulo: Saraiva, 1999. p. 371.).

143

Page 154: Tributação dos Bens Digitais

Isto permite concluir pela imperiosa necessidade de que os prazos de pagamento de quaisquer tributos

só possam, como os demais elementos e critérios da regra-matriz, ser fixados através de lei no seu

sentido formal.

6.7 Fenomenologia da incidência

Utilizando-se da competência tributária, constitucionalmente outorgada, seu detentor pode criar,

necessariamente por via de lei, em obediência ao princípio constitucional da legalidade, a hipótese de

incidência.

Deve o legislador, ao definir os contornos da norma tributária, atentar para desenhar com exatidão a

regra-matriz de incidência377, sob pena de não criar o tributo validamente.

Descrita a hipótese, sua ocorrência ou não no mundo fático em nada interfere em sua validade. A

hipótese normativa descreve a possível ocorrência do mundo e o evento tipificado é tomado como mera

possibilidade, não se regra, o evento, apenas se lhe relacionando uma conseqüência. Do evento

conotativamente selecionado na hipótese não se diz que deve ou não existir, se é verdadeiro ou falso.

Assim, se o evento selecionado pela hipótese jamais ocorrer, isto não a torna inválida, já que “no

descritor da norma jurídica inexiste juízo-de-realidadade subordinado ao critério de verificabilidade

empírica para ser subsistente”378.

377 CARVALHO, Paulo de Barros. (Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 188.) brilhantemente demonstraos elementos necessariamente integrantes do arquétipo normativo bem como sua conformação lógica quer na estrutura doantecedente quanto do conseqüente.

378 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 45.144

Page 155: Tributação dos Bens Digitais

Ocorrida a hipótese instala-se, por força da imputação normativa a relação jurídica, propalando-se os

efeitos jurídicos fixados na conseqüência379. À subsunção do conceito do fato ao conceito da norma,

denomina-se subsunção, sendo essa fenomenologia idêntica a qualquer tipo de norma. A incidência, ela

própria, está exclusivamente na dependência da ocorrência do suporte fático relatado em linguagem

competente, não importando, assim , a natureza da norma jurídica nem sua posterior aplicação380.

No campo das normas tributárias, o incidir que instala um laço abstrato, a relação jurídica obrigacional

pela qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação e o sujeito

passivo fica na contingência de cumpri-la, efetiva-se por meio da emissão de norma individual e concreta

que, funcionando como enunciado protocolar, transforma o evento em fato. Insta observar que todo o

processo de percussão da norma somente pode ocorrer por operações lógicas da mente humana.

Tratando-se de norma a cuja conseqüência atribui-se uma conduta, seu descumprimento constituirá o

suporte fático de outra norma, a norma sancionatória, norma secundária( XXVII ). O antecedente é a

infração. O conseqüente será a sanção. No dizer de Souto Maior Borges “a realização da conduta

proibida importa em pressuposto para a tipificação da ilicitude”381.

A fenomenologia de incidência ocorre tal qual a da norma primária. A relação jurídica que estabelece a

prescrição sancionatória382 consistirá na atribuição ao sujeito passivo de um dever jurídico consistente

em uma penalidade, em indenização ou, então na prescrição de deveres de fazer ou não-fazer. Observa

CARVALHO que:

379 Obtempera VILANOVA, Lourival. (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 156.)que “O universo da conduta, que é ocorrência tempo-espacial, está em face de um sistema de normas, com seu âmbito de validade temporal e espacial,suficientemente repartido em conduta obrigatória, em conduta proibida ou vedada e em conduta permitida (na dúplice modalidade da permissão unilateral eda permissão bilateral: na primeira, só fazer, ou só omitir, na segunda, permissão de fazer e omitir”.

380 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. São Paulo: RT, 1974. v. 1, p. 36.

( XXVII ) Utilizamos aqui denominação inversa da teoria kelseniana, preferindo a tomar por norma primária a que estatui direitos edeveres e por norma secundária a que prevê a consequência do descumprimento da conduta prevista no consequente da primeira.

381 BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 26.

382 Evitamos a expressão sanção tributária utilizada por CARVALHO, Paulo de Barros. (Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo:Saraiva, 1999. p. 474.) por entendermos que seu uso peca contra a precisão do coneito já que se tem por suposto que tributo não seconstitui em penalidade (art. 3o. do CTN). Por conseqüência o uso da expressão na forma apresentada pode levar a crer,inadequadamente, que a sanção tem caráter tributário.

145

Page 156: Tributação dos Bens Digitais

“A relação sancionatória vem mencionada no prescritor daregra, onde podemos colher todos os elementos necessáriose suficientes para a sua identificação, num caso concreto. Anorma que estipula a sanção descreve o fato antijurídico noseu antecedente, e a providência desfavorável ao autor doilícito (sanção) no conseqüente” 383.

CAPÍTULO VII

383 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 474.146

Page 157: Tributação dos Bens Digitais

7 TRANSAÇÕES VIRTUAIS E O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DEMERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS

Como tivemos oportunidade de destacar neste trabalho, os negócios teleinformáticos envolvem tanto a

contratação teleinformática quanto os negócios virtuais. No primeiro caso a tônica recai sobre a

conclusão de contratos por meio de redes teleinformáticas, seguidas da execução do contrato em suas

formas tradicionais, seja através da entrega física de bens ou, dentre outros, a execução de um serviço

na forma contratada. Nos negócios virtuais, por sua vez, tanto a conclusão do negócio quanto a

execução do contrato operam-se no ambiente de uma rede de teleinformática.

A questão que trazemos à análise tem por principal objetivo a verificação da incidência do Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, de competência estadual, recaindo nossa atenção

exclusivamente sobre a hipótese tributária relativa à circulação de mercadorias, buscando determinar se

sobre as referidas operações ocorrerão as subsunções determinadoras do aparecimento das relações

jurídicas tributárias.

147

Page 158: Tributação dos Bens Digitais

Para tal mister, indispensável se faz a análise da estrutura do antecedente da regra-matriz de incidência

do referido imposto.

7.1.1 O Antecedente da Regra-Matriz de Incidência do ICMS

A Constituição Federal de 1988 em matéria tributária foi pontilhada por várias alternativas de

composição das competências e partilha das receitas e por vários projetos apresentados pela sociedade

civil384. Prevaleceu a inclusão, no âmbito do anterior Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, previsto

no artigo 24, II, da Constituição Federal de 1967, de outros impostos anteriormente de competência da

União, perdendo a União para os estados e para o Distrito Federal impostos que resultaram integrados

na competência destes e plasmados no artigo 155, I, “b” da Constituição de 1988385. Basicamente foram

repassados aos estados o poder de tributar, além da circulação de mercadorias, o antigo e denominado

“imposto único”, na redação existente na Constituição em 1969, em seu artigo 21, VIII e IV, e os

serviços de transportes interestaduais e comunicações, ampliando assim o espectro do ICM, como fez

notar FERREIRA FILHO386.

O artigo 155 da Constituição Federal de 1988 sofreu modificações introduzidas pela Emenda

Constitucional No. 3 de 17 de março de 1993, sem alterar, todavia, a estrutura retro indicada, mas com

diferente numeração de seus incisos, tendo atualmente a seguinte redação:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituirimpostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobreprestações de serviços de transporte interestadual eintermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e asprestações se iniciem no exterior”.

384 Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Brasília, 19 jun. 1987. p. 139.

385 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema tributário na Constituição de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 37-41.386 FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992. v. 5, p. 448.

148

Page 159: Tributação dos Bens Digitais

A decisão do legislador constituinte deve ser interpretada não como a criação de novo tributo, mas sim

como um remanejamento de competências da União Federal para os estados e para o Distrito Federal

por razões de ordem política e econômica.

Esta questão preambular tem importantes conseqüências no que diz respeito aos esforços

interpretativos da doutrina. Se o tributo delineado não é novo, as conclusões e os entendimentos já

pacificados na comunidade jurídica podem ser inteiramente aproveitados quando se analisa o texto

gizado na nova Carta Constitucional. É certo que o processo de geração de sentido, além do plano de

expressão, da literalidade do texto, sempre sofrerá os influxos dos novos valores introjetados e da

ideologia predominante na nova ordem constitucional, operando estes sobre o sistema de significações

proposicionais, uma etapa posterior ao texto em si no processo de formação dos significados e, por

conseqüência, sobre o sistema normativo, onde estarão compreendidas as normas jurídicas, unidades

normativas adequadamente articuladas em relações de coordenação e subordinação387.

Apontam iguais conclusões GRECO e ZONARI:

“De nossa parte entendemos que o ICMS atual é o antigo ICMao qual foram agregadas incidências de serviços. Assimconcluímos a partir da análise comparativa dos textosconstitucionais. Cotejando a norma constitucional queestabelecia a materialidade da hipótese de incidência no ICM(art.23, II, da CF/67) com o atual ICMS (art. 155, “b”,, daCF/88), verifica-se que a cláusula que atribui à circulação demercadorias permaneceu inalterada. Nessa parte, os textossão literalmente idênticos. Distinguem-se apenas quando oatual prevê a incidência do ICMS também sobre serviços.Portanto, na concepção constitucional trata-se do mesmoimposto. Além disso, nenhum indicador existe na CF/88 quepossa ser invocado para dizer que o Constituinte pretendeurealizar uma ruptura no ordenamento do tributo. Sendo assim,concluímos que toda legislação anterior, que não colida comdispositivos constitucionais atuais, foi recepcionada pelaConstituição de 1988, continuando a vigorar plenamente; pelamesma razão, toda jurisprudência, especialmente do SupremoTribunal Federal, construída sobre conceitos não-alterados edeterminado seu sentido e alcance, continua pertinente” 388.

387 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 61.

388 MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord). Curso de direito tributário. 3. ed. Belém: Ed. Cejup,1994. v. 2, p. 145-146.149

Page 160: Tributação dos Bens Digitais

Assim estribados, verifica-se que sob a sigla ICMS encontramos não um único, mas diversos tributos

diferentes. Aponta CARRAZZA que estão albergados pelos menos cinco impostos diferentes:

(i) imposto sobre operações mercantis (operações relativas àcirculação de mercadorias);

(ii) o imposto sobre serviços de transporte interestadual eintermunicipal;

(iii) o imposto sobre serviços de comunicação;

(iv) o imposto sobre produção, importação, circulação,distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveislíquidos e gasosos e de energia elétrica; e,

(v) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ouconsumo de minerais389.

Não fugiu ao festejado jurista que a referida individuação e contagem não é de todo precisa. A distinção

entre um tributo e outro se faz pela análise e individuação do binômio hipótese de incidência e base de

cálculo, devendo a base de cálculo medir a hipótese de incidência do tributo, confirmando-a390. Nas

escorreitas palavras de CARVALHO:

“Dois argumentos muito fortes recomendam a adoção dessecritério: a) trata-se de diretriz constitucional, firmada nummomento em que o legislador realizava o trabalho delicado detraçar a rígida discriminação de competências tributárias,preocupadíssimo em preservar o princípio maior da Federaçãoe manter incólume a autonomia municipal; b) para além disso,é algo simples e operativo, que permite o reconhecimento daíndole tributária, sem a necessidade de considerações retóricase até alheias ao assunto.

Finalizemos para dizer que, no direito brasileiro, o tipotributário se acha integrado pela associação lógica eharmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo. Obinômio, adequadamente identificado, com revelar a naturezaprópria do tributo que investigamos, tem a excelsa virtude denos proteger da linguagem imprecisa do legislador.” 391

Adotando-se referido critério na análise da compostura ditada pelo referido artigo 155, inciso II da

Constituição Federal identificamos uma vasta gama de tributos. Nisto reside grande desacerto de parte

389 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 31.

390 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 31.

391 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 29.150

Page 161: Tributação dos Bens Digitais

da doutrina que às vezes identifica um único tributo, ou um aglutinado e pequeno número. Exemplo

deste entendimento é o seguinte registro de MELO e LIPPO:

“Não nos parece o entendimento de que em relação ao ICMSestamos diante de cinco impostos diferentes. Nos seuscontornos são encontráveis apenas três hipóteses distintas. Nointerior da sigla ICMS encontram-se: a) a hipótese deincidência correspondente ao antigo ICM (operações relativasà circulação de mercadorias; b) a hipótese de incidência querecai sobre as prestações de serviços de transporteinterestaduais e intermunicipais; e c) a hipótese de incidênciarelativa à prestação de serviços de comunicação”392.

Mais acertada, já que embasada em critério científico serenamente aceito, a afirmação de CARRAZZA de

que a prescrição analisada e rotulada singelamente como ICMS importa em mais de 20 impostos

diferentes justamente por terem hipóteses de incidência e/ou bases de cálculo diferentes.

Nesta perspectiva, é fundamental o lastro nas referências do capítulo anterior onde se destacou a

questão de que os nomes atribuídos são apenas rótulos arbitrariamente escolhidos e não vinculados ao

objeto que designam393.

Não destoam de tal afirmação as próprias determinações do Código Tributário Nacional ao declarar, já

antevendo os desacertos da linguagem e a atecnia do legislador, em seu artigo 4o. que:

“A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelofato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes paraqualifica-la: I- a denominação e demais características formaisadotadas pela lei; II- a destinação legal do produto da sua arrecadação.”

Uma vez que não constitui escopo do presente trabalho, não empreenderemos a quantificação específica

dos tributos elencados no artigo em comento, ficando, todavia, registrados o método e as premissas,

cabendo o registro da existência de uma variante do tributo relativo à circulação de mercadorias cuja

previsão está presente no inciso IX, “a” do artigo 155 ao dispor sobre a mercadoria importada do

exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento.

392 MELO, José Eduardo Soares de.; LIPPO, Luiz Francisco. A não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 34.

393 HOSPERS, John. An introduction to philosophical analysis. 4. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1997.151

Page 162: Tributação dos Bens Digitais

7.1.2 O Critério Material do ICMS

Iremos nos deter na análise do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, uma vez que mais de perto

atrai as preocupações da doutrina como plexo normativo capaz de ensejar a tributação dos bens digitais.

Não empreenderemos uma análise exaustiva da hipótese de incidência, sendo suficiente para deslinde

da questão que as reflexões recaiam sobre o critério material desse tributo, sem necessidade das

especulações sobre as coordenadas de espaço e tempo imanentes, como já explanado, na estrutura

mínima deôntica do tipo tributário.

Como se pode verificar do artigo 155, inciso II da Constituição Federal, o Imposto sobre Circulação de

Mercadorias não aponta expressamente o núcleo hipotético do imposto. Preceitua o referido artigo:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituirimpostos sobre:II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobreprestações de serviços de transporte interestadual eintermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e asprestações se iniciem no exterior.

Como já estudamos ao tratar do tema da competência tributária e da estrutura da regra-matriz de

incidência, o legislador constitucional desenhou quase exaustivamente as especialíssimas e poucas

regras relativas a padrões de incidência. Desenhado o arquétipo tributário muito pouco resta ao

legislador ordinário, ao instituir o tributo, para estabelecer sem obedecer ao que de forma implícita

( XXVIII ) já traçou o legislador. É na própria Carta Magna que vamos encontrar as balizas do aspecto

material394.

ATALIBA aponta o critério material, que nomina de aspecto, como a “verdadeira consistência da

hipótese de incidência” registrando, ainda, que ela contém “ a indicação de sua substância essencial, o

que há de mais importante e decisivo na sua configuração”395.

( XXVIII ) Alertamos que a expressão não é precisa, pois todos os sentidos de qualquer enunciado sempre são implícitos.

394 CARRAZZA, Elisabeth Nazar. O Imposto Sobre Serviços na Constituição. São Paulo, 1976. 281 f. Dissertação ( Mestrado emDireito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 56.

395 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 106.152

Page 163: Tributação dos Bens Digitais

7.1.2.1 Núcleo da Hipótese: O Verbo “Realizar”

Sabemos que na estruturação do critério material viceja em importância a identificação da ação humana

que se mostre suficiente para indicar o núcleo do elemento material. Da identificação dessa ação

resultará o mais importante dos elementos para configurar a ocorrência do fato típico.

Não pode deixar de ser registrada a bem elaborada e conhecida lição de CARVALHO sobre o tema:

“Dessa abstração emerge sempre o encontro de expressõesgenéricas designativas de comportamentos de pessoas, sejamaqueles que encerram um fazer, um dar ou, simplesmente, umser, (estado). Teremos, por exemplo, “vender mercadorias”,“industrializar produtos”, “ser proprietário de bem imóvel”,“auferir rendas”, “pavimentar ruas”, etc.

“Esse núcleo, ao qual nos referimos, será formado,invariavelmente, por um verbo, seguido de seu complemento.Daí porque aludimos a comportamento humano, tomada aexpressão na plenitude de sua força significativa, equivale adizer, abrangendo não só as atividades refletidas (verbos queexprimem ação), como aquelas espontâneas (verbos deestado: ser, estar, permanecer, etc).”396.

Porém, ao contrário da prescrição contida na Constituição de 1967, cujo artigo 23, inciso II proclamava

abertamente o verbo compositor do núcleo do critério material, o artigo àquele correspondente, artigo

155, inciso II da Constituição de 1988, não o explicita.

Essa variação na composição do enunciado adiciona uma dificuldade antes inexistente, que é determinar

qual o verbo que implicitamente está a compor o núcleo da ação humana. Conhecido que no âmbito da

comunicação humana as questões pressupostas do discurso não podem ser negadas397, a

indeterminação do verbo nuclear termina por conceder ao legislador ordinário uma discricionariedade

incompatível com os fundamentos do Direito Tributário, preponderantemente com as regras que a

doutrina brasileira denomina tipicidade fechada, vez que, proscrito desse campo, possa o legislador

infra-constitucional manejar discricionariamente na formulação da compostura do arquétipo tributário.

396 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 125.

397 ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 63.153

Page 164: Tributação dos Bens Digitais

Antevendo tais dificuldades, numa percepção quase adivinhatória, já apontava CARVALHO em sua tese

de livre docência:

“Acaso o preceito da Constituição aludisse, exclusivamente, àsoperações relativas à circulação de mercadorias e estaríamosna contingência de conceber que todas as pessoas ligadasàquele fato poderiam propiciar seu acontecimento. Tornar-se-ía sobremedida embaraçoso indicar o verbo que teria porcomplemento operações relativas à circulação demercadorias.” 398

Jungido ao princípio da estrita legalidade, todavia, o legislador infra-constitucional, ao contrário do que

poderia parecer, a margem para estipular o referido verbo nuclear está condicionada por balizas da

própria Constituição, presentes no momento da discriminação de competências, pois aquela não deixa

de, embora com certa margem de liberdade para o legislador, estabelecer as normas padrão de

incidência, apontando a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo

possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível das várias espécies tributárias399.

Sobre esta limitação, XAVIER estabelece os seguintes marcos:

“No que concerne ao núcleo dos elementos essenciais dotributo, nenhuma inovatividade pode ter a lei complementarrelativamente à Constituição no que concerne ao núcleo doselementos essenciais do tributo; não podendo inovar paraalém da Constituição, pois esta traça os limites máximos dopoder de tributar.

A relação entre a lei complementar e lei constituicional é deestrita predeterminação do conteúdo, cabendo-lhe apenas, demodo meramente interpretativo, proceder à respectivadefinição, de modo a concretizar o núcleo essencial numconceito determinado”.(grifos no original) 400.

398 CARVALHO, Paulo de Barros. A regra-matriz do ICM. São Paulo, 1981. 427 f. Tese (Livre Docência) - Faculdade de Direito,PUC-SP. p. 105.

399 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 27.

400 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 24.154

Page 165: Tributação dos Bens Digitais

Na compostura da dicção constitucional anterior foi tranqüila a admissão de que o predicado verbal

indicador da ação humana prevista no núcleo da regra-matriz estava traduzido pelo predicado verbal

realizar que limitava sobejamente a liberdade do legislador401.

Na expressão correspondente da atual Constituição o problema da identificação parece ressurgir. Teria o

verbo “realizar” deixado de figurar como núcleo na esquematização formal do suposto normativo do

Imposto sobre Circulação de Mercadorias?

Afirmamos que não! Embora suprimida a expressão na formulação lingüística do artigo 155, inciso II da

Constituição Federal, permanece a figurar no nível do superior sistema normativo onde as unidades

enunciativas urdem sua significação402.

Como dado construído, a significação é a resultante da pesquisa e harmonização dos vários textos

legislados e sistematizados a compor unidades de significação irredutíveis e completas. Assim entendida,

obtempera Lourival Vilanova que:

“... a norma não é a oralidade ou a escritura da linguagem,nem é o ato de querer ou pensar ocorrente no sujeitoemitente da norma, ou no sujeito receptor da norma, nem é,tampouco a situação objetiva que ela denota. A norma jurídicaé uma estrutura lógico-sintática de significação” 403.

Perscrutando os demais artigos da Constituição, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias,

verificamos que as formulações lingüísticas continuam a comportar o verbo realizar como indicador da

ação tipificada. Até por tal razão, não é por ocorrência acidental que o verbo realizar está explicitamente

presente nas disposições trazidas pelo inciso XI do artigo 155 da Constituição Federal, ao estabelecer o

Imposto sobre Circulação de Mercadorias:

“... não compreenderá, em sua base de cálculo, o montantedo imposto sobre produtos industrializados, quando aoperação, realizada entre contribuintes e relativa a produto

401 CARVALHO, Paulo de Barros. A regra-matriz do ICM. São Paulo, 1981. 427 f. Tese (Livre Docência) - Faculdade de Direito,PUC-SP. p. 107.

