TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

108
f:RNST TUGENDHAT URSULA \VOU PROPEDÊUTICA LÓ6ICO~SEMÂNTICA Tradução de: Fernando Augusto da Rocha Rodrigues -I #a.~. fi ~ ~ tdl101'FCA'I \~ .;:. ,~ 4 ~A.,~ '-- Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Tugendhat, Ernst Propedêutica lógico-semântica / Ernst Tugendhat, Ursula Wolf ; tradução de Fernando Augusto da Rocha Rodrigues. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1996. ISBN85-326-1659-3 1.Lógica2. Semântica (Filosofia)I.Wolf,Ursula.11.Título. 96-2064 CDD-160 . 'vQZES Índices para catálogo sistemático: 1. Lógica: Filosofia 160 Petrópolis 1997 i i L- ~ " -

Transcript of TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Page 1: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

f:RNST TUGENDHATURSULA \VOU

PROPEDÊUTICALÓ6ICO~SEMÂNTICA

Tradução de: Fernando Augusto da Rocha Rodrigues

-I

#a.~.fi ~~ tdl101'FCA'I\ ~ .;:.,~ 4

~A.,~'--Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Tugendhat, Ernst

Propedêutica lógico-semântica / Ernst Tugendhat, UrsulaWolf ; tradução de Fernando Augusto da Rocha Rodrigues. -Petrópolis, RJ : Vozes, 1996.

ISBN85-326-1659-3

1.Lógica2. Semântica (Filosofia)I. Wolf,Ursula.11.Título.

96-2064 CDD-160 .'vQZES

Índices para catálogo sistemático:1. Lógica: Filosofia 160 Petrópolis

1997

iiL- ~ " -

Page 2: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

@ 1983 Philipp Rec1am jun. GmbH & Co., Stuttgart71252 Ditzingen, Germany

Título do original alemão: Logisch-semantische Propadeutik

Direitos de publicação em língua portuguesa no Brasil:@ Editora Vozes Ltda.

Rua Frei Luís, 10025689-900 Petrópolis, RJ

Internet: http://www.vozes.com.brBrasil

SUMÁmo

Apresentação à edição brasileira, 7

1. O que significa lógica?, 9

FICHA TÉCNICA DA VOZES

COORDENAÇÃO EDITORIAL:AveIino Grassi

2. Frase, frase enunciativa, enunciado, juízo, 17

3. Implicação lógica e verdade lógica; analiticidade eaprioridade, 28

EDITOR:LídioPeretti 4. O princípio da contradição, 43

5. Características básicas da lógica tradicional: teoria do juízoe silogística, 55

COORDENAÇÃO INDUSTRIAL'José Luiz Castro

EDITOR DE ARTE:Ornar Santos

6. A concepção atual da estrutura de frases singulares egerais; forma lógico-semântica e forma gramatical. 65

7. Frases complexas, 84

"IIIIil

II

EDITORAÇÃO:Emtoração e organização literária: Edgar Ortli

Revisão gráfica: Revitec S/CDiagramação: Slieila Roque

Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues

8. Termos gerais, conceitos, classes, 101

9. Termos singulares, 115ISBN 3-15-008206-4 (edição alemã)ISBN 85.326.1659-3 (edição brasileira)

10. Identidade, 131

11. Existência, 144

12. Ser, negação, afirmação, 157

13. Verdade, 170

14. Necessidade e possibilidade, 190

Bibliografia,205

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.em junho de 1997.

Page 3: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

coMPRA

:~preço GJ su-UvP'ta~ f O ~N.F

APRESENTAÇÃO À EDIÇÃOBRASILEIRA

"'--- .--, .'

'-'-~A~ -"--~--':::4IS(lO'fECA"-'" (~. . ~

DATA ti' Df;~hAMADf~ I

J 'j . '1!L I,

i~-;'.;;i cóooo'AêERv01

Li."... ..

Aos vários livros de'lógica, publicados em língua portuguesa,sej~m eles de autq~es prasileiros ou traduzidos, vem somar~seeste manual, traduzido"doalemão. A tradução de Fernando Ro-drigues é realmente da melhor qualidade. Otradutor confrontou-se com um texto e uma terminologia estrita, quase canônic~, eencontrou sempre as melhores escolhas. Assim, temos em nossalíngua finalmente uma propedêutica, no sentido mais positivodotermo, para as questões lâgico-semânticas da filosofia.

Além disso, a qualidade do português que resultou da tra-dução nada tem de rebarbativo e empolado. Pelo contrário, con-seguiu-se uma clareza, limpidez e fluência que servem demodelo para outras traduções de caráter técnico.

As soluções encontradas revelam um domínio tranqüilo daterminologia da área e do idioma alemão. Tenho certeza queesta propedêutica ajudará a pôr ordem em nossos discursos fi-losóficos.

A obsessão de Ernst Tugendhat, junto com UrsulaWolf,deencontrar uma clareza analítica para a escritura filosófica nãovisa apenas a um caráter formal. Nossos problemas poderão sermelhor formulados e obter respostas mais claras através dos ins-trumentos que apresentam para conduzir nosso pensamento elinguagem filosóficos.Este livro quer dar um primeiro conheci-mento do instrumental lógico-semântico atualmente existentebem como do tradicional e moderno, mostrando sua relevânciapara algumas questões básicas da filosofia.Na escolha dos te-mas tratados, bem como em sua apresentação, há evidentemen-te preferências subjetivas, mas não são impositivas. Para não

."111~til

I"""i

11;

}

7

Page 4: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

ultrapassar os limites de um manual introdutório de lógica, osautores conscientemente trataram com menos profundidade al-gumas questões lógicas em sentido estrito, sobretudo as da ló-gica moderna.

Fazer filosofiacom responsabilidade significa também entrarnesta escola do pensamento, a melhor entre tantas tentativasapresentadas para "organizarnossas incertezas em vez de impornossas certezas", neste final de século.

Espero que este trabalho cuidadoso de nos brindar com abela versão brasileira seja recompensado pelas novas geraçõesda filosofia,com o esforçode organizaras mentes e de dizer comrigor e clareza o que se quer dizer.

Os capítulos 5, 7, 9, 10 e 14 foram escritos por Ursula Wolf,os restantes por Ernst Tugendhat.

PortoAlegre, dezembro de 1995Ernfldo Stein

1~

O QUE SIGNIFICA LÓGICA?

Illi1,1,li,""1111li,'

I

:~'"

Começaremos nossa propedêutica lógico-semântica com o con-ceito de lógica. A relação desta com a semântica será mostradaa partir de si mesma no decorrer dos capítulos seguintes. O quese entende por "lógica"? A palavra foi concebida no decurso dahistória desta disciplina sob vários aspectos, ora de um modomais amplo, ora de um modo mais restrito. Com respeito a essavariedade, não é contudo sensato perguntar qual é o significadocorreto, já que não existe um significado verdadeiro de uma pa-lavra. O que deve ser aqui evitado não é o erro, mas sim a faltade clareza. Por isso é importante que expliquemos em que rela-ções estão uns com os outros os diferentes significados em quea palavra foiusada. Antes de podermos abordar isso, são neces-sárias algumas observações prévias orientadoras.

Pode-se classificara história da lógica, grosso modo, em trêsperíodos1. O primeiro abrange a lógica antiga, estendendo-seaproximadamente desde seu fundador. Aristóteles, até fins daIdade Média. No segundo, trata-se da lógica moderna, inician-do-se com a chamada Lógica de Port-Royal(1662f Este segun-do período se caracteriza pela predominância de problemasligados à teoria do conhecimento e à psicologia, devido aosquais a pesquisa lógica no sentido estrito assim como o esclare-cimento de conceitos lógicosbásicos passaram a segundo plano.

1. Sobre a história da lógica, d. Kneale, The Development of LogjG

2. Amauld/Nicole, La Logjque ou J'art de penser.

8 9

,."

Page 5: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

11111

~!II,IiillIIIhilliii'i~:

.Ii

~~I

Esta tradição está também ainda defendida esporadicamente emalguns livros mais recentes, como por exemplo na Logik do fe-nomenólogoPfander(1921)ou na Logik de Freytag-Lóringhoff(1955).Este segundo período foio mais improdutivo do ponto devista da lógica3, mas suas concepções influenciaram de modoparticularmente forte os sistemas filosóficos,já que os grandesfilósofosda modernidade - Kant,p. ex., e Hegel- se encontramnesta tradição. Oterceiro período é o da lógica atual. começandocom a Begriffschrift de Frege (1879).Esta lógica é freqüentemen-te caracterizada como lógica "matemática" ou "simbólica" oumesmo como "logística". Estas caracterizações referem-se aodesenvolvimento da lógica com base em cálculos. Mais impor-tante contudo é o fato de os lógicosdeste terceiro período teremde novo separado nitidamente os problemas especificamente ló-gicos dos psicológicos e retomado a pesquisa lógica no sentidoestrito, conduzindo-a a inesperadas conseqüências, após os de-fensores do segundo período terem partilhado a opinião de quea lógica no sentido estrito já teria sido completada por Aristóte-les4(tendo as conseqüências mais importantes da lógica estóicae sobretudo escolástica ficado esquecidas neste segundo perío-do).

Mas o que se entende então no geral por "lógica"? Não sepode compreender corretamente, quanto à relação que mantêmentre si, as diversas respostas que foram dadas a esta pergunta,se não se diferenciam- por mais paradoxal que isso possa pare-cer-, antes da delimitação mais exata da temática, três diferen-tes modos de conceber a lógica. Para tal objetivo é suficienteinicialmente dizer sobre a temática da lógica que ela simples-mente investiga determinadas regras, leis ou relações; e a ques-tão agora é: regras, leis ou relações de quê? Trata-se de leis doser ou da realidade (chamamos a isso concepção ontológica),de

leis do pensamento (concepçãopsicológica) ou de leis da lingua-gem (concepção lingüístíca)?Tomemosp. ex. o princípioda con-tradição. Ele diz, grosso modo, o seguinte: algo não pode aomesmo tempo ser e não ser o caso. Por que não? Alguns dizemque isso se funda na essência do ser; outros, na essência dopensamento; uns terceiros, na essência da linguagem. Estes trêsdiferentes modos de conceber a lógica influenciaram a questãode como se deve delimitar a temática da lógica.

A concepção psicológica é cara.cterística do segundo dostrês momentos da história da lógica há pouco diferenciados.ALógica de Port-Royaldefine a lógica como "a arte de bem guiara razão (raison)".Encontramos uma delimitação mais nítida emKant: lógica é a "ciência das leis necessárias do entendimento eda razão em geral ou, o que é o mesmo, da mera forma do pen-samento em gera1"5.Kant enfatiza com efeito que isso não deveser entendido psicologicamente: a lógica é a "ciência do usocorreto do entendimento e da razão em geral. mas não é subje-tiva, isto é, não se pauta por princípios empíricos [psicológicos]de como o entendimento pensa, mas sim objetiva, isto é, sepauta por princípios a priori de como ele deve pensar,,6.Numsentido amplo, porém, a concepção de Kant é psicológica, namedida em que ela parte justamente do conceito de entendi-mento' isto é, de algumas realizações do pensamento (mesmoque sejam acessíveis a priori).

Face a isto a tradição mais antiga - e também, novamente,a concepção moderna - se orienta, antes, pela linguagem, res-pectivamente pelo ser, pautando-se a concepção moderna pri-mariamente pela linguagem. Não há contudo na tradição maisantiga nem na lógica atual definições conceituais de lógica quesejam abrangentes, semelhantes às há pouco mencionadas. Istose deve ao fato de a concepção de lógica como teoria do pensa-mento correto ser demasiado indeterminada. A partir dela ape-nas, não se pode extrair a temática específica da lógica.

3. Na obra de Kneale só é dedicado a ele um capitulo; ao primeiro periodo quatro;ao terceiro periodo, sete.

4. Cf. Kant, Critica da razão pura [citada aqui como CRP], BVIII.- Sobre o modocomo um lógico moderno avalia a situação, cf. a primeira frase de Methods of Logic deQuine: "A lógica é uma antiga região e desde 1879 ela se tornou uma grande região".

5. Kant, LOgik, p. 13.

6. Ibid., p. 16.

10 11

Page 6: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

"

Aconcepção comum é a de que a lógica tem a ver com "osprincípios da inferência válida" 7; para ser mais exato, ter -se- iaque complementar: "na medida em que essa inferênciase baseiana mera forma dos enunciados (oujuízos)".Comisso estão men-cionados dois conceitos que só mais tarde iremos esclarecer demodo mais exato: o de inferênciae o de forma lógica. Por agoraé suficiente mencionar a explicação de Kant: "Porinferirdeve-seentender aquela função do pensamento através da qual um juízoé deduzidoa partir de um outro"s. Certamentea questãoserá oque nessa explicação significa "deduzir". Por agora, apenasmais um exemplo: (A) "Todosos homens são mortais", (E)"Só-crates é um homem"; (portanto) (C) "Sócrates é mortal". Estestrês enunciados juntos formam urna inferência; (A)e (E)consti-tuem as premissas, (C),a conclusão.

A primeira teoria da inferênciaformalválida foidesenvolvidapor Aristóteles no escrito Analytica Priara;mas apenas com Fre-ge ela se tornou urna disciplina abrangente. (Maistarde veremosem parte corno Frege pôde ampliá-Ia desta maneira.)

Nossa questão agora é a seguinte: deve-se limitar a lógica àteoria da inferência formalválida? Aqui esbarramos em uma se-gunda diferença conteudística quanto ao modo corno a lógica éhoje concebida e o modo como ela foi entendida no segundoperíodo. Para os lógicos modernos a lógica é a teoria da inferên-cia válida; para os lógicos do segundo período, ela é a teoria dopensamento correto, e esta abrange: 1. a lógica do conceito, 2.a lógica do juízo, 3. a lógica da inferência, 4. urna doutrina dométodo. Encontramos isso pela primeira vez na Lógica de Port-Royal. Deixemos de lado inicialmente a doutrina do método;também Kant, na verdade, ainda se mantinha preso a ela, mas aconcepção que se tornou clássica é a que contém a tríade con-ceito-juízo-inferência.

Será que esta concepção triádica é uma conseqüência dainterpretação psicológica da lógica no segundo período ou é in-

dependente dela? Qual era a situação, no primeiro período?Aristóteles não possuía nenhum conceito unitário de lógica. Alógica tradicional do primeiro período se orientou pelos escritostidos corno escritos lógicosde Aristóteles e reunidos sob o nomede "Organon".São eles: 1)Categorias,2)De Interpretatione(PeriHermen, eias) 3) Analytica Priara, 4) Analytica Posteriora, 5) To-pica, 6) De Sophisticis Elenchiis. 1)trata dos componentes sim-ples das frases enunciativas e pôde ser concebido portanto cornourna lógica do conceito; 2) trata das frases enunciativas e pôdeser concebido portanto como a teoria aristotélica do juízo; 3)contém a teoria da inferência formalmente válida; 4) trata daprova científica; 5)das inferênciasde probabilidade - a chamada"dialética"; 6) dos sofismas. Embora o próprio Aristóteles nãohouvesse reunido os três primeiros escritos de modo a formaremuma unidade, a concepção posterior da tríade pôde contudo sebasear em tal combinação.

Partindo da concepção usual moderna de lógica, que se li-mita à inferência formalmente válida, pode-se também incluirnesta concepção o que se entende por lógica do juízo e lógicado conceito. Se na lógica se trata dos "princípios da inferênciaválida na medida em que essa inferênciase baseia na mera formados enunciados", a lógica da inferência é dependente de umesclarecimento da forma dos enunciados e conseqüentementede urna lógica do juízo. E pode-se, ademais, dizer o seguinte: oesclarecimento da forma lógica dos enunciados não é de modoalgum possível sem um esclarecimento simultâneo dos elemen-tos da frase, relevantes para a forma lógica, e isso corresponderiaà lógica do conceito.

Vista deste modo, a inferência está, na verdade, no centro (eisso vale certamente também para o primeiro período da lógica).O esclarecimento das formas dos enunciados é apenas uma con-dição para a teoria da inferênciaformalmente válida. Finalmente,se os conceitos a partir da linguagem são vistos cornoelementosnão autônomos da frase, a lógica do conceito não é uma disci-plina autônoma, mas pertence diretamente à teoria das formasdo enunciado. Este últimoponto, com efeito, não é mais eviden-te; ele depende da concepção lingüística ao invés da psicoló-gica.

7. "Lagic is cancerned with the principIes af valid inference", Kneale, The Develap-ment afLagic, p. 1.

8. Kant, Logik, p. 114.

12 13

Page 7: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

:11

1

1;

!III

Faz-se aqui necessária uma outra diferenciação. Partindo-sedo conceito moderno de lógica como lógica da inferência, deve-se diferenciar entre a lógica como investigação sistemática detodas as inferências formalmente válidas e a fjJosofja da lógicacomo análise dos conceitos básicos relevantes na lógica. Para alógica em si. o esclarecimento das formas da frase enunciativa éapenas algo preliminar a ser executado rapidamente, mas, paraa filosofia da lógica, ele é central. Nossa propedêutica permane-cerá, no essencial. no âmbito dessa "lógica do juízo".

