TUANNY MAIA COSTA - USP · TUANNY MAIA COSTA EVOLUÇÃO DA ALTA DA BOLÍVIA ENTRE 1970 E 2010 COM...
Transcript of TUANNY MAIA COSTA - USP · TUANNY MAIA COSTA EVOLUÇÃO DA ALTA DA BOLÍVIA ENTRE 1970 E 2010 COM...
-
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
TUANNY MAIA COSTA
EVOLUÇÃO DA ALTA DA BOLÍVIA ENTRE 1970 E 2010 COM DADOS
DA REANÁLISE I DO NCEP-NCAR E JRA-55
SÃO PAULO
2017
-
TUANNY MAIA COSTA
EVOLUÇÃO DA ALTA DA BOLÍVIA ENTRE 1970 E 2010 COM
DADOS DA REANÁLISE I DO NCEP-NCAR E JRA-55
Trabalho de Graduação Individual em Geografia II apresentado ao Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Geografia
Orientadora: Profa. Dra. Maria Elisa Siqueira Silva
SÃO PAULO
2017
-
EVOLUÇÃO DA ALTA DA BOLÍVIA ENTRE 1970 E 2010 COM DADOS
DA REANÁLISE I DO NCEP-NCAR E JRA-55
Por
TUANNY MAIA COSTA
Banca examinadora:
Orientadora: Profa. Dra. Maria Elisa Siqueira Silva FFLCH/USP
Profa. Dra. Leila Limberger UNIOESTE
Dr. Carlos Batista da Silva
São Paulo, outubro de 2017
-
À minha família
Que esteve ao meu lado todos esses anos me ajudando a trilhar um caminho
de sucesso através do amor, da união, da humildade e da simplicidade.
Seus princípios me conduzem à luta por uma sociedade mais justa.
-
AGRADECIMENTOS À minha filha, Ísis, que é hoje a minha maior fortaleza, pois renova minhas forças e me faz querer buscar o que há de melhor. O amor por ela me fez querer continuar e chegar até aqui.
Aos meus queridos pais, Vandi e Beatriz, e irmãs, Aloma e Natâny, que são os meus maiores exemplos de luta e amor. Obrigada pelo apoio incondicional, pelos conselhos e pelas tantas noites mal dormidas em apoio às dificuldades da minha vida acadêmica e pessoal. Amo vocês.
Ao meu companheiro, Victor, e sua mãe, Luzinete, pelo apoio incondicional em muitos momentos, sobretudo no fim desta etapa em minha vida.
Aos meus melhores amigos, Bruna e César, que conheci nesse departamento e se tornaram pessoas muito importantes pelo companheirismo sem igual ao longo de todos esses anos. Vocês são grandes exemplos de humildade e brilhantismo e quero tê-los sempre perto de mim. Agradeço a vocês por cada instante que passamos juntos dentro e fora da universidade. Obrigada por tudo.
À minha professora e orientadora Maria Elisa Siqueira Silva, por seu grandioso exemplo como pesquisadora e por sua paciência e disponibilidade durante as incertezas científicas e acadêmicas. Agradeço não apenas por seus ensinamentos técnicos e teóricos, mas, sobretudo, por sua crença em meu trabalho ao longo desses anos. Aos colegas que pude conhecer no LCB (Laboratório de Climatologia e Biogeografia), especialmente ao Carlos Batista, que desde o início não mediu esforços para ajudar nos momentos em que eu já não via possibilidades de seguir sozinha, ou, em suas palavras, “quando a Tina buga”. Obrigada por todas suas gentilezas, sinceridade e tamanha amizade, sua colaboração foi essencial na realização e conclusão deste e tantos outros trabalhos. Às professoras e amigas, Renata e Lívia, que foram os melhores exemplos profissionais que pude conhecer nesta caminhada e por quem tenho enorme admiração, apreço e gratidão pelos tantos ensinamentos e pelo companheirismo. Ao meu amigo, Ivan, que tanto me apoiou com o início da vida científica, contribuindo em vários trabalhos, cujas realizações só foram possíveis com sua ajuda. Agradeço imensamente por sua disposição, companheirismo e paciência. Aos professores do Departamento de Geografia que contribuíram com seus ensinamentos para a minha formação científica e acadêmica. Enfim, agradeço a todas as pessoas que em algum momento estiveram presentes em parte desta jornada.
-
RESUMO
Durante o verão, o clima da América do Sul é caracterizado pela atuação de
importantes sistemas atmosféricos, como a Alta da Bolívia, a Zona de
Convergência do Atlântico Sul e o Vórtice Ciclônico de Altos Níveis, no nordeste
brasileiro. A Alta da Bolívia é um anticiclone que ocorre em altos níveis sobre o
Altiplano Boliviano, próximo ao Mato Grosso do Brasil e toda a região Amazônica.
Estudos diversos têm considerado não apenas o desenvolvimento da Alta da
Bolívia, mas também seus impactos sobre o clima, apontando para cenários em
que a intensificação deste sistema tem efeitos bastante relevantes, sobretudo
quando associada a outros sistemas de verão.
A fim de avaliar a intensificação da Alta da Bolívia nos últimos 40 anos, entre
1970 e 2010, o presente trabalho recorre às reanálises de dados do movimento
vertical do NCEP-NCAR e JRA-55 e aos dados de precipitação do GPCC e ao
método estatístico de tendência linear, identificando não apenas uma intensificação
do sistema, como já fora apontado por outros estudiosos, mas também uma forte
relação entre a Alta da Bolívia e as taxas de precipitação no continente, que
apontam para uma intensificação e deslocamento da Alta da Bolívia para sudoeste
de sua posição climatológica, assim como tendências positivas de precipitação a
noroeste do continente. Além disso, o trabalho identifica as diferenças de tendência
do movimento vertical dentre os conjuntos considerados.
Posta a importância deste sistema de verão para a circulação atmosférica do
continente sulamericano, sabe-se que seus impactos transcendem questões
meramente ambientais, pois as mudanças do tempo e do clima têm impacto direto
também sobre a sociedade. É por isso que a Geografia tem papel fundamental em
estudos que aprofundem o conhecimento acerca da climatologia geográfica, pois
ao buscar suporte técnico e teórico em outras áreas do conhecimento, como a
Meteorologia, enriquece a discussão e torna possível novas proposições de
prevenção e mitigação.
Palavras-chave: Alta da Bolívia, América do Sul, precipitação e tendência linear.
-
SIGLAS
AB – Alta da Bolívia
AS – América do Sul
CPTEC – Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos
ENOS – El Niño Oscilação Sul
GRADS – Grid Analysis and Display System
HN – Hemisfério Norte
HS – Hemisfério Sul
INMET – Instituto Nacional de Meteorologia
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IPCC/AR5 – Intergovernamental Panel on Climate Change – Fifth Assessment
Report
JS – Jato Subtropical
NETCDF – Network Common Data Form
NOAA – National Oceanic and Atmospheric Administration
ODP – Oscilação Decadal do Pacífico
VCAN – Vórtice Ciclônico em Altos Níveis
ZCAS – Zona de Convergência Intertropical
ZCIT – Zona de Convergência Intertropical
-
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mecanismo de formação em 200 hPa de um Cavado ou um Vórtice
Ciclônico (último quadro) de Altos Níveis no Atlântico Sul. ..................................... 3
Figura 2 – Média de linha de corrente em 200 hPa (período 1979-2010) e
precipitação (mm mês-1) (período 1979-1995) (quadro superior) e vento horizontal
em 925 hPa e precipitação (quadro inferior). .......................................................... 4
Figura 3 – Representação esquemática dos sistemas atmosféricos na baixa e alta
troposfera atuantes na América do Sul. .................................................................. 9
Figura 4 – Regionalização dos diferentes ciclos anuais de precipitação na América
do Sul. R1 a R8 indicam os diversos padrões definidos na Tab. 1. ...................... 11
Figura 5 – Mapa global das estações de altitude. ................................................. 13
Figura 6 – Média da componente vertical do vento (Pa s-1), para o período 1970-
2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-NCAR e a segunda,
aos dados do JRA-55, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa. ..... 18
Figura 7 – Média da componente vertical do vento (Pa s-1), para o período seco
(AMJJAS), de 1970 a 2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-
NCAR e a segunda, aos dados do JRA-55, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa
e (c) 850 hPa. ........................................................................................................ 19
Figura 8 – Média da componente vertical do vento (Pa s-1), para o período úmido
(ONDJFM), de 1970-2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-
NCAR e a segunda, aos dados do JRA-55, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa
e (c) 850 hPa. ........................................................................................................ 20
Figura 9 – Média da componente zonal do vento (m s-1) e a diferença entre os dois
períodos, sendo a primeira coluna referente ao período de 1970-1980, a segunda
a 2000-2010, e a terceira à diferença entre o período posterior e anterior, nos níveis
de 200 hPa, para os conjuntos de dados (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-55. ............ 22
Figura 10 – Média da componente meridional do vento (m s-1) e a diferença entre
os dois períodos, sendo a primeira coluna referente ao período de 1970-1980, a
segunda a 2000-2010, e a terceira à diferença entre o período posterior e anterior,
nos níveis de 200 hPa, para os conjuntos de dados (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-
55........................................................................................................................... 24
-
Figura 11 – Linha de corrente (m s-1) média em 200 hPa para os períodos de 1970
a 1980 (1ª coluna) e 2000 a 2010 (2ª coluna) e a sobreposição dos dois mapas
anteriores (3ª coluna), para os conjuntos de dados (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-
55........................................................................................................................... 24
Figura 12 – Tendência linear de omega (Pa s-1), para todo o período, de 1970-2010,
sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-NCAR e a segunda, dados
do JRA-55, para os níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa. ................ 26
Figura 13 – Tendência linear de omega (Pa s-1), para todo o período, de 1970-2010,
sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989,
a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500
hPa e (c) 850 hPa, para os dados do NCEP-NCAR. ............................................. 27
Figura 14 – Tendência do vento vertical (Pa s-1), para todo o período, de 1970-2010,
sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989,
a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500
hPa e (c) 850 hPa, para os dados do JRA. ........................................................... 28
Figura 15 – Tendência linear de omega (Pa s-1), para o período úmido (ONDJFM),
sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989,
a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500
hPa e (c) 850 hPa, para os dados do NCEP-NCAR. ............................................. 29
Figura 16 – Tendência linear de omega (Pa s-1), para o período úmido (ONDJFM),
sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989,
a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500
hPa e (c) 850 hPa, para os dados do JRA-55. ...................................................... 30
Figura 17 – Tendência linear de omega (Pa s-1) em 250 hPa, sendo a primeira
coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a
quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a
1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do NCEP-NCAR. ................................... 30
Figura 18 – Tendência linear de omega (Pa s-1) em 500 hPa, sendo a primeira
coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a
quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a
1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do NCEP-NCAR. ................................... 31
Figura 19 – Tendência linear de omega (Pa s-1) em 850 hPa, sendo a primeira
coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a
-
quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a
1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do NCEP-NCAR. ................................... 32
Figura 20 – Tendência linear de omega (Pa s-1) em 250 hPa, sendo a primeira
coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a
quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a
1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do JRA-55. ............................................. 33
Figura 21 – Tendência linear de omega (Pa s-1) em 500 hPa, sendo a primeira
coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a
quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a
1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do JRA-55. ............................................. 33
Figura 22 – Tendência linear de omega (Pa s-1) em 850 hPa, sendo a primeira
coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a
quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a
1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do JRA-55. ............................................. 34
Figura 23 – Linha de corrente média, em 200 hPa, para o período de 2000 a 2010.