402 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 61.403 VILANOVA, Lourival. Norma jurídica: proposição jurídica. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 15, n. 61, p. 16, 1982.

155

Page 166: Tributação dos Bens Digitais

destinado à industrialização ou à comercialização, configurefato gerador dos dois impostos” (g.n.).

Também reforça o referido entendimento a previsão inserta no artigo 4o. da Lei Complementar 87/96

que inocula o verbo “realizar” ao compor a materialidade da hipótese da seguinte forma:

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, querealize, com habitualidade ou em volume que caracterizeintuito comercial, operações de circulação de mercadoria ouprestações de serviços de transporte interestadual eintermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e asprestações se iniciem no exterior. (g.n.)

No reconhecimento dessas conclusões também estabilizou-se a doutrina, como se pode detectar nos

trabalhos de MELO e LIPPO404.

7.1.2.2 O núcleo do Complemento: “Operações”

Mas qual o objeto direto a completar o sentido do verbo realizar? Indica o inciso II do artigo 155 que o

núcleo do complemento é o substantivo plural “operações”, afastada a ênfase sobre o vocábulo

“circulação” que muitas impropriedades trouxe na análise desse imposto. Registrou ATALIBA a propósito

dessa questão:

“A sua perfeita compreensão e a exegese dos textosnormativos a ele referentes evidencia prontamente que toda aênfase deve ser posta no termo “operação” mais do que notermo “circulação”. A incidência é sobre operações e não sobreo fenômeno da circulação.

O fato gerador do tributo é a operação que causa a circulaçãoe não esta.” 405.

Por evidência, tais operações a que se refere o texto constitucional somente podem ser compreendidas

como operações jurídicas, pois se assim não fosse teríamos que admitir efeitos jurídicos causados por

404 MELO, José Eduardo Soares de; LIPPO, Luiz Francisco. A não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética, 1998. p. 33.

405 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968. p. 246.156

Page 167: Tributação dos Bens Digitais

motivos não integrantes das classes dos enunciados componentes das normas gerais e abstratas. Já

vimos que a estrutura dos enunciados normativos do Direito não se coadunam com tal possibilidade.

7.1.2.3 O Termo “Circulação”

Por operações jurídicas se quer significar atos ou negócios jurídicos. Atos próprios para efetivar que

negócios jurídicos? A continuidade do texto desponta sem margem de dúvida que os negócios jurídicos

devem dizer respeito à circulação de mercadorias.

Não são quaisquer atos ou negócios jurídicos. O comando normativo em sua estrutura frásica reduz o

universo das possibilidades introduzindo uma classe específica de atos ou negócios jurídicos. Somente

aqueles que digam respeito à circulação, obviamente em seu sentido jurídico e não-econômico ou

meramente físico. Circular quer dizer promover a troca de titularidade sobre o bem406. É necessário que

ocorra mudança de patrimônio407, fato jurídico que pode decorrer das mais variadas formas legais, não

somente a compra e venda, mas também a troca, a consignação, o comodato, etc.

7.1.2.4 Os Agentes Promotores do Fato Jurídico-Tributário

Neste ponto torna-se necessário determinar se as trocas de titularidades estão sujeitas ao tributo

qualquer que seja a pessoa que pratique o ato. Enfim, quem são as pessoas legitimadas para poder

figurar como agentes ativos e realizadores do fato típico?

Tomada a Constituição como ápice da estrutura hierárquica legal, qualquer busca na identificação das

pessoas capacitadas a realizar o fato jurídico tributário deve necessariamente tomá-la como ponto de

partida.

406 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 36.

407 CARVALHO, Paulo de Barros. A regra-matriz do ICM. São Paulo, 1981. 427 f. Tese (Livre Docência) – Faculdade de Direito,PUC-SP. p. 402.

157

Page 168: Tributação dos Bens Digitais

Impende como ato preliminar diferençar duas distintas situações: a capacidade para realizar o fato

jurídico tributário e a capacidade para figurar como sujeito passivo no pólo da relação jurídica contida no

conseqüente da regra-matriz de incidência. A distinção é de sobranceira necessidade, pois pode resultar

em diferentes universos de potenciais partícipes.

Nesse soar identifica-se que o arcabouço do ICMS traçado pelo artigo 155 da Constituição Federal em

momento algum expressa o agente potencial da realização do fato pressuposto na hipótese

normativa. Isto permite assegurar que no nível constitucional inexiste qualquer disposição contendível

da ampla possibilidade de que qualquer entidade possa praticar a ação representada pelo verbo

“realizar”, componente da hipótese tributária.

Poderá “realizar” o fato pressuposto qualquer pessoa, não se restringindo ao universo exclusivo das

entidades personalizadas pelo Direito Civil como pessoas físicas ou jurídicas. Poderão concretizar o

fato jurídico típico tanto partes absolutamente incapazes, sociedades de fato e outras entidades

despersonalizadas. Prescinde, exclusivamente para fins tributários, que a capacidade para realizar o

suposto tenha correspondência com as exigências do Direito Civil para prática de atos jurídicos

válidos.

Robora estas afirmações, em interpretação sistemática vertical na construção da norma jurídica, a

conjugação das prescrições do artigo 126, do Código Tributário Nacional, que sufragará as conclusões

exposadas.

Esta amplitude, calcada na não-limitação constitucional, permite assegurar que na feição

constitucional do tributo inexistem parâmetros excludentes de qualquer agente para realizar

operações de circulação de mercadorias.

158

Page 169: Tributação dos Bens Digitais

Todavia, também expressa determinação constitucional define que esta ampla liberdade constitucional

sofra explícita limitação. É o que se dessume do inciso XII do artigo 155 da Constituição Federal, ao

determinar que lei complementar venha a lume esboçar e definir os contribuintes do ICMS.

Estaria a Constituição outorgando ao legislador complementar permissão para dispor sobre os agentes

capacitados a realizar o fato jurídico-tributário ou sobre as pessoas que podem compor o liame

obrigacional na condição de sujeito passivo da obrigação tributária?

Sabemos de antemão que, para a expressão “contribuinte”, não existem, no nível constitucional, notas

indicativas de significação, o que nos permite admitir que a expressão é utilizada no seu sentido

sedimentado pelo uso técnico-jurídico e pela legislação tributária.

Contribuinte é a pessoa que mantendo relação pessoal e direta com o fato jurídico tributário, faz parte

da relação obrigacional na qualidade de sujeito passivo. Para esta também conduzem as prescrições

do artigo 126, I e II do Código Tributário Nacional. Não é, às abertas, o caso do inciso III, pois neste

constam entes não-personalizados e que não poderão figurar como sujeitos passivos de obrigação

tributária, embora lhes seja facultado compor o rol daqueles que podem realizar o sucesso previsto na

hipótese normativa.

Na seleção daquele que será o contribuinte, não poderá o legislador tributário afastar-se dos limites

constitucionais da sua competência, no que se refere ao fato escolhido para compor o núcleo de

referência da regra-matriz. O contribuinte, ao contrário do agente capacitado para realizar o fato

tributário, deverá ser pessoa, sujeito de direitos e com condições de ocupar o tópico de devedor da

prestação obrigacional e do qual se possa exigir, de forma efetiva, o cumprimento da obrigação408.

Feitas as incursões aquém, parece-nos possível afirmar que foi conferido ao legislador complementar,

pelo inciso XII do artigo 155 da Constituição Federal tanto a definição dos contribuintes, quanto a

408 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 301-312.159

Page 170: Tributação dos Bens Digitais

delimitação do campo de eleição daqueles que estariam reconhecidos como agentes capazes de

realizar o fato suposto normativamente. Com estas conclusões, nos afastamos da afirmativa a que

chegou CARVALHO409, de que a expressão “contribuinte” e portadora do significado exclusivo de

designação do agente da ação colocado no núcleo da hipótese tributária e não o sujeito passivo dos

liames que se inauguram com a ocorrência daquele fato. Resultam diferentes as conclusões tanto das

circunstâncias de estarem sob análise dicções constitucionais diversas, onde a atual Magna Carta traz

em seu plexo a necessidade de regular um tributo que sob única sigla comporta uma vasta gama de

diferentes tributos, quanto da exegese da alínea “d” do inciso XII do artigo 155 do Texto Supremo,

que prescreve a competência para fixar e definir o estabelecimento responsável, ente sem

personalidade jurídica, para efeito de exigir o tributo conforme o local da operação.

Enfronhando-nos na análise da lei complementar editada sob os auspícios do comando constitucional

referido, Lei Complementar 87/96, deparamo-nos com as delimitações e escolhas concretizadas pelo

legislador complementar.

Dispõe o artigo 4o. da Lei Complementar 87/96:

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física oujurídica, que realize, com habitualidade ou em volumeque caracterize intuito comercial, operações decirculação de mercadoria ou prestações de serviços detransporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,ainda que as operações e as prestações se iniciem no exteriorParágrafo único. É também contribuinte a pessoa física oujurídica que, mesmo sem habitualidade:

I - importe mercadorias do exterior, ainda que as destine aconsumo ou ao ativo permanente do estabelecimento;

II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cujaprestação se tenha iniciado no exterior;

III - adquira em licitação mercadorias apreendidas ouabandonadas;IV - adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasososderivados de petróleo oriundos de outro Estado, quando nãodestinados à comercialização.

409 CARVALHO, Paulo de Barros. A regra matriz do ICM. São Paulo, 1981. 301 f. Dissertação (Livre Docência) - Faculdade deDireito, PUC-SP. p. 402.

160

Page 171: Tributação dos Bens Digitais

Desfila com assomos de evidência que, no campo do exercício de suas permissões, optou o legislador

complementar por limitar o âmbito de incidência do tributo, selecionando, ao conectar a ação

expressada pelo verbo “realizar”, como agentes capacitados ao êxito suposto na hipótese tributária

somente pessoas físicas ou jurídicas, ou seja, entes personalizados em conformidade com as prescrições

tradicionais e manejados pelo Direito Civil.

Excepcionando-se os estabelecimentos, tidos como exceção e limitados à criação da denominada

“autonomia dos estabelecimentos”, podemos rematar que somente entes personalizados poderão

realizar o fato jurídico tributário bem como, conforme exposto, figurar como contribuintes, sujeitos

passivos da relação obrigacional tributária.

Não basta, porém, realizar operações. Exige-se mais. A pessoa que concretiza o êxito suposto precisa

realizá-lo não de forma isolada, mas sim com habitualidade ou, se ausente este critério, que o faça em

volume que caracterize intuito comercial.

Excogita de tais prescrições a exigência de que a realização das operações tenha caráter mercantil, quer

pela natureza da pessoa que promove a saída da mercadoria de um estabelecimento comercial,

industrial ou produtor com a intenção de passá-la à disposição de outra pessoa410, quer pela

configuração emprestada pelo volume, mesmo que ainda não-categorizada a pessoa como comerciante.

Destes contornos não dista o modelo entabulado pela Constituição de 1967 que prescrevia de forma

expressa que as vendas realizadas por quem não seja comerciante, industrial, nem produtor, estariam

incólumes a este imposto411.

Identificados os agentes da ação de realizar operações, continuemos em nossa empreitada.

7.1.2.5 O Termo “Mercadorias”

410 BRITO, Edvaldo. Problemas jurídicos do ICM. Salvador: LJF, 1974. p. 92.411 MIRANDA, Pontes de. Comentários à constituição de 1967. São Paulo: Forense, 1987. p. 504.

161

Page 172: Tributação dos Bens Digitais

Em continuidade à análise da prescrição constitucional, percebe-se que o texto constitucional

especializou ainda mais, reduzindo o amplo campo de incidência do tributo. Não é qualquer circulação,

mas sim a circulação de mercadorias. Observa ATALIBA:

“Circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bemou uma mercadoria muda de titular, ocorre circulação, paraefeitos jurídicos. Titularidade de direito de disponibilidadesobre uma mercadoria é a circunstância de alguém deterpoderes jurídicos de disposição sobre a mesma (ainda que nãoseja seu proprietário).

Sempre que haja relação jurídica negocial, de um lado, emercadoria, de outro (como objeto daquela), relação na qualum dos sujeitos (o que detém a mercadoria) é titular dosdireitos de disposição sobre ela e os transfere a outrem,haverá circulação relevante para efeitos do ICMS.

Aquele que tendo sido parte na operação – transfere a outremos direitos de disposição sobre a mercadoria promove suacirculação jurídica. Assim, é juridicamente relevante, para osefeitos do ICMS, a transferência de poderes de disposiçãosobre mercadoria, entre pessoas privadas, sendo negociante opromovente.” 412

Por fim, e de maior importância, se faz imprescindível a determinação da significação do adjunto

mercadorias, que no conjunto do enunciado determina e qualifica quais tipos de operações ao serem

realizadas constituem a classe enunciada.

A Constituição Federal ao utilizar o termo mercadorias não lhe empresta significado diferente de seu uso

jurídico corrente. Ao não estabelecer um conceito de forma estipulativa, como uma proposta de

significação inédita, o termo deve ser tomado em sua extensão e alcance habituais413. Este sentido

habitual, todavia, não corresponde ao da linguagem leiga, corrente, pois como Ciência o Direito exige

maior precisão de conteúdo e mais exata delimitação de seu alcance. Como alerta BINDING414, o Direito

fala sua própria língua e por isso o que importa é o sentido técnico-jurídico dos termos de que se utiliza,

412 ATALIBA, Geraldo. ICMS: não incidência na ativação de bens de fabricação própria. Revista de Direito Tributário, São Paulo,n. 63, p. 194-205, [ca 1997].

413 ALCHOURRÓN, Carlos. E.; BULYGIN, E. Definicione y normas, in el lenguaje del derecho. Buenos Aires: AbeledoPerrot, 1983. p. 16.

414 ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6. ed. Tradução de J.Baptista Machado. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 1988. p. 139.

162

Page 173: Tributação dos Bens Digitais

embora saibamos que este também traz ínsitas as dificuldades naturais da linguagem. ROSS415 registra

que é enganoso imaginar que as palavras possuam isoladamente significado ordinário, pois somente o

contexto e o desejo de descobrir um significado razoável em relação a uma dada situação determinam o

significado das palavras individuais em sua função contextualizada.

A expressão que se toma por interpretar em sua forma de texto, além de funcionar como ponto de

partida para sua elucidação, funciona também como limite da própria atividade interpretativa. É fácil

verificar que a palavra “mercadoria”, na sua conformação constitucional, não oferece por si só uma zona

denotativa segura e mínima. Assim, para sua elucidação, a busca de seu uso clássico e técnico-jurídico é

tarefa que oferece caminho seguro para a tarefa.

Registra o Vocabulário Jurídico elaborado por De Plácido e Silva:

“Mercadoria: Derivado do latim merx, de que se formoumercari, exprime propriamente a coisa que serve de objeto àoperação comercial. Ou seja, a coisa que constitui objeto deuma venda.

É especialmente empregado para designar as coisas móveis,postas em mercado. Não se refere aos imóveis, embora estessejam também objeto de venda.

A rigor, pois, mercadoria é designação genérica dada a todacoisa móvel, apropriável, que possa ser objeto de comércio.

As coisas fora de comércio não se entendem comomercadorias e não são suscetíveis de venda. A mercadoria é aque está no comércio, pode ser vendida pelo comerciante oumercador. A coisa que não está para venda não é mercadoria.

Tecnicamente, portanto, somente se denomina de mercadoriao objeto ou a coisa adquirida pelo comerciante ou mercador,para servir de objeto de seu comércio, isto é, para serrevendida.

Excepcionalmente, porém, os produtos agrícolas consideram-se mercadorias e o dinheiro entende-se como mercadoria dosbancos, que se dedicam a empréstimos ou financiamentos.

É designada também no comércio por fazendas e gêneros,estes especialmente para distinguir os produtos alimentícios, eaquelas, os tecidos.” 416

415 ROSS, Alf. Direito e Justiça. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000. p. 146.163

Page 174: Tributação dos Bens Digitais

Em exauriente estudo demonstrou CARVALHO417 que a noção de mercadoria deve ser buscada na forma

de uso ditada pelos comercialistas. Lastreado em seus mais renomados representantes, firmou sua

conclusão ao demonstrar que o uso está assentado de forma uniforme na doutrina comercialista.

Mercadoria não é uma qualidade intrinsecamente presente no objeto, mas sua natureza mercantil

resulta da destinação que se lhe dê. É o que resulta da análise do artigo 191 do Código Comercial

Brasileiro, ao dispor sobre o contrato de compra e venda mercantil:

“É unicamente considerada mercantil a compra e venda deefeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou aretalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar oseu uso; compreendendo-se na classe dos primeiros a moedametálica e o papel-moeda, títulos de fundos públicos, ações decompanhias e papéis de crédito comerciais, contanto que nasreferidas transações o comprador ou vendedor sejacomerciante”.

Ao incluir, sob o manto da expressão mercadoria, coisas tão diversas, o esforço exegético tem que

continuar sendo apurado para que se encontre uma zona segura de interpretação.

SANTOS, DIAS e GUSMÃO418 registram para o vocábulo mercadoria as seguintes observações:

“Chamamos mercadoria a tudo que é suscetível de se comprare vender.

ERCOLE VIDARI ensina que à coisa comercial por excelênciapode-se dizer mercadoria.

MENDONÇA diz que todos os objetos de comércio vendidos oulocados são mercadorias.

Quando as coisas entram em atividade mercantil, entram nacirculação econômica, tomam o nome específico demercadoria – commerciam quase comutatio mercium.

Para SUPINO, não há diferença entre coisas e mercadorias,distinguindo-se somente pela destinação.

416 SILVA, DePlácido e. Vocabulário jurídico. 4. ed. Rio de Janeiro; Forense, 1995. 2. v., p. 181.

417 CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência tributária. São Paulo. 323 f. Tese (Professor Titular) -Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1997. p. 203-208.

418 SANTOS, J. M. de Carvalho; DIAS, José de Aguiar; GUSMÃO, Sady Cardoso de. Repertório enciclopédico do direitobrasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, [1947?]. v. 33, p. 180.

164

Page 175: Tributação dos Bens Digitais

C.COSACK, por sua vez, declara: “...ou apelle marchandisetoute espéce d’objet mobiller, à la seule exception dês valeurset autres titres.” . Como vemos, qualquer espécie de objetomóvel com exceção de valores e títulos de crédito, sãomercadorias.

BORGES, em seu dicionário jurídico compara a palavramercadoria a fazenda – gêneros, etc.

Em nosso Código Comercial Brasileiro a palavra – mercadorias– não tem sentido definido.

Veja-se por exemplo os artigos 10, n°. IV, 33, 200, 201, 273,446, 816, 874, etc. onde a palavra mercadoria é empregadasob as mais variadas denominações, como, coisas materiais,corpóreas, moedas, espécies , gênero, fazendas etc., dando aentender ser tudo quanto seja objeto de mercar (compra evenda) ou mercancia (mercadoria).

As coisas corpóreas ou incorpóreas podem também sermercadorias, desde que, possuindo qualidades quecorrespondam a determinada quantidade, pois assim preceituao artigo 207, no. 03 do nosso Código Comercial Brasileiro.

Outro não era o critério no Direito Romano, “...res corporalesquae tangi possunt...quae tangi non possunt, qualia sunt laquae in iure consistiunt, sient hereditas usufructus obligationesquoque mode contratae” expresso por GAIUS, nas “Institutas”,2, 14.

A qualidade da mercadoria , aquela que é conhecida nocomércio.

Finalmente podemos dizer como ensina o mestre WALDEMARFERREIRA “...são mercadorias as coisas móveis que secompram e se vendem, por atacado ou a varejo, nas lojas,armazéns, mercados ou feiras, sejam produtos da natureza,sejam da indústria, na sua variedade imensa.”

Dissecando o sentido da expressão ‘mercadoria”, Waldirio Bulgarelli419 registra:

1. Mercadoria, para o Direito Comercial, é o nome que ascoisas móveis tomam quando objeto de comércio (‘mercisappellatio ad res mobilis tantum pertinet”, no dizer de Ulpiano,D., 50). O termo indica, pois, os bens móveis enquanto objetode circulação econômica. Hoje toma especial importância, poiso sistema tributário brasileiro consagrou a circulação demercadorias como base de um tributo, o Imposto sobreCirculação de Mercadorias (ICM), inspirado, basicamente noTVA francês.

2. O estudo mais completo e clássico sobre mercadorias foifeito por J.X. Carvalho de Mendonça, que ainda permanece

419 ENCICLOPÉDIA Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 52, p. 277.165

Page 176: Tributação dos Bens Digitais

atual: “As coisas móveis consideradas como objeto dacirculação comercial tomaram o nome específico demercadorias. A mercadoria está, portanto, para a coisa, comoa espécie está para o gênero. Todas as mercadorias sãonecessariamente coisas; nem todas as coisas, porém, sãomercadorias. Não há, como se vê, diferença de substânciaentre coisa e mercadoria; a diferença é a destinação. Tudo oque pode ser objeto de comércio, vendido ou locado émercadoria. Mercadoria é a coisa comercial por excelência, nafrase de Vidari. Nesse sentido, fala-se de mercar, i.e., comprare vender, especular, e de mercancia, significando mercadoria. A palavra mercadoria não tem no Código Comercial sentidodefinido. Ora é empregada para referir coisas móveis,dinheiro, papéis de crédito, efeitos e valores; ora compreendequalquer objeto que, tendo valor de troca, pode entrar nacirculação comercial. No amplo sentido, a fórmula mercadoriaabrange não somente as coisas materiais, corpóreas, inclusivea moeda, o papel-moeda e os títulos ou documentos, nosquais se incorporam os créditos, que, destarte, sãoconsiderados objetos de valor, como as coisas imateriais, entreelas os direitos, os créditos, os riscos, etc.

