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  • George T seklis

    JOGOS OCULTOS

    ESCOLHA RACIONAL NO CAMPO DA POLTICA COMPARADA

    T ra d u o d e : L u iz P a u lo R o u a u e t

  • T tu lo d o o r ig in a l c m in g l s :

    N e s te d G a m e s : R a lim ia l C h o ic e in C o m p a ru tiv e P o lit ic s

    C o p y r ig h t 199 0 b y T h e R e g e n ts o f th e U n iv e rs i ty o f C a lifo rn i

    D a d o s I n te r n a c io n a is d e C a ta lo g a o n a P u b l ic a o (C IP )

    ( C m a r a B r a s i le i r a d o L iv r a , S P , B ra s il)

    T s c b e l is , G e o rg e

    Jo g o s O c u l to s : E sc o lh a R a c io n a l n o C a m p o d a P o l tic a C o m

    p a ra d a / G e o rg e T sebeJis ; t ra d u o L u i z P auJo R o u a n e l. - S o P a u

    lo: E d ito ra d a U n iv e rs id a d e d e S o P a u lo , 1998 . (P o n ta , 17).

    T tu lo o r ig in a l: N e s te d G a m e s .

    B i b l io g r a f ia .

    IS B N : 8 5 -3 1 4 -0 4 2 5 -8

    I. E s c o lh a S o c ia l 2 . I n s t i tu i e s P o l t ic a s C o m p a r a d a s

    3 . T e o r ia d o s J o g o s I. T tu lo II. S r ie .

    9 7 - 5 4 8 5 C D D - 3 2 0 .0 1 13

    n d ic e s p a ra c a t lo g o s is te m tic o :

    I . P o l tic a C o m p a r a d a : C i n c ia s P o l tic a s 3 2 0 .0 1 1 3

    D ire ito s e m ln g u a p o r tu g u e s a r e se rv a d o s

    E d u s p - E d ito ra d a U n iv e rs id a d e d e S o P a u lo

    A v . P ro f . L u c ia n o G u a lb e r to , T ra v e s sa J, 3 7 4

    6 o a n d a r - E d . d a A n tig a R e ito r ia - C id a d e U n iv e rs i t r ia

    0 5 5 0 8 -9 0 0 - S o P a u lo - S P - B ra s il F a x ( 0 1 1 )8 1 8 -4 1 5 1

    T e l . ( 0 1 1) 8 1 8 - 4 0 0 8 / 8 1 8 - 4 1 5 0 - e -m a il: e d u sp @ e d u .u sp .b r

    P r in te d in B ra z il 1998

    F o i fe ito o d e p s ito le g al BSC SH

  • SUMRIO

    Lista de F ig u ra s ...................................................................................................... 11Lista de T a b e la s ...................................................................................................... 13A g rad ec im en to s ...................................................................................................... 15

    1. Jogos O cultos e R ac ionalidade .................................................................... 172. Em D efesa do Enfoque da Escolha R ac io n a l........................................ 33

    A pndice ao C aptulo 2 ................................................................................. 573. Jogos de D uas Pessoas com Payoffs V arive is ...................................... 61

    A pndice ao Captulo 3: A .......................................................................... 87A pndice ao Captulo 3: B ........................................................................... 93

    4. Jogos com Regras Variveis, ou a Poltica daM udana In s titu c io n a l.................................................................................... 97

    5. Por que os M ilitantes do Partido Trabalhista BritnicoC om etem Suicdio P o lt ic o ? ........................................................................ 121A pndice ao Captulo 5 ................................................................................. 155

    6. O Consociacionalism o na Perspectiva da Escolha R ac io n a l............ 1577. A Coeso das C oligaes E leitorais F ran cesas ..................................... 181

    A pndice ao C aptulo 7 ................................................................................. 2198. C o n c lu s e s .......................................................................................................... 221

    B ib lio g ra f ia ............................................................................................................... 233nd ice R em issivo ..................................................................................................... 245

  • LISTA DE FIGURAS

    3.1. Jogo de trs pessoas3.2. R epresentao grfica de um jogo de n pessoas3.3. R epresentao grfica de um subjogo de duas pessoas (ver

    C aptulo 5)3.4A Representao grfica de jogo oculto do Captulo 53.4B Representao grfica de jogo oculto do Captulo 63.4C R epresentao grfica de jogo oculto do Captulo 73.5A Representao grfica dos payojfs no jogo do dilem a dos

    prisioneiros3.5B Representao grfica dos payojfs no jogo do im passe3.5C Representao grfica dos payoffs no jogo do galinha3.5D R epresentao grfica dos payoffs no jogo do seguro3.6. Representao grfica dos payoffs no jogo do d ilem a dos

    prisioneiros num plano3.7. Representao grfica dc um jogo do dilem a dos

    prisioneiros no plano {p, q)3.8. Representao grfica de um jogo do im passe no

    p lano (/;, q)3.9. Representao grfica de um jogo do galinha no plano (p, q)3.10. Representao grfica de um jogo do seguro no plano (p, q)4.1. Institu ies eficientes c redistributivas4 .2A Posies dos atores antes da apresentao de um a questo

    institucional4 .2B Posies dos atores aps a apresentao de um a questo

    institucional - instituio de consolidao

  • G EO RG E TSEBELIS

    4.2C Posies dos atores aps a apresentao de um a questo institucional - instituio redistributiva

    4.3. R epresentao esquem tica do projeto institucional5.1. O jogo da reindicao de parlam entar 110 nvel do distrito5.2. O jogo da reindicao no nvel do partido6 . IA Equilbrio com petitivo num espao unidim ensional6.1B Equlibrio num espao unidim ensional com m onoplio do

    poder de fixar a agenda6.2A Jogo do galinha em que a cooperao m tua c parte do

    conjunto de Pareto6.2B Jogo do galinha em que a cooperao mtua no faz parte

    do conjunto de Pareto7.1. S im plex (tringulo) bidim ensional7.2. Em pate entre e dentro das coligaes num simplex

    bidim ensional7.3. reas em que a cooperao ou a com petio entre os

    parceiros aum enta num simplex bidim ensional7.4. R epresentao grfica de teorias rivais da coeso de

    coligao num sim plex bidim ensional7.5. R epresentao dos resultados eleitorais de prim eiro turno

    (PS, PCF, direita) num sim plex bidim ensional7.6. Representao dos resultados eleitorais de prim eiro turno

    (RPR, UDF, esquerda) num sim plex bidim ensional

  • LISTA DE TABELAS

    3.1. M atrizes de payojfs e definies de quatro jogos3.2. Propriedades dos quatro jogos em term os da teoria dos jogos5.1. O jogo da reindicao no nvel do distrito5.2. Funo da m argem de vitria na eleio de 1974 na freqncia de

    dissenso na Cm ara dos Com uns no perodo 1974-19796.1. Payojfs de jogos possveis entre as elites7.1. Payoffs dc jogos possveis entre parceiros de coligao7.2. M atriz de p a y o ff geral para um parceiro de coligao7.3. Funo de diversas variveis na coeso das coligaes francesas7.4. Funo de diversas variveis na coeso das coligaes francesas

    vencedoras no prim eiro turno7.5. Funo de diversas variveis na coeso das coligaes francesas

    perdedoras no prim eiro turno7.6. P roxim idade dos dois parceiros da esquerda quando se aproxim am

    da vitria

  • AGRADECIMENTOS

    Estive trabalhando neste livro por vrios anos. Ao longo desse perodo tive o privilgio de estar em universidades d iferentes: W ashington U niversity, S tanford, Duke e a U niversity o f Califrnia , em Los A ngeles. Esta ltim a (UCLA) proporcionou-m e o tem po necessrio para term inar o p ro je to , e o A cadem ic Senate e o International S tudies and O verseas Program rne fo rneceram valioso aux lio financeiro , que tornou m inha tarefa bem mais fcil.

    D urante esses anos, e em todas essas universidades, tive a boa sorte de usufru ir da ajuda, dos desafios e dos com entrios convergentes ou divergentes de num erosos colegas. Sem essa ajuda, este livro no existiria (pelo menos em sua form a atual).

    R obert Bates, com o editor, colega e am igo, detm o recorde m undial de sugestes bem -sucedidas (ou seja, sugestes feitas e aceitas) para um m anuscrito. E le leu e releu incansavelm ente Jogos O cu lto s*, fazendo a cada vez im portan tes observaes. N o que me concerne, constitu iu um a co la borao m uito proveitosa. Sou grato a ele por seus conselhos e apoio.

    G ostaria de agradecer a James DeNardo, M iriam Golden, Peter Lange e M ichael Wallerstein por lerem, de form a continuada, sucessivos esboos, e p o r me aconselharem (s vezes de forma contnua, tambm) com infinita tolerncia.

    Jam es Booth, John Freeman, Jeffry Friden, Geoffrey Garrett, H erbeit Kit- che lte Robert Putnam leram o que diversas vezes considerei o rascunho final do manuscrito e me persuadiram de que era necessrio mais uma correo.

    * A expresso jogos ocu ltos" procura verter a expresso iw xia tfiiim cx, que pode ser mais bem com preendida numa referncia s clebres bonecas russas, em butidas umas nas outras, cm ordem crescente de lam anho. (N. do T.)

  • 16 G EO RG E TSE B E U S

    V rias pessoas Jeram cap tu los separados, ou fizeram com entrios quando os apresentei em diversas conferncias: Arun A graw al, R obert A xelrod, Shaun Bowler, D avid Brady, Painela Cam erra-R ow e, John Fere- jo h n , C lark G ibson, B ernard G rofm an, V irginia H aufler, B rian H um es, Shanto lyengar, Paul Johnson, W illiam K eech, Edw ard Lehoucq, Jeannette M oney, T hom as R ochon, Susan R ose-A ckerm an , B arbara S alert, Jam es Scott, Teddy Seidenfeld , K enneth Shepsle, D avid S oskice, John Sprague e Sve Steinm o.

    G ostaria de agradecer a ajuda de Mary Lam prech e Sylvia Stein, da U niversity o f C alifrn ia Press. O trabalho delas m elhorou em m uito a qualidade do livro.

    Participao em conferncias sobre jogos conectados organizadas por Fritz S charpf no M ax-P lanck-Institut fr G esellschaftsforschung, em C olnia, A lem anha, ajudaram -m e a esclarecer m inhas idias a respeito dos fundam entos tericos dos jogos ocultos.

    A m aior parte do Captulo 6 foi publicada no Journal o f Theoretical Politics sob o ttu lo E lite Interaction and Constitution B uild ing in C onsociational D em ocracies [Interao entre elites e form ao de constitu io em dem ocracias consociacionaisj. reiinpresso aqui com a autorizao da Sage Pub lications Ltd. P artes do C aptulo 7 foram publicadas no British Journal o f Political Science sob o ttulo The Cohesion o f French E lectoral C oalitions |A coeso das coligaes eleitorais francesasl. Essas partes so reim pressas aqui com a perm isso da Cam bridge U niversity Press. G ostaria de agradecer a E linor O strom e Ivor C rew e, os editores desses jo rna is , assim com o aos annim os conselheiros por suas recom endaes.

    A inspirao m usical foi fornecida ao longo dos anos por W olfgang A m adeus M ozart. Ele sem pre esteve presente quando necessrio.

