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Levi Strauss – Tristes Tópicos As viagens de Lévi-Strauss ao Brasil “remoto” existente em meados da metade do século XX e expostos no livro que nos foi dado a leitura e análise, Tristes Trópicos, são, como relatado em suas páginas, fruto da escolha entre a solidão que reproduz a máquina de uma cultura herdada e a tristeza desse caos caleidoscópio do mundo que se deixa entrever, do qual, como viajante que era o autor, prefere seguir a segunda condição: a de navegante solitário, fiel à própria narrativa e senhor de suas histórias. É, antes de tudo, como instruído logo no inicio do livro em pauta, um viajante que vê com os tristes olhos de quem sabe e percebe que o mundo começou sem o homem e terminará sem o mesmo, ou que todos os mitos, estilos e linguagens são construções de sentido sempre a beira do vazio, ainda indo um pouco além, acredito ser os tristes olhos de um antropólogo que observa nos “trópicos”, suas fontes de estudo, uma “perenidade rustica” com os dias contados ante a modernidade que já se avizinhava. O capitulo estudado e submetido a nossa analise critica pós-leitura é O Mundo Perdido, pertencente à sétima parte do livro, nominado Nambiquara. Em O Mundo Perdido, o autor inicia seus escritos elencando a preparação minuciosa necessária a sua empreitada ao centro brasileiro, o cerrado obscuro, desconhecido do próprio Brasil, uma fronteira que permanecia um mistério e parecia convidativa a desbravadores, sobretudo antropólogos sedentos pelo exótico. A viagem a esse insólito Brasil pressupõe a Strauss adquirir peças, ferramentas, lantejoulas, bugigangas e tudo o mais que venha despertar o interesse dos povos “selvagens”, em uma verdadeira reprise recauchutada de um arcaico escambo promovido em séculos passados pelos ancestrais europeus do antropólogo e os “dóceis” nativos. A necessidade desses artefatos a serem levados em sua viagem é fruto das experiências anteriores de Strauss a América dos trópicos, como a sua visita aos Bororo. Lévi-Strauss sem dúvida sabia fazer adentrar e conviver na cultura alheia. Para isso se adaptava bem aos costumes locais e parecia conhecer melhor ainda os anseios mercantis dos povos indígenas que encontrava. Tudo isso facilitou muito a sua entrada em aldeias que o próprio Estado Brasileiro não alcançava, a não ser, como dito em trecho do livro, através de uma antiga linha telegráfica de interesse estratégico implantada em 1907, pelo então coronel Cândido Mariano da Silva Rondon. O coronel Rondon em seus relatos falava de um povo conhecido como Nambiquara, povos “primitivos” “descobertos” naquela região de Cuiabá e arredores. Strauss aparentemente vaia atrás desse

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Levi Strauss – Tristes Tópicos

As viagens de Lévi-Strauss ao Brasil “remoto” existente em meados da metade do século XX e expostos no livro que nos foi dado a leitura e análise, Tristes Trópicos, são, como relatado em suas páginas, fruto da escolha entre a solidão que reproduz a máquina de uma cultura herdada e a tristeza desse caos caleidoscópio do mundo que se deixa entrever, do qual, como viajante que era o autor, prefere seguir a segunda condição: a de navegante solitário, fiel à própria narrativa e senhor de suas histórias. É, antes de tudo, como instruído logo no inicio do livro em pauta, um viajante que vê com os tristes olhos de quem sabe e percebe que o mundo começou sem o homem e terminará sem o mesmo, ou que todos os mitos, estilos e linguagens são construções de sentido sempre a beira do vazio, ainda indo um pouco além, acredito ser os tristes olhos de um antropólogo que observa nos “trópicos”, suas fontes de estudo, uma “perenidade rustica” com os dias contados ante a modernidade que já se avizinhava. O capitulo estudado e submetido a nossa analise critica pós-leitura é O Mundo Perdido, pertencente à sétima parte do livro, nominado Nambiquara.

Em O Mundo Perdido, o autor inicia seus escritos elencando a preparação minuciosa necessária a sua empreitada ao centro brasileiro, o cerrado obscuro, desconhecido do próprio Brasil, uma fronteira que permanecia um mistério e parecia convidativa a desbravadores, sobretudo antropólogos sedentos pelo exótico. A viagem a esse insólito Brasil pressupõe a Strauss adquirir peças, ferramentas, lantejoulas, bugigangas e tudo o mais que venha despertar o interesse dos povos “selvagens”, em uma verdadeira reprise recauchutada de um arcaico escambo promovido em séculos passados pelos ancestrais europeus do antropólogo e os “dóceis” nativos. A necessidade desses artefatos a serem levados em sua viagem é fruto das experiências anteriores de Strauss a América dos trópicos, como a sua visita aos Bororo.

