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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Av. Nilo Peçanha, 31, Centro, Rio de Janeiro, RJ MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Av. Nilo Peçanha, 26, 4º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ EXMº. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio dos Procuradores da República e Promotores de Justiça signatários, no uso de suas atribuições legais, vêm, com fulcro nos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal; 1º, IV, 3º, 4º e 5º da Lei nº 7.347/85; 6º, VII, da Lei Complementar nº 75/93; 26 da Lei nº 8.625/93; e art. 17 da Lei nº 8.429/92, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 1

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAv. Nilo Peçanha, 31, Centro, Rio de Janeiro, RJ

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIROAv. Nilo Peçanha, 26, 4º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ

EXMº. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por intermédio dos Procuradores da República e Promotores de Justiça signatários, no uso de suas atribuições legais, vêm, com fulcro nos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal; 1º, IV, 3º, 4º e 5º da Lei nº 7.347/85; 6º, VII, da Lei Complementar nº 75/93; 26 da Lei nº 8.625/93; e art. 17 da Lei nº 8.429/92, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICAPOR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

em face de CESAR EPITÁCIO MAIA e de RONALDO CEZAR COELHO, respectivamente Prefeito e Secretário Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.

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- I -DOS FUNDAMENTOS FÁTICOS E JURÍDICOS

I.1 – BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

As últimas duas décadas foram marcadas por intensas transformações no sistema de saúde brasileiro, dentre elas, a descentralização da gestão plena, o que fez com que os municípios brasileiros assumissem cada vez mais a operação de ações e serviços assistenciais.

De outro lado, foram adotadas como diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) a universalização e a equidade no acesso aos serviços, a integralidade dos cuidados com regionalização e hierarquização, a descentralização com direção única em cada esfera de governo, a participação da comunidade com atendimento integral, priorizando-se as atividades preventivas sem prejuízo dos serviços assistenciais.

Há um consenso nacional de que uma política substancial de descentralização tendo como foco o município é o caminho para o atendimento das necessidades imediatas do cidadão, caminhando neste sentido o texto constitucional.

De acordo com as Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90, e com as Normas Operacionais Básicas e de Assistência à Saúde nºs NOB-SUS 01/96, NOAS-SUS 01/01 e NOAS-SUS 02, para alcançar a Gestão Plena do Sistema de Saúde o município tem que assumir a responsabilidade de:

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- elaborar o Plano Municipal de Saúde;

- integrar e articular o município com a rede estadual (Programação pactuada e Integrada - PPI);

- gerenciar unidades próprias, ambulatoriais e hospitalares;

- gerenciar unidades assistenciais transferidas pelo Estado e pela União;

- gerenciar todo o Sistema Municipal, incluindo os prestadores de serviços de saúde vinculados ao SUS;

- desenvolver o Cadastramento Nacional dos Usuários do SUS;

- garantir o atendimento em seu território para sua população e para a população referenciada (PPI);

- integrar os serviços existentes no município aos mecanismos de regulação ambulatoriais e hospitalares;

- desenvolver atividades de realização do cadastro, contratação, controle, avaliação, auditoria e pagamento de todos os prestadores dos serviços;

- operar o SIH e SAI/SUS;

- manter atualizado o cadastro de unidades assistenciais em seu território;

- avaliar o impacto das ações do sistema sob as condições de saúde dos munícipes;

- executar as ações básicas, de média e de alta complexidade em vigilância sanitária;

- executar ações de epidemiologia, de controle de doenças e de ocorrências mórbidas decorrentes de causas externas;

- firmar o pacto de atenção básica com o estado.

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O Município do Rio de Janeiro alcançou a gestão plena em 1999 e, por meio dela, as atribuições acima listadas, reunindo condições e prerrogativas de contratar, controlar e analisar o desempenho das unidades de saúde sob sua gestão e prestar um bom serviço à população. Entretanto, conforme se demonstrará no curso desta inicial, o Município do Rio de Janeiro, através de seus gestores, ora demandados, não vem cumprindo as normas reguladoras da gestão da saúde, incorrendo em verdadeira omissão institucional, sendo por ela passíveis de responsabilização.

Merece ser destacado que a Cidade do Rio de Janeiro atravessa, nos últimos três anos, a pior fase de sua história no que toca à prestação do serviço de saúde. A ‘crise na saúde’ já se tornou tema recorrente da mídia escrita, falada e televisiva, diariamente. E os resultados da total irresponsabilidade com que esta importantíssima política pública vem sendo desenvolvida são a inexistência de investimentos em atenção básica para a população mais necessitada, a desativação de serviços importantes, a falta de medicamentos, de materias e insumos, de recursos humanos e de alimentação para profissionais e pacientes, bem assim a falta de manutenção de equipamentos e prédios, dentre outras mazelas.

Para tentar superar este caos, que a todos afeta, principalmente os cidadãos mais necessitados, urge que se tomem providências enérgicas, pois a vida não pode esperar e a saúde não pode ser instrumento de política partidária, nem tampouco de marketing político, muito menos uma questão de mercado. Enfim, a população e a Constituição da República merecem respeito.

I.2 – DA ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE(ANEXO III)

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A Atenção Básica pode ser compreendida como um conjunto de ações, de caráter individual e coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação, tais como: consultas médicas em especialidades básicas, atendimento odontológico básico, visita/atendimento ambulatorial e domiciliar por membros da equipe de Saúde da Família, vacinação, atividades educativas, assistência pré-natal, atividades de planejamento familiar, pequenas cirurgias, atendimentos básico por profissional de nível médio, atividade dos agentes comunitários de saúde, orientação nutricional e alimentar, ambulatorial e comunitária, assistência ao parto domiciliar por médico do Programa de Saúde da Família, pronto atendimento etc. (Programa Atenção Básica – PAB – Parte Fixa, Ministério da Saúde, Brasília, DF, 2001).

O Município do Rio de Janeiro assinou com o Ministério da Saúde o Pacto dos Indicadores da Atenção Básica, que é um instrumento formal de negociação de metas realizado de forma tripartite (município, estado e união); o Pacto pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, que consiste na elaboração de um plano para redução da mortalidade materna e neonatal pelos municípios e estados, e a Carta de Compromisso para a execução do PROESF (Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família).

Entretanto, o que se verifica é o reiterado descumprimento por parte do Município do Rio de Janeiro dos referidos compromissos, acarretando graves prejuízos para a saúde da população. Senão vejamos.

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O Projeto de Expansão e Consolidação do Saúde da Família – PROESF é uma iniciativa do Ministério da Saúde, apoiada pelo Banco Mundial – BIRD, voltada para a organização e o fortalecimento da Atenção Básica à Saúde no País, visando a implementação e a consolidação da Estratégia de Saúde da Família em municípios com população acima de 100 mil habitantes. O Rio de Janeiro, segundo os dados do Sistema de Atenção Básica (SIAB), tem registradas 57 Equipes de Saúde da Família e 4 Equipes de Saúde Bucal, descumprindo a meta mínima de 516 Equipes de Saúde da Família. O mesmo ocorre em relação à implementação das Equipes de Saúde Bucal, que tinha como meta à implantação de 258 equipes.

Merece registro que sendo o Município do Rio de Janeiro o segundo maior do País, o descumprimento da meta acordada acarretará dificuldade para o alcance da meta nacional firmada junto ao Banco Mundial, podendo comprometer nacionalmente o projeto.

Ademais, a não-implementação das Equipes de Saúde da Família traz vários prejuízos para o Município do Rio de Janeiro, que deixa de receber as verbas referentes ao programa. Além do que, deixa também o Município de perceber Kits de medicamentos distribuídos pelo Ministério da Saúde conforme o número de equipes existentes.

O Ministério da Saúde, em ofício encaminhado ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, informou que o Município do Rio de Janeiro aderiu ao PROESF em 31 de julho de 2003, tendo o convênio firmado o valor total de R$ 23.324.855,00, que deveriam ser recebidos conforme as fases de implantação, que não ocorreram, como demonstram os quadros abaixo:

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FASE I - Apoio à Conversão do Modelo de Atenção Básica de Saúde - Período de execução-setembro/2002 a dezembro /2005

Valor da Fase I R$ 4.665.000,00Recursos repassados ao município R$ 2.061.025,00Recursos executados R$ 746.394,00Recursos a repassar R$ 2.603.975,00Meta de cobertura da Fase I 15%Cobertura atual 3,41% = 59 ESF

FASE II- Desenvolvimento de recursos Humanos- Período de execução-julho/2005 a junho/2007

Valor da fase II R$ 11.195.913,00Meta de cobertura da Fase II 25%

FASE III- Monitoramento e Avaliação- Período de execução- julho/2007 a junho/2009

Valor da fase III R$ 7.463.942,00Meta de cobertura da Fase III 30%

Mas não é só. O Município do Rio de Janeiro deixou de se habilitar, quando era

possível fazê-lo, na Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada, renunciando a recursos públicos para o

investimento e custeio na Atenção Básica. Ainda segundo o Ministério da Saúde o Município, com isso,

deixou de receber, de 2002 até 2004, o valor de R$ 20.532.692,32. É o que pode ser constatado nos

demonstrativos abaixo, fornecidos ao Ministério Público pelo Ministério da Saúde:

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Mês Pop.IBGE

Valor do PAB per capta recebido

Valor total do PAB recebido

Valor nacional do PAB ou do PAB Ampliado

Valor que receberia se habilitado em PAB Ampliado

Diferença não-recebida

Jan/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Fev/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 mar/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Abr/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 mai/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Jun/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Jul/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Ago/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Set/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Out/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Nov/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Dez/02 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 TOTAL 58.974.852,00 — 61.923.592,50 2.948.740,50Jan/03 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Fev/03 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 mar/03 5.897.485 10,00 4.914.571,00 10,50 5.160.299,38 245.728,38 Abr/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 mai/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Jun/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Jul/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Ago/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Set/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Out/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Nov/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Dez/03 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 TOTAL 59.273.112,00 — 68.916.175,13 9.643.063,13 Jan/04 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Fev/04 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 mar/04 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 Abr/04 5.937.253 10,00 4.947.711,00 12,00 5.937.253,00 989.542,00 mai/04 5.974.081 10,00 4.978.400,83 12,00 5.974.081,00 995.680,17 Jun/04 5.974.081 10,00 4.978.400,83 12,00 5.974.081,00 995.680,17

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Jul/04 5.974.081 10,00 4.978.400,83 12,00 5.974.081,00 995.680,17 Ago/04 5.974.081 10,00 4.978.400,83 12,00 5.974.081,00 995.680,17 Set/04 5.974.081 13,00 6.471.921,08 13,00 6.471.921,08 0,00 Out/04 5.974.081 13,00 6.471.921,08 13,00 6.471.921,08 0,00 Nov/04 5.974.081 13,00 6.471.921,08 13,00 6.471.921,08 0,00 Dez/04 5.974.081 13,00 6.471.921,08 13,00 6.471.921,08 0,00 TOTAL 65.592.131,64 ---- 73.533.020,33 7.940.888,69Total não recebido de 2002 a 2004 20.532.692,32

A omissão e a ineficiência dos gestores da rede de saúde do Ministério do Rio de Janeiro vêm sendo denunciadas reiteradas vezes por profissionais da saúde e pacientes. É o que se depreende das declarações abaixo:

“(...) Desde a municipalização (do PAM Helio Pelegrino) não houve mais investimentos nos serviços e na estrutura; ao contrário, a cada dia os problemas aumentam, algumas clínicas foram desativadas como, por exemplo, a de alergia, que era um tradicional serviço daquele Posto, referência no Estado do Rio de Janeiro; (...) indagado sobre a existência de médicos e profissionais em número suficiente, respondeu que além da falta de médicos, há enorme crise na enfermagem, havendo clínicas sem a disponibilidade deste profissional; além disso, também há dificuldade com pessoal administrativo (...)” (Declaração prestada pelo Dr. Anthony Kudsi Rodrigues às fls. 149/150 do Inquérito Civil no. 315)

“(...) Que pode afirmar que de 2000 para cá a Secretaria de Saúde não tem planejamento adequado como nos anos anteriores de aquisição sistemática das bolsas coletoras e distribuição regular e na quantidade exigida para a vida mensal do usuário; que a

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descontinuidade do Programa é sistemática, e o problema é de gestão; que quando ocorre falta de material o Instituto passa a diminuir a quantidade de bolsas por paciente, até que chegue o estoque necessário, mas isso afeta a vida, o direito de ir e vir das pessoas, a dignidade do paciente etc; pior ainda ocorre quando o produto não é entregue de forma nenhuma; que dentre os pacientes cadastrados há muitas crianças que dependem das bolsas e às vezes têm que faltar às aulas por essa causa; que a bolsa de ostomia é o oxigênio do paciente, uma vez que o mesmo nato tem controle da excreção de fezes e urina; (...)” (Declaração de Cândida Carvalheira, Presidente da Associação Brasileira dos Ostomizados, às fls. 187/198 do Inquérito Civil nº 315).

O Dr. Anthony Kudsi Rodrigues oficiou o Ministério Público informando todas as necessidades do PAM Hélio Pelegrino (fls. 220/225 do Inquérito Civil no. 315), o que também foi feito pelos diretores do PAM Antônio Ribeiro Neto e do PAM Newton Bethlem às fls. 414/442 e 510/514 do mesmo inquérito.

Conforme se verifica do Relatório do Tribunal de Contas às fl. 53, uma das causas da superlotação dos hospitais é a dificuldade dos pacientes que não se enquadram no conceito de urgência e emergência recorrerem a estas unidades em razão do ineficiente atendimento prestado pela rede primária (ANEXO XI).

Acrescente-se que existem em trâmite no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro os seguintes procedimentos com a finalidade de apurar deficiências no funcionamento de unidades de atenção básica:

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1) Centro Municipal Clementino Fraga (Inquérito Civil 63/01);2) CMS Jorge Saldanha de Mello (Inquérito Civil 63/01);3) CMS Lincoln de Freitas (Inquérito Civil 63/01);4) CMS Américo Veloso (Inquérito Civil 63/01);5) CMS Píndaro de Carvalho (Inquérito Civil 63/01);6) CMS Ernani Agrícola (Inquérito Civil 63/01);7) CMS. Marcolino Candan (Inquérito Civil 63/01);8) CMS Maria Augusta Estrella (Inquérito Civil 63/01);9) CMS Milton Fontes Magarao (Inquérito Civil 63/01);10) CMS Jorge Saldanha Bandeira de Mello (Inquérito Civil 63/01);11) CMS Lincoln de Freitas Filho (Inquérito Civil 63/01);12) CMS Belizário Penha (Inquérito Civil 63/01);13) Instituto de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro (Inquérito Civil 63/01);14) PAM Oswaldo Cruz (Inquérito Civil 63/01);15) PAM Hélio Pelegrino (Procedimento Preparatório 2816));16) PAM César Pernetta (Inquérito Civil 63/01); 17) PAM Newton Betlem (Inquérito Civil 63/01);18) PAM Carlos Alberto Nascimento (Inquérito Civil 63/01);19) PAM Manoel Gilherme da Silveira (Inquérito Civil 63/01);20) PAM Aloysio Amâncio da Silva (Inquérito Civil 63/01);21) Posto de Saúde Dr. Fernando Antônio Braga Lopes (Inquérito Civil 63/01);22) Posto de Saúde Dr. Carlos Gentille de Mello (Inquérito Civil 63/01);

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23) Posto de Saúde Eduardo Araújo Vilhena Leite (Inquérito Civil 63/01);24) Posto de Saúde Dr. Renato Rocco (Inquérito Civil 63/01);25) Posto de Saúde Harney Ribeiro de S. Filho (Inquérito Civil 63/01);26) Posto de Saúde Dr. Décio Amaral Filho (Inquérito Civil 63/01);27) Posto de Saúde Cesário de Mello (Inquérito Civil 63/01);28) Posto de Saúde Ernani de Paiva F. Braga (Inquérito Civil 63/01);29) Posto de Saúde Emydio Cabral (Inquérito Civil 63/01);30) Posto de Saúde Dr. Cattapreta (Inquérito Civil 63/01);31) PAM Francisco da Silva (Procedimento Preparatório 1041);32) PAM de Ramos (Procedimento Preparatório 2693)33) Posto de Saúde Mourão Filho (Procedimento Preparatório 1637).

Merecem ser destacados os dados comparativos entre as ações e serviços primários de saúde executados pelos Municípios do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, conforme quadro abaixo:

ACS Saúde da Família Saúde Bucal

Município Nº % Nº % Nº %Rio de Janeiro 1.038 10,0 57 3,3 4 0,5

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Belo Horizonte 2.194 54,7 447 66,9 174 52,1

São Paulo 4.603 24,8 646 20,9 13 0,8

Porto Alegre 335 13,8 74 18,3 7 3,5

É importante acrescentar que uma das conclusões do relatório da Inspeção Especial nos hospitais da rede municipal de saúde do Município do Rio de Janeiro, realizado pelo Tribunal de Contas do Município foi no sentido de que “... com a superlotação no Serviço de Emergência há um estrangulamento, agravada pela ineficiência da rede básica que sobrecarrega a demanda de atendimento da emergência com casos que poderiam ter resolução em serviços de menor complexidade” (fl.102).

Na mesma inspeção, no que se refere à avaliação dos recursos humanos do Hospital Miguel Couto, foi constatado que o aumento das listas de espera em consultas nas diversas especialidades médicas do hospital deve-se ao fato de que estas consultas deveriam acontecer nas unidades básicas de saúde: “A responsável pelo setor destacou que se as gestantes fizessem pré-natal nas unidades básicas de saúde, o número de leitos do HMC seria suficiente” (fl. 28).

Como soa intuitivo, a falta de ações e serviços eficazes na área de atenção básica, além de colocar a população em situação de permanente risco, contribui, fundamente, para a superlotação dos hospitais públicos e de suas emergências, causando graves disfunções no sistema de saúde como um todo, com reflexos no aumento da demanda por procedimentos de média e alta complexidades.

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I.3 – DO DESABASTECIMENTO E DESAPARELHAMENTO DA REDE DE SAÚDE (ANEXO V e VI)

Após o recebimento de inúmeras representações onde se demonstra a precariedade na prestação do serviço público de saúde no Município do Rio de Janeiro, todas em razão da falta de medicamentos, insumos e equipamentos em condições satisfatórias de uso, o Ministério Público realizou diligências que resultaram na obtenção de diversos documentos que atestam a inexistência de recursos materiais, impedindo o atendimento do cidadão.

A partir do ano de 2000, a Secretaria Municipal de Saúde concentrou todos os contratos em seu núcleo central. Muitos diretores de unidades não tinham acesso aos termos dos contratos celebrados, situação que impediu o controle quanto ao cumprimento das obrigações por parte das empresas prestadoras, acarretando, muitas vezes, prejuízo para o erário público.

O desabastecimento e desaparelhamento de várias unidades de saúde, principalmente dos hospitais, decorreu de evidente negligência do gestor de saúde deste Município, detentor do poder de celebrar contratos de manutenção dos equipamentos e aquisição de medicamentos e insumos, imprescindíveis à prestação do serviço de saúde.

Segundo informações fornecidas pelo Coordenador de Infra-estrutura da Secretaria Municipal de Saúde, ao assumir o cargo em junho de 2004, foi constatado que “aproximadamente 95% dos contratos de manutenção já estavam encerrados e o percentual restante estava próximo de encerramento; que os contratos que se encerraram durante a administração do depoente foram comunicados ao Núcleo Central e não foram feitos novos contratos por informação da

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divisão orçamentária de falta de orçamento; que atualmente a Secretaria possui poucos contratos de manutenção;”

O quadro não se mostra melhor com relação aos medicamentos. O referido Coordenador de Infra-estrutura da Secretaria Municipal de Saúde admitiu que o contrato para aquisição de medicamentos, sob a forma de Registro e Preço, terminou em setembro de 2004, fato também de inteiro conhecimento do Secretário Municipal de Saúde. Com isso, as compras, quando feitas, se dão com dispensa de licitação, alegando-se situação emergencial.

Ocorre que o gestor municipal de saúde tinha o dever de evitar a solução de continuidade no fornecimento de medicamento, realizando prévia licitação, não podendo se valer da própria torpeza, ou seja, permitir o término do prazo, sem deflagração tempestiva de novo procedimento de licitação, quando isso era possível, forjando, enfim, uma situação de emergência que poderia ser evitada.

É de se estranhar que a Secretaria Municipal de Saúde não possa fornecer os medicamentos e insumos constantes das grades por ela própria criadas, através de Câmaras Técnicas (segundo explicações fornecidas pela ex-diretora do Hospital Municipal da Lagoa, constantes de depoimento prestado ao Ministério Público, em anexo), com base na produção registrada.

Viola frontalmente os princípios da legalidade e da eficiência a permissão de compra de medicamentos diretamente pela direção de cada hospital, posto que se faz sem licitação, sempre sob a forjada alegação de emergência, embora, como já afirmado, sejam medicamentos de uso rotineiro, estabelecidos pelo núcleo central da Secretaria Municipal de Saúde. Ademais, o procedimento licitatório permitiria a aquisição dos remédios de forma mais vantajosa para o

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erário público posto que, muitas vezes, também utilizados em outras unidades de saúde, possibilitando uma compra de grande quantidade, por preço mais atraente do que o valor pago pela direção do hospital na aquisição direta. Neste particular, o relatório do Tribunal de Contas do Município constatou que o valor dos medicamentos adquiridos pela direção de cada unidade, através do Fundo Rotativo, é superior ao Registro de Preço de Cadastro, acarretando vultoso prejuízo para o erário público municipal. (ANEXO XI)

A Comissão de Ética Médica do Hospital Municipal Miguel Couto declarou que o setor de farmácia, responsável pelo abastecimento de medicamentos, representa a situação mais crítica da unidade. A falta de medicamentos perdurou durante todo o ano de 2004, já que em inspeção realizada no dia 17 de janeiro de 2005, pelo CREMERJ, foi constatada a falta de medicamentos básicos, como Dipirona, antiinflamatórios e cardiotônicos, tendo sido confirmada pela CREMERJ a informação da Comissão de Ética Médica da Unidade.

Os técnicos do Egrégio Tribunal de Contas

constataram em inspeção realizada recentemente que há dificuldades no fornecimento de medicamentos, por parte do S/CIN/CAL (departamento do núcleo central da Secretaria Municipal de Saúde responsável pela guarda e distribuição dos medicamentos), em todos os hospitais visitados. Esta situação decorre de ineficiência dos gestores da Saúde, já que a Secretaria dispõe de dados suficientes, encaminhados pela direção de cada unidade, para aquisição dos medicamentos principais, de uso rotineiro das unidades de saúde. Portanto, a freqüente falta de remédios é de responsabilidade do Secretário Municipal de Saúde.

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Além da falta de medicamentos, as condições de armazenamento dos mesmos eram péssimas em algumas unidades, como por exemplo o Hospital Municipal do Andaraí (fl. 25/26 dos autos do Relatório do Egrégio Tribunal de Contas do Município) onde houve interdição da Vigilância Sanitária. Segundo o Tribunal de Contas do Município, a falta de estrutura deixa de garantir a qualidade de remédios de alto custo.

Em algumas unidades, a carência de medicamentos, insumos e equipamentos em condições de uso impôs o fechamento do setor de emergência, a concessão de alta para alguns pacientes, sem a realização do tratamento necessário, a proibição de novas internações e a paralisação de determinados serviços fundamentais para o restabelecimento dos doentes. Estas situações podem ser comprovadas com os seguintes documentos:

- memorando da diretora técnica do Hospital Municipal da Lagoa e memorandos da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Municipal da Lagoa, corroborando a decisão da direção de bloqueio de novas internações;

- aviso de suspensão de atendimento ambulatorial para os pacientes de primeira vez, no Hospital Municipal Cardoso Fontes, conforme se vê da fotografia acostada ao relatório do CREMERJ, elaborado após inspeção realizada no dia 27 de janeiro de 2005;

- médicos das clínicas médica, pediatria, CTI e Unidade Coronariana do Hospital Municipal da Piedade decidiram fechar as portas para novas internações em razão da falta de condições de atendimento.

A total negligência do gestor de saúde do Município pode também ser constatada através das afirmações lançadas pela ex-

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diretora Médica do Hospital Municipal da Lagoa, Drª Maria Thereza Abs da Cruz (antes de deixar o cargo em julho de 2004), dirigido ao Exmº Secretário Municipal de Saúde, contendo grave relato acerca das condições de funcionamento do hospital. Merece destaque o alerta formulado pela corajosa médica ao afirmar que “não há medicamentos para suprir toda a clientela internada, muito menos a clientela ambulatorial”.

Em outra passagem, igualmente chocante, a então diretora médica do nosocômio citado faz ver ao gestor de saúde as danosas conseqüências da inoperância nos hospitais, afirmando que “equipamentos sofisticados, caros, fundamentais para monitorar, diagnosticar e tratar o doente estejam sem manutenção, sendo deteriorados por conta de uma economia que acaba ficando muito mais cara porque atrasa e impede o tratamento efetivo, aumenta a demanda que já é extremamente reprimida, onera ainda mais os cofres públicos, e, permite o avanço de uma doença com todas as implicações que isto acarreta”.

A falta de contratos de manutenção dos equipamentos necessários à prestação do serviço de saúde, que acabou por acarretar a paralisação dos mesmos, era de total conhecimento do gestor de saúde, conforme se vê dos documentos encaminhados pelos administradores das diversas unidades de saúde (ofício encaminhado pela direção do Hospital Souza Aguiar em 28 de setembro de 2004, ofícios encaminhados pela direção do Hospital do Andaraí, citados às fls. 14 e 23 do relatório do Tribunal de Contas do Município - ANEXO XI), cabendo-lhe, como ordenador de despesas, adotar medidas administrativas que gerassem o imediato reparo.

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Documento subscrito pelo diretor clínico do hospital Cardoso Fontes contém relato de que os médicos decidiram fechar o atendimento em todos os níveis, por total falta de condições de trabalho. Em seguida, foram apontadas as principais irregularidades. Este documento foi encaminhado ao Exmº Prefeito Municipal do Rio de Janeiro.

Apesar dos fatos gravíssimos, nada foi feito.

Ao contrário, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, em 10.10.04, o Exmº Sr. Prefeito Municipal declarou que não colocaria mais um tostão nas unidades, mesmo que tal fato importasse na morte de pessoas (ANEXO XII).

Conquanto possua o Administrador Público discricionariedade para escolher a forma que lhe pareça mais adequada para a prestação do serviço público, constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos, não se pode olvidar que esta escolha deve sempre observar os princípios que norteiam o atuar público.

Com isso, a omissão do gestor de saúde em não providenciar o conserto de vários aparelhos caríssimos, essenciais para o atendimento de doentes, acarretando a piora no estado dos mesmos, inclusive com a evolução para o óbito, além de configurar omissão no cumprimento de dever imposto pela Carta Magna, representa inobservância do princípio da eficiência, vale dizer, gasto de verba pública sem obtenção do fim colimado. O ofício subscrito pelo Chefe do Serviço de Cirurgia Endovascular do Hospital Municipal da Lagoa contém informações estarrecedoras que comprovam as graves conseqüências da inércia do gestor municipal de saúde.

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Cabe aqui, por oportuno, mencionar o périplo pelo qual passou o paciente Francisco de Assis Brito, com 78 anos de idade, nos Hospitais Municipais Miguel Couto e Lagoa, comprovando a total precariedade das referidas unidades, importando em frontal violação ao princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Igualmente, no Hospital Municipal do Andaraí pode-se citar o desespero de um pai no sentido de obter a realização de cirurgia para sua filha, portadora de tumor maligno no hospital: A demora no atendimento impediu a adoção de medida terapêutica capaz de obter resultados positivos.

O ofício encaminhado pelo então diretor do Hospital Municipal Miguel Couto (em anexo) demonstra que, em 31 de dezembro de 2003, a Secretaria Municipal de Saúde celebrou contrato emergencial para a manutenção de equipamento, cujo prazo terminou no dia 03 de março de 2004, tendo o gestor municipal total ciência da situação, embora não tenha adotado nenhuma medida para solucionar o problema.

Merecem ser destacados os quadros caóticos a seguir narrados, comprovando a omissão do gestor de saúde:

01- HOSPITAL MUNICIPAL DA LAGOA

- Paralisação dos seguintes aparelhos no Hospital Municipal da Lagoa: Hemodinâmica, Ecocardiograma, Respiradores, Monitores, Raio X móvel, Angiógrafo, Cineangiógrafo, carro de anestesia, Eco Doppler; por falta de manutenção, conforme informação fornecida pelo Chefe do Serviço de Cirurgia Endovascular do Hospital Municipal da Lagoa, Drº Jackson Silveira Caiafa e relatório do CREMERJ.

Omisso na apresentação de solução para os graves problemas reiteradamente noticiados existentes na prestação do

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serviço público de saúde, o Exmº Prefeito Municipal do Rio de Janeiro editou o Decreto nº 24999 (em anexo) – posteriormente suspenso em razão de decisão liminar proferida em Ação Civil Pública proposta pela União junto à Justiça Federal – determinando a proibição de alocação de verbas para investimento em equipamentos e obras nas unidades de saúde que foram “municipalizadas”, como o hospital em questão.

Em decorrência de edição do citado ato normativo e da situação caótica dos hospitais, demonstrada na mídia, o Exmº Deputado Estadual Paulo Pinheiro, também médico, realizou uma inspeção no Hospital Municipal da Lagoa onde pode constatar que “todos os equipamentos da unidade estão sem manutenção há 11 meses”, acrescentando que a direção recebe verba para gastos emergenciais, sendo que 65% deste valor são utilizados para aquisição de medicamentos não encaminhados pela Secretaria Municipal de Saúde. Naquela oportunidade, foi ainda informado pela direção do hospital ao Exmº Deputado Estadual que a quantidade de cirurgias diárias havia diminuído em razão das dificuldades existentes fls. 61/62).

Em janeiro de 2004, o CREMERJ realizou duas inspeções no Hospital Municipal da Lagoa, onde foram constatadas as seguintes irregularidades:

1) Na primeira vistoria, realizada em 14 de janeiro de 2005, restou confirmado pela direção do hospital que “há déficit de medicamentos e materiais, necessidades de obras e aparelhos com defeitos”, merecendo destaque as seguintes irregularidades (fl. 73/94):

UTI DE ADULTOS

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a) o aparelho de condicionador de ar encontrava-se com defeito, estando inadequada a climatização do centro cirúrgico;b) em razão de infiltração, somente três leitos estavam ocupados, estando os demais desativados (fato declarado no depoimento do Chefe do Centro Cirúrgico)

2) Na inspeção realizada no dia 19 de janeiro de 2005, além da falta de manutenção permanente de todos os equipamentos do hospital, constatou-se a paralisação dos aparelhos de Raio X, Eco Doppler e Hemodinâmica (Angiógrafo Iconos e Cineangiógrafo, citados no documento subscrito pelo Chefe do Serviço de Cirurgia Endovascular) , inexistência de medicamentos e, ainda, as seguintes irregularidades (fls. 121/124):

NO CENTRO CIRÚRGICO

a) defeito no aparelho de condicionador de ar;b) infiltrações no teto e existência de aberturas indevidas;c) ausência de roupa específica para os profissionais e para os pacientes durante a realização dos procedimentos cirúrgicos;d) ausência de porta em algumas salas;

SALA DE RECUPERAÇÃO ANESTÉSICA

a) ausência de respirador; b) defeito no aparelho de condicionador de ar;c) infiltrações e falta de ventilação;d) ambiente sem o necessário isolamento;

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A falta de prestação do serviço de saúde à população do Município do Rio de Janeiro está comprovada no depoimento prestado pelo Chefe do Centro Cirúrgico ao afirmar que não foram realizadas mais cirurgias por falta de recursos humanos e material; que falta manutenção e substituição de equipamentos fundamentais para realização de cirurgias ortopédicas. Em seguida, acrescentou o referido médico que há lista de espera para cirurgias eletivas, podendo citar os exemplos da artroscopia de joelho e artroplastia de quadril e joelho, relativamente às quais os pacientes estão aguardando por um ano, sendo que esta demora implica na perda da qualidade de vida do paciente que sofre muitas dores até que a cirurgia seja realizada. Outrossim, foi declarado que “há dois anos não há mais manutenção dos equipamentos”, sendo que 41 contratos com esta finalidade não foram renovados, já que esta atividade não é permitida à direção do hospital, sendo de atribuição exclusiva da Secretaria Municipal de Saúde.

No mesmo sentido é o depoimento da última Diretora Médica do nosocômio em questão, em anexo, onde foi ratificado que os contratos de manutenção não foram renovados pela Secretaria Municipal de Saúde.

A situação restou agravada com a falta de medicamento dos pacientes oncológicos, impedindo a realização de quimioterapia com evidente risco à saúde dos mesmos. Segundo a Diretora, houve caso de agravamento da saúde do doente em razão da demora no fornecimento, obtido, posteriormente, em razão de doação da ONG RENASCER. Esta afirmação foi ratificada pela direção geral do hospital à Comissão de Fiscalização do CREMERJ, no dia 19 de janeiro de 2005, conforme se vê do relatório em anexo.

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Foi ainda ressaltado pela mencionada Diretora que cirurgias estão sendo adiadas por falta de medicamento para o pós-operatório, ficando a cargo de cada Chefe de Setor estabelecer os casos de prioridade.

Igual falta vem ocorrendo no setor de insumos, aonde o problema também vem acarretando o adiamento de procedimentos cirúrgicos, aumentando a fila de espera dos doentes. Nos depoimentos já mencionados, restou demonstrada a falta de material essencial à efetiva prestação do serviço de saúde, como por exemplo: próteses, lentes de contato para solução da catarata, luvas, gazes, esparadrapo, cateteres, etc.

Por último, o Ministério Público foi comunicado pelo CREMERJ (cópia em anexo) da decisão adotada pela direção médica do hospital de suspender a possibilidade de novas internações e as cirurgias eletivas dos pacientes já internados, que não “apresentarem risco de vida”, concedendo-lhes alta, em razão da falta de insumos e medicamentos imprescindíveis ao atendimento dos mesmos.

A decisão acima relatada foi integralmente apoiada pelos Chefes de Serviço, na qualidade de representantes do corpo clínico do hospital, conforme se vê no documento encaminhado pela Comissão de Ética do Hospital Municipal da Lagoa.

Outrossim, o depoimento prestado pelo Chefe do Setor de Pediatria e a cópia do ofício remetido pela Chefe do Setor de Farmácia demonstram, com clareza, a atual situação do hospital, desprovido das mínimas condições para o atendimento à saúde dos cidadãos deste Município (fls. 113/120).

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- Em 31 de janeiro de 2005, A Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro interditou o centro cirúrgico do Hospital Municipal da Lagoa ao considerar que a situação de risco da referida unidade é elevada. A Vigilância Sanitária do Município, em 2001, já havia constatado inúmeras irregularidades no referido hospital, inclusive a falta de materiais e de manutenção nos equipamentos. Apesar de notificado por órgão do próprio Município, o gestor de saúde quedou-se inerte, situação que contribuiu para a degradação ainda maior do hospital. Outrossim, no relatório acostado aos autos, a Vigilância Sanitária relacionou todas as irregularidades encontradas no local, autorizando concluir, sem esforço, que o Hospital Municipal da Lagoa, referência para várias especialidades, encontra-se em situação de abandono por parte do Município no tocante à infra-estrutura. Podem ser citados como exemplo as salas de cirurgia, onde não há portas ou estão quebradas; a existência de ralos abertos em todas as áreas; que o gesso utilizado para rebaixamento do teto do corredor do centro cirúrgico encontra-se danificado, havendo risco de queda de placas soltas; que a sala de cirurgias é utilizada como depósito de mobiliário.