Delimitação das áreas A, B, C e D sobre a região amazônica, para os conjuntos de
dados do (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-55, sendo a área total (75º O; 15º S) e (55º O;
5º N) (A = (75º O; 5º S) e (65º O; 5º N); B= (65º O; 5º S) e (55º O; 5º N); C= (75º O;
15º S) e (65º O; 5º S); e D= (65º O; 15º S) e (55º O; 5º S)). ................................. 36
Figura 24 – Evolução temporal de omega (Pa s-1), de 1970 a 2010, para as regiões
A, B, C e D, para os dados do NCEP-NCAR (a) e JRA-55 (b). ............................. 37
Figura 25 – Evolução temporal do movimento vertical (omega) em (a) 250 hPa e (b)
500 hPa, de 1970 a 2010, para a faixa latitudinal de 0 a 20º S e média espacial
entre 60º O e 70º O (primeira coluna) e longitudinal de 55º O a 75º O e média
espacial entre 5º S e 10 S (segunda coluna), para os dados do NCEP-NCAR. ... 39
Figura 26 – Evolução temporal do movimento vertical (omega) em (a) 250 hPa e (b)
500 hPa, de 1970 a 2010, para a faixa latitudinal de 0 a 20º S e média espacial
entre 60º O e 70º O (primeira coluna) e longitudinal de 55º O a 75º O e média
espacial entre 5º S e 10 S (segunda coluna), para os dados do JRA-55. ............. 40
Figura 27 – Precipitação média mensal (GPCC) na América do Sul para o período
de 1970 a 2010. ..................................................................................................... 41
Figura 28 – Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o
período de 1970 a 2010. ........................................................................................ 41
-
Figura 29 – Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o
período úmido (ONDJFM), de 1970 a 2010. .......................................................... 42
Figura 30 – Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o
verão (DJF), para (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999 e (d) 2000 a
2010. ..................................................................................................................... 42
Figura 31 – Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o
inverno (JJA), para (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999 e (d) 2000 a
2010. ..................................................................................................................... 43
Figura 32 – Séries temporais de 1970 a 2010 para as regiões (a) A, (b) B, (c) C e
(d) D da Amazônia, para os dados de precipitação. .............................................. 44
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Caracterização dos oito regimes de precipitação na América do Sul. ...11
Tabela 2 – Sentido e direção do vento para os valores positivos e negativos. .......17
-
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................... 01
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................... 03
2.1. A ALTA DA BOLÍVIA .................................................................... 03
2.2. A PRECIPITAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL .................................. 08
3. DADOS E MÉTODOS .............................................................................. 13
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................. 18
5. CONCLUSÕES ........................................................................................ 45
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 47
-
1
1. INTRODUÇÃO
O conhecimento acerca da circulação atmosférica e os principais sistemas de
tempo e de clima são fundamentais para um amplo entendimento das dinâmicas
naturais em um território particular, colaborando para medidas eficientes de
prevenção e desenvolvimento. A geografia, portanto, ao apropriar-se do mais
profundo conhecimento das ciências que auxiliam seus estudos, tem grande
potencial cientifico para medidas preventivas, de advertência e mitigação a
fenômenos ambientais que atingem direta e indiretamente a sociedade.
Para estimar o comportamento das principais variáveis climáticas, como a
temperatura e a precipitação, e seus respectivos impactos, faz-se necessário o
entendimento relativo dos principais sistemas atmosféricos atuantes sobre a região
em estudo. Na América do Sul, por sua extensão, há vários sistemas atuantes,
diferindo entre si pela área de ocorrência e pela variabilidade temporal
característica.
A circulação atmosférica de verão na América do Sul é caracterizada pela
atuação de três grandes sistemas atmosféricos: a Alta da Bolívia (AB), o Vórtice
Ciclônico em Altos Níveis (VCAN), no Nordeste brasileiro, e a Zona de
Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) (REBOITTA et al., 2010). Esses sistemas de
tempo são importantes pois modulam o ciclo hidrológico e, consequentemente, o
clima em grande parte do continente sulamericano (FERREIRA, 1998).
No caso da Alta da Bolívia, um dos sistemas atmosféricos atuantes na
América do Sul durante o verão, e foco deste trabalho, estudos observacionais
apresentam a existência de uma relação entre a variação sazonal da convecção
sobre o continente sulamericano e a intensidade deste sistema, e assim indicam
algumas explicações para o seu desenvolvimento. Dentre as explicações dadas
para o desenvolvimento e atuação deste sistema durante o verão, o maior
aquecimento das áreas centrais do continente e a liberação de calor latente através
da convecção que ocorre na bacia Amazônica são os principais processos físicos
considerados (SILVA DIAS et al., 1983; DEMARIA, 1985; GANDU e GEISLER,
1991; LENTERS e COOK, 1997 e outros).
Nos últimos anos, pesquisas têm apontado para uma grande variabilidade da
posição e intensidade deste sistema atmosférico (SILVA DIAS et al., 1983;
DEMARIA, 1985; GANDU e GEISLER, 1991; LENTERS e COOK, 1997; LENTERS
-
2
E COOK, 1999; VUILLE, 1999; CHEN et al., 1999). Esta mudança no padrão de
posição e intensidade do sistema tem sido associada às mudanças climáticas
recentes, como o aquecimento global. Com a elevação da temperatura média
global terrestre no decorrer dos últimos 150 anos (IPCC/AR51, 2014), tem-se
observado alterações na dinâmica da atmosfera em escalas continentais. Desta
forma, a América do Sul, assim como a maior parte do globo, tem apresentado
aumento da temperatura média sobretudo na região tropical do continente (NOBRE
et al., 2007). Com o aumento da temperatura do ar e as mudanças na circulação
atmosférica, altera-se também os padrões climáticos de precipitação, estando
previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas AR5 (2014)
eventos extremos de precipitação e de seca em diversas regiões do mundo. Assim,
além da variabilidade climática natural da atmosfera, devido às interações não-
lineares, observa-se o aumento da temperatura devido ao aumento da
concentração de gases de efeito estufa. Desta forma, este estudo tem como
objetivo analisar a alteração da intensidade e localização da Alta da Bolívia no
decorrer das últimas décadas, entre 1970 e 2010, e sua associação com as
mudanças climáticas.
1 Intergovernamental Panel on Climate Change - Fifth Assessment Report
-
3
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 A ALTA DA BOLÍVIA
As circulações do verão austral nos trópicos são fortemente influenciadas
pelas ondas estacionárias (FRANCHITO et al., 2004). Particularmente sobre a
América do Sul, desenvolve-se uma circulação quase-estacionária, em altos níveis,
chamada de Alta da Bolívia e associado a ela, um cavado a leste, que
eventualmente se fecha, sendo então denominado de Vórtice Ciclônico de Altos
Níveis (Fig. 1), cuja área de abrangência é o nordeste do Brasil e Atlântico tropical
adjacente.
A Alta da Bolívia é um anticiclone que ocorre na alta troposfera e se estende
em grande parte da América do Sul durante o verão, sobretudo na região tropical,
e está associada a forte atividade convectiva e intensa precipitação (JONES e
HOREL, 1990) (Fig. 2). O sistema, que é uma característica dominante da
circulação de verão em altos níveis no continente sulamericano, tem sido objeto de
uma série de estudos científicos nas últimas décadas que buscam entender os
mecanismos de sua formação e intensificação.
Fig. 1. Mecanismo de formação em 200 hPa de um Cavado ou um Vórtice Ciclônico (último quadro) de Altos Níveis no Atlântico Sul. Fonte: Kousky e Gan (p. 545, 1981)
-
4
Fig. 2. Média de linha de corrente em 200 hPa (período 1979-2010) e precipitação (mm mês-1) (período 1979-1995) (quadro superior) e vento horizontal em 925 hPa e precipitação (quadro inferior). Fonte: Silva e Kousky (p.129, 2012.)