Mas o que dizer da doutrina do método que a Lógica dePort-Royal incluiu adicionalmente na lógica pela primeira vez?Essa concepção remonta ao Discours de la Méthode, de Descar-tes; trata-se aqui de "Ia méthode pour bien conduire sa raison etchercher la vérité dans les sciences", isto é, do "método parabem guiar sua razão e buscar a verdade nas ciências" (Esse "e"não é aditivo, mas sim explicativo). Os autores da Lógica dePort-Royal tomaram, para sua definição de lógica, diretamentede Descartes o conceito "para bem guiar sua razão" (cf. p. 11).Com o desenvolvimento das ciências empíricas no século XVIIexigiu-se que, no lugar da lógica escolástica pretensamente es-téril - lógica esta que (isso está na essência da inferência lógica)extrai as conseqüências apenas daquilo que já é sabido, se de-senvolvessem métodos para encontrar a verdade (chercher la ve-rité). Contudo, havia aqui um equívoco. É que se deve diferenciarentre a ars inveniendi e a ars demonstrandj, entre o encontrar averdade e a fundamentação da verdade. É verdade que a lógica(no sentido da lógica da inferência) não contribui muito para seencontrar a verdade, mas ela nunca pretendeu isso. Não parecesensato colocar em concorrência as instruções vagas para se en-contrar a verdade e as regras exatas de fundamentação da ver-dade. Mas, poder-se-ia perguntar, por que não se deve, como feza Lógica de Port-Royal, aceitar adicionalmente na lógica, comoum apêndice, regras para se encontrar a verdade? Pode-se fazerisso e definir correspondente mente de modo amplo a palavra"lógica". "Lógica" neste sentido corresponderia então, sobretu-do, àquilo que hoje é chamado teoria da ciência. Nessa direçãoapontam também determinadas expressões em uso hoje em dia- quando se fala p. ex. de "lógica das ciências sociais". Para

contrastar a concepçãorestrita de "lógica"com essas concepçõesmais abrangentes, surgiu também a expressão lógica formal(existente apenas a partir de Kant). No sentido da lógica tradi-cional (e também no da lógica moderna), toda lógica é formal.

Ainda uma última diferenciaçãofaz-se necessária. A lógicaenquanto doutrina do método foiconectada à descoberta da ver-dade; a lógica no sentido estrito, à fundamentação da verdade.Mas nem toda fundamentação da verdade se realiza sob a formade inferências formais. Podem-se fazer as seguintes distinções:toda fundamentação da verdade de um enunciado se dá direta-mente (pela percepção) ou indiretamente (através de outrosenunciados). A fundamentação indireta tem sempre a forma:"Porque (ou: se) isso e isso e isso, daí (ou: então) isso". Mas nemtoda a inferência é formalmente válida (vemosde novo quão im-portante será o esclarecimento do conceito "formal"e do concei-to "validade formal"). Diferencia-se portanto da inferênciaformalmente válida (a dedutiva) a chamada inferência indutiva.Por inferência indutiva entende-se tradicionalmente (ela já é en-tendida deste modo em Aristóteles, Tópicos 105a13)a inferênciado particular para o universal. Dado o caso, estamos justificadosa inferir que "todos os F são G", a partir de "isso é F e é G" e"aquilo é F e é G" etc. Evidentemente uma tal inferêncianão éválida do ponto de vista formal;e o problema de indução é entãoo seguinte: sob que circunstâncias uma tal inferênciaé, contudo,legítima.

Sendo assim, mesmo que a lógica se limitasse à inferênciae às regras de fundamentação da verdade, ela seria mais abran-gente do que o modo como ela é concebida pela visão modernacorrente. Isso explica por que muitos autores consideram comológica também uma lógica indutiva. O texto clássico para essaconcepção é A System of Logic (1843),de Mill. Sobretudo aquinão se trata de questão substancial. mas de mera questão defi-nitória, se queremos entender lógica no sentido mais restrito ouno sentido mais amplo.

Uma vez que nossa propedêutica será totalmente centradana problemática da formalógica, esse significado mais amplo delógica, mencionado por último, não nos dirá respeito. À concep-ção moderna de lógica corresponde, ao contrário, o fato de se

""'"11':1

ill!!i

1415

i

~

Page 8: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

ter em vista uma ampliação em outra direção: a orientação paraa frase enunciativa, ao invés de para o juízo, faz surgir a questãode se não haveria "deduções" de ordens a partir de ordens, dedesejos a partir de desejos, deduções estas análogas às deduçõesde enunciados a partir de enunciados9.

9. Cf. sobre esse ponto Rescher, The Logi.c af Cammands; Kenny, "PracticaJInference": Hare, Practical Inferences, capo 4.

16

;IJ ..

2~

FRASE# FRASE ENUNCIA TIl!A#ENUNCIADO# JUiZO

No capítulo 1foi indicado que existem concepções ontológicas,psicológicas e lingüísticas da lógica. Essa variedade de concep-ções aparece sobretudo na questão de como o conceito básicode 'lógicado juízo'deveser entendido:juizo é um conceitopri-mariamente pSicológico.O conceito lingüístico correspondenteé o de frase enunciativa. Para o conceito ontológico corres-pondente foram usadas várias expressões: Frege faloude pensa-mento; Husserl e o 1Q Wittgenstein falaram de estados-de-coisas;na filosofiainglesa é corrente a expressão proposição.Às vezeso termo "enunciado" (em inglês statement) é também usado demodo a significaraquilo no lugar de que está a fraseenunciativa.Há que se distinguir então nitidamente entre enunciado e fraseenunciativa.O termo "juízo"é usado ambiguamente; ele tem umsentido primariamente psicológico apenas quando significa jul-gar (um ato psíquico); mas muitas vezes também é compreendi-do no sentido do julgado (como p. ex. na Logik de Pfander), enesse caso ele corresponde aproximadamente à proposição.

Tanto a concepção psicológica quanto a ontológica podemser defendidas de um modo extremo ou moderado. Na formamoderada, o que vem a ser um juízo ou um pensamento (esta-do-de-coisas, proposição, enunciado) é elucidado implícita ouexplicitamente por recurso às frases correspondentes. Ao con-trário, pode-se falar de uma concepção psicológica e ontológicaextrema quando se defende a tese de que se poderia elucidar oque é um juízo ou, conforme o caso, um estado-de-coisas sem

17

Page 9: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

lilllllI!,:,'u",111''''''i~:i~1

Ilr~1

i,

\

se recorrer ao aspecto lingüístico. Por outro lado, poder-se-iacaracterizar como uma concepção lingüistica extrema aquelaque só aceita falar de frases enunciativas, negando simplesmen-te a existência de proposições1.

Husserl e o 1Q Wittgentein eram representantes da concep-ção ontológica extrema. Wittgenstein dá a seguinte explicaçãode "estado-de-coisas" (Tractatus 2.01): "O estado-de-coisas éuma conexão de objetos (coisas)".

A concepção psicológica extrema foi a concepção usual noséculo XVIII; também Kant a defende. Ele esclarece na Logik, §17, que "um juízo é a representação da unidade da consciênciade várias representações" (p. 101). Cf. também as outras expo-sições na Critica da razão pura [citada no que se segue comoCRP], A 68/B 93. O modo como juízos eram compreendidos emgeral na época de Kant pode ser visto a partir da CRP, B 140s,onde Kant diz: "Nunca pude me satisfazer com a explicação queos lógicos dão de um juízo: ele é, como dizem eles, a repre-sentação de uma relação entre dois conceitos".

Todas essas explicações, tanto as ontológicas quanto as psi-cológicas, são no fundo inteligíveis se não soubermos de ante-mão que elas se referem àquilo que é expresso em uma fraseenunciativa. Teorias psicológicas recorrem portanto freqüente-mente, de modo totalmente ingênuo, embora não de modo ex-plícito, ao aspecto lingüístico. É assim que se lê, p. ex., naLógica de Port-Royal (t. 2, capo 3, início):

"Após termos concebido as coisas por meio de nossasidéias [disso tratou a lógica dos conceitos], comparamosessas idéias umas com as outras, e, tendo verificado queumas concordam entre si e as outras não, conectamo-Iasou separamo-Ias, e isso significa afirmar ou negar e, ditode modo mais geral, julgar. - Esse juízo chama-se tam-bém frase enunciativa e é fácil verificar que esta tem quepossuir duas partes: uma em relação à qual se afirma ou

se nega, e que é chamada de sujeito; e a outra que éafirmada ou negada, e que é chamada de atributo oupredicado" .

Ao contrário dessas teorias posteriores, a lógica do juízo seorientava explicitamente pela linguagem quando foi desen-volvida pela primeira vez, no diálogo Sofista de Platão e no pe-queno tratado de AristótelesDe interpretatione,o qual se filia aodiálogo de Platão. O locus classicus da definição da frase enun-ciativa, ao qual até hoje recorre toda a tradição, é De inter-pretatione, capo 4.

No capítulo 1 é dito contudo que "a palavra falada é umsímbolo dos estados da alma e a palavra escrita (umsímbolo),dapalavra falada". Aristóteles defende portanto uma concepçãopsicológica moderada e, por estar escrito logo em seguida que"os estados da alma são imagens das coisas", essa concepçãopsicológica moderada se liga a uma concepção ontológica mo-derada.

De interpretatione, capo 4, começa com uma definição de"frase" (lógos):"Afrase é uma falasignificativacujas partes pos-suem significado independente". Essa explicação tem que sercompreendida a partir do contexto dos dois capítulos anteriores.Aí foramdefinidos "nome" e "verbo. "Umnome é uma falaligadaconvencionalmente a um significado sem relação temporal, umafala cujas partes não possuem significado independente". - "Umverbo é uma fala significativaque, ademais, exprime um tempo,sendo que nenhuma das partes da mesma significa algo por si".Nomes e verbos são portanto para Aristóteles as menores partesda linguagem, dotadas de significado.

A expressão "menor parte dotada de significado" é impor-tante. Ela também é usada na lingüística moderna do mesmomodo que a usa Aristóteles, a saber: para a delimitação entreessas partes dotadas de significado e as partes de uma seqüên-cia sonora que não possuem significado próprio. Contudo deve-se observar que Aristóteles reconhece apenas nomes e verboscomo menor seqüência sonora significativae não todas as pala-vras. Na lingüística moderna a menor seqüência significativa écaracterizada como morfema. Uma palavra pode conter vários1. Sobre essa concepção, cL Mates, Elementary logjc, p. 10-13.

18 19

Page 10: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

I

'iii!''i"~,ii111''''''I

i:''!'1'111'

1I",

morfemas (p. ex. uma única palavracomo "indiferenciável" con-tém quatro elementos significativos: "in", "di", "ferencia" e"vel"). A concepçãode Aristóteles se explica em parte pelo fatode eleseprender ao que é apresentadono Sonstade Platão,ondePlatãose contenta em analisar a estrutura da "menor frase", de-parando-secom frasescomo "Teeteto está sentado", compostasde um nome e um verbo. Esseposicionamento teve contudo emAristóteles a conseqüênciade que ele considerou apenasfrasespredicativas, uma grave limitação para a história posterior dalógica e da filosofia.

Mas essalimitação ainda não está explícita na definição de"frase", acima mencionada.Evidentemente, essadefinição é in-suficiente devido a um outro motivo. De um ponto de vista prá-tico, ela leva a que se caracterize como frase apenas uma (equalquer) seqüência de sons que contenha mais do que umapalavra. Mas não existem também frases de uma palavra só?Além disso pode se dizer que uma frasepossui uma completudepeculiar ("e também por isso" não é uma frase). E então se co-loca a seguinte questão: em que consiste essa completude?Pode-sedefini-la apenasgramaticalmente ou também semanti-camente (com referênciaao significado da expressão)?Estamosnos antecipando, já que esclareceremosa diferença entre formagramatical e forma semântica apenasno capo6.

Uma definição gramatical está presente, p. ex., em Lyons,Introduction to Theoretical Linguistics, 5.2.1. Uma frase é, deacordo com este texto, uma seqüência de sons completa na me-dida em que pode ocorrer por si mesma, ou na medida em quenão pertença a nenhuma classedistributiva (sobreo conceito declassedistributiva, ci. capo6.3).

Ora, nós temos certamente uma noção intuitiva de queaquelasseqüênciassonorasque chamamos de frasesse diferen-ciamtambémno quediz respeitoaosentido- portantoseman-ticamente - das palavras (ou dos morfemas). Será que a com-pletude peculiar a uma frasepode ser determinada também se-manticamente? Uma ta],diferenciação semântica entre frases epalavrasjá se encontra na passagemdo Sofista de Platão da qualAristóteles havia partido em De interpretatione (262 c/d):

Estrangeiro:Quandoalguémdiz "O homem aprende", vocêcertamente diz que isso é a frase [lógos]mais curta e maiselementar?

Teeteto: Eu digo isso mesmo.

Estrangeiro: Você diz isto porque a expressão já dá algo aentender [deloum]sobreo que é, o que se torna, o que setornou ou o que será; ela não apenas nomeia algo, massim, ao conectar [symplékein] os nomes com os verbos,realiza algo de modo completo.Daí nós tambémpoder-mos dizer que ele diz [légein]algo e não apenas nomeia,e nós também demos a essa conexão o nome "frase"[lógos).

Teeteto: Correto.

A teseé portantoa seguinte:comumnomealgoé apenasnomeado (generalizando,podemos dizer: urna palavra - ou mor-fema - tem na verdade um significado, ou sentido), mas apenascom uma frase algo é dadoa entender(Essetermotambém éempregado por Aristóteles em De interpretatione [17a 16],masnão na definição de frase). A isso corresponde uma concepçãomoderna bem difundida, segundo a qual frases são as menoresunidades de compreensão: uma palavra tem um sentido, nóspodemos compreendê-Ia,mas apenas com uma frasepode-sedar algo a entender ou, como diz Platão, dizer algo. Se alguémdiz apenas "Pedro", então nós não podemos responder a isso;nós podemosapenas dizer:"Edaí?O que há comPedro?"Issotambém é expresso às vezes do seguinte modo: com uma pala-vra ainda não se realizouum ato-de-fala; apenas uma frase é um"lance no jogo-de-linguagem"z.

É verdade que Platão apresenta essa questão como se umaseqüência sonora só pudesse realizar essa função de dar algo aentender pelo fato de ela consistir dos componentes nome everbo. Pode-se contudo deixar essa limitação de lado. A defini-ção da frase por meio da função semântica que ela realiza (daralgo a entender) também permite falarde frases de uma palavra;

2. Dumrnett. Frege. Philasophy af Language, p. 3, 364s.

20 21

Page 11: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

I

'III!"11"

'"

",,'i

IIII!

p. ex., "Fogo!"- esta não é apenas uma palavra que tem signi-ficado, mas pode, sim, ser usada de modo que com ela algo sejadado a entender. A palavra funciona então como frase. Cf. tam-bém, p. ex., "chove" (o alemão usa duas palavras "es regnet",mas o português e outras línguas usam apenas uma palavra).

Será que as caracterizações "exprimir", "dar algo a enten-der", estão suficientemente claras para funcionar como critériossobre quando se pode considerar um proferimento como frase?Pode-se ter dúvidas quanto a isso. Deseja-se um critério de re-conhecimento mais simples.

Voltemos mais uma vez a Aristóteles! Após ele, em De in-terpretatione, capo4, ter dado sua definição de "frase", faz umadiferenciaçãoentre diversos tipos de frases: "Toda frase tem umsentido [semantikós] [...], nem todas contudo apresentam algo[apophantikós],mas sim apenas aquelas que podem ser verda-deiras ou falsas. Nem todas podem sê-lo; assim, um pedido écom efeito uma frase, mas não é nem verdadeiro nem falso".Essa diferenciação se tornou clássica e também se encontra noslógicos de hoje: há um tipo de frases - Aristóteles as chama defrases apofânticas; em português podem chamar-se de frasesenunciativas ou frases assertóricas - cuja função expressiva con-siste especialmente em um apresentar (poder-se-ia esclarecerisso do seguinte modo: em dizer que algo é o caso), e para essasfrases há o critério de que, com relação a elas, pode-se sempreperguntar significativamente se elas são verdadeiras ou falsas.Por meio desse critério frases enunciativas são portanto distin-guidas de frases que exprimem desejos, de imperativos e deperguntas.

Pode-se também complementar ainda o que foi dito do se-guinte modo: Quem emprega uma frase enunciativa, ao dizer,p.ex., "Teeteto está sentado", ergue sempre uma pretensão de ver-dade, e por isso os participantes do diálogopodem perguntar seessa pretensão de verdade está ou não justificada, e isto signifi-ca: se o que ele diz é verdadeiro ou falso.Aristóteles não abordaa questão que surge imediatamente com respeito a este ponto:o que significa então "verdadeiro"e "falso"? No que toca nossoatual problema, o esclarecimento dessa questão não parece ime-diatamente necessário, e assim nós também adiaremos a ques-tão para mais tarde (cap. 13).