Impõe-se aqui transcrever a conclusão lançada no referido relatório da Vigilância Sanitária:

“TRATA-SE DE UMA INSTITUIÇÃO QUE NÃO FUNCIONA EM CONDIÇÕES ADEQUADAS DE CONSERVAÇÃO, APRESENTA DETERIORAÇÃO DE SUA ESTRUTURA FÍSICA, NÃO DISPÕE NO MOMENTO DE MANUTENÇÃO DE SUA APARELHAGEM, POSSUI NAS ÁREAS VISITADAS RECURSOS HUMANOS SUFICIENTES, CUMPRE PARCIALMENTE AS NORMAS DE BIOSSEGURANÇA, APRESENTA FALHAS NO PROCESSO DE LIMPEZA E ESTERILIZAÇÃO DOS

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MATERIAIS UTILIZADOS, ALÉM DE NECESSITAR DE ADEQUAÇÕES ESTRUTURAIS E MANUTENÇÃO NA CME. O CENTRO CIRÚRGICO NÃO APRESENTA CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO POR FALTA DE ESTRUTURA FÍSICA E DE MANUTENÇÃO. FICAM SUSPENSAS AS ATIVIDADES NO CENTRO CIRÚRGICO A PARTIR DA PRESENTE DATA.”

- A Comissão de Controle de Infecção Hospitalar atestou que a falta de meios para climatizar o CTI Pediátrico e o odor desagradável que exala de uma falha no teto da sala de prescrição impõem a paralisação de novas internações, esclarecendo que há risco de vazamento de esgoto na unidade.

Em razão de todas as irregularidades acima citadas, o Ministério Público propôs Ação Civil Pública em face do Município, obtendo o deferimento de antecipação de tutela consistente em determinar o encaminhamento das pessoas que estavam internadas e obtiveram alta, mesmo sem a realização do procedimento cirúrgico, em decorrência da falta de estrutura, bem como o abastecimento do hospital com todos os insumos e medicamentos constantes das grades próprias desta unidade.

02- HOSPITAL MUNICIPAL DO ANDARAÍ - A falta de aparelhos de anestesia, de material anestésico e de medicamentos diminuiu ainda mais o já baixo número de cirurgias realizadas no Hospital Municipal do Andaraí, aumentando, injustificadamente, o desespero dos pacientes que aguardam por uma oportunidade de tratamento;

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- Segundo relatório elaborado pelo CREMERJ em inspeção realizada no dia 02 de abril de 2004, com a presença do Juiz de Direito, Drº Carlos Gustavo Vianna Direito, as condições do Centro Cirúrgico do Hospital Municipal do Andaraí são muito precárias, podendo ser destacado que a higiene é insatisfatória. As fotografias anexadas ao relatório demonstram a falta de estrutura da referida unidade de saúde. Em nova inspeção, realizada pelo CREMERJ no dia 26 de janeiro de 2005, a direção do hospital esclareceu que mesmo após o encerramento das obras existentes no centro cirúrgico não seria possível colocar as nove salas em funcionamento em razão da falta de manutenção nos equipamentos. Acrescentou ainda a direção da unidade que há deficiência no CTI e que a falta de contrato de manutenção acaba por acarretar, algumas vezes, o fechamento de leitos; O CREMERJ registrou em seu relatório a falta de manutenção dos equipamentos;

- Encerramento do contrato com a empresa que prestava serviço de refrigeração (conseqüências: desconforto com o calor, desidratação, agravamento do quadro clínico, aumento do custo com o aumento de medicação, surgimento de defeitos nos equipamentos, aumento de custo com a sua manutenção etc);

- Em junho de 2004, o presidente da Comissão de Ética Médica do Hospital Municipal do Andaraí relatou que há dois anos a caldeira encontra-se desativada. Inconformado com a deterioração da referida unidade, em janeiro de 2005, o mesmo médico prestou depoimento no Ministério Público relatando a longa fila de espera para atendimento dos pacientes, situação que vem agravando as patologias dos mesmos e aumentando a complexidade das intervenções cirúrgicas. Naquela oportunidade, foram anexados documentos que comprovam a longa fila de espera, inclusive para pacientes portadores de câncer que aguardam, em alguns casos, seis meses para a realização da cirurgia. Há documentos que comprovam o desespero do pai da criança Valéria

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F. C., portadora de tumor maligno, aguardando a cirurgia desde novembro de 2004. Segundo o médico, a referida paciente somente pode ser operada em janeiro de 2005, quando a doença já estava em estagio elevado, impedindo a adoção de medidas terapêuticas.

Vê-se, portanto, que a inércia do gestor de saúde, além de importar em efetivo dano à saúde dos pacientes que necessitam de procedimento cirúrgico, importa em prejuízo para o erário público municipal, já que o agravamento das doenças impõe a adoção de medidas com custo muito maior do que seria necessário se o paciente recebesse o atendimento dentro de um prazo razoável.

- Em novo documento dirigido ao CREMERJ, datado de 21 de janeiro de 2005, o presidente da Comissão de Ética Médica descreve os graves problemas existentes no Hospital Municipal do Andaraí;

- Com o fim de apurar os fatos narrados nos relatórios encaminhados pelo CREMERJ, o Tribunal de Contas do Município realizou inspeção nesta unidade, constatando “que há problemas de infra-estrutura que estão comprometendo o andamento normal dos serviços públicos disponibilizados pelo hospital, inclusive com elevado número de pacientes em fila de espera. Às fls. 23 e 24 do relatório, foram listadas várias necessidades para o bom desempenho do serviço de saúde, todas de conhecimento do gestor de saúde, há vários anos. 03- HOSPITAL MUNICIPAL PAULINO WERNECK

- Documento encaminhado pela diretoria do Hospital Municipal Paulino Werneck à Secretaria Municipal de Saúde, com o escopo de se reestruturar o setor de emergência, face à gravidade da situação hoje

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existente, sem qualquer comunicação de providência, demonstra o total descaso do gestor de saúde.

- Informação de que foram encontrados pacientes no setor “grande emergência”, internados em estado grave, necessitando de cuidados próprios do CTI, inexistente no hospital Paulino Werneck.

04- HOSPITAL MUNICIPAL SOUZA AGUIAR

- Em 24 de junho de 2002, os médicos anestesiologistas do Hospital Municipal Souza Aguiar relataram todas as deficiências no setor em que trabalham.

- Em 09 de junho de 2004, o CREMERJ realizou inspeção no Centro Cirúrgico do Hospital Municipal Souza Aguiar, constatando deficiência no material de entubação e ausência de outros instrumentos indispensáveis. Foram relatadas, naquela oportunidade, as irregularidades físicas das salas do Centro Cirúrgico. Decorridos quase dois anos, constatou-se novamente carência no serviço de anestesiologia.

- Em 31 de agosto de 2004, o então diretor do Hospital Municipal Souza Aguiar comunicou ao Coordenador de Infra-Estrutura da Secretaria Municipal de Saúde a paralisação de quatro dos cinco aparelhos de RX móveis, esclarecendo que tal fato resultava da morosidade na execução dos serviços de manutenção, já que o contrato com a empresa prestadora de tal serviço havia se encerrado em 30 de junho de 2004. A comunicação não surtiu qualquer efeito, pois em 30 de setembro de 2004 quase todos os aparelhos de radiologia do Hospital Municipal Souza Aguiar estavam com defeito, havendo apenas um em funcionamento, conforme comunicado feito ao diretor do hospital. O quadro não sofreu mudança. O documento emitido pelo Chefe da

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Cirurgia Vascular, no dia 28 de janeiro de 2005, comprova que os aparelhos de RX continuavam com defeito, impedindo a realização de arteriografia em vários pacientes, retardando o tratamento dos mesmos.

No dia 04 de fevereiro de 2005, o Sindicato dos Médicos realizou vistoria em conjunto com a Comissão de Ética Médica da Assembléia Legislativa. O quadro caótico, descrito pelos médicos que compareceram ao Hospital Municipal Souza Aguiar, atesta a inoperância do gestor municipal de saúde, já que sabedor das inúmeras dificuldades existentes no maior hospital de emergência da América Latina, nada fez para minimizar os problemas existentes. Assim é que na data referida, no período da manhã, não foi possível realizar exames radiológicos nos pacientes, embora tal procedimento seja fundamental num hospital com as características do Souza Aguiar. O ar condicionado estava com defeito no setor de Hemodiálise, obrigando a abertura das janelas. Foi ainda constatada a falta de medicamentos básicos como: Dipirona, Diclofenaco e Monocordil. Igualmente, o hospital estava desabastecido de insumos básicos, a saber: seringas, cateter de foley, sondas, fraldas.

Em razão dos fatos constantes do relatório do Sindicato dos Médicos, o Ministério Público expediu Recomendações ao Secretário Municipal de Saúde, ao Diretor do Hospital Municipal Souza Aguiar e ao Médico Responsável pelo Setor de Emergência, cujas cópias estão em anexo.

Não obstante a advertência formulada pelo Parquet, as precárias condições se mantiveram, segundo relato do Deputado Paulo Pinheiro, integrante da Comissão de Ética Médica da Assembléia Legislativa do Estado.

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Na semana seguinte, no dia 11 de fevereiro de 2005, em inspeção realizada pelo Ministério Público, foi constatada a existência de dez pacientes no setor de cirurgia vascular, aguardando a realização de alguns exames para definição do tratamento, ou seja, se ainda seria possível a revascularização ou se seria necessária a amputação. Segundo esclarecimento do médico Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular, a demora na realização dos exames pode implicar no agravamento do quadro de saúde do paciente, vale dizer, amputação de membro, quando poderia ser adotado outro tratamento menos traumático. Os dados obtidos na inspeção permitem constatar que a demora para a realização dos exames importa na manutenção do paciente em leito que poderia ser destinado a outro que também necessita de atendimento médico. O memorando encaminhado pelo Subgerente de Infra-Estrutura do Hospital Municipal Souza Aguiar demonstra o total descaso por parte da Secretaria Municipal de Saúde com a gravíssima situação da paralisação dos aparelhos de RX, não adotando providência que importasse em efetiva solução, embora a atribuição fosse exclusivamente do núcleo central, extrapolando os limites de atuação da direção da unidade. Vê-se, portanto, que a ineficiência do gestor de saúde, no tocante aos equipamentos, está gerando mais gasto para o Poder Público com piora na qualidade do serviço prestado.

- Em dezembro de 2004 foi detectada a falta de roupa própria para realização de cirurgia no Hospital Municipal Souza Aguiar, conforme memorando encaminhado pelo Chefe da Cirurgia Vascular, acarretando a permanência de pacientes na unidade, sem obtenção do resultado pretendido, com aumento do gasto público e a obstrução do leito que poderia ser utilizado para outros que aguardam na fila. Em muitos casos, a demora agrava a situação do doente. Na vistoria realizada pelo Sindicato dos Médicos, em fevereiro de 2005, também foi constatada a falta de roupa na UTI Infantil.

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- Chegou-se ao cúmulo de se fazer prescrição médica em papel de embrulho, conforme fotografia anexada ao relatório elaborado pelo Sindicato dos Médicos.

05- HOSPITAL MUNICIPAL MIGUEL COUTO

- Em abril de 2002, atendendo a solicitação do Ministério Público, a direção do Hospital Municipal Miguel Couto relacionou todos os problemas existentes naquela unidade. Pode-se perceber que as necessidades foram comunicadas à Secretaria Municipal de Saúde, conforme se vê dos ofícios registrados. Naquela oportunidade, o gestor de saúde já era o atual Secretário Municipal de Saúde e, a frente do Município também estava o mesmo Prefeito Municipal.

No documento acima indicado, foram elencados os problemas de infra-estrutura, referentes a conserto de equipamentos e falta de abastecimento de insumos.

Decorridos mais de dois anos, os gestores permitiram que a situação do hospital que sempre foi do Município somente piorasse.

- Segundo relatório elaborado pelo CREMERJ, após inspeção no Hospital Municipal Miguel Couto, em 15 de agosto de 2002, havia falta de medicamentos, insumos, materiais permanentes e defeito em alguns equipamentos. Em 31 de maio de 2004, a Comissão de Ética Médica do Hospital Municipal Miguel Couto registrou que os respiradores são obsoletos e a manutenção dos serviços é insuficiente. Novo relatório do CREMERJ, realizado em janeiro de 2005, comprovou, novamente, a falta de medicamentos básicos e a ausência de manutenção dos equipamentos e do ar condicionado que não estava funcionando na

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data da inspeção, causando risco de infecção para os pacientes; Em 26 de janeiro de 2005, a Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro constatou inúmeras irregularidades no Hospital Municipal Miguel Couto, conforme se vê do relatório acostado à inicial.

- Com o fim de apurar os fatos narrados nos relatórios encaminhados pelo CREMERJ, o Tribunal de Contas do Município realizou inspeção nesta unidade, constatando que “o aumento das listas de espera em consultas nas diversas especialidades médicas do HMC, as quais deveriam acontecer nas unidades básicas de saúde, também pode ser considerado como conseqüência da falta de recursos humanos. Em seguida, consta do relatório informação fornecida pela responsável pela maternidade, esclarecendo que se as gestantes fizessem o pré-natal nas unidades básicas de saúde, o número de leitos no HMC seria suficiente.

06- HOSPITAL MUNICIPAL CARDOSO FONTES

- Em relatório prestado no Ministério Público, médicos do Hospital Municipal Cardoso Fontes declararam que após a municipalização não houve investimento na unidade, por parte do Município, não havendo renovação dos equipamentos e nem mesmo manutenção. Foi esclarecido que o Município recebeu relatório de toda a situação da unidade, quando da celebração do Termo de Cessão celebrado com a União.

Foi ainda relatado pelos profissionais que a vigência dos contratos nas áreas de limpeza e segurança havia terminado.

Segundo os médicos, a falta de equipamentos, além de acarretar sérios prejuízos para os pacientes, importa em maior gasto

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para o Município, já que os pacientes permanecem nas unidades por período superior ao necessário.

A unidade cancelou o agendamento das consultas ambulatoriais para os novos pacientes, em razão da falta de estrutura, esclarecendo que há longa fila de espera, podendo chegar a seis meses, acrescentando que algumas pessoas acabam por falecer antes mesmo do procedimento cirúrgico que poderia salvar-lhes a vida.

Por último, foi informado que a direção do hospital solicitou a redução do número de internações em razão da falta de verba para o pagamento das despesas.

- Em 27 de janeiro de 2005, o CREMERJ realizou inspeção no hospital, constatando inúmeras irregularidades, principalmente a falta de equipamentos em condições satisfatórias de uso. Os aparelhos de tomógrafo, ultra-som e intensificador de imagens estavam quebrados.

Consta do relatório a enorme carência de medicamentos e insumos e a longa fila de espera para a realização das cirurgias.

Deve ser registrado que recentemente, em Ação Civil Pública ajuizada na 10ª Vara de Fazenda Pública, foi concedida antecipação de Tutela para determinar a realização dos procedimentos mencionados acima em unidades conveniadas ao SUS.

Cópia de fotografia acostada ao relatório comprova a suspensão do atendimento ambulatorial para os novos pacientes, em razão da falta de estrutura.

- O documento subscrito pelo diretor clínico do hospital relata que os médicos decidiram fechar o atendimento em todos os níveis, por total

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falta de condições de trabalho. Em seguida, foram apontadas as principais irregularidades. Este documento foi encaminhado ao Exmº Prefeito Municipal do Rio de Janeiro. 07- INSTITUTO MUNICIPAL DA MULHER FERNANDES MAGALHÃES

- Em carta dirigida ao CREMERJ, os profissionais da saúde relatam as precárias condições de funcionamento do hospital, inclusive em razão de defeitos técnicos nos aparelhos indispensáveis ao atendimento de gestantes de alto risco, finalidade principal da referida unidade;

08- INSTITUTO MUNICIPAL JULIANO MOREIRA

- Funcionários relatam o total descaso da Secretaria Municipal de Saúde com os pacientes portadores de transtorno mental, internados na referida unidade, em situação precária.

09- INSTITUTO PHILIPPE PINEL

- Relatório acerca das carências da unidade, inclusive com a indicação dos contratos de manutenção que não são cumpridos. Merece destaque a informação prestada pela diretora da referida unidade de que a partir de 2000, todos os contratos foram assumidos pelo nível central da Secretaria Municipal de Saúde, não havendo repasse de informação sobre a situação dos mesmos. Tal situação impede que a direção da unidade possa exercer controle sobre os prestadores de serviço, já que desconhece as obrigações por estas assumidas perante a Secretaria Municipal de Saúde.

10- INSTITUTO MUNICIPAL NISE DA SILVEIRA (antigo Centro Psiquiátrico Pedro II)

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- Em resposta a ofício encaminhado pelo Ministério Público, a direção do hospital esclareceu, dentre outras coisas, que “ nenhum contrato de serviço está regular. Desde a municipalização, há quatro anos, não temos um serviço adequado de manutenção predial”. Em outra passagem, a referida diretora esclareceu que não há manutenção do ar condicionado central que serve ao Pronto Socorro e à Farmácia, sendo o equipamento obsoleto.

- Foi ainda declarado que as empresas que prestam serviço de vigilância, limpeza e alimentação estão sem pagamento desde julho de 2004 e que os trabalhadores das mesmas estão cumprindo aviso prévio.

- Há carência de insumos básicos, roupas de cama e para os pacientes.

11- HOSPITAL MUNICIPAL DE REABILITAÇÃO

- O relatório elaborado pelo CREMERJ, no dia 08 de julho de 2003, apontou inúmeras irregularidades no Hospital Municipal de Reabilitação. Já naquela oportunidade, foi detectada a falta de equipamentos e o péssimo estado na estrutura do prédio, conforme pode ser constatado através das cópias das fotografias que acompanham o relatório.

- Merece ser ressaltado que este hospital foi inaugurado pelo Município, em janeiro de 2003, com a finalidade de atender os pacientes que necessitam de reabilitação. Entretanto, segundo esclarecimento prestado pela direção do hospital ao CREMERJ, quando da fiscalização, o prédio onde o mesmo funciona não é adaptado para receber pacientes com deficiência motora.

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12- HOSPITAL MUNICIPAL DA PIEDADE

- Segundo depoimento prestado por três médicos lotados há longos anos no Hospital Municipal da Piedade, em razão da falta de manutenção dos equipamentos e de investimento, principalmente no último ano, a qualidade do serviço prestado está bastante comprometida, colocando em risco a vida dos pacientes.

- Foi relatado o adiamento de algumas cirurgias por falta de estrutura;- O CTI encontra-se em péssimas condições, havendo falta de respiradores, roupa de cama e medicamentos;

- Os aparelhos de ultrassonografia e ecocardiograma adquiridos pelo Ministério da Saúde, através do sistema REFROSUS foi ‘emprestado’ para o Hospital Municipal Miguel Couto e nunca mais retornou;

- Em janeiro de 2005, alguns setores do hospital proibiram o ingresso de novos pacientes para internação em razão da falta de estrutura para atendimento.

- Há longa fila de espera para realização das cirurgias, podendo ser destacado que a cirurgia de próstata tem demorado aproximadamente seis meses para ser realizada e que o procedimento na especialidade de otorrinolaringologia não é feito há um ano por falta de material.

13- HOSPITAL MUNICIPAL DE IPANEMA

- Em 28 de fevereiro de 2003, o diretor do Hospital Municipal de Ipanema esclareceu que 80% dos equipamentos da unidade estão sem contrato de manutenção. Posteriormente, em março de 2003, a direção

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encaminhou listagem contendo os equipamentos que necessitavam de manutenção.

- Posteriormente, em julho de 2004, os médicos residentes do Hospital Municipal da Lagoa encaminharam documento relacionando graves irregularidades existentes na unidade, instruindo-o com fotografias.

No referido documento, foi registrada a paralisação do aparelho de Ultra-sonografia, por falta de manutenção, substituído pelo Tomógrafo, de custo bem mais elevado, acarretando prejuízo ao erário público. Outrossim, foi esclarecido que embora existam dez salas no CTI, apenas quatro estão funcionando.

Por fim, há informação de grande fila de espera, inclusive de pacientes portadores de câncer, cujo estado se agrava em razão da demora, acabando por não haver mais possibilidade de cura.

- Em documento encaminhado pela direção do Hospital Municipal de Ipanema ao Ministério Público restou esclarecida a precária situação das instalações da unidade, informando que cinco salas de cirurgia foram interditadas pela Vigilância Sanitária;

- Outrossim, foi declarado que não há possibilidade de se realizar um número maior de cirurgias em razão da falta de insumos (material cirúrgico), roupas, defeitos em equipamentos, acrescentando que há falta de anestesiologistas e profissionais da área de enfermagem; - a direção do Hospital Municipal de Ipanema esclareceu em ofício encaminhado ao Ministério Público a precária situação das instalações da unidade, informando que cinco salas de cirurgia foram interditadas pela Vigilância Sanitária;

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- Foi ainda informado que se encontra suspenso o fornecimento de órtese e prótese;

- Há registro de 96 pacientes na fila para cirurgia na área de Urologia;

- O ofício encaminhado pela direção relaciona as áreas que estão sem contrato de manutenção, merecendo destaque para os equipamentos de Tomógrafo e RaioX.

14- HOSPITAL MUNICIPAL SALGADO FILHO

- Segundo o relatório do Egrégio Tribunal de Contas do Município, há problemas de infra-estrutura que comprometem o funcionamento do serviço de saúde.

O desaparelhamento e o desabastecimento não se limitam aos casos acima narrados, havendo diversas Ações Civis Públicas e inquéritos civis onde a falta de medicamentos, insumos e aparelhos foram devidamente descritas e comprovadas, a saber:

01- 2003.001.028787-0 – Hospital Municipal Lourenço Jorge;02- 2003.001.070958-1 – Hospital Municipal do Andaraí;03- 2004.001030817-5 – Hospital Municipal do Andaraí;04- 2003.001.120924-5 – Hospital Municipal Rocha Maia;05- 2004.001.035455-0 – Hospital Municipal Cardoso Fontes;06- 2005.001.005380-1 – Hospital Municipal Miguel Couto;07- 2005.001.012644-0 – Hospital Municipal da Lagoa;08- 2003.001.012644-0 – Hospital Municipal Paulino Werneck;09- 2003.001.126586-8 - Hospital Municipal de Reabilitação;10- 2002.001.038612-1 - Hospital Municipal Souza Aguiar;11- 2003.001.049177-0 – Hospital Municipal Salgado Filho;

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12- 2002.001.138196-9 – Hospital Municipal da Piedade;13- 2002.001.075056-2 – Hospital Municipal de Ipanema; 14- 2003.001.148459-1 – Hospital Maternidade Leila Diniz;15- Inquérito civil nº 986 – Hospital Maternidade Alexander Fleming;16- Inquérito civil nº 993 – Hospital Maternidade Carmela Dutra;

Para exata compreensão da inoperância do gestor municipal de saúde, agindo sempre sob a orientação do Prefeito do Município, na qualidade de superior hierárquico, principalmente no tocante ao destino das verbas a serem aplicadas, faz-se imprescindível um breve recuo no tempo para demonstrar as condições deste Município no momento da criação do Sistema Único de Saúde – SUS e da assunção pelo Rio de Janeiro da forma plena de gestão, prevista nas Lei 8.0080/90 e 8.142/90.

Por imposição constitucional, criou-se no Brasil o Sistema Único de Saúde, segundo o qual, em apertada síntese, caberia aos Municípios a execução das ações e serviços de saúde, principalmente a prestação da atenção básica, também chamada de atenção primária.

Deve ser registrado, por oportuno, que juntamente com a criação de responsabilidade para os Municípios, na área de saúde, houve transferência de tributos para o ente, de molde a capacitá-lo para o desempenho de suas atribuições.

O Município do Rio de Janeiro foi habilitado como gestão plena em 1999, situação pela qual lhe coube a elaboração da programação municipal, garantindo a prestação de serviços em seu território.

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Ao contrário de muitos Municípios onde não havia qualquer instalação de unidade de saúde até a criação do SUS, porquanto tal serviço era em grande maioria de responsabilidade do extinto INAMPS, o Rio de Janeiro iniciou a sua gestão já contando com razoável estrutura de unidades, incluindo-se os Postos de Atendimento Médico (PAM), até aquela oportunidade pertencentes à União, entregues ao Município mediante termo de cessão, firmado em março de 1999, quatro maternidades, a Colônia Juliano Moreira e sete hospitais.

Não bastassem essas unidades, o Município do Rio de Janeiro continuou com cinco unidades de referência nacional sob a administração da União, Cuja produção, destinada à média e alta complexidade, com elevado custo, compreende, em sua maioria, pacientes residentes no Município do Rio de Janeiro, conforme se vê dos quadros referentes aos Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia – INTO e ao INCA, destinado aos portadores de tumores malignos - Câncer.

Deve ainda ser considerado o convênio nº 3079/2001, celebrado entre a União e o Município do Rio de Janeiro, em dezembro de 2001, cujo objeto era a realização de obras no centro cirúrgico do Hospital Municipal do Andaraí, com prazo de vigência até 30/12/2002, no valor de R$ 4.432.303,65 (quatro milhões, quatrocentos e trinta e dois mil, trezentos e três reais e sessenta e cinco centavos).

O Município do Rio de Janeiro não recebeu integralmente o valor deste convênio já que não cumpriu o requisito de prestação de contas nem mesmo o cronograma de obras. Por conta disso, a União houve por bem estender o prazo para conclusão da obra, sob pena de causar maior prejuízo ao erário municipal e federal.

Vê-se, portanto, que ao contrário do que tentam fazer crer o Exmº Prefeito Municipal e Secretário Municipal de Saúde,

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ambos à frente da Administração já há vários anos, o Município do Rio de Janeiro possui grande vantagem em relação aos demais municípios cujas características se assemelham a esta capital.

O quadro comparativo referente ao fluxo de internação, que instrui a presente, demonstra que o Município do Rio de Janeiro é a quinta capital que menos atende pessoas de outras localidades. Ademais, o Município possui instrumentos legais para ressarcimento do gasto com os pacientes decorrentes de migração (também chamada de “invasão”), principalmente porque a administração dos serviços de saúde se dava através de gestão plena.

I.4 – BAIXA PRODUTIVIDADE EM PROCEDIMENTOS DE SAÚDE EM VISTA DA CAPACIDADE INSTALADA

Um dos problemas mais críticos da má gestão da rede é a insuficiente oferta de procedimentos de média complexidade, principalmente das chamadas cirurgias eletivas, cirurgias necessárias, porém não emergenciais.

A falta de oferta e de regulação de procedimentos adequadas criou filas de milhares de pacientes, que, seguindo a oferta existente, esperaram anos para realização da cirurgia.

Obviamente o tempo de espera afeta o sucesso da cirurgia. Em alguns casos, um tempo de espera tão elevado determina

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seqüelas sérias e em outros inviabiliza a realização do procedimento, como por exemplo as cirurgias nos olhos.

Segundo noticiado, há 2.400 pacientes aguardando cirurgia no Hospital Universitário Pedro Ernesto; 1.000 pacientes no Hospital Cardoso Fontes, 3.858 paciente no Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia; 2.000 pessoas no Hospital do Andaraí; 1.290 pessoas no Hospital de Ipanema; 1.300 no Instituto Estadual de Cardiologia Aloísio de Castro; 500 pacientes no Instituto de Cardiologia de Laranjeiras (ANEXO XII).

Estas filas não podem ser consideradas como problemas isolados, atribuídos à unidade que registra a espera de centenas de pacientes, mas como demonstração da falta de planejamento e articulação das unidades que integram a rede (ANEXO VI).

A regulação é um importante instrumento de articulação da rede, na medida em que redireciona alguns pacientes para unidades ociosas em determinados procedimentos. Desta forma, se uma determinada unidade tem uma fila de milhares de pacientes, o gestor redireciona-os ao atendimento por outras unidades, evitando esperas delongadas.

A regulação também é um importantíssimo instrumento de avaliação da rede, podendo indicar as necessidades mais prementes e os serviços a serem ofertados. Ou seja, com a regulação é possível diagnosticar os procedimentos de oferta insuficiente a fim de que o gestor disponibilize os recursos necessários para o seu incremento.

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No Município do Rio de Janeiro não há regulação e, portanto, não há como administrar a oferta existente de procedimentos a fim de maximizar o atendimento aos pacientes, nem como estabelecer prioridades na alocação de recursos.

Embora o gestor disponha de várias unidades próprias, o que facilitaria o redimensionamento dos serviços, nem por isso implementou as ações necessárias para a adequação da oferta.

Pelo contrário, a gestão nas unidades próprias do Município tornou a situação ainda mais grave, pois deixou de disponibilizar os recursos humanos e materiais para a realização das cirurgias. Muitas das salas de cirurgia existentes nos Hospitais da Lagoa, Ipanema, Cardoso Fontes e Andaraí foram desativadas nos últimos anos. Além disso, a falta de manutenção em equipamentos impossibilitou os exames pré-operatórios. O desabastecimento de materiais cirúrgicos e remédios necessários à recuperação também impediram a realização de mais cirurgias.

O Hospital Cardoso Fontes informou em 03/03/2005 os pacientes que aguardam no serviço de cirurgia geral. Há 229 pessoas que aguardam desde 2003 e 289 de 2004.

O Hospital Municipal da Lagoa encaminhou pelo ofício nº 201/05, no dia 15/02/05, extensa lista de pessoas que aguardavam pela realização de cirurgia. Só o Setor de Oftalmologia informou 246 pessoas à espera do procedimento. Na pediatria, 127 crianças aguardavam por suas intervenções cirúrgicas. No dia 17/02/05, o mesmo hospital informou os nomes das pessoas que tiveram alta ou foram transferidas em razão das precárias condições da unidade para mantê-las internadas.

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O relatório da Inspeção Especial nos hospitais da rede municipal de saúde do Município do Rio de Janeiro, realizado pelo Tribunal de Contas do Município também informa a longa espera em outras unidades.

No Hospital Municipal Dr. Julio Sanderson de Queiroz, o Hospital do Andaraí, foi relatado que os paciente dos ambulatórios de otorrinolaringologia têm esperado até dois anos por uma cirurgia. A demora foi atribuída à falta de material cirúrgico específico e ao número excessivo de consultas (ANEXO IV).

No Hospital Municipal Miguel Couto, durante visita ao Centro Cirúrgico foi indicada a falta de protocolo para a preparação dos pacientes, a falta de vagas de CTI para o pós-operatório, a falta de sangue, a falta de pessoal, de equipamentos e de roupas, circunstâncias que motivam com freqüência a suspensão das cirurgias eletivas (ANEXO IV).

Quando a espera por cirurgias eletivas torna-se demasiadamente onerosa para os pacientes, há necessidade de políticas emergenciais, como a realização de mutirão ou outra política pública que possa, em pouco tempo, diminuir as pessoas nas filas e o tempo médio de espera.

E a espera não é apenas onerosa para os pacientes. Cada paciente terá que ser tratado durante este tempo, com medicamentos, consultas e até mesmo internação hospitalar.

Note-se, por outro lado, que o Ministério da Saúde incentiva a realização de programas para incremento da realização de cirurgias eletivas, através do Programa de Cirurgias Eletivas, criado pela Portaria MS/GM de n° 1.372 de 10/07/04 que prevê o pagamento de R$

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1,00 (um real per capita por ano). Mesmo diante da possibilidade de receber mais de R$ 5.000.000,00 em um ano, o Município do Rio de Janeiro não apresentou qualquer projeto para diminuir o tempo de espera das filas.

I.5 – DA AUSÊNCIA DE REGULAÇÃO DAS AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE PELO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO (ANEXOS VI e VII)

Ao alcançar a Gestão Plena do Sistema de Saúde, nos termos do que dispõem a NOB-SUS 01/96 (Norma Operacional Básica do SUS), a NOAS-SUS 01/01 e a NOAS-SUS 02 (Norma Operacional de Assistência à Saúde), o Município do Rio de Janeiro assumiu a responsabilidade de:

- elaborar o Plano Municipal de Saúde;- integrar e articular o município com a rede estadual (Programação pactuada e Integrada - PPI);- gerenciar unidades próprias, ambulatoriais e hospitalares;- gerenciar unidades assistenciais transferidas pelo Estado e pela União;- gerenciar todo o Sistema Municipal, incluindo os prestadores de serviços de saúde vinculados ao SUS;- desenvolver o Cadastramento Nacional dos Usuários do SUS;- garantir o atendimento em seu território para sua população e para a população referenciada (PPI);- integrar os serviços existentes no município aos mecanismos de regulação ambulatoriais e hospitalares;- desenvolver atividades de realização do cadastro, contratação, controle, avaliação, auditoria e pagamento de todos os prestadores dos serviços;- operar o SIH e SAI/SUS;

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- manter atualizado o cadastro de unidades assistenciais em seu território;- avaliar o impacto das ações do sistema sob as condições de saúde dos munícipes;- executar as ações básicas, de média e de alta complexidade em vigilância sanitária;- executar ações de epidemiologia, de controle de doenças e de ocorrências mórbidas decorrentes de causas externas;- firmar o pacto de atenção básica com o estado.

Por meio destas atribuições, o gestor pleno do SUS tem a prerrogativa de contratar, controlar e analisar o desempenho das unidades de saúde sob sua gestão. Entretanto, para a garantia do bom funcionamento da rede SUS e para o cumprimento das normas quanto à assistência à saúde da população é importante e necessária (rectius: fundamental) a construção de uma estrutura administrativa lógica e racional que permita total controle sobre as ações e serviços de saúde disponíveis, de modo a promover uma gestão pública integral e voltada para a defesa da vida.

Segundo dispõe o Capítulo II.3 da NOAS 01/2002, “as funções de controle, regulação e avaliação devem ser coerentes com os processos de planejamento, programação e alocação de recursos em saúde, tendo em vista sua importância para a revisão de prioridades e diretrizes, contribuindo para o alcance de melhores resultados em termos de impacto na saúde da população”. A regulação assistencial, portanto, é uma das funções de fortalecimento da capacidade de gestão, conferindo ao poder público o desenvolvimento de sua capacidade sistemática em responder às demandas de saúde em seus diversos níveis e etapas do processo de assistência, de forma a integrá-las às necessidades sociais e coletivas. Deste modo, o processo regulatório, ao atuar no modo de intervir

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positivamente sobre o acesso dos cidadãos aos serviços, atua também sobre os mesmos, exercendo o controle sobre as disponibilidades, seja para dilatar ou para remanejar a oferta programada para que seja cumprida a função de atendimento integral ao cidadão.

A regulação tem, pois, como objetivo principal promover a equidade do acesso, garantindo a integralidade da assistência e permitindo ajustar a oferta disponível às imediatas necessidades do cidadão, de forma equânime, oportuna e racional e, por isso, deve ser perseguida com afinco pelo gestor de saúde.

Os documentos reunidos pelo Ministério Público, entretanto, demonstram a total ausência de controle do Município do Rio de Janeiro sobre a rede de saúde sob sua gestão, denotando a ineficiência administrativa de seus órgãos, como se demonstrará a seguir.

Após pesquisa realizada pelo CREMERJ no ano de 2000 junto aos profissionais de saúde que atuam na emergência dos grandes hospitais, foi traçado o “Perfil do Médico e das Emergências no Rio de Janeiro”. Este trabalho permite uma visão clara da falta de política de saúde adequada para com a rede instalada no Município do Rio de Janeiro. As conclusões do Grupo de Trabalho sobre Emergência do CREMERJ foram objeto de RECOMENDAÇÃO às Emergências do Rio de Janeiro, tendo sido emitidas em outubro de 2000. De uma forma sintética os profissionais ouvidos afirmaram:

- que existe sobrecarga de atendimento nas unidades de emergência (91%);- que a razão da sobrecarga é a falta de resolutibilidade da rede ambulatorial e de postos de saúde (100%), seguida da falta de porta de saída para a fase pós-emergencial (100%), do envelhecimento da

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população atendida (80%) e da falta de medicamentos no setor ambulatorial (70%); - que os principais problemas da emergência são a predominância de pacientes não-emergenciais (100%), a falta de referenciamento adequado (90%), o excesso de demanda (90%), seguidos de superlotação (85%), falta de recursos humanos (70%), condições de trabalho inadequadas (65%), falta de equipamentos e falta de medicamentos (50%);- que não existe um sistema de ambulância eficiente e resolutivo (71%);- que as unidades de saúde não possuem sistema adequado de referenciamento dos pacientes para outras unidades quando se faz necessário (77%).