Devido à ausência de observações na região noroeste da América do Sul,
principalmetne as de nível superior da atmosfera, os estudos anteriores se
concentraram principalmente em análises teóricas (por exemplo, SILVA DIAS et al.,
1983; DEMARIA, 1985) e simulações numéricas (por exemplo, FIGUEROA et al.,
1995; LENTERS e COOK, 1997; CHEN et al., 1999 e outros).
Através de estudos numéricos, utilizando equações em modelos
hidrodinâmicos simples, Gill (1980) apontou que quando imposta uma forçante
térmica para a representação do efeito final da convecção tropical foi possível gerar
um anticiclone em altitude e que sua posição variava conforme a distância em que
a fonte era colocada em relação ao equador (GUSMÃO, 1996). Seus estudos
motivaram outras pesquisas acerca do efeito das fontes de calor nas regiões
tropicais, como os de Silva Dias et al. (1983), Demaria (1985) e Gandu e Geisler
(1991). No entanto, os anticiclones tropicais de nível superior não se encaixam
-
5
perfeitamente na interpretação do modelo de Gill (LENTERS e COOK, 1997).
Na América do Sul, o efeito dos Andes sobre a Alta da Bolívia
recebeu atenção moderada e ainda continua sendo um problema
não resolvido. Dado que a Alta da Bolívia é a característica
dominante da circulação de verão de nível superior sobre a América
do Sul, é necessária uma investigação minuciosa desta
característica e sua causa subjacente (LENTERS e COOK, 1997,
p.657).
Gutman e Schwerdtfeger2 (1965 apud LENTERS e COOK, 1997) atribuem o
desenvolvimento da Alta da Bolívia ao fluxo de calor sensível transportado da
superfície do Altiplano Boliviano para a atmosfera e à liberação de calor latente
resultante da convecção e posterior condensação do vapor d’água. Dentre as
fontes de calor relacionadas à formação da Alta da Bolívia, a quantidade de calor
sensível transferido da superfície para a atmosfera é comparativamente menor que
a de calor latente liberado na condensação do vapor d’água (GUTMAN e
SCHWERDTFEGER, 1965 apud LENTERS e COOK, 1997).
Dentre muitos outros autores, Silva Dias et al. (1983), Lenters e Cook (1997),
Gandu e Silva Dias (1998), apud Chen et al. (1999), demonstraram que a formação
da Alta da Bolívia é atribuída antes de mais nada ao calor advindo da condensação
do vapor d’água sobre a bacia Amazônica. No entanto, as variações na AB parecem
estar vinculadas também às penetrações de sistemas frontais sobre o continente
(KOUSKY e GAN, 1981; GUSMÃO, 1996), sendo que as passagens das frentes
frias levam a Alta a se deslocar para oeste (OLIVEIRA3, 1986 apud GUSMÃO,
1996) e a intensificam (KOUSKY e GAN, 1981).
De um modo geral, as características da circulação na alta troposfera sobre a
América do Sul estão intimamente ligadas à variação sazonal do gradiente
horizontal de temperatura resultante do aquecimento diferencial entre continente e
oceano, devido aos valores diferentes de capacidade térmica de cada meio. De
acordo com Silva e Kousky (2012), entre o inverno e o verão essa circulação da
alta troposfera sobre o continente sulamericano se modifica, passando de um
padrão predominantemente zonal (leste-oeste) para meridional (norte-sul):
2 Gutman, G. J., e Schwerdtfeger, W. The role of latent and sensible heat for the development of a high pressure system over the subtropical Andes, in the summer. Meteor. Rundsch., 18, 69–75, 1965. 3 Oliveira, A. S. Interações entre sistemas frontais na América do Sul e a convecção da Amazônia. Dissertação de mestrado, São José dos Campos, INPE, 1986.
-
6
Durante o verão, as temperaturas sobre o continente tornam-se
mais quentes do que as regiões oceânicas vizinhas. Isso resulta em
uma circulação térmica direta com convergência em baixos níveis
e divergência em altos níveis, movimento ascendente na média
troposfera e precipitação sobre o continente, e, sobre as áreas
oceânicas vizinhas, divergência em baixos níveis, convergência em
altos níveis, movimento de subsidência na média troposfera e
condições secas. Durante o inverno, as temperaturas sobre o
continente e as regiões oceânicas próximas são mais uniformes na
direção zonal (leste-oeste), que dão origem a um padrão
zonalmente mais simétrico da circulação da alta troposfera sobre a
região e pouca ou nenhuma evidência de qualquer circulação
térmica direta no sentido leste-oeste (Silva e Kousky, 2012, p.129).
Esse padrão de circulação durante o verão na alta troposfera mostra a
formação de um anticiclone sobre a parte central da América do Sul e um cavado
no Nordeste brasileiro (CARVALHO, 1989). A localização geográfica da AB possui
variação intrasazonal e interanual, associada com a variação da convecção na
Amazônia (FISCH, 1996). Durante o verão (dezembro a março), atinge intensidade
máxima de convecção profunda sobre o Brasil Central e o Altiplano Boliviano, onde
estabelece seu centro. No outono, desloca-se em direção ao Atlântico, pois as
condições de convecção profunda e intensa precipitação se enfraquecem a partir
de abril e maio, fazendo com que as condições mais secas sobre a América do Sul
subtropical retornem; no inverno, a AB desaparece totalmente do continente
(KOUSKY e SILVA, 2012). Durante a primavera, o anticiclone de altos níveis
retorna e estabelece seu centro na Amazônia.
Gandu e Silva Dias (1998) encontraram resultados importantes acerca da
intensidade e localização da AB e cavado do nordeste com o uso de modelos
numéricos, considerando separadamente os termos lineares e não-lineares4 das
equações que governam o escoamento da atmofera a fim de compreender o
impacto de fontes de calor simétricas e assimétricas na América do Sul tropical e
suas vizinhanças durante o verão austral. Dentre algumas conclusões, tem-se que
4 Linearidade e não-linearidade: as equações que representam a dinâmica e termodinâmica atmosférica apresentam termos lineares e não-lineares. A atmosfera pode ser compreendida pela divisão entre estado básico e perturbações. O estado básico geralmente é caracterizado por ser independente do tempo e da longitude, enquanto que o estado de perturbação é o desvio local do campo do estado básico. A técnica de perturbação é especialmente útil no estudo da estabilidade de um dado fluxo de estado básico em relação a pequenas perturbações superpostas. O produto entre perturbações, por exemplo, constitui termos não lineares (Holton, 2004).
-
7
a comparação entre os experimentos linear e não-linear com fonte simétrica de
calor sobre a Amazônia e Brasil Central indicou significativas diferenças, como a
intensificação e enfraquecimento do braço norte-sul da Alta da Bolívia. Com base
na comparação dos resultados com o experimento linear com três fontes de calor,
na Amazônia-Brasil Central, África e Pacífico Ocidental, os autores observaram que
o cavado superior a leste da AB foi intensificado e deslocado para leste no
experimento não-linear. Além disso, observou-se também que a intensificação do
jato subtropical na AS associada à presença de convecção no Pacífico, tem um
impacto significativo na localização e na forma do cavado a leste da AB. Com base
nas simulações da fonte de calor relacionada aos eventos El Niño, a AB mostra-se
com menor extensão longitudinal, além do cavado de nível superior no Pacífico
Oriental apresentar amplitude maior, sendo esta uma característica mais comum
da fase negativa do ENOS (KOUSKY et al., 1984 apud GANDU e SILVA DIAS,
1998).
De modo geral, os estudos acerca do desenvolvimento da Alta Bolívia
demonstram que a formação do anticiclone sobre a o Altiplano é amplamente
determinada pela liberação de calor latente associada à precipitação Amazônica
(CHEN et al., 1999), podendo ser instensificada pela precipitação nos Andes
Central enquanto que o Cavado do Nordeste pode ser também aprofundado pela
precipitação africana, quando esta é incluída na simulação numérica, pois forma
uma cavado profundo a leste da AB (LENTERS e COOK, 1997). Chen et al. (1999)
sugerem inclusive que a forçante de calor latente localizada nos Andes centrais não
só intensifica a AB como também move a célula anticiclônica na direção do polo.
Numerosos estudos observacionais identificaram relações entre a variação
sazonal na precipitação sulamericana e a posição e intensidade da Alta da Bolívia
(KOUSKY e KAGANO, 1981; HOREL et al.,1989; LENTERS e COOK, 1997). A
variabilidade da precipitação no verão sobre o Altiplano está diretamente associada
à posição e à intensidade da AB, que, por sua vez, refletem-se como uma resposta
do calor latente oriundo da Convecção da Amazônia, Andes Central e ZCAS. A Alta
da Bolívia contribui para a intensificação da ZCAS durante o verão (FIGUEROA et
al., 1995), que provoca chuvas na faixa noroeste-sudeste do Brasil. Além disso, no
período de verão, a AB contribui para as chuvas que ocorrem nas regiões Norte e
Centro-Oeste do Brasil (FERREIRA et al., 1998). O efeito da topografia, em razão
dos Andes, tem um papel secundário na variabilidade da precipitação associada à
-
8
AB (CAVALCANTI, 2009).
Assim, uma vez que a AB influencia a distribuição e quantidade de chuvas
sobre o continente sulamericano, é importante entender a evolução de sua
intensidade e localização ao longo do tempo.
2.2. A PRECIPITAÇÃO NA AMÉRICA DO SUL
A precipitação é uma variável meteorológica muito importante para os estudos
climáticos da América do Sul. Em geral, o impacto climático que a precipitação (ou
a falta dela) provoca em regiões tropicais e subtropicais é maior do que aquele
associado à temperatura do ar. Com grande extensão territorial, sobretudo no
sentido das latitudes, o continente sulamericano possui uma importante variação
de climas, sucedendo a algumas regiões o excesso ou a falta de precipitação.