  • 1JOGOS OCULTOS E RACIONALIDADE

    Este livro analisa casos em que um ator, confrontado com um a srie dc csco lhas, no segue a alternativa que parece ser a melhor. A o longo deste livro, o leitor verificar que os m ilitantes do Partido Trabalhista b ritnico que consideram os seus MPs (m em bros do Parlam ento) m oderados dem ais podem votar para substitu-los, em bora a sua escolha possa levar perda de um a cadeira para o Partido Trabalhista. Ver com o as elites belgas, que na bibliografia consociacional so consideradas de carter acom odado e contem porizador, s vezes iniciam um conflito poltico. F inalm ente, constatar que os partidos polticos franceses, em certas circunstncias, no apoiam o seu parceiro de coligao , levando a p rp ria co ligao ao fracasso.

    Por que despertam curiosidade situaes em que um ator escolhe uma alternativa que parece ir contra os seus prprios interesses, ou que pode no ser a m elhor a escolher nas circunstncias existentes? Por que elas necessitam de explicao? As escolhas que parecem no ser as m elhores que um ator pode adotar so intrigantes porque a m aioria dos intrpretes sustenta (pelo m enos im plicitam ente) que as pessoas tentam com portar-se de uma m aneira que prom ova ao m xim o a realizao de seus objetivos im plcitos, ou seja, fazem escolhas lim as. O objetivo deste livro fornecer um a ex posio sistem tica, em piricam ente precisa e teoricam ente coerente das e s colhas aparentem ente subtim as, isto , aquelas que no so as m elhores. Os exem plos seguintes ilustram a im portncia c freqncia das escolhas aparentem ente subtim as no cam po da poltica.

  • GEO RG E TSEUELIS

    /. ALGUM AS ESCOLHAS APARENTEMENTE SUBTIMAS

    U rho K ekkonen foi eleito presidente da F in lnd ia pela prim eira vez em 1956. A sua gesto foi to bem -sucedida que ocupou o cargo por vinte e cinco anos. Foi, segundo D uverger (1978, 63), a m ais longa e poderosa p residncia da histria finlandesa . Para nossos p ropsitos, o que in teressa com o essa presidncia se tornou possvel. A ssim , exam ino as preferncias c o com portam ento dos atores envolvidos na e le io p residencial da F in lndia de 1956.

    Segundo a lei finlandesa, as eleies presidenciais so conduzidas por um colgio eleitoral especial com posto por trezentos m em bros. U m a eleio pode requerer dois turnos caso nenhum candidato aicance a m aioria dos votos. Os dois candidatos mais votados com petem ento num segundo turno, assegurando assim que o ganhador receba a m aioria dos votos.

    Em 1956, trs candidatos participaram do prim eiro turno: o defensor da reform a agrria U rho Kekkonen, o socialista K arl-A ugust Fagerholm e o conservador da situao Juo Kusti Paasikivi. O adversrio que mais am eaava K ekkonen, apoiado pelo Partido C om unista, era o conservador P aasikivi. Seria de esperar que os com unistas apoiassem K ekkonen no prim eiro turno com todos os seus 56 votos. Em vez disso, apenas catorze com unistas sufragaram o nom e de K ekkonnen; a m aioria (42 dos 56) votaram no candidato socialista. Tratava-se de um a diviso no in terior do Partido C om unista? No. Fagerholm desagradava in tensam ente aos com unistas.

    Por que a m aioria dos com unistas escolheu no apoiar o candidato de sua preferncia, Kekkonen, ou seja, por que escolheram um com portam ento subtim o? Para entender a lgica do voto com unista, devem os analisar toda a histria da eleio de 1956, Paasikivi foi elim inado no prim eiro turno, com 84 votos, con tra 1 14 dados a Fagerholm e 102 a K ekkonen. N o segundo turno, quando K ekkonen enfrentou Fagerholm , os com unistas votaram exclusivam ente no prim eiro. K ekkonen foi eleito com 151 votos; Fagerholm foi derrotado com 149.

    E m bora os com unistas p referissem K ekkonen, votaram em F agerholm no prim eiro turno para e lim inar da d ispu ta o m ais am eaador, Paasikivi. O s com unistas no seguiram sua p referncia no prim eiro turno para prom over o resultado de sua preferncia no segundo. Os com unistas com preenderam que carecia de base a pretensa questo do prim eiro turno: Q ual dos trs candidatos vocs preferem ? A votao do prim eiro turno era um cam inho que levava ao segundo turno , e a um a com petio tanto entre K ekkonen e Paasik iv i quanto en tre K ekkonen e F agerholm . D ado que K ekkonen poderia derro tar Fagerholm mas no Paasikivi no ltim o turno, os seus partidrios tom aram as m edidas necessrias para assegurar a vitria final de Kekkonen: elim inaram do ltim o turno o adversrio mais perigoso de K ekkonen, Paasikivi.

  • JO G O S O CU l.TOS 19

    Um ator vota de m aneira estratgica ou sofisticada (em contraposio m aneira sincera) quando, num ou mais turnos de um a srie de votaes, vota contra suas preferncias a fim dc assegurar um resultado final de sua preferncia. Segundo essa definio, em 1956 os com unistas votaram estrategicam ente. Se tivessem votado sinceram ente, K ekkonen teria recebido 144 votos no prim eiro turno, Paasikivi, 84 e Fagerholm , 72. N o entanto, no turno seguinte, no qual K ekkonen teria enfrentado Paasikivi, este teria ganho a eleio. Assim , o com portam ento dos com unistas, surpreendente prim eira vista, m ostra-se ser o m elhor sob um exam e mais atento. Foi, de fato, a m anifestao de um voto estratgico.

    Este o fim da histria factual. N o entanto, no o fim da investigao conceituai. Farquharson (1969) conseguiu retraar um histrico do voto sofisticado at P lnio, o Jovem , c G ibbard (1973) concluiu que o voto estratgico possvel em todos os sistem as eleitorais reso lu tos1. A possib ilidade de alterar o resultado pelo voto sofisticado conduz a um a nova srie de questes. O voto estratgico era possvel tanto para os socialistas quanto para os com unistas? Se o fosse , poderiam os socia lis tas ter votado de m odo a evitar que K ekkonen fosse eleito?

    A resposta a am bas as questes afirm ativa. Os socialistas tam bm poderiam ter votado estrategicam ente e ev itado a eleio de K ekkonen. De fato, se tivessem retirado o seu candidato no prim eiro ou no segundo turno, o duelo en tre K ekkonen e Paasikivi te ria te rm inado com a derro ta de K ekkonen, com o teria sido o desejo dos socialistas. Por que no seguiram essa estra tgia? Se o voto estratgico dos com unistas no era o erro que parecia ser prim eira vista, mas um com portam ento racional (isto , otim iza- dor), e se o voto estratgico tambm estava disposio dos socialistas, ento os socialistas escolheram uma opo subtim a: votar sinceram ente. Por qu?

    Para votar estrategicam ente, os lderes socialistas precisariam ter explicado para seus prprios m ilitantes e eleitores por que estavam abandonando o seu aparentem ente bem -sucedido candidato - um a tarefa difcil. Esse constrangim ento significava que a liderana socialista estava envolvida sim ultaneam ente em dois jogos diferentes. N a arena parlam entar, onde devia ser decidido qual seria o presidente da F in lndia, o voto estratgico era a escolha tim a (a m elhor possvel). N a arena interna (partido), porm , onde o que estava em jogo era a m anuteno da fidelidade entre m ilitantes e eleitores, o voto sofisticado no era possvel. C onsideradas em conjunto as conseqncias do voto estratgico em anibos os cam pos, o voto estra tg ico deixava de ser timo.

    A situao era d iferente para os com unistas por duas razes. Em prim eiro lugar, K ekkonen no era o candidato com unista, mas era um defen

    I . S istem as eleitora is resolutos so aqueles que excluem em pates. Para um a prova sim ilar que no requer reso luo, nesse sentido, ver Selnvarz {1982).

  • 70 G E O R G E TSIIIEU S

    sor da reform a agrria, de modo que os com unistas no precisavam explicar por que no votavam em seu prprio candidato. Em segundo lugar, os partidos com unistas em todo o inundo (pelo menos em 1956) eram conhecidos pela observncia do princpio de centralism o dem ocrtico , o qual prescreve que, um a vez tom ada um a deciso , e la deve ser obedecida. O centralism o dem ocrtico m inim iza a discrdia interna e propicia liderana a necessria liberdade de m ovimento. A ssim , em bora os com unistas tam bm estivessem envolvidos em jogos em m ltiplas arenas, as restries na arena interna no eram im portantes, e a escolha tim a na arena parlam entar era a estra tgia tim a global2.

    Essa histria apresenta uma srie de enigmas. No incio, os com unistas pareciam agir de m aneira subtim a. To logo foi explicado o seu com portam ento com o voto estratgico, a questo passou a ser o motivo por que os socialistas votaram sinceram ente, com portando-se dc m odo subtim o. To logo se pde entender o com portam ento socialista, ou seja, quando foi ex plicado com o sendo um com portam ento tim o, ento a questo se deslocou para o motivo do com portam ento d iferente dos dois partidos, a saber, por que o com portam ento tim o para um era subtim o para o outro.

    Os enigm as apresentados na situao finlandesa no so isolados. Em geral, as situaes de representao poltica geram envolvim ento sim ultneo em vrios jogos: no jogo parlam entar e no jogo eleitora) propriam ente dito para os representantes no Congresso, num jogo de barganha e num jogo entre o lder e as bases para os representantes do sindicato, num jogo na poltica in ternacional e na poltica dom stica para os lderes nacionais. A interao entre econom ia e poltica tam bm pode ser conceituada com d iversos jogos jogados pelos m esm os atores.

    O estudo de qualquer um desses jogos de m aneira isolada pode levar a enigm as anlogos ao do caso finlands. Som ente o estudo de toda a rede de jogos em que o ator est envolvido revelar as m otivaes desse ator e explicar o seu com portam ento.

    A lgum as vezes, o envolvimento do ator em diversos jogos ao mesmo tem po acidental. Dois jogos geralm ente independentes se vinculam : irna- ginem -se negociaes salariais cm algum pas do O cidente na dcada de 1960 e depois na dcada de 1970. No prim eiro caso, o jogo pode ser estudado isoladamente. No segundo, devem ser levadas em conta as conseqncias do choque do petrleo de 1973. Outras vezes, as instituies so concebidas explicitam ente para alterar os resultados de jogos isolados. Com parem os as deliberaes de um parlam ento com as deliberaes de um jri ou do Supremo Tribunal. N o prim eiro caso, a participao do pblico e de diversos grupos

    2. N este ponto , poder-se-ia perguntar por que os dois partidos so organizados de m odo diferen te e ten tar explicar a sua organizao com o unia resposta tim a a objetivos d iversos, ou um a adaptao tim a a condies d iversas. Fazer isso, porem, esl; ulcin do e scopo cio p resente livro.

