Tripartismo

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Tripartismo e descentralização na política de emprego, trabalho e renda: estudo de caso do Rio de Janeiro DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Vânia Souza da Silva Rio de Janeiro, 2001

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  • FUNDAO GETLIO VARGAS

    ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAO PBLICA

    CENTRO DE FORMAO ACADMICA E PESQUISA

    CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAO PBLICA

    Tripartismo e descentralizao na

    poltica de emprego, trabalho e renda:

    estudo de caso do Rio de Janeiro

    DISSERTAO APRESENTADA

    ESCOLA BRASILEIRA DE

    ADMINISTRAO PBLICA PARA A

    OBTENO DO GRAU DE MESTRE

    EM ADMINISTRAO PBLICA

    Vnia Souza da Silva

    Rio de Janeiro, 2001

  • FUNDAO GETLIO VARGAS

    ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAO PBLICA

    CENTRO DE FORMAO ACADMICA E PESQUISA

    CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAO PBLICA

    Tripartismo e descentralizao na poltica de emprego,

    trabalho e renda: estudo de caso do Rio de Janeiro

    DISSERTAO DE MESTRADO APRESENTADA POR

    Vnia Souza da Silva

    E APROVADA EM 26 DE JULHO DE 2001 PELA COMISSO EXAMINADORA

    ______________________________________________________

    Profa. Sonia Maria Fleury Teixeira Doutora em Cincia Poltica

    ______________________________________________________

    Prof. Alusio Loureiro Pinto Doutor em Administrao Pblica

    ______________________________________________________

    Profa. Eli Roque Diniz Doutora em Cincia Poltica

  • RESUMO

    Procura analisar o modelo tripartite, paritrio e descentralizado de gesto dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador no sistema pblico de emprego do Rio de Janeiro. Para tanto, o primeiro captulo inicia-se com uma discusso sobre o corporativismo no Brasil, demostrando suas caractersticas e os determinantes que propiciaram a modificao em seus arranjos na histria sindical brasileira. No segundo captulo, demonstra-se o sistema pblico de emprego brasileiro, apresentando os planos e programas que o compem e suas caractersticas estruturais. Ao final do captulo, analisa-se porque se considera o sistema de emprego como possuidor de uma estrutura corporativista hbrida. No terceiro captulo apresenta-se como est configurada a Comisso Estadual de Emprego do Rio de Janeiro na atualidade, sua histria e principais resolues e programas. Em seguida, verifica-se como vem ocorrendo a representao de interesses no campo poltico do sistema de emprego fluminense e a busca da congruncia dos programas da poltica, mostrando at que ponto existe descentralizao como apregoado nos pressupostos legislativos da poltica pblica. Por ltimo, conclui-se com algumas consideraes na inteno de resumir as descobertas nascidas da reflexo proposta.

    ABSTRACT

    Intends to analyse the Brazilian tripartite, paritarian and de-centralized model that manages the resources of FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador -Workers Protection Fund) in the employment public system of Rio de Janeiro. To reach the proposed objective, the first chapter begins with a discussion on the corporativism in Brazil, its configuration and the determinants that permitted changes in its arrangements throughout Brazilian trade-union history. In the second chapter is presented the Brazilian employment public system, and the programs and plans that forms it, and its structural characteristics; at the end, a discussion is made about why the employment system is considered as being an hibrid corporative structure. The third chapter presents how is structured the Rio de Janeiro State Employment Comission nowadays, its history and main decisions and programs, and then verifies how is ocurring the representation of political interests in the Rio de Janeiro employment system, how the politics is being integrated to the programs, and to which extension the de-centralization is ocurring according to the legal presumptions of the public politic. At the end, the analisys is concluded by some considerations that try to resume the conclusions raised by the proposed reflection.

  • "Se o sentido da poltica a liberdade, ento isso significa que ns, nesse espao, e em nenhum outro, temos de fato o direito de ter a expectativa de milagres. No porque acreditemos [religiosamente] em milagres, mas porque os homens, enquanto puderem agir, so aptos a realizar o improvvel e o imprevisvel, e realizam-no continuamente, quer saibam disso, quer no."

    (Hannah Arendt)

  • AGRADECIMENTOS

    Deus sempre o primeiro a ser agradecido. Por proporcionar sade, perseverana e f para

    alcanar os objetivos.

    minha orientadora, Sonia Fleury, todos os elogios e agradecimentos, pela sua

    extraordinria competncia, compreenso e amizade demonstradas ao longo do percurso.

    Aos meus pais, Geraldo e Maria, por ensinar que a honestidade sempre o melhor caminho

    e pela demonstrao exemplar de persistncia apesar das adversidades. minha irm,

    Elaine, pelo apoio e reviso realizada.

    Ao meu querido companheiro e amigo Adhemar, pelo carinho, pacincia e conselhos

    emocionais e tcnicos.

    Agradeo banca examinadora da dissertao, principalmente Eli Diniz que teceu

    comentrios pertinentes e sbios.

    Aos professores, funcionrios e amigos da EBAPE, que sempre contriburam positivamente

    para o processo de aprendizagem e confeco desse trabalho.

    CAPES, por financiar essa etapa da minha formao de pesquisadora.

    Aos entrevistados e funcionrios da Secretaria de Estado de Trabalho pela elucidao,

    disponibilidade e apoio na consecuo dos objetivos.

    Agradeo, enfim, a todos os parentes e amigos que no tm seus nomes nessa simples

    folha, mas gravados carinhosamente na memria como co-partcipes de mais essa

    realizao acadmica.

  • SUMRIO

    INTRODUO

    1. CORPORATIVISMO E SINDICALISMO NO BRASIL 01

    1.1. Por que ainda o sculo do corporativismo? 02

    1.2. Afinal, de qual corporativismo estamos falando? 03

    1.3. Surgimento do corporativismo no Brasil 09

    1.4. A consolidao das organizaes sindicais 10

    1.5. As mudanas nas relaes corporativistas com o Golpe de 64 13

    1.6. Crise do modelo: o novo sindicalismo e o processo de redemocratizao 17

    1.7. Nova relao entre os atores sociais: rupturas e continuidades 21

    2. O SISTEMA PBLICO DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA NO

    BRASIL 25

    2.1. Os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador 32

    2.2. A estrutura descentralizada do Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda 34

    2.3. A questo do tripartismo no Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda 37

    2.4. A estrutura paritria no Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda 38

    2.5. O sistema pblico de emprego brasileiro como arranjo corporativista hbrido 39

  • 3. REPRESENTAO DE INTERESSES, INTEGRAO DOS PROGRAMAS

    E DESCENTRALIZAO NA COMISSO ESTADUAL DE EMPREGO DO

    RIO DE JANEIRO 47

    3.1. A comisso estadual de emprego do Rio de Janeiro 48

    3.2. Metodologia da pesquisa de campo 52

    3.3. Representao de interesses no sistema pblico de emprego fluminense 56

    3.3.1. Influncia do interesse corporativo dos grupos na gesto da poltica

    de emprego 57

    3.3.2. Tendncias de coalizo ou divergncia na negociao 63

    3.3.3. Identificao da representao da bancada do governo perante o Estado 72

    3.3.4. Identificao do papel e da importncia das lideranas na histria da CEE 75

    3.3.5. Consideraes sobre a representao de interesses 78

    3.4. Integrao e congruncia nos programas do sistema de emprego fluminense 80

    3.4.1. Articulao na formulao e implantao dos programas 81

    3.4.2. Efetividade dos benefcios concedidos ao trabalhador 87

    3.4.3. Consideraes sobre a integrao dos programas 91

    3.5. Descentralizao no sistema pblico de emprego fluminense 92

    3.5.1. Grau de autonomia 93

    3.5.2. Gesto poltica 97

    4. CONSIDERAES FINAIS 101

    5. BIBLIOGRAFIA 106

    6. ANEXO I

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Diferenas entre corporativismo societrio e estatal, segundo suas caractersticas

    Tabela 2 - Diviso por programa do oramento aprovado para o MTE em 2001

    Tabela 3 - Seleo das atribuies e estrutura do Codefat e das Comisses de Emprego

    Tabela 4 - Demonstrativo da relao do movimento sindical com o Estado no Codefat, na

    Comisso estadual e na Comisso municipal de emprego

    Tabela 5 - Predominncia do tipo de arranjo corporativista presente no movimento sindical

    no Codefat, na Comisso estadual e na Comisso municipal de emprego,

    segundo os elementos estruturais e funcionais dos grupos

    Tabela 6 - Temas das deliberaes realizadas pela CEE entre 1997 e 2000

    Tabela 7 - Intermediao de mo-de-obra Metas X Desempenho RJ, 1998/1999

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Demonstrativo da posio dos representantes na sala de reunies da CEE

  • INTRODUO

    Essa dissertao objetiva analisar o modelo tripartite, paritrio e descentralizado de gesto

    dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador no sistema pblico de emprego do Rio

    de Janeiro.

    O Sistema Pblico de Emprego (SPE) procura combater o desemprego estrutural e adequar

    a fora de trabalho aos novos requisitos profissionais, com a utilizao dos recursos do

    Fundo de Amparo ao Trabalhador.

    A entrada da poltica pblica de emprego na agenda do governo ocorreu devido ao

    crescimento das taxas de desemprego. Alm disso, a crescente implementao de novas

    tecnologias e automao na produo e a elevao mundial nos nveis de competitividade e

    produtividade trouxeram consigo a necessidade de fora de trabalho com melhores nveis

    de educao.

    De acordo com Azeredo, todas as alternativas dadas como respostas crise dos Welfare

    States quanto aos sistemas de proteo social apontam a importncia da gerao de

    emprego e renda como poltica social fundamental do Estado na atualidade. (Azeredo,

    1998)

    O sistema de emprego brasileiro possui nmero igual de representantes do governo,

    trabalhadores e empresrios e est estruturado descentralizadamente, possuindo um

    Conselho, em nvel nacional, e Comisses, nas esferas estaduais e municipais. Essa

    estrutura responsvel pela proposio de medidas que buscam implantar e integrar as

    polticas de emprego de natureza passiva, que objetivam assistir financeiramente o

  • trabalhador desempregado ou reduzir o excesso de oferta de trabalho, com as polticas de

    emprego de natureza ativa, as quais buscam atuar diretamente sobre a oferta ou demanda de

    trabalho.