Com isso não temos apenas, como no caso das frases emgeral, uma explicação semântica vaga, mas sim um critério se-mântico por meio do qual se pode diferenciarquando uma se-qüência sonora pertence ou não à categoria das frases enuncia-tivas. Podemos agora compreender também mais claramente anoção intuitiva da completude semântica de uma frase. Se nóstemos um texto que consiste de várias frases enunciativas, entãocada uma dessas frases ergue uma pretensão de verdade, cadauma é verdadeira ou falsa, sendo que podemos dizer do textotodo que ele é em parte falso porque algumas das frases nelecontidas são falsas. O critério de agora nos permite sobretudotambém a importante diferenciaçãoentre aquelas partes de umafrase que nós podemos caracterizarpor sua vez como frasescomponentes e outras partes da frase que não possuem propria-mente o caráter de uma frase. Por exemplo: a expressão "choveouneva"é umafraseque consistecontudode duas frasescom-ponentes, pois consideramos as partes "chove" e "neva" comofrases componentes já que faz sentido perguntar, por sua vez,com respeito a elas se são verdadeiras ou falsas; contudo estasexpressões funcionam aqui não como frases autônomas, massim como frases componentes porque quem usou a frase todaergueu uma pretensão de verdade não com relação a essas frasescomponentes, mas sim com relação à frase toda. Isso permiteagora também delimitar claramente as frases enunciativas dosdemais tipos de frases, já que elas podem ser caracterizadascomo as menores unidades do discurso apofântico. Um discurso(ou respectivamente um texto) consiste de tantas frases quantasunidades com pretensões autônomas de verdade ele contiver3.

3. A palavra "autônomo" pOde levar a equívocos neste contexto e tem que ser usadamuito cuidadosamente. Tem que se perguntar sempre a que ela se refere. Pois palavrastambém já são unidades autônomas de significação, mas não são unídades autônomasdo entendimento mútuo. Uma frase enunciativa que ocorre em um texto, por sua vez,pode depender sob muitos aspectos do contexto textual. não sendo portanto, nessamedida, autônoma. Ela possui contudo uma pretensão própria de verdade. Mesmo issoparece não ser apropriado em muitos casos, p. ex. quando uma frase começa com"portanto" e infere algo a partir de frases precedentes. Aqui esbarramos evidentemente

na fronteira da possibilidade de uma definição semãntica de frase, e poder-se-ia escapara essa dificuldade pelo fato de se esclarecer que, abordada de um ponto de vistasemãntico, a frase gramatIcal "Portanto..." é apenas uma frase componente de uma outrafrase.

2223

Page 12: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

!"""

1'1

Esses problemas não se colocavam para Aristóteles porqueele ainda não havia se deparado com o problema das frases com-plexas. Em De jnterpretatjone,capo5, ele explica que todo lógosapophanUkós simples é ou afirmativo ou negativo (17a7),e issosignifica: algo (um predicado) é ou atribuído ou negado a algo (osujeito) (17a21);qualquer outro lógos é lógos por justaposição(17a9e 17a16)- Só se pode compreender esse texto se se con-sidera que lógos significa, com efeito, o mesmo que "discurso".A concepção de Aristóteles pode ser então retratada do seguintemodo: todo discurso apofântico é ou uma frase (oque Aristótelescaracteriza como "discurso apofântico simples") e esta é predi-cativa ou uma justaposição de frases. Isto significa portanto: sóse atenta, de acordo com essa posição, para frases predicativas,e sobretudo o problema de frases complexas (e de suas frasescomponentes) não é considerado.

Diferenciamos acima entre uma concepção ontológica, oupsicológica, extrema e moderada. É característico de uma con-cepção ontológica, ou psicológica, explicitamente moderada ofato de ela partir, quando da explicação do que é proposição,juízo, etc., do conceito de frase enunciativa, tal como nós o ob-tivemos agora a partir de Aristóteles.

Frege ofereceum bom exemplo para esse procedimento. Eledefine o pensamento como o sentido de uma frase enunciativa."E quando chamamos uma frase de verdadeira, temos em men-te, na verdade, seu sentido" ("DerGedanke", p. 33).Esse passoda frase enunciativa para o enuncjado, ou respectivamente parao pensamento (ou a proposição),parece necessário porque nós,quando caracterizamos aquilo que alguém disse como verdadei-ro ou falso,não temos em vista o som das palavras que ele usou;com essa caracterização nós avaliamos, antes, como verdadei-ras, todas as frases enunciativas que possuem o mesmo sentido,qualquer que seja a linguagem em que elas possam estar formu-ladas. De modo que se pode dizer simplesmente o seguinte: éeste sentido que é verdadeiroou falso.Contudo o que Frege cha-ma de sentido abarca não o significadotodo da frase enunciativa,mas apenas seu "conteúdo". Como Frege concebe isso, é mos-trado pelo seguinte texto extraído de seu artigo "DerGedanke"(p.34s):

""

,fll:'l

24

iõI......-

"Para apresentar mais claramente o que eu quero chamarde pensamento, diferencio entre tipos de frases. Não sehá de querer negar que uma frase que exprime uma ordemtenha um sentido; mas esse sentido não é um sentido talque a verdade pudesse ser nele questionada. Por isso nãochamarei de pensamento o sentido de uma frase queexprime uma ordem. Do mesmo modo devem ser excluí-das frases que exprimem desejos e pedidos. Podem serconsideradas frases nas quais nós comunicamos ou asse-rimos algo. Mas exclamações nas quais damos vazão asentimentos, gemidos, suspiros, risos não são conside-radas por mim como passíveis de comunicar algo, amenos que, através de um acordo especial, se tenhadeterminado que eles comunicariam algo. O que ocorrecontudo com frases interrogativas? Com uma perguntasobre uma palavra* expressamos uma frase incompletaque só deve conter um sentido verdadeiro por meio dacomplementação que intimamos. As perguntas sobreuma palavra permanecem aqui, fora de consideração.Algo diferente se passa com as perguntas sobre umafrase*. Nós esperamos ouvir 'sim' ou 'não'. A resposta'sim' significa o mesmo que uma frase assertórica; poisatravés dela o pensamento que já está contido de modocompleto na frase interrogativa é apresentado como ver-dadeiro. Deste modo pode-se formar para cada fraseassertórica uma pergunta sobre uma frase. Uma exclama-ção não deve ser encarada como comunicação já que nãose pode formar nenhuma pergunta sobre uma frase cor-respondente. A frase interrogativa e a frase assertóricacontêm o mesmo pensamento; mas a frase assertóricaainda contémalgomais, a saber: a asserção.A fraseinter-rogativa também contém algo mais, a saber: uma intima-ção. Devem-se então diferenciar dois tipos de elementosem uma frase assertórica: o conteúdo que ela tem emcomum com a correspondente pergunta sobre uma frasee a asserção. Aquele é o pensamento ou contém pelo

* Frege chama de "Wortfrage" (pergunta-sobre-uma-palavra) perguntas contendoum pronome interrogativo que esteja no lugar de um termo desconhecido como, p. ex.,"Quem saiu?"; "Satzfrage" (pergunta-sobre-uma-frase) refere-se, por sua vez, a perguntasque incidam sobre todo o conteúdo de uma frase, como, p. ex., "Pedro já saiu?" (N. dotL).

25

Page 13: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

J

1'"

I

~,

menos o pensamento. É portanto possível exprimir umpensamento sem apresentá-Io como verdadeiro. Em umafrase assertórica ambos estão ligados de tal modo que apossibilidade de decomposição passa facilmente desper-cebida. Distinguimos por conseguinte modo:1. a apreensão do pensamento - o pensar,2. o reconhecimento da verdade de um pensamento - ojulgar,3. a comunicação desse juízo - o asserir".

"isso", "hoje")e cUjaverdade, portanto, depende não apenas dosignificado dessas frases, mas também da situação na qual elassão proferidas. Quanto a essas frases ligadas a situações, há quese dizer que o pensamento é uma função de dois fatores: dosentido da frase e da situação na qual ela é usada. Quando usa-das em diferentes situações ou por diferentes falantes, duas des-sas frases com o mesmo sentido não exprimem apenas diferen-tes pensamentos; há também o fato de duas frases com diferen-tes sentidos poderem, dependendo de quando, onde e por quemelas são proferidas, expressar um e o mesmo pensamento, p. ex.quando eu digo "eu estou com frio" e o meu interlocutor diz,referindo-se a mim, "você está com frio".Ambos os proferimen-tos têm o mesmo valor de verdade (por valor de verdade de umenunciado ou de uma frase enunciativa se entende, desde Frege,sua propriedade de ser verdadeiro ou falso)6.

Frege se expressa de modo um pouco inexato quando falacomo se o conteúdo (o sentido, o pensamento) e a asserção fos-sem dois componentes da frase enunciativa; o que tem em men-te é, evidentemente, o fato de se tratar de dois momentosdaquilo que se chamaria o significado da frase enunciativa4.Abordaremos mais tarde esse fenômeno, digno de nota, da as-serção (cap. 12), o qual está contido no proferimento de umafrase enunciativa. Limitamo-nos a apontar para o fato de se tor-nar mais claro, a partir do final da mencionada citação, o modocomo Frege, indiretamente através da concepção ontológicamo-derada, permite também que a concepção psicológica moderadatenha sua legitimidade, na medida em que ele tenta esclarecer,por essa via, tambémo conceitode juizo no sentidodojulgar.

Foi indicado por autores mais recentes5 que não é suficientedizer,como Frege, que todas as frases enunciativas que possuemo mesmo sentido (conteúdo) estão no lugar de um enunciado.Pois se diferentes pessoas dizem" eu tenho 1,BOmde altura", asfrases que elas usam possuem o mesmo sentido. Elas realizamcontudo diferentes enunciados: a pergunta sobre se aquilo queum diz com a frase é verdadeiro não é idêntica à pergunta sobrese o que o outro diz com a mesma frase é verdadeiro. Frege sópÔdeevitar esse problemapelo fato de ele desconsiderar aquelasfrases que contêm as expressões chamadas dêiticas (como "eu",

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:

Frege, "Der Gedanke".

Quine, Word and Object, capo 6.

Cartwright, "Propositions".

Lemmon, "Sentences, Statements, and Propositions".Patzig, "Satz und Tatsache".

Dummett, Frege. Philosophy of Language, capo 11.

4. Temos que formular isso àssim tão cuidadosamente porque Frege curiosamentenão possui nenhum termo para esse significado da frase mais abarcante do que seu sentidoe porque ele mesmo usou a palavra "significado" de um outro modo (et. capo 10).

5. CL, p. ex., Strawson, Introductlon to Logical Theory, capo 1, § 4.

6. Para uma discussão mais ampla dessa problemática, cf. Strawson, "On Referring"(sobretudo capo II); Cartwright, "Propositions", § 10; Tugendhat, Vorlesungen zur Elnfüh.rung ln dle sprachanalytjsche Philosophle, p. 2825; Lemmon, "Sentences, Statements, andPropositions" .

26 27

Page 14: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

J

, t

III

,,,

3~

IMPUCAÇÃO LÓGICA E VERDADELÓGICA; ANALllTICIDADE EAPRIORIDADE

Somente a explicação usual na lógica moderna da relaçãode conseqüência por meio do conceito de implicação (lógica)está totalmente isenta de possíveis equívocos. O conceito deimplicação é explicado do seguinte modo: o fato de a conclusãoestar implicada (logicamente) pelas premissas significa que éimpossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusãoseja falsa. Isto é, p. ex.: Se é verdade que todos os homens sãomortais e se é verdade que Sócrates é um homem, então é im-possível que não seja verdade que Sócrates seja mortal (ou for-mulado simplificadamente: então é necessariamente verdadeiroque Sócrates é mortal). A implicação, ou conseqüência, não serefereportanto a nenhum resultar dinâmico da conclusãoa partirdas premissas, mas sim a uma relação estática entre os valoresde verdade dos enunciados. O fato de a conclusão ser necessa-riamente verdadeira se as premissas foremverdadeiras. O fato dea inferênciaser válida (de a conclusão estar implicada pelas pre-missas) não diz nada sobre se as premissas e a conclusão sãoverdadeiras (pode ser falso que Sócrates seja um homem ou po-deria ser falso que todos os homens fossem mortais); o que éafirmado é apenas que, se as premissas são verdadeiras, a con-clusão também será necessariamente verdadeira (i.é, não 'pode'ser falsa: então 'tem que' ser verdadeira). Essa relação "se ...então" entre os valores de verdade dos enunciados mostra quetambém podemos expressar a relação de implicação de tal modoque conectamos os enunciados formando um enunciado com-plexo e dizemos deste que ele é necessariamente verdadeiro.Porexemplo: "SeA e B, então necessariamente C", o que quer dizero mesmo que "É necessariamenteverdadeiroque, se A e B,então C" (ou mesmo: "Éimpossível que, se A e B, então não C).É com base nisso que se pode deduzir o conceito de implicaçãoao de verdade necessária.

Pergunta-se agora como nós podemos saber, em cada caso,que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também temque ser verdadeira, ou que o enunciado complexo inteiro ("Se...,então...") tem que ser verdadeiro. Mas antes dessa questão so-bre como se pode saber isso, surge uma questão preliminar so-bre o que se entende por verdade necessária: O que se entendepor esse uso do termo "necessidade", ou "impossibilidade",por"tem que" e "não pode"?

No capítulo 1 vimos que a lógica no sentido estrito do termo éa teoria da inferência (Sch1iessen) formal válida. Isso nos conduzà questão do que deve ser entendido por inferência lógica. Aexpressão "inferência" está em estreita relação com a expressão"conseqüência (Folgerung) lógica". Dizemos, p. ex.: A partir dosenunciados "todos os homens são mortais" e "Sócrates é um ho-mem" pode-se deduzir logicamente o enunciado "Sócrates é mor-tal"; ou também: este se segue (logicamente) daqueles; ou mesmo:a partir dos dois primeiros enunciados, pode-se inferir o terceiro;essa inferência seria válida. O que se quer dizer com isso?

No capítulo 1 citamos uma explicação de Kant segundo aqual o inferir consiste na "dedução (Herleitung)" de um juízo apartir de outros. Essa formulação pode levar ao equívoco de quese trataria de um processo no qual a conclusão resulta (hervor-geht), de algum modo, das premissas. A concepção psicológicada lógica sugere uma tal interpretação. Essa concepção dinâmi-ca é contudo insustentável.

Face a isso já Aristóteles possuía uma explicação correta noessencial: o fato de uma inferência ser válida significaria que, seas premissas são pressupostas, a conclusão resulta necessa-riamente (Analytica priara, Al, 24b 19). O termo "resulta" parecetambém conter uma conotação dinâmica; contudo o decisivo éfalar em necessariamente".

28 29

Page 15: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~!

Podemos abordar esses conceitos no momento apenas pro-visoriamente e retomaremos a eles no capo14. Trata-se por en-quanto só de destacar o sentido particular dessas palavras, osentido que elas possuem no presente contexto. Se dizemos, p.ex. "Se você larga essa pedra, ela tem que cair",a expressão"tem que" tem evidentemente um outro sentido, diferente doque ela tem na inferência lógica. O fato de a pedra ter que cairremete a uma lei da natureza. Seria pensável que ela não caísse.No contexto lógico, ao contrário,o "tem que" tem evidentemen-te um sentido mais forte. Nós queremos dizer neste caso que éimpensávelque - comoquer que o mundosejaconstituído- afrase correspondente não seja verdadeira.

O que se quer dizer com isso? Muitos autores se satisfazemem falar aqui simplesmente de necessidade lógica e em contra-pô-Ia à necessidade física1.Mas essa informaçãoé insatisfatóriaporque nós queremos saber justamente em que se funda a ne-cessidade das relações lógicas. De mais a mais, as frases quecaracterizamos como logicamente verdadeiras são necessa-riamente verdadeiras no mesmo sentido em que, como aindaveremos, uma outra classe de frases também é necessariamenteverdadeira. O conceito decisivo para a compreensão dessa ne-cessidade é o de verdade analítica, e a ele se liga estreitamenteo conceito de um conhecimento a priori. O conceito de verdadeanalítica remete por sua vez, comoveremos a seguir, ao princípioda contradição, mas não se reduz a este. A necessidade que estápresente nas frases lógicas, ou nas implicações lógicas, pode sertambém expressa de modo que se possa dizer: o fato de um talenunciado ser necessariamente verdadeiro significa que come-temos uma contradição se o negamos. Abordaremosmais preci..samente o princípio da contradição apenas no capítulo 4. Poragora devem nos ocupar os conceitos "analítico"e "a priori". Ostextos clássicosreferentesa esses conceitosencontram-seemLeibniz e Kant. O conceito básico de Leibniz é o de "verdade derazão", e este contém tanto a idéia da analiticidade quanto a do

111''I'

1. Cf.. p. ex., Mates, Element8ry Logjc, capo 1, § 4.

30

",,-

a priori. Kant, no entanto, considera necessário diferenciar osdois últimos conceitos. Examinemos os textos!