Os itens da Recomendação expedida pelo CREMERJ deixam clara a necessidade de entendimento institucional para a criação de um sistema de regulação pré-hospitalar e inter-hospitalar, detectada desde o ano de 2000, com sugestão de definição de perfis de atendimento e conseqüente adequação dos recursos humanos necessários. Afirmam os médicos que integraram o Grupo de Trabalho do CREMERJ que as unidades da rede de saúde funcionam isoladamente, como compartimentos estanques, que não se comunicam e não têm nenhum mecanismo de coordenação operacional entre si. Relatam a angústia dos profissionais médicos que necessitam referenciar os pacientes para outras unidades de maior complexidade e enfrentam toda forma de dificuldade. Informam que não raro os pacientes saem de ambulância, sem destino definido, em busca de atendimento adequado, gerando conflitos entre as unidades e possíveis agravos à saúde dos mesmos. A falta de resolubilidade da rede básica é a principal causa do problema, além da falta de medicamentos de uso contínuo e da falta de leitos de retaguarda que possam diminuir a superlotação das emergências.

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Inúmeros recortes de jornais comprovam todas estas mazelas, causadoras da ineficiência do sistema de saúde municipal, conforme se verifica do anexo que integra esta inicial.

Provocado por diversos setores da sociedade, o Ministério Público Estadual começou a acompanhar, em junho de 2003, uma verdadeira saga pela implantação da central de regulação de ações e serviços de saúde no Estado e no Município do Rio de Janeiro, providência considerada como uma das principais estratégias para melhorar a qualidade e a efetividade da assistência prestada.

Ainda em 2000, o CREMERJ recomendou ao Município do Rio de Janeiro que tomasse providências para implantar centrais de regulação que permitissem a priorização de emergências, integrando e hierarquizando o atendimento e racionalizando a porta de entrada das emergências com programas específicos e ações preventivas com resolutividade na rede primária. Este documento já apontava a falta de organização e planejamento da rede e a falta de materiais e insumos nos hospitais, afetando, diretamente, o atendimento, e denunciava a utilização indevida e insuficiente do ‘fundo rotativo’ (recursos disponibilizados ao diretor de uma unidade hospitalar para fazer face a pequenas despesas – objeto de outro capítulo desta inicial) para o atendimento de demandas emergenciais.

Sob a liderança da Secretaria Estadual de Saúde foi formada, desde 1999, uma comissão com representantes dos gestores federal, estadual e municipal, do GSE – Grupamento de Socorro de Emergência do Corpo de Bombeiros Militar, do COSEMS – Conselho dos Secretários Municipais de Saúde e do CREMERJ – Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, com o fito de definir as bases para o funcionamento de uma Rede de Centrais de Regulação das Ações de Saúde. A iniciativa teve por objetivo organizar e controlar a oferta de

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serviços de saúde referente a internações, nelas incluídas a emergência, consultas especializadas e exames de alta e média complexidade através de centrais informatizadas e interconectadas.

Foram realizados diversos fóruns de discussão para a implantação da Rede de Centrais de Regulação e, já em 2001, foi apresentado um projeto de central de regulação para todo o Estado, dividido em 9 regiões, com a definição de uma cidade para a implantação da estrutura física da regulação em cada uma delas. O Município do Rio de Janeiro, por suas peculiaridades, mereceu ser um pólo exclusivo de regulação.

Além de ser a fomentadora da política de criação das centrais de regulação no Estado, a Secretaria Estadual de Saúde participou com investimentos em cada pólo de regulação, disponibilizando recursos humanos e equipamentos para o seu funcionamento. Atendendo à Deliberação nº 39, de 24 de junho de 1999, da Comissão Intergestores Bipartite, a Secretaria Estadual de Saúde, através das Resoluções SES nº 2102/03 e 2361/04 estabeleceu a missão da rede de centrais de regulação do Estado do Rio de Janeiro, criou o fórum de coordenadores das centrais, e fixou as diretrizes básicas da rede de regulação.

Em 23 de março de 2004, o COSEMS – Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado do Rio de Janeiro firmou Carta de Compromisso com a Secretaria Estadual de Saúde na qual foram pactuadas as ações necessárias à Regionalização da Rede de Centrais de Regulação no Estado do Rio de Janeiro e o prazo para seu cumprimento, fixado em 180 dias.

Para impulsionar o envolvimento do Município do Rio de Janeiro na implementação de sua Central de Regulação, o Ministério

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Público, na qualidade de defensor dos interesses indisponíveis da sociedade e no intuito de contribuir para a promoção de todos os esforços que uma ação governamental deste porte exige e sem perder de vista seu papel de fiscalizador do cumprimento das obrigações que incumbem os agentes públicos, formulou RECOMENDAÇÃO ao Secretário Municipal de Saúde e a todos os diretores de unidades de saúde integrantes da rede SUS no sentido de que contribuíssem para a concretização desta política pública.

A despeito disso, o Município do Rio de Janeiro segue sem controle mínimo sobre os serviços de sua rede e as providências até então tomadas para a implementação da regulação são pífias, denotando, mais uma vez, a violação ao princípio da eficiência. É incômoda a percepção de que, na condição de gestor pleno do Sistema Único de Saúde, manifestam os demandados pouco interesse em implementar as centrais de regulação sugeridas pela política estadual, medida que contribuirá, decisivamente, quando executada, para a diminuição dos problemas da rede hospitalar do SUS, posto que agilizará e qualificará o fluxo de acesso do cidadão aos serviços e ações de alta e média complexidade em saúde. Ao longo das discussões desenvolvidas e documentadas com as diversas instituições responsáveis pela prestação do serviço de saúde no Estado do Rio de Janeiro restou claro que o Município do Rio de Janeiro é o mais atrasado no cumprimento dos compromissos fixados pela Resolução nº 2361/2004 da SES, conforme se verifica dos docs. em anexo.

Em paralelo à implantação das centrais de regulação no Estado do Rio de Janeiro, o Governo Federal instituiu o Plano Nacional de Atenção às Urgências, com o fim de integrar os serviços disponíveis nos estados e municípios. Através das Portarias GM/MS nº 2048, de 05.11.02, GM/MS nº 1863, de 29.09.03 e GM/MS nº 1864, de 30.09.03, o Ministério da Saúde criou o programa de atendimento pré-

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hospitalar móvel denominado SAMU – Serviço de Assistência Móvel às Urgências.

O referido Programa foi criado com o objetivo de atender a necessidade primordial do ser humano que é a preservação de sua vida, priorizando o atendimento pré-hospitalar em casos de emergências e urgências clínicas, traumáticas e a parturientes no local da ocorrência.

Além disso, o SAMU pode estender suas atividades para o transporte do paciente entre o seu domicílio e as unidades de saúde, para atendimento a pacientes crônicos mediante agendamento, para atendimento de pacientes impossibilitados de se locomover etc.

O serviço funciona a partir de solicitação feita basicamente pelo telefone 192 e um médico regulador avalia a gravidade do fato e envia, o mais rapidamente possível, a viatura e a equipe de profissionais de saúde mais adaptada às necessidades de cada caso, orientando ao solicitante como proceder enquanto se aguarda a chegada do socorro.

Mas para a garantia do bom funcionamento do SAMU é fundamental a existência de um sistema de regulação capaz de acolher o paciente, prestar-lhe o atendimento e redirecioná-lo para os locais adequados à continuidade do tratamento através de toda a rede de assistência à saúde do Município e/ou do Estado, ordenando o fluxo de leitos hospitalares, procedimentos de alta complexidade, exames complementares, internações e atendimentos domiciliares, consultas especializadas, consultas na rede básica de saúde, assistência social, transporte sanitário não urgente etc.

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O próprio Município do Rio de Janeiro afirma que:

“Para modificarmos o quadro atual das Unidades de Emergência no município, é necessária uma reorganização global da rede de saúde, através de um sistema único e regionalizado, de forma a reorientar a demanda e oferecer o serviço mais adequado a cada situação. Esta reordenação engloba o atendimento pré-hospitalar fixo (Postos de Saúde com funcionamento 24 horas ininterruptas, Unidades Ambulatoriais, Programa Saúde da Família, Programa de Agentes Comunitários de Saúde), a implantação do atendimento pré-hospitalar móvel, e dos atendimentos hospitalares e pós-hospitalares nas condições de ‘porta de entrada’ e ‘porta de saúde” (Projeto SAMU 192 – ANEXO VII).

Isso significa que ele reconhece as falhas de seu sistema, o modo de saná-las e ainda a importância da regulação e do atendimento pré-hospitalar fixo (atenção básica) e móvel (Projeto SAMU, por exemplo). São, pois, indissociáveis as políticas de regulação do sistema de saúde, atenção básica e atendimento pré-hospitalar móvel.

No entanto, apesar de reconhecer que o Programa SAMU vem ao encontro das necessidades da rede municipal de saúde, o Município do Rio de Janeiro, representado pelos demandados, se comporta de forma oposta ao seu próprio discurso. Isto porque, além de não investir na atenção básica (Programa Saúde Da Família, Agente Comunitário da Saúde, postos de saúde etc) com todas as suas forças, se coloca de forma tímida diante de duas políticas públicas deflagradas pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Estadual de Saúde

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relativamente à criação das centrais de regulação e à implantação do Programa SAMU.

No que toca à execução do Programa SAMU, por exemplo, foram disponibilizadas ao Município do Rio de Janeiro 74 ambulâncias, 59 delas classificadas como de suporte básico (USB) e 15 como de suporte avançado (USA). Estes veículos estiveram disponíveis para o Município desde novembro de 2004 e apenas 17 deles foram retirados do depósito e permaneceram sem operação, sob o argumento da falta de equipamentos que ainda não foram fornecidos pelo Ministério da Saúde.

É de se registrar, por oportuno, que o número de viaturas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde ao Município do Rio de Janeiro é superior àquele apontado como ideal por este último quando da apresentação de seu Projeto SAMU 192. Neste documento, o MRJ dimensiona o número de 43 ambulâncias de suporte básico e 13 de suporte avançado para a operação do serviço de atendimento de urgência, ou seja, 18 carros a menos do que foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde (59 USB e 15 USA) (vide Plano do MRJ entregue ao MS – Programa SAMU 192 – ANEXO VII).

Esta mesma falta de equipamentos reclamada pelo Município do Rio de Janeiro para justificar a inoperância das 17 ambulâncias retiradas do depósito da União, entretanto, não foi suficiente para impedir o funcionamento do programa em diversos outros municípios brasileiros, inclusive da Baixada Fluminense e de Niterói, interessados na boa política de saúde. Ora, o bom gestor se envolve, se esforça e contribui para completar uma ação na área da saúde que reconheça eficiente para o sistema, até mesmo porque é uma política de realização compartilhada. Na verdade, o Município do Rio de Janeiro e todos os demais do Brasil estão recebendo um incentivo material e financeiro para prestarem um bom serviço de saúde. No caso

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da Cidade do Rio de Janeiro, é como se o poder público estivesse dispensando esta ajuda, o que pressuporia que o Município do Rio de Janeiro estivesse em dia com suas responsabilidades perante a população.

É de se registrar que a maior parte do investimento do Programa SAMU é suportado pela União, com a aquisição das ambulâncias, que, no caso do Município do Rio de Janeiro, alcançam a cifra de R$ 8.436.000,00 (oito milhões e quatrocentos e trinta e seis mil reais) e dos equipamentos, ainda não fornecidos inicialmente pelo Ministério da Saúde em razão de processo licitatório, cujo custo é de R$ 373.055,00 (trezentos e setenta e três mil e cinqüenta e cinco reais). Este último investimento parece insignificante para o valor investido nas unidades automotoras, não se justificando que, até hoje, as ambulâncias já retiradas pela Prefeitura não estejam ainda em circulação, especialmente levando-se em contra a precariedade dos serviços de transporte de pacientes prestado pela empresa TOESA ao Município do Rio de Janeiro.

Deve ser registrado que as unidades de suporte básico exigem pouco para entrar em circulação, bastando boa vontade do gestor para este fim, conforme fizeram tantos outros municípios do próprio Estado do Rio de Janeiro, a despeito de não ter sido definida a contrapartida do Governo do Estado para o Programa.

Demais disso, a integração entre o atendimento pré-hospitalar e a admissão do paciente na rede é fundamental para a prestação do serviço de saúde com qualidade. Por falta de comunicação e de conhecimento acerca das características das unidades de saúde da rede, pacientes atendidos pelo serviço pré-hospitar prestado pelo Corpo de Bombeiros Militar são levados para o hospital mais próximo do local da ocorrência, conduta que nem sempre privilegia o seu melhor

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atendimento. Por outro lado, é comum que a viatura tendo em seu interior o paciente socorrido enfrente uma verdadeira via crucis em busca da unidade que possa recebê-lo. Tal fato é de conhecimento notório na Cidade do Rio de Janeiro o que demonstra mais uma vez a importância da central de regulação.

Em municípios onde o programa está implantado os

resultados positivos são constatados facilmente, com diminuição do fluxo de pessoas à rede hospitalar de emergência, pois suas necessidades são resolvidas no âmbito do atendimento pré-hospitalar. Há, com isso, conseqüente diminuição de mortes precoces por falta de atendimento e considerável diminuição de seqüelas e tempo de internação pela demora do socorro. Além disso o médico regulador coordena o fluxo de pessoas por necessidade e gravidade, organizando pois a rede de serviços, de modo a evitar, por exemplo, que seja encaminhado à emergência de um grande hospital um paciente cujo diagnóstico demanda atendimento primário. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o índice de resolubilidade do serviço de atendimento médico de urgência pré-hospitalar móvel sem a necessidade de internação ou mesmo de envio de ambulância ao local do fato é de 50% das chamadas. A própria Secretaria Municipal de Saúde confirma esta constatação no Plano de Urgência/Emergência (Projeto SAMU 192 – ANEXO VII) apresentado ao Ministério da Saúde.

O impacto do serviço pré-hospitalar móvel no Município do Rio de Janeiro pode ser medido ainda através de serviço de atendimento domiciliar criado pelo Governo Estadual e executado na Zona Oeste. Desde fevereiro de 2004 funciona na Zona Oeste da Cidade o Programa Emergência em Casa, com resolubilidade em torno de 70% dos casos chamados, acarretando considerável diminuição do fluxo de pessoas aos hospitais de emergência situados naquela região.

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O Ministério Público Estadual tudo fez para fomentar a implantação da central de regulação e do programa SAMU no Município do Rio de Janeiro, convicto de que se trata de políticas que se reverterão em considerável avanço na qualidade do serviço de assistência à saúde da população. Apesar de todos os esforços empreendidos, a Cidade do Rio de Janeiro não conseguiu avançar na organização de sua rede. Ao contrário, dá demonstrações claras de que o assunto não é sua prioridade.

Para demonstrar, uma vez mais, a ineficiência do Município do Rio de Janeiro na formação, regulação e controle de sua rede de saúde urge apreciar a situação dos hospitais de ensino.

O Município do Rio de Janeiro, como gestor pleno, é responsável pela contratualização dos hospitais de ensino, conforme Portaria Interministerial MEC/MS nº 1000/2004. Para se tornar hospital de ensino, a instituição interessada deve cumprir exigências legais perante o Ministério da Saúde e formalizar convênio com a Secretaria Municipal de Saúde. Esta, por sua vez, detém o poder de garantir, a partir das necessidades da população e da conformação da rede de saúde, o modo de prestação dos serviços, inserindo o hospital no sistema de saúde local. O Município pode definir os serviços de média e alta complexidade a serem prestados por estes hospitais-escolas, estabelecendo metas a serem atingidas para que recebam recursos públicos.

Porém, apesar de possuir este poder, o Município do Rio de Janeiro não inclui os hospitais universitários em sua rede de saúde, não tirando o proveito que as normas autorizam. Tais hospitais de ensino deveriam prestar os serviços de atenção à saúde da população dentro de um sistema integrado com as demais unidades de

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saúde. A Prefeitura detém o poder de ingerir nesta organização e, entretanto, não faz bom uso deste instrumento.

Como se todas essas evidências já não bastassem para a caracterização de conduta omissiva dos gestores, o Município do Rio de Janeiro deixa de captar mais de R$ 1.169.000,00 por mês em recursos disponibilizados pela União para custeio do programa SAMU, conforme nota técnica do Ministério da Saúde.

Ora, considerando que a rede pública de saúde devidamente organizada quanto à assistência que presta contribui para a garantia de acesso do usuário aos serviços disponíveis em todos os níveis de atenção, a omissão ou a obstrução às medidas já tomadas neste sentido configuram ilícitos passíveis de responsabilidade.

Ressalte-se, mais uma vez, que numa rede hospitalar complexa como a situada no Município do Rio de Janeiro, o sistema de regulação surge como estratégia de gestão capaz de diminuir as deficiências do serviço de saúde atualmente prestado à população. Caminhar em sentido contrário a esta política ou simplesmente nada fazer significa violar os princípios gestores da administração pública.

As evidências da falência do sistema de saúde no Município do Rio de Janeiro permitem afirmar, assim, que o serviço de saúde vem sendo prestado através de soluções isoladas e fragmentadas, de acordo com as crises apresentadas em cada caso, perante cada profissional de saúde, em detrimento de uma política decente que poderia atender a toda a população.

O Município do Rio de Janeiro não possui controle de fluxo do acesso do cidadão aos serviços e ações de baixa, alta e média complexidade em saúde. As unidades de saúde subordinadas à gestão

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municipal não se comunicam, atuam desorganizadamente, descompromissadas com a qualidade ou efetividade dos serviços que prestam ao cidadão.

A adoção de critérios regulatórios nos serviços de saúde é uma necessidade imperativa para a superação das crises no acesso às políticas públicas neste setor. Somente com uma gestão racional dos serviços disponíveis na rede será possível garantir a universalidade de acesso, preconizada pela Constituição da República a todo cidadão.

A falta de coordenação na Cidade do Rio de Janeiro se tornou intolerável. Questões de ordem político-partidárias, acomodação, burocracia, omissão e ineficiência não pode mais prosperar. Urge levantar responsabilidades e medidas que possam reverter esta realidade, sob pena de violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

I.6 – DO FUNDO ROTATIVO DE SAÚDE: FRAUDE À LICITAÇÃO E PREJUÍZOS AO ERÁRIO (ANEXO VIII)

O Município do Rio de Janeiro, através do Decreto 20.633/01, instituiu o sistema descentralizado de pagamento, visando facilitar o trâmite dos procedimentos administrativos e agilizar a concreção de despesas consideradas imediatas.

Nesse desiderato, o artigo 2º do referido decreto, após fixar como limite para concessão de recursos o valor estipulado no artigo 24, II, da Lei de Licitações (R$ 8.000,00), dispôs sobre os critérios para liberação de suprimentos acima desse patamar. Em qualquer hipótese, contudo, mesmo obtendo-se numerários que excedam esse

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valor, as aquisições não poderão ultrapassar o teto previsto para dispensa de licitação, vedando-se o fracionamento dos contratos.

Por sua vez, artigo 4° elenca as despesas que podem ser custeadas por meio desse sistema, a saber:

a) aquisição de material de consumo e prestação de pequenos serviços necessários à manutenção e ao funcionamento das atividades específicas de cada órgão/unidade Municipal;

b) despesas que exijam ações imediatas, que envolvam soluções de problemas que possam acarretar prejuízos ao funcionamento dos órgãos/unidades Municipais e aos seus componentes.

Consoante o § 2° do artigo acima, a realização de

despesas sem restrição de espécie e natureza dependem de autorização formal do Prefeito.

Relativamente à descentralização de pagamento no

âmbito da Secretaria Municipal de Saúde, foram editados os Decretos 23.767/03 e 23.789/03 instituindo o fundo rotativo e fixando valores mensais de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) para os Hospitais Souza Aguiar, Miguel Couto, Salgado Filho, Lourenço Jorge e Andaraí. Já os hospitais Cardoso Fontes, Lagoa, Ipanema e Instituto Municipal da Mulher Fernando Magalhães foram contemplados com o numerário de R$ 120.000,00(cento e vinte mil reais) mensais.

De registrar-se que a utilização do suprimento de fundos, nos moldes do artigo 98 do Código de Administração Financeira e Contabilidade Pública do Município (Lei 207/80), deve limitar-se ao

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custeio de despesas que não possam ser submetidas ao processo de aplicação normal.

No entanto, a partir das investigações levadas a cabo no incluso inquérito civil, constatou-se que a verba destinada ao fundo rotativo de saúde está sendo utilizada para finalidade distinta daquela prevista na legislação que o instituiu.

O emprego irregular desse numerário pode ser atribuído às precárias condições de funcionamento de todos os hospitais municipais, que se encontram completamente sucateados . Diante desse estado de coisas, os diretores dos hospitais vêm-se valendo do fundo para a aquisição direta de remédios, insumos, alimentos e manutenção de equipamentos e não apenas para suprir necessidades eventuais.

Ocorre que tais aquisições estão sendo ultimadas sem a observância do procedimento licitatório, por intermédio do fraudulento artifício do fracionamento do contrato, buscando burlar o limite previsto no artigo 24, II, da Lei 8666/93.

A confirmação de tudo isso se encontra no

procedimento de prestação de contas do Hospital Municipal Souza Aguiar, donde se extrai, claramente, que a totalização dos valores gastos com medicamentos, manutenção e equipamentos está muito além do patamar estabelecido para a dispensa de licitação. Analisando-se atentamente tal documentação nota-se, por exemplo, que vários medicamentos foram adquiridos de forma parcelada, inclusive no mesmo dia, com valores globais que nos conduzem à obrigatoriedade de licitação. Mencione-se, a título de ilustração, o extenso rol de medicamentos e materiais hospitalares fornecidos pela empresa Bareboim Cia. Ltda:

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Data Valor Data Valor24/12/2003 ..... R$ 701,12 06/02/2004 R$ 4.934,84 26/12/2003 R$ 5.414,22 09/02/2004 R$ 286,0002/01/2004 R$6.666,48 09/02/2004 R$ 3.242,8808/01/2004 R$6.974,36 11/02/2004 R$ 880,1114/01/2004 R$7.003,94 12/02/2004 R$ 3.320,9414/01/2004 R$1.879,00 12/02/2004 R$ 4.905,9721/01/2004 R$5.782,96 13/02/2004 R$ 1.370,2021/01/2004 R$2.387,80 16/02/2004 R$ 4.710,0022/01/2004 R$1.008,80 16/02/2004 R$ 4.768,0023/01/2004 R$5.006,36 19/02/2004 R$ 4.935,6026/01/2004 R$6.991,32 19/02/2004 R$ 5.205,1626/01/2004 R$2.761,80 18/02/2004 R$ 4.918,8804/02/2004 R$4.810,00 18/02/2004 R$ 4.970,3604/02/2004 R$4.022,08 19/02/2004 R$ 7.248,9004/02/2004 R$3.431,00 19/02/2004 R$ 5.382,4006/02/2004 R$4.464,63 19/03/2004 R$ 4.287,52

Data Valor Data Valor

19/03/2004 R$ 4.950,00 25/03/2004 R$ 6.199,4819/03/2004 R$ 4.306,40 26/03/2004 R$ 3.708,0019/03/2004 R$ 4.544,90 26/03/2004 R$ 3.982,0019/03/2004 R$ 685,10 31/03/2004 R$ 4.603,20

É importante observar que todas as compras individualmente consideradas apresentam valores inferiores a R$ 8.000,00. Todavia, o fracionamento das compras teve o nítido escopo de afastar a necessidade do procedimento licitatório uma vez que, cindido o objeto da aquisição, não se ultrapassou o patamar previsto no art. 24, II c.c. art. 23, II, “a”, da Lei n.º 8.666/93.

Em resposta à consulta formulada pelo Ministério Público, o Tribunal de Contas, sem emitir parecer conclusivo, analisou a

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prestação de contas do Hospital Souza Aguiar e salientou que os valores totalizados de farmácia, manutenção de equipamentos e medicamentos estão acima dos estipulados para dispensa de licitação.

Parece claro que o procedimento ora adotado pelo Município não encontra amparo legal.

É cediço que a Constituição agasalhou a tese de que a licitação é a melhor modalidade de contratação. Todavia, não é menos certo que a própria Constituição, em seu artigo 37, XXI, facultou a contratação direta nos excepcionais casos previstos em lei.

Em conseqüência, para atender a hipóteses em que a licitação formal frustraria a própria consecução dos interesses públicos, a Lei 8666/93, em seu artigo 24, enumera os casos de dispensa de licitação, dentre eles os gastos com compras e serviços não superiores a R$ 8.000,00, “desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez” (inciso II).

Diante do caráter excepcional da dispensa, não se admite o parcelamento de contratações que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. Por isso, sendo previsíveis diversas aquisições de objetos idênticos, deve-se considerar o valor global.

Fiel à Constituição e à lei de licitações, o Decreto 20.633/01, norma da Administração Municipal responsável pela implantação da descentralização de pagamento, determina no artigo 2°, §2º a observância do patamar previsto no artigo 24, II da Lei 8666/93, vedando expressamente o fracionamento do objeto.

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Vale a pena trazer à colação as lições do professor Marçal Justen Filho:

É perfeitamente válido (eventualmente obrigatório) promover fracionamento de contratações. Não se admite, porém, que o fracionamento conduza à dispensa de licitação. É inadmissível que se promova dispensa de licitação fundando-se de valor de contratação que não é isolada. Existindo pluralidade de contratos homogêneos, de objeto similar, considera-se seu valor global – tanto para fins de aplicação do art. 24, incisos I e II, como relativamente à determinação da modalidade cabível de licitação (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10ª edição, ed. Dialética, p. 236).

Restou demonstrado que os demandados, a um só tempo, infringiram a Constituição, a Lei de Licitações, a Lei 208/85 e o próprio Decreto Municipal que descentralizou os pagamentos.

Inexistindo fundamento para a dispensa de licitação prevista no inciso II do artigo 24 da Lei 8666/93, poder-se-ia supor que os réus encontram-se amparados pela contratação emergencial disciplinada no artigo 24,inciso IV da Lei 8666/93.

Puro engano.

A contratação de emergência assemelha-se a uma espécie de atividade acautelatória do interesse público, tendo por objetivo a eliminação do risco de dano ou prejuízo. Afastada a situação emergencial compete à Administração Pública promover a licitação para o restabelecimento da normalidade.

Lamentavelmente, esse não vem sendo o procedimento do Município. Ao revés, criou-se na esfera da Secretaria

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Municipal de Saúde o nefasto hábito de adquirir toda a sorte de medicamentos e insumos com numerários do fundo rotativo.

Nesse ponto, os depoimentos dos diretores dos hospitais demonstram que não há excepcionalidade a justificar a dispensa de licitação.

Com efeito, extrai-se dos autos que a Secretaria Municipal de Saúde tem prévio conhecimento das necessidades das unidades hospitalares, visto que recebe bimestralmente a grade dos medicamentos e insumos, consoante termo de depoimento da Diretora Técnica do Hospital da Lagoa, Dra. Maria Alcina Bernandes de Paula, prestado ao Ministério Público no bojo do inquérito civil que instrui a inicial. Apesar disso, os hospitais continuam sem medicamentos, insumos e com contratos de manutenção de equipamentos vencidos.

Se é procedente que hospitais não podem funcionar

sem medicamentos e equipamentos, é por igual procedente que a ausência dos mesmos nos hospitais municipais decorre, exclusivamente, da falta de planejamento e da desídia dos réus. Na verdade, trata-se de má gestão dos recursos disponíveis, na medida em que não é imprevisível a necessidade desses produtos.

É relevante registrar que, malgrado o disposto no § único do artigo 26 da Lei 8666/93, sequer foram instaurados procedimentos para legitimar o descabimento da licitação. Ao contrário, buscou-se o indesejável fracionamento dos contratos.

Conforme se demonstrará a seguir, a ausência de

procedimento licitatório vem causando dano aos cofres públicos.

Instado a posicionar-se sobre a legalidade da utilização do fundo rotativo de saúde na forma aqui narrada, o Tribunal

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de Contas do Município realizou inspeção ordinária na Secretaria Municipal de Saúde e analisou os procedimentos de prestação de contas dos maiores hospitais municipais (Ipanema, Lagoa, Cardoso Fontes, Salgado Filho, Andaraí, Lourenço Jorge, Miguel Couto, Souza Aguiar e Instituto Municipal Fernandes Magalhães), relativamente ao período de janeiro a outubro de 2004, apontando as vantagens e desvantagens desse sistema, em parecer a ser submetido ao plenário.

Segundo consta do relatório, as unidades de saúde que compõem a rede do Município receberam, através do sistema de descentralização de pagamento, o valor aproximado de R$ 27.000.000,00(vinte e sete milhões de reais) durante o período acima. Coube aos hospitais inspecionados pela Corte de Contas, repita-se, apenas os maiores, o valor de R$ 12.963.737,38(doze milhões novecentos e sessenta e três reais e trinta e oito centavos).

A partir da constatação de que significativa parcela dos valores recebidos destina-se a compra de medicamentos, materiais cirúrgicos e manutenção de equipamentos, priorizou-se a inspeção dessas aquisições, valendo-se da comparação entre o registro de preços cadastrado e o valor da nota fiscal constante das respectivas prestações de contas.

Surpreendentemente, apurou-se que apesar de quase todas as unidades efetuarem pesquisa de mercado, nos moldes da Resolução 1074/04, artigo 4°, os preços obtidos, na maioria das vezes, estão muito além daqueles apontados no registro de preços.

Tal discrepância pode ser atribuída, de acordo com o Tribunal de Contas, ao prazo dilatado para entrega das mercadorias havidas mediante licitação, o que possibilita a redução dos preços. Já a contratação direta pelos órgãos geralmente reclama o fornecimento

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imediato dos bens. Além disso, as unidades de saúde, isoladamente, não têm o mesmo poder de compra do nível central.

A título de exemplo, vale a pena citar algumas distorções nos valores encontrados: a sonda enteral dooby Hoffman n°12 consta no registro de preços por R$ 17,25 e foi adquirida pelo Hospital Municipal Cardoso Fontes por R$ 137,00, representando uma variação de 694,2%. A compressa de gaze de 7,5X7,5cm e 13fios/cm2 figurava no registro de preços por R$ 0,01 e fornecida ao Hospital Municipal da Lagoa por R$ 0,04, apurando-se uma diferença de 300%.

“Ab absurdum”, é pertinente registrar que o relatório

detectou a aquisição de idênticos produtos por preços diferentes em várias unidades. Como se não bastasse, os Hospitais da Lagoa, Ipanema e o CAP 2.1 sequer efetuaram pesquisa de mercado, em frontal descumprimento ao artigo 8º da Resolução 1076/04, que determina a cotação de preço com no mínimo três fornecedores.

Ora, ainda que fosse justificável a contratação direta no caso, certo é que esta não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas e pesquisas de preço.

Ao abordar o tema, o Professor Marçal Justen Filho não dá margem a interpretação diversa:

“Por tudo isso, não seria absurda afirmar que a contratação direta é uma modalidade extremamente anômala de licitação. Explica-se a afirmativa. Não se confunde os casos de contratação direta com os casos de concorrência, tomada de preços, etc. Mas a contratação direta pressupõe um procedimento formal

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prévio, destinado a produzir a melhor escolha possível para a Administração, mas a liberdade se restringe às providências concretas a serem adotadas. Não há margem de discricionariedade acerca da observância de formalidades prévias” (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 10ª edição, Ed. Dialética, pág. 230)

Logo, mesmo nas hipóteses de dispensa de licitação permanece o dever de buscar a melhor proposta possível, dever este que restou violado e causou prejuízo aos cofres públicos.

Em suma: no período analisado pela Corte de Contas, as despesas das unidades inspecionadas, relativamente a medicamentos e materiais cirúrgicos corresponderam a R$ 8.344.757,74(oito milhões trezentos e quarenta e quatro mil setecentos e cinqüenta e sete reais e setenta e quatro centavos). Comparando-se com os valores que seriam utilizados através do registro de preços, estas somariam R$ 6.645.761,09 (seis milhões seiscentos e quarenta e cinco reais setecentos e sessenta e um reais e nove centavos). Ou seja, houve efetivo prejuízo ao erário público no montante de R$ 1.698.996,65 (um milhão seiscentos e noventa e oito mil e novecentos e noventa e seis reais e sessenta e cinco centavos).

É imperioso registrar que o Tribunal de Contas avaliou apenas as prestações de contas das maiores unidades, ou seja, 48% do montante repassado pela sistema de descentralização. Logo, os prejuízos causados com as contratações diretas são, provavelmente, superiores aos valores acima apurados.

Ao concluir a inspeção o Tribunal de Contas adverte:

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“...a política adotada pela jurisdicionada possivelmente causou um custo adicional na ordem aproximada de R$ 1.698.996,65(um milhão, seiscentos e noventa e oito mil, novecentos e noventa e seis reais e sessenta e cinco centavos) parecendo não ter sido a opção mais econômica, conforme demonstrado no item 10”.

Em outro ponto, ressalta:

“A Secretaria Municipal de Saúde tem estimativas de consumo mensal de medicamentos e materiais cirúrgicos das grandes unidades. Vale dizer, o consumo dos mesmos é previsível e calculável. Sendo assim, em vez de repassar os recursos financeiros mensalmente através de repasse automático, a jurisdicionada deveria reter a parte correspondente aos medicamentos e materiais cirúrgicos e adquiri-los através do registro de preços que ainda vigorava.” ·

Restou claramente comprovado que o caminho escolhido pela Administração Pública Municipal está em completa dissonância com os ditames da Constituição e do regramento administrativo correspondente.

Inafastável, por isso, a aplicação das sanções da lei de improbidade, como se demonstrará nessa demanda.

De acordo com o art. 1º da Resolução 1076/04, da Secretaria Municipal de Saúde, compete às Coordenações de Saúde avaliar previamente as prestações de contas oriundas do sistema de

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descentralização de pagamento, com posterior encaminhamento ao Secretário, para aprovação pelo Ordenador de Despesas.

Conquanto não se possa afastar a responsabilidade dos diretores dos hospitais e postos médicos, os quais serão oportunamente investigados, induvidoso que o réu Ronaldo César Coelho , na qualidade de Secretário Municipal de Saúde e Ordenador de Despesas, praticou ato de improbidade administrativa ao aprovar as prestações de contas desses órgãos.

Inegavelmente, basta a mera leitura do procedimento de prestação de contas do Hospital Souza Aguiar, bem como do relatório do Tribunal de Contas para constatar-se, facilmente, as ilegalidades aqui apontadas. Apesar disso, o réu optou por aprová-las. Assim procedendo, legitimou as contratações diretas, referendando tanto o fracionamento dos contratos como a “dispensa de licitação”, concorrendo para a infração ao artigo 10 VIII da Lei 8666/93.

É relevante observar que a rejeição dessas contas, certamente, teria evitado os subseqüentes repasses e, conseqüentemente, os prejuízos ora apontados, ante o teor do art. 99 da Lei 208/85, que veda a concessão de adiantamentos para servidor em alcance.

Como se vê, com relação ao réu Ronaldo César Coelho restou configurada a violação ao art. 10 da lei de improbidade, cabendo, portanto, a aplicação da sanção prevista no art. 12, II, qual seja, o ressarcimento integral do dano ora noticiado.

Finalizando esse capítulo, não poderíamos deixar de narrar a violação ao princípio da legalidade pelo réu César Maia.

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Nesse aspecto, objetivando fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos, dispõe o artigo 99 do Código de Administração Financeira e Contabilidade Pública do Município (Lei 208/85):

“A autorização de adiantamentos é da competência das autoridades mencionadas nos incisos I a V do art.80 deste Código e sua concessão não poderá recair em servidor em alcance ou já responsável por dois adiantamentos cuja prestação de contas não tenha sido ainda, aprovada pelo ordenador de despesas.” (grifo nosso)

Em que pese o teor da norma, o Prefeito, ao editar o § único do artigo 1° do Decreto 23.767/2003, que especificou os valores do fundo rotativo de saúde, autorizou a suplementação rotineira de fundos independentemente de prévia prestação de contas.