    O interesse pela anlise do sistema pblico de emprego foi suscitado pela possibilidade

    existente nessa poltica de superar a relao histrica de cooptao ou controle do

    movimento sindical pelo Estado brasileiro. A hiptese principal caracteriza-se por haver

    atualmente maior participao das organizaes sindicais nas discusses e decises

    pblicas, ao contrrio do que ocorria at a dcada de 1980.

    Alm do suposto aumento de participao, pretende-se verificar, no entanto, se o poder de

    influncia sobre as decises oscila entre as representaes do movimento sindical e do

    Estado ou se continua pertencendo predominantemente ao Poder Executivo. E mais,

    pergunta-se como as mudanas e continuidades da estrutura sindical corporativista vm

    afetando a correlao de foras sociais e o funcionamento do Sistema. Ou seja, restaria

    compreender como se configura a insero do movimento sindical na nova relao, quais as

    estratgias e mecanismos utilizados para influir de fato na poltica pblica e, especialmente,

    apontar as caractersticas na relao do Estado com o movimento sindical que permanecem

    at hoje a as que foram alteradas, bem como o tipo de relao a que esto tendendo.

    Uma hiptese para a tendncia atual dessa relao no sistema de emprego a de que os

    arranjos estabelecidos entre Estado e movimento sindical incorporam caractersticas do

    corporativismo estatal (com atrelamento da sociedade civil ao Estado) e do

    corporativismo societrio (com intervenes influenciadoras por parte do movimento

    sindical).

  • Assim, o estudo procurar demonstrar se as gestes tripartites e paritrias realmente se

    consubstanciam em experincias democrticas e autnomas, averiguando como ocorre a

    influncia desse modelo de gesto nos trmites do desenvolvimento do Sistema Pblico de

    Emprego do Rio de Janeiro.

    O estudo ser desenvolvido a partir da anlise do funcionamento da Comisso Estadual de

    Emprego do Rio de Janeiro (CEE). Esse Estado foi escolhido porque possua, em 1999,

    comisso estadual de emprego e comisses municipais implantadas em 93,4% do total de

    seus municpios. O estudo tambm ser elaborado a partir de 1995, pois o Plano Nacional

    de Formao Profissional, que uma das principais polticas executadas

    descentralizadamente, s foi estruturado neste ano e teve sua execuo iniciada

    efetivamente em 1996.

    E, apesar de ser formada pelas contribuies do Programa de Integrao Social (PIS) e pelo

    Programa de Formao do Patrimnio do Servidor Pblico (PASEP), no ser analisada a

    parcela de 40% do total dos recursos do FAT destinada aos programas do Banco Nacional

    de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), mas sim os 60% restantes que

    permanecem na alada do CODEFAT.

    Sob o ponto de vista da administrao pblica, esta dissertao tem sua importncia

    relacionada apresentao de uma forma de gesto implantada para deliberar sobre uma

    poltica pblica. A inovao desse estudo encontrada na conciliao da forma de gesto

    pesquisada, tripartite e paritria, com a poltica pblica a ser analisada, que a de trabalho e

    emprego.

  • Para alcanar os objetivos propostos inicia-se o estudo com uma discusso sobre

    corporativismo no Brasil, onde se enfatizam as relaes estabelecidas entre governo,

    trabalhadores e empresrios nos diferentes tipos de arranjos corporativistas da histria

    brasileira, alm dos determinantes que propiciaram modificaes nessa estrutura.

    Em seguida, demonstra-se o que o sistema pblico de emprego brasileiro, ressaltando

    suas caractersticas estruturais e apresentando seus planos e programas. Ao final deste

    captulo, analisa-se por que o sistema de emprego considerado possuidor de uma estrutura

    corporativista hbrida.

    No terceiro captulo, apresenta-se como est configurada a Comisso Estadual de Emprego

    do Rio de Janeiro na atualidade, sua histria e principais resolues e programas. Em

    seguida, a partir do resultado do estudo de caso realizado, verifica-se como vem ocorrendo

    a representao de interesses no campo poltico do sistema fluminense, como se consolida a

    busca da congruncia dos programas da poltica e at que ponto est havendo

    descentralizao como apregoado nos pressupostos legislativos da poltica pblica.

    Por ltimo, conclui-se com algumas consideraes que tentam resumir as descobertas

    nascidas da reflexo proposta.

  • 1

    1 - CORPORATIVISMO E SINDICALISMO NO BRASIL

    Recuperar parte da histria do movimento sindical brasileiro1 significa retomar tambm as

    caractersticas corporativistas que o marcaram. O corporativismo, enquanto arranjo de

    representao de interesses de grupos restritos perante o Estado, esteve no cerne da

    estrutura sindical e, durante dcadas, foi parte substantiva de explicao do sindicalismo no

    pas.

    No Brasil, devido aos arranjos estabelecidos na era Vargas e durante a ditadura ps-64, o

    termo corporativismo foi se tornando pejorativo e procurou-se, com o processo fruto da

    redemocratizao, ocultar a continuidade histrica resultante das dcadas de construo de

    parte da esfera pblica sobre a gide do corporativismo. Porm, o que no revelado no

    necessariamente est ultrapassado. Portanto, entende-se que o corporativismo vem sendo

    utilizado no Brasil como arranjo de representao de interesses estabelecidos na relao

    entre Estado e Sociedade Civil2 desde a poca de Vargas at os dias atuais, apesar das

    mudanas e alteraes na relao entre os atores sociais.

    Para aprofundar tal afirmao, no decorrer da exposio, diferenciar-se-o modelos

    corporativistas especficos a determinados momentos histricos em detrimento de outros.

    Assim, analisar-se- o corporativismo estatal includente da era Vargas, o corporativismo

    estatal excludente ocorrido na ditadura instalada com o Golpe Militar de 1964 e o

    1 Neste trabalho, movimento sindical ou sindicalismo refere-se tanto organizao dos trabalhadores quanto

    organizao dos empresrios. 2 Entende-se que sociedade civil ... representada como o terreno dos conflitos econmicos, ideolgicos,

    sociais e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver, intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a base da qual partem as solicitaes s quais o sistema poltico est chamado a responder; como o campo das vrias formas de mobilizao, de associao e de organizao das foras sociais que impelem conquista do poder poltico (Bobbio, 1999:1210).

  • 2

    corporativismo de carter hbrido, que observado atualmente em algumas parcelas da

    esfera pblica e, mais precisamente, no sistema pblico de emprego.

    Importa destacar que esta anlise no procura abarcar toda a trajetria do corporativismo na

    histria sindical brasileira, mas sim aqueles momentos considerados fundamentais pela sua

    importncia ou pela mudana que ofereceram estrutura sindical corporativista.

    O governo Vargas foi um desses momentos, outro o instalado com a ditadura militar

    estabelecida com o Golpe de 1964 e, contemporaneamente, ser analisado o tipo de

    corporativismo presente no sistema pblico de emprego, oriundo do processo instaurado

    com a redemocratizao, o novo sindicalismo e a Constituio brasileira de 1988.

    1.1 - Por que ainda o sculo do corporativismo?3

    O corporativismo vem sendo amplamente estudado pela cincia poltica. Devido ao

    acmulo de experincias corporativistas em vrios pases da Europa e Amrica do Sul,

    algumas especificaes sobre tipos diferentes de corporativismo foram realizadas para

    melhor compreenso desse fenmeno.

    De acordo com Schmitter, um arranjo corporativista estabelecido para que determinados

    grupos possam ter seus interesses representados perante o Estado (Schmitter & Lehmbruch,

    1979). Segundo Lanzaro, alm de representarem seus interesses, esses grupos organizam-se

    tambm para verem implementadas as decises tomadas na esfera pblica (Lanzaro, 1998).

    3 Em obra clssica de 1974, denominada Ainda o Sculo do corporativismo?, Schmitter desenvolveu o

    conceito de corporativismo. em funo desse texto que se recoloca a pergunta nessa parte do trabalho.

  • 3

    Lehmbruch sintetiza esse raciocnio ao afirmar:

    ... o corporativismo no somente um modo de articulao de interesses, mas tambm um modelo de formao de poltica, de aes de ajuste corporativo que envolvem escolha e implementao tanto quanto intermediao ou representao (Lehmbruch, 1979:04).

    Em suma, o corporativismo caracterizado pela fuso entre representao e interveno na

    relao dos grupos com o Estado. Como ser demonstrado, at o presente momento

    observa-se esse tipo de arranjo no Brasil; ento, nada mais contemporneo afirmar que o

    pas ainda se encontra no sculo do corporativismo.

    1.2 - Afinal, de qual corporativismo estamos falando?

    O conceito clssico de Schmitter diz que corporativismo ... um modo particular ou tipo

    ideal de arranjo institucional, para vincular os interesses da sociedade civil organizados

    em associaes com as estruturas decisrias do Estado (1979:09). Acrescenta que essas

    representaes da sociedade civil estariam, idealmente, organizadas em um nmero

    limitado de categorias singulares, compulsrias e no competitivas, ordenadas

    hierarquicamente, funcionalmente diferenciadas, reconhecidas, licenciadas ou criadas pelo

    Estado e com o monoplio de representao.

    Cawson concebe a idia de interesse na estrutura corporativista com foco ... no no

    individual nem na estrutura de classe, mas sobre o processo de ao coletiva formado

    pelas relaes sociais, dentro e entre organizaes (Cawson, 1986:09). Tambm entende

    nos arranjos corporativistas a concepo de poder relacionada ... abertura para

    negociao, baseada no capital que se tem (...) onde a organizao e a mobilizao so os

    mais importantes fenmenos (Cawson, 1986:14).

  • 4

    Os arranjos corporativistas distinguem-se dos pluralistas por possurem caractersticas

    diferenciadas no que diz respeito regulao da estrutura, do subsdio e do controle. Dessa

    forma, o tipo ideal de pluralismo seria organizado em um nmero no especificado de

    categorias voluntrias, competitivas, no hierarquicamente ordenadas, autodeterminadas,

    no controladas pelo Estado e sem monoplio de representao. (Lanzaro, 1998; Schmitter,

    1998; Stepan, 1998)

    A partir dos estudos de caso, os subtipos de corporativismo foram sendo categorizados. O

    prprio Schmitter comea diferenando o corporativismo estatal do societrio. Explica que

    ambos implicam certo ...controle do Estado sobre os setores societrios, porm so

    divergentes no que diz respeito influncia dos setores diferenciados sobre decises

    governamentais (Guimares, 1977:09). Assim, no corporativismo societrio h uma

    influncia varivel de controle: ora das agncias estatais, ora dos setores societrios; no

    estatal h sempre o controle das agncias estatais sobre os setores societrios, com pouca

    ou nula influncia de tais setores sobre os controladores (Guimares, 1977). De modo

    geral, os arranjos corporativistas estatais surgem como ...respostas da elite a percepes

    de crises de participao e controle, que utilizam o poder do aparato estatal para forjar

    um novo equilbrio Estado-Sociedade (Stepan, 1998:195). J os arranjos corporativistas

    societrios geralmente se desenvolvem quando ...o Estado no poderoso o suficiente ou

    tem insuficiente conhecimento especializado para formular e implementar polticas sem o

    apoio de outras partes (Cawson, 1985:07). Ademais, no corporativismo societrio h

    cartelizao das oportunidades por grupos restritos, enquanto no estatal h imposio do

    Estado sobre os grupos. Apresentam-se na Tabela 1, de forma esquemtica, as principais

    diferenas entre corporativismo societrio e estatal.