Leibniz escreve na Monadologia:

"Há dois tipos de verdades, as de razão [véI1tés de raj-sonnement] e as de fato [véI1tésde fajt]. As verdades derazão são necessárias e seu oposto é impossível; as defato são contingentes e seu oposto é possível. Quandouma verdade é necessária, pode-se encontrar seu funda-mento por meio da análise, dissolvendo-a em idéias everdades mais simples, até que se chegue às primitivas"(§ 33).

"Há finalmente [H']princípios primitivos [...]; estes sãoenunciações idênticas cujo oposto contém uma contradi-ção explícita" (§ 35).

Kant começa sua CRP com a diferenciação entre conheci-mento a priori e a posteriori:

A experiência "nos diz, com efeito, o que existe, mas nãoque isso tem que existir necessariamente deste modo enão de outro. [...]Ora tais conhecimentos universais, quetêm ao mesmo tempo o caráter de necessidade interna,têm que ser independentes da experiência [H'];por issoeles são chamados de conhecimentos a priori" (A 1s.) "esão diferenciados dos empíricos, os quais têm suas fontesa posteriori, ou seja, na experiência" (B2).

É digno de nota o fato de Kant, no esclarecimento do con-ceito de conhecimento a prior i, recorrer como critérioao concei-to de necessidade já mencionado por Leibniz para as "verdadesde razão". Não se trata contudo do mesmo conceito. Os concei-tos "a priori" e "empírico" são conceitos relativos à teoria doconhecimento; eles dizemrespeito ao modo como nós atingimoso conhecimento: ou através da experiência ou independente-mente da experiência.

A diferenciaçãoentre juízos analíticos e sintéticos é esclare-cidaigualmenteporKantna introduçãoda CRP:

"Emtodos os juízosem que é pensada a relação de umsujeito com o predicado, [...] essa relação é possível dedois modos diferentes. Ou o predicado B pertence ao

31

Page 16: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

sujeito A como algo que está contido (encobertamente)nesse conceito A; ou B está totalmente fora do conceitoA, ainda que ele esteja, com efeito, ligado a este. No pri-meiro caso eu chamo o juízo de analítico; no segundo, desintético. Juízos analíticos (os afirmativos) são portantoaqueles nos quais a ligação do predicado com o sujeito épensada por meio de identidade; aqueles contudo em quea ligação é pensada sem identidade devem ser chamadosde juízos sintéticos. [...]P. ex., se eu digo: todos os corpossão extensos, então isso é umjuízo analítico. [...]Por outrolado, se eu digo: todos os corpos são pesados, então opredicado é algo totalmente diferente daquilo que pensono mero conceito de um corpo em geral. O acréscimo deuma tal predição produz portanto um juízo sintético" (A6s).

"'li'"

< t

Também nessa explicação de um juízo analítico Kantaceitaevidentemente determinações que estão contidas na explicaçãoleibniziana das verdades de razão: A explicação de que em umjuízo analítico o conceito-predicado estaria contido no conceito-sujeito corresponde à explicação de Leibniz (§ 33) de que emuma verdade de razão poder-se-ia, "por meio de análise", "en-contrar seu fundamento": Leibniz quer dizer com isso exata-mente o que é explicado por Kant, a saber: que a verdade de umtal juízo resulta da análise do conceito-sujeito. Vê-se então queo conceito-sujeito já contém "encobertamente" o conceito-pre-dicado, assim p. ex. o de corpo conteria o de extensão, ou, paramencionar um exemplonão problemático: O juízo "Todos os sol-teiros são não casados" é analítico porque por "solteiro"não seentende outra coisa senão "homens não casados"; nós podemosportanto substituir esta expressão, obtida por análise, por "sol-teiros" e obter assim o enunciado "Todos os homens não casa-dos são não casados"; é um enunciado deste tipo que Leibnizcaracteriza no § 35 como "enunciado idêntico", "cujo opostocontém uma contradição explícita". Também este conceito deidentidade foi aceito por Kant em sua explicação.

Ora, se tanto a explicação kantiana do conhecimento a prioricomo sua explicação dos juízos analíticos tomam caracte-rizações a partir da explicação leibniziana das verdades de ra-zão, é aparentemente natural que se equiparem todos os três

I' ,I

I.

,

32

pares conceituais e se diga: as verdades necessárias ou de razãosão analíticas e são enquanto tais cognoscíveisa priori.Essa era,na verdade, a opinião de Leibniz. Kant contudo quis traçar umadiferença; ele constrói toda a sua filosofiacom base na idéia deque há também outros conhecimentos a priori diferentes dosanalíticos.

Suas exposições a esse respeito se encontram na CRP,A 8s.Por um lado ele partilha a concepção de Leibniz: o fato de todosos juízosanalíticosseremnecessários- e isto significa:seremcognoscíveis a priori. Mas ele não admite a recíproca. Teria queser deixada pelo menos em aberto a existência de frases cUjaverdade não se baseia na experiência e que contudo não sãoanalíticas. Como exemplo Kant menciona "o princípio: Tudo oque ocorre tem uma causa" (A9).Este não é para Kantum exem-plo qualquer. Mostrar ser a mencionada frase necessária era oobjetivo principal da CRP.Hume havia mostrado que essa frasenão é analiticamente verdadeira, e disso ele havia tirado a con-seqüência de que ela não vale de modo algum necessariamente.Kant estava convencido da demonstração de Hume de que estafrase não é analítica, contudo a conseqüência tirada por Humelhe parecia absurda. O fato de poder haver transformações quenão possuem nenhuma causa parecia-lhe impensável e a frasemencionada parecia-lhe conseqüentemente necessária. Restavaentão apenas separar os conceitos de necessidade e de analiti-cidade e isto significa: conceber a possibilidade de juízos quesejam a priori e contudo sintéticos. Kantaceita portanto de Leib-niz: 1) todos os juízos empíricos são sintéticos (e isto significasimplesmente: não analíticos), 2) todos os juízos analíticos são apriori. Mas será que não existe uma 311classe de juízossintéticosa priori?

Para melhor compreender a questão de se todos os juízos apriori são analíticos temos que tentar compreender o conceíto deanalítico mais adequadamente do que ele foicompreendido porKant (e Leibniz). Além da explicação citada, segundo a qualjuízos analíticos são aqueles nos quais o conceito-predicadoestácontido no conceito-sujeito, há ainda uma outra explicação emKant:

"[H.] se o juízo é analítico, quer ele seja negativo ouafirmativo, então sua verdade tem que poder ser sempre

33

""'--

Page 17: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

conhecidasuficientementede acordocomo princípiodacontradição"(A151).

Essa segunda explicação e a primeira não se excluem reci-procamente; com efeito, a partir dos esclarecimentos da p. 32resulta que elas se complementam reciprocamente e Kant tam-bém pensava deste modo. A mesma concepção se encontra emLeibniz (d. § 35). Agora se coloca a questão sobre se tambémnão existem outros enunciados cujo oposto levea uma contradi-ção e nos quais isso não se baseie na relação do conceito-predi-cado com o conceito-sujeito. Um exemplo seria o enunciado"César morreu em 44 aC, ou César não morreu em 44 aC" ou onosso exemplo mencionado no início: "Se todos os homens sãomortais e todos os gregos são homens, então todos os gregossão mortais". Em que se baseia a verdade de tais enunciados?Também no caso deles a negação dos mesmos acarreta umacontradição. Por exemplo:A negação do segundo enunciado diz:"Não é o caso que se todos os homens são mortais e todos osgregos são homens, todos os gregos são mortais" - formuladode outro modo: "Se todos os gregos são mortais e todos os gre-gos são homens, alguns gregos não são mortais". Essa frase con-tém uma contradição. Pois se alguns gregos (de acordo com aúltima frase componente) não são mortais e todos os gregos sãohomens, então alguns homens não são mortais e contudo (combase na primeira frase componente) são mortais. E a contradiçãonessa frase resulta, nesse caso, não das relações entre conceitos(pois podemos variá-los à vontade sem que algo seja alteradoquanto à verdade necessária do enunciado inteiro),mas sim evi-dentemente da forma desse enunciado, e isso significa: do sig-nificado das palavras formais que ocorrem nessa frase: "todos","se-então" e "e". De modo análogo, a verdade da primeira frasese baseia evidentemente apenas na significação das duas pala-vras "ou" e "não".

:~.i':'1:

~I'

Já nos deparamos no capítulo 2 com o fato peculiar de queAristóteles considerou apenas frases predicativas. Essa limitaçãojá forasuperada na lógica estóica, ela permaneceu contudo con-sideravelmente influente. O fato de Kant esclarecer o conceito deum juízo analítico meramente por referência a relações possíveisentre conceito-sujeito e conceito-predicado se funda nessa limi-tação. Então a diferenciaçãoentre juizos analíticose sintéticos,tal

34

I~ """"'-

como ele a formulou,não é suficientemente abrangente. Pois écerto que a frase "Césarmorreu em 44 aC, ou César não morreuem 44 aC" não é uma frase sintética. Temos então que conceberum conceito de analítico que seja mais geral do que o de Kant.podemos neste caso nos ater à segunda explicação fornecidaporKant:

Um enunciado é analiticamente verdadeiro se sua nega-ção implica uma contradição.

Essa definição parece ser adequada, mas por usar o termo"implica" ela não é suficientemente explícita. O fato de umacontradição estar implicada significa que, se determinadastransformações são realizadas, resultará uma contradição explí-cita. Mas como estabelecer quais as transformações que são aíadmissíveis? No caso particular ao qual Kant se ateve, foi mos-trado que podemos substituir a expressão-sujeito por uma outra,através da qual ela é definida, ou, pode-se também dizer, poruma outra que tenha o mesmo significado. Isso pode ser agorageneralizado: admissíveis são apenas aquelas transformaçõesnas quais o significadopermanece o mesmo. Assim obtém-se aseguinte explicação: verdadeiras de um ponto de vista analíticosão todas as frases que, sendo transformadas de modo que seusignificadonão seja alterado, possuirão uma contradição em suanegação. E daí resulta a seguinte definição:

É analiticamente verdadeira (ou falsa) uma frase cujaverdade (oufalsidade)se funda em seu significado.

Essa explicação, hoje em dia a usua12,é a única que permitecompreender por que pertence essencialmente ao conceito defrase enunciativa o fato de haver as duas possibilidades de enun-ciados: analíticos e sintéticos. Frases enunciativas, tal como vi-mos no capítulo 2, são frases que podem ser verdadeiras oufalsas; quem usa uma tal frase ergue uma pretensão de verdade,e isto significa que ele diz: assim como eu digo estão as coisas.O que significa "as coisas"? Poder-se-ia dizer um pouco vaga-mente: O que se tem em mente é o mundo. Uma frase enuncia-

2. Cl., p. ex., Quinton. "The A Priori and the Analytic". p. 1088.

35

Page 18: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

tiva está essencialmente relacionada ao mundo através de suapretensão de verdade. Por "o mundo" entende-se neste caso,grosso modo, o que Kant entende por "experiência" e Leibinizpor fatosquandoeste falade "verdadesde fato".A fraseé ver-dadeira ou falsa dependendo de o mundo ser realmente assim.Como é que uma frase enunciativa pode se relacionar dessemodo com o mundo? A isso responde Wittgenstein: Uma "frase,se ela é verdadeira,mostra como as coisas estão" (Tractatus4.022). "Compreender uma frase" - e isto quer dizer: compreen-der seu significado - "significa saber qual é o caso se ela forverdadeira" (4.024).Aí está contido o seguinte: Se nós com-preendemos uma frase, nós compreendemos uma possibilidadede como as coisas poderiam estar ("Na frase é, por assim dizer,montado de modo tentativo um estado-de-coisas"; 4.031),e nóscompreendemos ao mesmo tempo que aquele que usa a fraseafirma que as coisas estão realmente assim. A frase é informati-va, expressaalgosobreo mundo,somenteporqueo significadodela consisteem escolheruma das duas possibilidadesexclu-dentes entre si.

Se isso é aproximadamente a relação entre uma frase enun-ciativa, seu significado e o mundo, então pode-se simultanea-mente compreender que tem que haver um caso-limite de frasesenunciativas nas quais, apenas através de seu significado,já estádecidido previamente que elas podem ser somente verdadeiras(ou somente falsas).Já que as frases enunciativas estão estrutu-radas, há o caso-limite em que as expressões componentes es-tão compostas de tal forma que se chega a uma mera repetição,p. ex., explícita no enunciado "Um homem é um homem", eimplícita no enunciado "Um solteiro é um homem". Os signifi-cados das expressões componentes que apresentam em umacombinação normal uma posSibilidade de verdade podem, emcombinações particulares, se repetir ou se anular implícita ouexplicitamente3.

3. Com isso podemos aceitar de modo mais geral a tese de Leibniz e Kant de quetodas as frases analiticas são implicitamente frases de identidade. Para a relação dessadefinição com a explicação, acima, de "analitico", cL Quinton, p. 113s.

No primeiro caso, o enunciado é então necessariamente ver-dadeiro; no segundo, necessariamente falso (é impossível serverdadeiro). A verdade necessária não é então tanto uma distin-ção, mas sim uma deficiência: um enunciado analítico é implici-tamente uma "tautologia", ele diz a mesma coisa duas vezes ("sep, então p"), e isso significa que ele, de certo modo, não diznada, i. é, nada sobre o mundo. Ele é de certo modo não infor-mativo ("de certo modo" porque ele pode ser sempre ainda in-formativopara aquele que não vê a conexão dos significados dasexpressões que nele ocorrem).

Deve-se indicar que a explicação dada até agora para "ana-lítico" implica que se esteja voltado primariamente para a lin-guagem. Pois é naturalmente com relaçãoa frases (enão a juízos)que se pode falar de um significado.

Retomemos agora à questão sobre o que pode significar ofato de haver enunciados que são necessariamente verdadeirose contudo não são analíticos (o que pode significar portanto atese de Kant de juízos sintéticos a priori). O fato de eles nãoserem analíticos tem agora o sentido mais preciso de que suaverdade não decorre de seu significado. O que pode então sig-nificar "necessariamente verdadeiro"? Quanto aos enunciadosanalíticos podemos dizer que o fato de eles serem necessa-riamente verdadeiros está neles mesmos; esse fato se funda emseu significado. Se deve haver também enunciados que não po-dem ser falsos, embora seu significado deixe isto em aberto, eessa necessidade não seja entendida no sentido de uma neces-sidade meramente física (i. é, empírica), mas sim a priori, entãoesse "não-poder" só pode significar o seguinte: nós não pode-mos pensar que as coisas poderiam estar de outro modo. A ne-cessidade só pode, portanto, ser entendida subjetivamente. Temque se dizer então o seguinte: nós homens não podemos pensar,p. ex., que algo que não tenha uma causa possa ocorrer. Essavirada subjetivista da questão do a priori é evidente em Kant.Poder-se-ia talvez perguntar se o a priori analítico também nãoé subjetivo na medida em que ele remete à nossa compreensão.Certamente não é sensato falar de frases independentementedos seres que as compreendem. Se compreendemos uma deter-minada expressão de tal ou tal modo, isto é contingente e, nessa

36 37

J---

Page 19: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

I "I " ,ir

I;'

medida, também "subjetivo". Um exemplo trivial: é pensáveluma língua que não possua uma palavrapara "solteiro"e na qualnão há sequer uma palavra para "casado" porque não há a ins-tituição do casamento. Mas: Se se usam palavras de um mododeterminado, então não depende mais de nós e de nossa capa-cidade de imaginação decidir quais enunciados são necessa-riamente ou impossivelmente verdadeiros com base em seusignificado.

Podemos deixar aqui em aberto a questão sobre o a priorisintético. Esse conceito é rejeitado por quase todos os filósofosmais recentes4. Isso tem a conseqüência de que hoje o a prioriou respectivamente o necessário é normalmente equiparado ou-tra vez ao analítico, do mesmo modo que já havia sido feito porLeibniz; só que agora isso é feito com base no conceito maisabrangente de analítico.

Notemos ainda que na filosofia analítica as relações aquiapresentadas foram problematizadas em duas direções.

Primeiramente, Quine, no artigo "Two Dogmas of Empiri-cism" (1951),questionou a diferenciação entre frases empíricase frases analíticas. A réplica mais importante contra Quine é ade Strawson e Grice no artigo "In Defense of a Dogma".Putnamdesenvolveu em seu artigo "The analytic and the Synthetic" umaconcepção que se apóia em Quine, sendo contudo menos extre-ma.

Por outro lado, foi recentemente questionada por Kripke aestreita combinação dos conceitos "a priori" e "necessário"s.Voltaremos a isso nos capítulos 11 e 14.