Ainda, a interação particular entre o estrato geográfico, o oceano e a atmosfera,
nessa porção do globo propicia a existência de diversos processos geradores de
precipitação, tanto em escala local quanto regional. Reboita et al. (2010)
mencionam a peculiaridade que dá característica ao clima no continente:
Como a América do Sul se estende por diferentes latitudes e possui
formas de relevo variadas, proporciona a atuação e o
desenvolvimento de diferentes sistemas atmosféricos, os quais
contribuem para a não homogeneidade climática da região.
(REBOITA et al., 2010, p.185)
A precipitação na América do Sul está associada a diversos fatores do ciclo
hidrológico, interagindo com oceanos e continentes. A disposição geomorfológica,
a ocupação e o uso da terra – que depende do homem -, o oceano e a atmosfera
interagem de formas diferentes e em níveis diferentes. Da baixa à alta troposfera
há sistemas atmosféricos atuantes (Fig.2), sendo esses os responsáveis pela
distribuição da precipitação na América do Sul.
Dentre os sistemas em escala sinótica que determinam o clima da América do
Sul durante a estação de verão estão: a convecção local (atuante principalmente
nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil), a Zona de Convergência
Intertropical (atuante no norte da América do Sul), a Alta da Bolívia (atuante sobre
o Altiplano Boliviano), o Vórtice ciclônico de altos níveis (atuante no nordeste do
Brasil), as frentes frias e a Zona de Convergência do Atlântico Sul (atuante no sul,
-
9
sudeste e sul do nordeste do Brasil).
Os sistemas transientes (ciclones, anticiclones, áreas de pressão baixa) e a
interação entre eles modulam a convecção e a precipitação sobre o continente
apenas durante o verão austral, pois durante o inverno do hemisfério sul, a ZCAS,
a AB e o VCAN não atuam sobre a América do Sul porque não há intenso
aquecimento como no verão. Os demais sistemas mencionados continuam
atuantes, eventualmente com posições preferenciais e intensidades alteradas.
Ademais, os sistemas atmosféricos, apresentados na Fig. 3, podem ser
perturbados por oscilações de grande escala, que apresentam periodicidades
maiores e mais imprecisas. O El Niño e a La Niña, por exemplo, fazem parte de um
sistema de escala planetária que pode perturbar os sistemas de tempo e clima na
América do Sul, através de teleconexões. As fases positivas e negativas da
Oscilação Decadal do Pacífico, ODP, também interferem de forma distinta na
intensidade e frequência de sistemas de tempo (SILVA et al., 2016).
Fig. 3. Representação esquemática dos sistemas atmosféricos na baixa e alta troposfera atuantes na América do Sul. Fonte: Reboita et al. (2010) adaptada de Satyamurty et al. (1998), pg. 1255.
5 Em relação à baixa troposfera tem-se: ANE ventos alísios de nordeste, ASE ventos alísios de sudeste, ASAS anticiclone subtropical do Atlântico Sul, ASPS anticiclone subtropical do Pacífico Sul, B baixa pressão, BC baixa do Chaco – região de baixas térmicas, BNE região de baixas térmicas no noroeste argentino, CCM complexo convectivo de mesoescala, FF frente fria, FQ frente quente, JBN jato de baixos níveis a leste de regiões ciclogenéticas, ZCAS Zona de Convergência do Atlântico Sul e ZCIT Zona de Convergência Intertropical. Já em relação à alta troposfera tem-se: AB alta da Bolívia, BL região de bloqueios atmosféricos, CNE cavado do nordeste do Brasil, JS jato
-
10
Além da variabilidade “natural” da precipitação, associada às interações entre
a atmosfera e os oceanos e da quantidade de radiação solar que chega à Terra,
observa-se, atualmente, tendência geral de intensificação da precipitação em
grande parte da América do Sul, principalmente sobre o setor noroeste-sudeste
(MARENGO, 2006), o que está em parte associado às mudanças globais.
Assim, sabe-se que existe um padrão climático de precipitação sobre todas
as áreas do globo, inclusive sobre a América do Sul, mas, que determinadas
condições climáticas podem modificar esse padrão com alguma periodicidade.
Então, são detectados desvios em relação à média de longo prazo, que podem ser
chamados de anomalia, sendo importante identificá-los e estudar as possíveis
causas de sua variabilidade.
Reboita et al. (2010), com adaptações sobre o trabalho de Satyamurty et al.
(1998), elaboraram uma regionalização dos regimes de precipitação sobre a
América do Sul (Fig. 3 e Tabela 1) com disposição geográfica baseada na
similaridade do ciclo sazonal de precipitação para várias estações meteorológicas
e no agrupamento de informações de diversas fontes de artigos científicos que
tratam dos regimes de precipitação predominantes na América do Sul:
(...) este estudo tem como objetivo compilar o conhecimento
produzido sobre os sistemas de tempo que se encontra espalhado
em vários artigos científicos, enfocando a contribuição desses nos
diferentes regimes de precipitação da AS (REBOITA et al., 2010,
p.185).
subtropical, JP jato polar, VCAN subvórtice ciclônico de altos níveis, VCAN vórtices ciclônicos de altos níveis tropicais. É importante destacar que a AB e o CNE são sistemas que se configuram no verão e desaparecem no inverno. Além disso, no verão, o JP e o JS se fundem em apenas um jato (mais detalhes em GALLEGO et al., 2005).
-
11
Fig. 4. Regionalização dos diferentes ciclos anuais de precipitação na América do Sul. R1 a R86 indicam os diversos padrões definidos na Tab. 1. Fonte: Reboita et al. (2010) adaptada de Satyamurty et al. (1998).
Região Característica do Ciclo Anual de
Precipitação Sistemas Atmosféricos
Atuantes
R1
Sudoeste da AS (Centro-Sul do
Chile e Extremo Oeste do Centro-Sul da Argentina)
Máximos de precipitação no inverno e mínimos no verão, exceto na parte mais austral da R1 onde a precipitação é praticamente homogênea ao longo do ano. Total anual varia entre 1000 e 1700 mm.
ASPS; frentes; ciclones
R2 Norte do Chile,
Noroeste e Centro-Sul da Argentina
A precipitação é praticamente homogênea ao longo do ano e com baixo total anual (inferior a 350 mm/ano). No deserto do Atacama, norte do Chile, a precipitação é inferior a 100 mm/ano.
ASPS; frentes; ciclones
R3
Oeste do Peru, Oeste e Sul da Bolívia, Norte e Centro-Leste da
Argentina e Centro-Norte do Paraguai
Máximos de precipitação no verão e mínimos no inverno. O total anual varia entre 350 e 700 mm, exceto no centro-leste da Argentina e Paraguai que varia entre 700 e 1400 mm.
Convecção aquecimento radiativo da superfície; CCM subtropicais, frentes, ciclones, VCAN subtropicais; JBN a leste dos Andes
R4 Sul do Brasil, Sul do A precipitação é praticamente Frentes; ciclones; VCANs
6R1 corresponde ao sudoeste da AS; R2, ao norte do Chile, noroeste e centro-sul da Argentina; R3, ao oeste do Peru, oeste e sul da Bolívia, norte e centro-leste da Argentina e centro-norte do Paraguai; R4, ao sul do Brasil, sul do Paraguai e Uruguai; R5, a área de noroeste a sudeste do Brasil incluindo ainda o Equador e norte do Peru; R6, ao norte da região norte do Brasil e litoral do nordeste do Brasil; R7, ao sertão nordestino do Brasil e R8, ao norte da AS incluindo o estado de Roraima. Adaptado do Atlas Climático de Sudamerica (Reboita et al., 2010)
-
12
Paraguai e Uruguai homogênea ao longo do ano. O total anual é elevado (1050-1750 mm/ano) sendo ainda maior no oeste do sul do Brasil na fronteira com o Paraguai (1750- 2100 mm/ano).
subtropicais; LI pré-frontais; nuvens vírgula; CCMs subtropicais, bloqueios atmosféricos; ZCAS; ASAS; JBN a leste dos Andes; circulação de brisa.
R5
Noroeste a Sudeste do Brasil incluindo ainda o Equador e
Norte do Peru
Máximos de precipitação no verão e mínimos no inverno. O total anual varia ao longo da R5: no setor norte é superior a ~2450 mm, já no centro-oeste e sudeste é de ~1500 mm.
Ventos alísios; JBN a leste dos Andes; ASAS; convecção por aquecimento radiativo da superfície; AB; ZCIT; circulação de brisa; LI tropicais e pré-frontais; CCM tropicais; frentes; VCAN subtropicais; ciclones.
R6
Norte da Região Norte do Brasil e
Litoral do Nordeste do Brasil
Máximos de precipitação no primeiro semestre do ano. No norte da região norte do Brasil o total anual é de 2000 mm, enquanto no litoral do nordeste do Brasil é de 1500 mm.
ZCIT; convecção por aquecimento radiativo da superfície; CCMs tropicais; ventos alísios, circulação de brisa; LI; ondas de leste; cavado do nordeste do Brasil; VCAN tropicais; ASAS; frentes.
R7 Sertão Nordestino
do Brasil
Máximos de precipitação no verão e mínimos no inverno, mas os totais são reduzidos (entre 200 e 500 mm/ano).
Ramo descendente da circulação zonal propiciada pela atividade convectiva na Amazônia; ZCIT; VCANs tropicais; frentes; ASAS.
R8
Norte da América do Sul (Colômbia,
Venezuela e Guiana)
A precipitação é abundante o ano todo, mas com maiores totais no inverno. O total anual é superior a 1500 mm.
Ventos alísios; ZCIT; ondas de leste; cavados em altos níveis; convecção por aquecimento radiativo da superfície; CCM tropicais; circulação de brisa; LI tropicais.