Lévi-Strauss sem dúvida sabia fazer adentrar e conviver na cultura alheia. Para isso se adaptava bem aos costumes locais e parecia conhecer melhor ainda os anseios mercantis dos povos indígenas que encontrava. Tudo isso facilitou muito a sua entrada em aldeias que o próprio Estado Brasileiro não alcançava, a não ser, como dito em trecho do livro, através de uma antiga linha telegráfica de interesse estratégico implantada em 1907, pelo então coronel Cândido Mariano da Silva Rondon. O coronel Rondon em seus relatos falava de um povo conhecido como Nambiquara, povos “primitivos” “descobertos” naquela região de Cuiabá e arredores. Strauss aparentemente vaia atrás desse povo na ânsia de ter mais uma pista sobre os ancestrais dos povos que migraram e povoaram a América em tempos remotos. A partir de então é destacada ainda as influências desses primeiros povos chegados ao continente americano, a possíveis rotas, etnias e semelhanças que indicavam uma ancestralidade mais antiga do que era o comumente imaginado, pois em diversas localidades foram encontrados artefatos comuns e pontos de cultura que se aproximavam. Assim acontece com os Incas, Astecas e com povos da América do Norte. A tribo Jê, que se localiza no centro-oeste brasileiro, é uma das que mais tem pontos em comum com tribos da América Central e do Norte, e entre seus artefatos existem peças típicas de tribos destas regiões. Essas influências culturais também se dão entre tribos da América do Norte e tribos asiáticas, mas assim como as primeiras, não se sabe ao certo quando e como se deu essas migrações. É a partir dessas constatações que Lévi-Strauss parte para o cerrado brasileiro em busca dos sobreviventes de uma cultura notavelmente homogênea, caracterizados por um idioma diversificado em “dialetos” da mesma família.

O estreito de Behring foi provavelmente o caminho mais obvio que conectou essas regiões durante milhares de anos, apesar de muitos pesquisadores acreditarem que essas migrações não são tão antigas

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existem relatos de que houve sim influências e migrações entre as duas localidades tão distantes em um período muito mais antigo do que, principalmente os estudiosos norte americanos, acreditam ter ocorrido, uma vez que há vestígios do contato entre esses homens pré-colombianos com uma fauna a muito extinta, inclusive com artefatos de caça e curtição sendo encontrados por arqueólogos junto às ossos de preguiça terrestre, mamutes, camelos, cavalo, bisão arcaico e antílope.

A diferença de “evolução” entre as culturas é também algo que intriga os pesquisadores e antropólogos, pois no mesmo recorte temporal cada cultura se diferenciava da outra na utilização dos metais e no domínio da natureza. Essas diferenças, muitos acreditam, existem pela necessidade que cada tribo tinha de se defender da natureza que os circundavam, e esse grau de controle modificou a forma como cada sociedade agia a partir de suas necessidades.

Os desenhos que são mostrados no capítulo revelam diversas localidades e diversas formas de utilização das técnicas de pintura, porém existem pontos em comum que podem ter havido por causa da existência de contato entre as tribos ou por causa da proximidade dos materiais utilizados. Como exemplo relatado por Lévi-Strauss, podemos citar os Tupis, que apresentam obscuras afinidades com os Astecas, ou seja, com povos tardiamente instalados no vale da Cidade do México. Por outro lado, outros povos como os Caraíba, ou Caribe, se pareciam muito com os Tupis em sua cultura. Havia também os Aruaque, grupo bastante misterioso, que formavam o grosso da civilização antilhana e avançara até a Flórida e que se assemelhavam aos Jê “brasileiros” pela organização social. O autor também considera que os Incas do Peru e os Astecas do México não são o ápice do refinamento (na guerra, nas artes e na administração) sociocultural, como todos supõem, mas sim uma deslumbrante decadência de uma arte que atingiu seu apogeu um milênio antes deles. Diante do exposto, Lévi-Strauss enfim reconhece que pouco sabemos de onde vinham esses fundadores e que diante das incertezas sobre esse passado pré-colombiano nada sabemos.

Por fim, o autor esforça-se por corrigir um erro comum aos estudiosos da área, que consiste em pensar que a América permaneceu por 20 mil anos isolada do mundo inteiro, a pretexto de que esteve isolada da Europa Ocidental, sugerindo que muito pelo contrário, que o grande silêncio atlântico respondia, em toda a orla do Pacífico, um zumbido de enxame, inclusive com possíveis migrações através da melanésia e polinésia.

Em uma sentença sombria, porém esperançosa, Lévi-Strauss encerra este capítulo com alusão a todas as incertezas que permeiam os primeiros habitantes da América: “A noite em que tateamos é escura demais para nos atrevermos a afirmar alguma coisa a seu respeito; nem sequer que ela está destinada a durar.”