Agora podemos retomar à questão sobre o sentido da verda-de lógica ou, respectivamente, da necessidade lógica. Nem to-das as frases analiticamente verdadeiras são logicamenteverdadeiras. Temos que distinguir entre aquelas frases que sãoanaliticamente verdadeiras (ou falsas) com base no significado

4. Uma exceção: Karnlah/Lorenzen, Logjsche Propadeutik, capo 6, §§ 4-5.

5. Cf. Kripke, Nammg and Necessjty, p. 34-39.

38

.11

~ --

de palavras substanciais (como, p. ex., "solteiro"e "casado") eaquelas frases que são analiticamente verdadeiras (ou falsas)com base em sua forma lógica, e isto significa: com base nosignificadodas palavrasformais(como"todos","e", "não").Afrase "Se Pedro é solteiro, ele é não casado" é substancialmenteou materialmente analítica, enquanto que a frase "Se todos oshomens são mortais e todos os gregos são homens, todos osgregos são mortais" é formalmente analítica. A analiticidade for-mal desta frase se mostra no fato de sua verdade ser uma meraconseqüência da validade de um esquema formal correspon-dente de frases. Nesse caso, o esquema de frases tem a forma"Se todos os G são H e todos os F são G, todos os F são H". Oprocesso de abstração, pelo qual um tal esquema é obtido apartir de uma frase, pode ser caracterizado como formalização."F", "G" e "H" são símbolos artificiais com o objetivo de repre-sentar uma expressão substancial qualquer de um tipo determi-nado; eles são por isso caracterizados como variáveis. A lógicanão se ocupa naturalmente daquelas frases particulares que ser-vem de exemplos, como a frase sobre os gregos e homens; suatarefa é investigar os esquemas de frases6que são logicamenteválidos. Esse conceito de validade é definidodo seguinte modo:um esquema é válido se, e somente se, todas as frases dessaforma (e isto significa: todas as frases nas quais as variáveis doesquema são substituídas por expressões substanciais do tipocorrespondente) são analiticamente verdadeiras. A frase sobreos gregos e homens é logicamente verdadeira porque ela é umainstância de substituição de um esquema válidocorrespondente.A frase "Se Pedro é solteiro, ele é não casado", ao contrário, éanaliticamente verdadeira, mas não logicamente verdadeira,porque o esquema correspondente "Se a é um F, a é G" não éválido; ele não é válido porque a verdade de uma frase dessaforma depende do que é substituído por "a", "F" e "G".

6. Neste ponto, como é freqüente, a terminologia varia. Quine, p. ex., emprega emMethads af Lagic, § 5, a palavra "esquema". Mates fala, ao invés, de uma "matriz";ElementaI}' Lagic, capo 1, § 5.

39

Page 20: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

II

o orientar-se por esquemas de frases e o emprego de sím-bolos como variáveis para expressões substanciais pertenceconstitutivamente à lógica e já está presente em Aristóteles.Contudo Aristóteles usou variáveis apenas para um tipo deter-minado de expressões, a saber: para os chamados termos gerais(d. capo 8) como "mortal", "grego", etc. De modo correspon-dente ele estava voltado para um único tipo de formalização.Pode-se contudo formalizaruma frase de vários modos, depen-dendo de quais expressões substanciais são substituídas por va-riáveis. Se tomamos, p. ex., a frase "AEuropa é um continenteou a Europa não é um continente", então podemos formalizarafrase primeiramente de modo a substituir tanto os nomes pró-prios como também os termos gerais por variáveis. Obtemosentão o esquema "a é F ou a não é F". Podemos contudo dartambém mais um passo e substituir as frases componentes in-teiras por variáveis, deixando a estrutura interna das mesmasfora de consideração. O esquema que então obtemos com rela-ção a esta frase é "p ou não-p". É usual hoje em dia se empregaras letras minúsculas "p", "q", "r" como variáveis de frases, asletras minúsculas "a", "b", etc. como variáveis para termos sin-gulares (variáveis individuais) e as letras maiúsculas "F", "G","H" como variáveispara termos gerais. Naturalmente isso é ape-nas uma convenção; o essencial é contudo que no esquema seja,de um modo ou de outro, identificável no lugar de que tipo deexpressão substancial está uma variável. Também é importantea possibilidade, da qual fizemos uso no esquema há pouco cita-do, de que uma e mesma variável (aqui "p") seja empregadavárias vezes. As instâncias de substituição de um tal esquemasão apenas as frases que apresentam uma e a mesma expressãosubstancial em todos os lugares onde se encontra uma e a mes-ma variável. Nesse caso a validade do esquema e, com isso, averdade lógica da frase enunciativa dependem dessa circuns-tância.

Evidentemente podemos também formalizara frase sobre osgregos e os homens de modo a substituir as frases componentesinteiras por variáveis e a omitir a estrutura interna das mesmas.Obtemos então o seguinte esquema: "Se p e q, então r". Masesse esquema não é, evidentemente, válido. Isso mostra que averdade lógica da frase sobre os gregos e homens se funda na-quela estrutura que se obtém ao se substituir os termos gerais

por variáveis (elaé a chamada verdade da lógica dos predicadosou da lógica de classes), enquanto que a verdade lógica da frasesobre a Europa se funda naquela estrutura que se obtém ao sesubstituir as frases componentes por variáveis (elaé uma verda-de da lógica dos enunciados). Quase todas as frases podem serformalizadasde várias maneiras. Não há portanto a formalizaçãode uma frase. Quanto ao conceito de verdade lógica temos: umafrase é logicamente verdadeira se há um esquema válidono qualela pode ser formalizada.

Continuamosainda sem saber como se reconhece a validadede um esquema de frases. Isso pertence à lógica propriamentedita a qual não faz maisparte de nosso tema nessa propedêutica.No capítulo 7 será dada uma resposta apenas para a parte maissimples da lógica, a lógica dos enunciados.

Pressupusemos até agora como intuitivamente inteligível adiferenciaçãoentre palavrassubstanciais e palavras formais,masnão a explicamos. Se é possível, como agora vimos, formalizaruma frase de vários modos, coloca-se a questão sobre se há umcritério claropara essa diferenciação.Até hojenão foiencontradanenhuma resposta satisfatória para essa pergunta. Não é clarosehá um limite inequívoco que determine até onde frases podemser formalizadas 10gicamente7.A diferenciação entre verdadesmaterial-analíticas e formal-analíticas (lógicas)não pode portan-to ser traçada de um modo rigoroso. Poderemos contudo escla-recer um pouco mais, no capítulo 6, o conceito de forma lógicaatravés da diferenciaçãoentre a forma semântica de uma frase ea sua forma gramatical.

r'"". I

,.

r

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:

Sobre a "priori"e "analítico":

Quine, "Two Dogmas of Empirícism".

Grice/Strawson, "In Defense of a Dogma".

7. CL Strawson, Introduction to LOgjcal TheoIY, capo 2, §§ 9-15.

40 41

"'I,

Page 21: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Putnam, "The Analytic and the Synthetic".

Quinton, "The A Prioriand the Analytic".

Sobre implicação lógica:

Tarski, "On the Concept of Logical Consequence".

Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 13-14; capo2, §§ 9-15.

Mates, Elementary Logic, capo 1, § 5.

Patzig, "Schluss".

4~

OPRINCÍPIODA CONTfRADIÇÃO

-111

o que se chama "princípio da contradição" é o princípio segun-do o qual é impossível que um enunciado que se contradiga sejaverdadeiro. Para ser exato, ter-se-ia portanto que falar em prin-cípio da contradição excluída. Vimos no capítulo 3 que um enun-ciado é necessariamente (analiticamente) verdadeiro se ele éverdadeiro devido ao mero significado das expressões nele uti-lizadas, e isso significa: a negação de um tal enunciado implica- devido ao mero significado das expressões nele utilizadas -uma contradição. A verdade necessária de um enunciado se fundaportanto na falsidade necessária de uma frase explicitamente con-traditória; i. é, ela se funda na verdade necessária do princípio dacontradição (excluída). Com isso se coloca a questão sobre o queexatamente o próprio princípio da contradição significa e onde sefunda, por sua vez, a necessidade desse princípio.

Ou será que é mesmo sensato se perguntar pela fundamen-tação de um tal princípio que é, de algum modo, último? O recuona fundamentação não tem que encontrar um fim em algumlugar? Ora seria certamente insensato querer fundamentar a ver-dade necessária desse princípio através de um outro princípioqualquer; isso seria insensato porque se colocaria então de novo,com respeito a este princípio, a questão sobre sua fundamenta-ção. Isso mostra apenas que não podemos buscar nessa direçãoa resposta à nossa questão; mas não mostra, que a questão en-quanto tal não é sensata. A questão não pode ser: sobre o que(i. é, sobre que outro princípio se funda a necessidade do princí-pio da contradição? Podemos apenas perguntar em que se fundasua necessidade, em que ela consiste.

"" :,.':tIl.~

42 43

I~

Page 22: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Putnam, "The Analytic and the Synthetic".

Quinton, "The A Prioriand the Analytic".

Sobre implicação lógica:

Tarski, "On the Concept of Logical Consequence".

Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 13-14; capo2, §§ 9-15.

Mates, Elementary Logic, capo 1, § 5.

Patzig, "Schluss".

4~

OPRIlNCÍPIODA CONTRADIÇÃO

~..

o que se chama "princípio da contradição" é o princípio segun-do o qual é impossível que um enunciado que se contradiga sejaverdadeiro. Para ser exato, ter-se-ia portanto que falar em prin-cípio da contradição excluída. Vimos no capítulo 3 que um enun-ciado é necessariamente (analiticamente) verdadeiro se ele éverdadeiro devido ao mero significado das expressões nele uti-lizadas' e isso significa: a negação de um tal enunciado implica- devido ao mero significado das expressões nele utilizadas -uma contradição. A verdade necessária de um enunciado se fundaportanto na falsidade necessária de uma frase explicitamente con-traditória; i. é, ela se funda na verdade necessária do princípio dacontradição (excluída). Com isso se coloca a questão sobre o queexatamente o próprio princípio da contradição significa e onde sefunda, por sua vez, a necessidade desse princípio.

Ou será que é mesmo sensato se perguntar pela fundamen-tação de um tal princípio que é, de algum modo, último? O recuona fundamentação não tem que encontrar um fim em algumlugar? Ora seria certamente insensato querer fundamentar a ver-dade necessária desse princípio através de um outro princípioqualquer; isso seria insensato porque se colocaria então de novo,com respeito a este princípio, a questão sobre sua fundamenta-ção. Isso mostra apenas que não podemos buscar nessa direçãoa resposta à nossa questão; mas não mostra, que a questão en-quanto tal não é sensata. A questão não pode ser: sobre o que(i. é, sobre que outro princípio se funda a necessidade do princí-pio da contradição? Podemos apenas perguntar em que se fundasua necessidade, em que ela consiste.

."'..~~.

42 43

Page 23: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~

"'''..

'

~..

"

Se se quisesse, ao invés, rejeitar totalmente essa questão,então essa rejeição significaria que o princípio da contradiçãoseria reduzido ao estatuto de mera pressuposição, de uma hipó-tese cega. Essa concepção segundo a qual a aceitação do prin-cípio da contradição representa simplesmente um ato decisório,uma decisão prévia racionalista, é freqüentemente defendida.Seria então possível "decidir-se" contra esse princípio pelo fatode se defender um "irracionalismo" ou um racionalismo "dialé-tico", pretensamente mais elevado, que incluiria a afirmação dapossibilidade e realidade da contradição. Não deve ser discutidoaqui se seria impossível "decidir-se" contra o princípio da con-tradição. É importante apenas que se explique o que uma taldecisão implica e isso é feito justamente ao se esclarecer o quese entende por esse princípio e em que consiste sua necessi-dade.

Isso foi feito raramente. Entre os lógicos, o princípio é namaioria das vezes pressuposto simplesmente; também entre osfilósofosapenas poucos se ocuparam dessa questão. A exposi-ção mais importante do princípio da contradição, que em suaidéia fundamental não foiaté hoje superada, se encontra na Me-tafisica de Aristóteles. A exposição contemporânea mais elu-cidativa está contida em Introduction to Logical Theory, deStrawson.

O que se entende por "contradição"? Alguém se contradizquando diz que algo é e ao mesmo tempo afirma que esse algonão é. Se tomamos "p" como uma variávelpara uma frase enun-ciativa qualquer, então toda contradição terá forma do seguinteenunciado composto: "p e não-p". Pode não ser sempre claro seuma frase determinada na qual ocorre um sinal de negação é anegação de "p". Trataremos de tal dificuldade no capítulo 5.Precisamos portanto de um critério claro por meio do qual pos-samos reconhecer uma frase dada como a negação de uma outrafrase. Aqui nos auxilia a conexão entre negação e falsidade. Senegamos uma frase (ou o enunciado feitopor meio dela), afirma-mos que ela (ou o enunciado feito por meio dela) é falsa. Umafrase "q" é portanto a negação de uma frase "p" (e está conse-qüentemente no lugar de "não-p") se ela só é verdadeira quando"p" é falso. Chama-se também a frase que só é verdadeira quan-

do "p" é falsode oposto contraditóriode "p". Isso nos fornece aomesmo tempo uma outra formulaçãodo princípioda contradiçãoequivalente à precedente: dois enunciados contraditoriamenteopostOsum ao outronão podem ser verdadeirosao mesmo tempo.

Ambas as formulações também já se encontram em Aristó-teles (Metafisica 1006al; 1011b13s).Elas são válidas, de modotOtalmente geral, para todos os enunciados, não importando aestrutura destes últimos. Aristóteles, no entanto, faz sua expo-sição do princípio da contradição voltado para o caso especialdos enunciados predicativos. Isso se explica, por um lado, pelofatOde Aristóteles, como já vimos, considerar apenas enuncia-dos predicativos. Em segundo lugar, essa limitação é, nessecaso, também justificada e exigida por razões de caráter conteu-dístico, já que, como ainda veremos mais tarde (13.4),a verdadee falsidadede todas as outras formas sentenciais remetem a essaforma e, por isso, é aqui, na forma predicativa, que tem que seexpor o problema, na base, por assim dizer.

Se aplicamos a formulação geral sobre o caso particular dasfrasespredicativas,entãoobtém-seo seguinteresultado:"É ne-cessariamente falso que a seja F e a não seja F". Mas já vimosem relação ao "não" que é problemático fixaro princípio da con-tradição em uma formulaçãoverbal determinada. A formulaçãoclássica do princípio da contradição dada por Aristóteles é aseguinte: "É impossível que um e o mesmo (predicado)se apli-que e não se aplique, sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo,a um e ao mesmo (sujeito)"(1005b19s).Essa formulaçãose dife-renciada formulaçãoformal,há pouco exposta, através do acrés-cimo "sob o mesmo aspecto" e "ao mesmo tempo"; Aristótelesainda completa a formulaçãoacima citada com a observação: "ea isso sejam ainda acrescentadas as outras determinações adi-cionais devido às objeções lógicas".

Por que esses acréscimossão necessários? Umadas objeçõesmais naturais ao princípio da contradição está em se dizer: écompletamente possível que um e o mesmo predicado se apli-que e não se aplique a algo; sem dúvida ele pode se aplicar ao~bjetoem um momento e não se aplicar em um outro momento.E assim que Hegel também escreve o seguinte em sua Logik: "Omovimento sensível exterior" é "a existência imediata" da con-

""i~..'.,.r,~1"

44 45

Page 24: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

I ~;:

tradição1. Porisso Aristóteles acrescenta propositadamente a ex-pressão "ao mesmo tempo". Mas o tempo é, na verdade, apenasum aspecto entre muitos outros sob o qual um predicado podetanto se aplicar quanto não se aplicar a um objeto. Do mesmomodo que não há contradição quando um predicado se aplica enão se aplica a um objeto em tempos diferentes, não há tambémcontradição quando um predicado se aplica e não se aplica a umobjeto em lugares diferentes. Se uma tulipa for, com efeito, ver-melha, mas possuir uma mancha branca, pode-se, dado o caso,responder veridicamente à pergunta "Essa tulipa é vermelha?"apenas com "sim e não". Essa necessidade de precisão de umenunciado predicativo pode surgir contudo também com respei-to a outros aspectos. Mesmo que a tulipa tenha a mesma cor emtodos os lugares, sob certas circunstâncias pode-se responderveridicamente à pergunta sobre se ela é vermelha apenas com"sim e não" (Elaé vermelha e contudo também não-vermelha),quando p. ex. o predicado "vermelho"é demasiadamente poucopreciso para atingir a nuance determinada de cor entre o verme-lho e o violeta que a tulipa em questão possui. Aristóteles pode-ria então ter abandonado o acréscimo "ao mesmo tempo"porque este está contido no segundo acréscimo "sob o mesmoaspecto". O segundo acréscimo é contudo indispensável. já quenão podemos saber antecipadamente quantos aspectos diferen-tes podem ser destacados, aspectos estes que exigiriam sempremais uma vez um "sim e não"z.Esse acréscimo contém portantouma indicação aberta para precisões eventualmente necessá-rias. Com respeito a isso pode-se ter a impressão de que quemquer preservar o princípio da contradição corre, por assim dizer,atrás daquele que consegue, sempre, mostrar mais uma vez con-tradições aparentes. Desse modo poáeria parecer quase arbitrá-rio querer preservar o princípio da contradição. Por isso torna-seainda mais premente a questão de sua fundamentação.