No sentido restrito, porém, aquela palavra limita-se aoconceito da coisa material, corpórea.

É nessa acepção que a Constituição Federal e leis comerciais efiscais, de ordinário, a empregam. Como sinônimas demercadorias figuram, umas vezes, a palavra gêneros, e outrasa palavra fazendas e ainda efeitos. Mas a palavra gênerosdesigna, em sua pureza, produtos da terra, tomando o nomede mercadorias, quando se torna objeto de comércio, i.e.,quando sai das mãos do produtor para as do comerciante queas revende, prepara ou exporta. Então, sob a designação demercadorias compreendem-se todos os produtos da indústriaagrícola, Outrossim, a palavra fazendas no Direito Marítimodesigna especialmente as coisas que se carregam a bordopara trocar ou vender. Diz-se que as fazendas que se levamsão chamadas de mercadorias para designar que fazem objetode mercancia ou trato de mercadejar. A palavra cereaiscompreende certas mercadorias especiais”(Tratado de direitocomercial brasileiro, v.5, Parte 1, p.28-30).

No Código Comercial Brasileiro encontra-se a utilização dosseguintes vocábulos, na acepção de mercadorias; efeitos (arts.191; 206; 207,3;88,2;91;96; 97; 100,2; 105; 108; 113; 170;171; 172; 178; 189; 508; 527; 588; 616; 617; 627; 646 e773); coisas (arts. 199; 202; 204; 206; 207,4; 209; 210; 212;214; 215; 216; e 218); gêneros (arts. 88, 4, 5 e 6; 89; 90; 92;99; 100, 1; 104; 106; 107; 111; 112; 114; 116; 117; 118;201; 203; 208; 219 e 528); fazendas (arts. 88, 5, 101; 102;103; 571,3; 582; 584; 618; 619; 620; 621; 623; 624; 770 e774); mercadorias (arts. 178; 200; 201; 209; 217; 219; 508;515; 518; 523; 622; 769; 778 e 779).”.

166

Page 177: Tributação dos Bens Digitais

Denota-se das lições exposadas que o campo de referência da expressão mercadorias tem ampla

abrangência mesmo entre os comercialistas. Esta variância, todavia, sofreu adequado tratamento

gradativo na busca da compreensão de seu núcleo semântico, precipuamente no trabalho empreendido

por MENDONÇA ao obtemperar que na compra e venda mercantil :

“... a operação deve ter por objeto bens ou coisas móveis,inclusive títulos de crédito. Em segundo lugar, o compradordeve ter a intenção de revender a coisa comprada ou de loca-la, visando especular (elemento intencional). Em terceirolugar, devem ser comerciantes o comprador na aquisição e ovendedor na revenda, finalidade do negócio celebrado”.

Esta é, no seu dizer, a compra e venda por natureza. Acresce, vale o registro, que a compra e venda

também pode ser considerada comercial por elementos de dependência ou conexão e por força ou

autoridade da lei420. Esta classificação, dos elementos de dependência ou conexão, sofreu direta crítica

de MENDES421 que nela não via senão a classificação clássica dos atos objetivos e subjetivos do

comércio, tema sobre o qual não interessa discorrer no presente trabalho.

Exsurge das lições exposadas, de maneira surpreendente que, embora a doutrina tenha sido firmada

para usar-se a expressão mercadorias no sentido que lhe emprestam os comercialistas, o que

verdadeiramente se nota é que os próprios comercialistas e o Código Comercial não possuem

delimitação exata e reduzida do campo de abrangência do termo. Permaneceremos no mesmo ponto se

encerrarmos nossas reflexões com tal argumento, pois se a Constituição Federal não especifica o que

são mercadorias e se decide por buscar seu sentido e alcance no Código Comercial e na doutrina

comercialista e esta, por sua vez, igualmente apresenta múltiplos sentidos e abrangência, a inelutável

conclusão é que tal solução não é satisfatória.

Cabe-nos perquirir qual seria a causa dessas ingentes dificuldades.

A resposta nos parece estar na circunstância de que a Constituição Federal e o campo de ação do

Código Comercial atuam em zonas de exigências dogmáticas diversas.

420 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 5. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1956. p. 15.

421 MENDES, Otávio. Direito comercial terrestre. São Paulo: Saraiva & Cia, 1930. 623p.167

Page 178: Tributação dos Bens Digitais

As exigências, no campo constitucional tributário, de atendimento à igualdade e legalidade como

corolários da segurança jurídica, não encontram paralelo no campo do Direito Comercial, onde tais

questões não se apresentam com tamanha intensidade, estando, no mais das vezes, ausentes tais

questionamentos em um direito originado de práticas operativas, por mercadores mais interessados em

determinar a segurança de seus negócios privados e seus privilégios como corporação422. Sob tais

circunstâncias as dificuldades de base estão, a nosso ver, no conflito de se pensar na forma conceitual

ou tipológica. Enquanto a Constituição Federal, ao tratar de competências tributárias, exige um modelo

conceitual fechado, o Direito Comercial, por sua vez, adapta-se e está integrado a um modelo tipológico,

em seu sentido próprio.

Discorreremos mais detidamente sobre o tema, lastreados nas imprescindíveis lições de DERZI423, para

estabelecer com maior precisão tais afirmações.

O conceito, na lógica conceitual dedutiva utilizada pela dogmática tradicional, tomado como essência da

coisa, no sentido aristotélico, une os objetos em classe pela identidade e distingue-os segundo a

diferença de espécie, sempre tomando como pressuposto que o conceito mais específico e menos geral

está contido naquele superior e mais amplo da mesma classe.

O tipo, por sua vez, organiza o conhecimento também por semelhanças e diferenças, mas abole o rigor

da identidade e admite as transições fluidas, a comparação e a gradação entre as diferentes ordens,

opondo-se ao tradicional conceito de classe e espécie.

O conceito secciona, seleciona e abstrai caracteres secundários e que não interessam ao objeto de

estudo, fazendo com que quanto maior for a abstração, mais abrangente seja o conceito, abrigando

maior número de objetos e tornando-se mais vazio de conteúdo e significado. O conceito menos geral

422 CAMPOBASSO, Gian Franco. Diritto commerciale. Torino: UTET, 1994. p. 8.

423 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: RT, 1988. 302p.168

Page 179: Tributação dos Bens Digitais

pertence ao gênero do mais abrangente. Ao conceito menos abrangente denomina-se espécie, e ao que

diferencia uma espécie de outra, sob um mesmo gênero, denomina-se diferença de espécie. Por isso,

definir é atribuir um gênero a um conceito e acrescentar a diferença de espécie424.

O uso do modelo classificatório ao buscar a natureza das coisas em organizações lógico-sistemáticas

introduz grandes dificuldades para adequada apreensão do fenômeno jurídico, onde se opera sobre

porções mais densas dos matizes e influxos da realidade empírica, impregnada de comportamentos

subjetivos. Contra esta limitação aparece como fórmula conciliatória o uso do tipo como instrumento de

ordem e não conceito de classe.

Ordenada uma série, estabelecem-se seus pontos limítrofes que servem, por comparação, como medida

de identidade ou dessemelhança com um outro dado comparado. Os tipos não dão, por si, o

conhecimento da realidade, mas são instrumentos para o reconhecimento dos fenômenos isolados e sua

ordenação. Os tipos, ao contrário dos conceitos de classe, possuem uma ordenação gradativa, sem

limites rigorosos. O conceito de classe exige um número limitado e necessário de características, já o

tipo não é definido, mas apenas descrito, suas características não são indispensáveis, podendo faltar

algumas, importando de forma prevalecente a figura geral, afastando-se a técnica da subsunção para

utilizar-se a técnica de ordenação, mais aberta às flutuações da realidade. São notas próprias do tipo: a

indefinibilidade, a totalidade da imagem decisiva para seu reconhecimento, a abertura real, mais

próxima da realidade do que o conceito classificatório e a aptidão para ordenar os fenômenos por

comparação, sem rígidos cortes de secção. Um sistema elástico de características, não limitadas e

renunciáveis, em modelos abertos que asseguram maior aproximação com a realidade jurídica425. Por

isso, tipos fechados são uma contradição e uma impropriedade, uma vez que denotam, na sua inteireza,

um conceito de classe( XXIX ).

424 ARISTÓTELES. Tratados de lógica. 5. ed. México: Porruá, 1979. v. 2.425 DERZI, Misabel Abreu Machado. Limitações constitucionais ao poder de tributar de Aliomar Baleeiro. 7. ed. São Paulo:

Forense, 1998. p. 125.

( XXIX ) No Brasil a doutrina utiliza o a expressão tipo fechado em seu sentido atécnico, querendo significar, de fato, conceitosdeterminados especificantes. 169

Page 180: Tributação dos Bens Digitais

Lastreados em tais fundamentos podemos afirmar que a determinação conceitual especificante, rígida,

precisa, determinada e fechada, alheia às peculiaridades individuais, realçando a isonomia no seu

sentido formal, realiza de forma mais apropriada o princípio da segurança jurídica. Como tal, sua

utilização na seara do Direito Tributário cumpre papel fundamental. Outros campos, como o do Direito

Civil e do Direito Comercial, são espaços abertos e adequados à larga utilização dos tipos.

Correta é, portanto, a conclusão de que o tipo, em seu sentido próprio, não se adapta às exigências da

rigidez constitucional de discriminação da competência tributária, que tem como pedra angular a

privatividade, que exige para sua funcionalidade conceitos determinados e especificantes de maneira a

afastar concorrência ou invasões de competência.

Por tais razões não se pode tomar de forma integral a noção de mercadorias utilizada com a flexibilidade

e imprecisão dos comercialistas como assumida na mesma forma de pensar pelo legislador

constitucional.

A compreensão da expressão deve ser cercada de diferente abordagem, levando em conta a imperiosa

necessidade de pensar a expressão como circundada por um modelo conceitual determinado e

especificante e não tipológico.

Neste modo estribado é que devemos buscar um formato de classe para a expressão mercadorias e,

como tal, reduzir-lhe a abrangência, a indeterminação e a variância, sob pena de ofender os elementos

estabilizadores da partilha constitucional da Federação.

Considerando que manejamos no campo da competência tributária, não podemos exercer o “poder”

tributário para além dos limites constitucionalmente estabelecidos. Este pressuposto determina que o

núcleo do elemento de qualquer tributo não pode ficar a mercê de um método indireto de criação pelo

Poder Executivo ou pelo Poder Judiciário, o que conduz a uma restrita delimitação dos conceitos

utilizados pela Constituição Federal. Por isso a esta tipificação (em seu sentido impróprio) de primeiro

grau, na expressão de XAVIER, onde se descreve o núcleo essencial dos tributos, deve seguir-se uma

170

Page 181: Tributação dos Bens Digitais

tipificação (novamente em seu uso impróprio) de segundo grau efetuada pela Lei Complementar,

estabelecendo-se conceitos determinados que serão posteriormente utilizados pela legislação ordinária

na implantação final do tributo426.

Esplandecendo tais orientações é que o Código Tributário Nacional estabelece incriticável alerta

interpretativo ao dispor, em seu artigo 110, comando dirigido ao legislador para que este, manejando os

conceitos de Direito Privado utilizados pela Constituição Federal, não acabe por ampliar indevidamente

sua própria competência. São exatas as lições de Luciano Amaro ao obtemperar que:

“A matéria, claramente, é de definição de competência, e, anosso ver, enquadra-se nas atribuições que a Constituiçãooutorga à lei complementar para regular as chamadas“limitações constitucionais ao poder de tributar”, que, emultima análise, são normas sobre o exercício da competênciatributária. Cuida-se de explicitar, em suma, que o legisladornão pode expandir o campo de competência tributária que lhefoi atribuído, mediante o artifício de ampliar a definição, oconteúdo ou o alcance de institutos de direito privadoutilizados para definir aquele campo” 427.

Manejando no nível constitucional, todavia, insta observar que o artigo 110 não é suficiente para

determinar a interpretação da Constituição, sendo esta interpretação balizada por esta quando se vai às

demais normas de direito positivo e dependente, precipuamente, de si própria428.

Elaborando o conteúdo de significação da expressão mercadorias a partir exclusivamente e na forma em

que é tomada no texto constitucional, identificamos que o legislador constituinte, ao usar a expressão

mercadoria para indicar a materialidade do imposto de competência estadual, exclui de seu âmbito os

imóveis, como faz de forma coincidente o Código Comercial, ao submeter a tributação destes, imóveis,

ao Imposto de Transmissão Inter Vivos, de competência dos municípios e previsto no inciso II do artigo

156 da Constituição Federal. Também no sentido constitucional, em seara do Sistema Tributário

Nacional, estão excluídas do conceito de mercadorias as operações que envolvam crédito, câmbio,

426 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 24.

427 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 208.

428 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tributário. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.232.

171

Page 182: Tributação dos Bens Digitais

seguro e as relativas a títulos e valores mobiliários, pois tais, embora tidas como operações com

mercadorias no sentido do Código Comercial, estão excluídas da materialidade do imposto estadual por

comporem a materialidade do imposto previsto no inciso V do artigo 153 da Constituição Federal, o

Imposto sobre Operações Comerciais-IOC, de competência da União Federal.Também não será

mercadoria quando a transmissão de propriedade do bem móvel se der causa mortis ou por doação.

Restarão excluídos igualmente os bens utilizados na prestação de serviços e que componham a lista de

serviços prevista na Lei Complementar 56/87, pois estarão integrando a competência dos municípios.

Não será também mercadoria o produto industrializado destinado ao exterior, mas o serão os semi-

elaborados definidos em lei complementar, conforme dicção do inciso X do § 2o. artigo 155 da

Constituição.

Esta forma de demarcação consegue determinar, no nível constitucional, o que mercadoria não é. De

recurso semelhante utilizou-se GRECO para igualmente buscar a noção de mercadoria no texto

constitucional429. Todavia, tratando-se de critério negativo, embora nos dê importante contribuição, não

é suficiente para circunscrever o que constitui mercadoria no texto constitucional. Além do critério

negativo não determinar o que a coisa é, ao se adotar referido critério o que se obtém é uma aplicação

às avessas da construção de uma definição ostensiva. Estas, ao contrário das definições verbais, que

comunicam o significado de uma palavra por outras palavras, buscam estabelecer a definição por meio

da função explicativa do exemplo430 que transfere ao destinatário da mensagem a missão de intuir as

características definitórias abstraídas de tudo que seja adjetivo. As definições ostensivas, que são

extensionais, vez que enumeram o seu conteúdo (denotam), não indicam as características comuns que

nos permitem agrupar os objetos sob a denominação da palavra a definir, como fazem as definições

intensionais, que nos aparelham como um critério seletor431.

429 GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000. p. 86.430 GUIBOURG, Ricardo A. Naturaleza y funciones del ejemplo em el razonamiento jurídico. Notas de filosofia del derecho,

Buenos Aires, n. 3, p. 57, 1965.

431 GUIBOURG, Ricardo A. Introduccion al conocimiento científico. Buenos Aires: Universitaria, 1985. p. 33-62.172

Page 183: Tributação dos Bens Digitais

Admitindo, como já expusemos anteriormente, que a relação entre a palavra e coisa é arbitrária e uma

resultante contextual, concluímos que efetivamente teremos que permanecer no campo das definições

informativas (descritivas ou lexicográficas), integrante da seara da semântica descritiva, buscando,

porém, estabelecer o uso lingüístico empregado, mantendo-nos restritos aos textos legais que

complementem em hierarquia imediata a Constituição e que contribuam para determinar o campo

pragmático de sua aplicação pelo universo de falantes do campo jurídico que utilizam o termo.

Assentadas tais premissas, busquemos na legislação complementar a especificação de segundo grau

mencionado por XAVIER.

Ao perscrutar as disposições da Lei Complementar 87 e suas posteriores modificações, o que se verifica

é que a referida lei também não se ateve a delinear os limites e contornos do que se poderia ter como

mercadoria. Frente às elevadas necessidades, já apontadas no que se refere à partilha de competências,

segurança jurídica e à exigência do próprio modelo lógico-dogmático deste trabalho onde a linguagem

da Ciência deve contar com um número mínimo de conceitos organizados sistematicamente,

defrontamos-nos com a necessidade de lançar mão de um recurso lingüístico adicional432 como única

forma de prestigiar aquelas regras e valores e também como forma de decidir, quando as bases de

dados preexistentes e os recursos lógicos se mostram insuficientes para afastar a vaguidade. Para tanto,

funcionando tais balizas como forma de produção de um uso estipulativo implícito do termo,

recorreremos a um processo de elucidação onde se buscará a especificação de sentido.

A elucidação se efetiva pela busca do explicatum, termo que atende às exigências de exatidão não-

presentes no explicandum, termo proveniente normalmente da linguagem natural, pré-científico.

Estabelece-se, na elucidação uma busca do núcleo de significação que interessa precisar ou excluir nos

casos analisados. Para tanto recorre-se à elaboração de definições de domínio, admitindo-se que todo

termo designa uma família de significados explicitados a partir do desenho do seu domínio de aplicação,

que nos dá um desenho difuso do campo referencial. Neste trilhar o que se identifica são regiões de

432 GUIBOURG, Ricardo A. Introduccion al conocimiento científico. Buenos Aires: Universitaria, 1985. p. 48.173

Page 184: Tributação dos Bens Digitais

aplicação e exclusão, assegurando-se uma visão mais certa em sua totalidade do que em seus

componentes isoladamente analisados433.

Assim exercitando a análise dos trinta e seis artigos da Lei Complementar 87, que como norma

complementar contribuiu inegavelmente na interpretação constitucional, pode-se afirmar que o termo

“mercadoria” traz em suas múltiplas aparições e de forma consistente o seguinte núcleo de significação:

(i) coisa móvel( 02 BIB ); (ii) corpórea( 03 BIB ); (iii) indiferente à circunstância de estar industrializada ou não;

(iv) objeto de um negócio jurídico que lhe determine atransferência de titularidade;

(v) negócio este cuja habitualidade ou volume revele intuitocomercial434;

(vi) que tenha como destino ser revendida;

(vii) mesmo se importada para consumo ou para compor oativo fixo de estabelecimento empresarial.

Em síntese, assumidas tais características com as exclusões constitucionais retro citadas, vez que tais

materialidades foram atribuídas a outros entes da Federação, lembrando que palavras, não coisas, se

definem435, temos o conceito constitucional da palavra “mercadoria”.

Temos, assim, analisada a estrutura integral do antecedente da regra-matriz do ICMS, com destaque

para o seu aspecto material.

433 WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. 2. ed. Porto Alegre : Fabris, 1995. p. 56-60.

( 02 BIB ) Ver também no mesmo sentido MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos fundamentais do ICMS. São Paulo: Dialética,1997. p. 29.

( 03 BIB ) No mesmo sentido os apontamentos de MELO, José Eduardo Soares de. (Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética,1997. p. 40.).

434 Sobre a característica de operação mercantil registra BRITO, Edvaldo. (O ICMS e a LC 102. São Paulo: Dialética, 2000. p. 49.)

435 GUIBOURG, Ricardo A. Introduccion al conocimiento científico. Buenos Aires: Universitaria, 1985. p. 54.174

Page 185: Tributação dos Bens Digitais

7.2 Bens Digitais e o ICMS

Fundados nos estudos anteriores, finca indagar se nos negócios virtuais que envolvam o fornecimento

de bens digitais, tais como fotografias digitais, a música transferida por meio digital, os livros

eletrônicos, as enciclopédias multimídia, os jogos, os desenhos técnicos, os mapas eletrônicos, as

“pinturas” em museus virtuais, ocorre ou não a incidência do ICMS.

Relembramos que nestas operações em comento, as operações são iniciadas e concluídas no âmbito da

rede, sem remessa física humanamente perceptível de objetos de qualquer espécie, transitando somente

no ambiente de rede de computadores, de forma virtual, num espaço lógico.

Ocorre, nesta situação, um negócio jurídico cujo objeto são bens digitais, constituídos por um conjunto

organizado de instruções, na forma de linguagem de sobrenível, armazenados em forma digital e que

podem ser interpretados por computadores e outros dispositivos assemelhados, que produzem

funcionalidades predeterminadas, tendo como diferença específica sua existência não-tangível de forma

direta pelos sentidos humanos e que, por não estarem aderidos a um suporte físico, transitam por

ambientes de rede teleinformática.

Os bens digitais são objeto de variados negócios jurídicos. Como obras intelectuais podem, na

exploração dos direitos patrimoniais, ser licenciados para uso, locados ou cedidos, de acordo com o

artigo 49 da LDA.

Rememoradas estas premissas, já exposadas de forma detalhada anteriormente, compete formular

questões fundamentais para determinar a possibilidade de os bens digitais em sua circulação econômica

serem tributados pelo ICMS.

A primeira questão é determinar se as transações realizadas são consideradas “operações” mercantis e a

segunda indagação é se os bens digitais podem ser considerados como “mercadorias”.