  • JO G O S O CU LTO S 21

    dc presso garantida estruturalm ente. No segundo, so tom adas todas as medidas para assegurar a independncia dos jogadores em relao a qualquer considerao externa ao prprio jogo. F inalm ente, algumas vezes a vincula- o entre as diferentes arenas pode ser ela prpria parte de uma luta poltica: econom istas conservadores defendem a separao dos jogos econm icos dos jogos polticos, porque acreditam que o livre m ercado produz resultados econm icos eficientes e que a interveno do governo um em pecilho eficincia. Outros acreditam que a ao do governo (que pode ser subtim a do ponto de vista estritam ente econm ico) corrige as conseqncias politicam ente inaceitveis geradas pelo mercado. De modo geral, pode-se argum entar que as dem ocracias contm situaes nas quais os jogos no so jogados de m aneira isolada e, portanto, as escolhas podem parecer subtim as.

    //. JOGOS OCULTOS: A LGICA DA ESCOLHA APARENTEMENTE SUBTIMA

    A prem issa segundo a qual as pessoas prom ovem ao m xim o a realizao de seus objetivos no o nico ponto de partida possvel para uma explicao da escolha subtim a. Poder-se-ia afirm ar que os partidos fin landeses com eteram equvocos; que os m ilitantes ingleses, as elites belgas e os partidos franceses analisados nos C aptulos 5, 6 e 7 respectivam ente co m eteram erros; ou que todos esses atores polticos foram m otivados por outras foras, com o o hbito ou a inveja; ou que os m ilitantes com unistas ou trabalh istas pertencem a cu lturas d iversas. P oder-se-ia desconsiderar tam bm as aes individuais e argum entar no sentido de que tais questes no so im portantes, que o que im porta cm cincia poltica so caractersticas sistm icas gerais, e no as propriedades individuais.

    Este livro no segue nenhum a dessas direes. Juntam ente com a principal corrente da cincia poltica contem pornea, sustento que a atividade hum ana o rien tada pelo objetivo e instrum ental e que os atores indiv iduais c institucionais tentam promover ao m xim o a realizao de seus objetivos. A este pressuposto fundam ental cham o pressuposto da racionalidade.

    D iferentem ente de outros, porm , torno explcito tal pressuposto, derivo suas conseqncias e baseio-m e nele ao form ular explicaes. Alm disso, assum o que, a cada passo, os atores polticos respeitam as exigncias do com portam ento racionai. N esse sentido, a ao racional c explicitam ente um dos principais tem as deste livro; em outras palavras, este livro consiste num a abordagem dc escolha racional no terreno da poltica com parada.

    O C aptulo 2 enum era as exigncias da racionalidade. M ostro que uma dessas exigncias a obedincia s prescries da teoria dos jogos sem pre que os indivduos interagem entre si. A ssim , utilizo a teoria dos jogos para estudar as interaes entre atores polticos diferentes.

  • 22 G EO RG E TSEBELIS

    O Captulo 3 explica o m aterial fundam ental da teoria dos jogos u tilizado no livro. Na teoria dos jogos, os jogadores enfrentam um a srie de opes (estratgias); quando cada um escolhe um a estratgia , os jogadores determ inam juntos o resultado do jogo, recebendo os payojfs* associados a esse resultado. Para encontrar a soluo de um problem a, a teo ria dos jo gos sustenta que as regras do jogo (que determ inam as estratgias d isponveis) e os payoffs dos jogadores so fixos. U m a vez fixadas as regras e os payoffs, os atores escolhem estratgias tim as para si m esm os; cada jogador escolhe um a estra tgia que m axim ize o seu payoff, levando em conta o que os outros jogadores fazem . E sta exposio especifica que a teoria dos jogos no deixa espao para a ao subtim a.

    Com o pode existir a ao subtim a? Com o pode um ator com uma srie de opes A , ..., A , na qual A. parece ser tim a, escolher algo diferente de A.?

    Casos de escolhas aparentem ente subtim as so na verdade casos de d isco rdncia en tre o ato r e o observador. P or que o ator e o observador discordariam no que se refere ao que seria o curso tim o da ao? Existem duas possibilidades: ou o ator de fato escolhe uma estra tg ia no-tim a, ou o observador est enganado.

    H dois casos em que o ator escolhe de m aneira subtim a: se no puder escolher racionalm ente3, ou se com eter um erro. Por razes que exponho no Captulo 2, no penso que o prim eiro caso seja im portante no estudo dos fenm enos polticos. O segundo caso no pode ocorrer com freqncia, pois, se o ator reconhece que estava enganado, de presum ir que corrija o seu com portam ento.

    H tam bm dois casos em que o observador pode no reconhecer o curso racional da ao. Prim eiro, o observador com ete um erro, pensando que a ao tim a A., quando no . Segundo, o observador pensa que o conjunto de aes possveis se lim ita a A ,, ..., A n, quando no o caso - pode haver algum as outras opes, inclusive uma m elhor que A..

    Este livro estuda aes aparentem ente subtim as porque so os casos em geral dc desacordo entre ator e observador. A ssim , exam ino as razes pelas quais o observador deixou de reconhecer a ao tim a. R esum indo, o argum ento principal deste livro que, se, com inform ao adequada, a escolha de um ator parecer subtim a, porque a perspectiva do observador est incom pleta. O observador centra a sua ateno em apenas um jogo, mas o ator est envolvido em toda uma rede de jogos - o que cham o dc j o gos ocultos. O que parece subtim o a partir da perspectiva de um nico jogo na verdade tim o quando considerada toda a rede de jogos.

    *. O ptam os por m anter no original o term o puxojf, que neste contexto sign ifica o ganho, o pagam ento, o prm io ou a .sano u um a certa ao. (N. do T.)

    3. E xplico essa.s ex igncias tle esco lha racional 110 C aptulo 2.

  • JO G O S O CULTOS

    H duas razes principais para a discordncia entre ator e observador. P rim eiro, a opo A. no tim a porque o ator est envolvido em jogos em diversas arenas, mas o observador centra a sua ateno na arena principal. O observador desaprova as escolhas do ator porque v as im plicaes das escolhas do ator apenas na arena principal, Contudo, quando so exam inadas as im plicaes em outras arenas, a escolha do ator tim a. Esse caso de jogos ocultos cham o de jogos em m ltiplas arenas.

    N o segundo caso, a opo A.t no tim a porque o ator inova , ou seja, torna medidas para aum entar o nmero de opes disponveis, de modo que algum a nova opo agora m elhor do que A.. A um entar as opes d isponveis significa na verdade m odificar as regras do jogo que definem as opes de que cada jogador dispe. N esse caso, o observador no v que o ator est envolvido no apenas num jogo na arena principal, mas tam bm num jo g o sobre as regras do jogo . Esse caso de jogos ocultos denom ino projeto institucional4.

    A m bos os tipos de jogos ocultos (jogos em m ltiplas arenas e pro jeto institucional) podem levar a escolhas aparentem ente subtim as. No caso de jogos em m ltiplas arenas, o observador analisa o jo g o na arena principal sem levar em conta fatores contextuais, enquanto o ator percebe que o jogo est oculto num jogo m aior que define com o os fatores contextuais (os outros terrenos) influenciam os seus payoffs e os dos outros jogadores. No caso do projeto institucional, o jo g o na arena principal est inserido num jogo m aior quando as prprias regras do jogo so variveis; nesse jogo, o conjunto de opes disponveis consideravelm ente m aior do que no jogo original. O ator agora est apto a escolher a partir do novo conjunto uma estra tgia que at m elhor do que a sua opo tim a no conjunto inicial.

    Um elem ento de surpresa est presente em todos os casos de d iscordncia entre o ator e o observador. O fator que pode variar a intensidade ou m agnitude da surpresa. A lgum as vezes o ator e o observador discordam nos detalhes, de m odo que o ator parece com eter um erro bem pequeno; outras vezes o observador pensa, a priori, que o curso exatam ente oposto da ao que era o apropriado, de modo que o ator parece escolher to ta lm ente contra seus prprios interesses. De um ponto de vista terico, todos os casos de escolha subtim a so difceis de explicar. D e um ponto de vista em prico, apenas srias discordncias entre observador e ator indicam algum a percepo incorreta por parte do observador ou algum a im portante inadequao das teorias existentes.

    Para cada um dos dois tipos de jogos ocultos (jogos em m ltiplas arenas e projeto institucional) o livro fornece duas contribuies essenciais: um a substancial e uma m etodolgica. N o caso de jogos em m ltiplas are

    4. 0 m otivo pulo qu;il uso a expresso proje to institucional, em vez de jo%o instituc ional se tom ar, e lm o no C aptu lo 4.

  • G EO RG E TSE IIE U S

    nas, qualquer um dos lances do jogador possui conseqncias em todas as arenas; um a alternativa tim a em uma arena (ou jogo) no ser necessariamente tim a em relao a toda a rede de arenas nas quais o ator est en volvido. Em bora o observador dc cipenas um jogo considere algum com portam ento irracional, ou equivocado, o com portam ento na verdade tim o dentro dc uma situao mais com plicada. O ator pode escolher uma estratg ia subtim a num jo g o sc essa estra tgia consegu ir m axim izar os seus payo ffs , quando so consideradas todas as arenas. A contribuio substancial desse exame dos jogos em mltiplas arenas c que ele apresenta uma m aneira sistem tica de levar em consta os fatores contextuais (a situao em outras arenas). Tais fatores contextuais influenciam os payo ffs dos atores num a arena, levando escolha de estratgias diferentes. A ssim , os resu ltados do jogo so diferentes quando se levam em conta os fatores contextuais.

    N o caso do projeto institucional, um ator racional procura aum entar o nm ero de alternativas, am pliando desse modo o seu espao estratgico. Em vez de lim itar-se a uma escolha entre estratgias disponveis, ele redefine as regras de todo o jogo, escolhendo entre uma gam a maior de opes. D essa maneira, as m udanas institucionais podem ser explicadas com o planejam ento consciente pelos atores envolvidos. No caso do projeto institucional, a discordncia entre ator e observador deriva do fato de que o observador no antecipa a inovao poltica efetuada pelo ator. Tivesse o observador sabido que existiam opes adicionais, ele teria concordado cm que uma das novas op es era tima. D esse modo, o projeto institucional fornece um a m aneira sistem tica de pensar a respeito das instituies polticas. As instituies no so consideradas som ente com o coeres herdadas, mas possveis objetos da atividade humana.

    O modo convenciona] da teoria dos jogos de lidar com problem as dos jogos cm m ltiplas arenas ou no projeto institucional considerar todos os atores envolvidos em todas as arenas existentes, descrever todas as estratgias disponveis, acrescentar todas as possveis inovaes estratgicas e resolver esse jogo gigantesco. No jogo gigantesco, todos os fatores contextuais (outros atores e arenas relevantes) e institucionais (regras de possveis jogos) so levados em considerao. Se isso fosse possvel, e se tanto o ator com o o observador estivessem resolvendo esse jogo gigantesco, no haveria discordncia possvel sobre o que constitui a ao tima. Todavia, semelhante em preitada, herica, impossvel - pelo menos para propsitos prticos.