  • 5

    Tabela 1 Diferenas entre corporativismo societrio e estatal, segundo suas caractersticas

    Caractersticas Corporativismo societrio Corporativismo estatal Relao dos grupos

    com o Estado

    Autnoma e influenciadora Dependente e influenciada

    Sistema poltico Estado de bem-estar, capitalista desenvolvido, organizado e democrtico

    Estado capitalista atrasado, neomercantilista, antiliberal e

    autoritrio

    Elementos estruturais e funcionais dos grupos:

    Nmero limitado de categorias

    Estabelecido por processos de arranjo intergremial ou

    desenhado pelos participantes

    Estabelecido por restrio do governo

    Singulares Resultado da cooptao espontnea

    Resultado da erradicao imposta pelo governo

    Compulsrias De fato, por presso social ou por prestao de servios

    essenciais

    De direito, por meio da legislao trabalhista

    No competitivas Produto das tendncias oligrquicas internas ou de

    acordos voluntrios externos entre associaes

    Produto de contnua arbitragem ou represso do

    Estado

    Ordenadas hierarquicamente

    Resultado do processo de desenvolvimento ou da

    consolidao burocrtica

    Resultado da centralizao ou da dependncia administrativa

    decretada pelo Estado

    Funcionalmente diferenciadas

    Resultado de acordos voluntrios sobre os

    respectivos territrios

    Resultado do enquadramento de categorias ocupacionais estabelecido pelo Estado

    Reconhecidas, licenciadas ou criadas

    pelo Estado

    Reconhecimento concedido por necessidades polticas

    Reconhecimento outorgado pelo Estado como condio de

    formao de associaes

    Com monoplio de representao

    Reconhecimento concedido por necessidades polticas

    Reconhecimento outorgado pelo Estado como condio de

    formao de associaes

    Baseado em Schmitter, 1998: 81-83.

  • 6

    Como observado na Tabela 1, no arranjo corporativista societrio abre-se espao para

    participao da sociedade civil na gerncia da res publica e, em contrapartida, no

    corporativista estatal procura-se cooptar ou controlar as foras sociais presentes na esfera

    pblica para manter a hegemonia das elites dominantes.

    Semelhante aos arranjos corporativistas societrios e s vezes classificado como sinnimo

    desses, tem-se o neocorporativismo. Entende-se que nesse arranjo interesses do capital, do

    governo e dos trabalhadores sejam representados para negociarem, de fato, a formulao e

    implantao de agendas pblicas.

    No entanto, sobre o neocorporativismo pesam diferentes conceituaes. De acordo com

    Vatta (1998), a posio de Schmitter prope-se quase como um sistema com base no qual

    se deveria interpretar a realidade; j Lehmbruch insiste na resoluo pacfica dos conflitos e

    na importncia do reconhecimento das respectivas exigncias.

    Vatta aponta um caminho diferente ao ressaltar que atualmente:

    ...a anlise se deslocou do neocorporativismo como sistema para o neo-corporativismo como campo de ao de atores empenhados em (possveis) negociaes, enquanto se tenta recolocar tal praxe no contexto da tumultuosa evoluo econmica e empresarial dos ltimos anos (Vatta, 1998:157).

    Nesse sentido, a concepo sobre neocorporativismo neste estudo far meno mais s

    negociaes tripartites estabelecidas na esfera pblica, cujos atores sejam de fato

    interlocutores sociais, que a outras nuanas presentes nas diferentes categorizaes sobre o

    tema.

  • 7

    H ainda outra diferenciao a fazer, mas, desta vez, com relao ao corporativismo estatal.

    De acordo com Stepan (1998), o estudo sobre esse tipo de corporativismo fez emergir uma

    distino entre dois subtipos: includente e excludente. Essa diferena feita sob o ponto de

    vista da poltica e no dos regimes polticos, pois, segundo Stepan, a nomenclatura

    includente e excludente diz respeito a padres de polticas dominantes, ...se refere

    portanto orientao predominante da poltica da elite estatal (Stepan, 1998:194).

    O arranjo corporativista estatal includente, correspondente no Brasil ao instaurado por

    Vargas, geralmente ocorre quando um pas est em processo inicial de modernizao e

    industrializao e suas foras sociais ainda no esto institucionalizadas. Nas palavras de

    Stepan (1998:195), ...em tais circunstncias, os gerentes industriais pblicos e privados

    (...) podem forjar alianas com as classes trabalhadoras contra a velha ordem da

    oligarquia rural e compradora. Dessa forma, a nova hegemonia constituda poderia

    possuir o controle poltico e da participao social estrategicamente estruturados.

    O arranjo corporativista estatal excludente eqivale, no Brasil, ao estabelecido com a

    ditadura instalada com o Golpe de 1964. Esse arranjo geralmente institudo quando a elite

    procura expandir a capacidade coercitiva do aparato estatal para impor ou manter um

    sistema poltico, como resposta a um intenso conflito interno. (Stepan, 1998)

    Existe, ainda, a distino feita por Cawson quanto abrangncia dos interesses

    representados pelas organizaes corporativistas. O autor classifica essa amplitude como

    arranjos de interesses macro, meso ou microcorporativistas.

  • 8

    O macrocorporativismo est expresso pela negociao tripartite de interesses

    macroeconmicos ou de polticas intersetoriais entre organizaes de ponta e pela

    implantao das decises acordadas. Nas palavras de Cawson (1986:107),

    macrocorporativismo envolve intermediao com organizaes de ponta representando

    os interesses das classes sociais. Percebe-se, pela conceituao, uma aproximao clara

    entre a noo de macrocorporativismo e a de neocorporativismo, exposta anteriormente. Na

    verdade, Cawson no faz distino entre os conceitos, entretanto, os estudos sobre

    neocorporativismo parecem tornar mais compreensvel a anlise sobre a complexidade da

    esfera pblica do que aquelas pautadas no macrocorporativismo.

    Contrariamente, o mesocorporativismo no se manifesta, necessariamente, por arranjos

    tripartites ou interesses relacionados ao capital e trabalho. Sua principal caracterstica a

    agregao de interesses por nvel setorial e a ...troca poltica entre agncias estatais e

    interesses de associaes especializadas (Cawson, 1985:16).

    J no nvel micro, os interesses so agregados e resolvidos na firma sem a necessidade de

    organizaes formais de interesse, ou seja, as barganhas so realizadas de forma bilateral

    direta entre o Estado e as firmas individuais. (Cawson, 1986)

    Em sntese e no geral, referentes abrangncia dos interesses representados tem-se macro,

    meso e microcorporativismo e, mais relacionados complexidade da esfera pblica, temos

    o corporativismo estatal includente e excludente, de um lado, e corporativismo societrio e

    neocorporativismo, de outro.

  • 9

    1.3 - Surgimento do corporativismo no Brasil

    Com a instalao do Estado Novo, em 1937, eram muitos os desafios enfrentados por

    Getlio Vargas4. Dentre eles, destacam-se a necessidade de controlar a efervescncia social,

    fruto da crescente organizao e reivindicaes dos trabalhadores, e de modernizar o pas,

    objetivo com obstculos impostos pela velha oligarquia rural brasileira.

    As palavras de Faoro caracterizam satisfatoriamente o contexto problemtico da poca:

    Os problemas sociais deveriam ser incorporados ao mecanismo estatal, para pacific-los, domando-os entre extremismos, com a reforma do aparelhamento, no s constitucional, mas poltico-social. Mudana para realizar o progresso nacional, sem a efetiva transferncia do poder s camadas mdias e populares, que se deveriam fazer representar sem os riscos de sua ndole vulcnica. Estas correntes ocupam o cenrio, na verdade, antes que assumam conscincia de seus interesses, antecedendo s transformaes econmicas que justifiquem seu poder. Da, na perspectiva do poder, a necessidade de um Estado orientador, alheado das competies, paternalista na essncia, controlado por um lder e sedimentado numa burocracia superior, estamental e sem obedincia a imposies de classe. (Faoro, 2000:320)

    Para equacionar parte desses problemas, o Governo Vargas iniciou a modernizao

    industrial brasileira e criou uma legislao especfica para o movimento sindical5,

    proporcionando o impulso que o empresariado brasileiro necessitava para sua consolidao

    e, ao mesmo tempo, permitindo ao aparelho estatal cooptar os trabalhadores atravs da

    estrutura sindical montada, controlando, por conseguinte, parte da efervescncia social

    reinante na poca.

    4 Embora o controle estatal sobre os sindicatos tenha se iniciado em 1931 com o Decreto 19.770, esta anlise

    detem-se ao perodo Varguista consolidado a partir da instaurao do Estado Novo em 1937, pois nesse regime que estabelecida a Carta de 1937, a Consolidao das Leis de Trabalho e os Decretos-lei que se tornaram a base legislativa do movimento sindical corporativista brasileiro. (Rodrigues, 1990)

    5 Esta legislao apresentava influncia fascista e espelhava caractersticas como a necessidade de reconhecimento dos sindicatos pelo Estado, a unidade sindical, o controle do Ministrio do Trabalho sobre os sindicatos etc. (Rodrigues, 1990)

  • 10

    Naquele momento, Vargas legalizava o sindicalismo brasileiro, com caractersticas

    corporativistas marcantes que o acompanham, de forma mais ou menos intensa, durante

    toda sua trajetria neste pas. (Diniz, 1997; Rodrigues, 1990)

    Assim, no final da dcada de 30, Vargas instaurava um governo baseado na centralizao

    poltica, no intervencionismo estatal e no modelo antiliberal de organizao da sociedade.