A ilegalidade do dispositivo salta aos olhos. É cediço que o decreto deve guardar compatibilidade com a lei e com a Constituição. Ou seja, cabe ao Administrador adequar seus atos ao princípio da legalidade. Não o fazendo, incorrerá nas sanções do artigo 11 da lei de improbidade.

Outrossim, além da ofensa ao princípio da legalidade, é possível que o repasse automático aos fundos rotativos, sem prévia prestação de contas, tenha causado efetivo prejuízo ao erário público. Isso porque, caso os adiantamentos anteriores tenham sido indevidamente utilizados, tal como demonstrado acima, o caminho legal seria o indeferimento de reiteradas liberações.

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Contudo, considerando que o procedimento de prestação de contas das unidades inspecionados encontram-se na Corte de Contas, aguardando julgamento, até o presente momento o Ministério Público não teve acesso aos autos, razão pela qual não se tem como afirmar, no momento, que alguma unidade deixou de prestar contas, e, apesar disso, valeu-se de sucessivos repasses.

Não obstante, caso comprovado dano efetivo ao Município, o Ministério Público ajuizará ação de reparação de dano em face do aludido réu, cabendo, por ora, a imputação de violação ao princípio da legalidade, por si só capaz de configurar a improbidade.

Por fim, analisando-se a farta prova documental que instrui a inicial, percebe-se que o colapso da saúde pública no Município do Rio de Janeiro decorre, exclusivamente, da ausência de planejamento na aplicação dos recursos.

À guisa de ilustrar tamanha ineficiência na gestão da coisa pública, demonstrou-se neste capítulo que a implantação do sistema de descentralização de pagamentos, na esfera da Secretaria Municipal de Saúde, foi desvirtuada de sua finalidade e serviu, basicamente, para legitimar contratações sem licitação, contratações essas que causaram efetivo prejuízo ao Município.

I. 7 – DOS PROGRAMAS DE SAÚDE MENTAL (ANEXO VI)

Com o processo de redemocratização, iniciado no Brasil no final da década de 70 e começo da década de 80, os direitos humanos passaram a constar da agenda nacional como tema de interesse universal. Nesse contexto, é promulgada a Constituição de

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1988, que constitui o marco normativo do restabelecimento da democracia e que propiciou o avanço na proteção dos direitos humanos.

No que tange aos direitos da pessoa portadora de deficiência, a experiência se repete. A proteção dos direitos da pessoa portadora de deficiência tem suporte no princípio que fundamenta a própria existência do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da dignidade da pessoa humana, desembocando em dois outros princípios de igual relevo, que são o princípio da igualdade e o da não-discriminação.

Verifica-se que especialmente nas décadas de 80 e 90 houve um destaque na construção e no estabelecimento de uma estrutura legal e política para a garantia dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Fruto da luta e reivindicação de diversos segmentos representativos junto à Assembléia Constituinte, vários dispositivos da Constituição Federal de 1988 foram dedicados à proteção dos portadores de deficiência.

Especificamente com relação à saúde mental, observa-se que com a liberalização política abriu-se espaço para ser questionado e rediscutido o modelo assistencial psiquiátrico até então vigente, em um movimento que foi denominado Reforma Psiquiátrica, cujo debate perpassa pela questão da cidadania das pessoas portadoras de deficiência. Pugnou-se pela mudança do sistema existente, com o conseqüente abandono da antiga abordagem do paternalismo, da piedade e da caridade, como forma de proteger a pessoa portadora de deficiência mental.

A institucionalização, que se identifica com a inserção destas pessoas em hospitais psiquiátricos e sempre foi vista como forma de proteção aos mesmos, foi bastante criticada no meio

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científico, em razão de representar a segregação dessas pessoas e não demonstrar efetividade quanto à reabilitação e reinserção social. A institucionalização causa a despersonalização, pois acarreta a perda de qualquer referencial, fazendo com que a pessoa se identifique apenas com a estrutura do local onde está inserido, criando vínculos e dependências que a afastam cada vez mais do convívio social. Assim, vários segmentos se insurgiram quanto a esta prática, buscando modificar o sistema e objetivando o tratamento do paciente em seu meio.

A filosofia atual é a de modificar a sociedade para incluir e acomodar as necessidades de todas as pessoas, o que abrange as portadoras de deficiência. Estas pessoas estão exigindo oportunidades iguais e acesso a todos os recursos, ou seja, educação inclusiva, novas tecnologias, serviços sociais e de saúde, atividades esportivas e de lazer, bens e serviços ao consumidor.

Uma vez acolhido o princípio da dignidade da pessoa humana, o Direito absorve um conteúdo ético axiomático que determina que seja respeitada a igualdade e a singularidade da pessoa, motivo pelo qual passa a ser uma obrigação do Estado a adoção de políticas públicas inclusivas, que permitam que todos os homens tenham acesso aos bens e serviços que os possibilitem participar do processo sócio-econômico. Assim, o Estado assume a responsabilidade de impedir que o homem seja despojado de seu valor, renegado pela sociedade e anulado como cidadão.1

A pessoa humana está situada no centro do sistema de proteção dos direitos fundamentais não como o indivíduo isolado, mas sim considerada em sua projeção social. No constitucionalismo

1 ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. “O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social”, in Revista Interesse Público, nº 4, 1999, pg. 38

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contemporâneo, homem e mulher são considerados na qualidade de pessoas historicamente determinadas em meio à sociedade. Os sujeitos tutelados não são pessoas abstratas, mas sim pessoas concretas, consideradas em sua existência histórica e material. O princípio personalista, interpretado em conexão com a consolidação do estado social, valoriza as perspectivas subjetivas, reconhecendo as múltiplas diversidades que impõem a necessidade de garantir as diferenças existentes em uma sociedade.2 É nessa perspectiva que devem ser encarados os direitos das pessoas portadoras de deficiência mental.

Faz parte dos seus direitos fundamentais o de ser integrada à sociedade com direitos e responsabilidades sociais, para que assim possam desenvolver as suas capacidades e obter o maior grau de autonomia e independência possível, evitando a sua exclusão, marginalização e especialmente a sua institucionalização. Portanto, a sua inclusão demanda a elaboração de estratégias que conduzam à igualdade, seja através da educação especial, da reabilitação, da capacitação e inserção profissional, do investimento na tecnologia a ser usada em favor dessas pessoas. A visão dessas pessoas como cidadãos detentores de autonomia tem que ser estimulada.

Constata-se, deste modo, que a preocupação atual é a de facilitar a integração da pessoa portadora de deficiência à sociedade, eliminando as barreiras da inclusão e da acessibilidade. Assim, a normativa moderna procura ensejar a igualdade de oportunidades para que os portadores de deficiência possam desenvolver-se e exercitar plenamente a sua cidadania, como membros ativos da sociedade, construindo, deste modo, a denominada sociedade inclusiva.

2 ROLLA, Giancarlo. “Las Perspectivas de los Derechos de la Persona a la Luz de las Recientes Tendencias Constitucionales”, in Revista Española de Derecho Constitucional, nº 54, 1998, pg. 70/72.

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As principais diretrizes da Reforma Psiquiátrica, portanto, foram a preocupação com a cidadania e a transformação do modelo assistencial.

A promulgação da Lei 10.216/01, que encampa esta nova visão do significado da assistência social aos portadores de transtornos mentais, assinala uma vitória do movimento da Reforma Psiquiátrica, impulsionando a rede e os serviços extra-hospitalares. Esta lei elenca uma série de direitos, dentre os quais está a garantia de ter a presença médica, a qualquer tempo, para esclarecer sobre a necessidade, ou não, de sua hospitalização involuntária; o direito de receber o maior número de informações a respeito de sua doença e respectivo tratamento; e, ainda, o de ser tratado em ambiente terapêutico por modos menos invasivos possíveis. Além disso, determina que qualquer modalidade de internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes, sendo que o tratamento visará a reinserção social do paciente em seu meio. Proíbe, também, a internação em instituições com características asilares. Determina que sejam adotadas políticas específicas para alta e reabilitação psicossocial assistida com relação ao paciente hospitalizado há longo tempo ou quando se caracterize situação de grave dependência institucional.

Esta lei pretende, assim, acabar com a institucionalização, porquanto hodienarmente é indubitável que o abandono do portador de deficiência mental em hospitais psiquiátricos significa a total privação da sua cidadania e a impossibilidade de reabilitação e desenvolvimento de qualquer capacidade que porventura possua. Seu escopo é a substituição do hospital psiquiátrico por uma rede de serviços diversificados, construindo, desta forma, um novo modelo que possibilite a reinserção psicossocial através de ações de promoção, prevenção e assistência no campo da saúde mental.

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Nessa perspectiva é que deve ser ressaltada a importância do CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, instituição extra-hospitalar que atende a estes novos postulados da Reforma Psiquiátrica e que está dentro da atual política na área de saúde mental do Ministério da Saúde.

Os CAPS se destinam a atender, em determinada área de abrangência, através de serviços multidisciplinares, pacientes com transtornos mentais severos e persistentes, estimulando a sua integração social e familiar, a sua autonomia e a reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico. É considerado um dispositivo estratégico na organização da rede de atenção em saúde mental, apresentando-se como um serviço comunitário do SUS, de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses e neuroses graves, ou seja, as que possuem grave comprometimento psíquico, cuja severidade ou persistência justifique um cuidado intensivo e personalizado, inclusive para crianças e adolescentes. Esses transtornos incluem também os causados pelo uso de substâncias psicoativas (álcool e outras drogas). Além disso, os CAPS oferecem tratamento clínico e reinserção social através do lazer, trabalho e fortalecimento dos laços familiares.

Os CAPS assumem, deste modo, papel fundamental na organização das políticas e programas da saúde mental, devendo os seus profissionais trabalhar em conjunto com as equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde, articulando-se com outras redes como a sócio-sanitária, jurídica, cooperativas de trabalho, escolas, empresas, etc. Nessa linha, são objetivos dos CAPS:

a- prestar atendimento em regime de atenção diária;

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b- gerenciar os projetos terapêuticos disponibilizando cuidado clínico eficiente e personalizado; c- promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas. Os CAPS também possuem a responsabilidade de organizar a rede de serviços de saúde mental de seu território; d- dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, PSF (Programa de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); e- regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área; f- coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território; g- manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a saúde mental.

Os NAPS/CAPS foram criados oficialmente através da Portaria GM 224/92, sendo certo que as Portarias GM 336/02 e SAS 189/02, principais normas aplicáveis à matéria, atualizaram a regulação dos CAPS, ampliando o seu funcionamento e complexidade, instituindo cinco modalidades de serviços segundo a capacidade operacional, a característica do território e a especificidade dos pacientes a serem atendidos. Desta forma, os CAPS se distinguem em:

• CAPS I e CAPS II: para atendimento diário de adultos com transtornos mentais severos e persistentes. • CAPS III: para atendimento diário e noturno de adultos, durante sete dias da semana, atendendo à população de referência com transtornos mentais severos e persistentes. • CAPSi: se destinam ao atendimento diário de crianças e adolescentes com transtornos mentais.

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• CAPSad: voltados para usuários de álcool e drogas, oferecendo atendimento diário à população com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas. O CAPSi possui leitos de repouso com a finalidade exclusiva de tratamento de desintoxicação. Tipos de CAPS.

Tipos de CAPS (PT 336/02 )Abrangência (População do Território)

CAPS I De 20.000 a 70.000 habitantesCAPS II De 70.000 a 200.000 habitantesCAPS III Acima de 200.000 habitantesCAPS Especializados AbrangênciaCAPSi  (infanto-juvenil) Acima de 200.000 habitantesCAPSad  (álcool e outras drogas) Acima de 100.000 habitantes

O programa terapêutico prescrito nos CAPS é individual, abrangendo várias modalidades de tratamento. Cada usuário permanece sob a responsabilidade do Terapeuta de Referência, profissional que prescreve o projeto terapêutico e que procede às avaliações do paciente, além de manter contato com a família.

As atividades terapêuticas dentro do CAPS são diversas, como a psicoterapia individual ou em grupo, oficinas terapêuticas (uma das principais formas de tratamento no CAPS, constituem-se em atividades realizadas em grupo, com a presença de um ou mais profissionais, dividindo-se em: a- oficinas expressivas, que se destinam à expressão plástica, verbal, musical, corporal, fotografia e teatro; b- oficinas geradoras de renda, com o intuito de propiciar o

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aprendizado de uma atividade rentável, como culinária, marcenaria, costura, artesanato, cerâmica, bijuterias, etc.; e c- oficinas de alfabetização), atividades comunitárias, artísticas, orientação e acompanhamento do uso de medicação, atendimento domiciliar e à família.

De uma forma geral, as atividades do CAPSi são as mesmas dos CAPS destinados a adultos. Os CAPSad se destinam a usuários de álcool e outras drogas e passaram a existir em 2002, oferecendo, além de outros tratamentos, a desintoxicação ambulatorial e a prevenção contra o uso abusivo de substâncias psicoativas.

De acordo com a portaria GM 336/02 os atendimentos poderão ser:

• Intensivo: atendimento diário, destinado às pessoas com grave sofrimento psíquico, em situação de crise ou dificuldades intensas no convívio social e familiar, necessitando de atenção contínua, em razão de seu quadro clínico. Esse atendimento poderá ser domiciliar, em caso de necessidade;

• Semi-Intensivo: o usuário poderá ser atendido até 12 dias por mês. Esse tipo de tratamento é oferecido quando o sofrimento e a desestruturação psíquica estão mais controlados, mas ainda é necessária a atenção direta da equipe para que possa se estruturar e recuperar sua autonomia. Esse atendimento pode ser domiciliar, se necessário;

• Não-Intensivo: disponibilizado quando a pessoa não precisa de suporte contínuo da equipe para viver em seu território e realizar suas atividades na família e/ou no trabalho, podendo ser atendido até três dias no mês. Esse atendimento também pode ser domiciliar.

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Havendo necessidade, os usuários serão medicados pela equipe do CAPS. Ademais, os CAPS podem funcionar como uma central de regulação e distribuição de medicamentos destinados à saúde mental em sua região, conforme decisão da equipe gestora local. Desta forma, poderão distribuir remédios prescritos por médicos das equipes de Saúde da Família e da rede de atenção ambulatorial da sua área de atuação.

As equipes dos CAPS são multidisciplinares, ou seja, compostas de profissionais com formações diversas. A portaria GM 336/02 define a equipe técnica mínima para cada modalidade de CAPS, nos seguintes moldes:

Tipos de profissionais que trabalham nos CAPS – Equipes mínimas CAPS I• 1 médico psiquiatra ou médico com formação em saúde mental• 1 enfermeiro• 3 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico• 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPS II• 1 médico psiquiatra • 1 enfermeiro com formação em saúde mental• 4 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, professor de educação física ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico• 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem,

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técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPS III• 2 médicos psiquiatras• 1 enfermeiro com formação em saúde mental• 5 profissionais de nível superior de outras categorias profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário de nível superior• 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPSi• 1 médico psiquiatra, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental• 1 enfermeiro• 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico• 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão CAPSad• 1 médico psiquiatra• 1 enfermeiro com formação em saúde mental• 1 médico clínico, responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas• 4 profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto terapêutico• 6 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão

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No que concerne especificamente à situação do Município do Rio de Janeiro em relação aos CAPS, verifica-se o seguinte quadro:

Em todo o Município do Rio de Janeiro existem apenas 12 (doze) CAPS, divididos da seguinte forma: 09 (nove) CAPS II (destinados a adultos), 02 (dois) CAPSi (infância e adolescência) e 01 (um) CAPSad (usuários de álcool e outras drogas). Insta salientar que, segundo o Censo de 2000, existem no Município do Rio de Janeiro 97.423 pessoas com deficiência mental permanente.3

CAPS E CAPSI (2004)CAPS RUBENS CORRÊA (1996) (CAPS II) CNPJ -29.468.055/0031-28Rua Capitão Aliatar Martins, 231, IrajáTelefone: 2481-4936 Pacientes em acompanhamento: 439 usuáriosCAPS ERNESTO NAZARETH (1998) (CAPS II) CNPJ - 29.468.055/0037-13Avenida Paranapuãn, 435, Ilha do GovernadorTelefone: 3396-5602 Pacientes em acompanhamento: 176 usuáriosCAPS FERNANDO DINIZ (2002) (CAPS II, em credenciamento)Rua Filomena Nunes, 299, OlariaTelefone: 2590-3892 Pacientes em acompanhamento: 48 usuários

3 Fonte: IBGE - Censo Demográfico (http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1971)84

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CAPS ARTUR BISPO DO ROSÁRIO (2000) (CAPS II)CNPJ - 03.390.337/0001-40Estrada Rodrigues Caldas, 3400, Taquara, JacarepaguáTelefone: 2446-7437 Pacientes em acompanhamento: 185 usuáriosCAPSI ELIZA SANTA ROZA (2001)CNPJ - 03.390.337/0001-40Rua Sampaio Corrêa, s/n, Taquara, JacarepaguáTelefone: 2446-5177 ramal 268 Pacientes em acompanhamento: 120 usuáriosCAPSI PEQUENO HANS (1998)CNPJ - 29.648.055/0034-70Rua Dirceu, 42, SulacapTelefone: 2457-7965, 3357-7299Pacientes em acompanhamento: 117 usuáriosCAPS LIMA BARRETO (2000) (CAPS II)CNPJ - 03.207.965/0001-48Avenida Ribeiro Dantas, 571, BanguTelefone: 3331-8500 Pacientes em acompanhamento: 277 usuáriosCAPS PEDRO PELLEGRINO (1997) (CAPS II)CNPJ - 29.468.055/0035-51Praça Major Vieira de Melo, 13, Campo GrandeTelefone: 24153405Pacientes em acompanhamento: 262 usuáriosCAPS SIMÃO BACAMARTE (1997) (CAPS II)CNPJ - 29.468.055/0036-32Rua Senador Camará, 224, Santa CruzTelefone: 3157-5723 Pacientes em acompanhamento: 323 usuários

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CAPS PROFETA GENTILEZA (2003)(CAPS II, em credenciamento)Estrada de Inhoaíba, 847, Campo GrandeTelefone: 3402-8132 Pacientes em acompanhamento: 100 usuáriosCAPS LINDA BATISTA (2004)(CAPS II, em credenciamento)Rua Orélia, 381, GuadalupeTelefone: 2452-7710Pacientes em acompanhamento: 85 usuáriosCAPSad RAUL SEIXAS (2004) (CAPSad, em credenciamento)Rua Dois de Fevereiro, 785, Engenho de DentroTelefone: 3111-7512 Pacientes em acompanhamento: 40 usuários

Em relação aos CAPSad (usuários de álcool e outras drogas), cabe observar que, nos termos da Portaria GM 816/02, na primeira etapa de implantação do programa (2002/2003) deveriam ter sido implantados 03 (três) desses Centros de Atenção Psicossocial. Entretanto, até hoje só existe no Município 01 (um) CAPSad, concluindo-se que o serviço está sendo fornecido de forma precária. Releva notar que, de acordo com o art. 6º desta Portaria, os municípios que implantarem novos serviços ou adequarem os já existentes recebem um incentivo adicional de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Frise-se também que a iniciativa de criar um CAPS é do gestor municipal.

No que diz respeito ao sistema de pagamento dos procedimentos realizados pelos CAPS pode-se afirmar que, com o intuito de implementar as políticas públicas direcionadas à área de saúde mental e suprimir a institucionalização, o Ministério da Saúde procurou

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incentivar a criação de novos CAPS, incluindo os procedimentos realizados nesses Centros na relação de procedimentos estratégicos do SUS, financiados com recursos do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação – FAEC. Assim é que o art. 7º da Portaria GM 336/02, preceitua que os procedimentos realizados pelos CAPS serão remunerados através do sistema APAC/SIA (Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo).

Cuida-se, desta forma, de mecanismo de financiamento próprio, extra-teto financeiro dos municípios. É certo que a Portaria SAS 189/02 define os procedimentos que deverão ser inseridos na tabela do SIA-SUS. Nos termos dos art. 2º e 3º, da Portaria GM 626/02, os valores referentes ao financiamento dos procedimentos realizados nos CAPS serão transferidos aos municípios em Gestão Plena de Sistema para conta específica vinculada ao respectivo Fundo de Saúde, devendo os gestores efetuar o pagamento aos prestadores de serviço.

Conforme se denota das informações em anexo, prestadas pelo Ministério da Saúde, dos doze CAPS existentes no Município do Rio de Janeiro apenas nove já estão efetivamente cadastrados no Ministério da Saúde. Cabe observar que a lista fornecida pelo Ministério da Saúde contém mais dois nomes – CAPSad NEPAD/UERJ e CAPSi CARIM – que não estão na lista do Município, também em anexo, por se tratar, respectivamente, de instituição estadual e federal.

Para se cadastrar um CAPS é necessário (art.13 da Portaria 189/02, da Secretaria de Assistência à saúde): a) implantação efetiva do CAPS; b) encaminhamento da proposta à Secretaria de Estado da Saúde; c) aprovação na Comissão Intergestores Bipartite; e d)

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encaminhamento ao Ministério da Saúde para homologação e cadastramento.

Confrontando os documentos apresentados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Municipal de Saúde, conclui-se que o CAPS Fernando Diniz, implantado em 2002; o CAPSad Raul Seixas, implantado em 2004; e o CAPS Linda Batista, também criado em 2004, ainda não estão cadastrados no Ministério da Saúde. Cabe ressaltar que, de acordo com o Município, os três estão em processo de cadastramento, entretanto, consoante se infere dos esclarecimentos prestados pela União, com relação ao CAPS Fernando Diniz não existe uma solicitação de cadastramento do serviço, mas sim de incentivo para a implantação, que somente foi enviada ao Ministério da Saúde em 21 de outubro de 2004, faltando documento essencial para ser instruída, qual seja, o Termo de Compromisso do Gestor, documento no qual o gestor se compromete a colocar o CAPS em funcionamento e cadastrá-lo junto ao Ministério da Saúde em um prazo de três meses, a contar da data do recebimento do incentivo. É certo que tal documento já foi solicitado ao Município por duas vezes. No tocante ao CAPS Linda Batista, até a presente não há no Ministério da Saúde qualquer requerimento. Com relação ao CAPS Raul Seixas, o pedido de incentivo financeiro para implantação do CAPS foi feito em 21 de dezembro de 2004, completando-se a sua instrução tão somente em 1º de fevereiro de 2005, já tendo sido deferida a solicitação e devendo o pagamento ser efetuado pelo Ministério da Saúde nas próximas semanas.

Insta salientar, ainda, que o CAPS Profeta Gentileza, criado no ano de 2003, somente foi cadastrado por portaria em 17 de dezembro de 2004.

Ocorre que, enquanto um CAPS não é cadastrado no Ministério da Saúde, as respectivas APACS não podem ser cobradas, ou

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seja, o município não pode receber o pagamento pela sua produção, relativa aos procedimentos realizados (arts. 10 e 11 da Portaria SAS 189/02). Verifica-se, contudo, que os serviços nestes CAPS não cadastrados vêm sendo prestados normalmente, estando os centros em pleno funcionamento, conforme os seguintes dados fornecidos pelo Município do Rio de Janeiro, referentes aos usuários atendidos durante o ano de 2004: a) CAPS Fernando Diniz – 48 usuários; b) CAPS Profeta Gentileza – 100 usuários (esse Caps deve ser incluído, porquanto somente foi cadastrado em dezembro de 2004, e assim sendo, toda a produção do ano passado, bem como a do ano de 2003, não pôde ser cobrada); c) CAPS Linda Batista – 85 usuários; e d) CAPSad Raul Seixas – 40 usuários.

Conclui-se, desde modo, que em razão da morosidade no cadastramento dos CAPS, o Município vem deixando de ser remunerado pelo Ministério da Saúde, prestando os serviços com recursos financeiros próprios, deixando, deste modo, de captar os recursos que legalmente lhe são devidos.

Ademais, de acordo com a Portaria GM 1455/03, um incentivo financeiro foi concedido para os CAPS habilitados pelo Ministério da Saúde no exercício de 2002, na ordem de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada CAPS I, R$ 30.000 (trinta mil reais) para o CAPS II, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada CAPS III e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para os CAPSi (art. 1º). Preceitua o art. 2º da referida portaria que esse mesmo incentivo seria dado aos CAPS implantados no ano de 2003. Nos mesmos moldes, a Portaria GM 1174/04 destina incentivo financeiro aos CAPS habilitados no ano de 2004; a Portaria GM 1935/04 permite que os CAPS que estiverem sendo implantados recebam incentivo antecipado e a Portaria GM 245/05 permite a concessão de incentivo financeiro para a implantação dos CAPS.

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Portanto, uma vez que os CAPS já foram criados e estão até mesmo funcionando e, deixando o Município de proceder a esta solicitação ou postergando o pedido, está negligenciando no recebimento deste incentivo financeiro, deixando de receber os recursos que são oferecidos pelo Ministério da Saúde.

Como se não bastasse, segundo o Ministério da Saúde o Município do Rio de Janeiro nem de longe está recebendo o montante que lhe seria devido, simplesmente porque não cobra a sua produção, ou seja, realiza os procedimentos nos CAPS, mas não apresenta as respectivas APACS para cobrança. Desta maneira, deixa de receber a remuneração a que faria jus segundo a Portaria GM 336/02 e SAS189/02. Registre-se que, no ano de 2004, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, 2.172 (dois mil cento e setenta e dois) usuários foram atendidos, somando-se os pacientes de todas as modalidades de CAPS.

De acordo com o Ministério da Saúde, em razão de não apresentar as APACS, o Município do Rio de Janeiro deixou de receber R$ 4.066.856,00 (quatro milhões, sessenta e seis mil, oitocentos e cinqüenta e seis reais). Essa quantia, conforme simulação feita pelo Ministério da Saúde, poderia ter sido recebida pelo Município caso cobrasse 100 % dos procedimentos da Portaria SAS 189/02. Caso cobrasse pelo menos 80 % dos procedimentos, teria recebido R$ 3.253.484,80 (três milhões, duzentos e cinqüenta e três mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais e oitenta centavos). Entretanto, o Município, segundo o Ministério da Saúde, em todo o exercício de 2004 cobrou tão somente a importância de R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais).

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Cumpre ressaltar que os valores apresentados pelo Ministério da Saúde não correspondem exatamente à realidade do Município do Rio de Janeiro, já que foi inserido o valor referente a um CAPSi (CAPSi CARIM) que é federal. Portanto, ao invés de 03 (três) CAPSi, a conta tem que ser pensada levando em consideração 02 (dois) CAPSi. Por outro lado, não estão fazendo parte da simulação do quadro do Ministério da Saúde os outros 03 (três) CAPS II que não foram cadastrados (dois não cadastrados – CAPS Linda Batista e Fernando Diniz - e um que só foi cadastrado em dezembro de 2004 – CAPS Profeta Gentileza). Portanto, na verdade o Município deixou de receber uma quantia ainda maior do que a simulada pelo Ministério da Saúde, tudo em razão da negligência dos gestores.

Resta evidente, portanto, que há negligência no recebimento de recursos financeiros que são devidos e disponibilizados pelo Ministério da Saúde ao Município mediante o cumprimento de simples procedimento burocrático, causando prejuízo ao erário e à administração da prestação do serviço de saúde mental. Não é concebível que o gestores deixem de arrecadar recursos para a estruturação e consolidação da rede extra-hospitalar, mormente quando a sua única justificativa para a falência do sistema de saúde é exatamente a falta de recursos financeiros.

I. 8 – DO DESCUMPRIMENTO AO ART. 4º DA LEI Nº 8.142/90 E DE SUAS CONSEQÜÊNCIAS

A Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde, condiciona o recebimento dos recursos do

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Fundo Nacional de Saúde à existência do Fundo de Saúde, do Conselho de Saúde, do Plano de Saúde, do Relatório de Gestão, de contrapartida de recursos no orçamento municipal e de Comissão de Elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (art. 4º).

O que se constata no Município do Rio de Janeiro é que o Conselho de Saúde funciona precariamente, não tendo o Plano de Saúde e o Relatório de Gestão sido aprovados pelo mesmo, demonstrando-se que estes importantes instrumentos de gestão não recebem a devida atenção por parte dos gestores (ANEXO X).

Além do que, o Plano de Carreira, Cargos e Salários dos profissionais de Saúde do Município até hoje não foi implantado, tendo há muito vencido o prazo de dois anos estipulado pela lei 8.142/90 em seu art. 4º, VI. O Ministério Público recebeu representação do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro, a fim de que fossem apuradas as eventuais responsabilidades (ANEXO II).

Ressalte-se que a gestão de um sistema de saúde e a implementação de ações e serviços previstos no Plano de Saúde incluem necessariamente uma intensa reflexão acerca do quadro de pessoal necessário à sua operacionalização; da quantidade e da composição das equipes de trabalho (característica central do processo de trabalho em saúde); das categorias profissionais necessárias; da distribuição do pessoal conforme a complexidade da atenção e pelas características do local de atuação; das competências e atribuições da respectiva esfera gestora do SUS; bem como da política de desenvolvimento a ser adotada. É o que preconiza o Ministério da Saúde, em Direito Sanitário e Saúde Pública, Vol II, pág. 95:

“Não é possível construir o melhor Plano de Saúde do País e tentar colocá-lo em prática sem que nele esteja

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incluída uma metodologia de participação de seus operadores (os trabalhadores de saúde) no processo, e uma abrangente, inovadora, conseqüente e respeitosa política de pessoal, na qual estejam definidas as competências de cada esfera de gestão do SUS; mecanismos e metodologias de negociação entre gestores/governo e trabalhadores; definição de carreira, cargos e salários; política de educação permanente; avaliação coletiva de desempenho da instituição, dos serviços e das equipes de trabalho; sistema de instrumentos de controle social da gestão do trabalho, dentre outros.”

Registre-se que o não-atendimento pelo Município dos requisitos estabelecidos no art. 4º da Lei n. 8142/90 é razão para que os recursos do fundo nacional de saúde sejam administrados pelo Estado (parágrafo único do art. 4º. Da Lei n. 8142/90).

I.9 – DO ORÇAMENTO (ANEXO IX)

Os problemas enfrentados pela população carioca na área de saúde não podem ser atribuídos à falta de recursos.

Primeiramente, é preciso destacar a situação peculiar do financiamento da prestação de serviços de saúde no Município do Rio de Janeiro.

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As ações em saúde são financiadas pela União, pelos Estados e pelos Municípios.

A Emenda Constitucional nº 29 impôs aos entes federativos um percentual mínimo de aplicação das verbas, dando nova redação ao art. 198 da Constituição Federal e ao art. 77 do ADCT:

“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

    I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

        II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

        III - participação da comunidade.

        § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

        § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

        I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

        II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

        III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art.

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156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

        § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

        I – os percentuais de que trata o § 2º;

        II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

        III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

        IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.

"Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:

I – no caso da União:

a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;

b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB;

II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e

III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

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§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.

§ 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei

§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal.

§ 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo."

De acordo com a sistemática adotada pelo SUS, a União repassa recursos do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos Estaduais de Saúde e Fundos Municipais de Saúde (Lei nº 8.142/90, art. 2º, IV e parágrafo único, art 3º e art. 4º, I).

O gestor municipal é o responsável pela execução das ações, e, na maioria dos municípios, grande parte dos serviços são realizados por unidades privadas, mediante o pagamento dos procedimentos, feito com verbas do Fundo Municipal de Saúde (art. 24 a 26 da Lei nº 8.080/90). Sem prejuízo, ao contrário das demais cidades brasileiras, no município do Rio de Janeiro há uma concentração de oferta de serviços em unidades hospitalares públicas.

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Há várias unidades do Ministério da Saúde no município do Rio de Janeiro: Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), Hospital dos Servidores do Estado (HSE), Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras (INCL), Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (INTO), e Instituto Nacional do Câncer (INCA). O financiamento destas unidades é quase exclusivamente feito com verbas orçamentárias do Ministério da Saúde.

A União ainda participa diretamente na prestação de serviços de saúde: 1) nas unidades hospitalares vinculadas ao MEC e pertencentes à Universidade Federal do Rio de Janeiro (Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – HUCFF, Maternidade Escola e Instituto de Puericultura Martagão Gesteira, Instituto de Neurologia Deolindo Couto, Maternidade Escola, Hospital Escola São Francisco de Assis, Instituto de Doenças do Tórax e Instituto de Ginecologia e Instituto de Psiquiatria, IPUB) e à Fundação Universidade do Rio de Janeiro (Hospital Universitário Gaffreé e Guinle); 2) nas unidades hospitalares internas à Fundação Oswaldo Cruz (Instituto Fernandes Figueira e Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas), prioritariamente voltadas, assim como as universitárias, à formação e à pesquisa; e 3) nas unidades hospitalares militares (Hospital Naval Marcílio Dias, Hospital Central do Exército, Hospital de Força Aérea do Galeão, Hospital Central da Aeronáutica, Hospital da Aeronáutica dos Afonsos, Hospital Guarnicão Vila Militar).

Além disso, há unidades estaduais cujo financiamento é feito em grande parte pelo Estado do Rio de Janeiro: Centro de Tratamento e Reabilitação de Adictos - CENTRA-RIO, Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro, Hospital Estadual Albert Schweitzer, Hospital Estadual Anchieta (Ortopedia), Hospital Estadual Carlos Chagas, Hospital Estadual Getúlio Vargas, Hospital Estadual Pedro II, Hospital Estadual Rocha Faria, Hospital Estadual Santa Maria (Tuberculose), Instituto de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione, Instituto de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti (HEMORIO), Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro, Instituto Estadual de

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Dermatologia Sanitária (Curupaiti), Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião (IEISS), Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels (LCNN), PAM Cavalcanti, PAM Coelho Neto.

Desta forma, serviços que na maioria dos municípios brasileiros são inteiramente custeados pelo Fundo Municipal de Saúde, no caso do Rio de Janeiro são custeados por verbas orçamentárias federais e estaduais.

Com relação às verbas federais, o Ministério da Saúde, em informação prestada à deputada federal Jandira Feghali, informou que a soma do teto financeiro ao orçamento dos hospitais federais, servidores federais e bolsa de residentes corresponde ao gasto de R$ 1.706.081.025,48, cerca de 5% de todo o orçamento do Ministério da Saúde.

O Ministério da Saúde paga anualmente os salários de nada mais nada menos que 10.433 funcionários públicos federais que trabalham nas unidades municipalizadas, o que importou em 2004 no dispêndio de R$ 321.361.516,38.

Nos demais hospitais federais do Ministério da Saúde situados no Município do Rio de Janeiro foram gastos mais R$ 608 milhões em 2004. Note-se que o INCA realiza 76% da radioterapia 87% da quimioterapia e 53% das internações por câncer no município. O INTO, a seu turno, realiza mais de 72% dos procedimentos de alta complexidade em ortopedia no município. Ressalte-se, nessa linha, que nenhum outro município do País dispõe de hospitais federais, custeados pelo Ministério da Saúde, para a realização da maior parte dos procedimentos em oncologia e alta complexidade em ortopedia.

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Além disso, o Ministério da Saúde pagou R$ 7.854.000,00 aos bolsistas de residência médica nos hospitais municipalizados.

Some-se o pagamento feito pelo Ministério da Saúde aos 5.308 servidores da FUNASA, 127 funcionários de três PAM’s que estão sob gestão da Secretaria de Estado da Saúde, 867 servidores do Instituto Fernandes Figueira e Evandro Chagas, e teremos mais R$ 431.009.481,61 gastos no ano de 2004.

Somando este valor ao repasse do Fundo Nacional de Saúde constata-se que a União Federal gastou com a saúde do Município do Rio de Janeiro a vultosa soma de R$ 2.137.090.506,09, o que corresponde a mais de 5% do orçamento do Ministério da Saúde, ainda que a sua população não corresponda a 5% da população nacional.

Isto sem falar nos recursos dos Ministérios da Defesa e Educação e do Estado do Rio de Janeiro.