    Para reduzir esse problem a a dim enses que possam ser controladas e m ostrar as razes da d iscordncia entre atores e observadores, trato cada caso de esco lha aparen tem ente no-tim a (jogos em m ltip las arenas c projeto institucional) em separado. U tilizo um m odelo tecnicam ente sim ples para representar jogos em mltiplas arenas. N o C aptulo 3, exponho a relao entre o meu m odelo e as abordagens tradicionais da teoria dos jo gos. Tal representao conduz a resultados em piricam ente interessantes, ao

  • JOGO.S O CULTOS

    m esm o tem po em que m antm o nvel de especializao m atem tica ex igido no secundrio.

    Tecnicam ente, jogos em m ltiplas arenas so jogos com payo ffs variveis; o jo g o jogado na arena principal, e as variaes dc payoffs nessa arena so determ inadas pelos eventos de uma ou mais arenas. A natureza do jo g o final muda, dependendo da ordem dc m agnitude desses payo ffs , da possibilidade de os jogadores se com unicarem ou no entre si e da repetio ou no do jogo ao longo do tempo.

    T ecnicam ente falando, ainda, a m udana institucional apresentada com o um problem a de m axim izao intertcniporal, onde surgem com plicaes porque eventos futuros no podem scr claram ente antecipados. A in form ao disponvel a respeito de eventos futuros de crucial im portncia para a escolha de tipos d iferentes de instituies.

    RecapituJando, na presena dc inform ao adequada, se os atores no escolhem o que parece ser a estratgia tim a porque esto envolvidos em jogos ocultos: jogos em m ltiplas arenas ou projeto institucional. Jogos cm m ltiplas arenas so rep resen tados tecn icam ente por jogos com payo ffs variveis. Os fatores contextuais determ inam as variaes dos payoffs e so refletidos por eles. O p a yo ff do jogo na arena principal varia de acordo com a situao prevalecente nos outros jogos, e os atores m axim izam a sua ao quando levam em conta esses payo jfs variveis. A expresso pro jeto institucional refere-se inovao poltica referente s regras do jogo. Os a to res escolhem entre os d iferentes jogos possveis, ou seja, entre os possveis conjuntos de regras. N esse caso, am pliam o seu espao estratgico e escolhem uma opo que antes no estava disponvel.

    Indiquei que a d iscordncia entre ator e observador deriva ou de uma escolha errada por parte do ator, ou da perspectiva incom pleta do observador. Q uando pressupom os a racionalidade do ator, o prim eiro caso (o m enos im portante) elim inado. O caso restante pode ser explicado pela estrutura de jogos ocultos na qual as escolhas parecem ser subtim as num jogo porque o observador no leva em considerao que o jogo na arena principal est inserido dentro de uma rede de outras arenas, ou num jogo de ordem superior em que as prprias regras so variveis. D entro desse en foque de escolha racional e adm itindo que haja inform ao adequada, o con ceito de jogos ocultos a nica explicao para a escolha de estratgias aparentem ente subtim as.

    ///. ESQUEMA DO LIVRO

    O livro descreve situaes em que os atores no escolhem a alternativa aparentem ente tim a porque esto envolvidos em jogos ocultos, ou seja, fatores contextuais ou institucionais tm uma im portncia predom inante.

    B S C S H / UFRGS

  • G EO RG E TSEBELIS

    Os dois tipos de jogos ocultos (jogos em m ltiplas arenas c projeto institucional), em princpio, requerem tratam ento equivalente. Na prtica, contudo, h um a assim etria. Forneo um tratam ento terico com pleto dos jogos em m ltip las arenas, ex traio im plicaes dessa abordagem e testo essas im plicaes em situaes em pricas diferentes. Trato o projeto institucional de m aneira menos rigorosa - deduzo uma tipologia das instituies e observo tipos diferentes dc instituies nos captulos em pricos que correspondem a essa tipologia. Trato o pro je to institucional de m aneira m enos exaustiva do que os jogos em m ltiplas arenas porque a m udana institu cional, por definio, envolve inovao poltica, e difcil (se no im possvel) conhecer suas regras, e mais difcil ainda dispor de uma teoria com ple ta sobre elas. R iker (1986) considera o desenvolv im ento da inovao poltica uma arte, em contraposio cicncia, d-lhe o nom e de herestticci, e afirm a que no se podem conhecer as suas leis. Sejam as leis do projeto institucional incognoscveis ou apenas desconhecidas, essa questo dem asiado im portante para ser deixada dc fora de um livro que adota um a m etodologia de escolha racional. No entanto, o atual estado de conhecim ento das instituies justifica a ausncia de rigor terico.

    Tal assim etria de tratam ento clara na diferena em term os dc preciso terica entre os Captulos 3 e 4. De igual modo, em cada um dos captulos em pricos (5, 6 e 7), os efeitos do contexto ocupam a parte principal da exposio, c apenas a seo final discute a poltica da m udana institucional. Em bora, teoricam ente, cada razo para a escolha no-tim a m erea tratam ento igual, na prtica h no livro um tem a principal e um menos im portante: no principal, adm ite-se que as instituies so constantes, e examino apenas os efeitos do contexto poltico (jogos em m ltiplas arenas). N o tem a menor, ou secundrio, estudo a m udana de regras (projeto institucional).

    A apresentao est organizada da seguinte m aneira: o C aptulo 2 exam ina de m odo detalhado as im plicaes do enfoque da esco lha racional. M ostro com o e por que essa abordagem difere de outros program as de pesqu isa no cam po das cincias sociais. A abordagem contm um a srie de exigncias para os atores polticos: a ausncia de crenas contraditrias, a ausncia de preferncias intransitivas, e a obedincia a axiom as de c lculo de probabilidade e s regras da teoria dos jogos (para nom ear apenas algum as). Q uo realista tal enfoque? U m a vez definido o cam po de ap licabilidade da teoria, o enfoque de escolha racional constitui uma legtim a c fecunda abordagem da realidade.

    No Captulo 3, estabeleo a fundam entao terica dos jogos em m ltiplas arenas: so jogos com payojfs variveis, cm que os payo ffs do jogo na arena principal so in fluenciados pela situao prevalecente em outra arena. O captulo exam ina jogos sim ples de dois jogadores com payoffs variveis, fo rnecendo a base para aplicaes subseqen tes. exam inada a relao entre os jogos mais conhecidos (o dilem a dos prisioneiros, o jogo

  • JO G O S O CU LTO S 27

    do "galinha", o jogo do seguro e o jogo do im passe) e so identificados os seus equilbrios, fam iliarizando o leitor com as suas propriedades tericas. In troduz-se a d istino entre jogos de um a s jogada e jogos iterativos, e as diferenas de resultados so derivadas teoricam ente. F inalm ente, examino os resu ltados de est tica com parada (por exem plo, o que acontece com a freqncia da escolha de estratgias diferentes quando esses jogos so iterativos e os payo jfs dos jogadores variam). C ada captulo em prico aplica de m aneira concreta e diferente o conceito de jogos em m ltiplas arenas nos pases da E uropa O cidental.

    O C aptu lo 3 fornece o fundam ento te rico d ire to para os captulos em pricos subseqentes, e refiro-m e constantem ente a seus resultados. L eitores pouco fam iliarizados com a tcnica poderiam apenas aceitar sem questionar as referncias do Captulo 3. N esse caso, podem ver neste livro pouco mais do que trs captulos em pricos com dbeis conexes entre si. Seria muito mais proveitoso se tentassem seguir a m atem tica elem entar do C ap tu lo 3 para com preender a lgica dos argum entos subseqentes. N este caso, tornar-sc- evidente a unidade dos captulos em pricos com o dem onstraes da lgica dos jogos ocultos e ficaro mais claros outros casos passveis de sem elhante tratam ento terico. O que exigido para a total com preenso do livro no um conhecim ento prvio de m atem tica, mas a vontade de estudar o Captulo 3 de modo que se esteja fam iliarizado com seus argum entos quando forem em pregados.

    O C aptu lo 4 tra ta do projeto institucional. C onstitui um estudo das condies necessrias para o projeto institucional, uma classificao dos diferentes tipos de projeto institucional e uma discusso das condies sob as quais provvel que ocorram . As instituies so divididas em eficientes (aquelas que prom ovem os interesses de todos ou da m aioria dos atores) e redistributivas (aquelas que promovem os interesses de uma coalizo contra outra). Estas ltim as (redistributivas) se subdividem em instituies dc consolidao (instituies destinadas a prom over os interesses dos vencedores) e instituies de tipo new deal (instituies destinadas a dividir as co ligaes existentes e transfo rm ar perdedores em vencedores). S ustento que a teoria sobre as instituies tem usualm ente se lim itado a apenas um desses trs casos, e no se estendeu a todos os trs. O fracasso em com preender a natureza com plexa das instituies gerou extrapolaes e inferncias incorretas a respeito delas. Alguns autores (m arxistas, sobretudo) vem as instituies exclusivam ente com o redistributivas; outros (econom istas, principalmente) vem -nas com o exclusivam ente eficientes. F inalm ente, especifico as condies sob as quais a construo da instituio eficiente ou redistributiva prevalece. C ada um dos captulos em pricos subseqentes do livro apresenta de m aneira mais sistem tica um exemplo de cada categoria de instituio.

    A plico depois o quadro terico definido nos C aptu los 2, 3 e 4 a trs fenm enos polticos em trs pases diferentes: os partidos polticos e as re

  • G EO RG E TSE B E U S

    laes entre lderes c m ilitantes no Partido Trabalhista britnico, o sindicalism o e o projeto institucional na B lgica e a poltica eleitoral e a coeso dc coligao na Q uinta R epblica francesa. Os exem plos foram escolhidos por sua diversidade, de modo a dem onstrar a coerncia lgica, a versatilidade concreta e a preciso em prica do esquem a dos jogos ocultos.

    O livro com o um todo adota o princpio da com parao entre os sistemas mais diferentes (Przeworski e Teune 1970). Estudam -se trs casos d iferentes na poltica da Europa O cidental, os quais envolvem atores diversos, conccrncm a pases diversos e dizem respeito a assuntos diversos. Em todos os casos, ap licam -se algum as proposies sim ples sobre com portam ento racional: mudanas em payoffs ou instituies levam os atores a m odificar as suas escolhas de estratgias (de equilbrio). C onseqentem ente, o contexto poltico e as instituies polticas influenciam de maneira previsvel.

    Os captulos so apresentados em ordem de com plexidade crescente. O C aptulo 5 exam ina a interao entre as m assas e as elites num contexto de com petio eleitoral. O jogo principal a interao entre os parlam entares trabalh istas britnicos e os m ilitantes de seu d istrito eleitoral, e esse jogo est oculto num jogo de com petio eleitoral entre os partidos. O C aptulo 6 adota a perspectiva inversa: o jogo principal a interao entre as elites. Tal interao, porm , influenciada pela interao entre cada elite poltica c as m assas que ela representa. O jo g o principal c parlam entar c est oculto num jogo entre as elites c as massas. O Captulo 7 tra ta da situao mais com plicada na qual quatro partidos se organizam em duas co ligaes, e cada partido tem que levar em conta vrias arenas: o jogo no m bito nacional, o jogo com petitivo entre as coligaes no nvel d istrital. No que conccrne ao projeto institucional, o Captulo 5 apresenta o caso das instituies redistributivas do tipo new deal, o C aptulo 6 dem onstra com o operam as institu ies eficientes, e o C aptu lo 7 m ostra com o coligaes vencedoras diferentes adotam instituies de consolidao diferentes.