    Para o governo, o corporativismo era antes de tudo um programa de integrao dos

    atores produtivos ao Estado, sob sua coordenao e vigilncia (Costa, 1991:116). Para

    muitos na poca, ...o corporativismo aparecia como a nica maneira de, nas condies da

    sociedade brasileira, realizar-se o ideal popular-democrtico (Rodrigues, 1990:33).

    1.4 - A consolidao das organizaes sindicais

    No modelo sindical varguista as categorias ocupacionais foram classificadas e estabeleceu-

    se o monoplio de representao sindical, definindo por territrio e por ramo de atividade

    somente uma organizao sindical dos trabalhadores e uma dos empresrios. Como

    conseqncia, na estrutura implantada no havia possibilidade para competitividade entre

    as organizaes, pois as mesmas eram funcionalmente diferenciadas.

    Alm disso, montou-se um sindicalismo compulsrio e atrelado ao Estado, medida que as

    organizaes sindicais eram criadas por lei e o reconhecimento dos sindicatos dependia do

    aval do Estado e seu financiamento da arrecadao do imposto sindical6.

    6 Denominao dada arrecadao feita para o Fundo Social Sindical, que consistia na contribuio de um dia

    de salrio por ano de todos os trabalhadores, independente de ser filiado a sindicatos ou no. (Erickson, 1979)

  • 11

    A estrutura sindical montada tambm era ordenada hierarquicamente. Dessa forma, os

    sindicatos estavam subordinados s federaes e estas s confederaes. Os sindicatos

    cobriam um ou mais municpios ou localidades, as federaes o nvel estadual ou regional

    e, as confederaes, o nvel nacional. (Erickson, 1979)

    Essa estrutura hierrquica ocasionou um distanciamento entre os interesses da organizao

    sindical e os de sua base. Isto porque independente dos interesses da base, os sindicatos

    geralmente atuavam no campo econmico, enquanto as federaes e confederaes

    preocupavam-se mais com as questes polticas e administrativas. (Erickson, 1979)

    As confederaes eram organizadas por setores da economia, mas no se previu legalmente

    a formao de alguma instncia de cpula que pudesse agregar os interesses gerais das

    confederaes, independente do setor.

    Essa configurao era a mesma para trabalhadores e empresrios e no estabelecia

    articulao ou discusso direta entre esses dois atores, de modo que as negociaes s

    ocorriam no mbito do Ministrio do Trabalho e na Justia do Trabalho, mediadas por

    representantes dessas instituies.

    Procurava-se, com esse modelo, gerar um equilbrio na relao entre Estado e Sociedade

    Civil atravs da imposio do primeiro sobre o segundo e incorporar trabalhadores e

    empresrios coalizo de apoio ao novo sistema poltico e econmico, colocando-os, por

    cooptao, dentro das organizaes corporativistas estatais. (Schmitter, 1998; Stepan, 1998)

  • 12

    Por ser um arranjo aqui caracterizado como corporativista estatal includente, para os

    empresrios instalou-se uma estrutura sindical que cooptava mas, ao mesmo tempo, era

    flexvel para permitir a participao em algumas decises sobre as polticas pblicas

    brasileiras. Destarte, o empresariado tinha poderes consultivos ou deliberativos para

    negociar suas demandas diretamente com o Poder Executivo, ...institucionalizando um

    estilo de intercmbio bipartite (Diniz & Boschi, 1993:102). Alm disso, manteve-se a

    possibilidade de montagem de ...uma rede de associaes paralelas, funcionando

    margem do sistema oficial (Diniz & Boschi, 2000:21). (Stepan, 1998)

    As alteraes poltico-institucionais corporativistas somadas ao intercmbio bipartite

    permitiram ao empresariado nacional definir ...sua identidade e seu perfil enquanto ator

    poltico fora da arena parlamentar-partidria, desenvolvendo um estilo de ao tpico,

    calcado na defesa de interesses particulares e de curto prazo (Diniz & Boschi, 1993:102).

    No entanto, esse carter fragmentado e setorizado no facilitou a consolidao de instncias

    de cpula representativas de interesses conjuntos do patronato. (Diniz & Boschi, 1993;

    Diniz, 1994)

    Para os trabalhadores instaurou-se um movimento sindical que cooptava pelo populismo,

    pela regulao de sua estrutura e pelo subsdio. Contrariamente ao ocorrido com o setor

    empresarial, a mudana poltico-institucional e econmica acarretou o ...desmantelamento

    das formas autnomas de organizao dos trabalhadores que se desenvolveram nas

    primeiras dcadas do sculo XX (Diniz & Boschi, 1991:19) (grifos nossos). Alm disso, o

    intercmbio bipartite estabelecido entre empresrios e governo excluiu a participao

    laboral da negociao e tomada de decises.

  • 13

    Assim, para os trabalhadores, o modelo imposto significou a incorporao de algumas de

    suas demandas agenda poltica (como, por exemplo, o direito organizao sindical e

    greve), mas, ao mesmo tempo, estabeleceu uma cidadania regulada7, excluiu os

    trabalhadores das decises polticas, tutelou-os e, em constantes tentativas, procurou

    coopt-los em favor dos interesses do Estado varguista.

    As implicaes desse modelo corporativista para o sindicalismo brasileiro so analisadas de

    forma dicotmica8. Todavia, o movimento sindical laboral e patronal brasileiro consolidou-

    se sobre as bases corporativistas de Vargas e, apesar das rupturas, continua legalmente,

    ainda hoje, com muitas caractersticas do sindicalismo da dcada de 1930.

    1.5 - As mudanas nas relaes corporativistas com o Golpe de 1964

    Pode-se sintetizar as condies que precederam a emergncia da ditadura brasileira de 1964

    em basicamente trs assertativas:

    ...crescente incapacidade dos marcos institucionais preexistentes para regular o comportamento de diversos setores da sociedade civil aliados ou adversrios; (...) ameaa continuidade dos parmetros capitalistas e das filiaes internacionais; (...) rpido crescimento de organizaes complexas, as quais o Estado tinha poucas possibilidades de controlar (ODonnell, 1998:132-133).

    Instalado o regime militar, procurou-se diminuir a imprevisibilidade e instabilidade das

    relaes sociais com o cumprimento das seguintes metas:

    ...pr termo s demandas `excessivas ou `prematuras de participao poltica e econmica do setor popular; eliminar eleies e partidos polticos (...);

    7 Santos entende por cidadania regulada ...o conceito de cidadania cujas razes encontram-se no em um

    cdigo de valores polticos, mas em um sistema de estratificao ocupacional, e que, ademais, tal sistema de estratificao ocupacional definido por norma legal (...) so cidados todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupaes reconhecidas e definidas por lei (...) A cidadania est embutida na profisso e os direitos do cidado restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei (Santos, 1979: 75).

    8 Ver Diniz e Boschi, 1991.

  • 14

    disciplinar a fora de trabalho (...); e subordinar as organizaes de classe (ODonnell, 1998:135).

    Sob o movimento sindical, esses objetivos pesaram de forma a intensificar o controle da

    implantao dos dispositivos constantes da Consolidao das Leis do Trabalho e torn-los

    mais eficientes, na perspectiva do regime vigente na poca.

    Para tanto, o Estado militar despojou o setor popular de praticamente todos seus recursos

    organizacionais (ODonnell, 1998:149), tais como o direito greve e ao voto. Assim, o

    movimento sindical se viu debilitado ...no s frente ao Estado, mas tambm frente aos

    capitalistas em geral (ODonnel, 1998:148).

    Contrariamente, as organizaes empresarias continuaram com boa parte de seus recursos

    organizacionais, como a possibilidade de representao de seus interesses na burocracia

    governamental e partcipes de uma nova articulao gestada com o Estado e o capital

    internacional, que passaram a controlar as maiores e mais dinmicas empresas. (ODonnell,

    1998)

    Instalou-se no Estado burocrtico-autoritrio um sindicalismo caracterizado por ODonnell

    como corporativista bifronte. De um lado, possuidor de um componente estatizante,

    ...no sentido de que consiste na `conquista por parte do Estado, e conseqente

    subordinao a este, de organizaes da sociedade civil; de outro, possuidor de um

    componente privatista, ...na medida em que consiste, pelo contrrio, na abertura de reas

    institucionais do prprio Estado representao de interesses organizados da sociedade

    civil (ODonnell, 1998:122). No geral, esse carter bifronte consolidou-se no perodo

    ditatorial brasileiro pelo controle sobre o setor popular e sindical laboral (componente

  • 15

    estatizante) e, tambm, pela representao direta de interesses do setor empresarial ante o

    Estado (componente privatista).

    Posto que o Estado burocrtico autoritrio mantivesse caractersticas varguistas, como o

    ...executivo forte, controle do processo decisrio pela alta burocracia, subordinao dos

    sindicatos ao Ministrio do Trabalho, desenvolvimento de uma classe empresarial atrelada

    aos favores do Estado e marginalizao poltica dos trabalhadores rurais (Diniz,

    1999:29), com o Golpe militar de 1964 inaugurou-se um arranjo corporativista sobre novos

    parmetros, ainda estatal, mas, ao contrrio da Era Vargas, excludente. Sob a perspectiva

    poltica, o Estado passou de uma tica de incorporao e apoio do movimento sindical

    excluso de prticas autnomas das organizaes com potencial para obstruir o regime

    implantado (Stepan, 1998).

    Conquanto as bases legais do corporativismo no tenham sido alteradas substancialmente

    da Era Vargas poca da ditadura ps-64, pode-se afirmar que:

    No populismo, o corporativismo estatizante era o principal meio de controle da ativao poltica do setor popular; j no Estado burocrtico-autoritrio, o corporativismo o principal mecanismo a garantir a excluso do setor popular. (ODonnell, 1998:147)

    Disto compreende-se que os arranjos corporativistas no so estanques ou independentes da

    conjuntura poltica, mas sim intrinsecamente influenciados pelas relaes sociais e pela

    concepo de Estado construda pela sociedade.

    Resultante do processo inerente a regimes ditatoriais militares, a relao do Estado com o

    movimento sindical passou da cooptao represso, sano e retaliao. No se tratava de

    uma incorporao controlada, mas de um sistema de excluso poltica e econmica do setor

  • 16

    popular. Neste Estado autoritrio instalou-se um corporativismo despolitizante, o qual

    procurava subordinar ou liquidar o processo de autonomizao do setor popular e das

    organizaes sindicais dos trabalhadores (ODonnell, 1998).