175

Page 186: Tributação dos Bens Digitais

É possível ao criador de um bem digital comunicar sua obra utilizando precipuamente licenças de uso,

locação ou cessão de direitos de exploração, hipótese onde se transfere um ou mais direitos patrimoniais

sobre sua criação intelectual, assegurando a um terceiro a exploração econômica, incluindo a

reprodução, onde ocorrerá a divulgação pública onerosa ou gratuita da obra. Quando a cessão é total, o

autor fica integralmente despojado de seus direitos de ordem patrimonial.

Verifiquemos se tais negócios jurídicos podem ser enquadrados na materialidade do ICMS, que se

perfará quando, de acordo com nosso percuciente estudo, “uma pessoa com habitualidade ou volume

que caracterize intuito comercial, realizar operações de circulação de mercadorias”.

Coloquemos sob análise somente negócios jurídicos realizados por entes personalizados, já que as

exceções circunstanciais refogem ao propósito deste trabalho.

Não remanesce dúvida de que os contratantes de uma licença, locação ou cessão estão realizando

negócios jurídicos, não exigindo tal constatação desdobramentos que não perfunctórios, cabendo

indagar somente se tais negócios revelam a prática de ato de comércio.

Impende tomar, advertidamente, o conteúdo expresso no artigo 10 e parágrafo 1o. da Lei 9.609/98, no

qual parece figurar um regime de comercialização de contratos de licença, ou seja, um contrato de

natureza mercantil. Estipula o referido artigo:

Art. 10. Os fatos e contratos de licença de direitos decomercialização referentes a programas de computador deorigem externa deverão fixar, quanto aos tributos e encargosexigíveis, a responsabilidade pelos respectivos pagamentos eestabelecerão a remuneração do titular dos direitos deprograma de computador residente ou domiciliado no exterior.

§ 1o. Serão nulas as cláusulas que:

I – Limitem a produção, a distribuição ou a comercialização,em violação às disposições normativas em vigor. (g.n.)

Embora o regime das licenças de software estejam no campo de uma lei especial, cujo envoltório

interpretativo é a Lei de Direito Autoral, parece, numa leitura brusca, que a lei conferiu um regime

mercantil ao processo de licenciamento. Tamanho desatino, todavia, de logo se pode afastar. Diversas176

Page 187: Tributação dos Bens Digitais

foram nossas abordagens sobre a questão da atecnia do legislador, dos processos de formação de

sentido e dos meios e métodos de interpretação, o que nos permite assegurar que estamos mais uma

vez diante do uso da expressão em seu sentido não-jurídico.

Embora a linguagem da lei constitua uma variedade da linguagem natural, o atendimento às exigências

fundamentais de formação do discurso científico impõe o reconhecimento de seus conceitos de valor

como signos unívocos para tipos de objetos e as proposições como signos unívocos para fatos436. Por

isso, afastar-se do teor literal é providência irrefragável, pois interpretar é também, entre outras coisas,

reconhecer uma intenção; as intenções reconhecidas que permitem a compreensão e o sentido literal só

existem como hipótese, como construção a posteriori do analista437. É certo que o sentido de uso

corrente e o jurídico podem coincidir, mas isto, efetivamente, não é constitui regra geral438. Por isso, a

expressão comercialização, empregada no referido artigo 10 da Lei 9.609/98, não pode ser

compreendida de forma isolada, sendo seu sentido “literal” decorrente da interpretação harmônica do

contexto439, interessando-nos não o aspecto onomasiológico da palavra, seu uso corrente para a

designação do fato, mas sim seu aspecto semasiológico, ou seja, sua significação normativa440.

Estribado nessas estruturas, a conjugação, a partir da análise meticulosa, do artigo 2o. da Lei 9.609/98,

induz de forma a não remanescerem dúvidas de que a expressão “comercializar” refoge à sua

significação jurídica. Explicita o referido artigo:

Art. 2o. O regime de proteção à propriedade intelectual deprograma de computador é o conferido às obras literárias pelalegislação de direitos autorais e conexos vigentes no País,observando-se o disposto nesta lei.

Atrita com o comando prescritivo para aplicação do regime da legislação de direitos autorais, Lei

9.610/98, qualquer tentativa de admitir que o licenciamento de direitos venha a constituir atividade

436 WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. 2. ed. Porto Alegre : Fabris, 1995. p. 54-60.

437 ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 77.

438 PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais: elementos para umahermenêutica constitucional renovada. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2000. p. 27.

439 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1986. p. 139.

440 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1986. p. 75.177

Page 188: Tributação dos Bens Digitais

correlata ou integrante do rol dos atos de comércio e que inseririam tal negócio jurídico no âmbito do

Direito Mercantil.

Esbarra tal pretensão nas circunstâncias de base do modelo de especialização da matéria comercial no

Direito Brasileiro. Sob a influência do Código Comercial Francês de 1807, o Código Comercial Brasileiro

assumiu a orientação objetiva na composição do perfil jurídico dos atos de comércio, emaranhado, vez

ou outra com normas subjetivas, porém limitadas, de identificação da matéria comercial. Sem

constituirem categoria lógica, os atos de comércio no Brasil constituem categoria legislativa, conformada

inicialmente pelo Título Único do Código Comercial de 1850, posteriormente pelo Regulamento no. 737,

seguido de leis subseqüentes, já que, no modelo brasileiro, compete à lei definir o que seja ato de

comércio441.

O ato de comércio, no Brasil, é uno e íntegro442, é um ato só. Bem obtemperou J.X. Carvalho de

Mendonça que a lei brasileira “mercantiliza” o ato, que seria civil se a intervenção do comerciante não o

sujeitasse às disposições do código, sem mercantilizar a pessoa não-comerciante que nele intervém” 443.

Inexiste a especialização, por ato legal, alocando as licenças como integrantes do rol dos atos de

comércio, único meio de especialização da matéria civil em matéria comercial, o que nos autoriza

afirmar, de forma peremptória, a inaplicabilidade do regime de Direito Comercial aos atos de

licenciamento de software definidos pela lei 9.609/98.

Assim, os direitos intelectuais não podem ser objeto de compra e venda vez que o direito titularizado

pelo autor diz respeito à criação e utilização da obra e não ao corpus mechanicum no qual esta se

exterioriza. Não socorre a figura da tradição, pois não estão presentes os pressupostos coformadores

deste ato jurídico, ou seja, o uso, o gozo e a fruição, pois vários direitos do autor, e no caso de

441 BULGARELLI, Waldírio. Direito comercial. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 69.

442 FERREIRA, Waldemar. Instituições de direito comercial. São Paulo: Max Limonad, ano. v. 1.

443 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 3. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1937. v. 1, p.98.

178

Page 189: Tributação dos Bens Digitais

software, do autor-desenvolvedor, não são alienáveis444. O eventual objeto, res, corpóreo -

absolutamente diverso dos bens virtuais aqui tratados - protegido pelo direito de autor, este sim pode

ser objeto de compra e venda (atividade de distribuição – artigo 5o., IV da LDA), como coisa sobre a

qual se exercem os direitos reais, com as restrições de respeito ao direito do autor, mas a aquisição

deste não implica a aquisição dos direitos do autor, como já tivemos oportunidade de comentar. Ao

adquirente compete a fruição em seu âmbito privado e para fins próprios, não podendo fazer qualquer

uso que importe em circulação econômica445.

Desse modo, o autor-desenvolvedor de um bem digital pode comunicar sua obra exercendo seus direitos

patrimoniais de variadas formas. Pode fazê-lo por si, como titular dos direitos do programa, ou por

cessão dos direitos de comercialização a terceiro, como preceitua o artigo 8o. da Lei 9.609/98, mas em

nenhuma hipótese estará praticando operações de caráter mercantil.

Pelas peculiaridades já citadas, o interesse nos bens digitais recai sobre seu uso. Transmitidos por meio

eletrônico, operação de reprodução e transmissão de obra intelectual protegida, o direito de usar pode

ser obtido pela licença de uso ou por meio de locação. Como já concluímos anteriormente, a circulação

econômica de bens digitais é típica atividade de reprodução de obra protegida pela Lei de Direitos

Autorais. Na comunicação de um bem digital de forma direta pela Internet, estão presentes os direitos

do autor do software, como também os direitos daquele que o transmite. No primeiro, os direitos de

autor sobre a obra, no segundo caso os direitos conexos sobre a transmissão (efetivada pela conexão

dos computadores na rede446). Ao criador de bens digitais como programas de computador que são, a lei

assegura, de forma exclusiva, o exercício e a exploração econômica dos direitos patrimoniais, que,

repisamos, não podem ser considerados atos de comércio.

444 WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de software no Brasil: uma questão legal a ser avaliada. Rio de Janeiro: Forense,2000. p. 8.

445 BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do direito do autor. São Paulo: RT, 1992. p. 54.

446 Sobre os direitos autorais e sua proteção no ambiente de evolução tecnológica afirma CABRAL, Plínio. (A nova lei de direitosautorais. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 204. ): “Ora, se alei protege o mecanismo de transmissão, certamente quando fala em“qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações”, inclui provedores que permitem acesso à comunicação cibernética. É claro que olegislador, que pretendia ser moderno, poderia ter sido específico. Não o foi. Mas nem por isso o aspecto geral e amplo desse item V deixa de cobrir osproblemas originados pela revolução tecnológica dos meios de comunicação”.

179

Page 190: Tributação dos Bens Digitais

Introspecções desse jaez nos permitem assegurar que os negócios jurídicos de licenciamento não se

subsumem à categoria dos negócios previstos na classe das operações que se deseja realizar para

efetivação do êxito da hipótese de incidência do ICMS no que se refere às operações de que trata esse

imposto. No campo denotativo da expressão “realizar operações”, não se contemplam as hipóteses de

licenciamento aqui tratadas.

Igualmente, o licenciamento não caracteriza circulação, no sentido que se possui a expressão quando

tomada no texto constitucional para constituir a hipótese de incidência do ICMS.

A circulação a que faz alusão a hipótese de incidência do ICMS é a circulação jurídica e não a circulação

física ou econômica. Mas, é aquela que antessupõe a troca de titularidade sobre o bem, ocorrendo a

mudança de patrimônio, quer seja pela compra e venda, que seja pela troca, consignação, comodato

etc., o que, de forma nívea, não constitui o caso em análise.

Através do licenciamento confere-se um direito de uso, mas não se aliena o direito sobre a propriedade

do bem digital. Inocorre, de maneira insofismável, a circulação jurídica talhada pela hipótese de

incidência do ICMS447, valendo ressaltar que a licença é conferida por prazo indeterminado, mas traz

pressuposta ou de forma contratualmente consignada, sua forma de terminação, por vontade das partes

ou por decisão unilateral de uma das partes448.

Outra circunstância merece breve esclarecimento. É freqüente que a distribuição de bens digitais seja

realizada por pessoa diferente do autor. São intermediários no processo de licenciamento dos direitos de

uso, no jargão do setor os “infomediários”. Atuando como distribuidores, relacionam-se diretamente com

os licenciados, consumidores finais, evitando a atuação direta do autor. Representam os interesses do

autor, principalmente para concluir operações de licença de uso em seu nome. É de bom alvitre registrar

que os bens digitais estão em poder dos distribuidores, mas não são sua propriedade. Ele atua

447 CARRAZZA, Roque Antônio. O ICMS na Constituição. In: _____ ICMS. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 33.

448 WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de software no Brasil: uma questão legal a ser avaliada. Rio de Janeiro: Forense,2000. p. 43.

180

Page 191: Tributação dos Bens Digitais

especificamente na realização dos contratos de licenciamento de uso, na maioria das vezes de forma

automática, através de sites que operacionalizam o negócio, de forma onerosa ou gratuita, mas sempre

sujeitando o contratante às condições da licença.

Este outro espectro em nada contradiz as conclusões já expostas, pois aqui também inexiste ato

mercantil, mas sim ato civil, não se realizando operações de circulação, e, por conseguinte, afastando

qualquer ilação sobre eventual incidência de ICMS também neste modelo de licenciamento.

Em arremate, embora de forma sobranceira já se tenha demonstrado a não incidência do ICMS também

se faz oportuno verificar se os bens digitais são mercadorias.

Já identificamos em capítulo anterior o regime jurídico aplicável aos bens digitais, bem como

demonstramos sua natureza. Talhar e circunscrever suas qualidades não tem por objetivo recolher regra

que decorra de sua natureza, da natureza das coisas. Aliás, a noção de natureza das coisas é uma

derivação jusnaturalista, fulcrada na convicção de que as regras fundamentais da conduta humana

podem ser extraídas da própria natureza do homem, esperando que as normas valham por si mesmas,

assegurando a objetividade da regra jurídica449. Longe tais fundamentos do trabalho ora empreendido,

cujo universo está circunscrito ao campo das normas de Direito Positivo.

A noção de mercadoria, já exposada anteriormente, exige para sua caracterização:

(i) coisa móvel;

(ii) corpórea;

(iii) indiferente à circunstância de estar industrializada ou não;

(iv) objeto de um negócio jurídico que lhe determine atransferência de titularidade;

(v) negócio este cuja habitualidade ou volume revele intuitocomercial;

(vi) que tenha como destino ser revendida;

(vii) mesmo se importada para consumo ou para compor oativo fixo de estabelecimento empresarial.

449 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. p. 177.181

Page 192: Tributação dos Bens Digitais

Afastada as características, por inexistentes, de ser objeto de um negócio jurídico de transferência de

titularidade, como exposto ut retro, bem como não se tratar, por óbvio, do destino para compor ativo

fixo, vamos identificar, embora já descaracterizados como mercadorias, se os bens digitais podem ser

considerados como coisa móvel e corpórea no sentido que já se lhe emprestou para caracterizar a

operação mercantil.

Em páginas anteriores afirmamos que os bens digitais estão na categoria de bens móveis. Porém, isto

por si só não é suficiente para que possamos, de chofre, impingir a característica de mercadoria, pois

não é qualquer bem móvel que é mercadoria, mas só aquele que se submete à mercancia. Só o bem

móvel destinado à prática de operações mercantis assume a qualidade de mercadoria450.

Nem mesmo se pode aqui pretender conferir, diante de uma novidade tecnológica, pretensa

reconstrução do conceito de mercadoria. Não negamos a possibilidade de ocorrerem, no nível

constitucional, modificações de sentido, inclusive por mutação constitucional. Por mutação da

Constituição nos referimos à modificação operada que conserva indene seu texto, sem modificação

formal, e que é produzida por fatos não necessariamente acompanhados da intenção ou consciência da

mutação451. Todavia, tratando-se o termo “mercadoria” de elemento nuclear da fixação da competência

tributária dos estados, resta evidente que suas ampliações de sentido impingem profunda modificação

nas regras e premissas da partilha de competência constitucional e no equilíbrio da Federação. Em tais

circunstâncias, a tarefa interpretativa deve ser sempre de interpretação e não de construção( XXX )452 de

sentido, sob pena de se quebrarem os princípios informadores da ordem constituída, desvirtuando as

450 CARRAZZA, Roque Antônio. O ICMS na Constituição. In: _____ ICMS. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 37.

451 JELLINEK, Georg. Reforma y mutacioón de la constituición. Tradução de: Christian Forster. Madrid: Centro de EstudiosConstitucionales, 1991. p. 7.

( XXX ) “a interpretação atém-se ao texto, estudando propriamente a lei, e a construção vai adiante, examinando as normas jurídicasem seu conjunto, descobrindo e revelando a ratio essendi do produto legislado, no intuito de recompô-lo ou construí-lo, sempresopesando o todo orgânico. A interpretação configuraria, para alguns, o exame isolado da lei; já a construção seria a confrontaçãodas palavras legais com outras do mesmo ou diferente repositório de normas, a fim de determinar “o Direito Positivo, lógico,aplicável aa vida real”. (BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 142.)

452 BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 142.182

Page 193: Tributação dos Bens Digitais

bases constitucionais, o que ocasionaria mutações consideradas inconstitucionais453. A propósito, lembra,

acertadamente, MELLO que:

“Se o legislador ou aplicador da regra pudessem delienar, aseu talante, o campo de restrições a que estão submetidos,através da redefinição das palavras constitucionais,assumiriam, destarte a função de constituintes” 454.

Já tivemos oportunidade de apontar que a expressão “mercadoria” utilizada no texto constitucional não

figura em caráter polissêmico, assim, desassisada seria a tese de modificação de sentido já incorporado

constitucionalmente455. Sobre a fixação de determinado sentido constitucional, preleciona CANOTILHO e

MOREIRA:

“Parece evidente que, quando a Constituição recebe umdeterminado conceito legal com um certo sentido, este fica,por assim dizer, “constitucionalizado, deixando de estar àdisposição do legislador. Por exemplo, se o conceito dedespedimento sem justa cuasa (art. 53) com um sentidocaracterizado, não pode a lei vir alterar o conceito, de modo afazer-lhe dizer coisa substancialmente diferente do queoriginariamente dizia” 456.

Os bens digitais também não são bens corpóreos no sentido que se lhe empresta o Direito Civil

Brasileiro. De outra feita já advertimos que não negamos uma forma de existência corpórea qualquer

para os bens digitais, mas tão-somente sua intangibilidade direta pelos sentidos humanos. A noção de

mercadoria, inobstante, exige a materialidade da coisa, sua tangibilidade para reconhecer como coisa

posta no comércio, pois é essencial a ocorrência da tradição (Código Civil, artigo 620), a entrega da res

vendita457. Não seria forçoso afirmar que a Constituição conferiu a tributação dos bens móveis aos

453 BULOS, Uadi Lammêgo. Mutação constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 135.

454 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Imposto sobre a renda, depósitos bancários: sinais exteriores de riqueza. Revista de DireitoTributário, São Paulo, n. 23/24, p. 92, [ca 1983].

455 ROSS, Alf. (Direito e justiça. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000. p. 146.) argutamente observa que “o significadoque a análise é capaz de atribuir aos elementos individuais é sempre uma função do todo no qual aparecem. Com freqüência nosdefrontamos com a opinião de que a interpretação da lei pode ou tem que tomar como ponto de partida o significado ordinário daspalavras tal Omo resulta de seu uso. Este parecer é enganoso. Não existe tal significado. Somente o contexto e o desejo dedescobrir um significado bom ou razoável em relaçao a uma dada situação, determinam o significado das palavras individuais. Mas,freqüentemente não nos apercebemos da função do contexto”. Em tal falácia, no Brasil, incidiu o legislador ao determinar noinciso I do Art. 11 da Lei Complementar no. 95 de 26 de fevereiro de 1998 que as palavras e as expressões devem ser usadas emseu sentido comum, a fim de assegurar clareza na redação das leis.

456 CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. p. 53.

457 CARRAZZA, Roque Antônio. O ICMS na Constituição. In: _____ ICMS. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 45.183

Page 194: Tributação dos Bens Digitais

estados( XXXI ). Os bens móveis, em geral tributados pelo Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e

Doação – artigo 155, I da Constituição Federal, são uma classe especial de bens, as mercadorias,

tributadas pelo ICMS.

Resta concluir, de forma definitiva, que nos contratos de licença que propiciam o fluxo dos bens digitais

inocorre a incidência do ICMS sobre qualquer ângulo que se efetue a análise.

Não se chega a conclusão diferente quando se coteja a possibilidade de incidência do ICMS sobre as

operações de cessão de direitos de bens digitais.

De efeito, como já estudado, a cessão dos direitos do autor sobre os bens digitais transfere, a título

oneroso ou não, a outrem, um ou mais direitos patrimoniais sobre sua criação intelectual458, permitindo

ao cessionário a exploração econômica dos direitos patrimoniais cedidos.

Este negócio jurídico determina a transferência de direitos patrimoniais, considerados como direitos reais

– embora sobre bens incorpóreos, mas tidos como bens móveis por força do artigo 3o. da Lei 9.610 de

19 de fevereiro de 1998 - e não de um negócio jurídico de transferência de domínio sobre bem

considerado como mercadoria. O conceito de mercadoria, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal,

não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral( XXXII ). Os conceitos de operação, circulação e

mercadoria, somente compreendidos de forma combinada, permitem identificar o negócio jurídico

sujeito ao ICMS. Na esteira deste entendimento já registraram DERZI e COELHO:

“Operação. Circulação e mercadorias são conceitosprofundamente interligados e complementares, que nãopodem ser analisados em separado, sem que o intérprete sedê conta de suas profundas interrelações. Não interessa paradelimitação da hipótese tributária nem a operação que sejainábil à transferência do domínio (como locação, comodato,arrendamento mercantil, consignação mercantil etc.); nemtampouco o contrato de compra e venda em si, isoladamente,que embora perfeito, não transfere o domínio quer no Direito

( XXXI ) No Estado de São Paulo a Lei 10.705, de 28 de dezembro de 2000 instituiu o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis eDoação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD.

458 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 94.

( XXXII ) RE 176.626-3/SP – Relator Ministro Sepúlveda Pertence – 1a. Turma, j. 10.11.98, v.u., DJU 11.12.1998184

Page 195: Tributação dos Bens Digitais

Civil, quer no Direito Comercial, sem a tradição; assim acirculação de mercadoria é conceito complementar importanteporque representa a tradição da coisa, execução de umcontrato translativo, movimentação que faz a transferência dodomínio e configura circulação jurídica, marcada pelo animusde alterar a titularidade” 459.

Neste diapasão, é conclusiva a afirmativa de que o ICMS também não incide sobre as operações de

cessão de direitos patrimoniais sobre os bens digitais.

Analisemos, por derradeiro, a questão da locação.