Deve ser esclarecido, em complemento, que o repasse do Fundo Nacional de Saúde ao gestor municipal corresponde ao teto financeiro municipal, que é formado por duas parcelas: a do financiamento da atenção básica à saúde (Piso da Atenção Básica- PAB) e a do custeio dos procedimentos de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar (MAC).

O Piso da Atenção Básica é formado por uma parte fixa (PAB-Fixo), calculada com base na população, e uma parte variável (PAB- Variável), de incentivo a ações básicas de vigilância sanitária e epidemiológica, e a programas de agentes comunitários de saúde, equipes de saúde da família e combate às carências nutricionais (art. 5º da Portaria 1882/GM de 18/12/1997).

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O custeio dos procedimentos de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar é fixado de acordo com a capacidade instalada da rede local e a tabela de procedimentos do Sistema Único de Saúde, até um teto financeiro. Este teto financeiro é pactuado na Comissão Intergestores Bipartite, com base na oferta de serviços e na demanda, inclusive regional. Parte do teto já está destinada ao pagamento de procedimentos de pacientes não-residentes no município, com base na Pactuação Programada e Integrada (PPI).

Neste ponto cabe frisar que levantamentos a respeito da distribuição percentual das internações realizadas nas capitais brasileiras, de janeiro a outubro de 2004, segundo a procedência do paciente, indicaram 18,1% de pacientes não-residentes no Rio de Janeiro. Das 27 capitais, o Rio de Janeiro está em 23º lugar. O primeiro lugar é ocupado pelo Município de Vitória, onde 75,2% das internações são de não-residentes.

Segundo dados do Ministério da Saúde, os recursos repassados ao Município do Rio de Janeiro, desde 1999 até 2003, cresceram 56,54% na assistência de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar (MAC) e 33,97% no Piso da Atenção Básica (PAB).

Apenas no ano de 2000, a partir da municipalização dos hospitais federais o incremento foi de 37,01% na parcela MAC e 14,22% no PAB.

O Município do Rio de Janeiro foi o local escolhido para iniciar o Programa QualiSUS, voltado à melhoria das emergências dos hospitais, desde o acolhimento dos pacientes até o atendimento médico, alocando cerca de R$ 40 milhões em hospitais do Município do Rio de Janeiro, assim distribuídos:

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o Hospital Municipal Miguel Couto: R$ 5 milhões em reformas e R$ 2,3 milhões em equipamentos novos;

o Hospital Municipal Souza Aguiar: R$ 4,7 milhões em reformas e R$ 5,9 milhões em equipamentos novos;

o Hospital Municipal Andaraí: R$ 5,6 milhões em obras e R$ 1,7 milhão em equipamentos;

o Hospital Estadual Rocha Faria: R$ 1,2 milhão em obras e R$ 3,6 milhões em equipamentos;

o Hospital Geral de Bonsucesso: R$ 3,5 milhões em obras e R$ 4,7 milhões em equipamentos.

Além disso, o Ministério da Saúde comprometeu-se a financiar R$ 3.974.330,61 para a realização de reformas nos sistemas elétricos de hospitais federais municipalizados, por meio dos convênios firmados com o Município do Rio de Janeiro de nº 3105/2001 (Hospital Cardoso Fontes, antigo Hospital Geral de Jacarepaguá), 3098/2001 (Hospital da Piedade), 3103/2001 (Nise da Silveira) e 3223/01 (Hospital Raphael de Paula Souza). Por conta disso, no ano de 2002 o Ministério de Saúde repassou ao Município o valor de R$ 1.470.758,78. Não obstante, as obras não foram realizadas e o dinheiro permanece aplicado em fundos de investimento, sendo certo que apenas em agosto de 2004 o Prefeito propôs a denúncia dos convênios nos ofícios nº 244, 245, 246 e 247.

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Como se vê, a União cooperou financeiramente com a prestação dos serviços de saúde no Município do Rio de Janeiro como em nenhum outro município brasileiro, já que mais de 5% do orçamento da Saúde foi a ele destinado. Não obstante, em nenhum dos municípios brasileiros “menos aquinhoados” se vê um cenário tão dramático.

De outro prisma, observando-se o orçamento municipal chega-se à conclusão de que não há como alegar, seriamente, a falta de recursos.

Com efeito, no orçamento do ano de 2004 foi previsto o valor de R$ 1.657.054.271,00 para a Fundo Municipal de Saúde, incluindo-se aí o repasse de R$ 855.409.269,00 do Fundo Nacional de Saúde. Embora a arrecadação prevista não tenha sido totalmente atingida, ao final de 2004, o Fundo Municipal de Saúde encerrou o exercício com o resultado positivo de R$ 53.555.924,87, e um saldo de R$ 204.980.697,91, dos quais R$ 14.300.099,61 depositados em conta bancária.

Assim, não há como falar em falta de recursos para garantir os serviços nas unidades de saúde com tamanho saldo disponível.

A existência de saldo ao final do exercício é prática que se repete desde o ano de 2000, segundo informação da Coordenadoria de Auditoria e Desenvolvimento do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro: R$ 94.750.904,85 em 2000; R$ 156.857.536,82 em 2001; R$ 155.992.061,73 em aplicações financeiras.

Mas há outras irregularidades na gestão do orçamento municipal. No Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro do ano de 2002, do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, há a grave informação no sentido de que no demonstrativo

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referente a gastos com ações e serviços públicos em saúde do ano de 2001 foram consideradas as despesas com inativos (fl. 230), o que é absurdo.

Já no Relatório e Parecer Prévio sobre as Contas da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro do ano de 2003, embora o parecer tenha sido favorável, há a recomendação no sentido de que “... seja abolida a prática de efetuar despesas sem prévio empenho, evitando as "despesas a pagar”, principalmente no fundo Municipal de saúde, (item 13, Recomendação 6 e subitens 4.1.3.1 e 8.3.1.2 da análise da coordenadoria de auditoria de Desenvolvimento – Cad). Ressalte-se que este tema vem sendo alvo de recomendação por parte desta Corte desde o exercício de 2000 – Responsáveis: Secretário Municipal de Saúde e Chefe do Gabinete do Prefeito” (fl. 81 do Parecer).

O relatório da Inspeção Especial nos hospitais da rede municipal de saúde do Município do Rio de Janeiro, realizado pelo Tribunal de Contas do Município em janeiro de 2004 atestou também a existência da dívida acumulada de R$ 240.000.000,00 e que a dotação orçamentária de recursos próprios - fonte 100 - era de R$ 735.000.000,00 e o gasto de pessoal, sem considerar os servidores federais, foi de R$ 799.000.000,00, ou seja, ultrapassou toda a fonte 100, sem definir como seriam financiados custeio e investimentos (ANEXO XI).

A distorção e a inadequação dos gastos com pessoal são evidentes e fruto da administração ineficiente dos recursos humanos. A dívida acumulada é o resultado da ineficiência administrativa, já que nunca houve uma preocupação com a qualidade do serviço, muito menos com a necessidade de otimizar recursos.

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Mas a dívida já começa a causar reflexos na prestação de serviços, que se já não corresponde ao mínimo exigível, poderá piorar ainda mais. Nesse sentido, o Sindicato das Empresas de Refeições Coletivas do Rio de Janeiro já informou que, diante da inadimplência, só poderá garantir o fornecimento de refeições de acordo com a disponibilidade dos seus estoques, conforme documentos constantes do ANEXO IX.

A comparação com outra metrópole reforça o entendimento de que nunca houve falta de recursos mas sim de gestão eficaz. Conforme informação em seu site (http://ww2.prefeitura.sp.gov.br// secretarias/financas/execucao_orcamentaria/execucao_orcamentaria.asp), a Prefeitura de São Paulo orçou R$ 1.923.915.847 para a Secretaria Municipal de Saúde – Fundo Municipal de Saúde. Foram arrecadados R$ 1.632.858.732, dos quais foram empenhados R$ 1.599.251.110 e liquidados R$ 1.550.381.698. No demonstrativo de despesa por função, os valores destinados à saúde são superiores: R$ 2.532.975.483, R$ 2.334.485.025, R$ 2.268.605.430 e R$ 2.186.107.145, respectivamente.

Note-se que os valores orçados e realizados do Fundo Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e de São Paulo são muito próximos.

Não obstante o fato de São Paulo ser uma cidade muito mais populosa, o repasse do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal do Rio de Janeiro foi de R$ 666.275.617,98 enquanto ao Fundo Municipal de São Paulo foi de R$ 754.329.390,08. No entanto, porque há hospitais federais e servidores federais atuando nestas unidades e outros órgãos federais (FUNASA, FIOCRUZ) e nas unidades municipalizadas, o Ministério da Saúde gasta mais R$ 1,5 bilhão para prestar serviços de saúde.

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Desta forma, se em São Paulo foram gastos em 2004 R$ 2.186.107.145, no Rio de Janeiro foram gastos quase R$ 3.000.000.000,00. Portanto, os gastos na Cidade do Rio de Janeiro ultrapassam os gastos em São Paulo na saúde em centenas de milhões de reais. No entanto, segundo o Censo Demográfico 2000 do IBGE, a população do Rio de Janeiro é 5.857.904 habitantes enquanto a de São Paulo é de 10.434.252, ou seja, quase o dobro.

É importante lembrar que, de acordo com suas demonstrações contábeis, o Município apresentou superávit de mais de 225 milhões em 1999, 338 milhões em 2000 e 962 milhões em 2001.

Ainda que os dados apresentados até aqui sejam suficientes para revelar que a crise não foi causada por falta de recursos, é preciso acrescentar que o Município do Rio de Janeiro poderia ter tomado uma série de ações para o aumento dos recursos pagos pelo Ministério da Saúde.

Como foi dito anteriormente, o valor do repasse do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal de Saúde é constituído pelo Piso da Atenção Básica Fixo (PAB-Fixo), pelo Piso da Atenção Básica-Variável (PAB–Variável) e por parcela de custeio dos procedimentos de média e alta complexidade, fixada até um teto. O PAB – Fixo é calculado pela multiplicação da população pelo valor per capita, que atualmente é de R$ 13,00. O PAB-Variável depende do número cadastrado de agentes comunitários, equipes de saúde da família e de saúde bucal. Já o teto é fixado conforme proposta aprovada na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e Comissão Intergestores Tripartite (CIT).

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Nestas três parcelas a Prefeitura poderia ter obtido mais recursos.

Note-se que antes de a Portaria GM/MS nº 2.023, de setembro de 2004, unificar a forma de gestão da atenção básica, o valor per capita do Rio de Janeiro era de R$ 10,00.

No entanto, a Prefeitura poderia ter pleiteado desde 2001 a habilitação na gestão plena da atenção básica ampliada para que o valor per capita passasse, a partir do exercício financeiro de 2002, para R$ 12,00.

Ocorre que o município do Rio de Janeiro não se habilitou em nenhum dos dois momentos (Portaria GM/MS n.º 2.034/01 e Portaria GM/MS n.º 398/03), continuando a receber o valor de R$ 10,00 por habitante ao ano.

Para receber o valor per capita de R$ 12,00, os municípios deveriam atender ao disposto nos itens 47 e 48 da NOAS-SUS 01/2001, relativos às exigências para a habilitação nas condições de gestão definidas. Estas exigências correspondem à ampliação das responsabilidades pela prestação de serviços e ações de saúde.

Vê-se, assim, que de acordo com informações fornecidas pelo Ministério da Saúde, o total não-recebido pelo Município pela omissão de sua habilitação na gestão plena da atenção básica ampliada, do ano de 2002 ao ano de 2004, corresponderia a R$ 20.532.692,32 no PAB-Fixo.

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Na parcela PAB-Variável o Município também poderia ter recebido os recursos proporcionais ao incremento do número de Agentes Comunitários, de Equipes de Saúde da Família e de Equipes de Saúde Bucal, bem assim dos serviços prestados pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

De notar-se que o Projeto de Expansão e Consolidação do Programa da Saúde da Família (PROESF) é financiado em parte pelo Banco Mundial-BIRD, por intermédio do Ministério da Saúde, que visa à reorganização da Atenção Básica, segundo os princípios do Programa de Saúde da Família, buscando-se a sua implantação e consolidação nos grandes centros urbanos.

O Município do Rio de Janeiro foi aprovado e habilitado no PROESF pela Portaria nº 1.099/03, em 11 de julho de 2003, tendo pactuado na respectiva Carta de Compromisso as metas de implantação de 516 equipes de saúde da família (ESF) e 258 equipes de saúde bucal (ESB), em troca do repasse de R$ 23.324.855,00. Não obstante, até o momento o município comprovou ao Ministério da Saúde a execução de apenas R$ 802.394,00, do repasse de R$ 2.061.025,00. Por isso, não houve outros repasses em razão da falta da comprovação das metas pactuadas.

Registre-se que a meta mínima para este ano é de 15% de cobertura populacional, ou seja, o Rio de Janeiro deverá contar com 258 equipes; em junho de 2007 a meta é de 25% de cobertura e, finalmente, em 2009 deverá ser atingida a cobertura de 30% da população. No entanto, passados quase dois anos, foram cadastradas apenas 23 novas equipes de saúde da família (ESF) e 7 equipes de saúde bucal (ESB).

Não se deve descurar de que o não-cumprimento das metas acima referidas pelo segundo maior município do país poderá

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comprometer o cumprimento do contrato com o Banco Mundial e prejudicar o financiamento de projetos futuros.

Além da não-liberação de novos recursos de incentivo à implantação das equipes, o descumprimento das metas reflete negativamente no plano orçamentário, pois o aumento no número das equipes em funcionamento significará o acréscimo dos valores de custeio das equipes no PAB-Variável.

Note-se que de acordo com o Ministério da Saúde, no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) atualmente encontram-se registradas apenas 57 Equipes de Saúde da Família e quatro Equipes de Saúde Bucal do Município do Rio de Janeiro. Atualmente, as equipes cadastradas cobrem apenas 3% da população.

No entanto, o documento da Prefeitura chamado “Situação da Implantação da Estratégia PSF/PACS no Município do Rio de Janeiro, - Consolidado Geral – Janeiro/2005” noticia a existência de 109 Equipes de Saúde da Família, 85 em funcionamento e 24 “em ativação”, e 48 Equipes de Saúde Bucal, 36 em funcionamento e 12 “em ativação”. As equipes em funcionamento correspondem a 5,11% de cobertura populacional, cerca de um terço da meta pactuada para o final de 2005.

O não-registro destas equipes no Sistema de Informações em Atenção Básica implica em não-recebimento, por parte do município, do repasse financeiro do Ministério da Saúde. Ou seja, não houve o cadastramento das equipes, e esta falha acarreta a perda de receita mensal.

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Segundo a Portaria n.º 396/GM , de 04 de abril de 2003, cada Equipe de Saúde da Família recebe o valor de custeio anual, segundo a cobertura populacional. Em municípios com mais de 100 mil habitantes, a cobertura de 0 a 4,9 % garante o valor anual por equipe de R$ 33.612, 00. No entanto, se a cobertura correspondesse à meta pactuada, 15% o valor subiria para R$ 46.224,00. Já o custeio por Equipe de Saúde Bucal varia apenas pela modalidade, determinada pelos serviços prestados. A modalidade um paga R$ 15.600,00 e a modalidade 2, R$ 19.200,00. O valor total não arrecadado pelo Município com relação aos dois programas alcança o montante de R$ 1.440.336,00.

Mas não é só. Além do repasse financeiro o Ministério da Saúde remete um kit de medicamentos por equipe cadastrada: A Portaria GM/MS N.º 343, de 21 de março de 2001, cria o Incentivo à Assistência Farmacêutica Básica, destinado aos municípios participantes. É constituído por um elenco de Medicamentos definido pela Portaria nº 1397/GM,de 19 de abril de 2002, que é enviado trimestralmente aos municípios que tenham equipes da Saúde da Família implantadas em funcionamento e que tenham recebido os recursos financeiros referentes ao mês anterior. Cada equipe recebe 01 (um) Kit de Medicamentos por trimestre. À medida que se realiza o registro de mais equipes no SIAB, o número de kits aumenta.

Segundo informação do Ministério da saúde, o quantitativo dos medicamentos que compõem o Kit foi calculado para atendimento trimestral de uma média de 3.450 (três mil quatrocentos e cinqüenta) pessoas cadastradas por equipe do Programa Saúde da Família.

Com já abordado anteriormente, em todo o Município do Rio de Janeiro existem apenas 12 (doze) Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, serviço comunitário que tem como papel cuidar de pessoas que

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sofrem com transtornos mentais, em especial os transtornos severos e persistentes.

No entanto, conforme informações em anexo, prestadas pelo Ministério da Saúde, apenas nove deles já estão efetivamente cadastrados no Ministério da Saúde.

Cabe observar que a lista fornecida pelo Ministério da Saúde contém mais dois nomes – CAPSad NEPAD/UERJ e CAPSi CARIM – que não estão na lista apresentada pelo Município, também em anexo, já que o primeiro é uma instituição estadual e o segundo federal.

Desta forma, segundo informações do Município, funcionam 12 CAPS: 9 CAPS II, 2 CAPSi e 1 CAPSad.

Segundo informações do Ministério da Saúde, o município do Rio de Janeiro cobrou apenas, em todo o exercício de 2004, cerca de R$ 22.000,00 - muitíssimo abaixo do esperado, pois não corresponde ao faturamento esperado em um único mês em uma CAPSi, que é de R$ 27.314,00 (Portaria SAS nº 189/02).

Por esta razão, o Ministério da Saúde estima que, embora o atendimento aos pacientes seja normal, a demonstração de atendimento através da apresentação de autorizações de procedimento de média e alta complexidade não está sendo informada ao sistema. Ou seja, o Município não cobra pelos serviços que presta.

Neste ponto cumpre notar que o pagamento dos procedimentos é feito pelo com verbas do Fundo de Ações Estratégicas e

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Compensação – FAEC, recursos chamados extra-teto, que não estão compreendidos no teto financeiro do Fundo Municipal de Saúde, fixado previamente e cujo repasse é feito pelo Fundo Nacional de Saúde em parcelas fixas, independentemente da produção.

Os recursos do FAEC são pagos após a produção, mediante a emissão de Autorização de Procedimento de Alta Complexidade –APAC, pelo gestor local, que encaminha a informação ao Ministério da Saúde, que então repassa os valores ao Fundo Municipal de Saúde.

Ou seja, o Rio de Janeiro, só recebeu R$ 22.000,00 por que informou a produção equivalente.

Para cada unidade CAPS há um teto de produção mensal de procedimentos, que equivale ao pagamento de R$ 27.314,00 para a CAPSi, de R$ 41.083,50 para CAPS II e de R$ 31.385,00 para CAPSad, de acordo com a Portaria nº Portaria SAS nº 189/02.

Para estimar a perda mensal e anual do Município do Rio de Janeiro vamos considerar apenas as informações prestadas pelo Município: 2 CAPSi, 7 CAPS II, e 1 CAPSad.

O Município deixa de receber mensalmente R$ 54.628,00 pelas CAPSi, R$ 287.584,50 pelas CAPS II, e R$ 31.385,00 pela CAPSad, num total mensal de R$ 373.597,50. Ainda que considerássemos a produtividade de 80% do teto, o Município deixa de receber mensalmente R$ 43.702,40 pelas CAPSi, R$ 230.067,60 pelas CAPS II e R$ 25.108,00 pelas CAPSad, num total mensal de R$ 298.878,00.

Em um ano o Município deixa de receber R$ 655.536,00 pelas CAPSi, R$ 3.451.014,00 pelas CAPS II e 382.296,00 pela CAPSad, totalizando R$ 4.488.846,00 anuais.

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Ainda que simulássemos um atendimento que correspondesse a 80% do teto mensal, o Município receberia R$ 524.428,80 pelas CAPSi, R$ 2.760.811,20 pelas CAPS II e R$ 305.836,80 pela CAPSad, totalizando R$ 3.591.076,80 anuais.

Além disso, o número de CAPS poderia ser ampliado, o que garantiria além do pagamento da produção, a incorporação no teto financeiro do Município dos valores de incentivo concedidos pelo Ministério da Saúde.

Como já foi referido anteriormente, a Portaria GM 1455/03 concedeu um incentivo financeiro para os CAPS habilitados pelo Ministério da Saúde no exercício de 2002, na ordem de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada CAPS I, R$ 30.000 (trinta mil reais) para o CAPS II, R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada CAPS III e R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para os CAPSi (art. 1º). Preceitua o art. 2º da referida portaria que esse mesmo incentivo seria dado aos CAPS implantados no ano de 2003. Nos mesmos moldes, a Portaria GM 1174/04 destina incentivo financeiro aos CAPS habilitados no ano de 2004; a Portaria GM 1935/04 permite que os CAPS que estiverem sendo implantados recebam incentivo antecipado e a Portaria GM 245/05 permite a concessão de incentivo financeiro para a implantação dos CAPS.

Mas além das verbas de custeio há outras verbas para investimento, ligadas a programas do Ministério da Saúde.

Um deles é o SAMU. A Portaria nº 1864/GM, de 29 de setembro de 2003, instituiu o componente pré-hospitalar móvel da Política Nacional de Atenção às Urgências, por intermédio da implantação de Serviços de Atendimento Móvel de Urgência em municípios e regiões de todo o território brasileiro: SAMU- 192.

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Nesta Portaria há previsão do incentivo para aquisição de equipamentos e adequação de áreas físicas das centrais de regulação previstas, mediante contrapartida do Estado e do Município. Para Municípios com população acima de 500.000 habitantes, de até R$ 200.000,00, para os equipamentos e de até R$ 150.000,00, para a área física, além do custeio das equipes:

a) R$ 12.500,00 por mês, por Equipe de Suporte Básico;

b) R$ 27.500,00 por mês, por Equipe de Suporte Avançado;

c) R$ 19.000,00 por mês, por Equipe da Central SAMU-192.

Há ainda o incentivo previsto no Projeto de Cirurgias Eletivas, previsto na Portaria MS/GM nº 1372/04.

Segundo informação do Ministério da Saúde, após um levantamento de dados realizado em seu sistema de informações, foi constatado que o Município do Rio de Janeiro não encaminhou qualquer Projeto de Cirurgias Eletivas para a Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade Ambulatorial até o presente momento.

Considerando que a Portaria MS/GM de n° 1.372 de 10/07/04 prevê o pagamento de R$ 1,00 per capita por ano, aplicado à população total a ser contemplada (somatório das populações alvo, conforme o fluxo de referência pactuado na Comissão Intergestores Bipartite), o Município deixa de receber R$ 3.025.699,50 por semestre.

A conseqüência de tal omissão pode ser constatada nos fatos noticiados pelo jornal “O Globo” de 12 de março de 2005, em matéria intitulada “A longa fila por uma cirurgia. - Quase quinze mil pessoas esperam para ser operadas em dez hospitais do Rio”. Na matéria, os jornalistas fizeram o levantamento em dez hospitais e constataram que “Quarenta e

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três por cento dos casos (6.390 pessoas) são de apenas quatro unidades: os hospitais de Ipanema, da Lagoa, do Andaraí e Cardoso Fontes, que eram administrados pela prefeitura do Rio e sofreram intervenção do Ministério da Saúde na quinta-feira passada.” (ANEXO XII)

Há verdadeiro desrespeito ao direito à saúde - reconhecido na constituição e cujo zelo é compromisso assumido pelo Brasil perante a comunidade internacional - quando o responsável pela gestão plena do Município do Rio de Janeiro, embora tenha recursos suficientes, deixa de realizar as políticas públicas necessárias ao cumprimento do dever.

Registre-se que mesmo que o orçamento destinado à saúde não fosse suficiente, seria preciso reconhecer que o cumprimento do dever constitucional impõe ao governante a implementação de políticas públicas, com o eventual remanejamento de verbas de outras áreas.

Sobre o ponto, não é destituído de importância relembrar que o Brasil ratificou, através do Decreto Legislativo nº 226 de 12 de dezembro de 2001, promulgado pelo Decreto nº 592 de 6 de dezembro de 2002, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 16 de dezembro de 1966, cujo órgão de fiscalização e controle da aplicação é o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais criado pelo Conselho Econômico e Social da ONU através da Resolução nº 1985/17.4, o qual dispõe:

ARTIGO 12

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno

4 Comparato, Fábio Konder. “A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos”. São Paulo, Saraiva, 2004, 3ª ed. p. 338

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exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

a) a diminuição da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças;

b) a melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;

c) a prevenção e tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças

d) a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade.

Com a ratificação em 1996 do Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador) o Brasil comprometeu-se a dar efetividade ao direito à saúde:

Artigo 10 - Direito à saúde

1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social.

2. A fim de tornar efetivo o direito à saúde, os Estados Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e especialmente a adotar as seguintes medidas para garantir este direito:

a) Atendimento primário de saúde, entendendo-se como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade;

b) Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado;

c) Total imunização contra as principais doenças infecciosas;

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d) Prevenção e tratamento das doenças endêmicas, profissionais e de outra natureza;

e) Educação de população sobre a prevenção e tratamento dos problemas de saúde, e

f) Satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por suas condições de pobreza, sejam mais vulneráveis.”

Enquanto os direitos humanos constantes nos pactos sobre Direitos Civis e Políticos constituem um meio de defesa contra o abuso do poder estatal, os pactos sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais reconhecem que os direitos civis e políticos só podem ser realizados por intermédio da criação de condições que garantam a sua efetividade.

Nos dias atuais, o problema dos direitos do homem deixa de ser a sua fundamentação ou reconhecimento, pois para protegê-los não basta proclamá-los: “O problema real que temos enfrentar, contudo, é o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos.”5

O reconhecimento da necessidade de medidas para a sua proteção pode ser chamada de dimensão objetiva dos direitos humanos, que é assim definida por André Carvalho Ramos6:

“A dimensão objetiva dos direitos humanos consiste em reconhecer que os direitos humanos não devem ser entendidos apenas como um conjunto de posições jurídicas conferidas a seus titulares, mas também como um conjunto de regras impositivas de comportamentos voltados à proteção daqueles direitos subjetivos conferidos aos indivíduos. De fato, essa dimensão objetiva faz com que direitos humanos sejam regras de imposição de

5 Bobbio, Norberto. “A era dos direitos”, Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 25 e 376 Ramos, André Carvalho. “O combate à corrupção e a Lei de Improbidade” in “Improbidade administrativa – 10 anos da Lei º 8.429/92” Belo Horizonte, Del Rey, 2002, p. 13 e 16

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deveres, em geral ao estado, de implementação e desenvolvimento dos direitos individuais.

(...)

Note-se que a dimensão objetiva dos direitos humanos impõe aos Estados que criem procedimentos e estruturas que previnam a ocorrência de violações de direitos protegidos. ”

Como se vê os Estados têm o dever de garantia dos direitos humanos. A falha no cumprimento deste dever leva à responsabilização dos Estados pela violação de direitos humanos. Neste sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já afirmou, no Caso Velásquez Rodriguez, que7:

“O desaparecimento forçado de seres humanos é uma violação múltipla e contínua de muitos direitos constantes da convenção, que os Estados-partes são obrigados a respeitar e garantir. Esta obrigação implica no dever dos Estados-partes de organizar um aparato governamental no qual o poder público é exercido, capaz de juridicamente assegurar o livre e pleno exercício dos direitos humanos. Como conseqüência desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir qualquer violação de direitos enunciados na Convenção e, além disso, se possível, devem buscar a restauração do dano violado, prevendo uma compensação em virtude dos danos resultantes da violação.”

7 Piovesan, Flávia. “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, São Paulo, Max Limonad, 2000, 4ª ed

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Assim, o dever de garantia impõe ao Estado assegurar por medidas jurídicas, políticas e administrativas o exercício dos direitos humanos.

Neste sentido, o art. 196 da Constituição Federal garantiu o direito à saúde, compelindo o Estado a abandonar a sua inércia e a implementar políticas públicas eficazes.

Mas o dever de garantia dos direitos humanos pactuados internacionalmente exige que o Estado crie procedimentos e estruturas que previnam a ocorrência de violações deste mandamento constitucional, garantindo a implementação destas políticas públicas.

Neste ponto o Poder Judiciário passa a ter um papel central no dever de garantia, o que significa dizer que a realização destas políticas públicas pode ser pleiteada juridicamente, através de ação civil pública, prevista na Lei nº 7.347/85.

Mas por outro lado, como foi dito anteriormente, o direito de garantia impõe o dever de investigar, punir e estabelecer a reparação nos casos de violação dos direitos humanos. Neste sentido, a Lei de Improbidade Administrativa passa a ser um importante instrumento sancionatório nos casos em que a violação ocorrer por ação ou omissão dos agentes públicos, sendo, assim, um importante instrumento do dever de garantia.

Mas ainda que a ação ou omissão do Poder Público, por intermédio de seus agentes, não violem frontalmente os direitos humanos, há a violação indireta na medida em que o gozo dos direitos humanos, principalmente os direitos sociais, dependem de políticas públicas, o que torna imprescindível o controle dos atos administrativos e a garantia da administração proba, definida como “a escorreita ação administrativa, que

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deve observar os princípios de boa-fé, honestidade e eficiência no trato da coisa pública, além da tradicional preservação da incolumidade patrimonial do Estado. Sempre é bom lembrar que o desperdício da coisa pública, além de onerar toda a sociedade, posterga a efetivação dos direitos humanos, que exigem uma série de prestações positivas do Estado.”8

Desta forma, qualquer ato de improbidade administrativa é um ato de violação dos direitos humanos, merecendo, por isso, severa punição.

Com mais razão o descumprimento do mandamento constitucional previsto no art. 196, seja por ausência de políticas públicas, seja por violação aos princípios administrativos, seja por desvio de finalidade, caracteriza-se, a um só tempo, com ato de improbidade e como ato de violação dos direitos humanos, tornando a aplicação das sanções da Lei nº 8.429/92 um mecanismo de garantia do cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

I.10 - IRREGULARIDADES CONSTATADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS MUNICIPAL RELATIVAMENTE À EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA DOS ANOS DE 2001, 2002 E 2003: DESPESAS SEM EMP ENHO; INEXECUÇÃO DO ORÇAMENTO E DE DIVERSOS PROJETOS; NÃO-APLICAÇÃO DE PARCELAS SIGNIFICATIVAS DO FUNDO MUNICIPAL DE SAÚDE.

Despesas sem empenho

No Processo 40/001.536/2002 do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, referente à Tomada de Contas realizada pela Coordenadoria de Auditoria e Desenvolvimento, ficou constado que

8 idem, p. 20119

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no exercício de 2001 a Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro teve um montante de despesas sem prévio empenho no valor de aproximadamente setenta e sete milhões, repetindo-se a irregularidade no ano de 2000, ocasião em que houve despesas de setenta milhões e meio sem empenho.

Nos exercícios de 2002, 2003 e 2004 as práticas ilegais foram reiteradas, tendo sido realizadas várias despesas sem prévio empenho, pois os valores foram empenhados após a realização do serviço ou a entrega do bem. O Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro relacionou 214 (duzentos e quatorze) Termos de Ajuste referentes a despesas realizadas no exercício de 2003 sem prévio empenho (conforme Prestação de Contas de 2003).

Com tal atitude os gestores municipais descumpriram o art. 60 da Lei nº 4.320/64 (“Art. 60. É vedada a realização de despesas sem prévio empenho”).

Em 2003 foram regularizadas diversas despesas ilegais referentes ao exercício de 2002/2003, conforme constatado em Termos de Ajuste constantes da prestação de contas de 2003. Considerando que não existe despesa sem prévio empenho, a realização dos Termos de Ajuste objetivou sanar o descumprimento do art. 60 da Lei nº 4.320/64 bem como o art. 114 do RGCAF – Regulamento Geral do Código de Administração Financeira Municipal.

Inexecução Orçamentária

O Tribunal de Contas do Município, por intermédio do Processo nº 013/156/2002, elaborou demonstrativo da execução orçamentária da Secretaria Municipal de Saúde no exercício de 2001.

Execução Orçamentária – R$120

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Despesa Autorizada no inicio do exercício -> A

974.876.129,00

Créditos Suplementares –> B 237.227.297,32Créditos Cancelados –> C (168.399.712,01)Dotação Final -> D = (A + B – C) 1.043.703.714,31Despesa Empenhada –> E 916.184.097,54Economia Orçamentária -> F = (D – E) 127.519.616,77Despesa Liquidada –> G 903.322.684,83Despesas Pagas –> H 825.509.856,64Restos a Pagar Processados –> I = (G – H) 77.812.828,19Restos a Pagar Não Processados –> J = (E – G)

12.861.412,71

Como podemos verificar no quadro da execução orçamentária acima, a Secretaria Municipal de Saúde teve à sua disposição, durante o exercício de 2001, uma dotação de R$ 1.043.703.714,31, representando aproximadamente 19,4% (1.043 / 5.380) do orçamento total da Prefeitura. A Secretaria Municipal de Saúde realizou aproximadamente 87,8% (916 / 1.043) do orçamento destinado em 2001. Houve uma economia orçamentária no exercício de R$ 127.519.616,77. O valor dos restos a pagar processados, representado pelas despesas que foram liquidadas mas não pagas, foi de R$ 77.812.828,19. Os restos a pagar não processados, representados pelas despesas que foram empenhadas mas que não conseguiram ser liquidadas durante o exercício, ficaram em R$12.861.412,71.

Contudo, também foi verificado que dos 71 (setenta e um) Programas de

Trabalho da SMS, 20 (vinte) estavam com percentual de realização zerados, conforme relação a seguir,

representando 28,16% do total programado:

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Nº Programa Descrição Dotação – R$

% Realizado

1801.13072172.472

Trein Pess Escola 1º socorros

50.000,00 0%

1801.13754281.252

Projeto multisetorial da Maré

71.000,00 0%

1801.13754281.392

Est. Viabil Centro Reabilitação

50.000,00 0%

1801.1375282.423 Apio a ABBR 600.000,00 0%1802.13754282.052

Municipaliz. Unid. Assistenc.

60.000,00 0%

1804.13754281.176

Impl. Consultório Saúde

2.500.000,00

0%

1804.13754281.393

Impl Núcleo Aten. Alcoolismo

1.100.000,00

0%

1804.13754281.394

Impl. Centro Alzheimer

600.000,00 0%

1804.13754281.396

Programa Saúde Mulher

500.000,00 0%

1804.13754281.399

Programa hospital em casa

100.000,00 0%

1805.13754281.414

Moderniz. Tecnol. AP-1

850.000,00 0%

1805.13754281.415

Moderniz. Tecnol. AP-2

850.000,00 0%

1807.13754281.416

Moderniz. Tecnol. AP-2

550.000,00 0%

1807.13754281.417

Moderniz. Tecnol. AP-3.1

600.000,00 0%

1807.13754281.41 Moderniz. Tecnol. 600.000,00 0%

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Nº Programa Descrição Dotação – R$

% Realizado

8 AP-3.21807.13754281.419

Moderniz. Tecnol. AP-3.3

500.000,00 0%

1807.13754281.420

Moderniz. Tecnol. AP-4.0

700.000,00 0%

1807.13754281.421

Moderniz. Tecnol. AP-5.1

400.000,00 0%

1807.13754281.422

Moderniz. Tecnol. AP-5.2

250.000,00 0%

1807.13754281.423

Moderniz. Tecnol. AP-5.3

250.000,00 0%

Cabe destacar que alguns Programas, relacionados a seguir, de imensa relevância para a saúde da população do Município do Rio de Janeiro tiveram uma realização inferior a 50% do previsto.

Programa Descrição Dotação – R$

% Realizado

1804.13754282.068

Programa - DST/AIDS

3.884.470,00 41%

1804.13754282.128

Progr. Doença Transmis.

547.806,91 38%

1804.13754282.130

Programa Epidemiologia

700.000,00 43%

1804.13754282.131

Programa Saúde Bucal

700.000,00 8%

1804.13754282.132

Programa Doença Crônica

1.800.000,00 10%

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Em função de a arrecadação ter sido superior à receita prevista, salvo melhor juízo, não há justificativa para a não-execução dos programas de trabalho acima indicados, o que implica violação ao princípio da eficiência, especialmente em se tratando de uma área tão delicada quanto é a de prestação de serviços de saúde.