    O C aptulo 5 trata dos partidos polticos c do relacionam ento entre a liderana e os m ilitantes do partido. Os distritos eleitorais do Partido T rabalh ista revoltam -se ocasionalm ente contra os seus MPs c substituem -nos por serem moderados dem ais. Algumas vc/.cs, na eleio subseqente, o Partido T rabalhista perde a cadeira. Um tal com portam ento suicida en igm tico dentro de um quadro de escolha racional. Os fenm enos de conflitos de reindicao do candidato para d isputar a cadeira e as suas conseqncias destrutivas so estudados na form a de um jogo repetido entre eleitores m ilitantes, MPs em atividade c lderes trabalhistas, jogo que est oculto num jogo com petitivo entre o Partido Conservador e o Partido Trabalhista no nvel distrital c no plano nacional. C onsidera-sc tim o o com portam ento aparentem ente suicida dos m ilitantes nesse jogo oculto porque tem a ver com a construo de uma reputao de firm eza que ir desencorajar a m oderao dos seus representantes.

  • JO G O S O CU LTO S 29

    O esquem a dos jogos ocultos explica o motivo pelo qual estudos em pricos anteriores (sobretudo estudos que tentam estabelecer as foras relativas dos eleitorados e das lideranas pelo exame da freqncia dos conflitos de reindicao do candidato e os seus resultados [Janosik 1968; M cK enzie 1964; Ranney J965, 1968]) centram -se nas variveis explicativas erradas e chegam assim a concluses duvidosas. Alm disso, o esquem a dos jogos ocultos revela a im portncia das mudanas institucionais feitas sob presso dos militantes do distrito entre 1979 e 1981. Contrariam ente bibliografia existente (Kogan e Kogan 1982; Williams 1983), sustento que a principal mudana no Partido Trabalhista foi o deslocam ento para a esquerda nas preferncias polticas dos sindicatos na dcada de 70, e no as subseqentes m odificaes institucionais que refletiram e cristalizaram esse deslocamento.

    O C aptu lo 6 aborda a questo do consociaciona lism o e do pro jeto institucional. Dc acordo com a literatura consociacional (Lehm bruch 1974; L ijphart 1969, 1977; M acRae 1974), profundas clivagens polticas e sociais no levam a situaes explosivas e instveis enquan to as elites polticas atuarem de m aneira contem porizadora. O utros autores (B illie t 1984; D ierickx 1978) afirm am que o que explica o com portam ento contem pori- zador das elites nos pases consociacionais a possibilidade de negociao de pacotes (package cleals*) contra questes especficas: em questes de im portncia assim trica possvel a barganha de votos. Se essas explicaes estivessem corretas, haveria duas conseqncias. Em prim eiro lugar, as e lites no teriam motivos para iniciar conflitos polticos. Em segundo lugar, no haveria necessidade de instituies consociacionais, ou seja, instituies especialm ente concebidas para m inim izar o conflito. Segundo essas teorias, tanto a deflagrao de um conflito quanto a instituio consociacional parecem constituir atividades subtim as.

    A fim de explicar esses enigm as dc com portam ento subtim o, utilizo o esquem a dos jogos ocultos. C onsidero as elites polticas belgas envolvidas em jogos ocultos. Elas jogam o jogo parlam entar entre si, enquanto cada elite particu larm ente est envolvida num jogo com suas bases. Este jo g o entre cada elite e as m assas que elas representam influencia os payoffs do jogo parlam entar. Sustento que o com portam ento das elites polticas timo no quadro dos jogos ocultos, mesm o que possa no ser tim o em qualquer jogo considerado isoladam ente, e m ostro que o com portam ento tim o no jogo oculto envolve por vezes a deflag rao de conflitos pelas elites. Forneo uma explicao consistente do projeto das instituies belgas. F inalm ente, utilizo o esquem a dos jogos ocultos para explicar os clculos dos atores e o fracasso das negociaes relativas ao Pacto de Egm ont, que pretendia resolver a situao de Bruxelas cm 1977.

    * Puckuge dcals, (ermo da prtica eongressual am ericana, cm que vrios itens so jun tados numa nica unitlade para facilitar a aprovao. (N. do T.)

  • G EO RG E TSE B E LIS

    O C aptulo 7 tra ta da poltica eleitoral e da coeso das coligaes na Q uinta R epblica francesa. O sistem a eleitoral francs requer cooperao e form ao de coligaes entre partidos d iferen tes no segundo turno das eleies. D entro de cada coligao, no segundo turno, o partido que chega em segundo lugar no prim eiro turno tem de transferir os seus votos ao vencedor. A t que ponto efetiva a transferncia dos votos dos partidos para o seu parceiro no segundo turno?

    M odelos espaciais de votao e de com petio entre os partidos (Bar- tolini 1984; R osenthal e Sen 1973, 1977) fazem a seguinte previso: os co m unistas votaro com os socialistas no segundo turno porque os socia listas se situam mais esquerda do que os partidos de tendncias direitistas. Todavia, os socialistas no sero aliados estveis para os com unistas porque os socialistas no se sentem necessariam ente mais prxim os dos com unistas do que dos partidos de direita. Portanto, os socialistas desfrutam de uma vantagem posicionai sobre os com unistas na poltica eleitoral e na form ao de coligaes (Bartolini 1984, 110). A rgum entos anlogos podem ser apresentados com relao aos partidos de direita. Como a d istncia ideolgica m enor do que entre socialistas e com unistas, haver um a expectativa maior de transferncia de votos dentro da direita que dentro da esquerda. N a verdade, porm , todos os partidos transferem votos de m aneira interm itente. Por que os partidos prefeririam dar uma cadeira para a coligao rival em vez de ajudar a vitria do parceiro?

    Para explicar esse com portam ento subtim o, considero o jo g o entre parceiros em seu nvel nacional com o oculto dentro de um jogo com petitivo entre coligaes e 110 jogo entre parceiros de coligao no plano distrital. As condies locais prevalecentes determ inam os payoffs de cada jogador, e estes determ inam a probabilidade de cooperao. A concluso do enfoque dos jogos ocultos que as transferncias de votos so determ inadas pelo balano das foras num d istrito . Esse balano inclui a fo ra relativa das coligaes e a fora relativa dos parceiros dentro de cada coligao. A vantagem terica da abordagem jogos ocultos que ela dem onstra que todos os partidos obedecem s m esm as leis e se com portam de m aneira sim ilar no que concerne coeso da coligao e transferncia de votos. A com parao da abordagem jogos ocultos com explicaes alternativas tais como m odelos espaciais, pesquisa de opinio (Jaffr 1980) e abordagens psico- sociolgicas (Converse e Pierce 1986; Rochon e Pierce 1985) indica diversas vantagens desse enfoque: parcim nia terica, congruncia com outras teorias existentes e preciso descritiva.

    A perform ance da abordagem jogos ocultos em cada estudo de caso no deve afastar os leitores da questo principal: todos os casos em pricos, que vo da poltica de coligao poltica partidria, e de questes de ideologia a questes de consolidao institucional, so aplicaes da m esm a teoria. O objetivo essencial deste livro dem onstrar que o contexto poltico e

  • JO G O S O CU LTO S 31

    as instituies polticas se com portam de m aneira previsvel, explicar por que ocorrem tais regularidades e fornecer um a form a sistem tica dc lidar com fenm enos polticos com plexos. A nfase na palavra s istem tica se deve m inha esperana dc que o livro torne esse m todo particu lar de estudo am plam ente acessvel. Tornar acessvel a produo do conhecim ento , acredito, um objetivo im portante de qualquer em preendim ento cientfico.

  • EM DEFESA DO ENFOQUE DA ESCOLHA RACIONAL

    2

    A racionalidade, com o a defini no Captulo 1, nada mais que uma correspondncia tim a entre fins e meios. J que difcil im aginar processos polticos sem a relao meios/fins, essa definio pode parecer tautolgica, incua e trivial a ponto de sua discusso se tornar dispensvel.

    Essas im presses so falsas. Em primeiro lugar, no verdade que o enfoque da escolha racional seja o nico possvel em poltica. A Seo I deste captulo lembra aos leitores que a lista de enfoques alternativos bastante extensa. Em particular, teorias como a teoria sistm ica e o funcionalism o estrutural no se ocupam dos atores, c outras, como a psicanlise, a psicologia social e o be- haviorismo no consideram os atores como necessariam ente racionais. Em segundo lugar, a minha definio de racionalidade no incua: a Seo II deste captulo dem onstra que essa definio simples de racionalidade im pe ao ator m uitas exigncias. Especificam ente, os atores racionais devem ser coerentes (no possuir crenas ou desejos contraditrios), decidir de acordo com as regras do clculo de probabilidades e interagir com outros atores de acordo com as prescries da teoria dos jogos. Em conseqncia, a questo sensata passa a ser no se as pessoas sempre se desviam da racionalidade, mas sc as pessoas se lhe amoldam. De fato, a maioria das objees abordagem da escolha racional sugere que o pressuposto de racionalidade no trivial, mas antes uma exigncia irrealstica; de acordo com essas objees, no existem atores racionais (e provavelmente no podem existir). A Seo III discute essas objees. Indico que h boas razes pelas quais os atores polticos devem ser racionais (um enfoque normativo), e razes adicionais pelas quais os atores polticos podem ser estudados utilizando o enfoque da escolha racional (um enfoque positivo). A Seo IV enum era as principais vantagens do enfoque da escolha racional.

  • J4 GEORG E TSEBELIS

    /. O QUE O ENFOQUE DA ESCOLHA RACIONAL NO

    Podem -se distinguir duas amplas categorias de teorias que no assumem qualquer correspondncia entre meios e fins. A prim eira no tem qualquer preocupao com os atores com o unidades de anlise. A segunda estuda os atores, mas no assum e que sejam racionais.

    ( I) Teorias sem atores. Anlises sistm icas (Easton 1957), estruturalism o (H olt 1967), funcionalism o da direita (Parsons 1951) ou da esquerda (H ollo- way e Picciotto 1978) e teorias da modernizao (Apter 1965) so representantes proem inentes dessa abordagem. Explicaes dos fenm enos sociais ou polticos so fornecidas em termos holsticos, em referncia ao sistema como um todo. Em bora a existncia de atores racionais no seja negada, o estudo de seus processos de tom ada de deciso considerado secundrio ou desim portante. Explicaes vlidas so ou causais ou funcionais. Em outros termos, os processos ou estruturas podem ser explicados ou pelos processos e estruturas antecedentes, ou por suas conseqncias benficas para os processos subseqentes, para as estruturas e para o prprio sistema.

    Tais teorias tm por objeto dc ateno algo diferente da abordagem da escolha racional. Contudo, s vezes possvel uma traduo de um program a dc pesquisa para outro. Por exemplo, a modernizao econm ica tem conseqncias polticas (Kautsky 1971), porque gera interesses econm icos expressos por coligaes polticas. Essas coligaes podem ou no alcanar seus objetivos, devido s necessidades contidas nas estruturas existentes, ou devido s aes de outras coligaes. Ou a necessidade de ordem poltica nos pases do Terceiro M undo (Huntington 1968) pode ser atribuda a um grupo especfico de atores (geralmente elites) e a seus interesses em determ inadas formas de organizao poltica.