Um bem digital também pode ter seu uso conferido através da locação, conforme expressa

objetivamente a Lei 9.609/98 em suas disposições:

“Ärt. 2o. O regime de proteção à propriedade intelectual deprograma de computador é o conferido às obras literárias pelalegislação de direitos autorais e conexos vigentes no País,observado o disposto nesta lei.

§ 5o. Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta lei epela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no Paísaquele direito exclusivo de autorizar ou proibir o aluguelcomercial, não sendo esse direito exaurível pela venda, licençaou outra forma de transferência da cópia do programa.”(g.n.)

Cabe reconhecer, do mesmo modo que nas situações anteriores, a não incidência do ICMS sobre a

locação de software.

Sequer sobre a locação típica de mercadorias se pode falar em incidência deste tributo. Pela locação não

se dá a transferência da propriedade do bem, restando ausente elemento essencial para configuração do

fato jurídico tributário determinante da incidência do ICMS. Com as considerações já realizadas sobre o

conceito jurídico de “circulação” são dispensáveis maiores reflexões ante à evidente inaplicabilidade. Já

apontava ATALIBA que:

“Já não se discute mais a sério, entre nós que não cabe falarem circulação onde não haja (a) duas pessoas e (b) uma

459 DERZI, Misabel Abreu Machado; COELHO, Sacha Calmon Navarro. A Hipótese de incidência do ICMS: irrelevância doscontratos de compra e venda, sem tradição ou entrega das mercadorias. In: _____. Direito tributário aplicado: estudos epareceres. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p. 168.

185

Page 196: Tributação dos Bens Digitais

mercadoria não passe, juridicamente, da disponibilidade umapara a outra. Sem isso, não há operação. Seja por inexistiremagentes, seja por não haver mercadoria” 460.

Ladeia essas observações um outro sobranceiro detalhe. A locação tradicionalmente foi negócio jurídico

possível de ser realizado exclusivamente com bens infungíveis. Ensina LOPES:

“Um dos primeiros requisitos para uma coisa poder constituir-se em objeto de um contrato de locação está em se tratar decoisa não fungível, como expressamente o declara o art. 1138do Código Civil. Sua razão de ser assenta na circunstância decumprindo ao locatário restituir a coisa, finda a locação(Cód.Civ., art. 1192, inc. IV), tal obrigação jamais poderia sercumprida, se tratasse de coisas fungíveis (cfr. Vol. I, no. 170,letra Ë”, pág. 277-279). Pela mesma razão, as coisasconsumíveis, pois, destinadas a serem consumidas, impossívelseria a sua restituição pelo locatário, ao findar o contrato. Poroutro lado, as coisas não consumíveis, sempre que infungíveis,podem ser objeto de locação, posto que sujeitas adeterioração, como, v.g., um vestido etc.”(sic) 461.

A possibilidade de contratar-se locação de software constitui novel introdução no Sistema Jurídico

Brasileiro e inova substancialmente o tema. Constitui situação especialíssima, inovadora, e que rompe

com os conceitos até então estabelecidos. Essa circunstância é típica do campo objetal da Ciência do

Direito, onde atua com ampla liberdade do legislador para introduzir novas prescrições cujo fundamento

de validade está contido exclusivamente no próprio sistema auto-referencial e indiferente às relações

causais ou às contranotas da realidade empírica. A possibilidade de locação de software no Brasil

decorreu de um longo processo de maturação internacional sobre tal forma de exploração econômica,

resultado dos eflúvios de tratados internacionais que passaram a admitir esse negócio jurídico,

consolidando-se na reunião da Organização Mundial do Comércio realizada em Montevidéu no Uruguai

no início da década passada462.

Tratando-se de situação excepcional e especial, além de extremamente recente, tais razões nos levam a

dissentir da opinião exposada por GRECO ao destacar que na locação de software também está460 ATALIBA, Geraldo. ICMS: não incidência na ativação de bens de fabricação própria. Revista de Direito Tributário, São Paulo,

n. 63, p. 194-205, [ca 1997].461 LOPES, Serpa. (Contrato de locação de coisas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. p. 23.). Observamos que o Autor cometeu

um equívoco ao grafar o artigo 1138. Pretendia, à evidência, referir-se ao artigo 1188 do Código Civil Brasileiro que trata dalocação.

462 WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de software no Brasil: uma questão legal a ser avaliada. Rio de Janeiro: Forense,2000. p. 91.

186

Page 197: Tributação dos Bens Digitais

presente uma operação de caráter mercantil, fundando sua afirmação no artigo 191 do Código

Comercial463. Já apontamos aquém que a natureza da operação mercantil coactada ao termo

“mercadorias”,tomada no nível constitucional e pelo Direito Comerical, é diversa. Mercadoria no sentido

constitucional, para composição da regra-matriz do ICMS não tem a elasticidade semântica, campo

denotativo tão amplo, quanto o existente no Código Comercial. A não identificação dessa diferença

conduz e ilude o intérprete no tema. No que tange à locação mercantil reconhecer os diferentes regimes

jurídicos entre os bens móveis e infungíveis e o software é tarefa primaz para a escorreita interpretação

da questão.

Estabelecem os artigos 226 e 230 do Código Comercial Brasileiro:

“Art. 226. A locação mercantil é o contrato pelo qual uma daspartes se obriga a dar a outra, por determinado tempo e preçocerto, o uso de alguma coisa, ou do seu trabalho.

O que dá a coisa ou presta serviço chama-se locador, o que atoma ou aceita o serviço, locatário.Art. 230. O locatário é obrigado a entregar ao locador a coisaalugada, findo o tempo da locação; se recusar fazer a entrega,sendo requerido, pagará ao locador o aluguel que este arbitrarpor toda a demora, e responderá por qualquer danificação quea coisa alugada sofrer, ainda mesmo que proceda de forçamaior ou caso fortuito.”

Impõe-se ao espírito do intérprete a completa e evidente referência contextual a bens móveis e

infungíveis. O software como bem fungível jamais poderia ser enquadrado dentre os bens submetidos ao

regime jurídico tradicional da locação, nem mesmo ao da locação mercantil. Nestes arredores não

teríamos locação de bem fungível, mas, sim, contrato de mútuo, como explicita o artigo 1256 do Código

Civil.

A propósito destas afirmações, explicita, também, o Código Civil, em seu artigo 1.188:

“Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder àoutra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisanão fungível, mediante certa retribuição”.

463 GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000. p. 93.187

Page 198: Tributação dos Bens Digitais

Não se pode, portanto, admitir como possível nos quadrantes do regime jurídico dos bens não fungíveis

a locação do software, estando este submetido a modelo excepcional e contratualmente clausulado.

Outro equívoco é equiparar a cessão de uso à locação de bem móvel, tomando para neste caso sua

tributação pelo Imposto sobre Serviços464. A incidência do ISSQN será analisada a seguir. De todo modo

queremos afastar a sinonímia pretendida.

Uma única característica apresenta-se como primeiro e fulminante argumento a afastar referida

equiparação. A cessão é a forma comum de transferência dos direitos pessoais, tendo função

assemelhada à compra e venda465. Na locação, por sua vez, asseguram-se o uso e o gozo de coisa

infungível. São institutos diversos e eqüidistantes.

Em síntese, podemos afirmar que sobre os negócios jurídicos que envolvem os bens digitais não há

qualquer operação que se submeta à incidência do ICMS.

464 GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000. p. 93.

465 LOPES, Serpa. Contrato de locação de coisas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956. p. 65 e 73. 188

Page 199: Tributação dos Bens Digitais

CAPÍTULO VIII

8 Bens Digitais e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN

A doutrina estrangeira tem debatido fortemente e reconhecido que o fornecimento de bens digitais pode

e deve ser tratado como uma verdadeira prestação de serviços.

189

Page 200: Tributação dos Bens Digitais

Não estamos aqui a tratar de serviços costumeiros agora prestados através da Internet, como respostas

a consultas jurídicas, envio de projetos de engenharia, encaminhamento de documentos anteriormente

enviados por meio físico ou até mesmo conversas por meio de chats, antes realizadas pelo telefone.

O objeto de nosso estudo é o fornecimento ou o uso de bens digitais tais como jogos on-line, pesquisa

em bases de dados, desenvolvimento de roteiros rodoviários, disponibilização de boletins de informação,

consultas a bibliotecas, aquisição de filmes e músicas, etc. Interessa-nos somente o fornecimento ou

uso de bens que estão presentes no ambiente de rede e cujas respostas ou interações se dão sem

qualquer intervenção humana por parte do requisitado (on-line). Esclarecendo mais ainda, estamos a

tratar exclusivamente dos bens que podem ser operados, utilizados e disponibilizados diretamente e por

meio do site acessado, seja de maneira controlada ou livre. Evidente que estando no campo das

especulações tributárias interessam-nos somente os bens sobre os quais ocorrem operações onerosas,

com conteúdo econômico que funcione como signo presuntivo de capacidade contributiva.

Em vários países, e de forma preponderante em toda a Comunidade Européia, tais fornecimentos ou uso

de bens digitais encontram-se reconhecidos como prestação de serviços por normas de Direito Positivo.

Tal enquadramento tem por base principalmente a estrutura do Imposto sobre Valor Adicionado-IVA,

adotado pelos países europeus.

Neste sentido a Diretiva 77/388/CEE466 dispõe:

466 Disponível em: <http://europa.eu.int/eur-lex/pt/lif/reg/ptregister093010.html > . Acesso em: 08 fev. 2000.190

Page 201: Tributação dos Bens Digitais

Artigo 6°

Prestações de serviços

1. Por «prestação de serviços» entende-se qualquerprestação que não constitua uma entrega de bens na acepçãodo artigo 5°.

Essa prestação pode, designadamente, consistir:

— na cessão de um bem incorpóreo representado ou não porum título;

— na obrigação de não fazer ou de tolerar um ato ou umasituação;

— na execução de um serviço prestado em conseqüência deato de Administração Pública ou em seu nome ou por força delei.

Acompanhando tal diretiva, a legislação interna de cada país não poderia deixar de reconhecer que as

cessões de uso de direitos da propriedade intelectual enquadram-se como serviços.

Na Espanha, v.g., aponta CUELLO467:

“Por lo que se refiere a la contratación electrónica de lasprestaciones de servicios (no efectuadas a través de la red),tampoco se suscitam problemas relevantes em cuanto a sutributación em el IVA. Es decir, la utilización de la viatelemática para contratar estos servicios no supone ningunaespecialidad respecto del tradicional sistema de contrataciónbasado em el soporte de papel. Se aplica, pues, el régimenprevisto para tales operaciones, teniendo em cuenta las reglasde localización del hecho imponible.

Conviene hacer uma precisión em cuanto a las operacionessobre bienes derivados de la propriedad intelectual. Según elart. 11.2.4o. LIVA, las cesiones de uso se consideran“prestaciones de servicios”. Por lo tanto, si nos hallamos anteum cesión de uso de cualquier derecho de la propiedadintelectual contratada por vía tlemática, se califica la operacióncomo tal “prestación de servicios”, localizando-se el hechoimponible em el lugar em que el prestador del servicio tengala sede de sua actividad económica (art. 69 LIVA)”

Na Itália, por sua vez, ensina ALBERTI468 ao tratar das categorias de operações imponíveis:

467 CUELLO, Rafael Oliver. Tributación del comercio eletrónico. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 73.

468 ALBERTI, Angiola Maria. Elementi di diritto tributário. Rimini: Maggioli, 1995. p. 231.191

Page 202: Tributação dos Bens Digitais

“... le prestazioni di servizi sono individuate come categoriaresiduale dalla VI direttiva Cee, e al positivo dal nostrolegislatore (art. 3, d.P.R. n. 633/72), per il quale esse sonocostituite da prestazioni verso corrispettivo, relative a contrattid’opera, appalto, transporto, mandato, spedizione, agenzia,mediazione, deposito e in genere da obbligazioni di fare, di nonfare, e di permettere quali ne sai la fonte. Anche qui vi sonooperazioni assimilate, come le cessioni di diritti d’autore, dirittisu invenzioni, ecc., e operazioni escluse.”

Na França, igualmente, as prestações de serviços são alcançadas pela “taze sur la valeur ajoutée”, como

esclarece TROTABAS e COTTERET469: “Les prestations de services sont imposables em France lorsque le

prestaire a em France le siège de son activité ou um établissement stable à partir duquel le service est

rendu, son domicile ou sa residence habituelle (art. 259 du C.G.I).

Atualmente um nova proposta encontra-se em apreciação para alterar a Diretiva 77/388/CEE,

precisamente para adaptar a legislação do IVA no que se refere à maior eficiência na arrecadação da

tributação dos bens digitais bem como assegurar melhor controle fiscal e acompanhamento das regras

de concorrência( 04 BIB ).

Estas concepções fundadas em sistemas de Direito Positivo estrangeiro têm suscitado debates no Brasil,

havendo até mesmo algumas vozes que defendem a idéia de que os bens digitais em nosso sistema

também deveriam ser tratados como legítimas prestações de serviço. Nessa trilha alinha-se, dentre

outros, Marcello Martins Motta Filho ao ponderar:

“A propósito, em estudo publicado sobre o assunto, tratandoda tributação do ICMS sobre software, alinhamos uma série derazões justificadoras do descabimento da incidência dogravame estadual, afirmando que “levando-se em conta osconceitos de serviço e mercadoria, “consoante a teoria daspreponderância, o conceito de serviços é mais racionalmenteassimilável que o da circulação de mercadorias, restrito esteúltimo conceito ao do simples suporte físico, desvinculado doconteúdo, que envolve a criação intelectual”470

469 TROTABAS, Louis; COTTERET, Jean-Marie. Droit Fiscal. 7. ed. Paris: Dalloz, 1992. p. 207.

( 04 BIB ) 500PC0349(02). Disponível em: http://europa.eu.int/eur-lex/pt/com/dat/2000/pt 500PC034902.html.

192

Page 203: Tributação dos Bens Digitais

É comum este tipo de equívoco! Ao se acercar da doutrina estrangeira e por ela influenciado, o jurista,

premido pela autoridade de autores estrangeiros, importa idéias, conceitos e noções absolutamente

díspares e inaplicáveis ao nosso modelo tributário, plasmado nas dimensões originais de nosso sistema

de Direito Positivo. Esquecendo-se que o recurso ao Direito Comparado apresenta limitações e objetivos

específicos quando permite a identificação de peculiaridades emergentes da tarefa de analisar os

contrastes de padrões o jurista inadvertido tende a reproduzir e introjetar no sistema pátrio discursos

fundados em premissas absolutamente diversas. Com freqüência nos atemos à correção das conclusões,

sem conferir a verdade e integridade das premissas.

Sobre esta erronia tão freqüente já advertia ATALIBA e GIARDINO:

“São abundantes e comuns, aqui, as referências à legislação, àliteratura e à jurisprudência de outros países. Não éabsolutamente incomum o desenvolvimento de discursosjudiciários inteiramente informados pelos princípios, padrões,formulações técnicas e mesmo institutos jurídico-positivositalianos, franceses, alemães, e até mesmo espanhóis ou norte-americanos. Assim, os pareceres, petições, razões de recursoou decisões judiciais são quase integralmente engendrados,como se num desses países estivéssemos. É freqüente, nanossa prática, a invocação da experiência estrangeira. Todavez que isso se faz, incursiona-se no campo do direitocomparado, ainda quando não tenha o ato em causa explícitaconsciência dessa circunstancia (e tal fato acontece não sóquanto ao direito tributário, mas a todos os ramos do direito).Importa, à vista destas considerações, portanto, ter rigorosaconsciência de que se está fazendo aplicação do direitocomparado, como técnica elaborativa e discursiva. É oportunomeditar a respeito de sua utilidade, bem como sobre os limitesem que pode ser invocado. Importa considerar as condiçõesem que tem cabimento ou que se impõe sejam observadas, noexercício dessa técnica. Porque a ninguém é consentido ignoraras implicações e exigências dessa particular técnica deelaboração jurídica, quando a ela recorre, ainda que de modoinadvertido. Inúmeras das perplexidades que nossurpreendem, a nós brasileiros, na nossa legislação,jurisprudência, estudos, pareceres, etc. se explicam peloemprego inconsciente ou implícito de técnicas de direitocomparado, como forma de argumentação ou exposição. Comoela tem seus requisitos, peculiaridades, pressupostos econdições de validade, é imperioso meditar sobre estas, comocondição de rigoroso aproveitamento do método e evitação deequívocos. O emprego de técnicas discursivas e argumentativasde direito comparado obriga, para ser eficiente e útil, rigorosa

470 MOTTA FILHO, Marcello Martins. Tributação do Comércio Eletrônico. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DEDIREITO TRIBUTÁRIO, 1, 1999, São Paulo.

193

Page 204: Tributação dos Bens Digitais

noção dos pontos de semelhança e de diferença (e dos grausdesta) entre os direitos positivos em cotejo. Requer, pois, queo exegeta saiba identificar com nitidez as peculiaridades, ascaracterísticas do “seu” sistema jurídico, para adequadoemprego dos recursos desta técnica” 471.

No que toca em especial ao IVA, o desacerto é contumaz. A estrutura federativa do Brasil, bem como o

exaustivo472 detalhamento constitucional das competências, acompanhado da especificação das

materialidades dos tributos, são suficientes para recomendar que tal semelhança é inapropriada, quiçá

impossível.

ARZUA pontifica: “Conseqüência importante dessas peculiaridades do Texto Superior é a pouca ou

quase nenhuma validade do recurso às doutrinas estrangeiras para a solução dos problemas de

funcionamento de nosso sistema. A admoestação tem cabida para evitar o vezo comum de que se

querer interpretar as normas dos impostos brasileiros, em particular do imposto sobre operações

relativas à circulação de mercadorias e serviços nominados (ICMS) e do imposto sobre serviços (ISS), a

partir do imposto sobre o valor agregado (IVA) europeu” 473.

Feitas estas admoestações, cumpre analisar, sob a ótica exclusiva do Direito Pátrio, a possibilidade ou

impossibilidade dos negócios com bens digitais serem tributados pelo ISS, de competência municipal.

8.1 O Critério Material do ISSQN

471 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 20.

472 GIARDINO, Cleber. Imposto sobre o valor agregado. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 19-20, p. 54, [ca 1983].

473 ARZUA, Heron. O imposto sobre serviços e o princípio da territorialidade: estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. SãoPaulo: Malheiros, 1997. v. 1, p.143.

194

Page 205: Tributação dos Bens Digitais

No rol dos tributos atribuídos pela Carta Constitucional aos municípios está o Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza - ISSQN, despontando como instrumento da autonomia municipal. A competência

tributária dos municípios para tributar serviços está delineada constitucionalmente por um processo de

exclusão: são tributáveis pelos municípios os serviços não compreendidos na competência tributária da

União e dos estados474.

Como já explicitamos anteriormente, satisfaz aos objetivos deste trabalho a análise do critério material

da regra-matriz de incidência deste imposto já explicada em capítulo anterior quanto à sua conformação

e funcionalidade.

Giza a Constituição Federal, ao tratar dos impostos dos municípios:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art.155, II, definidos em lei complementar.

Com base neste comando constitucional podemos registrar a não-indicação expressa pelo texto

constitucional do núcleo do antecedente da regra-matriz, onde deve figurar a conduta humana, a ação

que constitui o núcleo da materialidade da hipótese. Esta situação é freqüente, pois a Constituição

Federal em poucas oportunidades indica o núcleo da hipótese dos tributos distribuídos entre os entes da

Federação. É assim também no Imposto sobre Produtos Industrializados, no ICMS, como já aduzimos,

etc.

474 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT, 1975. p. 185.195

Page 206: Tributação dos Bens Digitais

A não-indicação expressa do verbo que expressa a materialidade pelo texto constitucional termina por

permitir que o legislador competente para a instituição do tributo construa ao seu alvedrio a feição que

pretenda imprimir ao imposto. Limitado às condicionantes constitucionais e às circunscrições lógicas do

campo das possibilidades, poderá o legislador selecionar na multiplicidade dos verbos indicadores da

ação humana, aquele que irá compor o núcleo da hipótese de incidência, e assim, conformar e seccionar

na realidade os eventos que prestigiados pela norma determinarão a futura percussão tributária.

Estando o verbo oculto não só ampliam-se as possibilidades do legislador a quem foi adjudicada a

competência tributária, como também ao elegê-lo terminará por circunscrever o universo possível dos

agentes da ação consumadora do fato jurídico tributário eleito.

Exurge do texto constitucional, todavia, uma condicionante programática475. Os serviços a serem

tributados deverão estar definidos em lei complementar. A determinação está expressa na própria

norma atributiva da competência cuja completa eficácia está subordinada à edição de lei complementar

que venha a indicar, dentre a gama de serviços possíveis, aqueles que poderão ser objeto de tributação

pelo legislador municipal. Ensina ATALIBA:

“Somente depois de definidos estes serviços (pela leicomplementar), a lei municipal os poderá criar, usando de suacompetência constitucional”476.

Embora refugindo ao tracejo dos objetivos deste trabalho, não podemos deixar de apontar o disenso

doutrinário sobre a necessidade ou não de lei complementar prévia para futuro exercício da competência

tributária dos Municípios. Para BORGES, à lei complementar não incumbe fixar limite à competência

tributária das Federadas e dos municípios477. É também conhecida a posição de ATALIBA que sempre

apontou que a lei complementar, ante a discriminação rígida das competências tributárias, poderia tão-

somente dispor sobre eventuais conflitos de competência, não podendo diminuir nem ampliar as

competências exclusivas de atuação de cada pessoa política478. Já COELHO entende desnecessária a lista

475 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional brasileiro. São Paulo: RT, 1968. p. 263.