    O Estado autoritrio indicou lideranas e controlou decises e atividades sindicais. De certa

    forma, com a atuao das lideranas pelegas9, os interesses dos sindicatos iam ao encontro

    dos interesses do Estado ditatorial, j que ...os dirigentes destas organizaes dependiam

    para existirem como tais mais do Estado do que de seus representados (ODonnell,

    1998:149).

    Foi nesse momento histrico que as atividades sindicais voltaram-se, em grande medida,

    para aes de cunho assistencialista em relao a seus membros, com criao de clubes de

    lazer, prestao de assistncia mdico-odontolgica etc. Como afirma Boito Jr (1991:47),

    os sindicatos oficiais converteram-se ...em espcie de agncias da previdncia social.

    No entanto, como constatado no item subseqente, foi na prpria ditadura brasileira que

    germinaram as bases para sua derrocada.

    1.6 - Crise do modelo: o novo sindicalismo e o processo de redemocratizao

    Alm do cerceamento liberdade e da forte represso, contriburam para despertar a revolta

    e a oposio de amplos setores da sociedade civil a centralizao burocrtica, a dbil

    capacidade do Estado em implantar polticas pblicas e o arrocho salarial. (Zanetti, 1985)

    9 Esse termo refere-se s lideranas que tm como objetivo ...amenizar o choque provocado pela luta de

    classes (Zanetti, 1995:16). No Dicionrio Aurlio, utilizado como designao comum dada aos agentes mais ou menos disfarados do Ministrio do Trabalho nos sindicatos operrios.

  • 17

    Sob o ponto de vista poltico, a luta pela democratizao do pas pairava sobre esses

    aspectos e expressava-se atravs do novo sindicalismo, do movimento das Diretas J ou da

    Constituio de 1988: a populao brasileira ansiava por liberdade e participao.

    De acordo com Rodrigues, contriburam para o surgimento do novo sindicalismo a

    formao de uma nova gerao de dirigentes sindicais; a ... aproximao dos movimentos

    populares controlados ou influenciados pela Igreja com as novas lideranas; e a

    permanncia, durante a ditadura, da estrutura sindical oficial - que possibilitou s lideranas

    combativas emergentes ...infra-estrutura administrativa e um volume considervel de

    recursos (Rodrigues, 1991:14).

    Assim, alm de a estrutura provocar contradies em seu interior que permitiram sua crise,

    a prpria estrutura tambm contribuiu financeira e administrativamente para os grupos que

    lutaram por sua superao.

    Utilizaram-se as possibilidades institucionais legais do sindicato em prol das

    transformaes, demonstrando, dessa forma, as limitaes do controle estatal. Apesar de ter

    sido montado para impedir a mobilizao dos trabalhadores, o modelo sindical no

    conseguiu obstruir a transformao dos velhos sindicatos em instituies de defesa e

    representao dos direitos. (Moiss, 1982)

    Pode-se afirmar que ocorreu um processo em que ...a sociedade extravasou do arcabouo

    institucional vigente, implodindo o antigo padro de controle corporativo do Estado sobre

    a sociedade (Diniz, 1997:35). Os anseios e a prtica sindical transbordaram da estrutura

    montada pelo Estado e, por conseguinte, questionaram-se os limites que eram impostos ao

  • 18

    movimento sindical. Nas palavras de Diniz e Boschi (2000:16), ...o caso brasileiro ilustra

    a imploso do Estado como fator de conteno de uma sociedade civil em processo de

    expanso e dotada de crescente densidade organizacional.

    As mudanas no movimento sindical foram denominadas de novo sindicalismo e, de acordo

    com Zanetti (1995:15), ... como se convencionou chamar o perodo histrico do

    movimento sindical iniciado pela luta por reposio salarial (1977) e, sobretudo, pela

    exploso das greves (1978) que, a partir da fbrica da Scania de So Bernardo (SP),

    espalharam-se pelo pas.

    O surgimento do novo sindicalismo representou o rompimento com a estrutura e a prtica

    sindical atrelados ao Estado que marcavam o sindicalismo desde o final da dcada de 30.

    Em suma, ele representou a luta dos trabalhadores por melhores condies de vida e de

    trabalho e o reaparecimento do movimento sindical laboral na cena poltica brasileira

    (Zanetti, 1995). Assim, o movimento dos trabalhadores comeou a transcender o ...terreno

    estrito das funes sindicais e, mesmo, os seus interesses mais imediatos, colocando na

    ordem do dia a reivindicao de direitos sociais e polticos (Moiss, 1982:23).

    Na prtica, o novo sindicalismo mobilizou os trabalhadores na base e possibilitou a

    identificao de interesses das lideranas e dos trabalhadores do cho das fbricas. Foi, em

    suma, um amplo movimento social, que pressionava no sentido de sua prpria

    democratizao, uma vez que as reivindicaes pediam negociao direta entre

    trabalhadores e empresrios sem a superviso do Estado.

  • 19

    Esse processo culminou com o surgimento das centrais sindicais10 como entidades que

    procuram representar o conjunto dos interesses dos trabalhadores, independentemente das

    categorias profissionais. O desenvolvimento das centrais possibilitou aos trabalhadores

    organizarem-se em prol de seus interesses sem levar em considerao o setor de atividade

    econmica a que pertenciam.

    As centrais so organizaes cuja existncia no est prevista legalmente na estrutura

    sindical brasileira e, por conta disso, podem ser identificadas como entidades criadas tanto

    para demonstrar a contrariedade do movimento sindical em relao estrutura existente

    quanto para propiciar maior capacidade organizacional e reivindicatria dos trabalhadores.

    Ao fundar entidades de cpula plurais, estabelecidas por processos de arranjo intergremial e

    reconhecidas politicamente, mas no legalmente, os trabalhadores reiniciaram o processo

    de transformao da relao entre Estado e movimento sindical, comeando a desenvolver,

    principalmente em funo das caractersticas das centrais sindicais, possibilidades de

    arranjos corporativistas societrios.

    Todavia, no s o movimento dos trabalhadores que incorporava a luta pela

    democratizao, o setor empresarial ansiava pela consolidao da abertura poltica e

    econmica. Diniz expe que ... apesar da heterogeneidade interna dos grupos

    empresariais e da diversidade de interesses de seus vrios segmentos (...) as elites

    industriais e comerciais desencadearam forte campanha contra a estatizao da

    economia (Diniz, 1997:13).

    10 As centrais sindicais tm suas origens relacionadas primeira Conferncia das Classes Trabalhadoras,

    realizada em 1981. Ver Zanetti, 1995.

  • 20

    Outrossim, no s o movimento sindical foi interlocutor na arena poltica, mas tambm

    outros setores da sociedade civil, entre eles o movimento sanitarista na rea da sade, que

    passaram a reivindicar maiores possibilidades para participar como sujeitos sociais na

    reconstruo da res publica e ampliao da cidadania.

    De acordo com Fleury:

    ...os processos de transio democrtica repem na agenda poltica as demandas cidads, grandemente voltadas para a busca de atendimento das necessidades sociais dos indivduos e grupos marginalizados pelo processo de desenvolvimento econmico elitista e concentrador (Fleury, 1999:94).

    Devido s demandas cidads, os grupos representativos das principais foras sociais

    brasileiras travaram intenso embate poltico na constituinte, que resultou na Carta de 1988.

    Os artigos constantes dessa Constituio so, na verdade, reflexos do processo de

    redemocratizao pelo qual passava o Brasil, de um lado com efervescncia social

    resultante da liberdade de expresso e organizao dos movimentos sociais, de outro, com

    um Estado que procurava legitimar-se e fortalecer-se frente ao novo contexto interno e

    externo.

    Dessa forma, observa-se na Carta uma maior propenso incorporao da sociedade civil

    na discusso das demandas pblicas, como no artigo n 58, de 29 de maro de 2000, o qual

    prev que as comisses permanentes ou temporrias realizaro audincias pblicas com

    entidades da sociedade civil. (Brasil, 1999)

    Todo esse processo resultou em uma tendncia de relao mais democrtica entre Estado e

    Sociedade civil e acarretou uma reconfigurao nas relaes corporativistas estabelecidas

    entre Estado e movimento sindical. Incorporando mudanas paulatinas, mas, sobretudo,

  • 21

    continuando com as caractersticas corporativistas marcantes, o sindicalismo sofreu

    modificaes importantes com o novo sindicalismo, o processo de redemocratizao e a

    nova Carta brasileira.

    1.7 - Nova relao entre os atores sociais: rupturas e continuidades

    Offe (1989) destaca que o importante para qualquer Estado maximizar o potencial das

    organizaes de interesses indispensvel cooperao e elimin-lo para a busca egosta e

    irresponsvel. Isto porque:

    Em uma economia industrial avanada, as organizaes de interesses tm o poder de interferir na execuo da poltica pblica de forma altamente antifuncional (...) ao mesmo tempo, essas organizaes representativas so absolutamente indispensveis poltica pblica, porque detm o monoplio de informao relevante para a poltica pblica e, o que fundamental, uma grande capacidade de controlar seus membros. (Offe, 1989: 235)

    Essa constatao, aliada capacidade organizacional dos trabalhadores brasileiros no incio

    da dcada de 1990, transformou-os em interlocutores necessrios ao capital e ao Estado.

    Nesse contexto que foram criadas as cmaras setoriais, como espaos de negociao que

    objetivavam decidir sobre o encaminhamento de questes pblicas do setor industrial

    atravs da discusso entre governo, trabalhadores e empresrios.

    As cmaras setoriais inauguraram, de fato, um intercmbio tripartite no Estado brasileiro ao

    romper a relao de troca bipartite e excludente da tradio corporativista estatal e ao trazer

    como novidade um arranjo no qual os trabalhadores atuavam como interlocutores sociais.

    De acordo com Diniz, (1999:33), ...tratou-se, na verdade, do pleno aproveitamento das

    virtualidades do modelo corporativo que, na variante que predominou entre as dcadas de

    30 a 70, tornaram-se subutilizadas.

  • 22

    Essa experincia foi paralisada durante o Governo Fernando Henrique Cardoso mas

    consubstanciou-se como embrio, em termos experimentais, para o que hoje verificamos no

    sistema pblico de emprego brasileiro, que alm de manter o intercmbio tripartite avanou

    em relao ao carter setorial das cmaras ao ampliar sua abrangncia.