Tabela 1. Caracterização dos oito regimes de precipitação na América do Sul. Fonte: Reboita et al. (2010) adaptada de Satyamurty et al. (1998).
A Região 5 é, segundo a regionalização de Reboita et al. (2010), aquela onde
se tem grande parte da atuação da AB, e, os valores máximos de precipitação –
acima de 2450 mm – em seu setor norte, durante o verão.
-
13
3. DADOS E MÉTODOS
O uso de dados meteorológicos interpolados para pontos de grade regulares
permite maior eficiência nos estudos e pesquisas em Climatologia, sobretudo na
América do Sul, onde as séries de dados observados costumam ter bastantes
falhas, além de haver, em várias áreas, baixa densidade espacial de estações
meteorológicas. Sendo assim, a aquisição de dados padronizados através de
procedimentos estatísticos foi a melhor alternativa para este trabalho, por trazer
solução ao problema da densidade espacial e temporal dos dados observados, uma
vez que se trata de um trabalho em escala continental.
Sobre tal problema vale ressaltar que os dados de velocidade vertical são
obtidos através de sondagem, desde a superfície até altos níveis da troposfera, por
meio de balões meteorológicos que transportam uma sonda capaz de medir os
dados atmosféricos. Esses balões são lançados a partir de aeroportos, sendo que
os dados são disponibilizados, em particular, para centros operacionais de
meteorologia. Sendo os continentes norte-americano e europeu muito mais densos
em número de aeroportos, a distribuição das estações de altitude é muito menor na
América do Sul se comparada a esses continentes (Fig. 5), por exemplo. Áreas
polares são também pouco cobertas por sondagens atmosféricas.
Fig. 5. Mapa global das estações de altitude. Fonte: Global Observing System (GOS) – World Meteorological Organization, 2017.
Os dados utilizados no presente trabalho foram obtidos de conjuntos de
reanálises que, por métodos estatísticos, foram interpolados para grades regulares.
-
14
As reanálises constituem conjuntos de dados para estudos climáticos e de tempo
(LIMBERGER, 2016) e derivam do processamento de observações meteorológicas
observadas, utilizando técnicas modernas de assimilação de dados em modelos
numéricos, encontrando aplicação generalizada em muitos ramos da pesquisa
meteorológica e climatológica (SIMMONS et al., 2004). Os dados de reanálises,
construídos em vários centros de meteorologia, constituem as condições
atmosféricas observadas a partir das quais são obtidas as previsões do tempo por
modelos numéricos.
As variáveis atmosféricas usadas para a identificação da evolução temporal
da Alta da Bolívia foram: componentes do vento, zonal (u) e meridional (v) em 200
hPa, e vertical (omega) em 250, 500 e 850 hPa, e precipitação (mm/mês), na escala
mensal. Todos os dados usados encontram-se publicamente disponíveis na
internet, em sites de centros meteorológicos e universidades. Neste trabalho foram
usadas duas fontes de dados para as componentes do vento: reanálise I do NCEP-
NCAR (National Centers for Environmental Prediction – National Center for
Atmospheric Research) (KALNAY et al., 1996), disponivel no endereço eletrônico
, e
do JMA-JRA55 (Japanese Meteorological Agency) (KOBAYASHI et al., 2015),
disponível em
. Os dados
de precipitação, por sua vez, foram compilados pelo GPCC (Global Precipitation
Climatology Centre) (SCHNEIDER et al., 2011), e encontram-se disponíveis em
.
A análise da evolução temporal, entre 1970 e 2010, das variáveis
atmosféricas sobre a América do Sul foi realizada com base no cálculo de
média, anomalia e tendência linear de longo prazo a partir da elaboração de mapas,
gráficos de séries temporais e diagramas de Hovmöller. A análise da variabilidade
sazonal foi feita com base na divisão do ano em períodos chuvosos (ONDJFM) e
secos (AMJJAS) e em estações do ano (DJF, MAM, JJA e SON) com o propósito
de comparar as características atmosféricas favoráveis à atuação da AB durante
os meses de verão (período úmido), sendo essas divisões feitas com o auxílio do
programa Climate Data Operator (CDO), disponível no servidor Linux. Os mapas,
diagramas e gráficos de séries temporais foram todos elaborados com o auxílio do
software livre GrADS (http://grads.iges.org/grads/gadoc/). O cálculo da tendência
http://grads.iges.org/grads/gadoc/
-
15
linear foi também realizado diretamente no software GrADS, com o uso da função
ltrend (ltrend.gs, Bin Guan, da Universidade de Maryland).
A climatologia adotada neste trabalho utiliza o periodo de 1970 a 2003,
baseado no trabalho de Silva et al. (2016) que consideram este o periodo de três
fases distintas da ODP (Oscilação Decadal do Pacífico) com impacto significativo
sobre o clima da AS, sobretudo a leste do continente. Além disso, os dados da
componente vertical do vento (Pa s-1) de ambos os conjuntos de reanálise,
NCEP/NCAR e JRA-55, foram mutiplicados por 100 a fim de melhorar a
visualização da atuação da variável.
A escolha da tendência linear como método estatístico se deve ao fato de que
esta exprime o aumento ou diminuição da variável no decorrer do tempo. O ajuste
de uma reta de regressão aos dados permite identificar a tendência linear no
período considerado. A regressão linear simples pode ser escrita matematicamente
da seguinte forma, segundo Rogerson (2012):
y (t) = a + b • t ,
em que y representa o valor estimado da variável dependente para cada tempo t;
a representa o intercepto; b, a inclinação da reta ajustada e x, o valor observado da
variável independente, neste caso o tempo t. Assim, com os dados das reanálises
considedadas, foi calculada a tendência linear de cada série temporal sobre a
América do Sul. A interpretação dos resultados foi feita pela análise de mapas e
gráficos da tendência linear para cada variável considerada. As análises da
tendência linear das variáveis atmosféricas foram feitas para as escalas anual e
sazonal, de forma a contribuir para a compreensão das diferenças sazonais além
da anual.
A comparação das reanálises faz parte do método escolhido para o trabalho,
nesse sentido, escolheu-se a reanálise atmosférica NCEP/NCAR I (do NOAA),
elaborada nos anos 1990, considerada a primeira geração desse tipo de produto
(LIMBERGER, 2016), e a reanálise atmosférica JRA-55 (do JMA), considerada de
terceira geração e que apresenta melhorias quanto à resolução (1,25º x 1,25º vs.
2,5º x 2,5º, do NCEP/NCAR, de espaçamento em grade), técnica de assimilação
de dados (4D-VAR vs. 3D-VAR) e aumento da resolução espacial do modelo
(TL319L60 com um sistema de grade gaussiana reduzida vs. T62L28).
-
16
A técnica de assimilação de dados é essencial na diferenciação dos dados,
pois extrai o ruído das observações (filtro), interpola no espaço e no tempo e
reconstrói as variáveis de estado, que são amostradas pela rede de observações
(CINTRA, 2008). A versão tridimensional do método de Sasaki (1958 apud BECK,
2013) ficou conhecida como 3DVAR (Método Variacional Tridimensional) e o
método 4DVAR (Método Variacional Quadridimensional) é uma uma versão do
método 3DVAR aplicado a uma janela de assimilação, isto é, para o intervalo de
tempo decorrido entre duas análises, subdividido em vários subintervalos (RABIER
e COURTIER7, 1992 apud BECK, 2013). Rabier et al.8 (1998 apud BECK, 2013),
ao comparar o 4DVAR com o 3DVAR para ciclogêneses9 rápidas, concluíram que
o 4DVAR foi mais eficiente.
Sobre os dados de precipitação, optou-se pelo uso conjunto de dados do
GPCC. A opção pelos dados do GPCC se deve a resultados de trabalhos
anteriores, como o de Costa et al. (2015) no qual, ao compará-lo com a precipitação
do conjunto de dados do CRU (Climate Research Unit) (BROHAN et al., 2006) e da
Universidade de Delaware (University of Delaware) (WILLMOTT and MATSUURA,
2001), os autores verificaram que os resultados obtidos a partir do GPCC eram
mais concisos em relação aos do CRU e da Delaware, apesar de serem pequenas
as variações entre os três conjuntos de dados. Os dados mensais da versão 6.0
(V6) do GPCC têm resolução de 0,5º x 0.5º e foram interpolados a partir de dados
observacionais de mais de 60.000 estações distribuídas pelo globo.
Para demonstrar a atuação e intensificação da AB ao longo dos últimos 40
anos foi escolhida a componente vertical do vento (omega) como principal variável
de análise, contudo, as componentes zonal (ventos de leste e oeste) e meridional
(norte e sul) também são importantes para a visualização dessa evolução,
sobretudo quando traçadas as linhas de corrente (streamlines). A precipitação, por
sua vez, foi escolhida como uma variável que corrobora os resultados obtidos
através dos dados de vento.
7 Rabier, F.; Courtier. Four dimensional assimilation in the presence of baroclinic instability. Quarterly Journal of Royal Meteorology Society, v. 118, p. 649-672, 1992. 8 Rabier, F.; Mahfouf, J-F.; Fischer, M.; Järvinen, H.; Simmons, A.; Bouttier, F.; Courtier, P.; Hamrud, M.; Haseler, J.; Hollingsworth, A.; Isaksen, L.; Klinker, E.; Saarinen, S; Temperton, C.; Thépaut, J-N.; Undén, P.; Vasiljevic. Recent experiments on 4D-Var and first results from a simplified Kalman Filter. ECMWF Newsletter, n. 81, p. 8, 1998. 9 O processo que cria um novo sistema de baixa pressão, ou ciclone, ou intensifica um sistema preexistente. É também o primeiro aparecimento de um Cavado Equatorial “trough”. Fonte: Glossário de meteorologia INMET.