476 ATALIBA Geraldo. Lei complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971. p. 83.

477 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: RT, 1975. p. 186.

478 ATALIBA, Geraldo. Lei complementar. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 6, p. 61, [ca. 1978].196

Page 207: Tributação dos Bens Digitais

de serviços a serem tributados pelo ISS, admitindo que seriam tributáveis, genericamente, os de

qualquer natureza479. Por nosso turno não queremos deixar, de ao menos objetivamente, opinar sobre o

tema.

Parece-nos indisputável que a Constituição ao desenhar a norma de competência o fez de forma a

subordinar seu exercício à edição de uma lei complementar. Embora não seja este o modo comum de

fixação de competências, bem como a autonomia municipal delineada constitucionalmente brigar, à

primeira vista, com tal condicionamento, é certo, por outra vereda, que não se fixou limites prévios à

atuação do legislador constituinte da carta atualmente vigente, senão aqueles que nortearam o próprio

labor da feitura constitucional. Assim sendo, da mesma maneira que não se soluciona o conflito de

princípios constitucionais suprimindo um em favor do outro480, também não se pode considerar que o

comando constitucional que determina a edição de lei complementar seja apenas uma recomendação

sem eficácia jurídica. Pensamos como BRITO481, que com apoio em SILVA482, toma a norma inserta no

inciso III do art. 156 da Constituição Federal como norma de eficácia limitada, que atribui ao legislador

complementar a missão de completar a norma.

Feita essa digressão, retomemos nossa trilha inaugural.

Em seu mister o legislador complementar, ao ensejo de dar azo à missa encetada, editou a Lei

Complementar 406/68. Estipulou em seu artigo 8o.:

“O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços dequalquer natureza, tem como fato gerador a prestação, porempresa ou profissional autônomo, com ou semestabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa”( XXXI ).

479 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,1990. p. 191.

480 FARIAS, Edilson Pereira. Colisão de direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996. p. 96.481 BRITO, Edvaldo. Problemas jurídicos da definição em lei complementar da materialidade da hipótese de incidência do ISS:

taxatividade ou exemplificatividade da lista de serviços? Suplemento Tributário, São Paulo, v. 86, n. 337, p. 377, 1981.

482 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: RT, 1968.( XXXI ) Atualmente os serviços estão listados na Lei Complementar no. 56 de 15 de dezembro de 1987, complementada pela Lei

Complementar 100, de 22.12.99197

Page 208: Tributação dos Bens Digitais

Depreende-se do citado dispositivo a eleição pelo legislador complementar da ação humana

especificadora do fato jurídico tributário. O verbo eleito pelo legislador complementar “prestar”, com seu

complemento “serviços” conformam o núcleo da materialidade do imposto sobre serviços de qualquer

natureza. A ação de “prestar serviços” realiza o fato jurídico tributário dando início à percussão

normativa.

A lista anexa ao Decreto-Lei 406/69 com a redação da Lei Complementar 56 de 15.12.87 com as

inclusões levadas a efeito pela Lei Complementar no. 100 de 22.12.99, funciona como complementos

nominais adicionais, permitindo afirmar que cada complemento verbal, ao mudar unitariamente o critério

material do antecedente resulta em diferentes regras-matrizes de incidência do tributo municipal.

O elemento essencial da hipótese é a prestação de serviços. Compreende um negócio jurídico pertinente

a uma obrigação de “fazer”. Nestas obrigações o objeto consiste num ato ou serviço do devedor.

Diferenciam-se do dar ou entregar alguma coisa, estando a diferença em verificar se o dar ou entregar é

ou não conseqüência do fazer. Preleciona MONTEIRO:

“O substractum da diferenciação está em verificar se o dar ouentregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedortem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém defaze-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, seprimeiramente, tem ele de realizar algum ato, do qual serámero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer”483.

Importante destacar que a materialidade comporta a atividade de prestar serviço e não o negócio

jurídico do qual surge a obrigação de prestar serviços. Não é também o serviço em si mesmo, mas a sua

efetiva realização, como cumprimento de uma obrigação contraída. Obtempera JUSTEN FILHO:

“A materialidade da hipótese de incidência do ISS consiste emuma situação já juridicizada pelo ordenamento. Não é simplesfato do serviço em si mesmo que está, em sua descrição ideal,inserido na hipótese de incidência tributária: o que se tributa éa prestação de serviços como adimplemento de uma

483 MONTEIRO Washington de Barros. Curso de direito civil, direito das obrigações. 2. ed. São Paulo, 1962, p. 95.198

Page 209: Tributação dos Bens Digitais

obrigação. Se a conduta de prestar serviço não é uma condutadevida juridicamente, não há fato imponível de ISS. Fatoimponível é o fato jurídico de adimplir obrigação assumida ecuja prestação consiste em realizar atividade de serviço” 484.

Observa-se que a prestação deverá sempre ser tomada em seu sentido jurídico, sendo descabida

qualquer pretensão de compreender referida prestação como conceito meramente econômico485.

Outra vertente igualmente relevante é o da efetividade da prestação de serviço para a percussão

tributária. O ISS não incide sobre a potencialidade de realização do fato jurídico tributário em sua forma

hipotética, mas somente sobre fatos que se consumaram, em um registro, sobre serviços que

efetivamente foram prestados em sua concretude no tempo e no espaço486. Não o serviço como mero

atuar ocorrido, mas como prestação em seu sentido jurídico é o que deve ser tomado em conta. Leciona

MELO487:

“Não se pode considerar a incidência tributária restrita à figurade “serviço”, como uma atividade realizada; mas, certamente,sobre a “prestação do serviço”; porque esta é que tem avirtude de abranger os elementos imprescindíveis à suaconfiguração, ou seja, o prestador e o tomador, mediante ainstauração de relação jurídica de direito privado, que irradia osnaturais efeitos tributários.

O tributo não incide unicamente sobre a utilidade, comodidade,coisa, bem imaterial etc. A circunstância de no âmbito estaduala CF haver estipulado “prestações”e serviços de transporteinterestadual e intermunicipal, e de comunicação (art. 155, II –ICMS); e no âmbito municipal ter omitido o referido vocábulo(“prestações) – só mencionando “serviços de qualquernatureza”(art. 156, III – ISS) – não significa que também nãose estaria cogitando da necessidade de efetiva prestação.”

Circunstanciada a materialidade do ISS é possível formular um conceito constitucional de serviço como

prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico e sem relação de emprego, em

484 JUSTEN FILHO, Marçal. ISS na Constituição. São Paulo: RT, 1985. p. 86.

485 “Com razão o entendimento do que seja serviço acha-se radicado na Economia (na idéia de serviço produzido, serviço bem econômico incorpóreo suscetívelde apreciação econômica) e não no Direito (prestação de serviços – relação jurídica), embora o sistema jurídico tributário tenha adotado um conceito que seacha consignado numa classificação econômica. O mesmo se dá quando procuramos o conceito de “mercadoria’ou de “produto, definidos somente pelaeconomia” (MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do imposto sobre serviços. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 34.).

486 VALE, Angelita de Almeida.; SANTOS, Ailton. ISS: comentários e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Livraria Legislação Brasileira,1998. p. 45.

487 MELO, José Eduardo Soares de. Aspectos teóricos e práticos do iss. São Paulo: Dialética, 2000. p. 31.199

Page 210: Tributação dos Bens Digitais

caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente a obtenção de um bem material ou imaterial

compreendendo exclusivamente obrigações de fazer488.

8.2 Não-Incidência do ISSQN sobre os Negócios Jurídicos com Bens Digitais

Demonstramos que os bens digitais constituem-se em bens móveis sujeitos ao regime de direitos

autorais e cuja fruição opera-se através de contratos de licença de uso, cessão de direitos e, em

configuração excepcional, por meio de locação.

Quando alguém, legitimado contratualmente em uma daquelas modalidades de negócio jurídico, utiliza

as facilidades proporcionadas pelas ferramentas de um site, ou executa operações on-line em seu

interesse, diverte-se operando um jogo, realiza pesquisas por meio de sistemas que proporcionam essa

utilidade, ouve música, desenha, ou implementa atividades dessa natureza, certamente não está a

receber o adimplemento, por parte do outro sujeito da relação jurídica, de uma obrigação de fazer.

Aquele que ajusta e se obriga, como sujeito passivo da relação jurídica instalada, com o usuário ou

consumidor das utilidades proporcionadas por esses bens digitais, em momento algum contrata ou

figura como devedor de uma obrigação de fazer. Não há o menor traço da assunção de uma obrigação

que envolva a prática de atos que consubstanciam um praestare ou um facere, elementos essenciais

que compõem a estrutura desse específico negócio jurídico. Não se identifica presente nenhum ato

positivo, material ou imaterial, do devedor ou de terceiro, em benefício do credor ou de terceira pessoa,

a configurar uma obrigação de fazer489.

Nem mesmo na utilização de bases de dados encontra-se presente a prestação de um serviço.

Mantenhamos na retentiva que diversas são as obrigações de manter e atualizar uma base de dados e a

de assegurar ou licenciar seu uso ou consulta. Neste negócio jurídico também encontra-se presente o

488 BARRETO, Aires Ferdinando. ISS: não incidência sobre cessão de espaço em bem imóvel. Repertório IOB de Jurisprudência,São Paulo, n. 19, p. 580-583, out. 1999.

489 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 2, p. 85.200

Page 211: Tributação dos Bens Digitais

uso de um bem regulado, normatizado e protegido pela Lei de Direitos Autorais. As bases de dados

estão incluídas dentre os bens protegidos pela LDA como expressamente declara o artigo 7o., inciso XIII

da Lei 9.610/98:

Art. 7o. São obras intelectuais protegidas as criações doespírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquersuporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente nofuturo, tais como:XIII – as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias,dicionários, bases de dados e outras obras, que, por suaseleção, organização ou disposição de seu conteúdo,constituam uma criação intelectual.(g.n.)

A proteção desse bem alcança

(i) a forma de expressão da estrutura da base de dados e

(ii) os direitos patrimoniais integrados pelos direitos dereprodução, derivação (tradução, adaptação, reordenação ouqualquer modificação), distribuição e comunicação ao público.

Regulados estão estes direitos pela Lei de Direitos Autorais-LDA:

Art. 87. O titular do direito patrimonial sobre uma base dedados terá o direito exclusivo, a respeito da forma deexpressão da estrutura da referida base, de autorizar ouproibir:

I – sua reprodução total ou parcial, por qualquer meio ouprocesso;

II- sua tradução, adaptação, reordenação ou qualquer outramodificação;

III- a distribuição do original ou cópias da base de dados ou asua comunicação ao público;

IV – a reprodução, distribuição ou comunicação ao público dosresultados das operações mencionadas no inciso II desteartigo.

Por força desta disposição podemos considerar sob alcance de proteção490:

(i) O formato da base e o programa para operá-la; (ii) os conteúdos e sua natureza; (iii) a compatibilidade e interação do sistema utilizado; (iv) as formas de acesso, o que está ligado ao programa, aosoftware; (v) a extensão da utilidade e disponibilidade da base de dados.

490 CABRAL, Plínio. A nova lei de direitos autorais. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1999, p. 194.201

Page 212: Tributação dos Bens Digitais

Tais direitos, por evidente, não incluem direitos sobre os conteúdos, mas somente sobre sua forma. Os

conteúdos são protegidos em sua forma original e pelos titulares respectivos dos dados inseridos.

Como lembra SANTOS491, a redação do Artigo 87 da LDA:

“... segue o texto constante da Diretiva 96/9/CE da UniãoEuropéia, na parte que trata das bases de dados protegidaspelo Direito do Autor. No entanto, o Legislador brasileiro nãoconsiderou necessário estabelecer limitações ao direito dotitular da base de dados, em favor de usuários legítimos, damesma forma como consta da Diretiva da União Européia. Emtermos práticos, contudo, a ressalva estabelecida no § 2o. doartigo 7o. da lei, no sentido de excluir da proteção autoral osdados e materiais contidos na base de dados, já é suficientepara assegurar ao legítimo usuário acesso ao conteúdo damesma e sua normal utilização”.

Tampouco, tomando em conta que os bens digitais são bens móveis, estes estariam sujeitos à

tributação do ISS quando submetidos a um regime jurídico contratual de locação. Esta possibilidade

restou recentemente afastada pela declaração pelo Supremo Tribunal Federal da inconstitucionalidade

do item 79 da Lista de Serviços a que se refere o Decreto-Lei 406/68. na redação dada pela Lei

Complementar no. 56, de 15 de dezembro de 1987, conforme decisão prolatada no RE 116.121-3/SP,

D.J. de 25.05.2001, com voto vencedor do Ministro Celso de Mello, que inovando a jurisprudência da

Suprema Corte, fez ver aos ilustres integrantes da Excelsa Corte a imperiosa necessidade de distinguir as

obrigações de fazer das obrigações de dar. A ementa do referido acórdão está assim redigida:

“TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia daCarta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributodiscrepante daqueles nela previstos.IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. Aterminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela oobjeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo queimponha o tributo considerado contrato de locação de bemmóvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulostêm sentido próprio, descabendo confundir a locação deserviços com a de móveis, práticas diversas regidas peloCódigo Civil, cujas definições são de observância inafastável –artigo 110 do Código Tributário Nacional.”

491 SANTOS, Manoel J. Pereira dos. Considerações iniciais sobre a proteção jurídica das bases de dados, Direito & Internet:aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Edipro, 2000. p. 297.

202

Page 213: Tributação dos Bens Digitais

Pela repercussão do julgado, a afastar tributação existente há mais de trinta anos, deixamos de entrar

em detalhes, cujos fundamentos bastam para corroborar as afirmações aqui exposadas, sendo suficiente

o registro de que seu fundamento é a possibilidade única de incidir o ISS sobre obrigações de fazer,

vedada a ampliação por ofensa às balizas da repartição constitucional de competências impositivas.

Estas notas indicam a bom termo o quanto é específico e diferenciado o imposto sobre serviços

municipal da estrutura do IVA adotada em grande número de países, fato que desaconselha qualquer

recurso interpretativo à lógica, premissa e funcionalidade de um ao outro. Distante é o tratamento do

IVA ao enquadrar a cessão de uso, a permissão, como serviço da estrutura do ISS que só admite

obrigações de fazer, como acertadamente sufragado pelo Supremo Tribunal Federal.

As licenças de uso, modo mais freqüente de exploração dos bens digitais, comportam um “permitir” e

não um “fazer”, categorias distintas uma da outra. Nesta, uma conduta positiva, naquela uma conduta

negativa por parte de quem se obriga. Para quem recebe a permissão insta registrar a possibilidade de

ação ou de omissão. Nas palavras de VILLANOVA:

“O modo deôntico da possibilidade equivale à permissão lícitade ação ou de omissão, à autorização para fazer ou deixar defazer. Isso, evidentemente, não se predica de fato físico ou,melhor, de fato natural. Por outro lado, quando no plano doreal se verifica a situação objetiva descrita na hipótese, ahipótese não adquire o valor-de-verdade. Também se nenhumfato da realidade vier a corresponder ao esquema delineado nahipótese, esta não se caracteriza como falsa.” 492

Arremata de forma esclarecedora GUIBOURG:

“Cuando em el lenguaje corriente hablamos de uma conductapermitida, damos a esta palabra un significado más fuerte queel que le atribuye el lenguaje de la lógica deóntica:generalmente queremos decir que está permitido tanto cumplirla acción como omitirla. Em el uso común (y aun en el de losabogados), “permitido contraer matrionio”significa que unopuede casarse si lo desea, pero que también – se tal es sudecisión – le está permitido observar uma conducta másprudente. En nuestro sistema, las acciones que están“permitidas”em esse sentido bidireccional de la permisíón se

492 VILANOVA, Lourival. Lógica jurídica. São Paulo: Buskatsky, 1976. p. 159. 203

Page 214: Tributação dos Bens Digitais

llamarán facultativas. Pero hay que aclarar que, quandodécimos de uma acción que está permtida (Pp), solo queremosafirmar que está permitido cumplirla, sin abrir juicio sobre suomisión: si la omissión está también permitida, la conductaserá facultativa: se la omisión está prohibida, la acciónresultará, en definitiva, obligatoria”493.

Inexorável a conclusão que os bens digitais, quando objeto de cessão de uso ou em seus modos de

fruição, não estão sujeitos à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISSQN, de

competência municipal.

CAPÍTULO IX

493 ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, Maria Eugenia; GUIBOURG, Ricardo A.. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires:Astrea, 1983. p. 135.

204

Page 215: Tributação dos Bens Digitais

9 BENS DIGITAIS E O IMPOSTO FEDERAL SOBRE IMPORTAÇÃO

Como Carta de Competências, traça a Constituição Federal o seguinte arquétipo para o Imposto sobre

Importações:

“Artigo 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I – Importação de produtos estrangeiros;”

Quando estacionado no plano da literalidade textual, o intérprete estanca ante os limites desse plano,

que oferece tão-somente uma materialidade existencial morfológica e sintaticamente objetivada. Para

incursionar na compreensão do texto jurídico prescritivo, há que se transitar para o plano do conteúdo

de significação dos enunciados em busca das proposições que ele expressa.

No plano do conteúdo é que se estabelece a busca das significações de fundo jurídico, que se constroem

as significações a partir da formulação gráfica do enunciado. Neste domínio é que os influxos de ordem

205

Page 216: Tributação dos Bens Digitais

semântica se fazem presentes para atuar na geração de sentido. Neste momento ainda não podemos

tomar como pronta a tarefa empreendida de articular a norma jurídica, que será elaborada a ação

humana em seu processo intelectual de produção de significações. A norma somente poderá estar

urdida no plano das significações normativas.

No plano das significações normativas é que se estabelecerá a contextualização dos conteúdos com

vistas à produção de unidades completas de sentido para os enunciados deônticos. O agrupamento das

fórmulas enunciativas permitirá, uma vez contextualizada, exibir em sua integridade lógico-conceitual as

unidades mínimas e irredutíveis de sentido deôntico completo. Advirta-se, todavia, que o percurso da

busca e os elementos colhidos para sua estruturação estão adstritos aos limites do Direito Positivo,

saturado pelos vetores constitucionais. Este é o caminho, previsto inauguralmente por CARVALHO494, que

iremos percorrer no enfrentamento das questões propostas.

Na determinação da materialidade deste imposto, e nos limitaremos a este aspecto do antecedente da

regra-matriz de incidência, identifica-se, posta expressamente pelo legislador constitucional, a ação

humana contida na hipótese representada pelo verbo “importar”.

9.1 O Critério Material do Imposto de Importação

Ao contrário da maioria dos tributos perfilhados constitucionalmente, o Imposto sobre Importação conta

com a descrição da atuação humana para delimitar e circunscrever o núcleo da hipótese de incidência, o

campo das condutas que poderão ser tomadas pelo legislador infra-constitucional no momento em que o

legislador da União for estabelecer os elementos constitutivos da regra-padrão de incidência. Naquele

momento, estará o legislador apenas procedendo à constituição integrativa do ordenamento jurídico-

tributário, instituindo o “tributo em abstrato”495.

494 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 106-126.

495 ALESSI, Renato. Instituzioni di diritto tributário. Turim: UTET. p. 29.206

Page 217: Tributação dos Bens Digitais

Como já ressaltamos na análise dos outros tributos, a incursão, após a identificação da estrutura léxico-

gramatical, deve ser empreendida, na busca de sentido, circunscrevendo um campo de pesquisa dentro

dos limites da Constituição.

Neste ponto reportamo-nos aos estudos já explicitados quando da análise do ICMS sobre os métodos,

recursos e a hermenêutica singular do universo tributário.

Tomadas em conta as considerações anteriormente formuladas, e aqui pressupostas, identificamos que

a Constituição Federal, ao utilizar a expressão “importar”, não especificou nenhum sentido novo e

especial para o termo. Em revista ao texto da Carta Constitucional não se depara com qualquer mostra

de uso estipulativo ou de qualquer dado que contrarie a premissa de que a expressão deva ser tomada

em sua extensão e alcance habituais. Figurando como um dos mais antigos tributos na história do

Brasil496, é certo que seu sentido técnico-jurídico encontra-se consolidado, embora, como qualquer

palavra, seu sentido somente possa ser compreendido no contexto do seu universo de referência.

Importar, no vocabulário especializado dos falantes que constroem a Ciência do Direito, possui sentido

bastante unívoco. Para LACOMBE:

“Importar significa portar para dentro, trazer para dentro.Sendo o núcleo importar mercadorias, temos como primeirodado, trazer para dentro mercadorias. Como a coordenadagenérica de espaço é o território nacional, segue-se que amercadoria deve ser trazida para dentro do território nacional.Entrada no território nacional entende-se, portanto, comochegada da mercadoria ao porto ou aeroporto de destino, ouaos locais habilitados nas fronteiras terrestres”497.

SOUZA498 exposa semelhante entendimento:

“De outro lado, o aspecto material é a própria essência do fatoem sua materialidade objetiva. Assim, sua exteriorização devedar-se por meio de circunstância que reflita sua ocorrênciaatravés de elemento essencial, não acidental. Ora, a

496 . Amed, Fernando José; Negreiros, Plínio José Labriola de Campos. História dos Tributos no Brasil. Cidade: SINAFRESP,2000. p. 44.