    A cmara setorial foi uma das alternativas que emergiram diante da maior possibilidade de

    participao da sociedade civil na discusso pblica. Enquanto alternativa que procurava

    democratizar o poder de deciso, essa experincia iniciou a consolidao de uma

    vinculao do sindicalismo brasileiro com tendncias corporativistas societrias. Esse

    vnculo vem assumindo tendncias mais ou menos intensas, dependendo da poltica

    pblica, mas serve para demonstrar a inovao nos arranjos estabelecidos entre Estado e

    movimento sindical.

    Houve vrios determinantes para o surgimento de arranjos corporativistas societrios no

    Brasil. Podem ser citados o novo sindicalismo, a redemocratizao e a luta do empresariado

    pela reforma do Estado como exemplos de fatores que contriburam para alterar a forma de

    corporativismo hegemnica no pas.

    A partir do contexto gerado por esses fatos histricos, o movimento sindical passou a

    vislumbrar novas formas de participao pblica que no mais comportavam algumas

    caractersticas do corporativismo estatal. Assim, procurou-se romper com o controle das

    agncias estatais sobre os setores societrios em via de mo nica e com a imposio

    exacerbada do Estado sobre o movimento sindical.

  • 23

    Percebe-se, no entanto, que as rupturas vieram acompanhadas de tendncias permanncia

    e continuidade de alguns traos corporativistas estatais. Para analisar esse processo

    utilizam-se as quatro dimenses do conceito de corporativismo desenvolvidas por Offe

    (1989). Essas dimenses permitem compreender o grau de status pblico atribudo aos

    grupos de interesses organizados.

    Pode-se supor que com as mudanas ocorridas no movimento sindical, em especial dos

    trabalhadores, alcanaram-se reformas significativas no status de organizao, definido

    pelo grau em que so reguladas as relaes internas entre os membros da base e os

    executivos da organizao, e no status de procedimento, definido pelo grau em que as

    organizaes de interesse so convidadas a assumir um papel no planejamento e

    implementao de polticas. Isto porque o novo sindicalismo aproximou a relao das

    lideranas com as bases, modificando o status de organizao e, tambm, a capacidade

    organizacional e reivindicatria dos atores participantes do movimento sindical possibilitou

    maior poder decisrio sobre assuntos pblicos, aumentando o status de procedimento.

    Entretanto, destacam-se ainda dois tipos de status que parecem no ter sido alterados

    significativamente nesse processo de transformaes: o status de recursos, definido pelo

    grau em que os recursos de uma organizao de interesse so supridos pelo Estado, e o

    status de representao, definido pelo grau em que o alcance da representao

    estabelecido por meio de deciso poltica. Isto devido legislao ps-1988 ter mantido a

    transferncia dos recursos arrecadados com a contribuio sindical obrigatria para os

    sindicatos e, tambm, perpetuado a unicidade sindical e a representao por categoria

    profissional.

  • 24

    Pelo exposto, pode-se concluir que houve mudanas no movimento dos trabalhadores

    relacionadas ao aumento do grau dos status de organizao e de procedimento e

    continuidades relacionadas manuteno dos status de recursos e de representao. As

    mudanas parecem aproximar o movimento sindical de arranjos corporativistas societrios

    ou neocorporativistas, enquanto as permanncias o aproximam de arranjos corporativistas

    estatais. As implicaes desse novo esquema para o movimento sindical so repercutidas de

    diversas formas e em vrias polticas.

    Nesta dissertao, cuja inteno examinar somente as implicaes dessas alteraes no

    sistema pblico de emprego, esse processo est intrinsecamente relacionado anlise que

    ser realizada no captulo subseqente sobre a estrutura do sistema pblico de emprego e

    sua classificao como corporativista hbrida, que incorpora caractersticas do

    corporativismo estatal, corporativismo societrio e neocorporativismo.

    Caracterizar o corporativismo dominante na atualidade como arranjo hbrido seria uma

    generalizao sem subsdios para sua comprovao, sendo mais conveniente apontar um

    caminho que vislumbre a transio como processo predominante na relao entre

    movimento sindical e Estado atualmente. Transio essa que vem apontando para a

    redefinio do jogo de tomada de decises pblicas e para um novo rearranjo da correlao

    de foras sociais.

  • 25

    2 - O SISTEMA PBLICO DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA NO BRASIL

    Em sua Conveno 88 de 1948, assinada pelo Brasil, a Organizao Internacional do

    Trabalho (OIT) estipulou que todo pas-membro ...manter ou assegurar a manuteno

    de um servio pblico ou gratuito de emprego (OIT, 1994:08).

    No Brasil, esse servio iniciou-se com a criao do Sistema Nacional de Emprego (SINE),

    atravs do Decreto n 76.403 de 1975 assinado pelo general Geisel. O SINE visava

    implantar a intermediao da fora de trabalho, mas no assegurou em sua gesto

    representao de trabalhadores e empresrios, como previa a Conveno 88. (Santos, 2000)

    Somente em 1988, a Constituio brasileira assegurou em seu artigo 10 ...a participao

    dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos rgos pblicos em que seus

    interesses profissionais ou previdencirios sejam objeto de discusso e deliberao.

    (Brasil, 1999a:24)

    Entretanto, foi no incio da dcada de 90 que foram dadas as bases reais para a implantao

    do servio pblico de emprego, conforme preconiza a OIT, atravs da instituio do Fundo

    de Amparo ao Trabalhador (FAT).

    O FAT, criado pela lei n 7998/90 que regulamentou o artigo 239 da Constituio brasileira

    que trata do Programa Seguro-Desemprego, tem como principais fontes de arrecadao as

    contribuies para o PIS/PASEP11 e apresenta-se como medida implementada pelo governo

    brasileiro para financiar o funcionamento de um Sistema Pblico de Emprego.

    11 Fundos constitudos em 1970 com o objetivo de formar o patrimnio individual do trabalhador, estimular a

    poupana e corrigir distores na distribuio de renda.

  • 26

    Na mesma lei criou-se, tambm, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao

    Trabalhador (CODEFAT), de gesto tripartite e paritria, com poderes para fiscalizar,

    aprovar planos e, principalmente, ser interveniente nos contratos e convnios firmados

    entre o Ministrio do Trabalho e Emprego e outras entidades, atravs de recursos do Fundo.

    Dessa forma, ...as aes do Ministrio (...) passaram a estar atreladas ao processo

    decisrio no mbito do Conselho (Azeredo, 1998).

    O Codefat composto por nmero igual de representantes de rgos do governo

    (Ministrio do Trabalho e Emprego, Ministrio da Previdncia e Assistncia Social,

    Ministrio da Agricultura e Abastecimento e Banco Nacional de Desenvolvimento

    Econmico e Social - BNDES), das centrais sindicais (Central nica dos Trabalhadores,

    Fora Sindical, Social-Democracia Sindical e Confederao Geral dos Trabalhadores) e das

    confederaes patronais (Confederaes Nacionais da Indstria, do Comrcio, da

    Agricultura e das Instituies Financeiras).

    A Conveno 88 prev que a instncia nacional prover, quando necessrio, comisses

    regionais e locais. Devido dimenso geogrfica e diferenas regionais existentes no Brasil

    e necessidade de aprimoramento do Sistema, o Codefat instituiu em 28 de julho de 1994 a

    Resoluo n 63, que reconhece a Comisso Estadual e a Municipal de Emprego, definidas

    como rgos ou instncias colegiadas, de carter permanente e deliberativo.

    O Conselho e as Comisses tm competncia para gerir os recursos do FAT e deliberar

    sobre aes direcionadas intermediao de mo-de-obra, seguro-desemprego, qualificao

    profissional, gerao de informaes sobre o mercado de trabalho e programas de apoio

    gerao de emprego e renda. Estas aes refletem os principais objetivos da poltica pblica

  • 27

    e esto estruturadas em planos ou programas. A seguir, sero mencionados seus principais

    objetivos e caractersticas.

    Intermediao de mo-de-obra

    Atualmente, tem como finalidade colocar e recolocar a mo-de-obra no setor formal da

    economia, seja atravs das Secretarias Estaduais de Trabalho e seus rgos ou do Sistema

    Nacional de Emprego (SINE).

    Para tanto, procura propiciar informao e orientao ao trabalhador quanto escolha de

    emprego; prestar informaes ao mercado empregador de mo-de-obra sobre a

    disponibilidade de recursos humanos; fornecer subsdios ao sistema educacional e ao

    sistema de formao de mo-de-obra para elaborao de suas programaes; estabelecer

    condies para a adequao entre a demanda do mercado de trabalho e a fora de trabalho

    em todos os nveis.

    Pelas metas que procura atingir pode-se avaliar o papel fundamental que esse programa

    poderia ter na integrao das polticas constantes do sistema de emprego, obstante a esse

    objetivo tem-se sua operacionalizao que mantinha, em 1998, 868 postos de trabalho

    funcionando em todo Brasil com questionada qualidade na prestao de servios12.

    Na prtica, verifica-se haver um longo percurso at que este programa esteja integrado ao

    menos com o de formao profissional, j que o trabalhador qualificado nos cursos deveria

    ser recolocado no mercado de trabalho.

    12 Ver Santos (2000).

  • 28

    Dados do Ministrio do Trabalho e Emprego informam que, dos concluintes dos cursos de

    formao profissional desocupados ou em busca de novas oportunidades de insero no

    mercado de trabalho, 84% foram encaminhados ao mercado de trabalho em 1996, 57% em

    1997 e 61% em 1998. Ou seja, embora existam avanos quantitativos em relao s vagas

    captadas e ao nmero de trabalhadores recolocados desde a instaurao da gesto tripartite,

    os programas ainda enfrentam realidades desafiadoras quanto s questes de integrao e

    efetividade (Brasil, 1999b).

    Programa seguro-desemprego

    O seguro-desemprego foi criado pelo Decreto-Lei n 2.284 de 1986, pelo governo Sarney.

    Em tese, objetiva prestar proviso assistencial e financeira temporria ao trabalhador

    desempregado e auxlio aos trabalhadores em busca de novo emprego, promovendo aes

    integradas de orientao, recolocao e qualificao profissional.

    O benefcio concedido ao trabalhador desempregado sem justa causa por um perodo

    varivel de trs a cinco meses, de forma contnua ou alternada a cada perodo aquisitivo de

    16 meses.