Em um domingo de outono em 1934, o jovem filósofo belga Claude Lévi-Strauss recebeu um telefonema de Célestin Bouglé, diretor da Escola Normal Superior de Paris. Bouglé perguntou se Claude ainda tinha interesse de estudar etnografia. “Sem dúvida!”, foi a resposta. “Então apresente sua candidatura para professor da Universidade de São Paulo. Os arredores estão repletos de índios, a quem você dedicará os seus fins de semana.” Dias depois, o embaixador do Brasil em Paris, Luís de Sousa Dantas, deu a Lévi-Strauss uma informação completamente diferente. “Índios? Infelizmente, prezado cavalheiro, lá se vão anos que eles desapareceram.” Ao chegar a São Paulo, o professor descobriu que Bouglé e Dantas estavam errados. Lévi-Strauss não visitou tribos índígenas nos fins de semana, mas, nos períodos de férias, encontrou várias no interior do país. O resultado de suas experiências, o livro Tristres Trópicos, foi publicado em 1955 e tornou-se um clássico da antropologia do século 20.

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Lévi-Strauss, que em novembro deve completar 100 anos de vida, morou no Brasil entre 1935 e 1937 e de 1938 a 1939. Não gostou das cidades. A ele, a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, pareceu uma boca desdentada. São Paulo, do seu ponto de vista, era uma típica cidade do Novo Mundo, dessas que “vão do frescor à decrepitude sem se deterem no antigo”. Mas, no contato com as aldeias, o antropólogo encantou-se. Ele conheceu os cadiueus e os bororos, do Mato Grosso do Sul, os nambiquaras, do Mato Grosso, e os tupi-cavaíbas de Alto-Machado, no Amazonas.Embora comece com uma manifestação de repúdio às viagens e aos exploradores de todos os tempos, o livro trata da difícil arte de viajar, embora não se reduza a isso. Com sua visão aguda de observador e cientista, o professor narra ainda o surgimento de sua vocação pessoal para a antropologia. Lévi-Strauss, que nunca aceitou o conceito de que a civilização ocidental é superior às demais, apresenta nesse livro as origens de sua teoria, que depois se tornaria famosa. Para ele, a mente selvagem é, na essência, bastante semelhante à civilizada, e, no fundo, as características humanas mais básicas são universais.

Em um domingo de outono em 1934, o jovem filósofo belga Claude Lévi-Strauss recebeu um telefonema de Célestin Bouglé, diretor da Escola Normal Superior de Paris. Bouglé perguntou se Claude ainda tinha interesse de estudar etnografia. “Sem dúvida!”, foi a resposta. “Então apresente sua candidatura para professor da Universidade de São Paulo. Os arredores estão repletos de índios, a quem você dedicará os seus fins de semana.” Dias depois, o embaixador do Brasil em Paris, Luís de Sousa Dantas, deu a Lévi-Strauss uma informação completamente diferente. “Índios? Infelizmente, prezado cavalheiro, lá se vão anos que eles desapareceram.” Ao chegar a São Paulo, o professor descobriu que Bouglé e Dantas estavam errados. Lévi-Strauss não visitou tribos índígenas nos fins de semana, mas, nos períodos de férias, encontrou várias no interior do país. O resultado de suas experiências, o livro Tristres Trópicos, foi publicado em 1955 e tornou-se um clássico da antropologia do século 20.

Lévi-Strauss, que em novembro deve completar 100 anos de vida, morou no Brasil entre 1935 e 1937 e de 1938 a 1939. Não gostou das cidades. A ele, a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, pareceu uma boca desdentada. São Paulo, do seu ponto de vista, era uma típica cidade do Novo Mundo, dessas que “vão do frescor à decrepitude sem se deterem no antigo”. Mas, no contato com as aldeias, o antropólogo encantou-se. Ele conheceu os cadiueus e os bororos, do Mato Grosso do Sul, os nambiquaras, do Mato Grosso, e os tupi-cavaíbas de Alto-Machado, no Amazonas.

Embora comece com uma manifestação de repúdio às viagens e aos exploradores de todos os tempos, o livro trata da difícil arte de viajar, embora não se reduza a isso. Com sua visão aguda de observador e cientista, o professor narra ainda o surgimento de sua vocação pessoal para a antropologia. Lévi-Strauss, que nunca aceitou o conceito de que a civilização ocidental é superior às demais, apresenta nesse livro as origens de sua teoria, que depois se tornaria famosa. Para ele, a mente selvagem é, na essência, bastante semelhante à civilizada, e, no fundo, as características humanas mais básicas são universais.