497 LACOMBE, Américo Masset. Imposto de importação. São Paulo: RT, 1979. p. 26.

498 SOUZA, Hamilton Dias de. Estrutura do Imposto de Importação no Código Tributário Nacional. São Paulo: ResenhaTributária, 1980. p. 26.

207

Page 218: Tributação dos Bens Digitais

importação, como fenômeno econômico,é a trazida demercadorias estrangeira para o país, iniciando-se com opedido de guia de importação e contratação de câmbio e,preenchidas as formalidades preliminares, dá-se o embarquedos bens no exterior até a sua entrada no territórionacional.”(g.n.)

Para ALDAO499, com base em XAVIER, importação é: “...a entrada no território pátrio, de produto

estrangeiro com a finalidade de consumo”, valendo ressaltar que para o referido autor basta o mero

ingresso físico. SOSA define importação como “...a ação de “fazer vir de outro país”mercadorias”.

Retirados os elementos adicionais, próprios da configuração das normas de Direito Positivo vigentes à

época da formulação dessas definições, fica evidenciado inexistirem variações no campo pragmático da

linguagem, quanto a considerar o termo “importar” como a conduta do agente de fazer vir para dentro

do território do país.

Passemos ao complemento do verbo. Seguindo-se ao verbo “importar” temos um segundo vocábulo,

um adjunto adnominal – “produtos” – que diminui a esfera significativa do verbo. O texto constitucional,

ao inseri-lo na composição frásica, especifica que nem toda conduta de fazer vir para dentro do país está

incluída no suposto normativo, mas somente quando houver a introdução no país de “produtos”.

Restringe-se mais ainda o núcleo da materialidade da hipótese quando o texto constitucional adiciona

ainda o vocábulo “estrangeiros”. Não é qualquer produto que trazido para o país permitirá a percussão

tributária, mas somente se o referido produto for estrangeiro. Esta especificação afasta as concepções

de que a relevância não está na origem, mas sim na procedência do produto500. Por outra forma, o

produto nacional que esteve no exterior e é trazido para o país não é produto estrangeiro. É produto

nacional de procedência estrangeira e, portanto, não incluído na classe selecionada pelo antecedente

normativo( XXXII ).

499 ALDAO, Adolfo. O fato gerador do Imposto de Importação na Legislação Brasileira. São Paulo: RT, 1981. p. 43.

500 SOSA, Roosevelt Baldomir. Comentários à Lei Aduaneira. São Paulo: Aduaneira, 1995. p. 101.

( XXXII ) Neste sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal: RE 104.306-7/SP., DJU I de 18.04.86, Ministro Carlos Madeira.208

Page 219: Tributação dos Bens Digitais

Cumpre-nos, agora, determinar melhor o sentido e o alcance do vocábulo “produto”. Já nos

manifestamos sobre a inadequação de serem utilizadas definições lexicográficas para determinação dos

sentidos dos textos de Direito Positivo. Para determinar o sentido e o alcance de uma palavra

empregada em um texto jurídico, sempre será indispensável a determinação do seu critério de uso, ou

seja, é necessário estabelecer sua designação, pois a relação do signo com a realidade é arbitrária.

Embora insuficientes, as definições lexicográficas servem como ponto de partida para o reconhecimento

dos campos de referência em que o signo pode ser aplicado, suas diferentes intensões (grafado com s),

diferentes sentidos501. Analisemos, pois.

De Plácido e Silva, em Vocabulário Jurídico, seguem-se os registros:

“PRODUTO. Do latim productus, de producere, em sentido latoentende-se toda coisa ou utilidade, que se extraiu de outracoisa ou que dela se obteve.

Desse modo, produto exprime a utilidade produzida, ou seja, oresultado obtido da ação de produzir (produção).

Neste sentido, pois, o produto especializa-se tal como aprodução: há produtos naturais, agrícolas, pecuários eminerais, e há produtos fabris ou industriais.

E quando tais produtos forem trazidos ao comércio, para quese permutem ou se troquem, a fim de que sejam utilizados ouconsumidos, dizem-se produtos econômicos.

Produto. Juridicamente, exprime o vocábulo toda utilidadeproduzida. E, neste sentido, tanto designa as utilidadesmateriais, tiradas do solo e subsolo, ou produzidas direta ouindiretamente por eles, como os que se fabricam ou seproduzem pela ação do homem, pela transformação de umacoisa em outra pelo trabalho.

Desse modo, os produtos dizem-se naturais ou industriais.

Naturais, quando provindos ou produzidos pela natureza.

Industriais, quando resultantes da ação do homem ou de seutrabalho.

E, assim, produtos e frutos entendem-se, igualmente, coisas ouutilidades produzidas.

501 ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 44.209

Page 220: Tributação dos Bens Digitais

No sentido jurídico, entanto, distinguem-se: produto é ogênero, o fruto a espécie.

E fruto é o que vem, periodicamente, da coisa, sem que estase altere em sua substância, enquanto o produto, não sendoespontâneo nem periódico, diminui a quantidade da coisa deque se extraiu ou de que se originou.

Assim, o fruto é propriamente, o resultado de uma reprodução,e o produto o resultado da produção. O produto pode resultarde uma transformação ou obra. O fruto é sempre conseqüentede uma reprodutibilidade, ou seja, uma coisa ou utilidadedistinta da coisa produtora, que não foi destruída nemtransformada por seu evento, como sói acontecer ao produto,tido como o que se obteve pela transformação ou utilização deoutra coisa, de que se manufaturou ou de que se produziu.

Assim sendo, ao rigor da linguagem jurídica civil, quando oproduto advém de outra coisa, que o produziu ou de que seseparou, sem alterar sua substância, mostrando-se umautilidade nova, que não destruiu nem transformou aquela, deque proveio, é propriamente fruto.

Desse modo, todo fruto será um produto. Mas nem todoproduto será um fruto.

Vide: Fruto. Rendimento.

Produto. No sentido financeiro, por produto entende-se aquantia ou soma pecuniária obtida em qualquer operação.É, assim, o resultado pecuniário obtido em uma negociação ouarrecadado em um negócio.

E se qualifica como produto bruto ou como produto líquido.É bruto quando se apresenta pela soma total, sem dedução dequalquer despesa ou gastos pertinentes ao negócio.

É líquido, quando se mostra o resultado final da operação ouoperações, de que já se deduziram todos os encargos a seremcumpridos pelos proventos obtidos nelas.”

Refrescados pelos fundamentos lingüísticos e semânticos indicados, passemos a buscar no texto

constitucional, fonte primária de pesquisa do sentido dos vocábulos integrantes da regra-matriz do

imposto de importação, qual ou quais os usos que o legislador constitucional empregou na tessitura do

texto magno.

210

Page 221: Tributação dos Bens Digitais

Ao empreendermos tão elevada tarefa, nos defrontamos com diversos empregos do vocábulo ao longo

das prescrições constitucionais.

Identificamos que no texto constitucional os produtos podem ser estrangeiros (artigo 153, I), nacionais

ou nacionalizados (artigo 153, II), industrializados (artigo 153, IV e 155, X, “a”), essenciais (artigo 153, §

3o., I), semi-elaborados (artigo 155, X, “a”), destinados à industrialização ou à comercialização (artigo

155, XI). Fora do capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional, podemos identificar que os produtos

também podem ser resultantes de lavra (artigo 176), resultantes de pesquisa, refino e lavra de jazidas

(artigo 177, III), de interesse para a saúde na forma de medicamentos e equipamentos (artigo 200, I),

nocivos à saúde e ao meio ambiente (artigo 220, II), na forma de substâncias que comportam risco para

a vida, qualidade de vida e meio ambiente (artigo 225, V) alimentícios e medicamentosos (artigo 243).

Podem também constituir-se em material bélico (artigo 21, VI), agropecuário (artigo 23, VIII), agrícolas

(artigo 187), rurais (artigo 195, III, § 8o.), e serem objeto de um sistema produtivo nacional e regional

baseado em pesquisa tecnológica (artigo 218, § 2o.). É possível inferir também que não são serviços

(artigo 155,XII, “e”)e, para efeitos tributários, nem ouro (artigo 153,§5o).

Sob o aspecto semântico um signo lingüístico tem uma denotação (relação a um conjunto de objetos

que constitui sua extensão – como “planeta” denota os nove astros que giram em torno do sol – e uma

conotação (conjunto de propriedade que atribuímos a um objeto e que constituem sua intensão (grafado

com s) como a palavra “homem” conota o ser racional, dotado de capacidade para pensar e falar)502.

Partindo dessas considerações, verificamos que o conjunto de enunciados (não de proposições)

recolhidos no texto constitucional constitui o campo denotativo do signo produto que indefectivelmente

funciona como gênero, pontilhando o texto constitucional suas várias espécies. O que nos interessa

nesse momento é identificar o critério de uso, a conotação da palavra “produto”, já que o gênero denota

mais que a espécie503.

502 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1991. p.39.

503 MILL, Stuart. O sistema da lógica. Madrid: Daniel Jorro Editor, 1917. p. 134.211

Page 222: Tributação dos Bens Digitais

Nesta busca do critério de uso, que poderia ser exaustiva, contentamo-nos em detectar que a

circunstância do bem ser corpóreo, ter existência física, tangível, é determinante para a inclusão no

grupo denotativo do vocábulo “produto” tomado pelo texto constitucional.

Confirma esta assertiva reputada doutrina. LACOMBE504 enuncia:

“Produto é toda coisa móvel corpórea. Ou será um produto danatureza ou da atividade humana.”

TAVARES505 analisando o tema registra:

“Segundo o Regulamento, os bens sujeitos ao referido impostosão as mercadorias estrangeiras. Entretanto, neste ponto, foirestringida a disposição constitucional (artigo 153, I), quedetermina a competência da União para instituir imposto sobre“a importação de produtos estrangeiros”, que significam,conforme interpretação da doutrina e da jurisprudência,produtos submetidos a comércio ou a algum processo detransformação ou industrialização no exterior”

Por sua vez, reafirma LIMA506:

“Sabendo-se que produto é gênero do qual mercadoria éespécie e conceituados o primeiro como sendo um bem móvele corpóreo, enquanto que o segundo é um bem móvel,corpóreo e destinado ao comércio...”

Confirmada a interpretação exposada, exploremos os demais sentidos emprestados ao vocábulo

“produto” pela Constituição Federal.

No sentido financeiro, apontado por De Plácido e Silva, encontramos que a União deverá entregar aos

demais entes da Federação o produto da arrecadação dos impostos (artigos 155, 157,158 e 159, 167,

IV), e que parte referidos recursos ser aplicados na saúde (artigo 198).

504 LACOMBE, Américo Masset. Imposto de importação. São Paulo: RT, 1979. p. 26.

505 TAVARES, André Ramos. Tributação na era da Internet. São Paulo: RT, 2001. p. 282. (Caderno de Pesquisas Tributárias,Nova Série, 7: tributação na Internet)

506 LIMA, Sebastião de Oliveira. O fato gerador do imposto de importação na legislação brasileira. São Paulo: ResenhaTributária, 1981. p. 45.

212

Page 223: Tributação dos Bens Digitais

Em outra acepção também emprega a Constituição a palavra “produto”. Como resultado de esforços

criativos e artísticos a lei deve estabelecer-lhe incentivos, tanto aos bens quanto aos valores culturais

(artigo 216, §3o.).

Percebe-se com nítida clareza que existe enorme variação entre os critérios de uso para cada uma das

acepções. Embora seja o mesmo signo, seu significante é absolutamente diverso, o que nos permite

assegurar que o termo é denotativamente vago, trazendo vários significados, diferente extensão. A falta

de uma análise mais detida pode conduzir a grandes equívocos, como tomar um sentido pelo outro e

assim construir raciocínios completamente falsos. Por isso as definições lexicais não se prestam a uma

investigação mais técnica, onde o uso comum e impreciso deve ser sempre afastado. Judiciosas as lições

de FERRAZ JÚNIOR:

“Circunscrevendo-nos à linguagem falada, base de todas asdemais formas de comunicação humana, pode-se dizer que oconvencionalismo se propõe, então, a investigar os usoslingüísticos. Se a definição de uma palavra se reporta a um usocomum, tradicional e constante, falamos de uma definiçãolexical. Esta definição será verdadeira se corresponde àqueleuso. Por exemplo, se definimos “mesa” como um objetoredondo que serve para sentar-se, a definição é falsa. Apalavra não se usa assim em português. Definições lexicaisadmitem, pois valores verdadeiro/falso. Nem sempre, porém,uma palavra se presta à definição deste tipo. Ou porque o usocomum é muito impreciso ou porque é imprestável, porexemplo, para uma investigação mais técnica”.507

Neste equívoco incidiu LUNARDELLI508 ao afirmar que o vocábulo “produto” que compõe o núcleo da

hipótese de incidência do Imposto de Importação comportaria tanto o derivado de um processo de

industrialização, quanto o de uma atividade mental humana. Partindo exclusivamente da etimologia do

termo deixou de atentar para as preponderantes funções que exercem o uso na pragmática da

comunicação humana. Os critérios de uso em um e outro caso são absolutamente diversos, bem como o

507 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 1991. p.38.

508 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Tributação na internet. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 59, p.78, ago. 2000.

213

Page 224: Tributação dos Bens Digitais

contexto de aplicação constitucional é também inadequado, como vimos, para comportar o significado

que o referido autor tenta emprestar à palavra produto.

O deslize tem por fundamento motivos de ordem lingüística e razões conhecidas. Para que exista

sinonímia, isto é, identidade de significação, não basta que duas expressões sejam sinônimas, não basta

que denotem o mesmo conjunto de objetos (pessoas, animais, coisas), no caso “aquele derivado de um

processo de industrialização” e “aquele derivado de uma atividade mental humana”509; é indispensável

que denotem por alusão a mesma propriedade. Vêm a calhar as explicações e exemplos trazidos por

ILARI e GERALDI510:

“Assim, mesmo que as moças mais bonitas do meu bairrofossem, por acaso, as filhas do gerente do Banco do Brasil, asexpressões as moças mais bonitas do meu bairro e as filhas dogerente do Banco do Brasil não seriam sinônimas, da mesmaforma que não o são Via Láctea e Caminho de São Tiago (quese referem, entretanto, ao mesmo conjunto de constelações)nem São Luis do Maranhão é a única cidade capital de Estadobrasileiro que não foi fundada por portugueses. Em todos essesexemplos a referência das duas expressões é idêntica, as duasexpressões são coextensivas (têm a mesma extensão, denotamos mesmos objetos) mas têm sentidos diferentes. Além deidentidade de extensão, a sinonímia é identidade de sentidoou, como dizem também os semanticistas, de intensão(grafado com s).”

Feitas estas observações podemos afirmar, sinteticamente, que o núcleo da hipótese de incidência, o

aspecto material, do Imposto de Importação compreende:

“...a ação de trazer para dentro do território do país produto,como tal entendido um bem móvel, tangível e corpóreo, deprodução estrangeira”.

Em formulação completa enuncia HILÚ NETO a regra-matriz de incidência deste imposto:

“Dado o fato de o importador ou terceiro equiparado fazer vir,do exterior, produtos estrangeiros ou desnacionalizados, parauso ou consumo no Brasil, cujo aspecto temporal correspondeao momento da transposição da linha demarcatória do

509 O parágrafo em comento contém: “Produto, portanto, pode ser tanto aquele derivado de um processo de industrialização, quanto o de umaatividade mental humana, na qual se insere o programa de computação, assim considerado legalmente como o conjunto ordenado de linguagem com funçãoespecífica de dar instruções a uma máquina (hardware)” (LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Tributação na internet. RevistaDialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 59, p. 78, ago. 2000.).

510 ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995.214

Page 225: Tributação dos Bens Digitais

território aduaneiro tributário, e cujo aspecto espacialcorresponde ao ponto da linha demarcatória do territórioaduaneiro tributário cruzado, deve ser a relação jurídico-tributária que tem por sujeito ativo a União e por sujeitopassivo o importador, o equiparado ou terceiro responsável,cuja base de cálculo é o valor aduaneiro e cuja alíquotaencontra-se prevista na Tarifa Externa Comum, textocomunitário do Mercosul”511.

9.2 Não-Incidência do Imposto de Importação sobre os Negócios Jurídicos Envolvendo oDownload de Bens Digitais

Os bens digitais constituem objeto de tráfego nas redes telemáticas, podendo ser transmitidos de país

estrangeiro para uso, mediante licenças de uso, cessão ou locação, em máquinas localizadas no território

brasileiro. À transmissão pelas redes, sem suporte físico, de um remetente para um ou mais

destinatários, por ação direta do próprio nacional ou programada pelo remetente de bens digitais, tem-

se denominado “download”, expressão que não possui ainda adequada tradução. Esclarece MELLO:

“O download significa transportar arquivos da Internet paraoutro computador, ou transferir dados de um micro a outromicro, como é o caso de fornecimento de produtos, bens eserviços de diversificada natureza (passagens aéreas,publicidade, leilões, banco eletrônico, consultorias, filmes,revistas). Na web é possível a realização de serviçoscentralizadores (as informações são baixadas pelo provedorpara o usuário), ou possibilitar que o usuário obtenha oselementos diretamente dos micros onde estejam os produtos,serviços, etc., de seu interesse.

No primeiro caso, o computador solicita serviços a um servidor,que dispara pesquisa em outros servidores, vindo (o mesmocomputador) a receber as respostas que o servidor obteve. Nasegunda situação (sistema peer-to-peer – colega a colega, ou“entre-partes), o computador envia a pesquisa para a rede; asmáquinas ligadas à rede respondem se podem atendê-lo; ousuário escolhe uma conexão e recebe a resposta”.

A indagação que se faz presente é se a ação de receber a transmissão por meio não físico de um bem

digital realiza ou não a materialidade prevista no descritor da regra-matriz de incidência do Imposto de

Importação.

Para chegarmos à resposta, precisamos responder a duas indispensáveis indagações:

511 HILÚ NETO, Miguel. As regras matrizes de incidência dos impostos aduaneiros. São Paulo, 2000. 298 f. Dissertação(Mestrado em Direito Tributário) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

215

Page 226: Tributação dos Bens Digitais

(i) A recepção dessa transmissão constitui uma importação?; (ii) O bem digital é “produto” na acepção constitucional?

Responderemos, por razões de mera conveniência expositiva, às questões em ordem inversa à

formulação.

Começamos por afirmar que os bens digitais não são “produtos” no sentido dado pela Constituição ao

referido vocábulo na construção do núcleo da hipótese da regra-matriz de incidência do Imposto de

Importação.

Como acabamos de referir, “produto” no sentido jurídico-constitucional-tributário refere-se

exclusivamente a bens materiais, corpóreos, tangíveis e que, como tais, estão sujeitos ao controle e

trânsito aduaneiro. Tanto é assim que o padrão internacional de classificação de mercadorias não faz

menção a qualquer bem de natureza incorpórea. O Sistema Harmonizado de Designação e de

Codificação de Mercadorias (SH) constitui um sistema unitário de designação de mercadorias destinado a

embasar a fixação de tarifas aduaneiras, de fretes, estatísticas do comércio internacional de produtos e

dos diferentes meios de transporte, dentre outras finalidades. Resulta de uma organização precisa e

detalhada da compatibilização da Nomenclatura do Conselho de Cooperação Aduaneira-NCCA

atualmente denominado Organização Mundial de Alfândegas, com a Classificação Uniforme para o

Comércio Internacional - CUCI. Embora esse argumento seja acessório, pois a ausência de classificação

não impediria reconhecer a competência da União para tributar os bens digitais, o certo é que estes,

minuciosamente estudados em suas características nos capítulos anteriores, não constituem “produtos”

no sentido tomado pela Constituição Federal, ao construir os arquétipos constitucionais do Imposto de

Importação, de competência impositiva atribuída à União Federal. Podemos, portanto concluir que os

bens digitais, por não serem “produtos”, não se sujeitam à tributação pelo Imposto de Importação.

216

Page 227: Tributação dos Bens Digitais

Embora as circunstâncias apontadas sejam suficientes para afastar a incidência do Imposto de

Importação, registramos que, pela resposta negativa à primeira indagação, também não se poderia

exigir o tributo, eis que inexistente, no sentido técnico-jurídico, a conduta de “importar” um bem

intangível como são os bens digitais. Justifiquemos.

É certo que sobre o verbo “importar” não há registro de ter exigido ou instigado maiores esforços

doutrinários no campo jurídico, pois seu sentido comum sempre foi suficiente para açambarcar a

realidade existente e recortada para compor as hipóteses normativas. Usamos cotidianamente o

vocábulo “importar” com absoluta despreocupação, referindo-nos às coisas mais diversas, desde o uso

no sentido de importar mercadorias, como também em frases como “hábitos importados”, “cultura

importada”, “doutrina importada”, “energia importada”, “tecnologia importada”, “mão-de-obra

importada”, “modelo econômico importado”, etc.

Evidente que, embora todas essas expressões remetam a uma pretensa ação de “trazer algo para o

território nacional”, não se deve admitir como correto que esses comportamentos possam ser

subsumidos à classe dos fatos contidos no descritor do arquétipo constitucional do tributo nominado

Imposto de Importação.