    Atualmente, o seguro-desemprego possui como principais desafios a no incorporao no

    seguro de trabalhadores que no estejam no mercado de trabalho formal e o aumento no

    nmero de requerentes, que totalizou um acrscimo percentual de aproximadamente 197%

    em um perodo de 10 anos (de 1.912.185, em 1989, para 3.762.995, em 1999). (Santos,

    2000)

  • 29

    Formao e qualificao profissional

    O Plano Nacional de Educao Profissional (PLANFOR) um dos poucos a conseguir

    alcanar notoriedade no Sistema Pblico de Emprego (SPE). Desde sua implantao, em

    1995, at a avaliao de seu primeiro trinio, em 1998, foram treinados aproximadamente

    5,6 milhes de pessoas.

    Os motivos que o fizeram entrar na agenda pblica esto relacionados intensificao da

    competitividade no mercado, aos novos requisitos profissionais exigidos mo-de-obra e

    aos baixos ndices de escolaridade da Populao Economicamente Ativa (PEA) brasileira.

    Devido ao sistema restrito de educao profissional que o pas possua, optou-se pela

    elaborao do Planfor como estratgia de articulao de uma poltica nacional de educao

    profissional, integrada ao sistema pblico de emprego e gerao de renda no Brasil.

    O Planfor objetiva mobilizar e articular, gradualmente, toda a capacidade e competncia de

    educao profissional disponvel no pas, de modo a obter, a partir de 2002, capacidade de

    qualificar e requalificar anualmente pelo menos 20% da Populao Economicamente Ativa

    em torno de 15 milhes de trabalhadores.

    O Planfor est sendo implementado por meio de dois mecanismos fundamentais:

    a) parcerias: mediante convnios, termos de cooperao tcnica e protocolos de intenes

    estabelecidos diretamente entre Codefat e toda rede de educao profissional do pas;

    b) Planos Estaduais de Qualificao (PEQs): coordenados pelas Secretarias Estaduais de

    Trabalho, sob orientao e superviso das Comisses Estaduais e Municipais de

    Emprego. Incluem os projetos especiais - que so estudos ou pesquisas sobre mercado

  • 30

    de trabalho e clientela e eventos de apoio conceitual e metodolgico aos programas de

    qualificao e requalificao profissional-, e os programas de qualificao e

    requalificao profissional - cursos e treinamentos em habilidades bsicas, especficas e

    de gesto organizados face s potencialidades dos mercados de trabalho regionais ou

    locais.

    Os PEQs devem ...priorizar as demandas de educao profissional definidas pelas

    comisses municipais articuladas com as comisses estaduais (Santos, 2000:54), para

    reforar o planejamento baseado nas vocaes e potencialidades locais e minimizar

    possveis interesses particulares das instituies executoras.

    Os planos e programas do Codefat so aprovados anualmente para serem executados no

    ano seguinte e a discusso sobre o PEQ feita em funo da expectativa de demanda,

    podendo oscilar, ou seja, dentro do mesmo ano pode-se ter, em um dado momento, a

    agricultura predominando e, em outro, o aquecimento do mercado passar a ocorrer no setor

    de metalurgia.

    O perfil dos treinandos em 1998 descreveu, em sua maioria, homens brancos (45%), com

    idade entre 22 a 29 anos (25%), com 1 grau incompleto (36%), residindo no meio urbano

    (70%) e ocupados no mercado de trabalho (52%). Alterando-se a porcentagem o perfil das

    mulheres o mesmo, s se modificando a situao no mercado de trabalho, em sua maioria

    de desocupadas (58%). (Brasil, 1999b)

    A implantao desse referido Plano no pas permitiu a expanso no nmero de Comisses

    existentes e deu maior visibilidade ao SPE. Entretanto, a partir do resultado de auditoria

  • 31

    externa realizada em 1999 nos cursos de qualificao, o Codefat restringiu, na resoluo n

    234, a execuo dos programas e projetos a universidades, escolas tcnicas pblicas,

    servios nacionais sociais e de aprendizagem, escolas sindicais, fundaes incumbidas do

    ensino profissional e outras instituies especializadas no ensino profissional e com mais de

    cinco anos de experincia na rea. Isto porque se constatou existirem instituies que

    subcontratavam outras para prestarem servios e, por meio de publicaes da grande

    imprensa, soube-se inclusive da utilizao de verbas do FAT para qualificao de crianas

    no trabalho infantil. Essa medida pode surtir efeito reduzido se, alm disso, no forem

    maiores os meios de fiscalizao e sano dos infratores.

    Programa de apoio gerao de emprego e renda (PROGER)

    O Proger foi institudo pela Resoluo n 59 do Codefat, em 1994, no objetivo de estimular

    a gerao de emprego e renda, mediante criao de novas unidades produtivas e fomento

    das j existentes e incentivo organizao dos empreendimentos informais, de modo a

    prepar-los para o ingresso no setor formal da economia. Seus principais beneficirios so

    as pequenas e microempresas, cooperativas e formas associativas de produo, alm de

    iniciativas de produo prprias da economia informal.

    O Proger possui execuo descentralizada e segue orientaes, nos nveis estadual e

    municipal, das Comisses de Emprego. A partir das diretrizes do Codefat, as Comisses

    ficam responsveis pela definio da abrangncia e das linhas prioritrias de ao do

    Programa nos estados e municpios e pelo acompanhamento e fiscalizao das aes. Os

    projetos apoiados devem vincular-se ao desenvolvimento de programas de capacitao

  • 32

    tcnico-gerencial, assistncia tcnica e ao acompanhamento dos empreendimentos

    beneficiados.

    Gerao de informaes sobre o mercado de trabalho

    O conhecimento sobre as vocaes, potencialidades e situao do mercado de trabalho nos

    estados e municpios ocasiona aumento da efetividade no sistema de emprego, pois

    possibilita que outros programas possuam informaes precisas que subsidiam a

    implantao de aes respaldadas na realidade. Alm disso, garante o acompanhamento e o

    controle da execuo dessas polticas e permite precisar o pblico-alvo.

    Essa seria a importncia da gerao de informaes para o SPE. Todavia, os investimentos

    em pesquisa no Brasil ainda so precrios, os resultados restritos e a capacidade da

    sociedade civil em acompanhar os dados e utiliz-los em propostas ainda insuficiente.

    Atualmente, as principais fontes de informao sobre o mercado de trabalho so os

    registros administrativos (Relao Anual de Informaes Sociais e Cadastro Geral de

    Empregados e Desempregados), as pesquisas sobre desemprego (Pesquisa de Emprego e

    Desemprego com metodologia da Fundao SEADE/DIEESE e Pesquisa Mensal de

    Emprego do IBGE) e as pesquisas domiciliares (Pesquisa Nacional por Amostra de

    Domiclio do IBGE).

    2.1 - Os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador

    Atualmente, o patrimnio do FAT est em torno de 47 bilhes de reais. Pela lei n 7.998/90,

    40% do total desses recursos so destinados diretamente aos programas do BNDES. Sob a

    alada do CODEFAT permanecem os 60% restantes. Portanto, esse item analisar somente

  • 33

    o montante de recursos subordinados deliberao do Codefat e sua distribuio por

    programas no sistema pblico de emprego.

    A receita oramentria para a poltica de trabalho e renda no ano de 2001 de

    R$10.416.386.406,00. Na Tabela 2 destaca-se a distribuio dos recursos nos diversos

    programas, totalizando uma estimativa de despesa de aproximadamente 10 bilhes de reais.

    Tabela 2 Diviso por programa do oramento aprovado para o Ministrio do Trabalho e

    Emprego em 2001

    Programa Oramento para 2001 (R$1,00) Profissionalizao da Enfermagem 30.000.000 Desenvolvimento da Educao Profissional 30.050.000 Erradicao do Trabalho Infantil 1.000.000 Brasil Jovem 150.000 Novo Emprego e Seguro-Desemprego 5.167.430.624 Assistncia ao Trabalhador 877.312.275 Qualificao Profissional do Trabalhador 499.295.045 Trabalho Legal 138.941.588 Gerao de Emprego e Renda 53.873.900 Recursos Pesqueiros Sustentveis 25.463.636 Trabalho Seguro e Saudvel 612.403 Gesto da Poltica de Trabalho e Emprego 35.360.000 Erradicao do Trabalho Escravizador e Degradante 600.000 Jovem Empreendedor 4.948.616 Atendimento e Legalizao de Estrangeiros no Pas 150.000 Gesto da Poltica de Comunicao de Governo 6.300.000 Qualidade no Servio Pblico 13.274.910 Operaes Especiais: Financiamento com Retorno 3.531.623.409 Total 10.416.386.406

    Elaborado a partir do oramento fiscal e da seguridade social da Unio aprovado para 2001.

  • 34

    Do total do oramento, aproximadamente 49% so destinados aos Programas Novo

    Emprego e Seguro-Desemprego, 34% para operaes especiais, 8,4% para assistncia ao

    trabalhador e cerca de 4,8% so destinados qualificao profissional.

    Percebe-se que h diferena significativa entre o montante de recursos aprovado para 2001

    (aproximadamente R$ 10 bilhes) e o patrimnio total do FAT (cerca de R$ 47 bilhes).

    2.2 - A estrutura descentralizada do Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda

    O SPE gerido descentralizadamente pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao

    Trabalhador, no mbito nacional, e pelas Comisses Estaduais e Municipais de Emprego.

    Essa estrutura veio ao encontro da prxis de outras polticas pblicas, pois, a partir da

    dcada de 80, privilegiou-se a criao de instncias que possibilitassem a participao da

    sociedade civil local na formulao, execuo e controle das polticas no objetivo de

    garantir e ampliar os direitos cidados.

    A motivao para a criao das Comisses de emprego surgiu em 1994 atravs da criao

    do Programa de gerao de emprego e renda, com o intuito de fiscalizar a utilizao dos

    recursos do FAT no mesmo e permitir maior participao da sociedade civil. (Santos, 2000)

    As comisses municipais e estaduais de emprego procuram atuar como fruns de

    formulao, coordenao e acompanhamento das polticas de emprego e fiscalizadoras da

    utilizao dos recursos financeiros e administrativos do Sistema Nacional de Emprego.

    A comisso estadual de emprego considerada instncia superior no mbito estadual,

    estando a ela vinculadas as comisses municipais. O artigo 10 da Resoluo n 63 do

  • 35

    Codefat estipula que condio necessria para a transferncia de recursos do FAT a

    existncia nos Estados e no Distrito Federal de Comisses Estaduais de Emprego.

    De acordo com Santos (2000), em 1996 havia 625 comisses estaduais e municipais

    homologadas; em 1998, havia 1.520 e, em 2000, existiam 2.432 comisses em todo Brasil.