Em relação à prestação de contas de 2002, o Tribunal de Contas do Município verificou que o Fundo aplicou os recursos auferidos no exercício e mais uma mínima parcela (0,05%) dos recursos do disponível acumulado, em dezembro de 2001. Em virtude disso, o FMS, pela primeira vez, apresentou uma redução no saldo do seu disponível, contrastando com os exercícios anteriores, onde houve acúmulo de saldos financeiros, conforme relatado a seguir: no exercício de 2000, deixaram de ser aplicados aproximadamente 7 milhões (R$ 94,7milhões – R$ 87,8 milhões) dos recursos auferidos no ano; em 2001, o montante não aplicado foi de R$ 62 milhões (R$ 156,8 milhões – R$ 94,7 milhões).

Embora não tenha havido um aumento no saldo financeiro no exercício ora analisado, observa-se que o Fundo ainda possuía, em dezembro de 2002, R$ 156.783.896,53 acumulados.

Essa posição está apresentada no quadro a seguir:

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R$ 1,00

Receitas Despesas Saldodez/99 87.820.507,03

2000 641.258.465,93 634.328.068,11 94.750.904,85

2001 1.052.024.987,97 989.918.355,90 156.857.536,92

jan/02 92.333.589,62 77.132.946,88 172.058.179,66

fev/02 77.897.152,42 60.643.511,00 189.311.821,08

mar/02 101.515.216,20 71.918.247,49 218.908.789,79 abr/02 88.740.054,36 103.077.715,56 204.571.128,59

mai/02 93.667.266,73 71.855.020,07 226.383.375,25

jun/02 100.224.534,81 104.551.150,88 222.056.759,18

jul/02 102.105.691,29 136.888.764,76 187.273.685,71

ago/02 93.711.043,18 66.937.081,11 214.047.647,78

set/02 102.928.037,21 104.547.824,61 212.427.860,38 out/02 96.581.449,82 137.239.703,99 171.769.606,21 nov/02 109.030.507,02 90.009.405,83 190.790.707,40 dez/02 295.823.640,32 329.830.451,19 156.783.896,53 Fonte: Balancetes Mensais do FundoCálculos: CAD/SCE/TMRJ

FMSEvolução do disponível no período 1999/2002

Com isso constatou-se que deixou de ser aplicado parcela significativa de recursos apesar da existência de saldo financeiro em conta corrente.

Mesmo considerando a existência de restos a pagar, o que demanda a necessidade de reserva financeira para cumprir o compromisso, conforme exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, pode-se perceber que o valor deixado em caixa pelo Município é bem superior aos compromissos que seriam honrados no exercício posterior.

Apesar disso, não foram realizados no exercício de 2002 os seguintes projetos e atividades:

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1481 PROJETO DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS EM SAUDE - SIGER 1518 PLANO NACIONAL DE SEGURANCA PUBLICA - RIO - SMS 2056 OUTRAS DESPESAS DE PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS 2525 QUALIFICACAO DAS UNIDADES DE SAUDE 3090 CONSTITUICAO DE RESERVAS PATRIMONIAIS - SAÚDE 1555 CONSTRUCAO,POSTO DE SAUDE EM HONORIO GURGEL -NO TERR.ANTIG.FAB.MUNDIAL-TRAV.URURAI.-EL1759 1556 CONSTRUCAO DE POSTO DE SAUDE NA COMUNIDADE DOS BANCARIOS- ILHA DO GOVERNADOR. - EL 5496 1557 CONSTRUCAO DE POSTO DE SAUDE NA COMUNIDADE DA VILA CRUZEIRO NO BAIRRO PENHA.- EL 5497 1558 CONSTRUCAO DE POSTO DE SAUDE NA COLONIA TUBIACANGA - ILHA DO GOVERNADOR. - EL 4101 2620 IMPLANTACAO DE PLANO DE CARGOS, CARREIRA E REMUNERACAO. - EL.5474 2621 DESENV.DE ATIV.DE ANIMACAO E ENTRET.P/CRIANCAS INT.UNID.DA REDE MUN.SAUDE - EL 7049 2622 CONVENIO COM A ABBR VISANDO AO ATENDIMENTO EM REABILIT.DE PESSOAS PORT.DEFICIENCIA.-EL7050 2623 MUNICIPALIZACAO DO HOSPITAL ROCHA FARIA - EL 7473 2624 INSTITUICAO DO PROGRAMA DE PREVENCAO E TRATAMENTO DA OBESIDADE INFANTIL. - EL 7247 2625 IMPL.SIST.DE ATEND.TELEF.P/ORIENT.POP.C/PROBL.SAUDE MENTAL-CONV.AFDM-RIO -EL7043 2626 IMPLANTACAO DE SERVICO DE ASSISTENCIA A DROGADITOS - EL 5473

PROJETO/ATIVIDADE

Fonte: FINCON

Outras impropriedades cometidas pelos gestores municipais podem ser citadas: não há controle sobre os recursos recebidos do SUS. A SMS não faz o acompanhamento das metas e objetivos traçados no Plano Geral de Metas e Objetivos (Resolução SMS nº 812/2001), conforme Prestação de Contas do ordenador de despesas referente ao exercício de 2003, em violação ao princípio da legalidade.

I.11 – O DESRESPEITO E A OBSTRUÇÃO AO EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL (ANEXO X)

O direito à saúde, além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. A Constituição da República de 1988 afirmou os princípios constitucionais da gestão do sistema de saúde: a descentralização, a direção única, a regionalização, o financiamento solidário, o planejamento ascendente, a utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a divulgação de informações, a integração das ações intersetoriais e o controle social.

Foi na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada entre 17 e 21 de março de 1986, que surgiu o embrião do que veio a ser

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o Sistema Único de Saúde, implantado pela Constituição Federal de 1988, a qual determinou, dentre outras diretrizes para o seu funcionamento, a descentralização, o atendimento integral ao cidadão e a participação da comunidade na formulação e execução das ações e serviços públicos de saúde.

Com efeito, dispõe a Carta da República, em seu artigo 198:

“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;III - participação da comunidade.”

O controle social do SUS apresenta-se como instrumento de democratização que permite à sociedade interagir com o Poder Público, participando da formulação das políticas de saúde, discutindo as prioridades e fiscalizando a sua execução. A administração do sistema de saúde foi estabelecida de forma compartilhada entre os diversos entes políticos através da descentralização. Por isso, os gestores têm a obrigação de discutir as questões que envolvam a melhoria dos indicadores básicos de qualidade de vida e saúde com a sociedade, democratizando a administração pública, em prol da coletividade.

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Através do controle social é assegurada à sociedade a participação, por meio dos conselhos, na gestão da saúde. Os próprios cidadãos, destinatários e razão última da atividade estatal, podem discutir e direcionar os serviços públicos para atender a seus interesses. Quanto mais engajada estiver a comunidade nestes mecanismos de democracia participativa, maior será o grau de cidadania alcançado pela sociedade. O controle social bem exercido pode levar, assim, ao atingimento dos objetivos traçados pelo Constituinte brasileiro, quais sejam, o bem de todos e a construção de uma sociedade justa e solidária.

Os Conselhos de Saúde instrumentalizam, portanto, uma das diretrizes constitucionais para o sistema de saúde, garantindo à sociedade a participação efetiva nas políticas públicas das diversas esferas governamentais.

A participação da comunidade na definição das diretrizes de organização da rede de atenção à saúde no Município do Rio de Janeiro, denominada “controle social”, entretanto, implora por respeito, conforme será demonstrado a seguir.

Os Conselhos de Saúde são portadores de amplos e importantes poderes, dentre os quais, o de convocar a Conferência de Saúde, se o Poder Executivo não o fizer, o de fiscalizar os recursos do orçamento e dos Fundos de Saúde, o de deliberar sobre o Plano de Saúde, o Relatório de Gestão e o Plano de Aplicação governamental etc.

A criação dos Conselhos de Saúde é condição exigida pela Constituição Federal e pelas Leis 8.080/90 e 8.142/90 para que os Estados e Municípios possam receber as verbas públicas repassadas pela União aos respectivos Fundos. Seu funcionamento é regido pela lei e por seus próprios regimentos, incumbindo ao Poder Público Estadual e

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Municipal atuar no sentido de propiciar estruturas administrativa, operacional, econômica, financeira, material e de recursos humanos para o desenvolvimento regular de suas tarefas.

A Resolução nº 33/92 do Conselho Nacional de Saúde e do Ministério da Saúde orienta o processo de formação dos Conselhos nas diversas esferas governamentais. O processo de escolha pode variar nos Estados e Municípios, porém o preenchimento das vagas deve observar a seguinte paridade: 50% são destinadas ao segmento dos usuários, 25% para entidades de profissionais de saúde e 25% para gestores e prestadores de serviço. De acordo com o art. 1º, § 2º, da Lei nº 8.142/90:

“O Conselho de Saúde, tem caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.”

Na Cidade do Rio de Janeiro, o Conselho Municipal de Saúde foi instituído pela Lei nº 1.746/1991. Em 1993, visando à descentralização das tarefas do Conselho Municipal de Saúde entre as diversas Áreas de Planejamento da Cidade, foram criados dez Conselhos Distritais de Saúde através da Lei nº 2.011/93, órgãos incumbidos de auxiliarem o Conselho Municipal, com funções semelhantes a estes em suas áreas de abrangência.

A partir de representação formulada por um Conselheiro no sentido de que os Conselhos de Saúde em

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funcionamento no Município do Rio de Janeiro não vinham cumprindo o seu papel, foi instaurado inquérito civil pelo Ministério Público Estadual.

Inicialmente o Ministério Público convocou para audiência pública todas as entidades representadas nos conselhos de saúde, ocasião em que foram apontadas as causas do funcionamento deficiente do controle social, dentre elas a falta de infra-estrutura de trabalho (recursos humanos e materiais), o descumprimento das proposições das conferências de saúde, a não-submissão ao conselho das prestações de contas da saúde, dos orçamentos anuais para a saúde, dos convênios e contratos firmados pela Secretaria de Saúde, inexistência e do plano de cargos e salários etc. (Registro da audiência pública realizada em 06 de dezembro de 2002 em anexo).

As denúncias apontadas na audiência pública foram confirmadas por diversos documentos, dentre eles, através de resposta a ofício do Ministério Público Estadual enviado à Comissão Executiva do Conselho Municipal de Saúde, com solicitação de informações relativas às suas reais condições de funcionamento. Os dados apresentados pelo Conselho Municipal de Saúde, em fevereiro de 2003, demonstram o acerto das denúncias, a seguir relacionadas, extraídas do Ofício nº 456 e das respostas do CMS - Oficio 01/2003):

Pergunta do MP: Como tem sido realizada a fiscalização das aplicações dos recursos financeiros do SUS? (art. 2º, III, da Lei Municipal 1.746/91 e art. 33 da Lei 8.080/90)Resposta do CMS: A aplicação dos recursos financeiros do SUS não são fiscalizadas por este Conselho por falta de informação da Secretaria Municipal de Saúde.Pergunta do MP: Como tem sido realizada a fiscalização dos recursos aplicados pelo Fundo Municipal de Saúde? (art. 2º, X, da Lei Municipal 1.746/91)

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Resposta do CMS: A fiscalização dos recursos aplicados pelo Fundo Municipal de Saúde também não é realizada por falta de informação da Secretaria Municipal de Saúde.Pergunta do MP: Os convênios e contratos do SUS firmados pelo Município com a iniciativa privativa têm sido submetidos à prévia aprovação do Conselho? (art. 5º da Lei Municipal 1.746/91)Resposta do CMS: Os convênios e contratos do SUS firmados pelo Município com a iniciativa privada nunca foram submetidos à aprovação do Conselho Municipal de Saúde.Pergunta do MP: O Conselho tem examinado os contratos e convênios em vigor? (art. 5º da Lei Municipal 1.746/91)Resposta do CMS: O Conselho nunca examinou os contratos em vigor apesar de inúmeras solicitações, em nenhuma administração, por falta total de interesse dos governos.Pergunta do MP: Como tem sido administrados os recursos do Conselho Municipal de Saúde? (art. 13 da Lei Municipal 1.746/91)Resposta do CMS: Não recebemos as prestações de contas do Conselho Municipal de saúde.Pergunta do MP: O Conselho tem apresentado semestralmente relatório de suas atividades? (art. 14 da Lei Municipal 1.746/91)Resposta do CMS: Não tem apresentado, semestralmente, os relatórios.Pergunta do MP: Como tem sido o acompanhamento de execução do plano municipal de saúde? (art. 2º do Regimento Interno do CMS, art. 4º da Lei nº 8.142/90 e 36 da Lei nº 8.080/90) Resposta do CMS: O acompanhamento do Plano Municipal de Saúde nunca foi discutido previamente com o conselho.Pergunta do MP: Como tem sido o acompanhamento da implementação das propostas emanadas das conferências municipais de saúde? (art. 2º, X, do Regimento Interno do CMS)Resposta do CMS: As propostas aprovadas em sua maioria não foram implementadas.

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Pergunta do MP: Como tem sido o acompanhamento, a elaboração e implementação do plano de cargos e salários? (art. 2º, XI, do Regimento Interno do CMS)Resposta do CMS: Não estamos acompanhando. O mesmo encontra-se em andamento por Comissão de Servidores.Pergunta do MP: Tem participado anualmente da proposta orçamentária da Secretaria de Saúde? (art. 2º, XXVIII do Regimento Interno do CMS)Resposta do CMS: O Conselho só toma conhecimento após sua confecção. Não participa da elaboração.Pergunta do MP: Tem realizado anualmente reuniões abertas para prestação de contas? (art. 2º, XXVIII, do Regimento Interno do CMS)Resposta do CMS: Não são realizadas reuniões abertas para prestação de contas.Pergunta do MP: O Presidente do Conselho participa das reuniões?Resposta do CMS: Não participa das reuniões.

Na tentativa de superar as dificuldades apontadas pela Comissão Executiva do Conselho Municipal de Saúde o Ministério Público Estadual realizou reunião em março, para a qual foi convidado o Secretário Municipal de Saúde, tendo comparecido seu substituto, o Subsecretário Mauro Marsochi, ocasião em que este assumiu o compromisso de providenciar estrutura básica para o funcionamento dos conselhos, com destinação de servidores, equipamentos de computadores, linhas telefônicas e meios de locomoção para que os conselheiros cumprissem seus papéis. O Subsecretário informou que por questões burocráticas, as políticas de saúde estavam deixando de ser submetidas ao Conselho, mas que providenciaria a correção.

Apesar da disposição da Secretaria Municipal de Saúde, representada pelo Subsecretário, de tentar cumprir a lei, o que se verifica é que as deficiências de infra-estrutura e o desrespeito pelas atribuições dos Conselhos Municipal e Distritais de Saúde permanecem

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até os dias atuais, conforme se pode confirmar pelos documentos ora acostados.

Como se não bastasse tudo isso, em setembro de 2003, sem o conhecimento do Conselho Municipal de Saúde, o Prefeito editou o Decreto nº 23.360, pelo qual alterou a estrutura administrativa da Gerência Técnica do Conselho, órgão incumbido de operacionalizar técnica e administrativamente o controle social. O referido órgão ficou sem gerência alguma por mais de cinco meses, desestabilizando o já combalido Conselho Municipal de Saúde. Além disso, o resultado das conferências relativas às composições dos Conselhos para o biênio 2004/2005 ficou pendente de publicação por mais de 10 meses, retirando a legitimidade para a continuidade dos trabalhos destes órgãos, conforme se comprova dos depoimentos do gerente técnico e do servidor administrativo que atuam na Coordenadoria Técnica do Conselho Municipal de Saúde.

Tendo em vista a importância da participação da comunidade na gestão da saúde pública, conforme preconizado pela Constituição da República, o Ministério Público indagou ao Município, através de dois ofícios (o segundo reiterando o primeiro), acerca da possibilidade de assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta no sentido de se regularizar o funcionamento dos conselhos de saúde, porém não obteve resposta, o que expõe claramente seu desinteresse na solução do problema.

Tais atitudes dos gestores de saúde (Prefeito e

Secretário Municipal de Saúde), configuradoras do desprezo pelo Estado Democrático de Direito, violam:

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1) A Constituição Federal quando determina a consideração da participação da comunidade na gestão pública da saúde (art. 198, III, CRFB);2) A Lei 8.080/90 (arts. 7º, VIII; 33); a Lei nº 8.142/90 (art. 1º e 4º);3) A Resolução 33 do Conselho Nacional de Saúde, de 23 de dezembro de 1992;4) As Leis Municipais nº 1.746/91 e 2.011/93.

A obrigação de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância Pública aos direitos fundamentais assegurados na Constituição da República implica no dever de promover todas as medidas necessárias à sua garantia. As conferências de saúde realizadas nos últimos anos demonstram que o caráter deliberativo e fiscalizador do Conselho de Saúde é constantemente ignorado pelo gestor de saúde. As propostas orçamentárias para a área da saúde, por exemplo, nem sempre são levadas ao conhecimento dos Conselhos de Saúde, e quando são, suas deliberações não são respeitadas, como ocorreu com o orçamento para o exercício de 2005. Suas deliberações quase sempre são desprezadas, valendo-se a Administração Pública de sua discricionariedade nas políticas a serem implementadas, o que demonstra desinteresse no bom funcionamento do Sistema de Saúde.

Parece evidente que se a Constituição da República estabeleceu o direito de acesso aos serviços e ações de saúde bem como a participação da comunidade na definição destas políticas não cabe ao gestor público escolher entre observar, ou não, tais comandos. As legislações federais, estaduais e municipais regulamentam o exercício deste direito, bastando ao administrador cumpri-las. Desse modo, está ele vinculado à implementação das políticas públicas da ordem social e adstrito às finalidades explicitadas na Constituição.

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O descumprimento de tais políticas públicas, fixadas na Constituição e na legislação infraconstitucional, viola o Estado Democrático de Direito bem como a finalidade da administração, que é o atendimento do interesse público.

Em suma, a obstrução ao exercício do controle social configura comportamento passível de responsabilidade. No caso da implementação das políticas públicas dependerem da interação com a sociedade, a supressão desta instância importa em grave violação à Carta Magna.

I.12 – DAS UNIDADES FEDERAIS MUNICIPALIZADAS E DO DECRETO MUNICIPAL Nº 24.999/05 (ANEXOS I e II)

O processo de criação do Ministério da Saúde e a condição de antigo Distrito Federal da Cidade do Rio de Janeiro legaram dezenas de unidades de saúde ao Ministério.

Ocorre que em 1988 a Constituição Federal atribuiu aos Municípios a competência para prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados, os serviços de atendimento à saúde da população (art. 30- VII), corolário da descentralização (art. 198, caput, I).

Com a criação do Sistema Único de Saúde, que tem a descentralização como um de seus princípios, e a determinação de que a execução das ações e serviços de saúde cabe ao município (art. 18, I da Lei nº 8.080/90), o uso destas unidades foi cedido ao Município do Rio de Janeiro.

Em decorrência disso, a fim de dar cumprimento à descentralização, o Convênio nº 14/95 transferiu ao Município do Rio de

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Janeiro a administração dos bens imóveis e móveis, bem como a direção e gerência técnica e científica, administrativa e financeira das seguintes unidades: os Postos de Assistência Médica (PAM’s) de Botafogo, Treze de Maio, Henrique Valadares, Praça da Bandeira, Méier, Del Castilho, Ramos, Penha, Irajá, Madureira, Bangu, Deodoro, Jacarepaguá, Campo Grande e Ilha do Governador, além das maternidades da Praça XV, Carmela Dutra, Alexandre Fleming e Leila Diniz. O Convênio nº 31/96, a seu turno, transferiu a Colônia Juliano Moreira à administração da Prefeitura.

Em 1999 o Município do Rio de Janeiro assumiu a gestão plena da saúde, quando passou a ser responsável pela totalidade da assistência à população carioca e aos usuários de outros municípios, dentro de um sistema de referência intermunicipal em saúde.

Em junho daquele ano foram transferidos a Policlínica Piquet Carneiro, o Hospital Geral de Jacarepaguá e o Hospital da Piedade.

Por fim, em dezembro de 1999, o Hospital Geral de Ipanema, o Hospital Geral da Lagoa, o Centro Psiquiátrico Pedro II, o Instituto Phillipe Pinel, o Hospital Geral do Andaraí e o Hospital Raphael de Paula Souza foram cedidos pelo Ministério da Saúde ao Município do Rio de Janeiro.

A efetivação da transferência destas unidades para a gestão e gerência do Município foi acordada e formalizada por meio de Termos de Cessão de Uso. Estes instrumentos definem que as despesas com a manutenção e funcionamento das unidades, com o uso, a conservação e a administração dos bens móveis e imóveis, e com quaisquer aquisições de materiais e medicamentos passaram à responsabilidade exclusiva da cessionária (cláusula segunda, subcláusula 7; cláusula quinta, subcláusula 2; e cláusula sexta).

Para cumprimento da manutenção e funcionamento das unidades foi avençado o reajuste do teto financeiro, correspondente aos

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repasses federais destinados a “assegurar os recursos financeiros para a continuidade das ações assistenciais” (cláusula segunda, subcláusula 8).

No entanto, excepcionalmente, o Ministério da Saúde, devido à concentração de unidades federais no Município, assumiu o compromisso de rever o teto financeiro e de efetuar ajustes periódicos para atender às necessidades de reposição de força de trabalho, isso no termo de cessão de uso dos hospitais federais municipalizados firmado em dezembro de 1999, acrescentando-se na cláusula terceira as subcláusulas 14 e 15:

“Subcláusula 14 – Os órgãos de Recursos Humanos do cedente e da Cessionária dimensionarão as insuficiências de recursos humanos ora existentes, sendo assegurado o acréscimo do valor financeiro, necessário à admissão pela Cessionária, no teto do Município da Cidade do Rio de Janeiro(SUS)

Subcláusula 15 - Anualmente, o órgão de Recursos Humanos da Cessionária relacionará todos os afastamentos de servidores federais ocorridos por qualquer natureza, sendo também assegurado pelo Cedente o acréscimo do valor financeiro, necessário à admissão pela Cessionária, no teto do Município da Cidade do Rio de Janeiro(SUS)”

É importante frisar que as demais unidades não estão contempladas pela obrigação de repor o valor financeiro.

A União estima, através de Nota Técnica do Ministério da Saúde, que deve repor financeiramente ao Município do Rio de Janeiro o equivalente a 1.594 servidores, o que corresponde a uma incorporação de cerca de R$ 46.000.000,00 por ano no teto financeiro do municipal.

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Para justificar a falta de incorporação o Ministério da Saúde alegou que o Município apresentou esta demanda de forma desorganizada, solicitando reposição das 29 unidades que foram descentralizadas e não apenas daquelas com relação às quais há expressa previsão no termo de cessão. Nessa linha, registre-se que desde a gestão do Ministro José Serra ofícios vem sendo encaminhados solicitando a revisão da posição do município, o que em nenhum momento foi refeito.

Exemplo disto são os Ofícios do Município do Rio de Janeiro de nº 181/2004 e 186/2004, onde está expresso que a sua responsabilidade gerencial não inclui a respectiva despesa de pessoal, o que contraria os Termos de Cessão de Uso firmados entre as partes.

A subcláusula 15 prevê a reposição do valor financeiro, necessário à admissão pela Cessionária, cabendo a esta informar este valor, o qual não corresponde, necessariamente, ao valor do pagamento dos servidores afastados, já que alguns serviços deixaram de ser prestados e alguns servidores foram movimentados e relotados em outras unidades.

Portanto, a reposição prevista na subcláusula 15 depende da demonstração, pelo Município, das mudanças ocorridas no quadro de pessoal das unidades e da descrição dos custos dessa reposição. O pedido dessa informação foi feito à Secretaria Municipal de Saúde, inicialmente, por meio do Ofício MS/SE/GAB nº 1.030, de 28 de junho de 2001, porém, até o momento não houve resposta.

Também não há notícia de que tenha havido o dimensionamento das deficiências para cumprimento da subcláusula 14.

Por exemplo, o Hospital Geral da Lagoa contava em 2000 com 20 servidores municipais e 1217 servidores do Ministério da Saúde, num total de 1237 servidores. Em 2003, a unidade contava com 889 servidores

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municipais e 1033 do Ministério da Saúde, totalizando 1922 servidores, segundo documentos da Secretaria Municipal de Saúde.

Como se vê, ainda que o Ministério da Saúde reconheça que não foram cumpridas as subcláusulas 14 e 15 dos termos de cessão, pois não houve os acréscimos nelas previstos, o Município não demonstrou a necessidade de redimensionamento do quadro de pessoal ou o custo da reposição de pessoal.

Ou seja, ainda que se reconheça que há a obrigação de inclusão do valor correspondente no teto financeiro, ele está condicionado à demonstração da necessidade de redimensionamento e do custo para admissão dos novos servidores, não tendo o Município buscado o seu implemento.

É óbvio que o valor correspondente aos acréscimos previstos nas subcláusulas 14 e 15 poderia proporcionar a compra de materiais e insumos bem como a manutenção de equipamentos faltantes nos hospitais do Rio de Janeiro, ou mesmo ampliar os serviços prestados, diminuindo, em conseqüência, a fila de espera por cirurgias eletivas. No entanto, a ausência deste valor não é a causa da situação lamentável em que se encontra todo o sistema de saúde no Rio de Janeiro.

Como já foi dito anteriormente, o problema está, principalmente, na falta de implementação de políticas públicas na área da atenção básica, o que acarreta a sobrecarga na rede hospitalar, a falta de regulação de leitos e a má gestão dos recursos disponíveis no Município.

Em vez de buscar o adimplemento dos acréscimos, seja justificando o redimensionamento, seja pela comprovação da necessidade e do custo das novas admissões, o Prefeito preferiu criar uma equipe que tinha entre suas finalidades iniciar “os procedimentos com vistas à denúncia dos contratos e convênios de municipalização de Unidades Federais de forma a

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estabelecer outros que garantam o adequado funcionamento destas unidades” (Decreto nº 24.272 de 02 de junho de 2004, art. 2º, IV).

Logo após o Prefeito encaminhou o ofício GP nº 186, de junho de 2004, ao Ministro da Saúde para que o Ministério assumisse, até 31 de dezembro, a responsabilidade pretérita:

“Efetivamente a responsabilidade gerencial do Município do Rio de Janeiro, em relação às unidades de saúde acima identificadas, não inclui a respectiva despesa de pessoal, bem como com a manutenção e aquisição de equipamentos, sem mencionar o custeio de obras de adequação física nas aludidas unidades de saúde.”

Não é preciso repetir que os termos de cessão atribuíram ao Município a responsabilidade por estas despesas, com a ressalva das subcláusulas 14 e 15, e garantiram o acréscimo no teto financeiro para o custeio dos serviços, que atualmente corresponde a R$ 172.232.000,00.

Como o Município pode entender que não é sua responsabilidade a aquisição e a manutenção de equipamentos que garantirão o atendimento à população, que é seu dever constitucional?

Tal postura demonstra descaso com tão grave questão – relativa ao direito fundamental à vida - a qual foi dolosamente resumida a termos meramente administrativo-financeiros. Destaque-se, de modo a demonstrar o que aqui se afirma, que a Chefia do Poder Executivo, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em sua edição do dia 10.10.04, chegou a afirmar, verbis:

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“Eu já notifiquei o Ministério da Saúde. Vai morrer gente? Eu não quero saber, não boto nem mais um tostão”

Pouco mais de um mês depois o Prefeito enviou os ofícios GP nº 244, 245, 246 e 247 para propor a denúncia de convênios firmados em 2001 com vistas à realização de reformas nas unidades municipalizadas, no total de R$ 3.974.330,61, por força dos quais foi repassada pelo Ministério da Saúde ao Município a quantia de R$ 1.470.758,78, valores disponíveis desde 2002 e que permaneceram aplicados em Fundo de Investimento.

Em 03 de janeiro de 2005 o Prefeito Municipal editou o Decreto Municipal nº 24.999, inviabilizando a prestação de serviços nas unidades municipalizadas:

“O Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, no uso de suas atribuições legais e,

considerando o Ofício GP nº 186, de 25 de junho de 2004;

considerando as responsabilidades federais com sua unidades de saúde apenas foram transferidas para a gestão da Prefeitura;

considerando que existem hoje sete mil servidores municipais trabalhando nas unidades federais.

Decreta

Art. 1º A partir desta data ficam proibidas as alocações de pessoal nas unidades de saúde federais, transferidas à gestão da Prefeitura do Rio.

Parágrafo Único - A área de recursos humanos da Secretaria Municipal de Saúde encaminhará à secretaria Municipal e administração e à Controladoria Geral do Município relação de servidores municipais lotados nas unidades de saúde federais para fins de publicação no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro.

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Art. 2º Todos os servidores municipais lotados nas unidades federais tem o direito de optar por unidades municipais sempre que ocorrerem vagas nestas unidades.

Art. 3º Os servidores municipais lotados em unidades federais, e interessados em trabalhar no Hospital Ronaldo Gazolla em Acari devem enviar requerimento à Secretaria Municipal de Saúde com cópia à Secretaria Municipal de Administração informando esta opção.

Art. 4º Ficam a Controladoria Geral do Município e a Secretaria Municipal de Fazenda proibidas de alocar quaisquer recursos para investimentos em equipamentos e obras civis nas unidades federais que não forem recursos transferidos pelo Ministério da Saúde.

Parágrafo único - Os gastos de manutenção de aluguel de equipamentos dessas unidades devem ser reduzidos na proporção de um quinto por mês até que sejam eliminados, cabendo ao Ministério da Saúde a transferência de recursos para este fim.

Art. 5º A Procuradoria Geral do Município informará extra-judicialmente e judicialmente sobre o cancelamento de todos os contratos de transferência das unidades federais de saúde de qualquer tipo ao Município do Rio de Janeiro, e que de forma progressiva estará cancelando os aporte financeiros de recursos municipais às unidades federais.

Art. 6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Rio de Janeiro, 3 de janeiro – 440º ano da fundação da Cidade

CESAR MAIA”

Tal ato afronta a Constituição Federal, a Lei Orgânica da Saúde e a população do Rio de Janeiro.

Em primeiro lugar ignora o mandamento constitucional que atribui ao Município a competência de prestar serviços de atendimento à

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saúde da população, com a cooperação técnica e financeira do Estado e da União(art. 30, VII).

Ao deixar de prestar os serviços afetos ao Município, fere referido decreto o princípio constitucional da descentralização, contemplado pelo art. 198 da CF:

“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;”

O Decreto Municipal também afronta a Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde):

“Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

...

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

...

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:

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a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;

b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;”

(...)

Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:

        I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde;”

Repita-se: A municipalização das unidades buscou atender às normas acima citadas, já que, pelo sistema de descentralização concebido pela Constituição, não mais cabe à União executar diretamente a prestação dos serviços de saúde, mas apenas garantir cooperação técnica e financeira. A execução dos serviços compete ao Município, sendo a descentralização o motivo expressamente reconhecido nos Termos de Cessão de Uso.

Ao contrário do que o Município pretende fazer crer, vale dizer, que a prestação dos serviços nestas unidades municipalizadas é de responsabilidade da União, por serem de sua propriedade, na verdade a Constituição e a Lei nº 8.080/90 atribuem ao Município tal responsabilidade.

O financiamento dos serviços de saúde é realizado mediante a cooperação financeira da União e dos Estados, por meio de repasses dos Fundos nacional e estaduais de Saúde ao Fundo Municipal de Saúde. Assim, os municípios recebem o teto financeiro, baseado na capacidade instalada e na oferta de serviços.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIROAv. Nilo Peçanha, 26, 4º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ

Na maioria dos municípios os serviços são realizados por unidades privadas, mediante pagamento pelos mesmos. Ao ceder as unidades acima referidas, a União, além de garantir o financiamento com um acréscimo no teto financeiro, cedeu pessoal, espaço físico e equipamentos para que o Município prestasse os serviços que são de sua competência, sem ter que recorrer à rede privada ou construir e equipar suas próprias unidades.

O que causa estarrecimento é que o Município, por intermédio de seus inoperantes gestores, em vez de buscar cumprir o dever constitucional de garantir o direito à saúde de todos, prestando os serviços de saúde que lhe competem segundo a própria Constituição Federal, resolveu cancelar os contratos de transferência e os aportes de recursos municipais nas unidades federais municipalizadas, contrariando, diga-se mais uma vez, o princípio da descentralização.

Além de ilegal e inconstitucional, por desrespeitar o princípio da descentralização e eximir o Município da prestação de serviços de saúde de sua competência, o Decreto em questão colocou a população do Rio de Janeiro em risco, pois o alegado descumprimento, pela União, dos termos de cessão não poderia justificar a devolução das unidades, havendo outros meios para garantir o seu cumprimento.

Veja-se que com base nestes termos de cessão de uso e no processo de municipalização foram doados bens permanentes destas unidades à Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, conforme extratos de doação publicados no DOU – Seção 3, do dia 26/03/2003, p. 37 e 38. No entanto, o Decreto ora inquinado de inconstitucional não previu a sua devolução ou medidas que viabilizassem a continuidade do serviço.

O descaso com as pessoas que dependiam e dependem dos serviços de saúde na Cidade do Rio de Janeiro é evidente. Com efeito,

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retirar servidores e recursos das unidades municipalizadas, o que só agravaria a precariedade do atendimento à população, é um ato absolutamente descomprometido com o bem comum.

A escolha do meio que causou prejuízo à população, pela descontinuidade do serviço, revela desvio de poder, pois é infiel à idéia a que tinha que servir, qual seja, a de garantir o direito à saúde da população, e por isto afronta o princípio da moralidade, pois a atitude do administrador deve buscar a eficiência administrativa, a construção do bem comum e não prejudicar a ninguém.9

O rompimento dos acordos demonstra a completa despreocupação com o bem maior a ser protegido na hipótese, que é a prestação dos serviços de saúde à população.

O fato de que havia recursos para garantir a prestação de serviços, como já foi demonstrado, reforça a imoralidade do Decreto.

É preciso lembrar que o Decreto nº 24.272 pretendia novos contratos e convênios de municipalização, sem que tenha apresentado a proposta destes contratos e a solução para o adequado funcionamento destas unidades. Já o Decreto nº 24.999 buscou, pura e simplesmente, inviabilizar o funcionamento das unidades, o que é inadmissível.

I.13 – DO DESCUMPRIMENTO DE DECISÕES JUDICIAIS (ANEXO I)

Em vista dos termos do Decreto Municipal nº 24.999/05, a União, a fim de impedir que a população fosse prejudicada pela descontinuidade do serviço, propôs ação cautelar e ação civil pública

9 Brandão, Antonio José, “Moralidade administrativa”, RDA 25/454146

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visando à sua anulação. Foi então concedida liminar nos autos da Ação Cautelar nº 2005.510140035-6, nos seguintes termos:

“Isto posto, CONCEDO A LIMINAR para determinar que o Município do Rio de Janeiro deixe de praticar qualquer ato relativo à descentralização das unidades de saúde sob sua responsabilidade, de acordo com o termo de cessão de uso assinado com a União, bem como se abstenha de interromper a prestação dos serviços, ou, ainda, que de alguma forma venha a prejudicar a execução de tais serviços de saúde nessas unidades, seja por medida restritiva de pessoal seja por medida de natureza financeira.

Fixo, desde já, multa diária no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) pelo descumprimento da presente decisão, a ser revertida para aplicação nas unidades de saúde em questão, sem prejuízo de eventual apuração de responsabilidade de natureza civil ou penal, por ação ou omissão, que possa causar dano ao bom funcionamento e atendimento à saúde da população” .

Não obstante a liminar concedida em 05 de janeiro de 2005, a situação do atendimento nas unidades municipalizadas só piorou, como demonstram as notícias diariamente veiculadas nos jornais de grande circulação e os relatórios de fiscalização do CREMERJ.