    Tais exemplos indicam que existe uma traduo entre o nvel individual e o agregado. Um exame mais atento do processo de tom ada de deciso do ator pode indicar p o rque situaes com condies antecedentes similares evoluem de m aneira diferente, e dem onstrar ainda o carter fecundo de tal traduo.

    Existem casos, porm , em que essas tradues especficas entre programas de pesquisa no so possveis. Consideremos o argumento de Coser (1971): O conflito dentro das estruturas burocrticas e entre essas estruturas fornece os meios para evitar a ossificao e o ritualism o que am eaam as suas formas de organizao 1. H dois sentidos possveis: a prim eira interpretao uma proposio de esttica com parada, na qua! sistem as com estruturas burocrticas conflitantes demonstram graus mais baixos de ossificao e ritualism o do que sistem as dotados dc estruturas burocrticas no-conflitantes; a segunda interpretao tenta explicar a existncia de conflito por sua funo. O prim eiro argum ento pode ser testado em piricamente e revelado verdadeiro ou falso. Tal

    l . Ver Lilstcr ( 1983, p. 59).

  • JO G O S OCULTOS

    interpretao no pretende ser explicativa. A frase fornece os meios para evitar poderia ser substituda por tem o efeito de reduzir , e pode-se procurar uma explicao em termos de escolha racional para essa regularidade emprica. A segunda interpretao no pode ser traduzida em termos de escolha racional, porque no existe ator com o objetivo im plcito de evitar a ossificao e o ritualism o; o sistem a uma abstrao para um conjunto de indivduos com interesses e objetivos diversos ou conflitantes. Resulta que o surgim ento do conflito no pode ser explicado nos term os de suas conseqncias benficas para as estruturas burocrticas; tem de ser explicado com o uma agregao de com portam entos adotados para prom over objetivos particularsticos.

    Refiro-m e a uma explicao tipo atalho ou caixa-preta sem pre que pode ser feita uma traduo de teorias que no levam em conta o ator para o en foque da escolha racional. N esse caso, a fim de enfatizar o quadro macro, o m ecanism o de um fenm eno social ou poltico no ser descrito com pletamente. O nde uma tal traduo im possvel, no possvel encontrar quaisquer mi- crom ecanism os com patveis com os resultados agregados observados, dando a entender que nenhum processo causai pode explicar o fenm eno. Assim , de- frontam o-nos com um caso do que conhecido com o correlao espria.

    A razo pela qual tal traduo entre programas de pesquisa importante se deve ao princpio do individualismo metodolgico, que estabelece que todos os fenmenos sociais podem e devem ser explicados em termos das aes dos indivduos que operam sob determinadas coeres. Elster (1983) sustenta que esse princpio um caso especial do reducionismo existente em qualquer cincia.

    Situadas entre as teorias do ator racional e aquelas que no levam em conta o ator esto aquelas teorias que derivam os resultados polticos das aes de agregados sociais informais: classes ou grupos. Esses agregados so considerados racionais (no sentido de meios/fins que defini no incio deste captulo), mas a sua prpria existncia perm anece inexplicada cm termos de racionalidade. Analisem os o conflito econm ico e social. Poder-se-ia centrar a anlise no conflito entre grupos diferentes de trabalhadores, ou no conflito entre ramos diferentes da indstria (trabalhadores e capitalistas tom ados em conjunto). Em vez disso, Marx julgava que os trabalhadores e o capital so atores unificados na tentativa de m axim izar as suas respectivas prosperidades (salrios agregados para os trabalhadores e lucros agregados para os capitalistas). Segundo esse enfoque, a luta de classes, motor da histria, resulta do fato de que o produto fixo em qualquer poca e deve ser dividido entre capitalistas e trabalhadores. Observem os que, segundo esse enfoque, tanto o trabalho quanto o capital so considerados atores unitrios e que a com petio entre capitalistas por m ercados ou entre trabalhadores por empregos descartada pelo modelo em sua forma mais sim plificada2. Tambm est ausente o conflito entre ramos da indstria.

    2. Rm outras purles dc siui obni, Marx trata do problem a dc mltiplos jogadores (capitalistas e tr;iballnidores) sem. contudo, abordar ;is interaes entre eles. O exem plo mais lamoso a taxa decrescente de lucro, discutida cm Das

  • G EORG E TSEBELIS

    Tais problem as foram abordados em elaboraes posteriores (Przew orski e W allerstein 1982, 1988). Os resultados, porm , so radicalm ente diferentes daqueles da teoria original.

    (2) Teorias com atores no-racionais. A fonte da no-racionalidade no pode ser os objetivos do ator - De giistibus non est disputandum. Os objetivos podem ser egostas ou altrustas, idealistas ou m aterialistas. A nica fonte de no-racionalidade deve ser uma ruptura na relao entre meios e fins em nossa definio de racionalidade.

    Tal ruptura pode ocorrer de duas maneiras: ou por uma ao impulsiva, ou atravs de uma fonte mais profunda de irracionalidade (Boudon 1986, 294). A investigao sobre ambos os tipos dc irracionalidade sc origina na psicologia, e pode ser situada em duas classes distintas. A prim eira classe inclui teorias que explicam as aes resultantes de motivaes afetivas ou impulsivas (por exemplo, revolues explicadas por meio da teoria da privao relativa [Gurr 1971]). N essa classe de teorias, com portam entos em desacordo com os clculos racionais podem ser observados e explicados pelo observador externo c aceitos pelo prprio ator. Contudo, tal com portam ento no pode ser sistemtico ou mesmo freqente, como dem onstro abaixo.

    Na segunda classe, o motivo para um com portam ento irracional um constructo terico, que pode ser inacessvel tanto ao observador quanto ao ator. Tais teorias incluem o instinto de im itao (Gabriel Tarde), a falsa conscincia (Friedrich Engeis), as pulses inconscientes (Sigm und Freud), o hbi- tus (Pierre Bourdieu), a cultura nacional (Gabriel Almond e Sidney Verba), ou foras com o resistncia m udana ou inrcia3.

    M ais uma vez, talvez seja possvel traduzir essas teorias para um enfoque de escolha racional. C onform e sustenta este livro, certas aes podem parecer irracionais pelo fato dc o quadro de referncia no ser apropriado. Por exemplo, Samuel Popkin e Robert Bates, em vez de usar o conceito de econom ia moral , com o faz James Scott, explicam os costum es e com portam entos nas sociedades rurais por meio de argumentos baseados na escolha racional4. Bhaduri (1976) explica a resistncia m udana , ou seja, por que os cam poneses de B engala ocidental resistem s inovaes tecnolgicas que m elhorariam a produtividade; ele afirma que tais melhorias reduziriam a dvida, term inando assim a dependncia dos pobres em relao aos ricos. Conseqentem ente, os proprietrios ricos se oporiam inovao a fim de preservar os seus interesses de longo prazo.

    Ki/iintl, que pode .ser repisentada nu form a de um jogo dc dilema do prisioneiro entre capitalistas. Ver Boudon (1977).

    3. Para um exame crlico de algum as dessas teorias, ver Barry (1978).4. Ver Popkin (1979), Bales (1983) e Seoll (1976). Uma interpretao diferente da obra de Scolt poderia .ser que ela

    fornece as razes eslruiuiais para o comportamento a verso ao risco dos cam poneses. A questo da averso ao risco discutida no apndice ao presente captulo.

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    Em outros casos, o enfoque da escolha racional traduz as variveis independentes dos estudos existentes em variveis dependentes c explica as concluses de outros estudiosos. Boudon, por exemplo, produz um m odelo sim ples de escolha racional para explicar urna das mais intrigantes descobertas do The Am erican Sold ier (S touffer 1965): que pilotos que pertenciam a grupos que recebiam prom oes freqentes estavam insatisfeitos, ao passo que os policiais militares estavam satisfeitos com um sistem a no qual as promoes eram raras5. Segundo a exposio de Boudon, os indivduos com preendem as caractersticas do sistem a e investem os seus esforos em consonncia com ele; se a probabilidade de recom pensa pequena, a utilidade esperada de um grande esforo negativa, e as pessoas param de faz-lo. Se a probabilidade de recom pensa grande, as pessoas tentam m elhorar a sua situao, e aqueles que fracassam ficam insatisfeitos.

    De modo anlogo, Converse (1969) em prega um modelo dc aprendizado para fornecer uma explicao extrem am ente elegante e excepcionalm ente precisa (seu R2 chega a nada menos que 0,86) de algumas diferenas de cultura cvica entre os cinco pases estudados por A lm ond e Verba (1963). Segundo a explanao de Converse, a identificao partidria pode ser aprendida por meio da participao em instituies democrticas. Q uanto mais antigas forem tais instituies, mais estveis sero as atitudes partidrias produzidas. Esse pressuposto simples, juntam ente com a histria das cinco naes, pode explicar as diferenas de estabilidade partidria que A lm ond e Verba atribuam s diferenas de cultura cvica . Alm disso, o tem po pode explicar as diferenas entre eleitores antigos e novos, bem como as diferenas dc sexo (na maioria dos pases s recentem ente as mulheres obtiveram o direito de voto).

    Para explicar tais fenm enos Converse utiliza o aprendizado, e no um modelo de escolha racional. Contudo, passos adicionais podem ser dados para traduzir suas descobertas para uma explicao tipo escolha racional. Converse sustenta que o tempo no um ator causai, em bora seja um indicador c modo de algum outro processo que ocorre ao longo do tempo: o aprendizado. Se no lugar do aprendizado* se considerar um processo de atualizao bayesiano, as concluses de Converse podem ser explicadas em termos de escolha racional. Pessoas mais velhas possuem princpios mais fortes porque formaram tais princpios atravs de uma longa experincia (um nmero mais alto de eventos relevantes). Portanto, torna-se mais difcil para elas rever as suas atitudes. Pessoas mais jovens possuem princpios menos consistentes, e cada nova experincia im portante na formao de suas crenas ou atitudes. As mulheres, nos pases que somente h pouco conquistaram o sufrgio fem ini-

    5. Ver Boudon (1979). As descobertas originais apareceram em Stouller (1965).6. A atualizao bayesiina dc informao ocorre quando um indivduo rev as probabilidades que atribua a um evento,

    de acordo to m a frmula de Bayes (Skyrms 1986). Nessa trm ula, quanto mais slidos forem os princpios, menos sero m odilicados por informao conflitante.

  • G EORG E TSEBELIS

    110, so sem elhantes aos jovens eleitores, nesse enfoque7. Conseqentemente, as descries de eventos histricos ou explicaes de escolha no-racional podem ser traduzidas para o esquem a apropriado de escolha racional.

    Recapitulando, o enfoque da escolha racional no o nico possvel na abordagem dos fenmenos polticos; enfoques alternativos ou estudam fenm enos sociais e polticos utilizando atores que no tentam otimizar o alcance de seus objetivos, ou simplesmente excluem os atores com o unidades de anlise.

    N em sempre possvel traduzir as relaes postuladas pelos diferentes program as de pesquisa. Se for possvel, em bora no seja realizada, uma traduo de alguma agenda de pesquisas para uma abordagem da escolha racional, ser feita um a referncia a uma explicao tipo atalho (ou caixa-preta). Se for im possvel, com o no caso de Coser, o resultado ser um a correlao espria.