Aristóteles trata desse problema na Metafisica N, 4. Ele in-dica inicialmente ser impossível que o princípio da contradiçãoseja demonstrado diretamente (1006a5s).A única coisa que sepoderia fazer seria refutar aquele que nega o princípio. Só queuma demonstração indireta normal através da refutação dooposto também não é possível, pois uma tal demonstração pres-suporia que se pudesse indicar uma contradição na hipótese doopositor.Mas isso não poderia atingi-Io nesse caso em que suahipótese consiste justamente na negação do princípioda contra-dição. A refutação tem que ter portanto um caráter especial.

A única coisa que se quer que o opositor admita é que elefala,que ele diz algo. E isso ele faria quando negasse o princípioda contradição. Se ele, ao contrário, não dissesse nada, entãoseria ridículo que se devesse argumentar com alguém que, porsua vez, não diz nada, "pois uma tal pessoa é, desse modo, ape-nas como uma planta". Ora, o que está implícitoquando alguémadmite que diz algo? Dizer algo significa "dar algo a entender(semainein)tanto para si mesmo quanto para um outro"(1006a21).Dar algo a entender significaria contudo dar algo de determinado(horismenon) a entender (1006a24). Quem não desse uma coisa(algo de determinado) a entender não daria nada a entender(1Q06b7).

No capítulo 1 já levantamos a questão sobre se a necessi-dade do princípio da contradição - e, com base nesta, sobre sea necessidade da lógica em geral - se fundaria na essência doser (da realidade), do pensar ou do falar. Aristóteles dá uma res-posta inequívoca a esta pergunta: A condição de possibilidadepara que se fale - e isto significa: para que se dê algo a entender- é que se fale algo de determinado3.

3. Aquelas demonstrações que fundamentam a necessidade de um princípiomostrando que aquilo que está dito nele é a "condição de possibilidade" de uma atividadesem a qual nós não poderíamos nos imaginar foram caracterizadas, na época mais recente,seguindo-se Kant, como "argumentos transcendentais". É assim que Kant tentou funda-mentar determinados princípios - p. ex., a lei da causalidade - de modo que essesprincípios representassem condições de possibilidade de nossa experiência. Nessesentido a argumentação aristotélica sobre o princípio da contradição seria portanto um"argumento transcendental", já que aí é mostrado que o princípio da contradição é acondição de possibilidade para se íalar significativamente. No geral esses argumentoschamados transcendentais parecem contudo, se vistos formalmente, ser simplesmenteexposições de relações analiticas. Só que a fundamentação do princípio da contradiçãoassume aqui uma posição singular, pois ela não pode ser caracterizada como analítica jáque todas as frases analiticas, por sua vez, se fundam no princípio da contradição.

1. Hegel, Wjssenschaft der Logik, t. 2, p. 59.

2. Cf. a exposição do princípio da contradição feita por Nagel em seu artigo "LogicWithout Ontology".

4647

Page 25: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

:~

Ainda não está totalmente evidente como disso deve se se-guir o princípioda contradição. Aristóteles tenta mostrar isso notexto subseqüente (1006a31s):Podemos dizer algo de determi-nado através de uma frase predicativa apenas quando o predica-do significa algo de determinado. Contra isso erguem-se duasobjeções. A primeira está no fato de predicados possuírem fre-qüentemente múltiplossignificados. Essa objeção é, assim res-ponde Aristóteles, irrelevante se pelo menos a pluralidade dossignificados de uma palavra for, por sua vez, uma pluralidadedeterminada (1006a34-b2).A segunda objeçãodiz que os objetosaos quais aplicamos predicados têm sempre uma pluralidade (etalvez uma pluralidade indeterminada) de determinações. Aris-tóteles responde a essa objeção do seguinte modo: "O (predica-do) 'homem' não somente é aplicado a um objeto, mas tambémsignifica algo determinado" (1006b14).Usando uma terminologiaatual. pode-se dizer que há que se diferenciar,portanto, entre osignificado do predicado e o objeto ao qual ele é aplicado. En-quanto o objeto está, com efeito, dado em uma multiplicidadeindeterminada de aspectos, o significado do predicado tem queser um significadodeterminado de modo inequívoco.Aristótelesconclui então seu pensamento do seguinte modo (1006a28-34):Se um predicado (p. ex., "homem") significa algo de determi-nado, então ele não pode significarao mesmo tempo o seu opos-to (p. ex., "não-homem"); é portanto impossívelque, quando sediz, veridicamente, de algo que este algo é um homem, se possadizer ao mesmo tempo também veridicamente deste algo queele não é um homem.

Por mais convincente que seja o princípio da argumentaçãoaristotélica, os últimos passos não podem ser satisfatórios. Ovalor posicional que a palavra "não" possui em conexão com adeterminação do predicado não é mostrado de um modo real-mente claro. Comrespeito à determinação do predicado, a obje-ção adicional de que muitos (ou talvez todos) os predicados sãovagos também permanece fora de consideração.

No que toca essa questão podem nos auxiliar as reflexõesde que se serve Strawson para o esclarecimento do princípio dacontradiçã04. Enquanto que em Aristóteles tem-se a impressão

de que o predicado representa algo de fechado em si, algo queé ligado de algum modo ao objet05, Strawson compreende opredicado, de antemão, a partir da função que ele, relacio-nando-se ao objeto, desempenha no discurso (em um ato depredicação) :

"Um dos fins principais para os quais empregamos alinguagem é o de relatar acontecimentos e descrevercoisas e pessoas. Tais relatos e descrições são como querespostas a perguntas da forma 'como era isso?', 'comoé isso (ele, ela)?' Descrevemos algo - dizemos como eleestá constituído - ao usarmos palavras para isso, palavrasque também estamos dispostos a usar para outras coisas.Contudo não para todas as outras coisas. Uma palavraque usássemospara todas as coisassem exceção(...) seriainútil para as finalidades da descrição. Pois, se dizemoscomo uma coisa está constituída, então nós não apenasa comparamos com outras coisas, mas também a diferen-ciamos de outras coisas (Estas não são duas atividades,mas sim dois aspectos de uma mesma atividade)".6

É evidente que as palavras das quais fala Strawson aqui sãojustamente aquelas que são também caracterizadas por ele norestante do texto como predicados7. O sentido do emprego deum predicado - sua função - é, segundo Strawson, o fato declassificarmos (compararmos-e-diferenciarmos)através dele umobjeto. O contraste entre o "é assim" e o "não é assim" pertenceportanto, de antemão, ao sentido do predicado, predicado esteque não podemos de modo algum entender independentementedo ato de predicação que é expresso no enunciado predicativointeiro.

O uso de um predicado pressupõe - assim esclarece Straw-son no texto subseqüente - algo como o traçar uma fronteira: ao

4. Cf. Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1.

5. Isso se conecta com a concepção da predicação como síntese, cf. capo 3 esobretudo a crítica dessa concepção no capo 6.

6. Strawson, Introduction to Logjcal Theory, p. 5.

7. Estamos ainda usando aquí o termo ambíguo "predicado". A explicação dada porStrawson já corresponde contudo à explicação puramente semàntica que daremos para"termos gerais" no capo 6.

48 49

fi

Page 26: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

tO,

i:

~I

aplicarmos o predicado a um objeto, damos a entender que oobjeto se encontra de um lado dessa linha de fronteira e não dooutro. Essa descrição permite que a relação salientada por Aris-tóteles entre o sentido do falar como um dar-algo-a-entender ea determinação seja compreendida mais claramente do que opermitiram as exposições do próprio Aristóteles: a razão de nós,ao dizermos algo, dizermos algo de determinado está no fato deuma predicação só poder ser informativa (e isso significa justa-mente: poder dar algo a entender) quando é afirmado com elaque o objeto está de um e não do outro lado da linha de fronteira,traçada através do predicado. Pode-se agora formulartambém oganho para o princípio da contradição de modo concludente: seo valor informativode uma predicação consiste no fato de, atra-vés dela, um objetoser colocado de um ladoao invés dedo outrolado de uma linha, segue-se imediatamente que, se colocamoso objeto tanto de um quanto do outro lado da linha, o valor in-formativo do enunciado é igual a zero. A formulação de Aristó-teles pode ser aqui rigorosamente aceita: Nãodemos, no sentidoestrito, nada a entender. Comportar-nos-íamos como se, no jogode xadrez, fizéssemos um lance e imediatamente depois recuás-semos o lance.

Pode-se agora eliminar um equívoco que vinha sempre es-capando aos filósofosque não esclareceram a estrutura exata dapredicação. É que de acordo com a exposição de Aristótelesdesse assunto poder-se-ia ser levado a dizer o seguinte: "Todopredicado é portanto algo de determinado e, enquanto tal, algode diferente de todos os outros predicados. Disso teria que seseguir o fato de já surgir uma contradição quando dois predica-dos diferentes são atribuídos a um objeto, p. ex. ele ser vermelhoe ser anguloso. Pois o ser-anguloso não é idêntico ao ser-verme-lho. Se portanto se diz de um objeto que ele é vermelho e angu-loso, isso parece ser o mesmo que dizer que ele é vermelho e nãovermelho". E quem tem uma tendência para a 'dialética' acres-centará: "Isso mostra que a realidade assim como nossa lingua-gem são em si contraditórias; lógico formal evade essa intuiçãoapenas por meio de diferenciações ad hoc".

A exposição de Strawson mostra onde está o erro neste equí-voco. A determinação de um predicado não está no fato de este

predicado estar diferenciadode todos os demais predicados, massim no fato de o objeto ser diferenciadode outros através destepredicado. Se alguém diz "Isso não é vermelho",ele afirma ape-nas que o objeto está no outro lado da linha traçada pelo predi-cado. Isso não ~xcluicertamente possíveis enunciados positivosdeterminados. E que nós também podemos empregar um predi-cado positivopara o outro lado da fronteiratraçada pelo predica-do. Ao invés de dizer "Isso não é curvo", podemos dizer "Isso éreto". Podemos, no entanto, também - e esse é o caso maiscomumna linguagem - subdividir, por sua vez, o campo deixadoem aberto para além da fronteira através do traçamento de outrasfronteiras, como fazemos, p. ex., quando dividimos o âmbitopara além da fronteira traçada por "vermelho"em azul, amarelo,etc. Os predicados "vermelho", "azul", "amarelo",etc. estão emum plano e portanto se excluem reciprocamente do mesmomodo que "vermelho" e "não-vermelho". Strawson usa nessecontexto o termo "âmbito de incompatibilidades" (p. 6). Os pre-dicados "vermelho", "azul", "amarelo", etc. pertencem ao mes-mo âmbito de incompatibilidades. Um âmbito de incompa-tibilidades é definido do seguinte modo: dois predicados "F" e"G" são incompatíveis um com o outro, i. é, pertencem a umâmbito de incompatibilidades, se o enunciado "a é G" implica oenunciado "a não é F" e o enunciado "a é F" implica o enunciado"a não é G". Uma vez que "a é G" é apenas um caso de "a nãoé F" (se "F" e "G" pertencem ao mesmo âmbito de incompa-tibilidades), "a é G" tanto está em contradição com "a é F" comocom "a não é G". Uma vez que um predicado como, p. ex., "an-guloso"não está em um âmbito de incompatibilidades com "ver-melho" (i.é, não está no mesmo campo de traçados predicativosde fronteiras),ele pode, naturalmente, apesar de não ser idênticoa "vermelho", ser aplicado ao mesmo objeto a que se aplica"vermelho".A idéia de que existiria um tipo de contraditorieda-de no fato de uma coisa ter várias qualidades não idênticas umascom as outras se apóia portanto em um equívoco sobre o valorPosicionalda palavra "não" ou em uma confusão do "é" no sen-tido da cópula e do "é" no sentido da identidade (cf. sobre issocapítulo 12).

Comauxílio dos esclarecimentos de Strawsonpodemos ago-ra esclarecer também mais precisamente em que sentido o prin-cípio da contradição também é válido quando o predicado em-

50 51

Page 27: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~

"'..::'

~

pregado não está perfeitamente determinado. Foi mostrado queuma predicação consiste essencialmente no fato de um objetoser colocado de um lado da linha de fronteira classificatória, aoinvés de ser colocado do outro lado. Surge uma contradiçãoquando se coloca o objeto de um e também do outro lado dessafronteira. A fronteira é, contudo, sempre mais ou menos poucoprecisa. É essa circunstância que leva a dificuldades naquelescasos em que se mostra que o objeto se encontra justamente norisco pouco claro entre os dois campos. Pode-se então, como jávimos há pouco, responder apenas com "sim e não" à perguntasobre se o objeto é, p. ex., vermelho, e é legítimo em tais situa-ções responder desse modo. É legítimo pressupondo-se que seesteja disposto a precisar até que ponto "sim" e até que ponto"não", p. ex. pelo fato de o objeto ser apenas parcialmente ver-melho ou estar na fronteira entre o vermelho e o violeta ou algode semelhante. Apenas quem não está disposto a fazer nenhumaprecisão deste tipo, quem diz "Eu não tenho nada disso em vis-ta; tenho em vista exatamente aquilo que digo, a saber: que eleé vermelhoe não é vermelho", é que se contradiz,e isto significa,como vimos nesse meio tempo, que, ao dizer algo e retirar denovo imediatamente esse algo, ele não diz nada.

O princípioda contradição não pressupõe portanto, de modoalgum, que tenhamos predicados perfeitamente determinados;ele (ou, melhor dito, o sentido da predicação) implica contudosermos forçados,em situações determinadas, a determinar maisprecisamente nossos predicados. O "ser determinado de modomais preciso" é portanto algo que não existe de antemão, massim algo que surge de modo progressivo justamente através doprincípio da contradição. Essa é também a razão por que não sepode enumerar antecipadamente todos os aspectos limitadoresque, como vimos, seriam necessários em uma formulação for-malista do princípio da contradição. Torna-se agora também in-teligível por que quem se mantém preso ao princípio dacontradição tem que, de certo modo, sempre correratrás daque-le que consegue apresentar constantemente novas contradiçõesaparentes. A tens~o aqui existente é uma tensão entre o sentidoda predicação, o qual exige uma determinação no sentido de um"sim ou não", e os predicados que estão efetivamente à disposi-

52

li

ção, os quais estão sempre apenas mais ou menos determi-nados.

Isso nos leva finalmente à questão sobre se talvez, atravésda natureza da realidade, não se poderiam traçar limites à pos-sibilidade de uma determinação que progrida continuamente.Isso pode de fato se dar. A relação de indeterminação na físicaé um exemplo. Só que tem que se ter exatamente claro o queuma tal situação acarreta como conseqüência. A conseqüênciaé que, em âmbitos determinados, não se pode mais fazer ne-nhum enunciado referente a certos aspectos de um objeto. Issonão acarreta contudo a conseqüência de que o princípio da con-tradição não seria mais válido nesses âmbitos. O princípio dacontradiçãosempre pressupõe que se possa dizer algo de deter-minado e, quando isso não é possível, não podemos tambémdizernada que pudéssemos contradizer.

O princípio da contradição não é uma lei sobre a realidade;a necessidade que ele expressa se funda no significado de nos-sas expressões verbais, especialmente no significado das duasexpressões "não" e "é", e no significado da formada predicação.Sobeste aspecto passa-se com o princípio da contradição exa-tamente o mesmo que com toda frase analítica. O fato de umafrase analítica ser necessariamente verdadeira significa que elaé sempre válida para a realidade, mas ela é válida para estasimplesmente por ser mera conseqüência do fato de determi-nadas palavras estarem em uma relação significativa determi-nada. A frase "Se alguém é solteiro, ele é não casado" é neces-sariamente verdadeira independentemente de se há ou não sol-teiros; e o princípio da contradição é necessariamente verdadei-ro independentemente do fato de se poder ou não fazerenunciadossobre algo. Sóque: Se um ser na realidade é solteiro,então ele não pode ser casado; e se é possível fazer um enuncia-do sobre algo, então não se pode fazer o enunciado oposto sobreeste algo.

Poder-se-ia ainda perguntar o que significa esse "então nãose Pode"? O que significa essa impossibilidade? E o que signi-fIca dizer que o princípio da contradição é 'válido'? Essas ex-pressões têm todas em si algo de equivocante, pois elas podemdar a impressão de que uma força qualquer estaria instalada na

53

Page 28: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

realidade, ou na linguagem, ou mesmo em nosso pensamento,ou de que reinasse aí uma lei sobre o céu e a terra a qual não sepoderia transgredir. No entanto, o fato de uma frase analítica serválida - de não poder ser de outro modo - significa meramenteque, se ela não fosse válida, haveria uma contradição - e nãosignifica nada além disso. E o fato de o princípioda contradição,por sua vez, ser válido significa meramente que, se ele não fosseválido, não diríamos nada, nosso próprio falar seria suprimido -e não significa nada além disso.