A crise culminou na declaração de calamidade pública na rede hospitalar da Cidade do Rio de Janeiro, na requisição de seis hospitais e

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na desabilitarão da gestão plena do Município, conforme se vê do Decreto Presidencial nº 5.392, de 10 de março de 2005.

Mas a desobediência à decisão judicial acima destacada não cessou com a requisição dos hospitais pela União Federal a fim de garantir o atendimento à população nestas unidades.

Com efeito, embora a decisão judicial acima transcrita expressamente determine que o Município abstenha-se de realizar qualquer ato que, de alguma forma, prejudique a execução dos serviços nos hospitais municipalizados por medida restritiva de pessoal, o Prefeito do Município do Rio de Janeiro, em 11/03/05, editou o Decreto “P” 1.156/05, exonerando ocupantes de cargo em comissão nos Hospitais do Andaraí, Cardoso Fontes, Ipanema e Lagoa.

Certamente, as medidas que já estavam sendo adotadas pelo Ministério da Saúde para a regularização do atendimento seriam inviabilizadas com a repentina redução do quadro pessoal, já deficitário.

É importante frisar que os fundamentos para garantir a prestação de serviços nos hospitais municipalizados não são apenas os termos de cessão, mas também:

a– os próprios fundamentos dessa cessão;

b– a atribuição de competência ao Município para prestação dos serviços de atendimento à saúde da população, como disposto no art. 30 da Constituição Federal e

c– o princípio da descentralização do sistema Único de Saúde, no art. 198.

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Portanto, a requisição dos hospitais não retirou do Município o dever de contribuir para a prestação dos serviços nestes hospitais.

A União ajuizou ação cautelar inominada no dia 14/01/2005 (2005.5101490082-4) buscando suspender os efeitos do decreto municipal acima referido e impedir a suspensão dos contratos de terceirização de operação e manutenção de informática, firmado com a Empresa Municipal de Informática (IPLAN). Nova liminar foi deferida pela Juíza Federal, em regime de plantão, sustando temporariamente os efeitos do malsinado decreto.

Nova petição foi juntada naquela ação no dia 15/03/05, pela Advocacia-Geral da União, noticiando: a) a suspensão da entrega de “kits para realização de exames médicos, além de medicamentos cuja dispensação é responsabilidade do Município”; b) a publicação de atos do Secretário Municipal de Saúde dispensando os ocupantes de funções gratificadas (Resoluções”P” nº 228 e 229, publicadas naquele dia); c) a relotação de servidores que prestavam serviços nos hospitais para outros órgãos da administração municipal (Resolução “P” nº 183, do Secretário Municipal de Assistência Social, publicada no mesmo dia).

Tais medidas, como parece evidente, mostraram-se ainda mais restritivas, colocando também em risco o funcionamento das unidades requisitadas bem assim a população do Rio de Janeiro.

O Juiz Federal da 11ª Vara Federal, como era mesmo de se esperar, não só confirmou a decisão dada em regime de plantão como também:

“XIII - Do mesmo modo, em que pese deva ser respeitado e assegurado o livre exercício das prerrogativas constitucionais e legais deferidas ao dignitário municipal, tal circunstância não poderá concorrer para convalidação de atos que, de modo flagrante, desvie o Estado de

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cumprir os seus deveres constitucionais, dentre eles o de prestar a saúde à população, dever este que, em última ratio, importa na concretização material de um dos fundamentos em que se alicerça nosso Estado Republicano, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

XIV - Neste linha de entendimento, tenho que deve ser obstada a eficácia de deliberações que possam comprometer, ainda mais, o combalido estado em que se encontra a saúde pública municipal, e possam dificultar a implantação de medidas sanatórias, que se espera não sejam meramente cosméticas.

(...)

XXI - Isso posto:

a) CONFIRMO a liminar deferida pela MM Juíza plantonista;

b) DEFIRO A LIMINAR para determinar ao Réu que se abstenha de suspender o contrato de terceirização de serviços de operação e manutenção de informática firmado com a Empresa Municipal de Informática (IPLAN RIO), sob pena de assim não procedendo serem adotadas as medidas que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sem prejuízo do desencadear das gestões necessárias à apuração das eventuais responsabilidades administrativa e penal;

c) DEFIRO A LIMINAR para sustar os efeitos das Resoluções “P” nº 183, “P” SMS nº 228 e “P” SMS nº 228, todas de 14 de março de 2005;

d) DEFIRO A LIMINAR para determinar ao Réu que se abstenha de interromper a distribuição dos kits para exames médicos e dos insumos necessários ao funcionamento dos laboratórios de patologia clínica dos hospitais sobre os quais recai a requisição decretada pela União Federal, sob pena de assim não procedendo serem adotadas as medidas que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sem prejuízo do

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desencadear das gestões necessárias à apuração das eventuais responsabilidades administrativa e penal.”

Não obstante, a decisão acima não foi cumprida pelo Município, e novas ações obstaram a prestação de serviços nas unidades, que levaram a Advocacia-Geral da União a requerer em juízo a sustação dos seus efeitos. O MM Juiz Federal decidiu, novamente, em 18/03/05:

a) DETERMINO seja intimado o responsável pelo SINCAL, localizado na Rua Ana Néri, nº 1552, Rocha - Nesta Cidade, ou quem lhe faça as vezes, para que forneça à União Federal, mediante termo de entrega, a metade das quantidades de Kits e reagentes indicados nas planilhas de fls. 48/53. Havendo resistência, AUTORIZO, desde já, o arrombamento de portões e portas que estejam a obstaculizar o acesso aos bens em comento, os quais deverão ser apreendidos, requisitando-se o auxílio da força policial, se necessário, e procedendo-se a entrega dos bens ao representante da União Federal, lavrando-se os autos apropriados.

(...)

b) DEFIRO A LIMINAR para DETERMINAR ao Sr. Presidente da RIOURBE que se abstenha de dar cumprimento ao oficio SMS nº 431/2005, no que se refere às obras e serviços continuados que já se encontrem em execução, sob pena de assim não procedendo serem adotadas as medidas que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, sem prejuízo do desencadear das gestões necessárias à apuração das eventuais responsabilidades administrativa e penal.”

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Além disso foi ajuizada a ação cautelar inominada nº 2005.5101005566-2, no dia 16/03/05, a fim de garantir o pagamento dos servidores dos PAM municipalizados e dos médicos residentes nos hospitais municipalizados, bem como impedir a movimentação dos servidores municipais lotados nos hospitais requisitados e garantir o pagamento destes servidores. Vale ressaltar que o pagamento dos residentes é realizado com verba de Convênio firmado com o Ministério da Saúde.

Nesta nova ação foi deferida liminar, determinando ao Município que se abstivesse de promover a movimentação dos servidores municipais dos hospitais requisitados e a interrupção no pagamento a tais servidores.

Portanto, vê-se de todo o exposto neste tópico, o quão evidente é o descaso do atual Prefeito desta cidade e do Secretário Municipal de Saúde com a população carioca e com o dever constitucional de garantir o direito à saúde.

Em vez de cooperar para que os problemas sejam sanados, o Prefeito e o Secretário Municipal de Saúde criam, reiteradamente, novos empecilhos.

Ainda que as autoridades municipais não acreditem na legalidade da requisição do Decreto Presidencial nº 5392/2005, deveriam utilizar-se dos meios legais para a sua impugnação, e não tentar dificultar de forma ostensiva e quase que diariamente a ação do Ministério da Saúde.

O recente decreto municipal, as portarias para relotação dos servidores, e a omissão na entrega de medicamentos são absolutamente ilegais, não só por que contrariam frontalmente a ordem judicial, mas também por ferirem o princípio da moralidade administrativa, ao demonstrar a clara vontade de inviabilizar a solução dos problemas no atendimento aos cidadãos.

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A desobediência à decisão judicial, além de afrontar mais uma vez o direito à saúde dos cidadãos, representa lesão ao patrimônio do Município do Rio de Janeiro, na medida em que impõe a ele a multa diária de R$ 1.000.000,00.

I.14 – DO DIREITO À SAÚDE COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

O Direito à Saúde mereceu, no âmbito da Carta Constitucional de 1988, especial atenção. Com efeito, bem andou o legislador Constituinte ao expressar ser a saúde um direito de todos, ao que se contrapõe o dever do Estado em garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Eis o que dispõe, in verbis, o art. 196 da CRFB/88:

"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Parece-nos sintomático o fato de a saúde ter sido expressamente alçada à condição de direito fundamental na Carta Política de 1988. Atento ao alarmante quadro com que se deparava, soou conveniente ao legislador originário verberar em nossa Constituição dirigente o fato de ser a promoção da saúde, em caráter igualitário, sobretudo um dever do Estado.

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Foi a primeira vez na história Constitucional brasileira que o direito à saúde granjeou expressamente o status de Direito Fundamental, sendo reconhecido como um direito social (art. 6º CRFB/88) e ganhando capítulo próprio onde foram depositadas as diretrizes e expectativas da sociedade em relação à sua promoção, enquanto dever, pelo Estado Brasileiro. Neste particular, a Constituição de 1988 segue o exemplo da pioneira Constituição Italiana de 1948 (art. 32) e do texto Português de 1976 (art. 64).

A preocupação em constitucionalizar a saúde revela ter o legislador originário compreendido que a vida humana é o bem supremo a merecer amparo na Lei Maior. De resto, é este o motivo pelo qual o estado de higidez do indivíduo passou a ser um ponto de destaque na maioria das Constituições modernas.

Comentando o dispositivo Constitucional antes mencionado (art. 196 CRFB/88), estas são as palavras do Prof. Dr. Uadi Lammêgo Bulos, nas quais teve a oportunidade de realçar ter o indivíduo o direito a prestações positivas por parte do Estado, responsável último pela promoção do acesso igualitário à saúde:

"Da mesma forma que os direitos sociais em geral (art. 6º), o direito à saúde reclama, para sua efetivação, o cumprimento de prestações positivas e prestações negativas. Pela primeira, os Poderes Públicos devem tomar medidas preventivas ou paliativas ao combate e ao tratamento de doenças (...) Os Poderes Públicos, incumbidos de realizar a mensagem prescritiva em epígrafe, não levam em conta o princípio de que todos devem receber tratamento isonômico, consoante o atual estágio da ciência médica. Assim, a norma em epígrafe não tem

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desempenhado qualquer efeito concreto porque, no Brasil, o acesso à saúde é proporcional à situação econômica da pessoa (...) Nesse sentido, caberá à União, Estados, Distrito Federal e Municípios praticar ações e executar serviços, com base nos princípios da descentralização, atendimento integral e participação da comunidade, os quais denotam um direito difuso da comunidade, de um lado, e o direito social do indivíduo, tomado em si mesmo, do outro ..."

Dando maior concreção ao ideal constitucional, a Lei n.º 8.080/90, ao dispor sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, estabeleceu expressamente a responsabilidade de cada ente político no desenvolvimento de uma ação integrada que privilegie, especialmente, os princípios que determinam seja o serviço prestado de forma universal, integral e igualitária:

"Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (omissis)

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"Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).(omissis)Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; (omissis)IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; (omissis) "

Como se pode depreender dos fatos narrados e documentalmente comprovados na presente ação, as diretrizes constitucional e legalmente apresentadas vêm sendo acintosamente descuradas pelos demandados e pelo ente federativo por eles representado. Com efeito, o serviço prestado na rede pública de saúde do Município do Rio de Janeiro, pelos motivos acima expostos, não atende a qualquer dos princípios antes elencados.

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De todo modo, enquanto os demandados e o ente federativo por eles representado quedam-se inertes, resta verificar que, àqueles que não têm condição financeira para escudar-se sob a proteção do plano de saúde privado, relega-se o suplício de aguardarem horas a fio por atendimento ou, uma vez atendidos, aguardarem mais de um ano à espera de uma cirurgia ...

Há uma clara divisão entre aqueles que efetivamente têm acesso à saúde (pagando para tanto) e aqueles outros a quem somente resta aguardar o dia (se é que este dia chegará) em que Estado brasileiro virá a adimplir de forma responsável os misteres e deveres que lhe foram atribuídos pela Carta Constitucional.

Neste diapasão, a fragilidade do sistema público de saúde no Município do Rio de Janeiro nos faz acreditar que a Administração Pública vislumbra o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/88) - valor constitucional supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem - como um ridículo e desnecessário arroubo de linguagem do constituinte, tamanho é o desrespeito que o Estado (lato sensu) lhe reserva em tema de direitos sociais. É de se indagar: Como esperar um atendimento que respeite os princípios elementares da universalidade, da integralidade e da igualdade diante de um quadro tão deprimente e revelador de faltas tão graves?

O retrato objetivo das mazelas do sistema público de saúde no Município não foi em qualquer momento imaginado ou suposto pelo Ministério Público. Decorre, isto sim, do que nos foi dado constatar não só em inúmeras vistorias feitas em parceria com o CREMERJ como também pelo dramático relato de médicos e usuários.

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Não nos interessa tergiversar acerca das mazelas do sistema público de saúde como um todo. Preocupa-nos, isto sim, apresentar de forma objetiva e transparente a grave e alarmante situação de um sistema que, sob a coordenação do Município do Rio de Janeiro, na qualidade de gestor pleno, deveria distribuir de forma mais humana e racional a demanda por serviços públicos de saúde.

O quadro aqui retratado é especialmente sério, reclamando a pronta e serena intervenção do Poder Judiciário, o único dentre os poderes constituídos que, a esta altura, poderá aplicar o sancionamento previsto na Lei de Improbidade Administrativa de modo a que se resgate, mesmo que pelo viés sancionatório, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nessa linha, não custaria relembrar que a fundamentalidade do direito à vida vem sendo realçada em diversos acórdãos, os quais, em matéria de saúde, especialmente no que tange ao fornecimento de remédios, impõem prestações positivas ao Estado. Em boa hora, os direitos fundamentais, estampados muitas vezes em princípios de acentuado conteúdo axiológico, vêm encontrando acolhida em sede pretoriana, do que servem de exemplos as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 267.612/RS, Relator o Min. Celso de Mello e no Recurso Extraordinário n.º 195.192-3/ RS, Relator o Min. Marco Aurélio.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, é eloqüente a decisão proferida no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 11.183/PR, Relator o Min. José Delgado, donde se extrai a contundente assertiva no sentido de que “A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. Na medida em que a

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autoridade se omite de tomar uma decisão ou de oferecer algum encaminhamento para a questão, dúvida não remanesce de que, sob tal prisma, está violando direito líquido e certo do impetrante. A doutrina, de modo eloqüente, vem defendendo a prioridade do respeito à dignidade da pessoa humana na interpretação das disposições constitucionais atinentes aos preceitos maiores".

Neste contexto o respeito e a implementação dos direitos fundamentais elencados na Constituição – notadamente o direito à vida, neste particular - foram paulatinamente sendo alçados à condição de verdadeiros mandamentos dirigidos ao Estado, a quem nossa Constituição dirigente atribuiu tais misteres. Por conta disso, não se pode tolerar, sob pena de violação ao Estado Democrático de Direito e ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que a indiferença demonstrada pelos demandados na gestão da saúde na Cidade do Rio de Janeiro fique impune, mostrando-se o sistema sancionatório da Lei de Improbidade Administrativa o mais adequado a tal desiderato.

- II –DO FORO COMPETENTE

Não obstante ciente de recente Lei que alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, estendendo o chamado foro por prerrogativa de função, próprio da seara penal, às ações ajuizadas com base na Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa), ainda que iniciadas após o fim do exercício do mandato, entende o Ministério Público ser competente para o julgamento da presente ação este Juízo de primeiro grau, uma vez que eivado de flagrante inconstitucionalidade o art. 1º da Lei 10.628/2002, do seguinte teor:

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"Art. 1º - O art. 84 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal - passa a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública;

§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º ".

O cotejo entre a redação primitiva do artigo 84 do Código de Processo Penal ("A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns ou de responsabilidade") e a nova redação conferida pela Lei nº 10.628/02 demonstra a inexistência de alterações de relevo, limitando-se o legislador a adequar referido dispositivo legal aos novos ditames

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constitucionais. Nessa linha, aponta o Superior Tribunal de Justiça como sendo um dos Tribunais Superiores detentores de competência funcional originária, eis que, constitucionalmente, ostenta tal órgão jurisdicional competência para processar e julgar os crimes comuns e de responsabilidade quando praticados pelas pessoas arroladas no artigo 105, I, "a", da Constituição Federal.

Duas outras alterações irrelevantes também ocorreram: a primeira consistiu na supressão da obsoleta denominação "Tribunais de Apelação", relativa aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, adequando-se o texto à realidade constitucional atual. A outra alteração, também sem relevância, consistiu na substituição da conjunção alternativa "ou" pela aditiva "e", ao se referir a lei às duas espécies de crimes (comuns e/ou de responsabilidade).

Constata-se, portanto, que a nova redação dada ao caput do artigo 84 do Código de Processo Penal se amolda plenamente ao atual texto constitucional, já que a este - e só a este - cabe definir quais são as infrações e as pessoas submetidas ao denominado foro por prerrogativa de função.

De fato, o caput do artigo 84 do Código de Processo Penal, seja em sua redação primitiva, seja em sua atual redação, deve refletir as normas cogentemente previstas na Constituição Federal, sendo impossível à lei ordinária modificar as regras de competência ali definidas, quer ampliando-as, quer restringindo-as. Assim, é de se concluir que a nova redação conferida ao dispositivo em tela tenha servido de mero pretexto ao acréscimo dos dois parágrafos subseqüentes, flagrantemente inconstitucionais, como se passa a demonstrar.

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Por intermédio dos §§ 1º e 2º, acrescidos ao art. 84 do Código de Processo Penal, o legislador ordinário arvorou-se ao papel de Poder Constituinte, acrescentando mais uma hipótese ao rol exaustivo das competências originárias dos Tribunais, além de também arvorar-se, desastradamente, em intérprete maior da Constituição, papel reservado ao Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, é tradição incontestável do ordenamento jurídico pátrio que a repartição da competência funcional originária dos Tribunais é fixada pela Constituição da República de forma expressa e exaustiva, vedada qualquer interpretação extensiva ou mesmo analógica de referida normativa.

Se assim é com relação aos Tribunais Superiores, aos Tribunais Regionais Federais e à Justiça Comum federal, também o será com relação aos Tribunais Estaduais, cuja competência é estabelecida, numerus clausus, pelas Cartas Estaduais, dispondo neste sentido o art. 125 da Constituição Federal, ad litteram:

"Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça."

Veja-se que as únicas exceções à fixação da competência jurisdicional dos Tribunais de Justiça pelas Constituições

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Estaduais são previstas nos arts. 29, X, 35, IV, e 96, III, da própria Constituição Federal. Que o rol de competência dos tribunais é de direito estrito e tem fundamento constitucional trata-se de entendimento reiteradamente proclamado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, como se extrai, a título exemplificativo, da ementa do v. acórdão relativo à Petição nº 693 AgR/SP, relator o eminente Ministro Ilmar Galvão, verbis:

"COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. LEI N. 7.347/85. A competência do Supremo Tribunal Federal é de direito estrito e decorre da Constituição, que a restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito à jurisdição da Corte, para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca para esta o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade. Agravo regimental improvido".10

Inúmeros são, igualmente, os julgados do Colendo Supremo Tribunal Federal relativamente à sua falta de competência originária para o processo e julgamento de ações populares movidas em face do Presidente da República, tratando-se de hipótese não

10 No mesmo sentido: Ag. Reg. em Reclamação nº 1.110-1/DF; Pet. nº 1073-6/SP; Inq. nº 1202-5/CE e Ag. Pet, nº 1738-2/MG.

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contemplada no exaustivo rol de competências fixado em sede constitucional. Nessa mesma linha, em precedente que pode ser consultado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 109, p. 909 e segs., a Excelsa Corte julgou inconstitucional dispositivo do Código Eleitoral (lei ordinária) que pretendia atribuir competência originária ao Tribunal Superior Eleitoral para conhecer de mandados de segurança impetrados contra atos do Presidente da República, em matéria eleitoral.

Em abono à tese, é importante perceber que sempre que a Constituição Federal desejou cometer ao legislador ordinário a disciplina do tema fez-se expressa referência nesse sentido, bastando verificar, por exemplo, o que estabelecem os seus arts. 111, § 3º, 121 e 124, parágrafo único, relativamente à competência das Justiças do Trabalho, Eleitoral e Militar. Não pode, pois, a lei ordinária, como o Código de Processo Penal, regular matéria de extrato nitidamente constitucional.

O que já se expôs é bastante para demonstrar a inconstitucionalidade dos já referidos §§ 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.628/02.

Aliás, não deixa de ser preocupante o episódio representado pela promulgação de referida lei ao apagar das luzes de um governo duramente acionado, no campo da improbidade administrativa, pelo Ministério Público Federal. Com efeito, tudo está a indicar que a garantia do foro por prerrogativa de função introduzida inconstitucionalmente pela Lei nº 10.628/02 teve “endereço certo”, circunstância que configura clara inconstitucionalidade por desvio de função legislativa.

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Sobre o ponto, não custa recordar que no Brasil a origem do controle dos atos do Poder Legislativo à luz do conceito de razoabilidade radica-se justamente na adoção da teoria administrativa francesa do détournement de pouvoir (desvio ou excesso de poder), inclinando-se neste sentido um importante precedente do STF a respeito dos limites do “poder de taxar” do Estado (RE nº 18331, Rel. Min. Orozimbo Nonato, RF nº 145/164 [1953]). Caio Tácito, referido por Luís Roberto Barroso11, confere destaque a acórdãos da Corte Suprema os quais, adotando a teoria do abuso do poder legislativo, declararam inconstitucionais leis que ao apagar das luzes de determinadas administrações criavam cargos públicos em número excessivo ou concediam privilégios remuneratórios desarrazoados (os chamados “testamentos políticos”), asseverando que “Tal abandono ostensivo do fim a que se destina a atribuição constitucional configura autêntico desvio de poder (détournement de pouvoir), colocando-se a competência legislativa a serviço de interesses partidários, em detrimento do legítimo interesse público”. Todas estas reflexões vêm à lume em razão das esdrúxulas regras introduzidas pela Lei nº 10.628/02.

Ademais, os efeitos práticos da alteração legislativa, se afastada a tese da inconstitucionalidade, serão os piores possíveis uma vez que restará em muito dificultada a salutar fiscalização exercida pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, em prol do interesse público, nos mais de cinco mil municípios brasileiros, se concentradas as competências persecutórias na segunda instância, já assoberbada pela enxurrada de recursos previstos em nossa legislação. Tudo a demonstrar que, além dos vícios acima apontados, as

11 “Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Constitucional”, in Revista do Ministério

Público do Estado do Rio de Janeiro nº 4, pp. 173/174.165

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regras introduzidas pela Lei nº 10.628/02 maculam, também, os princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade.

Embora não se possa, no plano estritamente jurídico, adotar a premissa de que a ampliação das hipóteses de prerrogativa de função acarretará, pura e simplesmente, a impunidade dos agentes ímprobos, o fato é que, dado o volume de inquéritos civis e ações civis públicas hoje em regular processamento (relembre-se que estão espalhados em todo o território nacional mais de cinco mil municípios), restará impossível, do ponto de vista prático, a eficaz incidência do sancionamento preconizado pela Lei nº 8.429/92, sobretudo se considerarmos a exigüidade do prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 23, I, da mencionada lei. E tal aspecto, longe de representar uma preocupação alheia ao campo jurídico, participa fundamente da noção de devido processo legal substantivo. Quanto ao ponto, releva indicar que por ocasião do julgamento da ADIn nº 2.306/DF, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei nº 9.996/00, a qual anistiou os candidatos multados pela Justiça Eleitoral em 1996 e 1998, os Ministros Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Marco Aurélio, embora vencidos, consideraram referida lei inconstitucional não só por representar anistia “... de dinheiro pertencente a pessoas jurídicas de direito privado (os partidos políticos)” como também - e este é o ponto que nos interessa – em razão da ofensa ao devido processo legal substantivo, “... na medida em que a Lei em questão inviabilizaria a administração do processo eleitoral pela Justiça Eleitoral, tornando-a inócua” (Informativo nº 261). É o que também se dará, a nosso juízo, com a ampliação do foro por prerrogativa de função ao campo da improbidade administrativa, sendo de conhecimento notório o assoberbamento dos Tribunais Superiores e, principalmente, dos Tribunais Regional Federais e Tribunais de Justiça.

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A atenta reflexão sobre as referidas inovações legislativas leva à conclusão de que, muito embora mascarada de roupagem processual, buscou a Lei nº 10.628 afrontar a clássica distinção, agasalhada pelo art. 37, § 4º, da CF, entre infrações penais, civis e administrativas, conferindo o mesmo tratamento processual a hipóteses que o próprio texto constitucional desejou distinguir radicalmente. Em resumo, a equiparação entre atos de improbidade administrativa e crimes, mesmo que pelo viés processual, representa um indisfarçável inconformismo com as claras diretrizes fixadas no art. 37, § 4º, ou seja, um desejo de subvertê-lo pela porta dos fundos.

Destaque-se, outrossim, que o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, recentemente, por intermédio de sua 9ª

Câmara de Direito Público, reconheceu a inconstitucionalidade das infelizes inovações trazidas pela Lei nº 10.628/0212 , orientação também encampada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (Órgão Especial, HC nº 137.187-1), pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Rel. César Abreu, j. 13.02.03) e pelo Tribunal de Justiça de Goiás (Ação Penal nº 539-9/212 e Queixa Crime nº 79-9/226).

Também o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02, sendo neste sentido o decido pela 3ª Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, no AI nº10855/03; pela 1ª Câmara Cível, Rel. Des. Henrique Carlos de Andrade Figueira, no AI nº 2003.00206466, e pela 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Raul Celso Lins e Silva, no AI nº 9.617/2003.

12 Agravo de Instrumento nº 313.238-5/1: “Inicialmente, fica rejeitada a preliminar de incompetência de foro por prerrogativa de função, pois a Lei Federal nº 10.628/2002 não encontra fundamento na Constituição Federal de 1988. O art. 37, § 4º, da Magna Carta trata da suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário, para os atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. A ação proposta tem natureza eminentemente civil, não obstando possa ser ajuizada a competente ação penal”.

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A Primeira Vice-Presidência da Corte Estadual, em igual sentido, através da pena do Desembargador João Carlos Pestana de Aguiar Silva, apreciando a declinatória de competência do douto Juízo da 4ª Vara Cível de Duque de Caxias na recente e rumorosa ação por improbidade administrativa ajuizada pelo Parquet em face do Prefeito José Camilo Zito, determinou, de plano, o retorno dos autos ao Juízo de origem, forte no argumento da natureza cível das sanções por improbidade administrativa (cópia em anexo – fls. 575/576), decisão confirmada, em 05.02.04, pelo Supremo Tribunal Federal (fls. 572/574).

O Superior Tribunal de Justiça, igualmente, já teve a oportunidade de negar o foro por prerrogativa na seara da improbidade, sendo neste sentido as decisões prolatadas na Reclamação no 591-SP (Rel. Min. Nilson Naves, j. 1/12/1999, DJU 15/5/2000) e no RESp. nº 161.322/PE (2ª T., Rel. Min. Franciulli Neto, j. 07.03.02). Já sob a vigência da Lei nº 10.628/02, tem-se o decidido no AgRgPet nº 1.885-PR, Rel. Min. Vicente Leal, julgado em 16.5.2003, verbis:

“COMPETÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. GOVERNADOR.Prosseguindo o julgamento, a Corte Especial entendeu, por maioria, que o STJ não tem competência para apreciar processos em que se discute atos de improbidade administrativa supostamente praticados por Governador de Estado. A prerrogativa de foro dos governadores está relacionada à prática de ilícitos criminais comuns, sendo certo que a investigação de atos de improbidade administrativa refoge à

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competência expressa preconizada no art. 105, I, a, da CF/1988. Precedentes citados: Rcl 780-AP, DJ 7/10/2002; Pet 1.955-PR, e Rcl 591-SP, DJ 18/12/2000” (Informativo STJ nº177)13.

– III –DA CARACTERIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, EFICIÊNCIA E MORALIDADE E PELA OCORRÊNCIA DE DANOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

A partir do extenso rol de irregularidades e ilicitudes verificadas no sistema de saúde do Município do Rio de Janeiro, o qual é gerido pelos demandados, é possível concluir pela dolosa violação dos princípios da legalidade, eficiência e moralidade administrativas, inclusive com reflexos danosos ao patrimônio público, cuidando-se de:

1) falta de ações e serviços eficazes na área de atenção básica;

2) desabastecimento e desaparelhamento da rede de saúde;

3) baixa produtividade em procedimentos de saúde em vista da capacidade instalada;

4) ausência de regulação das ações e serviços de saúde;

13 Em igual sentido: HC nº 22342/RJ, Corte Especial, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 23.06.03, p. 231.

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5) falta de planejamento e ineficácia das ações de média complexidade;

6) fraude à regra da licitação e prejuízos ao erário no que diz respeito ao denominado “fundo rotativo”;

7) ineficácia dos programas de saúde mental e omissão na captação de recursos disponibilizados pelo Ministério da Saúde;

8) descumprimento ao art. 4º da Lei nº 8.142/90;9) omissão na captação de recursos disponibilizados pelo Ministério da Saúde relativamente ao programas de atenção básica, saúde da família, saúde bucal, SAMU e de cirurgias eletivas;

10) precariedade das ações e serviços de saúde no Município mesmo diante da suficiência dos recursos disponíveis;

11) diversas irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas do Município relativamente à execução orçamentária dos anos de 2001, 2002 e 2003, tais como a realização de despesas sem prévio empenho; a inexecução de todo o orçamento da saúde, não obstante as notórias precariedades do setor; a inexecução de diversos projetos importantes na área da saúde e a não-aplicação de parcelas significativas do Fundo Municipal de Saúde;

12) desrespeito e obstrução ao exercício do controle social;

13) violação ao Princípio da Municipalização pelo Decreto Municipal nº 24.999/05;

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14) descumprimento de decisões judiciais.

Como não se ignora, a Lei nº 8.429/92 foi editada para dar efetividade ao preceito do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, segundo o qual “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Referido diploma legal, adotando técnica legislativa das mais singelas e adequadas, cuidou de tipificar, de forma exemplificativa, atos que ferem a probidade na condução dos negócios da Administração, dividindo-os em três grandes grupos, a saber: a) os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); e c) os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). Este último dispositivo legal encontra-se redigido da seguinte maneira:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

(...)”

Justifica-se a posição do legislador ao tipificar a violação aos princípios que regem a Administração Pública, erigindo-a à categoria de ato de improbidade administrativa (art. 11), na medida em

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que referidos princípios apresentam-se na condição de mandamentos normativos nucleares e superiores do sistema jurídico, os quais orientam e direcionam a elaboração das regras jurídicas. Celso Antônio Bandeira de Mello ressalta a sua importância basilar ao asseverar que:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada” ("Elementos de Direito Administrativo"; editora Revista dos Tribunais).

A propósito dos princípios da Administração Pública, ressalta o art. 4º da mencionada lei que "os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos", o que significa, de forma induvidosa, que incorre em ato de improbidade administrativa, sujeitando-o às sanções previstas no art. 12, o agente público que transgride os princípios explicitados no art. 37, caput, da Constituição Federal.

Cuidando agora das condutas que acarretam dano ao patrimônio público, estatui o art. 10 da Lei nº 8.429/92, verbis:

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“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:(...)

No caso ora em análise, a exaustiva narrativa fática

do verdadeiro caos que se instalou no sistema de saúde do Município do Rio de Janeiro, com gravíssimas conseqüências para a população carioca, representa a afronta não só aos mais elementares direitos fundamentais, regras e princípios constitucionais como também, em específico, a violação aos princípios constitucionais da legalidade, eficiência e moralidade (art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa), com reflexos danosos ao patrimônio público (art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa), como a seguir se passará a demonstrar.

A tais violações devem responder os ora demandados, na qualidade de gestores do sistema de saúde no Município do Rio de Janeiro, sendo certo que todos os fatos aqui imputados, além de notórios em sua maioria, na forma e para os fins do art. 334, I, do Código de Processo Civil, são de seu pleno conhecimento e domínio. Não se tem dúvida, por outro lado, que os ora demandados, por intermédio de suas ações e omissões, assumiram o risco de produzir todos os lamentáveis resultados exaustivamente expostos nesta peça, o que enseja a aplicação dos preceitos sancionatórios previstos no art. 12 da Lei nº 8.429/92.

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– IV – SOBRE A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Tornou-se lugar comum, em direito administrativo, a afirmação no sentido de que “... a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei” (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo. 15ª. Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 91).

Pois bem.

Ao longo da exposição fática demonstrou-se que os demandados, ao instituírem o denominado fundo rotativo em algumas unidades de saúde do Município, deram ensejo a que se violasse a Lei nº 8.666/9314 e o art. 37, XXI, da Constituição Federal, segundo o qual “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras

e alienações serão contratados mediante processo de licitação púbica que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento

das obrigações”.

14 “Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações,

concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei”.

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Mais especificamente, além da ilegal utilização de tais verbas à aquisição não-emergencial de medicamentos, insumos e alimentos nas unidades, bem assim para a execução de serviços de manutenção, o que foi vedado pela própria norma instituidora do fundo, constatou-se também o fracionamento das compras efetuadas de modo a que se dispensasse, indevidamente, o processo licitatório. Sobre o ponto aplica-se qual uma luva a lição de Jessé Torres Pereira Júnior no sentido de que: “O não-fracionamento continua sendo diretriz importante na legislação licitatória, tanto que a Lei nº 8.666/93 ressalva, na hipótese de dispensabilidade do certame em razão do pequeno valor do objeto (art. 24, inciso II), a inaplicabilidade do permissivo para parcelas da mesma compra. Vale dizer que a lei proíbe a contratação direta de compra de objeto que haja sido parcelado no propósito de fracionar seu valor global e com isto evitar-se a realização da integralidade” (Comentário à lei de licitações e contratações da administração pública. 5ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 260) – grifamos.

Relativamente a este aspecto, já se advertiu que “Um dos artifícios comumente utilizados pelos ímprobos consiste no indevido fracionamento do objeto a ser contratado, o que lhes permitirá utilizar uma modalidade mais simples de licitação, destituída de maior formalismo e publicidade, com o conseqüente favorecimento de terceiros com eles conluiados. Além disso, por vezes lhes será possível dispensar a própria licitação (art. 24, I e II, da Lei nº 8.666/93)” (Emerson Garcia, et al. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 281), aduzindo-se que:

“A identificação da fraude, empreitada nem sempre fácil de ser ultimada, deve ser feita com a individualização dos seguintes fatores: a) preexistência, por ocasião da primeira licitação, das situações fáticas que serviram de elemento

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deflagrador das demais; b) idêntica natureza dos objetos das sucessivas licitações; c) ausência de situação excepcional (de natureza econômica, social etc) que pudesse justificar a limitação do montante de cada uma das contratações (art. 23, par. 1º, da Lei nº 8.666/93); d) que a licitação das partes, no caso de fracionamento justificado por situação excepcional, não observe a modalidade que seria realizada para o todo (arts. 23, par. 2º, e 7º, par. 1º, da Lei nº 8.666/93); e ) proximidade temporal entre as licitações, o que será verificado em conformidade com as peculiaridades do caso. Em casos tais, tem-se determinadas operações que, consideradas em sua individualidade, são lícitas, mas que visualizadas em conjunto perseguem um fim juridicamente ilícito, sendo nulas de pleno direito” (ob. cit., p. 281).

A lição, como se vê, é aplicável, qual uma luva, à

hipótese aqui retratada.

Além de tais aspectos, vale dizer, o indevido fracionamento de objetos e a também indevida dispensa do certame licitatório, que por si sós configurariam graves ilegalidades, verificou-se que os fatos acima descritos importaram vultosos danos ao patrimônio público, da ordem de de R$ 1.698.996,65 (um milhão seiscentos e noventa e oito mil e novecentos e noventa e seis reais e sessenta e cinco centavos), representativos de inspeções feitas pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro apenas nas principais unidades.