Não é conhecida uma definição legal do que seja uma operação de importação512, o que tornaria

obrigatório seu uso como enunciado prescritivo compositor do plano da literalidade textual do Direito

Positivo513. Isto não obsta o esforço interpretativo, uma vez que o objeto da Ciência Jurídica não é

apenas “descrever”, em sentido estrito, fenômenos, mas amplamente explicá-los com metodologia

própria, sendo função da doutrina fornecer explicação científica dos fenômenos jurídico-positivos,

fazendo-o de forma ampla, podendo comentar, interpretar, descrever em sentido estrito, enunciar,

formular hipóteses e deduzir-lhes as implicações, generalizar, expor, etc.514.

512 SOSA, Roosevelt Baldomir. Comentários à Lei Aduaneira. São Paulo: Aduaneira, 1995. p. 55.

513 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. As classificações no sistema tributário brasileiro, Justiça Tributária. In: CONGRESSOBRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, 1., 1981, São Paulo. Anais....São Paulo: Max Limonad, 1981. p. 132.

514 BORGES, José Souto Maior. O direito como fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciência jurídica, sua baseempírica e o método hipotético-dedutivo. Anuário do Mestrado em Direito. Cidade, n. 4, p. 13, jan./dez. 1988.

217

Page 228: Tributação dos Bens Digitais

Embora, afirmamos, todas aquelas expressões conduzam a um significado leigo de “importar”, a

Constituição Federal, ao registrar o vocábulo “importar” o fez em sentido específico. O uso de um

vocábulo, já relatamos, traz consigo diferentes universos de significação. Ao rastrearmos o texto

constitucional, os usos eleitos pelo legislador constituinte no aplicável à matéria tributária, identificamos

que seu significado somente pode ser adequadamente apreendido se atrelado a noções e conceitos

trazidos por outros signos. Estão inevitavelmente presentes ao menos três conceitos, indispensáveis para

a compreensão do que seja importar:

(i) a noção de território (nacional/estrangeiro),

(ii) a de introdução (algo que está fora e é transportado paradentro) no território brasileiro e

(iii) a de um bem físico e tangível (produto). Sem esteselementos, exteriores ao signo analisado, não é possível acompreensão e demarcação do campo referencial do vocábulo“importação”, plasmado no texto constitucional.

A palavra escrita, símbolo que é, está atrelada à convenção que lhe determinará seu interpretante. O

símbolo em si mesmo nada mostra sobre o de que se está falando, apenas conecta o pensamento a

uma experiência particular. É apenas um conector, não tendo poder de significar. O símbolo significa por

meio de um hábito (ocorrência repetida de uma idéia geral acoplada à experiência de sua utilidade) e de

uma associação de idéias515.

Neste teor o vocábulo “importar” nada expressa e como todo objeto imediato, nas lições de Peirce, é

apenas uma alusão a um outro objeto, o objeto dinâmico. O objeto imediato, como representado no

signo, é inexpressivo, conseguindo apenas indicar, cabendo ao intérprete descobri-lo por experiência

colateral, algo que está fora do signo. Por observação colateral deve entender-se a intimidade prévia

com aquilo que o signo denota, um universo de expectativas trazido pelo próprio objeto imediato. O

signo, para agir como signo, está determinado ou provocado pelo objeto516.

515 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 171-175.

516 Ibidem, p. 46-70.218

Page 229: Tributação dos Bens Digitais

Se nada se alcança por experiência colateral, o signo é incompreensível, nada diz. Exemplifica

SANTAELLA elegendo a palavra “luz” para demonstrar que o objeto dinâmico que indicava há dois

séculos é absolutamente diverso do que indica hoje, no contexto das teorias físicas contemporâneas517.

Por tais fundamentos, afirmamos que somente é possível compreender a palavra “importação” se

coactada às noções de objeto móvel, tangível, trazido de fora do território nacional. Por isso a doutrina

está imersa em idéias que atraem as exigências de procedimento de despacho aduaneiro518, entrada no

país519, etc. Tais noções são predicados que independem de exposição nos atos de expressão, pois

constituem pressupostos e, como tais, funcionam como condição de emprego do vocábulo que os

pressupõe520. Por tais condições pressupostas de emprego do termo, é que, v.g., quando sintonizamos

uma estação de rádio estrangeira e gravamos uma canção em fita-cassete para posterior reprodução,

não afirmamos que neste caso realizamos uma operação de importação.

Por tal razão, certamente percebida empiricamente, é que MACHADO521 afirma:

“O conceito de importação, repita-se, pressupõe a existênciade fronteiras físicas entre os vários países, e isso não existe nomundo virtual. Os endereços eletrônicos, que nos permitem teracesso aos fornecedores de software, prescindem da indicaçãodo local físico em que eventualmente estejam situados. Esselocal físico é inteiramente irrelevante. Tanto para a localizaçãodo site como para que o software chegue ao nossocomputador” .

MACHADO522 conclui:

“Já o software, que nos chega através de um download, nemcorresponde ao conceito de importação, nem se submete anenhuma forma de controle”.

517 SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo: Ática, 1995. p. 59..

518 VILLEGAS, Hector B. Curso de finanzas, derecho financiero y tributario. Buenos Aires: Depalma, 1977. p. 572.

519 GIULIANI FONROUGE, Carlos M. Derecho financiero. Buenos Aires: Depalma, 1965. v. 2, p. 887.

520 ILARI, Rodolfo; GERALDI, João Wanderley. Semântica. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. p. 63.

521 MACHADO, Hugo de Brito. Tributação na Internet. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva Martins (coord.). Tributação naInternet. São Paulo: RT; Centro de Extensão Universitária, 2001. p. 95 (Pesquisas Tributária - Nova Série, 7).

522 Ibidem.219

Page 230: Tributação dos Bens Digitais

Não se pode estender de forma despropositada o sentido e a extensão das palavras somente para

ampliar a competência tributária. Lapidar, neste sentido, o pensamento de Luiz Gallotti ao proferir voto

no RE no. 71.758, afirmando que:

“Como sustentei muitas vezes, ainda no Rio, se a lei pudessechamar de compra o que não é compra, de importação o quenão é importação, de exportação o que não é exportação, derenda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributárioinscrito na Constituição”. (RTJ 66, p.165).

É certo que o Direito cria suas próprias realidades, para nelas incidir e não para reproduzi-las. Todavia os

limites semânticos tolhem tal pretensão, superável somente através de recursos estipulativos,

circunstância aqui, às claras, não-presente.

Intributável, portanto, pelo Imposto de Importação, o download de bens digitais provenientes do

exterior, em território nacional.

220

Page 231: Tributação dos Bens Digitais

CAPÍTULO X

221

Page 232: Tributação dos Bens Digitais

10 O Imposto Estadual sobre Importação de Bens

Em breves traços, queremos cuidar da novidade trazida pela Emenda Constitucional no. 33 de 11 de

dezembro de 2001, publicada no Diário Oficial da União em 12 de dezembro deste mesmo ano.

Trouxe a referida Emenda Constitucional, ao sabor do modelo de periódico mensal adotado por nossas

Casas Legislativas, importante inovação em matéria tributária.

Introduziu-se nova redação para o inciso IX, alínea “a” do artigo 155 da Constituição Federal que trata

da competência impositiva dos estados. O novo texto consagra a seguinte redação:

Artigo 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituirimpostos sobre:...II- operações relativas à circulação de mercadorias e sobreprestações de serviços de transporte interestadual eintermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e asprestações se iniciem no exterior;...§ 2o. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

IX – incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados doexterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não sejacontribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a suafinalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior,cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílioou ao estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ouserviço;

A redação anterior da alínea “a” supra transcrita era:

“a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a

consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o

imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço;”

222

Page 233: Tributação dos Bens Digitais

Grandes inovações foram introduzidas. Percebe-se em primeira leitura que novas prescrições foram

inseridas sendo:

(i) o imposto passou a incidir também sobre bens e não maissomente sobre mercadorias;

(ii) alcança tanto a importação feita por pessoa física quantopor pessoa jurídica;

(iii) mesmo que o contribuinte não seja contribuinte habitual doimposto;

(iv) qualquer que seja a finalidade – destinação – do bemimportado;

(v) cabendo o imposto ao estado onde estiver situado odomicílio do destinatário, quando este for pessoa física.

Inegavelmente, neste país onde não se pratica política tributária, mas sim a política de arrecadação e a

ânsia arrecadatória não encontra limites, a Emenda Constitucional de iniciativa do governo teve alvos

definidos:

1o. aumentar a arrecadação;

2o. garantir a arrecadação que o Supremo Tribunal Federalafetou ao decidir que o ICMS cobrado de pessoas físicas ousociedades não-comerciais em importações próprias erainconstitucional.

A alteração efetuada é de enorme magnitude, afetando de forma profunda o sistema tributário no que

se refere à competência impositiva dos estados, bem como modifica sobremaneira o arquétipo tributário

sobre o qual se assentava a regra-matriz de incidência anteriormente vazada pela redação pretérita do

artigo inovado.

Com as modificações acima apontadas, não temos dúvida em afirmar que houve ampliação da

competência impositiva dos estados e do Distrito Federal, permitindo a instituição de um imposto

novo.

Já afirmarmos alhures que a competência impositiva, como norma de estrutura, é a aptidão para criar in

abstracto tributos, missão que só se cumprirá com a efetiva edição da lei da pessoa política que recebeu

223

Page 234: Tributação dos Bens Digitais

da Constituição o referido direito, devendo o legislador competente instituir o tributo fixando em lei

todos os elementos componentes da regra-matriz de incidência. Este ato de criação de tributo estará

adstrito às balizas constitucionais e aos limites próprios e regradores do exercício do poder de tributar.

Não poderá o legislador, sob qualquer pretexto, atuar fora do campo de materialidade eleito pela norma

constitucional. Estas materialidades, todavia, permitem a partilha de competências, sempre associadas a

um critério material de repartição.

Os fatos eleitos como critério material poderão, em ato legislativo subseqüente, ser inseridos pelos

legisladores ordinários das pessoas políticas competentes nas hipóteses de incidência da lei instituidora

do tributo. Obtempera ATALIBA523, sobre o tema:

“Atribui-se a competência para instituir impostos mediante atécnica de reservar, ao competente para instituir, certos tiposde manifestações de capacidade econômica – e, via deconseqüência contributiva – por parte de seus súditos. Querdizer: toma-se certa faixa ou campo da matéria econômica e seo outorga, como fonte de renda, a esta ou àquela entidade,para que a use – em caráter exclusivo. A técnica do DireitoTributário consiste em, descrevendo com precisão tais fatos –reveladores de capacidade contributiva – fazer nascer, a partirde sua realização, a obrigação (a cargo do particular,contribuinte) de pagar certa soma ao Poder Público.”

Ao nos debruçarmos sobre a Emenda Constitucional no. 33, o que se evidencia é que uma nova

manifestação de capacidade contributiva, uma nova materialidade, foi selecionada para compor o rol dos

arquétipos tributários passíveis de serem instituídos pelos estados e pelo Distrito Federal.

Este novo imposto, que estamos denominando, estipulativamente, Imposto Estadual sobre Importações

de Bens–IEIB, possui materialidade própria que pode ser expressa como “importar bem do exterior para

qualquer finalidade”.

Quando buscava afastar as limitações interpretativas firmadas pelo Supremo Tribunal Federal, o

legislador constituinte derivado terminou por criar um imposto novo, sendo seus caracteres diferenciados

do ICMS.523 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968. p. 106.

224

Page 235: Tributação dos Bens Digitais

Enquanto o ICMS incide somente sobre a circulação jurídica de mercadorias, o IEIB incide sobre a

importação de quaisquer bens (não só mercadorias, que é espécie do gênero bem), não exigindo a

circulação jurídica entre nacionais. O ICMS somente pode ser exigido do comerciante, produtor ou

industrial. O IEIB pode ser exigido de qualquer pessoa, física ou jurídica. O ICMS é exigível quando o

destino da mercadoria importada é a sua integração ao comércio (deve ser mercadoria). O IEIB incidirá

indiferente do destino - finalidade - dado ao bem importado.

Como o novel imposto não exige circulação jurídica e incide sobre qualquer tipo de bem importado, por

qualquer tipo de pessoa independente de ser ou não comerciante, industrial ou produtor, tais diferenças

indicam certamente tratar-se de tributo diverso do ICMS. Para confirmar a assertiva, bastaria o preciso

teste proposto por Paulo de Barros Carvalho524, isto é, identificar o binômio hipótese de incidência e

base de cálculo para diferençar um imposto do outro. Inexistente a definição da base de cálculo do IEIB,

que não deixará de constituir uma perspectiva dimensível de sua materialidade, comparemos as

materialidades em comento:

ICMS => circulação de mercadorias promovida porcomerciante, industrial ou produtor;

IEIB => importação de bens por qualquer pessoa e paraqualquer finalidade.

Distintas as materialidades, distintos os impostos. Descortinou BECKER525, o modo pelo qual se pode

diferençar uma regra jurídica de outra:

524 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 28.

525 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998. p. 323.225

Page 236: Tributação dos Bens Digitais

“Para que duas regras jurídicas sejam distintas, isto é, sejamduas e não uma só, não é necessário que tanto a regra, comoa hipótese de incidência, tenham conteúdo diferente. Para quehaja dualidade de regras jurídicas é suficiente que a regra ou ahipótese de incidência tenha conteúdo diferente.” E continua:“Cada espécie de fato ou ato enumerado é a hipótese deincidência de uma distinta regra jurídica, embora esta estejaestruturada com regra idêntica às das demais regras jurídicas eainda que todas elas tenham sido enunciadas por um só artigode lei. Deve-se saber distinguir, dentro de uma única formaliteral legislativa, o número de regras jurídicas ali contidas e oconteúdo das respectivas estruturas lógicas”.

Não fossem as limitações impostas pela redação anterior à mencionada alínea “a” do inciso IX, parágrafo

2o. do artigo 155 da Constituição Federal, GRECO e ZONARI teriam firmado a mesma posição.

Escreveram526:

“Observe-se que a materialidade do ICMS desborda asmercadorias em si(...omissis...) para alcançar, na importação,também os bens (artigo 155, § 2o., IX, a). Este fato, porém,não retira o caráter eminentemente mercantil do ICMS, poismesmo nesta incidência exige-se que o bem se integre numaatividade econômica sujeita a imposto (daí mencionar-se anoção de “estabelecimento”). Este dispositivo corresponde àampliação da materialidade do imposto para alcançar bens comos quais o contribuinte se relaciona, mas não implica aampliação do aspecto pessoal da hipótese de incidência. Ouseja, esta hipótese só alcança as importações realizada por umcontribuinte de ICMS, o que é figura semelhante à incidênciado imposto nas operações interestaduais a consumidor final,em que o Estado de destino só tem competência impositiva seo destinatário for contribuinte de ICMS (itens VII, a, e VIII)”.(grifos nossos).

Retiradas as amarras apontadas, que mantinham o referido imposto com caráter eminentemente

mercantil, certa é a conclusão que o novo imposto introduzido nada tem em sua materialidade que

possa ser comparado ao ICMS.

Diante disto, caberá ao legislador por meio de nova lei complementar, aos moldes do que a Lei

Complementar 87 fez com o ICMS, definir os demais elementos integrativos da hipótese de incidência do

novo imposto criado pela Emenda Constitucional 33/2001.

526 GRECO. Marco Aurélio; ZONARI, Anna Paola. (Coord). ICMS: materialidade e princípios constitucionais. In: MARTINS, IvesGandra da Silva. Curso de direito tributário. 3. ed. Belém: CEJUP, 1994. v. 2, p. 147.

226

Page 237: Tributação dos Bens Digitais

Cumpre-nos indagar-se novo tributo Imposto sobre Importações e Bens Materiais-IEIB, poderá incidir

sobre os bens digitais.

10.1 O Imposto Criado pela Emenda Constitucional N°33/2001 e os Bens Digitais

Registramos que o novo imposto incide sobre “bem importado do exterior” por qualquer pessoa, para

qualquer finalidade, não sendo necessário o caráter mercantil. Nem mesmo demanda a aplicação do

conceito de circulação, próprio do ICMS, pois a importação direta, mesmo por quem “não seja

contribuinte habitual do imposto”, para seu uso final também permite a incidência potencial do tributo.

Ao utilizar a palavra “bem” e não mais “mercadoria”, este termo espécie daquele, que funciona como

gênero, podemos inferir que passou a ser possível tributar todo e qualquer tipo de bem, obviamente

bem móvel, para poder ser objeto da ação de importar. A partir dessa constatação, poderíamos admitir

a tributação, pelo novel imposto, dos bens digitais objeto de download?

Já anotamos que os bens digitais em sua intangibilidade, não acoplados a um corpus mechanicum, mas

exteriorizados a partir de seu autor, constituem bens intelectuais e cujos direitos patrimoniais podem

ser explorados exercitando-se os direitos de reprodução.

A circulação econômica de bens digitais é, portanto, típica atividade de reprodução de obra protegida

pela Lei de Direitos Autorais. Os bens digitais, além de poderem ser comunicados de forma indireta, no

exercício do direito de reprodução, também podem ser comunicados de forma direta, num modelo

equiparado aos direitos de transmissão ou emissão previstos no inciso II do artigo 5o. da Lei 9.610/98

que estabelece:

“Artigo 5o. Para os efeitos dessa Lei, considera-se”:

“II- transmissão ou emissão – a difusão de sons ou de sons eimagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélites;fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outroprocesso eletromagnético;”.

227

Page 238: Tributação dos Bens Digitais

Sabemos que muitos softwares podem ser utilizados pelos usuários sem qualquer tipo de fixação nos

próprios computadores como é o caso principalmente dos vídeos acessados pela Internet por meio da

tecnologia streaming. Ou seja, é possível a utilização sem a realização de uma cópia (download) pela

Internet. As informações transmitidas são mantidas na memória RAM (Read Access Memory) de maneira

volátil, ou seja, somente estarão lá durante seu uso, desaparecendo quando o computador é desligado

ou a conexão é terminada.

Nesse caso, a transmissão do bem digital pode ser considerada como ao abrigo do regime dos

chamados direitos conexos527. Na definição de BITTAR:

“Direitos conexos são os direitos reconhecidos, no plano dos deautor, a determinadas categorias que auxiliam na criação ou naprodução ou, ainda, na difusão da obra intelectual”528.

O artigo 89 e seguintes da Lei 9.610/98 traz as disposições que dão o contorno desses direitos.

Interessam-nos, neste ponto, os direitos elencados no artigo 95 da Lei 9.610/98 que estabelecem os

direitos das empresas de radiodifusão no que se refere à proteção de suas emissões. Assegura o

referido dispositivo o direito exclusivo de autorizar ou proibir a retransmissão, fixação e reprodução, bem

como a comunicação de obras protegidas ao público. Assumindo que os bens protegidos e o alcance das

proteções estabelecidas na Lei de Direitos Autorais são exemplificativos529 (artigo 7o.) e que os avanços

tecnológicos em muito influenciam esse campo especial do direito que busca fundamentalmente garantir

a criatividade e a expressão do pensamento humano, não se pode deixar de concluir quem leva ao

público obra protegida, por diferentes meios de tecnologia, está, irremediavelmente ao abrigo da

referida lei. Parece induvidoso, por exemplo, que a empresa transmissora de programação musical pela

Internet goze da mesma proteção e regime jurídico autoral de quem o faz por meio de ondas de rádio

(radiodifusão- Artigo 7o., XII da LDA) ou que a empresa que transmite imagens pela Internet deva ter o

mesmo tratamento daquela que transmite as mesmas imagens pela televisão (artigo 95 da LDA).

527 LUPI, André Lipp Pinto Basto. Proteção jurídica do software: eficácia e adequação. Porto Alegre: Síntese, 1988. p. 43.

528 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 152.

529 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. p. 31.228

Page 239: Tributação dos Bens Digitais

Tais considerações levam à imediata conclusão de que em uma comunicação de bem digital de forma

direta pela Internet, estão presentes os direitos do autor do software, como também os direitos daquele

que o transmite. No primeiro, os direitos de autor sobre a obra, no segundo caso os direitos conexos

sobre a transmissão (efetivada pela conexão dos computadores na rede).

Tanto na comunicação de forma direta, quanto na comunicação indireta, estamos diante de uma

equiparada reprodução de obra intelectual e nunca diante de uma singela e pretensa “importação” de

bem intelectual.

Já apontamos, ao analisar a possibilidade de incidência do Imposto de Importação sobre os bens

digitais, que a atividade de importar somente pode dizer respeito, referir-se, enfim, a uma ação sobre

um bem material, físico, tangível, que possa ter como elementos referentes a noção de território e de

fronteira físicas. Como aponta BECKER530:

“Na regra jurídica criadora do imposto de importação, o fatomaterial da introdução de coisa, dentro de zona geográfica oupolítica, é o núcleo (base de cálculo) da hipótese deincidência”.

Isto por certo afasta a possibilidade de conferir ao novo imposto a descabida idéia de importação de

bens intelectuais. Se assim fosse, seria possível exigir imposto estadual sobre marcas, patentes,

tecnologia, know-how, direitos autorais, etc. Chegaríamos à absurda situação de cada estado tributar a

seu modo as referidas “importações”, pois, como apontou GIARDINO, os estados, municípios e o distrito

Federal têm competências impositivas materialmente concorrentes531.

Não poderá, em conclusão, o novo tributo incidir sobre as transmissões interfronteiriças de bensdigitais.

530 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Lejus, 1998.531 GIARDINO, Cleber. ISS: competência municipal. O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 dez. 1984. p. 68. apud

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 437.229

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