    //. O QUE O ENFOQUE DA ESCOLHA RACIONAL

    A tarefa aqui derivar as im plicaes da correspondncia meios e fins no que concerne definio de racionalidade. Fao uma distino entre dois tipos diferentes de exigncias para a racionalidade: exigncias fracas de racionalidade e exigncias fo rtes de racionalidade. O prim eiro tipo assegura a coerncia interna entre preferncias e crenas; o segundo introduz exigncias de validao externa (a correspondncia das crenas com a realidade). M esm o as exigncias fracas de racionalidade so s vezes difceis de atender, o que levanta a im portante questo da factibilidade e/ou vantagem de assum ir que os atores polticos so efetivam ente racionais, uma questo a que respondo na Seo III.

    1. E xigncias Fracas de R acionalidade

    D iscuto as seguintes exigncias dc racionalidade: (1) a im possibilidade de crenas ou preferncias contraditrias, (2) a im possibilidade de preferncias intransitivas, e (3) obedincia aos axiomas do clculo de probabilidades. As prim eiras duas referem -se ao com portam ento do ator racional sob condies de certeza; a terceira regula o com portam ento do ator racional sob situao de risco.

    A defesa de um sistema axiomtico (neste caso, a com binao de exigncias que definem a racionalidade) geralmente im plica a dem onstrao da p lausibilidade dessas exigncias (axiomas). Contudo, pode-se desenvolver um argum ento m elhor m ediante a elucidao das conseqncias indesejveis da violao de tais exigncias; quanto mais catastrficas forem essas conseqn

    7. Para um a exposio anloga dc cseolha racional .sobre o conccilo

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    cias, mais persuasivo ser o argumento. Nas dem onstraes que seguem , u tilizo o dinheiro para dem onstrar conseqncias indesejveis ou catastrficas. A vantagem de utilizar dinheiro para medir a desejabilidade das conseqncias a com preenso im ediata de que as escolhas possuem conseqncias objetivas para a prosperidade dos indivduos. No entanto, todos os meus argum entos podem ser reconstitudos com as unidades abstratas de utilidade {tiles), ou algum outro muneraire no-m onetrio satisfatrio.

    (1) A impossibilidade de crenas ou preferncias contraditrias. Em lgica formal h duas proposies relevantes. A prim eira afirma que a conjuno entre uma proposio e sua negao uma contradio8. A segunda sustenta que se pode derivar qualquer coisa de um antecedente falso. Se uma proposio urna crena, essas duas leis da lgica indicam que qualquer coisa decorre de crenas contraditrias. Portanto, se um ator tem crenas contraditrias, ele no pode raciocinar9. Se uma proposio uma preferncia, a com binao das duas leis indica que qualquer coisa decorre de preferncias contraditrias. Assim , se um ator tem preferncias contraditrias, ele pode escolher qualquer opo.

    N ote-se aqui que a contradio se refere a crenas ou preferncias num dado momento de tempo. A im possibilidade de crenas ou preferncias contraditrias no exclui nem a mudana de crenas ou preferncias ao longo do tem po nem a manuteno de uma preferncia num contexto e de outra num contexto diferente. E, portanto, mais fraca do que o axiom a da independncia de alternativas irrelevantes , no qual se assum e que o ator faz a m esm a escolha entre duas alternativas, existam ou no outras alternativas (Arrow 1951).

    (2) A impossibilidade de preferncias intransitivas. O axioma da transi- tividade das preferncias estabelece que, se um ator prefere a alternativa a alternativa b , t b a c , ento necessariamente ele prefere a a c 111. D em onstrou-se que se pode criar uma mquina de dinheiro (fazer um monte dc dinheiro) a partir de uma pessoa com preferncias intransitivas (Davidson, McLinsey, e Suppes 1954). Isso dem onstrado corno segue: suponhamos que uma pessoa prefira a a b, b a c e c a a. Se ela detm a, algum poderia persuadi-la a troc- lo po rc , desde que ela pague uma quantia (digamos um dlar). Algum poderia persuadi-la tambm a trocar c por b, m ediante o pagam ento de outra quantia (digamos outro dlar). Depois, algum poderia persuadi-la a trocar/; po r , com um pagam ento adicional (outro dlar). Observe-se que ela est exatamente na mesm a situao inicial (ela detm a)\ s que est trs dlares mais pobre. Em cada transao, ela melhorou suas posses de acordo com as suas preferncias. Devido intransitividade de suas preferncias, porm , encontra-se monetaria-

    8. , de lato, a le i de Aristteles do terceiro excludo, que pode ser estabelecida tom ial mente como /'&(-/>) = F. onde /' corresponde a falso".

    9. Popper (1962) utiliza esse aigumento para rejeitar o raciocnio dialtico (que aceita contradies) como impossvel.10. Um princpio anlogo de transitividade em lgica assegura a possibilidade do raciocnio.

  • 40 G EORG E TSEBELIS

    mente pior do que antes. Se essa mquina dc lazer dinheiro continua em operao, ela pode melhorar a sua situao at chegar ao ponto dc morrer dc fome.

    Essas duas exigncias de racionalidade fazem parte de qualquer exposio de tipo escolha racional, porque garantem a capacidade dos atores de maximizarem. A terceira exigncia da racionalidade fraca tem a ver com a funo objetiva que os atores racionais procuram maximizar.

    (3) O bedincia aos axiomas do clculo de probabilidade. Essa proposio a mais contra-intuitiva e a mais difcil de sustentar; a prova apresentada no apndice deste captulo. preciso introduzir a funo objetiva que um ator racional maximiza. N este livro, assumo que os atores racionais m axim izam a sua utilidade esperada, isto , o produto da utilidade que derivam de um evento, multiplicada pela probabilidade de que esse evento ocorra".

    A proposio estabelece que, sc uma pessoa quiser apostar, na crena dc que a probabilidade de ganhar multiplicada pelo prm io igual probabilidade de perder m ultiplicada pelo preo da aposta12, e se, em seus clculos, ela no obedecer s regras do clcido de probabilidades, certamente perder dinheiro'*.

    No que nos concerne, essa proposio indica que qualquer indivduo cujo clculo no obedece aos axiomas do clculo de probabilidades certam ente paga um preo (independente de certos eventos se produzirem ou no) pela falta de consistncia de suas crenas. Por ora, no im porta saber at que ponto as probabilidades estimadas pelo indivduo correspondem ou no a freqncias objetivas. Ele pode superestimar ou subestimar as probabilidades; pode ser otim ista ou pessimista. A nica restrio da prova que queira aceitar apostas justas, isto , apostas com utilidade esperada igual a zero.

    N os casos anteriores, os indivduos foram penalizados por desvios das regras de coerncia. Algumas dessas regras, dc no-contradio e de transiti- vidade, por exemplo, podem parecer intuitivamente agradveis c claras. O utras, com o a obedincia aos axiomas do clculo de probabilidades, podem parecer contra-intuitivas e/ou irrealistas. No obstante, qualquer desvio dessas

    1 I . Falando estritam ente, no li ra/o paru que a regra de deciso faa parle da definio de racionalidade. Com efeilo, pode-.se m ili/a r regras diferentes de deciso e derivar previses diferentes. Por exemplo, i-crejohn c l iurina ( 1074) ulilizum o crilrio m inim ax de arrependim ento para explicar por que as pessoas votam ver Am erican Poiiiicai Science Review 11975, 69: 908-960] sobre uma discusso extensa gerada pelo artigo). Outros critrios .seriam o eriino m aximini (L ucee Raila 1957), ou o misto (Tsebelis 1986), ou o critrio de m ltiplos estgios (Levi 1980). Contudo, agrando maioria dos estudos no cam po da escolha racional assumem que os atores racionais maximizam a sua utilidade esperada, e este livro no constitui uma exceo a isso.

    11. Em term os tcnicos, apostas com utilidade esperada igual a 7.ero. Quem aposta ganha 1 dlar se uma moeda der cara e perde 1 se der coroa, ou ganha 5 se adivinhar corretamente o resultado do lanamento dc um dado no-vi- ciado. e paga 1 dlar se perder. Note-se que as chances de unia aposta justa so bem maiores do que as chances que as pessoas aceitam ao participar em loterias ou jogar em cassinos.

    I 3. No apndice deste captulo, demonstro que, se um indivduo est querendo fazer uma srie de apostas justas (Juii heis) e os seus valores de plausibilidade no obedecem s regras do clculo de probabilidades, um a aposta cega" (Dnch liook) pode ser feita contra ela. Os termos aposta justa (Jiiir bet) e aposta cega (Dtiich liaok) so delini- dos 110 apndice deste captulo.

  • JO G O S OCULTOS 41

    regras urn desvio das exigncias fracas de racionalidade, e resultar cm uma perda de dinheiro.

    Em todos os casos, no foram considerados eventos no mundo real: crenas devem ser consistentes (internamente), mas no devem corresponder necessariamente a situaes no mundo real. Alm disso, as penalidades eram impostas independentem ente do que sc passa no mundo. Por exem plo, no h penalidade para a crena num a invaso im inente dos marcianos, enquanto a pessoa que tem essa crena agir de modo coerente com ela, ou seja, preparar-se para a invaso. A fim dc afastar possibilidades desse tipo, precisamos voltar-nos agora para as exigncias externas de racionalidade. '

    2. E x ignc ia s fo r te s cie ra c iona lidade

    As exigncias fortes de racionalidade estabelecem uma correspondncia entre crenas ou com portam ento e o mundo real. A discusso que segue concerne distino entre crenas, probabilidades c estratgias, conduzindo prova de trs exigncias fortes de racionalidade:

    1. As estratgias so m utuam ente tim as em equilbrio ou, em equilbrio, os jogadores obedecem s prescries da teoria dos jogos.

    2. Em equilbrio, as probabilidades aproxim am -se das freqncias objetivas.3. Em equilbrio, as crenas aproxim am -se da realidade.

    mais fcil desenvolver essas exigncias na ordem inversa. Em prim eiro lugar, preciso atentar para o qualificativo em equilbrio que est presente nas trs exigncias. H duas razes para essa qualificao. A prim eira negativa: a teoria da escolha racional no pode descrever atos dinmicos; no pode explicar os cam inhos que os atores iro seguir para chegar aos equilbrios prescritos14. A segunda positiva: o equilbrio definido como uma situao da qual nenhum ator tem incentivo para desviar-se. Logo, no im porta de que modo o equilbrio atingido, os atores racionais perm anecero nele.

    (1) Obedincia s prescries da teoria dos jogos. O conceito de equilbrio de Nash o conceito fundam ental da teoria dos jo g o s15. Os jogadores utilizam estratgias mutuamente timas em equilbrio: realizam uma combinao estratgica da qual ningum tem incentivo para desviar-se. Segundo essa definio, pode haver mais de um equilbrio num jogo. O problema passa a ser o de escolher o mais razovel16. Quando h mais de um equilbrio razovel, a

    14. Em jogos ilerativos. possvel que uma ou mais trajetrias de equilbrio sejam computadas de m odo que os suores mudem o seu eom poruunenio ao longo do tempo, mas tecnicam ente esto sempre em equilbrio.