Tais ilegalidades são imputáveis, conforme já se ressaltou, ao Sr. Secretário Municipal de Saúde porque, nesta qualidade, aprovou, indevidamente, os processos de prestação de contas das unidades contempladas pelo fundo rotativo.

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Quanto ao Chefe do Poder Executivo, sua responsabilização prende-se ao fato de ter, no decreto instituidor do fundo rotativo, afastado a necessidade de prestação de contas pelos gestores das unidades, ferindo, com isso, a Lei Municipal nº 208/85 (Código de Administração Financeira e Contábil do Município do Rio de Janeiro).

Além disso, restou também comprovado que relativamente ao processo de compra, a omissão dos demandados acarretou reiteradas aquisições de medicamentos, pelas unidades de saúde, sem a observância de processo licitatório, alegando-se, dolosamente, o argumento emergencial e abdicando-se, por outro lado, da busca dos melhores preços. Tais circunstâncias, como resulta evidente, violam não só o que preconiza a Lei de Licitações e Contratos Administrativos como o próprio princípio da economicidade.

Quanto à execução do orçamento da saúde, o Tribunal de Contas do Município verificou a realização de vultosas despesas sem a realização de prévio empenho, o que afronta o art. 60 da Lei nº 4.320/64. Verificou-se igualmente a absoluta falta de controle, pelos gestores, dos recursos recebidos do SUS, bem assim a falta de acompanhamento das metas e objetivos traçados no Plano Geral de Metas e Objetivos.

Mais grave ainda: A Corte de Contas Municipal, por ocasião da análise das contas do ano de 2002, constatou que o Município considerou despesas com inativos como gastos com saúde, o que é absurdo e fere o regramento constitucional, por tal conduta devendo também responder os demandados.

Relativamente ao controle social, as investigações levadas a efeito pelo Ministério Público também demonstram violação ao art. 4º da Lei nº 8.142/90, mais especificamente na parte que

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determina a implantação do Plano de Carreira, Cargos e Salários dos Profissionais de Saúde, tendo há muito vencido o prazo de dois anos estipulado pela lei em referência (art. 4º, VI). Registre-se que o não-atendimento pelo Município dos requisitos estabelecidos no art. 4º da Lei n. 8142/90 é razão para que os recursos do fundo nacional de saúde sejam administrados pelo Estado (parágrafo único do art. 4º. da Lei n. 8142/90).

Ademais, restaram igualmente demonstradas diversas outras ilegalidade praticadas pelos gestores da saúde municipal. Assim, tem-se que o Conselho Municipal de Saúde funciona de forma absolutamente precária, faltando-lhe a mais elementar estrutura administrativa. Além disso, os demandados descumprem reiteradamente as proposições das conferências de saúde, deixando também de submeter ao Conselho Municipal as devidas prestações de contas, as propostas orçamentárias, bem assim os convênios e contratos firmados. Mas não é só: Há também obstrução ao exercício de importantíssimas atribuições do Conselho Municipal, destacando-se, dentre elas, as de acompanhar o Plano Municipal de Saúde e fiscalizar a utilização dos recursos ligados à área. Por tudo isso, restam violados princípios e normas da Constituição Federal (art. 198, III), da Lei nº 8.080/90 (arts. 7º, VIII, e 33), da Lei nº 8.142/90 (art. 1º e 4º), da Resolução nº 33 do Conselho Nacional de Saúde e das Leis Municipais nº 1.746/91 e 2.011/93.

De modo a ampliar ainda mais o leque de

ilegalidades e inconstitucionalidades, merece ser destacada a edição, em janeiro do corrente, pelo primeiro demandado, do Decreto nº 24.999, o qual, dolosamente, buscou inviabilizar o funcionamento das unidades municipalizadas. Por meio de tal malsinado ato, ao proibir alocações de pessoal e recursos de investimentos em equipamentos e obras, reduzir os gastos de manutenção de aluguel de equipamentos e

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anunciar a progressiva diminuição de aportes financeiros de recursos, o Chefe do Poder Executivo Municipal e seu Secretário de Saúde violaram a Constituição Federal (arts. 30, VII, e 198) e a própria Lei Orgânica do SUS (Lei nº 8.080/90, arts. 7º e 18) , colocando em risco toda a população de usuários.

– V – SOBRE A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

De tudo o que se expôs é possível evoluir, também, à constatação de afronta ao princípio constitucional da eficiência.

De fato, como não se ignora, a Emenda Constitucional nº 19/98 inseriu, na cabeça do art. 37 da Constituição, o princípio da eficiência como um dos princípios reitores da Administração Pública, óbvia expressão do Estado Democrático de Direito.

A rigor, mesmo antes da Emenda Constitucional em referência já era possível afirmar a presença do princípio da eficiência no texto constitucional, sendo exemplos eloqüentes as regras relativas aos sistemas administrativos de controle interno da administração (art. 74, II, da CF) e, sobretudo, aquelas referentes à competência do Tribunal de Contas para avaliar a legalidade, legitimidade e economicidade do atuar administrativo de um modo geral (art. 70 da CF).

De notar-se que os administrativistas pátrios, bem antes da reforma do texto constitucional, já tratavam do tema com grande desenvoltura. Assim, por exemplo, o clássico HELY LOPES MEIRELLES já apontava entre os deveres do administrador público o chamado “dever de eficiência”, “o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas

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com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (Direito Administrativo Brasileiro, 20ª edição. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 90). Para o mesmo autor, o princípio da eficiência impõe ao agente público o desempenho de suas atribuições com presteza, precisão, perfeição e rendimento funcional (idem).

Também CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO já apontava o dever de atuação ótima ou excelente do administrador nas hipóteses de discricionariedade (Discricionariedade e Controle Judicial. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 33-36), dando bem a nota de que a eficiência é exigência imanente a toda e qualquer atividade pública, não estando circunscrita, por isso, apenas à esfera de atuação privada.

De forma mais singela, ao incrementar a principiologia já plasmada pelo art. 37 da Constituição, nada mais fez o constituinte derivado que consagrar, agora já fora e acima de qualquer dúvida, o imperativo jurídico e moral da boa administração, velho conhecido de ordenamentos jurídicos alienígenas.

Assim, de acordo com a lição irrepreensível de PAULO MODESTO, “Nunca houve autorização constitucional para uma administração pública ineficiente. A boa gestão da coisa pública é obrigação inerente a qualquer exercício da função administrativa e deve ser buscada nos limites estabelecidos pela lei. A função administrativa é sempre atividade finalista, exercida em nome e em favor de terceiros, razão pela qual exige legalidade, impessoalidade, moralidade, responsabilidade, publicidade e eficiência dos seus exercentes. O exercício regular da função administrativa, numa democracia representativa, repele não apenas o capricho e o arbítrio, mas também a negligência e a ineficiência, pois ambos violam os interesses tutelados

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pela lei” (“Notas para um debate sobre o princípio da eficiência” in Revista Interesse Público nº 7, pp. 71/72).

Deste modo, na forma do que ficou dito por ocasião da exposição fática, a situação da saúde pública no Município do Rio de Janeiro, dada a multidão de irregularidades e omissões colecionadas até o presente momento, significa um dos mais eloqüentes exemplos de incompetência administrativa e descaso para com a coisa pública, verdadeira afronta à dignidade da pessoa humana e ao direito à saúde como um direito fundamental, sendo os demandados responsáveis por este quadro em razão de seu atuar doloso.

Veja-se que o art. art. 74, II, da CF, determina aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a criação de sistemas de controle interno dos atos administrativos com a finalidade de “comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração”, o que foi olimpicamente ignorado pelos agentes públicos aqui demandados. Da mesma forma, o art. 37, § 3º, I, da Constituição da Republica, ao prever a participação do usuário na fiscalização dos serviços públicos em geral, deixa clara a necessidade de realização de avaliações periódicas internas quanto à sua qualidade, reforçando o cânone da eficiência.

Tal dever de eficiência se vê complementado pelo controle externo exemplarmente exercido pelos Tribunais de Contas de todo o País (art. 70 da CF), devendo ser relembrado que no caso sob análise o Tribunal de Contas do Município teve a oportunidade de glosar uma série de irregularidades no sistema de saúde do Município do Rio de Janeiro, conforme visto acima.

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De modo a que não se tenha qualquer dúvida sobre a vinculação dos agentes públicos ao princípio da eficiência, cabe ressaltar, com EMERSON GARCIA, que:

“... a eficiência dos serviços públicos, em que pese continuar situada sob a epígrafe de ‘utopias públicas, assume um papel de norma de conduta, de imperativa observância pela administração. Em verdade, ao menos teoricamente, a eficiência sempre esteve ínsita no fim buscado por qualquer ato estatal, sendo um princípio implícito há muito consagrado pelo sistema, não sendo propriamente uma inovação introduzida pela Emenda Constitucional nº 19/98” (Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 23).PAULO MODESTO, novamente, ao cuidar das duas

dimensões do princípio da eficiência, a saber, a da racionalidade e otimização no uso dos meios e a da satisfatoriedade dos resultados da atividade administrativa pública, deixa assentado que “Na primeira dimensão ... insere-se a exigência de economicidade, igualmente positivada, entre nós, sendo o desperdício a idéia oposta imediata. Trata-se aqui da eficiência como qualidade da ação administrativa que maximiza recursos na obtenção de resultados previstos. Na segunda dimensão, cuida-se da eficiência como qualidade da ação administrativa que obtém resultados satisfatórios ou excelentes, constituindo a obtenção de resultados inúteis ou insatisfatórios uma das formas de contravenção mais comum ao princípio” (ob. cit., p. 74).

Ainda sobre este aspecto, ressalta referido autor que “Eficiência, para fins jurídicos, não é apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis em função dos fins

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prezados, como é corrente entre os economistas e os administradores. A eficiência, para os administradores, é um simples problema de otimização de meios; para o jurista, diz respeito tanto à otimização dos meios quanto à qualidade do agir final. Recorde-se que o administrador público está obrigado a agir tendo como parâmetro o melhor resultado, consultando-se o princípio da proporcionalidade” (ob. cit., p. 73).

A ineficiência dos administradores públicos aqui demandados exsurge clara, até mesmo afrontosa, se considerarmos o extenso rol de ilicitudes descritos por ocasião da descrição fática.

Assim, rememorando-se o quanto se disse, mesmo que resumidamente, tem-se que:

- quanto à denominada atenção básica, os demandados descumpriram os compromissos assumidos com o Ministério da Saúde no que diz respeito aos programas de saúde da família e saúde bucal, comprometendo a meta nacional firmada junto ao Banco Mundial. Além disso, a não-implementação das Equipes de Saúde da Família traz vários prejuízos para o Município do Rio de Janeiro, que deixa de receber as verbas referentes ao programa e os Kits de medicamentos distribuídos pelo Ministério da Saúde conforme o número de equipes existentes. Ademais, ao não habilitarem o Município na denominada “Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada”, renunciaram os demandados a recursos públicos de grande monta, deixando o ente de receber, de 2002 até 2004, nada mais nada menos que R$ 20.532.692,32, tudo isso em prejuízo à já sofrida população carente, obrigada a recorrer aos já superlotados hospitais de emergência;

- quanto ao desabastecimento e ao desaparelhamento das unidades de saúde, viu-se que é generalizada a falta de medicamentos, insumos e equipamentos em toda a rede municipal,

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inclusive nos principais hospitais de emergência da Cidade. Além disso, tem-se também a absoluta falta de controle, por parte dos diretores das unidades, dos serviços prestados pelas empresas contratadas pela Secretaria Municipal de Saúde. Relativamente ao processo de compra, a omissão dolosa dos demandados acarreta reiteradas aquisições de medicamentos, pelas unidades de saúde, sem a observância de processo licitatório, alegando-se, também dolosamente, o argumento emergencial e abdicando-se, por outro lado, da busca dos melhores preços. Tal circunstância, que também se verifica relativamente aos insumos, é inadmissível uma vez que os gestores municipais conhecem as respectivas grades de todas as unidades, elaboradas a partir de informações fornecidas pela direção dos hospitais, o que lhes permitiria adquirir os medicamentos e os insumos em quantidade suficiente à demanda, através de regular processo licitatório. Por conta da falta de gestão, restou comprovado também que importantes equipamentos médicos se encontram em desuso por falta de manutenção, o que, ao lado das demais circunstâncias acima relatadas, acarreta o fechamento das emergências, a concessão antecipada e indevida de alta a pacientes internados, a suspensão de novas internações, a paralisação de serviços fundamentais, a diminuição e o adiamento de cirurgias eletivas, com a formação de longas filas de espera (espera de mais de um ano em alguns casos), a desativação de leitos e a suspensão de consultas ambulatoriais, tudo isso em evidente prejuízo à população.

- no que toca à baixa produtividade em procedimentos de saúde em vista da capacidade instalada, verifica-se a realização de um número nitidamente insuficiente de procedimentos de média complexidade, principalmente de cirurgias eletivas. Em conseqüência disso, formam-se intermináveis listas de espera pela realização de tais procedimentos, sendo este, atualmente, um dos principais problemas do sistema de saúde do Município do Rio de Janeiro, mau gerido pelos demandados. A tal situação caótica também concorrem a falta de

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planejamento, articulação e regulação bem assim o desabastecimento e o desaparelhamento das unidades de saúde, do que resultam danos não só aos pacientes como ao próprio Município. Não obstante tudo isso e não obstante a existência de incentivos financeiros do Ministério da Saúde para o incremento das cirurgias eletivas, até hoje os demandados, gestores da saúde pública no Município, não apresentaram qualquer projeto neste sentido;

- sobre a falta de regulação, as provas colhidas pelo Ministério Público demonstram a total ausência de controle dos demandados sobre a rede de saúde sob sua gestão, denotando a ineficiência administrativa de seus órgãos e administradores. Em termos práticos, isso significa: a) a sobrecarga de atendimento nas unidades de emergência; b) a falta de resolutibilidade da rede; c) a falta de porta de saída para a fase pós emergencial; d) a predominância de pacientes não-emergenciais nos hospitais de emergência; e) a falta de referenciamento adequado; f) o excesso de demanda e a superlotação. Restou também demonstrado que a implementação de um eficaz sistema de regulação acarreta a diminuição de mortes precoces por falta de atendimento e a diminuição de seqüelas e tempo de internação pela demora do socorro, circunstâncias ignoradas pelos demandados. Verificou-se também que o Município não utilizou as 74 ambulâncias disponibilizadas pelo Ministério da Saúde por força do programa SAMU, o que se mostra também inadmissível e deve ser imputado aos ora demandados. Por fim, constatou-se que o Município do Rio de Janeiro sequer inclui os hospitais universitários em sua rede de regulação, deixando de tirar proveito dos serviços de atenção à saúde prestados por tais unidades dentro de um sistema integrado com as demais unidades de saúde;

- no que toca com o denominado “fundo rotativo”, instituído pelos Decretos nº 23.767/03 e 23.789/03, verificou-se a utilização não-emergencial das verbas destinadas à sua composição para a aquisição

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de medicamentos, insumos e alimentos e para a execução de serviços de manutenção, emprego irregular e desviado em sua finalidade que pode ser atribuído às precárias condições de funcionamento de todos os hospitais municipais;

- quanto aos programas de saúde mental, está comprovada não só a insuficiência do número de CAPS – não obstante a existência de incentivos financeiros do Ministério da Saúde para a sua implantação – como também que o Município, por intermédio de seus gestores, ora demandados, não recebe por toda a produção de seus CAPS, tendo deixado de arrecadar R$ 4.488.846,00. Causa espanto, nessa linha, que dos 12 CAPS existentes, somente 9 tenham sido cadastrados junto ao Ministério da Saúde;

- relativamente ao estabelecido pela Lei nº 8.142/90, verifica-se o precário funcionamento do Conselho Municipal de Saúde, que não teve submetidos à sua aprovação o Plano de Saúde e o Relatório de Gestão, importantes instrumentos de participação e controle sociais. Tais circunstâncias não se dão por acaso, representando, antes, a deliberada intenção dos demandados em afastar o controle da sociedade civil sobre seus atos administrativos;

- com relação aos aspectos orçamentários, verificou-se que convênios firmados com a União Federal, como por exemplo para a reforma dos sistemas elétricos dos hospitais municipalizados, não foram cumpridos, ficando os recursos depositados, sem utilização, em contas de investimento. Além disso, o Tribunal de Contas do Município apurou a existência, desde o ano de 2000, de saldos disponíveis, não-utilizados, relativamente ao orçamento da saúde. Por fim, também restou constatada a existência de dívidas com pessoal;

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- ainda no que diz respeito aos aspectos orçamentários, demonstrou-se que o Município, por intermédio dos demandados, deixou de receber do Ministério da Saúde vultosos recursos quanto aos programas de atenção básica, saúde da família, saúde bucal, SAMU e cirurgias eletivas, o que é afrontoso se considerada a precariedade das ações e serviços de saúde em nosso Município;

- quanto à execução orçamentária dos anos de 2001, 2002 e 2003, restaram apuradas pelo Tribunal de Contas do Município a realização de diversas despesas sem prévio empenho, a inexecução de todo o orçamento da saúde, não obstante as notórias precariedades do setor, a inexecução de diversos projetos importantes na área da saúde, não obstante a existência de saldo, e a não-aplicação de parcelas significativas do Fundo Municipal de Saúde.

Não se tem dúvida, por outro lado, de que o princípio da eficiência vincula o administrador tanto no que diz respeito aos atos vinculados quanto no que se convencionou denominar “atos discricionários”, sobretudo com relação a estes últimos uma vez que relativamente aos primeiros, como resulta óbvio, o próprio legislador já fixa, em contornos rígidos, a excelência do resultado a ser alcançado.

Neste sentido, inclusive, é esclarecedora a doutrina de RITA TOURINHO, verbis:

“... caso haja violação aos princípios que norteiam a Administração Pública, mesmo no exercício de competência discricionária, caberá a incidência do art. 11, responsabilizando-se, pessoalmente, o administrador público, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, III. Daí a grande novidade: não é somente o ato que será atacado, mas também o

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responsável pelo mesmo” (Discricionariedade Administrativa, Ação de Improbidade e Controle Principiológico. Curitiba: Juruá, 2004, p. 204).

Sobre a questão específica de saber se a constatação de violação aos princípios administrativos é capaz de chamar a incidência dos preceitos sancionatórios da Lei nº 8.429/92, JOSÉ MARCELO MENEZES VIGLIAR, depois de ressaltar a relevância que o direito à saúde recebeu do texto constitucional, esclarece, com precisão, que ““... a gestão de recursos públicos para a saúde pública, o cumprimento de normas voltadas a disciplinar o funcionamento de programas públicos de saúde, a necessidade de se ofertar, na forma legislada, o competente e eficaz serviço público de saúde, a não omissão das políticas públicas em relação a epidemias e outros eventos que colocam a população em risco, sobretudo dos programas de educação para a saúde, a necessidade de se proporcionar igualdade entre os cidadãos também no que tange à saúde que o Estado deve ofertar, são temas afetos ao campo prestigiado pela Lei nº 8.429/92” (“Saúde Pública e Improbidade Administrativa” in Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal”. Brasília. Ministério da Saúde, p. 424). Mais à frente o mesmo autor, de forma mais enfática, assevera:

“O art. 197, ao tratar da fiscalização e controle das ações e serviços de saúde deixa muito claro que não somente as atitudes comissivas serão punidas, caso contrariem a importância que a Constituição empresta às ações e serviços de saúde; também as omissões do poder público merecem o mesmo rigor, seja para fiscalizar o desempenho de quem venha realizando as referidas ações e/ou serviços de saúde (o Estado

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diretamente, ou por terceiros, mesmo que pessoa física ou jurídica de direito privado), seja para controlá-la e viabilizá-la na forma desejada pela Constituição, que reconheceu esta obrigação que é do Estado; (...) Assim, muito ao contrário do que se possa imaginar, não apenas a realização das condutas comissivas exemplificativamente vedadas em lei e voltadas a preservar o erário, levariam o administrador da área de saúde (o agente público, como deseja a Lei n. 8.429/92) a realizar atos de improbidade administrativa. Também a inobservância dos princípios que devem ser perseguidos pelo administrador, pode levar à realização desses atos “(ob. cit., pp. 425 e 427). Enfim, o que hoje se denomina “caos no

sistema de saúde do Município do Rio de Janeiro” é obra da absoluta falta de gestão dos demandados, omissos em darem cumprimento aos seus deveres constitucionais.

De tudo o que se disse, chama a atenção o fato de que a não-aplicação integral dos valores destinados à saúde por conta da busca de ganhos no mercado financeiro acarretou enormes e incalculáveis prejuízos à população, conspurcando o direito fundamental à saúde e à vida, violando, enfim, o princípio da dignidade da pessoa humana e representando uma escolha claramente ineficiente.

– VI – SOBRE A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE

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Se levarmos em conta que as irregularidades constatadas no sistema de saúde no Município do Rio de Janeiro invadem as raias do absurdo, com gravíssimos danos à população e a frustração da legítima expectativa nutrida pelos administrados no sentido de usufruírem um serviço digno, será possível concluir que as condutas comissivas e omissivas até aqui narradas também afrontam violentamente o próprio princípio da moralidade administrativa, incutindo na população, sobretudo nos mais humildes, a sensação de impotência e descrédito quanto às instituições.

Com efeito, a melhor doutrina vem ressaltando que a ineficiência grosseira da Administração Pública pode ser considerada uma hipótese de imoralidade administrativa (DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 70), raciocínio também aplicável à própria violação grosseira do princípio da legalidade.

Sem prejuízo, de tudo o que foi exaustivamente narrado por ocasião da exposição fática, merecem destaque as conclusões do Tribunal de Contas do Município no que diz respeito às execuções orçamentárias dos anos de 2001, 2002 e 2003.

Resumidamente, a Corte Municipal de Contas constatou, além de diversas outras irregularidades, que o Município do Rio de Janeiro, por intermédio de seus gestores, ora demandados, deixou de executar a integralidade do orçamento da saúde, com prejuízo a programas da maior relevância (implantação de consultórios de saúde, implantação de centro de Alzheimer, atendimento ao alcoolismo, modernização de áreas programáticas, programa DST/AIDS, programa de doenças transmissíveis, programa de saúde bucal, programa de doenças crônicas etc), não obstante todas as notórias precariedades verificadas no setor e a existência de saldo orçamentário.

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Além disso, constatou-se a não-aplicação de parcelas significativas do Fundo Municipal de Saúde, circunstância que também causa espanto e estarrecimento diante de tantas mazelas no sistema público de saúde em nosso Município. Ademais, como já dito, deixaram os demandados de incrementar a arrecadação municipal através de sua negligência em captarem recursos disponibilzados pelo Ministério da Saúde relativamente aos programas de atenção básica, saúde da família, saúde bucal, SAMU e de cirurgias eletivas, deixando também de faturar a integralidade dos procedimentos na área de saúde mental. Tais circunstâncias revestem-se de superlativa gravidade e demonstram que o discurso dos gestores da saúde no Município no sentido de que faltariam recursos disponíveis agride o bom senso e, mais do que isso, a própria moralidade administrativa.

A postura dos demandados relativamente às unidades municipalizadas, conforme acima descrito, também demonstra violação à moralidade administrativa. Com efeito, em vez de buscarem resolver com a União Federal a existência de pendências relativas ao repasse de verbas vinculadas a referidas unidades, escolheram os demandados um caminho que causou prejuízo à população, gerando a descontinuidade dos serviços. Tal conduta viu-se materializada, sobretudo, pela edição do Decreto nº 24.999/05, o qual, de forma abrupta e irresponsável, pura e simplesmente proibiu alocações de pessoal e recursos de investimentos em equipamentos e obras, reduziu os gastos de manutenção de aluguel de equipamentos e anunciou a progressiva diminuição de aportes financeiros de recursos, o que demonstra desapego para com o bem comum. Em boa hora, os efeitos do Decreto nº 24.999/05 foram suspensos por decisão liminar proferida pelo Juízo da 11ª. Vara Federal (Processo nº 2005.51010053409), o que, contudo, não impediu os demandados de praticarem outros atos administrativos nocivos ao sistema de saúde, descumprindo a ordem judicial.

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Nesta linha, de modo a tornar ainda mais grave o quadro acima narrado, verificou-se também que após a publicação do decreto presidencial de intervenção, os demandados, valendo-se de argumentos inaceitáveis, criaram uma série de embaraços à atuação interventiva do Ministério da Saúde. Com efeito, através de atos administrativos ilegais e inconstitucionais, exoneraram servidores de cargos em comissão e de funções de confiança, ameaçaram suspender contratos de prestação de serviços na área de informática, deixaram de entregar Kits para a realização de exames bem como medicamentos, relotaram servidores lotados nas unidades municipalizadas, deixaram de pagar a servidores e médicos residentes lotados nestas unidades e determinaram a suspensão de obras e serviços continuados pela RIOURBE. Conforme já exposto acima, todos esses atos afrontosos à população foram prontamente sustados pelo Judiciário Federal, cujas decisões, contudo, viram-se repetidamente descumpridas pelos gestores municipais em afronta ao que estabelece a Lei de Improbidade Administrativa (art. 11, II) e ao próprio princípio da moralidade, o que bem demonstra o dolo de seu atuar, além de caracterizar crime.

– VII –

DOS DANOS MATERIAIS

Como acima relatado, por intermédio dos Decretos nº 23.767/03 e 23.789/03, institui-se o denominado fundo rotativo, o que ensejou, por parte das unidades de saúde contempladas pela regra, o indevido fracionamento de compras, com a também indevida dispensa de licitação. Tais condutas acarretaram, segundo apontado pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, danos ao erário da ordem de R$ 1.698.996,65 (um milhão seiscentos e noventa e oito mil e novecentos e noventa e seis reais e sessenta e cinco centavos), que devem ser integralmente reparados pelos ora demandados.

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De igual forma, restou demonstrado que o Município, por intermédio de seus gestores, não recebe por toda a produção de seus CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), tendo deixado de arrecadar nada mais nada menos que R$ 4.488.846,00.

A mesma negligência no recebimento de verbas federais se verifica relativamente a importantes programas financiados pelo Ministério da Saúde. Quanto à atenção básica, por não ter-se habilitado em gestão plena de atenção básica ampliada, o Município deixou de arrecadar, de 2002 a 2004, R$ 20.532.692,32 no PAB Fixo. Quanto ao programa SAMU, a municipalidade abre mão de nada mais nada menos que R$ 1.169.000,00 por mês. Por fim, há também grande perda pelo não-cadastramento de todas as equipes de saúde da família e de saúde bucal, o que importa o não-recebimento de R$ 1.440.336,00 anuais (R$ 941.136,00 do PSF e R$ 499.200,00 do programa de saúde bucal). Relativamente ao programa de cirurgias eletivas, o Município deixa de arrecadar o valor de R$ 3.025.699,50 por semestre.

Quanto aos expressivos valores que os gestores municipais, ora demandados, deixaram de agregar aos cofres municipais, não se tem dúvida de que tal conduta caracteriza ato de improbidade administrativa, não só na forma do art. 11 da Lei nº 8.429/92 (violação aos princípios da eficiência e da moralidade) como também por infringência ao art. 10 da lei em referência (dano ao patrimônio público em razão de seu “não-incremento”).

– VIII –DA OCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS DIFUSOS À COLETIVIDADE DE USUÁRIOS DO SISTEMA DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DO RIO DE

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Além da ocorrência de vultosos danos materiais, como acima relatado, as reiteradas condutas omissivas e comissivas dos demandados produzem graves danos morais difusos à coletividade dos destinatários dos serviços e ações de saúde em nosso Município, submetidos a graves sofrimentos e humilhações.

Como não se ignora, o art. 5o, X, da Constituição Federal assegura a indenização dos denominados danos morais em decorrência da violação à intimidade, à vida privada, à honra e à ima-gem das pessoas, o que levou a jurisprudência do STJ a assentar que são acumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriun-dos do mesmo fato (Súmula no 37). A matéria, hoje, conta também com expressa previsão pelo atual Código Civil (arts. 20 e 186).

No campo dos interesses difusos, a indenizabilida-de do dano moral se vê expressamente admitida pelo art. 1o da Lei da Ação Civil Pública, com a redação dada pela Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994 (Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados...). Antes mesmo da referida alteração legislativa, a matéria já encontrava expressa previsão no art. 6o, VI, do CDC. Evidentemente “... se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, não há por que não possa sê-lo a coletividade. Assim, pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção de fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamen-te injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última ins-tância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial” (Yussef

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Said Cahali, Dano Moral, p. 352, fazendo referência ao ponto de vista sustentado por Carlos Alberto Bittar Filho).

Temos como induvidosa, deste modo, não só em razão dos sólidos fundamentos jurisprudenciais e doutrinários acima referidos, como também, e sobretudo, em razão da expressa previsão legal, a possibilidade de formulação de pedido indenizatório de tal natu-reza, sozinho ou cumulado ao ressarcimento de danos materiais, se existentes, conclusão que se vê confirmada pela própria Lei de Improbidade, cujo art. 12, ao aludir ao “ressarcimento integral do dano”, não distingue entre dano material e moral, que pode verificar-se não só relativamente à pessoa jurídica de direito público lesada como também com relação à própria coletividade.

A possibilidade de indenização do dano moral nos casos de improbidade administrativa pode ser analisada em duas vertentes distinta.

A primeira, sob o prisma da denominada honra objetiva, relativamente àquelas condutas que, recebendo o timbre da improbidade, abalam a credibilidade ostentada pela pessoa jurídica de direito público junto a possíveis investidores, acarretando-lhe prejuízos patrimoniais, o que inocorre no presente caso.

Ainda sob o emboque da honra objetiva tem-se, por outro lado, aquelas condutas que, causando, ou não, dano ao erário (arts. 9o, 10 e 11 da Lei de Improbidade), contribuem fundamente para o descrédito das instituições públicas, do Estado junto à sociedade, esmaecendo o vínculo de confiança que deve existir entre ela e os exer-centes do poder político, degenerando-o de modo a colocar em xeque a própria segurança das relações sociais e disseminando entre os indiví-

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duos, sobretudo entre os menos favorecidos economicamente, o nefan-do sentimento de injustiça social, aviltando, enfim, o próprio sentimento de cidadania. Detectada tal característica do atuar ímprobo, vale dizer, a sua elevada repercussão negativa no meio social – para o que concor-rerá não só a magnitude da lesão mas também a própria relevância política do agente ímprobo e o grau de confiança nele depositada pelo povo – deve-se reconhecer o dano moral difuso, o que se verifica no presente caso em razão da notória situação de calamidade pública do sistema de saúde do Município do Rio de Janeiro, oficializada pelo Decreto Presidencial de intervenção.

Numa segunda perspectiva, a da denominada honra subjetiva, a análise do dano moral, de sua ocorrência, deve ser deslocada para o plano da coletividade, sendo certo que o foco, aqui, será voltado à detecção de estados de comoção deflagrados no meio social pelo atuar ímprobo (dano moral coletivo), devendo-se, para tanto, identificar a natureza do bem lesado e a dimensão do prejuízo suporta-do pela coletividade. Na presente hipótese, o bem jurídico lesado ostenta status de direito fundamental sendo certo que os prejuízos causados pelas condutas dos demandados se espalham por toda a coletividade difusa de usuários do sistema de saúde de nossa Cidade. Centenas deles, como se sabe, morrem em casa – por não ter encontrado atendimento – ou morrem na "fila de espera". Os que sobrevivem chegam a ficar horas a fio aguardando por atendimento digno, que nunca chega, imersos no cheiro de sangue, suor e urina das "emergências", recebendo, quando muito, atendimento médico que não poderá – por força das circunstâncias – dar-lhes mais do que alguns breves e precários minutos de atenção.

Por conta disso, deve o Judiciário não só condenar os demandados ao ressarcimento dos comprovados danos materiais,

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conforme acima exposto, como também ao ressarcimento dos danos morais difusos, estes últimos suportados pela coletividade.

– IX –DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto, requerem os Ministérios Públicos Federal e Estadual sejam julgados procedentes os pedidos, acolhendo-se as pretensões ora deduzidas, para, com fundamento no art. 37, § 4º, da Constituição Federal c.c. arts. 10, 11 e 12 da Lei nº 8.429/92, condenar os demandados às sanções previstas no art. 12 da Lei por último referida, vale dizer:

VII.1 – a reparação integral dos danos causados ao patrimônio público municipal em razão de sua omissão no recebimento de verbas da União Federal relativamente aos programas de atenção básica, SAMU, saúde da família, saúde bucal e cirurgias eletivas, bem assim pelo não-faturamento de todos os procedimentos realizados pelos CAPS, o que importa o montante aproximado de R$ 30.616.573,82 (trinta milhões, seiscentos e dezesseis mil, quinhentos e setenta e três reais e oitenta e dois centavos);

VII.2 – a reparação integral do dano causado ao patrimônio público municipal em razão das irregularidades detectadas relativamente à utilização das verbas do denominado “fundo rotativo”, cingindo-se tal condenação apenas ao segundo demandado, o que importa o montante de R$ 1.698.996,65 (um milhão, seiscentos e noventa e oito mil, novecentos e noventa e seis reais e sessenta e cinco centavos);

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VII.3 – a perda das funções públicas que estejam a exercer na data da condenação;

VII.4 – a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de até 08 (oito) anos;

VII.5 – o pagamento de multa civil em valor a ser prudentemente arbitrado por esse Juízo, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos pela Lei de Improbidade Administrativa (art. 12);

V.6 – a proibição de contratarem com o Poder Público e de receberem benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios, pelo prazo de até 05 (cinco) anos, condenando-lhes também (V.7) ao pagamento de danos morais difusos, em valor a ser prudentemente arbitrado por esse Juízo.

Requerem, outrossim, a notificação prévia e a posterior citação dos réus para, querendo, oferecerem resposta às pretensões ora veiculadas (art. 17 da Lei nº 8.429/92).

Protestam por todos os meios de prova em direito admitidos, a serem especificados oportunamente, apresentando com a presente a prova documental colhida nos Inquéritos Civis nº 3156/05 e 03/05. Sem prejuízo, requerem desde logo a expedição de ofício ao Tribunal de Contas do Município e à Controladoria Geral do Município requisitando cópia dos seguintes documentos:

- relatórios de auditoria / inspeção / acompanhamentos realizados na SMS e, dos Relatórios elaborados pela CAD na análise das contas de gestão do Prefeito e da SMS, relativos aos exercícios de 2000 a 2004.

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Salientando que os documentos solicitados deverão conter, entre outras informações:

valores empenhados, liquidados, pagos e inscritos em RP, processados e não processados;

informações físicas acerca da realização dos programas de trabalho individualmente;

mapa contendo as receitas realizadas discriminadas por fonte, categoria econômica e natureza;

composição das despesas a pagar, informando ainda se as mesmas foram regularizadas;

valores que deixaram de ser realizados (economia orçamentária por exercício);

cópia dos documentos que suportaram a emissão dos pareceres da auditoria geral;

listas das impropriedades detectadas pelos controles externos;

relatórios das inspeções e tomadas de conta especiais e extraordinárias realizadas.

Por fim, esclarecem que receberão intimações na Av. Nilo Peçanha nº 31 (Ministério Público Federal) e na Av. Nilo Peçanha nº 26 – 4º andar (Ministério Público Estadual), nesta.

Dá-se à causa o valor R$ 32.315.570,47.

N. Termos,P. Deferimento.

Rio de Janeiro, 22 de março de 2005.

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ADRIANA COUTINHO DE CARVALHO ALEXANDRA PAIVA DÁVILA MELOPromotora de Justiça Promotora de Justiça

CLAUDIA PERLINGEIRO CLÁUDIO HENRIQUE DA CRUZ VIANAPromotora de Justiça Promotor de Justiça

DANIEL PRAZERES GLAUCIA Mª COSTA SANTANAProcurador da República Promotora de Justiça

LISIANE BRAECHER MÁRCIA VIEIRA PIATGORSKYProcuradora da República Promotora de Justiça

ROGÉRIO PACHECO ALVESPromotor de Justiça

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