    A estrutura e o papel de cada instncia deliberativa pode ser analisado atravs da Tabela 3.

    Tabela 3 Seleo das atribuies e estrutura do Codefat e das Comisses de Emprego

    Codefat Comisso Estadual Comisso Municipal Estrutura Tripartite e paritria

    Tripartite e paritria Tripartite e paritria

    Representao Governo, empresrios e trabalhadores

    Governo, empresrios e trabalhadores

    Governo, empresrios e trabalhadores

    Representantes Das organizaes mais representativas, com designao do Ministro do Trabalho e Emprego

    Das organizaes mais representativas em comum acordo com o Codefat; Ao Ministrio do Trabalho cabe uma representao

    Das organizaes mais representativas em comum acordo com o Codefat e com a Comisso Estadual; Ao Governo Estadual cabe uma representao

    Mandatos Quatro anos, permitida a reconduo

    Trs anos, permitida uma reconduo

    Trs anos, permitida uma reconduo

    Competncias Aprovar diretrizes e programas de alocao dos recursos do FAT e acompanhar e avaliar o impacto social, a gesto e o desempenho dos programas realizados

    Elaborar, propor a alocao dos recursos e acompanhar a execuo do Plano de Trabalho do Sistema Nacional de Emprego Estadual

    Elaborar, propor a alocao dos recursos e acompanhar a execuo do Plano de Trabalho de Emprego Municipal

    Baseado nas Resolues do Codefat, 1994-2000.

  • 36

    Pode-se entender por organizaes mais representativas nesse Sistema aquelas entidades

    sindicais que, geralmente, possuem maior capital social, historicamente vm contribuindo

    para as discusses sobre trabalho ou mesmo as que melhor utilizaram seu poder de

    barganha (econmico ou poltico) para participar como representantes.

    Verifica-se na Tabela 3 que cada instncia do SPE tem seus representantes validados pela

    instncia superior da federao - no caso do Codefat, seus representantes so designados

    pelo Ministrio do Trabalho e Emprego. Isso pode ser uma forma de controle sobre os

    indicados e, alm disso, s podem designar as organizaes mais representativas, cuja

    autonomia para a indicao deveria ser respeitada.

    O fato de caber instncia federal participao na esfera estadual e estadual no mbito

    municipal pode significar tanto outra forma de controle quanto uma tentativa de possibilitar

    maior integrao e congruncia das polticas implantadas.

    Quanto aos mandatos, cabe perguntar: Por que h reconduo irrestrita no Codefat e

    permitida somente uma reconduo nas Comisses? Ora, se a experincia um dos motivos

    da reconduo, ela tambm cumulativa nas Comisses. Se a rotatividade uma

    possibilidade de oxigenar a estrutura estadual e municipal, poderia tambm oferecer

    novas idias ao Codefat. Fica-se, portanto, com a indagao em suspenso.

    Fica a cargo do captulo subseqente analisar se o que vem ocorrendo no SPE fluminense

    est mais relacionado ao processo de descentralizao ou ao de desconcentrao.

  • 37

    2.3 - A questo do tripartismo no Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda

    A concepo do tripartismo foi aprovada pela OIT como forma de garantir a grupos

    desfavorecidos reforo de sua capacidade para promover seus interesses e controlar seus

    meios de vida. O tripartismo preconiza que representantes de diversos segmentos

    colaborem em p de igualdade em discusses livres e decises de carter democrtico, a

    fim de promoverem o bem-estar comum.

    No SPE a estrutura tripartite significa que participam das discusses, em mbito nacional,

    estadual e municipal, representantes do governo, empresrios e trabalhadores. Semelhante

    s estruturas neocorporativistas, os arranjos tripartites do sistema prevem uma participao

    cujos atores so considerados interlocutores sociais.

    Ao contrrio dos intercmbios bipartites estabelecidos entre empresrios e Estado na era

    Vargas, que perduraram hegemonicamente at a dcada de 80, no sistema pblico de

    emprego tenta-se consolidar a interveno das organizaes dos trabalhadores como

    participantes ativos e fundamentais na construo da esfera pblica.

    Entretanto, Offe enfatiza o fato de poder existir diferentes sentidos assumidos pelo

    tripartismo, ressaltando a produo de efeitos de reduo do conflito nessa estrutura atravs

    de trs mecanismos:

    a) ...a admisso formal de grupos corporativos ao processo de formao da poltica pblica favorece a produo de decises que minimizam a probabilidade de que o poder social seja usado para obstruir a poltica pblica ou para opor-se a ela, pois o verdadeiro poder do trabalho e do capital, respectivamente, j se encontra registrado e levado em conta no processo de sua formao (Offe, 1989:254);

  • 38

    b) ...na medida em que organizaes de interesse realmente controlam as atitudes e o comportamento de seus membros (...), essa disciplina organizacional pode ser usada para impedir oposio por parte de grupos pertencentes organizao. Desse modo, a autoridade dos lderes do grupo , por assim dizer, adicionada dos lderes do Estado. Assim, a disciplina organizacional funciona como um mecanismo de extenso do controle governamental (Offe, 1989:254-255);

    c) ...se determinada poltica encontra ou cria conflito e oposio a despeito desses mecanismos de segurana, a culpa no somente do governo: todos os agentes que participaram do processo de tomada da deciso sero responsabilizados. Isso torna a oposio menos provvel, pois qualquer grupo opositor relevante teria de atacar no s o governo, mas tambm seus prprios lderes (Offe, 1989:255).

    Um contraponto s afirmativas de Offe dado pelo carter setorial presente no SPE. Se

    verdade que no Conselho e nas Comisses de emprego pode estar ocorrendo reduo da

    oposio quanto poltica implantada, o mesmo pode no ser verdico na representao

    dessas mesmas instituies em outras arenas do campo poltico-econmico. Isto porque os

    acordos estabelecidos no mbito do SPE no representam a totalidade de polticas sobre as

    quais as instituies tm interesses e influncia. Sendo assim, as afirmaes de Offe s

    podem ocorrer dentro de uma estrutura bem delimitada do Estado: no sistema pblico de

    emprego.

    Contudo, medida que no tripartismo o Estado incorpora determinados grupos para decidir

    sobre polticas pblicas, tambm pode possibilitar o desenvolvimento de efeitos no

    previstos ou desejados por esses mesmos grupos.

    2.4 - A estrutura paritria no Sistema Pblico de Emprego, Trabalho e Renda

    Representando a emergncia de nova relao entre governo, trabalhadores e empresrios, o

    SPE acrescenta estrutura tripartite a questo paritria, intencionando desconcentrar o

  • 39

    poder de deciso atravs da representao igualitria de membros em cada bancada13

    participante do sistema.

    Na prtica, para um processo decisrio tripartite composto por dezoito membros, a diviso

    de seis representantes dos trabalhadores, seis dos empresrios e seis do governo. Alm

    disso, a gesto paritria prev a presidncia alternada entre os trs segmentos participantes.

    Embora este tipo de estrutura seja mais democrtico, a disputa pela hegemonia continua

    baseada no capital humano, social ou financeiro que as instituies participantes podem

    possuir. Assim, a igualdade de voto para trabalho, capital e governo em si no equilibra a

    correlao de foras e pode no ser capaz de nivelar o poder para decidir.

    Dessa forma, analisar se a representao paritria vem facilitando a igualdade de condies

    um problema merecedor de destaque no estudo sobre o SPE.

    2.5 - O sistema pblico de emprego brasileiro como arranjo corporativista hbrido

    Feita a apresentao mais descritiva do SPE pode-se elaborar, nesse momento, uma anlise

    mais profunda a respeito da relao dessa estrutura com os tipos de arranjos corporativistas

    demonstrados no captulo 1.

    Inicialmente, importa clarificar que o intento da pesquisa no o de analisar a questo do

    corporativismo para todo o movimento sindical na atualidade, mas sim verificar quais ainda

    13 Denomina-se bancada o conjunto de instituies componentes de uma mesma representao sindical ou do

    governo no sistema pblico de emprego. Cada bancada possui nmero igual de participantes e caracteriza-se pela aglomerao de representantes do governo, empresrios ou trabalhadores em grupos diferentes.

  • 40

    so as influncias do corporativismo sobre as organizaes participantes do sistema pblico

    de emprego.

    Observa-se no SPE uma estrutura poltico-institucional que impossibilita sua classificao

    como tipo ideal de corporativismo societrio, neorcorporativismo ou corporativismo estatal.

    Mas, ao mesmo tempo, verifica-se nesse sistema caractersticas que o aproximam desses

    conceitos, consolidando o aqui denominado arranjo corporativista hbrido.

    Assim, atravs da anlise, percebe-se haver no sistema pblico de emprego brasileiro um

    arranjo que o aproxima do corporativismo societrio, uma vez observada a oscilao do

    poder de influncia e controle sobre as decises entre Estado e grupos de interesse dos

    trabalhadores e dos empresrios, sobressaindo ora interesses de um grupo, ora de outro.

    Entretanto, a Constituio de 1988 manteve a contribuio sindical obrigatria, a unicidade

    sindical e o reconhecimento do sindicato pelo Estado, perpetuando-se um sindicalismo

    atrelado ao Estado e, portanto, com caractersticas corporativistas estatais.

    Alm disso, possui caractersticas do arranjo neocorporativista porque neste existem grupos

    de interesse do capital e do trabalho negociando com o Estado - em estruturas tripartites e

    paritrias - a formulao e implantao da poltica pblica de emprego, trabalho e renda.

    Mas afasta-se do neocorporativismo, pois, ao contrrio do modelo dos pases social-

    democratas europeus, no se revela capaz de cobrir diversas polticas pblicas e ampliar

    suas dimenses no plano macropoltico e nem possui forte ligao com estruturas poltico-

    partidrias.

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    Dessa forma, os arranjos corporativistas estabelecidos no SPE so hbridos por possurem

    caractersticas do corporativismo estatal e do societrio nas relaes estabelecidas entre o

    movimento sindical e o Estado brasileiro. Pode-se observar a seguir nas Tabelas 4 e 514 as

    classificaes genricas dos arranjos no Conselho e nas Comisses.

    A anlise sobre a predominncia de arranjos corporativistas estatais ou societrios no SPE

    foi realizada a partir de duas variveis bem especficas: a relao dos grupos com o Estado

    e os elementos estruturais e funcionais das organizaes sindicais. Portanto, no se pode