-
17
Nos mapas, os valores positivos e negativos do vento expressam o sentido
e direção da variável. Para facilitar a leitura dos mapas, são apresentados na
Tabela 2 o sentido e a direção do vento a que se referem os valores positivos e
negativos, tanto para a média como a os valores de tendência.
MÉDIA
POSITIVO NEGATIVO
Componente zonal (u) vento de oeste vento de leste
Componente meridional (v) vento de sul vento de norte
Componente vertical (omega) movimento subsidente movimento ascendente
TENDÊNCIA OU ANOMALIA
POSITIVO NEGATIVO
Componente zonal (u) intensificação do vento
de oeste ou
enfraquecimento do
vento de leste, caso na
média a região
apresente valor negativo
intensificação do vento
de leste ou
enfraquecimento do
vento de oeste, caso
na média a região
apresente valor
positivo.
Componente meridional (v) intensificação do vento
de sul ou
enfraquecimento do
vento de norte, caso na
média a região
apresente um valor
negativo
intensificação do vento
de norte ou
enfraquecimento do
vento de sul, caso na
média a região
apresente um valor
positivo
Componente vertical (omega) intensificação do
movimento subsidente
ou enfraquecimento do
movimento ascendente,
caso na média a região
apresente um valor
negativo
intensificação do
movimento ascendente
ou enfraquecimento do
movimento subsidente,
caso na média a região
apresente um valor
positivo)
Tabela 2. Sentido e direção do vento para os valores positivos e negativos.
-
18
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os mapas de média para o período de 1970 a 2010 constituem referências
para as discussões que seguirão no trabalho, pois permitem uma visão bastante
generalizada sobre o comportamento das variáveis ao longo das últimas décadas
antes de uma análise mais pontual com referência à atuação do sistema
atmosférico em estudo. Por ser a AB um sistema de verão, os mapas de média
para a componente vertical do vento foram elaborados para todo o período, de 1970
a 2010, e também para os períodos seco (AMJJAS), referente aos meses de outono
e inverno, e úmido (ONDJFM), referente aos meses de primavera e verão, pois
permite uma análise prévia da diferença do comportamento da atmosfera durante
os períodos em que há ou não a atuação do anticiclone. Para os dados das
componentes zonal e meridional do vento foram plotadas apenas as médias da
primeira e da última década do período em estudo a fim de visualizar se existe uma
tendência que explique a possível intensificação desses ventos nos últimos anos.
-
19
Fig. 6. Média da componente vertical do vento (Pa s-1), para o período 1970-2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-NCAR e a segunda, aos dados do JRA-55, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa.
-
20
Fig. 7. Média da componente vertical do vento (Pa s-1), para o período seco (AMJJAS), de 1970 a 2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-NCAR e a segunda, aos dados do JRA-55, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa.
-
21
Fig. 8. Média da componente vertical do vento (Pa s-1), para o período úmido (ONDJFM), de 1970-2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-NCAR e a segunda, aos dados do JRA-55, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa.
Apesar da maior resolução espacial dos dados do JRA-55, a ascendência do
movimento vertical (valores negativos de omega) é muito mais intensa durante o
período úmido (Fig. 7), ou seja, durante o verão, sobretudo na região amazônica,
sobre a faixa noroeste-sudeste do continente, que refere-se à área de atuação da
ZCAS, e sobre o Altiplano boliviano. Mesmo nos mapas para o valor anual (Fig. 6),
o comportamento típico de verão se destaca. No período seco (Fig. 8), percebe-se
que a ascensão do ar ocorre com mais intensidade sobre o hemisfério norte do
continente e, também, sobre o Sul do Brasil, o que é mais evidente em 500 e 250
hPa. Destaca-se nos mapas a maior resolução dos dados do JRA-55 sobre a região
dos Andes, o que permite visualizar com maior precisão os movimentos existentes,
ao contrário dos dados do NCEP-NCAR.
A tendência geral das componentes zonal e meridional do vento, em 200 hPa,
-
22
entre as décadas 1970 e 2010 indica a intensificação do sistema de alta pressão
em altos níveis – Alta da Bolívia, tal como visto nas figuras 9 e 10. Os dados da
componente zonal do vento (Fig. 9) apresentam a intensificação dos ventos de leste
(valores negativos) sobre a porção norte e noroeste da Amazônia para ambos
conjuntos de dados, o que pode acarretar em aumento dos valores de precipitação
sobre a região a leste dos Andes devido à ascensão orográfica do ar úmido próximo
à Cordilheira.
A diferença entre o último (2000 a 2010) e o primeiro período (1970 a 1980)
permite quantificar a intensificação dos ventos de leste (trópicos) e de oeste
(latitudes médias), sendo que este último está associado à intensificação do jato
subtropical (JS) no decorrer do tempo, podendo este eventualmente se associar à
AB quando muito intenso (PEZZI et al., 1996).
Os valores médios do NCEP-NCAR são mais intensos do que os valores do
JRA-55. No entanto, na diferença entre períodos nota-se que os dados do JRA-55
apresentam ventos muito mais intensos, ou seja, ao comparar o primeiro (1970 a
1980) e o último período (2000 a 2010), O JRA-55 identifica uma maior
intensificação dos ventos da componente zonal.
Fig. 9. Média da componente zonal do vento (m s-1) e a diferença entre os dois períodos, sendo a primeira coluna referente ao período de 1970-1980, a segunda a 2000-2010, e a
-
23
terceira à diferença entre o período posterior e anterior, nos níveis de 200 hPa, para os conjuntos de dados (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-55.
A maior taxa de precipitação está associada à maior liberação de calor latente
no processo de condensação do vapor d’áqua, devendo intensificar a AB. Santos10
(1986 apud FISCH, 1996), indica que em anos menos (mais) chuvosos, os centros
da AB são menos (mais) intensos.
Quando a componente meridional média do vento da década de 2000-2010 é
comparada com a de 1970-1980, identifica-se a intensificação dos ventos
meridionais (Fig. 10), tanto para o movimento de norte (valores negativos), a oeste
do continente, como para os movimentos de sul (valores positivos), a leste. A
intensificação do escoamento meridional deve influenciar a formação e intensidade
dos VCANs, que, por sua vez, estão associados à penetração de sistemas frontais
em latitude mais baixas, intensificando a AB (KOUSKY e GAN, 1981). Vuille (1999)
destaca que à medida em que a AB se intensifica e se move para o sul durante os
eventos de precipitação, os ventos de sul a leste do Altiplano tornam-se mais
intensos e os ventos de norte se intensificam a oeste.
Assim como ocorre com a componente zonal, os dados do NCEP-NCAR
apresentam valores médios mais intensos que o JRA-55 para os mapas da
componente meridional do vento, sobretudo para os ventos de norte (a oeste do
continente). Na diferença entre períodos, os dados do NCEP-NCAR apresentam
valores mais intensos novamente, além disso, destaca-se a localização e
intensidade dos ventos de sul (a leste do continente) mais ao sul para os dados do
JRA-55, e mais ao norte para os dados do NCEP-NCAR.
10 Santos, I.A. Variabilidade da circulação de verão da alta troposfera na América do Sul. Dissertação de Mestrado - USP. São Paulo, 95 p., 1986
-
24
Fig. 10. Média da componente meridional do vento (m s-1) e a diferença entre os dois períodos, sendo a primeira coluna referente ao período de 1970-1980, a segunda a 2000-2010, e a terceira à diferença entre o período posterior e anterior, nos níveis de 200 hPa, para os conjuntos de dados (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-55.
A intensificação das duas componentes do vento em 200 hPa ao longo das
últimas 40 anos, de 1970 a 2010, aponta uma mudança na circulação atmosférica
sobre o continente sulamericano. A identificação das alterações da AB entre 1970
e 2010 foi realizada a partir da análise dos campos de linha de corrente, em 200
hPa, que usa, em seu cálculo, as componentes zonal e meridional do vento (Fig.
11). A sobreposição dos valores médios dos campos de linha de corrente, em 200
hPa, entre 1970-1980 e 2000-2010 indica a alteração da posição do centro da AB
e da intensidade dos ventos.
-
25
Fig. 11. Linha de corrente (m s-1) média em 200 hPa para os períodos de 1970 a 1980 (1ª coluna) e 2000 a 2010 (2ª coluna) e a sobreposição dos dois mapas anteriores (3ª coluna), para os conjuntos de dados (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-55.
Através dos mapas com linha de corrente em 200 hPa é possível identificar
o centro da AB – com giro no sentido anti-horário ao norte da América do Sul – e a
formação do cavado de altos níveis a leste do seu centro. Com relação aos dados
do NCEP-NCAR é possível verificar a intensificação da circulação em 200 hPa e o
deslocamento do centro da AB para oeste no decorrer do período 1970-2010,
enquanto que os dados do JRA-55 apresentam, além da intensificação da
circulação, o deslocamento do centro da AB para sul ao longo do tempo. A
intensificação do Cavado do Nordeste é bastante visível através das duas fontes
de dados.
Para os dados do JRA (b), a intensificação do anticiclone está mais visível.
Embora a visualização dessa mudança seja mais dificultosa nos dados do NCEP
(a), é possível concluir que isso também acontece porque a intensificação do
Cavado de Nordeste é bastante evidente. De acordo com os dados do NCEP (a),
o centro da AB se desloca para oeste, enquanto que a partir dos dados do JRA (b),
o centro do anticiclone se desloca para sul.
Para Lenters e Cook (1997) a AB torna-se mais intensa e deslocada para o
sul durante dias úmidos devido ao calor latente, o que está associado ao obtido
com os dados do JRA-55 para o período em análise.