    15. Nash (1 9 5 1). John Nash um dos fundadores da teoria dos jogos.16. liste o problem a dos relinam enios do conceilo de equilbrio de Nash. Diversas solues foram propostas: equ i

    lbrios perfeitos (SeIten 1975). equilbrio propriamente dito (M yerson 1978), equilbrios seqenciais (Kreps eW il-

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    coordenao entre os jogadores torna-se um problem a. Se a coordenao falhar, cada jogador escolher uma estratgia de equilbrio, mas essas estratgias correspondero a equilbrios diferentes: o resultado no ser um equilbrio17. Um jogador tambm poderia desviar-se da sua estratgia de equilbrio sem ser penalizado18. Esse desvio, porm , pode induzir outros jogadores a mudar suas estratgias, seja por ficarem em situao pior do que no equilbrio, seja porque podem ficar ainda melhor. Em am bos os casos, o desvio do equilbrio pode gerar uma srie de ajustes mtuos, levando ao equilbrio anterior ou a um outro equilbrio de Nash.

    A ssim , o conceito de equ ilb rio de Nash um a cond io necessria (mas no suficiente) para a estabilidade dos resultados. Um observador no deve esperar que uma situao seja estvel se ela estiver fora de equilbrio pelo fato de um dos jogadores ter um incentivo para m odificar as suas aes. N esse sentido, o conceito de equilbrio tautolgico no contexto dc escolha racional19. Os equilbrios so, por definio, as nicas com binaes de estratgias m utuam ente timas.

    (2) As probabilidades subjetivas aproxim ar-se-iam das freqncias obje tiv a s 2". E ssa exigncia tam bm depende de uma anlise de equilbrio. Na teoria dos jogos, as crenas ao longo da trajetria do equilbrio so atualizadas de acordo com a regra de Bayes. Em outros term os, cada jogado r u tiliza da melhor m aneira as estimativas prvias de probabilidade e a nova inform ao que ele consegue obter do am biente. Se as probabilidades estim adas no se aproximarem das freqncias objetivas, os atores racionais tero condies de m elhorar os seus resultados a longo prazo, revisando as suas estim ativas de probabilidade. Suponham os, por exemplo, que algum adote a crena de que apostar cara uma aposta justa num cara-ou-coroa (ele tem 50% de probabilidade dc conseguir cara). Suponham os tam bm que a m oeda seja cunhada de tal modo que seja de um tero a probabilidade de dar cara. D epois que ficar

    son 1982b) equilbrio* estveis (Kohlberg e M ertcns 1986). Alguns desses conceitos so discutidos no Captulo3. Contudo, o leitor interessado deve consultar os artigos originais, assim como V anD am m e( 1984) noquc.se relere ao reliicioiianictilo entre essas subespcies dc equilbrios de Nash.

    17. Um exem plo sim ples um jogo do galinha, cm que am bos os jogadores dirigem um carro diretam ente um para o outro porque acreditam que o oponente ir capitular, ou ambos capitulam porque acreditam que o oponente confirmar em frente. O Cup/tulo 3 expiica alguma* das propriedades do jo g o do galinha (chuken gume).

    18. lilc no seria recompensado por esse desvio. Nesse caso, a posio original no teria sido um equilbrio; haveria apenas um a indiferena por parte do jogador entre a estratgia de equilbrio e alguma outra estratgia. Em jogos com equilbrios baseados em estratgias mistas, a regra a indifeiena entre as estratgias.

    19. E ssaa posio predominante entre os estudiosos da teoria dos jogos. Para unia prova de que somente os equilbrios de Nash podem ser solues racionais para jogos simultneos, ver Uacharach (1987). Para vises divergentes concernentes a jogos seqenciais, ver Heriiheim (1984), Peaive (1984) e particularmente lonamio (1988). A razo para a discordncia que, nos jogos seqenciais, o clculo dos equilbrios envolve evidncias ccmtrufnctuuis que, pordetini- o, no tm condies de verdade. Paru uma posio intermediria relativa ao conceito de equilbrio perfeito, ver Binmore (1987).

    20. Essa assero sim ilar quilo que, nos escritos econmicos, conhecido com o expectativas racionais (ver Mutli 1961; Lucas 1982).

  • JOG O S OCULTOS 4.1

    evidente que as perdas so mais freqentes do que os ganhos, o jogador ir rever a sua estim ativa de probabilidade c alterar suas apostas.

    (3) As crenas aproxim ar-se-iam da realidade. O argum ento que apia essa exigncia tambm um argum ento de equilbrio. Todas as crenas dos jo gadores racionais num a conduta de equilbrio so atualizadas de acordo com a regra de Bayes. Assim, o ator pode escolher em qualquer ponto a sua estratgia tim a em conform idade com suas crenas. A otim idade mtua das estratgias dos jogadores (dadas as suas crenas) fornece a cada um deles inform ao sobre as crenas de seu oponente. Se no processo do jogo um participante no atualiza a sua inform ao, ele pode ficar vulnervel e o seu oponente en to pode explorar esse fato: o oponente pode se dar conta de que a sua situao pode ser melhorada dadas as crenas equivocadas do prim eiro ator. Em tal situao, ou um dos jogadores modificaria as suas crenas, ou o outro mudaria a sua estratgia. De modo que uma tal situao no um equilbrio21.

    Em conseqncia, de acordo com as exigncias fortes de racionalidade, as crenas e o com portam ento no apenas tm de ser com patveis com o tm tambm de corresponder ao mundo real (em equilbrio). A penalidade para desvios da racionalidade forte ser um nvel reduzido de bem -estar22.

    Todos os argum entos concernentes seja racionalidade fraca seja a forte so normativos. Sustentam que o com portam ento deve refletir as prescries da utilidade esperada ou da teoria dos jogos; em caso contrrio, o ator pagar um preo. Pode-se concordar com o valor normativo desses argum entos e ainda assim no acreditar que a escolha racional possui qualquer valor descritivo. O argum ento tom aria a seguinte forma: verdade que, num m undo idealm ente racional, as pessoas deveriam com portar-se, e o fariam , de acordo com as prescries da escolha racional, mas o mundo real bem diferente de tal mundo de escolha racional. No mundo real as pessoas esto dispostas a pagar o preo de seus erros ou de suas crenas; mesmo que as pessoas reais quisessem obedecer a tais prescries, elas seriam sim plesm ente incapazes de efetuar todos os clculos e cm putos requeridos; calcular os equilbrios de Nash mesmo para jogos simples no fcil, e o nvel de com plexidade aum enta de m aneira astronm ica quando nos aproximam os de situaes realistas23.

    Existe alguma razo para acreditar que o enfoque da escolha racional seja, na term inologia de Kcynes, no apenas normativo, mas tambm positivo?24 Em

    2 1. Hxiste outra situao, caracterizada pelas crenas que no causam impacto sobre o com portam ento; desse modo, no li razo para m odilic-las. Considero lais crenas incuas e no as abordo. A crena em Deus (sem .suplementos de imperativo moral) chega to perto quanto possvel de tais crenas.

    22. I.embro ao leitor c|ue todas as provas podem ser repetidas substituindo-se dinheiro por tiles. Nesse caso. poder- se-ia falar de uma reduo da utilidade em vez de reduo do bem-estar.

    23. A questo da com plexidade dos clculos estratgicos apenas recentemente tornou-se objeto de investigaes srias. Ver Kalai e Stanford (1988), Rubinstein (1986) e Abreu (1986).

    24. Kcynes (1891, 34-35) distingue entre "Unia cincia positiva | ...| um corpo de conhecimento .sistemtico concernente ao que ; lima cincia normativa ou regulativa |... | um corpo de conhecim ento sistem atizado que discute os critrios do que deve ser.

  • 44 G EORG E TSEI1EUS

    outros term os, devemos acreditar que as pessoas reais no apenas devem com- portar-se, mas tambm se com portam de acordo com as exigncias da escolha racional? Exam ino essas questes na prxima seo.

    III. REALISTA O ENFOQUE DA ESCOLHA RACIONAL?

    U ma resposta freqente questo acima : No importa; as pessoas agem com o se fossem racionais . A explicao total desse ponto dc vista particular apresentada no fecundo artigo dc Friedm an, The M cthodology o f Positive Econom ics . Friediman (1953, 14) afirma: Descobrir-se- que hipteses realmente im portantes e significativas possuem pressupostos que so representaes descritivas trem endam ente im precisas da realidade e, de modo geral, quanto mais significativa for a teoria, mais irrealistas sero os pressupostos (nesse sentido). [...] Para ser im portante [...] uma hiptese deve ser descritivamente falsa em seus pressupostos (grifo meu).

    Friedman apresenta trs exemplos diferentes para apoiar a F-twist (tendncia F), com o o econom ista Paul Samuelson (1963) chama a tese do como se . O prim eiro exemplo sobre os hbeis jogadores de bilhar, que executam suas tacadas com o se soubessem as com plicadas frmulas m atem ticas que descrevem a trajetria tim a das bolas. O segundo trata de firm as que agem com o se fossem maximizadoras da utilidade esperada. O terceiro concerne s folhas de uma rvore; Friedm an (1953, 19) sugere a hiptese de que as tolhas se posicionam como se cada uma procurasse deliberadamente maximizar a quantidade de luz solar que rcccbc .

    Um argum ento anlogo pode ser formulado em pregando o conceito de Hernpel (1964) de explicao potencial - uma explicao que correta se todas as prem issas forem verdadeiras. Nozick (1974) desenvolveu esse conceito em sua discusso da explicao potencial fundam ental . Ele afirma que uma explicao potencial fundamental 6 im portante mesm o que no seja verdadeira, porque revela im portantes mecanismos que influenciam o fenmeno que est sendo examinado. De acordo com esses argumentos, urna explicao pode ser im portante mesm o que as suas prem issas no sejam verdadeiras. Desse modo, torna-se irrelevante a questo da verdade do pressuposto de uma teoria.

    O argum ento com o sc sustenta que o pressuposto de racionalidade, independentemente de sua preciso, um meio de moldar o com portam ento humano. U m a tal posio epistcmolgica da racionalidade-como-modelo no apenas parcial e insatisfatria, como tambm responsvel em alto grau pela seguinte situao: de um lado, vrias explicaes de escolha racional utilizam o argumento como sc para justificar pressupostos exageradam ente irrealistas; de outro, os cientistas em pricos no confiam nas explicaes de escolha racional pelo fato de serem irrelevantes para o mundo real.

  • JOG O S OCULTOS 45

    O argum ento da racionalidade-com o-m odelo no c satisfatrio pela seguinte razo: os pressupostos de uma teoria so, num sentido trivial, tambm concluses da teoria. Segue-se que um cientista que quer propor os pressupostos trem endam ente imprecisos que Friedman deseja que ele faa adm ite que o com portam ento trem endam ente im preciso pode ser gerado com o uma concluso de sua teoria. Assim , qualquer cientista interessado no realismo das concluses e explicaes da teoria deveria preocupar-se igualm ente com o realismo das proposies. No que diz respeito abordagem da escolha racional, incoerente u tilizar falsas proposies com o base para as explicaes depois de ter aguinentado, com o fiz, que de falsos pressupostos pode-se derivar qualquer co