5~CARACTIERJSTICASBÁSICAS DALÓGICA TIRADICIONAl:TEORJA DOJUiZO E SIlOGÍ5TIICA

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:

Aristóteles, Metafisica N, 3-4.

Nagel, "Logic Without Ontology".

Strawson, Introduction to Logical Theory, capo 1, §§ 1-8.

Patzig, "Widerspruch".

A lógica tradicional, no sentido estrito de lógica da inferência,consistia na silogística. Aristóteles definiuuma inferência (syllo-gismós) como uma frase (lógos) na qual, se se aceitam comodadas determinadas coisas, segue-se necessariamente uma ou-tra diferentedas inicialmenteaceitas (Analyticapriori 24b18s).Contudo Aristóteles só considerou aquelas inferênciasnas quaisuma conclusão predicativa resulta de duas premissas predicati-vas, pois ele se limitou, como já vimos no capítulo 2, à formapredicativa de frases enunciativas.

Já sabemos que Aristóteles concebe as frases predicativascomo consistindo de um nome e de um verbo. O nome nos dá osujeito do qual algo é dito, e o verbo nos dá o predicado que édito do sujeito. Contudo tais frases em que algo é dito de algonão parecem ser todas iguais. Consideremosos três exemplos aseguir:

"I~,",

l-I

~I

1) Sócrates anda.

2) Todos os homens são mortais.

3) Alguns homens não são sábios.

Inicialmente ocorre que apenas (1)consiste exatamente deduas palavras, um nome e um verbo, enquanto que o predicadoem (2)é "é mortal", sendo portanto composto do adjetivo "mor-

54 55

~\~'

Page 29: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~~

'''":~

lil"

tal" e da palavra "é"; o predicado determinado aparece, nestecaso, no adjetivo, enquanto que a palavra "é" expressa a cone-xão entre o conceitosujeito e o conceito predicado, sendo ela poresta razão caracterizadacomo cópula (dolat. copulare'conectar').Poder-se-ia dizer, com Aristóteles, que essa forma com "é" é abásica, pois a "conexão" entre o conceito sujeito e o conceitopredicado, mesmo que ela não seja visívelna superfície, tem queestar também contida em (1),implícita no verbo "anda". Aristó-teles esclarece isso ao dizer que, ao invés de "anda", se poderiadizer "é andante" (Metafisica1017a28s).

Contudo devem-se ainda observar outras diferenças. Assim,(1)é um enunciado sobre um objeto individual determinado, en-quanto que em (2)é dito algo sobre a totalidade dos homens -ou, comotambémse pode dizer,sobrea classedos homens- eem (3) é dito algo sobre uma subclasse dessa classe. De modoanálogo, a cópula em (2)e (3)não está no singular,mas no plural.Poder-se-ia contudo, ao invés da formulação "Todos os homenssão mortais", dizer "Todo humano é mortal". Na lógica tradi-cional, os enunciados chamados singulares como (1) possuemapenas um pequeno papel. Aristóteles assimilou-os aos enuncia-dos universais como (2); e de certo modo isso parece sensato jáque se pode dizer que em ambos os casos o predicado se aplicasem exceções ao sujeito (et. Kant, Logik, § 21, nota). Ainda ve-remos que essa assimilação encobre diferenças importantes.Além disso permanece ainda a diferençaentre "todos", "alguns"e "nenhum", pertencendo este último também à mesma série deexpressões. Enunciados que começam com essas palavras sãochamados enunciados gerais.

Finalmente há ainda uma terceira diferença: (3) contém apalavra "não", isto é: (3)é um enunciado negativo, enquanto que(1) e (2)não contêm nenhuma expressão de negação e são ca-racterizados por isso como enunciados positivos ou afirmativos.

Os juízos que Aristóteles considera têm portanto a forma

"s" e "P" são marcadores de lugar (já indicamos no capo3

que o próprio Aristóteles utiliza tais letras variáveis), os quaispodem ser substituídos por palavras conceituais determinadasou, como também se diz, por termos. A expressão "termo" temorigemno próprioAristóteles. Ele a introduz na Analytica priora(24b16s)do seguinte modo: "Chamo, contudo, um termo àquiloem que a premissa é analisada, i. é, àquilo que se predica eàquilode que se predica, sendo que se acrescenta 'é' ou 'não é'."Terminus"é a tradução latina da palavra grega "hóros", empre-gada por Aristóteles1 "8" e "P" estão portanto no lugar dos ter-mos do juízo. O fato de um juízo ser positivo ou negativo écaracterizado como sendo sua qualidade; a diferençaentre "to-dos" e "alguns", como sendo sua quantidade (sobre essas dife-renciações, cf. Aristóteles, Analytica priara 24a16, onde elasaparecem pela primeira vez). Enunciados sobre "todos os 8" ou"nenhum8" são chamados universais;enunciados sobre "algunsS" são chamados particulares. 8e se combinam entre si as dife-renciações quanto à qualidade e as diferenciações quanto àquantidade, então se obtêm quatro formas possíveis de juízosgerais:

A Todos os 8 são P

E Nenhum S é P

I Alguns 8 são P

O Alguns 8 não são P

universal positivo

universal negativo

particular positivo

particular negativo

, Pode-se agora tornar claro que entre essas quatro formas dejuízos2existem determinadas relações. Se negamos um enuncia-do da forma A, então obtemos um enunciado da forma O. Por

Todo/Algum/Nenhum S é / não é P.~

Sujeito

1. Em alemão é usual até hoje o emprego da expressão latina. A palavra "Term"que entretanto é encontrada com freqüência no lugar de "Terminus" é um neologismodesnecessário, no qual foi simplesmente tomada a tradução mglesa do lat. "terminus"(isso não diz respeito ao uso determinado da palavra "Term" na matemática e na fisica,onde ela tem significados próprios e não o seu significado clássico-lógico).

" 2. As letras "A", "E", "I", "O" são auxilias para nossa memória; pensa-se quanto aA" e "I" em "afirmo" (lat., 'eu afirmo'); quanto aos esquemas que contêm uma expressão

negativa, pensa-se em "nego" (lat., 'eu nego').

56 57

~i

Page 30: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

exemplo: Se não é o caso que todos os filósofossejam tediosos,então isso significa que alguns filósofosnão são tediosos3. Demodo análogo, se negamos um enunciado da forma E, obtemosum enunciado da forma I: Se não é o caso que nenhum filósofoseja tedioso (e isso significa que não é o caso que todos os filó-sofos não são tediosos), então isso significa o mesmo que dizerque alguns filósofos são tediosos. Corno vimos no capítulo 4,aquela frase que é verdadeira exatamente quando "p" é falso échamada o oposto contraditório de "p". Podemos portanto dizerque A e O, assim corno também E e I, estão em urna relaçãocontraditória (Aristótelesa chama de antiphasis), que A e O ouE e I se contradizem, que eles não podem ser, ambos, verdadei-ros.

A e E também estão em uma certa oposição, contudo de ummodo mais fraco; eles são juízos contrários (Aristóteles usa aexpressão enantia;cf.De interpretatione 7).Na verdade tambémé válido com respeito a A e E que eles se contradizem, que elesnão podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. Mas E não é anegação pura e simples de A, mas sim - poder-se-ia dizer -apenas um caso particular da negação de A: o fato de não todosos filósofosserem tediosos (negação de A)é tanto o caso se umúnico não é tedioso como também se três ou cem ou todos nãosão tediosos. E é portanto apenas um caso possível da negaçãode A e "entre" A e E há os outros casos mencionados. A e E, naverdade, não podem portanto ser ao mesmo tempo verdadeiros,mas podem ser ambos falsosao mesmo tempo, sendo um tercei-ro juízo verdadeiro. Com A e O ocorre algo diferente, pois elesestão em urna relação direta de negação: Ou todos os filósofossão tediosos ou não todos os filósofossão tediosos (i. é, alguns

"rI,~":~l. >,,,

3. Já é mesmo suficiente que um único não seja tedioso. A expressão "alguns" éusada na lógica com o mesmo sentido que "pelo menos um". Isso não corresponde, comefeito, ao uso da linguagem ordinária, onde só falariamos de "alguns" quando houvessemais de um. O fato de fi lógica se desviar, nesse ponto, da linguagem ordinária possuiboas razões, já que desse modo, podem-se mostrar relações de implicação importantes.De resto, não é necessário considerar esse ponto como um problema porque a dificuldadepoderia ser simplesmente eliminada ao se ler o "alguns" na lógica sempre como o "pelomenos um" da linguagem ordinária.

58

ti

-o Osão). A e O não apenas não podem ser verdadeiros aonaesmotempo, eles também não podem ser falsos ao mesmo~mpo; um dos dois tem que ser verdadeiro e o outro, falso. Of:tOde, de dois enunciados contraditórios "p" e "não-p", sempreu "p" ou "não-p", ter que ser verdadeiro é chamado de lei do

~erceiroexcluído.Essa lei é portanto válida para enunciados con-traditórios,mas não para enunciados contrários.

O fato de essas duas espécies de oposições, a contraditóriae a contrária, serem possíveis resulta aqui do fato de um juízo daformaA poder ser negado de dois modos. Pode-se primeiramen-te negar o enunciado todo; teríamos deste modo "não: Todos osS são p", resultando um enunciado contraditório com relação aA Emsegundo lugar o sinal de negação poderia estar no interiorde A; teríamos deste modo: "Todos os S não são p", resultandoum enunciado que está apenas em urna posição contrária comA O fato de ambos os tipos de negação serem possíveis e leva-rem a resultados diferentes já nos deveria tornar céticos face àteoria tradicional que concebe as frases gerais corno frases comuma estrutura simples de sujeito-predicado; esse fato leva-nos,ao invés, a supor tratar-se de frases com urna estrutura maiscomplexa (cf. capo 6).

A diferençaentre oposição contraditória e oposição contrárianão possui importância apenas no caso dos enunciados gerais:ela é importante em geral. Lembremo-nos do conceito de predi-cados incompatíveis de Strawson (cap. 4). Havíamos visto queum predicado (p. ex., "vermelho") pertence respectivamente aum âmbito determinado de incompatibilidades ou, corno tam-bém se poderia dizer, pertence a um âmbito de possibilidadesde predicação (p. ex., "cor")e com a atribuição de um tal predi-cado são excluídos todos os outros predicados que pertençamao mesmo âmbito de possibilidades de predicação (p. ex.,"azul","verde", "não-vermelho").Urna concepção semelhante jáse encontra em Aristóteles (cf. Categorias,capo 10).Ele diz quepredicados corno "vermelho", "azul", etc., que caracterizam ob-jetos sob um mesmo aspecto, pertencem ao mesmo gênero. Hágêneros cornoo das cores aos quais pertence toda urna série depredicados; há contudo também gêneros com exatamente ape-nas dois predicados (não só no caso de só termos faticamente

59

Page 31: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~~::

dois predicados, sendo que, ao encontrar novas diferenciações,poderíamos introduzir, para tanto, outros predicados, mas simtambém no caso de só poder haver essas duas possibilidades; p.ex.: um número é par ou ímpar; não há nenhuma terceira possi-bilidade). Podemos obter uma tal contraposição entre dois pre-dicados em todos os outros casos, na medida em que reunimos,p. ex., através do predicado "não-vermelho",todos os predicadosde cores excluídos pelo predicado "vermelho". É então válidopara todos os objetos coloridos que eles têm que ser ou verme-lhos ou não-vermelhos, que não há nenhuma terceira possibi-lidade. Isso significaque o princípiodo terceiro excluído é validopara este caso, que a relação dos predicados ou dos juízos cor-respondentes é portanto contraditória. Mas entre os predicadosparticulares de um gênero com mais de duas espécies só existeuma oposição contrária. Há na verdade uma contradição entre ojuízo "O livroé vermelho" e o juízo "O livroé azul", mas o prin-cípio do terceiro excluído não se aplica aqui; os juízos podem serambos falsos ao mesmo tempo, p. ex., se o livro for preto.

Voltemos,após esta digressão que visava esclarecer a pos-sibilidade mais geral do emprego da diferenciação entre juízoscontrários e contraditórios, aos juízos gerais da tradição lógica.Uma relação semelhante à que existe entre A e E existe entre Ie O; não se trata contudo da mesma relação. Os enunciados"Algunsfilósofossão tediosos" e "Algunsfilósofosnão são tedio-sos" não se contradizem, podendo portanto ser ao mesmo tempoverdadeiros. Suas negações contudo se contradizem: "não: al-guns filósofossão tediosos" (i. é: "Nenhum filósofoé tedioso") e"não: alguns filósofosnão são tediosos" (i.é: "Todos os filósofossão tediosos") se contradizem. Enquanto que A e E podem ser,ambos, ao mesmo tempo falsos, I e O podem ser, ambos, aomesmo tempo verdadeiros. O princípiodo terceiro excluido, por-tanto, também não é válido para I e O, e existe uma relação decontradição apenas para suas negações. Essa relação entre I e Ofoi caracterizada na lógica tradicional como subcontrária.

Pode-se finalmente ainda considerar a relação entre A e I eentre E e O. É evidentemente válido para estes casos que Aimplica logicamente I (de "Todosos gatos são animais" segue-se"Algunsgatos são animais"), mas a recíproca não é válida: I não

~"Ir'."

l ""

60

I:

'mplica A ("Se alguns animais são gatos, então todos os animais~ão gatos" não é válido). Analogamente E implica O, mas a re-cíproca não é válida. Essa relação de implicação entre A e I ouentre E e O foi caracterizada como subalternação.

As relações acima mencionadas podem ser classificadas nochamado quadrado das oposições:

(Todo S é P)

(Algum S é P)

(Nenhum S é P)

contrário E

o'o;c;.o;BQ)

-ã.Q::;'"

o'0;c;.o;BQ)

-ã-§'"

subcontrário o

(Algum S não é P)

Há ainda uma série de outras propriedades e relações entreA. E, I e O consideradas pela lógica tradicional. Mencionemosapenas um exemplo: as regras da conversão simples e da con-versãoper accidens. Nas formas E e I é formalmente válido de-duzir, a partir de um enunciado, seu inverso: A partir de"Nenhum S é P" pode-se inferir "Nenhum PéS"; a partir de"AlgumS é P" pode-se inferir "AlgumPéS". Essa conversãosimplesnão funcionano caso de A; p. ex., a inferênciade "Todosos animais são gatos" a partir de "Todos os gatos são animais"não é válida; apenas a inferência do juízo mais fraco "Algunsanimais são gatos" é válida neste caso. Essa conversão na qualnão apenas os dois termos são trocados, sendo também a quan-tidade do juízoalterada, é chamada conversãoper accidens. Juí-zos da forma O, finalmente, não são conversíveis.

61

Page 32: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~,í

As relações apresentadas entre as várias formas de juízosgerais já possibilitam deduzir, de modo formalmente válido, apartir de um único juízo dado outros juízos. Aristóteles contudonão considerou tais deduções como inferênciasno sentido pró-prio; uma inferência (syllogismós) tem lugar, para Aristóteles,apenas quando deduzimos algo de duas premissas. Como já foimencionado no início do capítulo 5, Aristóteles, mesmo nestecaso, não levaem consideração todas as inferênciasformalmenteválidas, mas apenas aquelas cujas premissas são enunciados ge-rais de forma A E, I, O. Isso significa que a silogística aristo-télica investiga apenas formas de inferência cuja validade sebaseia exatamente na estrutura desses enunciados; e o caracte-rístico desses enunciados consiste, para Aristóteles, como já vi-mos, no fato de eles serem enunciados da forma "8 é p", enun-ciados que contêm determinadas relações entre dois termos ouconceitos. Um exemplo de silogismo é:

Todos os homens (M)são mortais (P)Todos os gregos (8)são homens (M)Todos os gregos (8)são mortais (P)

Cada premissa contém dois conceitos dos quais um, o cha-mado terminus medius ou termo médio (M),é comum a ambasas premissas. M está numa relação determinada com 8 e numarelação determinada com P,e essas relações são de tal modo quepermitem inferiruma relação entre 8 e P na qual o termo médionão mais ocorre. Há quatro figuras de tais silogismos:L M P n. P M III.M P N. P M

8M 8M M8 M88P 8P 8P 8P

",~'"

:~~I,"

Dentro de cada uma dessas figuras há, por sua vez, váriasformas, já que os juízos podem se diferenciarsegundo a quanti-dade e a qualidade. Por exemplo, as quatro formas válidas daprimeira figura sã04:

4. AB expressões "Barbara", "Darij" , etc. também têm a função de auxiliar nossamemória, na medida em que as vogais contidas nos títulos são sempre aquelas quecaracterizam as frases gerais correspondentes. Por exemplo: A caracterização "Barbara"torna claro que nesse silogismo tanto as duas premissas quanto também a conclusão sãoda forma A (i. é: Todos os S são P"). Ou tomemos "Feria": esse nome mostraria que aprimeira premissa tem a forma E, a segunda, a forma I. a conclusão, a forma O.