Os mapas de tendência linear da componente vertical do vento (omega), por
sua vez, têm o propósito de confirmar a intensificação e deslocamento da AB como
sugerido pelos teóricos e pelos dados médios das componentes zonal e meridional
do vento, nas Figs. 9 e 10. A partir de dados anuais foram elaborados mapas de
tendência de omega para todo o período, de 1970 a 2010, decadais – 1970 a 1979,
-
26
1980 a 1989, 1990 a 1999 e 2000 a 2010 –, para o período úmido (ONDJFM) e
sazonais – verão (DJF), outono (MAM), inverno (JJA) e primavera (SON).
Fig. 12. Tendência linear de omega (Pa s-1), para todo o período, de 1970-2010, sendo a primeira coluna referente aos dados do NCEP-NCAR e a segunda, dados do JRA-55, para os níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa.
Em geral, os dados do JRA-55 apresentam valores da tendência de omega
entre 1970 e 2010 menos intensos do que os do NCEP-NCAR, nos três níveis
-
27
considerados. A tendência de omega para os dados do NCEP-NCAR apresenta
intensificação do movimento ascendente entre as áreas noroeste e sudeste da
América do Sul, região em que atua a ZCAS durante o verão, enquanto o setor
nordeste apresenta intensificação do movimento subsidente (ou enfraquecimento
de movimentos ascendentes) (Fig. 12), coincidindo com a intensificação da AB e
do cavado do nordeste. Por outro lado, os dados do JRA-55 não apresentam
intensificação em toda a faixa noroeste-sudeste, mas sim no setor norte-noroeste
e sobre o Atlântico Sul adjacente à região sudeste do Brasil. As áreas oceânicas
da ZCIT apresentam movimento ascendente intensificado para ambas as fontes de
dados. A tendência de omega em 500 hPa obtida com os dados do JRA-55 indica
o aumento da subsidência do ar ao sul da Amazônia (Fig. 12b), durante o período
analisado.
Fig. 13. Tendência linear de omega (Pa s-1), para todo o período, de 1970-2010, sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989, a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa, para os dados do NCEP-NCAR.
-
28
Fig. 14. Tendência do vento vertical (Pa s-1), para todo o período, de 1970-2010, sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989, a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa, para os dados do JRA
Para os dados do NCEP-NCAR (Fig. 13), nas décadas de 1980 a 1989 e 1990
a 1999 há uma desintensificação do movimento ascendente sobre a Amazônia e a
faixa noroeste-sudeste, e uma intensificação nas décadas de 1970 a 1979 e 2000
a 2010. Já para os dados do JRA-55 (Fig. 14), para todas as décadas observa-se
intensificação do movimento ascendente sobre a Amazônia, mas sobre a faixa
noroeste-sudeste, nas décadas de 1980 a 1989 e 1990 a 1999, desintensificação.
O movimento subsidente sobre o sul do Brasil aparece intensificado nas duas
primeiras décadas (1970-1979 a 1980-1989) e desintensifcada nas duas últimas
(1990-1999 a 2000-2010), de acordo com os dados do NCEP-NCAR (Fig. 13). Para
os dados do JRA-55 (Fig. 14), apenas na última década (2000-2010) é observada
a desintensificação do movimento subsidente sobre o sul brasileiro. Apesar da
divergência entre os dados e também da inconstância da intensificação e
desintensificação durante as décadas, é importante frisar que na tendência de
-
29
longo prazo, para os 40 anos em estudo, observa-se uma intensificação dos
movimentos ascendente sobre a Amazônia e a faixa noroeste-sudeste e subsidente
no nordeste e sul brasileiro. A intensificação do movimento vertical é, portanto, um
processo não-linear, e isso pode estar atrelado ao impacto que fenômenos de
outras faixas de frequência, como ENOS e ODP (Oscilação Decadal do Pacífico),
com variabilidade interanual e interdecadal, respectivamente, têm sobre o clima
sulamericano.
Ao considerar que este trabalho tem foco na alteração da Alta da Bolívia
durante o período de 1970 a 2010, e que a AB é um sistema de verão, a tendência
linear de omega para o período úmido (outubro a março), época de forte atuação
do sistema, também foi analisada. Também foram plotados mapas para todas as
estações do ano, permitindo visualizar os períodos nos quais a subsidência e,
principalmente, a ascendência dos ventos mais têm se intensificado ou
desintensificado.
Fig. 15. Tendência linear de omega (Pa s-1), para o período úmido (ONDJFM), sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989, a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa,
-
30
para os dados do NCEP-NCAR.
Fig. 16. Tendência linear de omega (Pa s-1), para o período úmido (ONDJFM), sendo a primeira coluna referente aos dados de 1970-1979, a segunda, 1980-1989, a terceira, 1990-1999, e a quarta, 2000-2010, nos níveis de (a) 250 hPa, (b) 500 hPa e (c) 850 hPa, para os dados do JRA-55.
-
31
Fig. 17. Tendência linear de omega (Pa s-1) em 250 hPa, sendo a primeira coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do NCEP-NCAR.
-
32
Fig. 18. Tendência linear de omega (Pa s-1) em 500 hPa, sendo a primeira coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do NCEP-NCAR.
Fig. 19. Tendência linear de omega (Pa s-1) em 850 hPa, sendo a primeira coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999, e (d) 2000 a 2010, para os
-
33
dados do NCEP-NCAR.
Fig. 20. Tendência linear de omega (Pa s-1) em 250 hPa, sendo a primeira coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do JRA-55.
-
34
Fig. 21. Tendência linear de omega (Pa s-1) em 500 hPa, sendo a primeira coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do JRA-55.
-
35
Fig. 22. Tendência linear de omega (Pa s-1) em 850 hPa, sendo a primeira coluna referente aos meses de (DJF), a segunda, (MAM), a terceira, (JJA), e a quarta, (SON), para os períodos de (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999, e (d) 2000 a 2010, para os dados do JRA-55.
Durante o período úmido, observa-se para os dados do NCEP-NCAR (Fig. 15)
e do JRA-55 (Fig. 16) a intensificação no movimento ascendente sobre a Amazônia,
com exceção do observado para a década de 1980 a 1989. Isso se confirma nas
figuras sazonais (Figs. 17-19 – referentes aos dados do NCEP-NCAR – e Figs. 20-
22, referentes aos dados do JRA-55), nos meses de verão (DJF) principalmente.
Observa-se que nos meses de verão (DJF) e também na primavera (SON),
para quase todas as décadas (exceção à década de 1980 a 1989), o movimento
ascendente sobre grande parte da região amazônica mostra-se mais intensificado
do que nas outras estações do ano provavelmente devido aos valores mais altos
de temperatura no hemisfério sul. A intensificação do movimento ascendente sobre
a área de atuação da ZCAS, na faixa noroeste-sudeste do Brasil, é observada nas
últimas duas décadas (1990-1999 e 2000-2010), principalmente para os dados do
NCEP-NCAR.
Nos meses de inverno para o hemisfério sul (JJA), o movimento ascendente
torna-se menos intenso ao sul e mais intenso ao norte do continente, abrangendo
a porção da Amazônia localizada no hemisfério norte, contudo, esse movimento é
mais intenso na porção norte nas últimas duas décadas, de 1990 a 1999 e 2000 a
2010.
Com o intuito de se verificar as áreas da AB onde a velocidade vertical foi mais
-
36
e menos alterada com o passar do tempo, a região do centro do sistema foi
subdividida em quatro subáreas, tanto para os dados do NCEP-NCAR como para
os dados do JRA-55. A tendência linear da média de omega entre 1970 e 2010 em
subáreas próximas ao centro da AB está mostrada na Fig. 23.
A partir da média dos ventos zonal e meridional em 200 hPa para o período
de 2000 a 2010, última década do período em estudo, delimitou-se 4 áreas (A, B,
C e D) sobre a região amazônica correspondente à área de atuação da AB (Fig.
23).
Fig. 23. Linha de corrente média, em 200 hPa, para o período de 2000 a 2010. Delimitação das áreas A, B, C e D sobre a região amazônica, para os conjuntos de dados do (a) NCEP-NCAR e (b) JRA-55, sendo a área total (75º O; 15º S) e (55º O; 5º N) (A = (75º O; 5º S) e (65º O; 5º N); B= (65º O; 5º S) e (55º O; 5º N); C= (75º O; 15º S) e (65º O; 5º S); e D= (65º O; 15º S) e (55º O; 5º S)).
-
37
Fig. 24. Evolução temporal de omega (Pa s-1), de 1970 a 2010, para as regiões A, B, C e D, para os dados do NCEP-NCAR (a) e JRA-55 (b).
No caso da região A, a noroeste do centro da AB, as séries temporais de
ambas as fontes de dados, NCEP-NCAR (Fig. 24a) e JRA-55 (Fig. 24b),
apresentam tendência negativa no decorrer do período 1970-2010. Como a região
apresenta, na média, valores negativos (movimento ascendente), a tendência
negativa significa a intensificação do movimento ascendente do ar. No entanto,
essa intensificação tem valores mais altos para os dados do NCEP-NCAR do que
para o JRA-55.
A área B, localizada a nordeste do centro da AB, também apresenta tendência
negativa de omega, indicando uma intensificação do movimento vertical
ascendente sobre a área. Mas nessa área, a intensificação do movimento
ascendente tem valores mais altos para os dados do JRA-55 em relação aos do
NCEP-NCAR.
Na área C, localizada a sudoeste do centro da AB, os dados do NCEP-NCAR
(Fig. 24a) e JRA-55 (Fig. 24b) são mais divergentes: os dados do NCEP-NCAR
apresentam tendência negativa de omega enquanto que os dados do JRA-55
apresentam tendência positiva. Este resultado concorda com os mapas de
tendência linear mostrados na Fig. 12. Na média, essa área, a sudoeste do centro
da AB, apresenta movimento vertical ascendente com velocidade menor que áreas
ao norte dela.
Na área D, para ambos os conjuntos de dados a tendência linear da
-
38
velocidade vertical é próxima de zero, o que significa dizer que de 1970 a 2010 esta
área D, área mais próxima do centro da AB, apresentou um comportamento quase
que estável.
A evolução temporal da velocidade vertical entre o equador e 20º S, na faixa
longitudinal de 60º O a 70º O, indica que o movimento ascendente mais intenso
obtido do conjunto de dados do NCEP-NCAR tem se deslocado para sul entre 1970
e 2010, o que ocorre tanto em 500 hPa quanto em 250 hPa, sendo, porém, mais
evidente em 500 hPa. Da mesma forma, a avaliação na direção zonal (Fig. 25, col.
esquerda) indica que, nos dois níveis considerados, em 500 e 250 hPa, o
movimento ascendente mais intenso tem se deslocado para oeste ao longo do
tempo.
Para os dados do JRA-55 (Fig. 26), a evolução temporal da velocidade vertical
apresenta resultados consonantes aos do NCEP-NCAR, ou seja, o deslocamento
do movimento vertical mais intenso para sul entre 0º e 20º S, na faixa longitudinal
de 60º O a 70º O, e para oeste entre 55º O e 75º O, na faixa latitudinal de 5ºS a 10º
S e, assim como no NCEP-NCAR, o deslocamento é mais evidente aos 500 hPa.
Os resultados para este conjunto de dados apresentam movimento ascendente
menos intenso que os do NCEP-NCAR, assim como nos mapas de média e de
tendência linear.
-
39
Fig. 25. Evolução temporal do movimento vertical (omega) em (a) 250 hPa e (b) 500 hPa, de 1970 a 2010, para a faixa latitudinal de 0 a 20º S e média espacial entre 60º O e 70º O
(primeira coluna) e longitudinal de 55º O a 75º O e média espacial entre 5º S e 10 S (segunda coluna), para os dados do NCEP-NCAR.
-
40
Fig. 26. Evolução temporal do movimento vertical (omega) em (a) 250 hPa e (b) 500 hPa, de 1970 a 2010, para a faixa latitudinal de 0 a 20º S e média espacial entre 60º O e 70º O
(primeira coluna) e longitudinal de 55º O a 75º O e média espacial entre 5º S e 10 S (segunda coluna), para os dados do JRA-55.
Os resultados obtidos na avaliação da variação da intensidade do movimento
vertical na região do centro da AB no decorrer do período analisado indica que os
valores mais intensos foram deslocados para oeste e para sul, confirmando parte
do que foi identificado por Lenters e Cook (1997).
A intensificação e deslocamento da AB ao longo do período analisado devem
estar associados à alteração da precipitação na América do Sul. A análise da
tendência linear da precipitação do GPCC na América do Sul permite identificar que
áreas ao noroeste e sudeste do continente sulamericano têm apresentado valores
positivos de 1970 a 2010 (Fig. 27), entre 15 e 60 mm mês-1. Áreas do sul da
Amazônia apresentam decréscimo da precipitação ao longo do tempo, com valores
máximo entre 15 e 60 mm mês-1.
-
41
Fig. 27. Precipitação média mensal (GPCC) na América do Sul para o período de 1970 a 2010.
Fig. 28. Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o período de 1970 a 2010.
-
42
Fig. 29. Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o período úmido (ONDJFM), de 1970 a 2010.
Fig. 30. Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o verão (DJF), para (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999 e (d) 2000 a 2010.
-
43
Fig. 31. Tendência linear da precipitação (GPCC) na América do Sul para o inverno (JJA), para (a) 1970 a 1979, (b) 1980 a 1989, (c) 1990 a 1999 e (d) 2000 a 2010.
A análise para os meses úmidos do ano (ONDJFM), nos quais a atuação da
AB é mais significativa (Fig. 28), observa-se o aumento da área com tendência
positiva de precipitação em todo o continente, com aumento particular em porções
da Amazônia central. No nordeste do Brasil e sudeste da América do Sul, a
tendência positiva de precipitação cobre uma área maior durante período úmido se
comparada à área para a tendência calculada para o ano todo.
A análise decadal da tendência linear da precipitação para o período de verão
(DJF) (Fig. 29) e inverno (JJA) (Fig. 30) mostra alguma variabilidade dentre os
períodos, entretanto, o noroeste e sudeste da América do Sul apresentam
tendência positiva nos meses de verão no decorrer do tempo, de 1970 a 2010.Já
nos meses de inverno, a tendência negativa de precipitação ocorre para quase todo
continente, exceto a porção do continente que fica ao norte do equador e pontos
isolados na área central do Brasil e nordeste.
-
44
Fig. 32. Séries temporais de 1970 a 2010 para as regiões (a) A, (b) B, (c) C e (d) D da Amazônia, para os dados de precipitação.
Com exceção da área A (Fig. 30 a), todas as outras áreas apresentam uma
tendência negativa da anomalia de precipitação. A área A, assim como
representado na Fig. 23 fica a noroeste da Amazônia, coincidindo com uma das
áreas de intensificação do movimento ascendente do vento, de acordo com os
dados do JRA.
A intensificação e deslocamento do centro da AB para sul e oeste está
associada e ocorre conjuntamente ao aumento da precipitação no setor noroeste
da América do Sul e oeste da Amazônia, o que deve estar associado ao aumento
da convergência do ar no setor oeste da Amazônia.
-
45
5. CONCLUSÕES
Este trabalho busca analisar as alterações ocorridas na Alta da Bolívia,
América do Sul, no período de 1970 a 2010, através de dados de velocidade
vertical, das componentes zonal e meridional do vento, da reanálise I do NCEP-
NCAR e da reanálise do JRA-55, e, dados de precipitação do GPCC.
A partir dos dados de omega e das componentes zonal e meridional do vento,
conclui-se que a Alta da Bolívia tem se intensificado no período considerado. Em
geral, a tendência linear de omega em 850 hPa, 500 hPa e 250 hPa para os dados
da reanálise I do NCEP-NCAR é mais forte do que para os dados do JRA-55.
Enquanto os dados de vento, em 200 hPa, da reanálise I do NCEP-NCAR
apresentam o deslocamento do centro da alta da Bolívia para oeste, os dados do
JRA-55 apresentam seu deslocamento para sul. Contudo, a análise temporo-
espacial da evolução de omega indica que tanto os dados do NCEP-NCAR como
os dados do JRA-55 estão associados ao deslocamento do centro da AB para
sudoeste. Estes resultados concordam parcialmente com os obtidos por Lenters e
Cook (1999) e Vuille (1999) que indicam o deslocamento da AB para sul com o
aquecimento da atmosfera.
De acordo com os resultados obtidos com os dados do NCEP-NCAR,
observa-se uma intensificação do movimento vertical ascendente sobre as regiões
noroeste e centro norte do continente, bem como uma tendência positiva de
precipitação do GPCC sobre as mesmas áreas. A faixa noroeste-sudeste, onde
atua a ZCAS, também apresenta uma intensificação do movimento vertical
ascendente e uma tendência positiva da precipitação para a última década em
estudo. A partir dos resultados da tendência linear do movimento vertical obtidos
do JRA-55, observa-se que o aumento da ascensão do ar fica mais confinado ao
norte do centro da alta da Bolívia. O setor sul da Amazônia e centro do continente
apresentam decréscimo do movimento ascendente.
A mudança do centro da AB para sul e o aumento da precipitação sobre o
Altiplano estão intimamente relacionados à localização e intensificação da ZCAS
(LENTERS e COOK, 1999). Assim, a alteração da localização e intensificação da
alta da Bolívia levam, em tese, a modificações no padrão de precipitação na
América do Sul. A intensificação da ZCAS somada à intensificação da AB podem
trazer desdobramentos significativos para o Nordeste brasileiro, por exemplo,
-
46
através da intensificação dos VCAN (KOUSKY e GAN, 1981).
Os dados do NCEP-NCAR apresentam, de modo geral, dados mais
intensificados que os do JRA-55. Com a melhor resolução dos dados do JRA-55 é
possível analisar com maior precisão os movimentos existentes, porém, os dados
do NCEP-NCAR são eficazes na identificação de processos que ocorrem em
grande escala espacial devido à menor resolução de seus dados.
A não-linearidade da dinâmica atmosférica é muito importante para a análise
do clima, pois sabe-se que os sistemas e eventos da atmosfera não podem ser
totalmente determinados, mas suas variabilidades se repetem em tempos e
espaços mais ou menos conhecidos. Sendo assim, a posição e intensificação da
AB depende de outros sistemas atmosféricos, em outras escalas, e de suas
respectivas variabilidades, por isso os resultados obtidos não apresentam a
intensificação ou desintensificação como resultantes de processos lineares.
Ademais, é importante frisar que a característica tropical da AB não lhe confere um
isolamento de interações extratropicais, muito pelo contrário, grande parte da
variabilidade da AB reflete-se em relevantes influências extratropicais (LENTERS e
COOK, 1999).
A ocorrência de precipitação em taxas maiores e menores que a média
climatológica por conta das mudanças climáticas configura um quadro de atenção
para os impactos na sociedade, alertando para as consequências do modo de vida
contemporâneo que impactam diretamente o meio natural.
Dentre as soluções para o desequilíbrio ambiental e climático, sugere-se que
a mitigação aos eventos extremos de chuva que causam alagamentos e
escorregamentos ou de estiagens que afetam diretamente as sociedades locais e
a biodiversidade não seja a melhor alternativa, mas sim a prevenção, sendo a
preservação do meio ambiente essencial na desaceleração das mudanças
climáticas. Pensando nisso, este trabalho foi elaborado a partir de um breve relato
estatístico e teórico sobre a situação da América do Sul frente à atuação de
sistemas de verão