62

ri

Barbara

Todosos M são PTodoSos S são M~FeriaNenhum M é PAlgum S é Mj\ígum S não é P

DariiTodos os M são PAlguns S são MAlguns S são P

CelarentNenhum M é PTodo 8 é MNenhum S é P

As outras formaspossíveis da primeira figura não produzeminferênciasválidas.

Em que consiste então o fato de muitas formas produzireminferênciasválidas e outras não? Aristóteles não tem nenhumateoria sistemática para mostrar como se podem diferenciar asformasde inferênciaválidas das não válidas. Ele diz, acerca dasformasde inferênciaválidas da primeira figura,que sua validadeé evidente imediatamente, razão pela qual ele caracteriza estessilogismoscomo perfeitos. Os outros são chamados imperfeitosporque sua validade só pode ser demonstrada por meio de váriosprocedimentos. Por exemplo, muitas formas podem ser trans-formadas por procedimentos baseados nas propriedades men-cionadas dos diversos tipos de frases gerais, p. ex., através daconversãodos termos das premissas, sendo essa transformaçãode tal modo que eles assumem a forma da primeira figura e suavalidade ou invalidade pode então ser reconhecida imediata-mente. Aristótelesnão explica em que se funda a evidência ime-diata das inferênciasda primeira figura. Na tradição posterior sedisse que o princípio dessa evidência seria o dictum de omni etnu110.Esse princípio diz o seguinte: aquilo que vale positiva ounegativamente para tudo de uma espécie vale também positivaou negativamente para todos os objetos determinados quecaiam sob essa espécie. Contudo essa explicação também, nofundo, não é mais do que uma formulação mais explícita dasformasválidas de silogismos da primeira figura.

63

Page 33: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:

Strawson,IntroduetÍon to Logjeal Theory,capo 6, §§ 1-5.

Copi, IntroducUon to Logje, capo 5, §§ 1-5.

Mitchell, An introducUon to Logjc, capo 2.

Kneale, TheDevelopment of Logje, li, 5-6.

",~":,1

~I"

64

~"

6~

A CONCEPÇÃOATUALDAESTRUTURA DE FRASESSl1N6ULARLSE GERAIS; FORMALÓGICO-SEMÂNTICAE FORMA GRAMATICAL

Vimos no capítulo 5 que a lógica tradicional diferencía osseguintes tipos de juízo:

1)juízos singulares. Exemplo: "Sócrates é um homem"

2) juízos geraisa) juízos universais. Exemplo: "Todos os homens são

mortais" ;b) juízos particulares. Exemplo: "Alguns homens são

mortais".

Se nos voltarmos agora para a concepção moderna, nãofalaremos mais da estrutura dos juízos, mas sim da estruturadas frases (e, neste caso, pressuporemossempre se tratar defrases enunciativas), de acordo com a concepção lingüísticaem uso hoje em dia, oposta à orientação psicológica do inícioda modernidade(cf. capo1 e 2).As novasreflexõesda lógicamoderna sobre a estrutura são independentes do fato de sepensar tratar -se de uma estrutura de frases ou de uma estru-tura de juízos.

65

Page 34: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~~

Pode-se resumir a concepção tradicional a partir da perspec-tiva lingüística, de modo a se dizer que para a concepção tradi-cional todas as frases enunciativas simples são predicativas, i. ése compõem de sujeito e predicado. Veremos, logo a seguir, qU~se podem compreender os termos "sujeito" e "predicado" tam-

bém de um modo puramente gramatical. Na tradição, contudo,a compreensão gramatical desses termos esteve sempre ligadaa uma compreensão semântica (uma compreensão baseada nosignificado). O que era entendido semanticamente por "predica-do" e "sujeito" era o fato de a frase predicativa ter uma estruturasegundo a qual algo (aquilo no lugar de que está o predicado) édito ("predicado") de algo (aquilo no lugar de que está a expres-são-sujeito). Pode-se também formular isso do seguinte modo:O predicado está sempre no lugar de um conceito (ou de umaclasse) e com a frase predicativa se diz que algo (p. ex., Sócrates,ou: todos os homens, ou: alguns homens) cai sob esse conceito(ou nessa classe). Com isso a concepção de que toda frase pre-dicativa (ou todo juízo) está no lugar de uma composição ("sín-tese") se ligou a toda a tradição, desde Aristóteles até o séculoXIX: Em um juízo algo é ligado a algo (o conceito-predicado como conceito sujeito); só que esse tipo de ligação difere, depen-dendo se ela ocorre em juízos singulares, universais ou particu-lares.

Vamos ainda nos abster, por agora, da possibilidade de frasescomplexas (sobre esse tópico, cf. capo 7) e nos ater apenas a frasessimples (não complexas). A concepção tradicional que apresenta-mos, segundo a qual todas as frases enunciativas simples são con-cebidas como frases predicativas, teve a conseqüência de que alógica tradicional só pôde reconhecer aquelas relações de implica-ção entre frases simples que estão contidas na silogística. Pode-seagora facilmente tornar claro, por meio de exemplos, que tambémhá outras implicações lógicas entre frases simples; esse fato devecontudo nos conduzir a uma nova concepção da estrutura dessas

frases, já que todas as implicações lógicas se fundam na estrutura(forma) das frases (cf. capo 3).

~f'

'" I

'.'

66

~i

ri

6.1. Enunciados relacionais

lQExemplol. A partir das premissas "Todos os círculos são

fguras" e "Pedro pinta um círculo", segue-se a conclusão: "Pe-~o pinta uma figura". Essa inferência é intuitivamente tão sim-ples quanto o modo barbara e contudo a silogística não oferecenenhuma possibilidade para que se reconheça sua validade.Qual a razão disso? Lembremo-nos que um silogismo sempre

pressupôs um terminus medius contido em ambas as premissasno lugar do predicado ou do sujeito. Um tal terminus medius estáausente aqui. A palavra círculo aparece, é verdade, em ambas aspremissas, mas ela não é o predicado na segunda premissa (opredicado é, ao invés, a expressão "pinta um círculo"), sendoapenas parte do predicado. Só se pode portanto relacionar logi-camente as duas premissas se se compreende de um outro modoa estrutura da frase na segunda premissa. Há, evidentemente,que se continuar a dividir o predicado complexo "pinta um cír-culo" em "pinta / um círculo". A expressão "pinta..." é uma ex-pressão relacional. Outras expressões relacionais são, p. ex., "émaior que...", "é o pai de...". Tais expressões não indicam umaqualidade de um objeto, mas sim a relação em que um objeto seencontra com um outro, o qual é mencionado, então, na expres-são complementar (p. ex., "um círculo").

Isso foi sempre observado (cf. Aristóteles, Categorias, capo7).A mera subdivisão do predicado não ajuda neste caso. Fregeencontrou a seguinte solução: Temos que dividir a frase de talforma que ela se decomponha em duas partes que não sejammais sujeito e predicado; ao invés disso, as duas partes são ago-ra: a expressão relacional por um lado e um par ordenado deduas expressões-sujeito por outro; p. ex., a frase "Rolf é o pai deKurt" consiste da expressão relacional "é o pai de" e do parordenado {"Rolf", "Kurt"}. Isso significa agora o seguinte: Existeentre os dois objetos Rolf e Kurt a relação de ser-pai-de (Tem quese falar de um par "ordenado", porque, p. ex., os dois enunciados

§ 1. Este exemplo e o exemplo seguinte são extraídos de Quíne, Methoclis af Lagjc,22.

L

67

Page 35: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~"Rolf é o pai de Kurt" e "Kurt é o pai de Rolf" são diferentes. Nocaso especial onde a posição dos dois relativos é indiferentesfala-se de uma relação recíproca - cf., p. ex., as expressões rela~

cionais "é um parente de", "joga com"). Em nosso exemplo "Pe-dro pinta um círculo" existe uma relação do pintar entre Pedra eum circulo.E agorapode-se compreenderem que se fundaaimplicação lógica. Pode-se, nesse caso, formulá-Iaintuitivamen-te mais ou menos do seguinte modo: Se existe uma relação entreum objeto a e um objeto que é B (211premissa) e tudo o que é Bé também C (111premissa), então a relação também existe entrea e um objeto que é C.

A importante novidade de Frege é que em um enunciado,no qual é dito que um objeto a se encontra em uma relação Rcom um outro objeto, a divisão semanticamente importante nãoé a divisão entre o sujeito e o predicado, mas a divisão entre aexpressão relacional, por um lado, e as duas expressões que sereferem a objetos, por outro. Às vezes essa nova concepção étambém apresentada do seguinte modo: na verdade a expressãorelacional é o predicado; lidamos então com um predicado dedois lugares que tem que ser completado não apenas por umaexpressão-sujeito, mas por um par ordenado de expressões-su-jeito. Há contudo menos possibilidades de equívocos se reser-vamos as expressões "predicado" e "sujeito" para seu sentidogramatical e diferenciamos entre a estrutura gramatical e a es-trutura lógico-semântica. "Rolfé o pai de Kurt" está articuladogramaticalmente em "Rolf"(sujeito)e "é o pai de Kurt" (predica-do); semanticamentea fraseestá articuladaem "é o pai de" e{"Rolf","Kurt"}.Veremos ainda como essa diferença entre es-trutura gramatical e semântica deve ser entendida (6.3).

.f". I.

,.

~I"

6.2. A estrutura das frases gerais

29Exemplo. Consideremos a seguinte inferência de uma pre-missa apenas: "Há alguns filósofos aos quais todos os filósofosse opõem; portanto alguns filósofos se opõem a si mesmos".Uma tal inferência não se adequa mais ao modelo silogístico. Elacontém uma expressão relacional; mas agora acresce ainda umaoutra coisa: a premissa não é nem apenas universal, nem apenas

68

t

r ticular; nela ocorrem tanto a palavra "todos" como tambémparalavra "alguns". Uma vez admitidas relações lógicas de ex-a Pssões relacionais, a presente ampliação é facilmente com-pr:endida. Ao invés de se dizer de um particular que ele seP~contra em uma relação R com um outro, podemos dizer de~guns (ou de todos os) F que eles se encontram nessa relaçãoom alguns (ou com todos os) G (p. ex., "Todos os homens são

~escendentes de alguns deuses"; da mesma estrutura é tambéma frase - verdadeira - "Para todo número há um número maior",que se diferencia, de modo evidente, da frase - falsa - "Há umnúmero que é maior do que todos os números"). Já a lógicaescolástica observou este problema da chamada quantificaçãomúltipla, mas ela não pôde torná-Ia transparente de um ponto devista lógico porque ela permaneceu presa ao esquema sujeito-

predicado. A solução desse problema é tida como o maior dosmuitos desempenhos de Frege. Ele conseguiu isso ao analisartambém de uma forma totalmente nova a estrutura das frasesgerais simples, nas quais aparece apenas um quantificador (comesta expressão tem-se em vista as palavras "alguns" e "todos").

Coloca-se portanto a pergunta: O que entendemos, na ver-dade, quando dizemos algo como "Todos os cisnes são brancos"ou "Algumas formigas são roxas"? Essa pergunta é naturalmenteidêntica à pergunta: Como se devem entender tais frases? Comose deve entender o significado de tais frases? Essa pergunta dizrespeito à forma de tais frases, i. é, deixamos de lado as palavrassubstanciais particulares que aparecem nesses exemplos ("cis-nes", "brancos", "formigas", "roxas"). A pergunta é então: Comodevem ser entendidas as formas sentenciais "todos os... são..."e "alguns... são..."? O significado de cada frase concreta, p. ex.,"Todos os cisnes são brancos", depende evidentemente do sig-nificado da forma sentencial "Todos os... são..." e do significadodas palavras substanciais que nela aparecem, "cisne" e "branco".Isso pode ser também expresso do seguinte modo: O significadoda frase concreta é uma função do significado da forma senten-cial e do significado das palavras substanciais.

. É evidente que não se pode recolocar a questão sobre osignificado da forma das frases predicativas gerais de uma ma-neira fundamentalmente nova sem que ao mesmo tempo se co-

69

~

Page 36: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~~.."

,,",..

loque novamente a questão sobre o significado da forma da frasepredicativa singular. Esta questão nunca foi vista como um pro-blema na tradição, porque sua resposta era tida como evidentedo modo descrito na p. 66: O significado da forma sentencial pre~dicativa singular foi compreendido como síntese, composição, eo significado da forma sentencial predicativa geral foi então, domesmo modo, compreendido analogamente como composição.

Essa concepção leva, já no caso da frase predicativa singular("Sócrates é calvo"), a dificuldades. Naturalmente a própria for-ma lingüística - a frase - está composta pelas duas expressõescomponentes: sujeito e predicado. Mas será que disso se seguetambém termos de conceber o significado da frase como com-posto daquilo no lugar de que está o sujeito e daquilo no lugarde que está o predicado? Essa concepção tradicional pressupõeque tanto o sujeito quanto o predicado estejam no lugar de algo,no lugar de um objeto (ou, como também se diz, de uma entida-de), pois falar de uma composição pressupõe que algo estejacomposto com algo, um objeto com outro objeto. É evidente quea expressão-sujeito da frase predicativa singular está no lugar dealgo. No exemplo acima, a expressão-sujeito "Sócrates" está nolugar de Sócrates, uma pessoa determinada2. Mas será que opredicado - a expressão "é calvo", em nosso exemplo - tambémestá no lugar de algo? Ele não está evidentemente no lugar deum objeto no sentido corrente, ele não está no lugar de umaentidade que possa ser identificada no espaço e no tempo. Se o"predicado" "é calvo" estiver no lugar de algo, então seria algo

",."

.~ . "

2. É muito importante se diferenciar sempre claramente se se usa uma expressão(como "Sócrates") a fim de se falar de um objeto ou se se fala da própria expressão (dosímbolo). No segundo caso, o próprio símbolo é o objeto do qual se fala e tem-se que usaruma segunda expressão para que se possa referir a esse objeto (ao símbolo). Apossibilidade mais simples para uma tal referência ao simbolo está em usarmos aexpressão "a expressão 'Sócrates'" ou, abreviando-se, simplesmente a expressão "Sócra-tes". O uso de uma expressão entre aspas é portanto uma convenção símples (que, comefeito, só é possível ça linguagem escrita) para a referência a uma expressão. Todos osautores modernos sernanticamente conscíentes aderem a essa convenção. O leitor deveentão se acostumar a verificar precisamente se se fala de (p. ex.) Sócrates ou de "Sócrates",e deve também se apropriar ele mesmo dessa convenção a fim de evitar o perigo daconfusão entre símbolo e referente.

70

Ir ~

r! mO o atributo ou a propriedade do ser-calvo. Atributos (ou

coDceitos) são chamados objetos abstratos. Abordaremos essacOoblemática no capítulo 8, limitando-nos aqui a constatar queprconcepção tradicional do significado da frase predicativa comoama síDtese pressupõe tratar -se aí de uma composição de um~bjetO concreto (espácio-temporal) com um objeto abstrato; eissOleva a dificuldades que abordaremos no capítulo 8.

Há uma alternativa? Seria um primeiro passo, dentro do apa-

ratOconceitual tradicional, apresentado na p. 66, se se deixa defalar de uma síntese ou composição, dizendo-se apenas: Comuma frase predicativa singular dá-se a entender que o objeto nolugar do qual está o sujeito cai sob o conceito no lugar do qualestá o predicado. Falamos agora de conceitos, ao invés de falarde atributos, e de "cair sob um conceito", ao invés de "estarcomposto com um atributo". Coloca-se, contudo, a questão so-bre o que deve ser compreendido por esse" cair sob". Se a frasetoda não deve mais ser entendida de modo que ela esteja nolugar de uma objetualidade composta - consistindo do signifi-cado do sujeito (ou do objeto no lugar do qual está este sujeito)e do significado do predicado (ou do objeto no lugar do qual estáeste predicado) - como deve ser então compreendida?

A idéia básica da nova concepção não foi formulada comtoda nitidez pelo próprio Frege. Ela está contida no Tractatus deWittgenstein e formulada de modo totalmente explicito apenasem Davidson3. Wittgenstein escreve que "compreender uma fra-se significa saber o que é o caso se ela for verdadeira" (Tractatus4.024). Compreender o significado de uma frase significa portan-to, de acordo com essa concepção, saber sob que condições elaé verdadeira.Essa concepção pode agora ser colocada no lugarda concepção tradicional do significado da frase. Compreenderumafrasenão significa: compreender no lugar de que objetuali-dade composta ela está (i. é, compreender o que está compostocom o que), mas sim: compreender sob que condições ela é ver-dadeira.

--3. CL Davidson, "Truth and Meaning".

71

Page 37: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~

Isso pode parecer inicialmente ininteligível; torna-se COntu- 'fdo imediatamente sensato se aplicamos essa idéia geral ao casoparticular da frase predicativa singular. Uma tal frase (p. ex., "Só- 'crates é calvo") é, segundo Frege, verdadeira, se o objeto 110lugar do qual está o sujeito (Sócrates) cai sob o conceito no lugardo qual está o predicado "é calvo". Isso pode também ser retra-tado, de forma puramente lingüística, do modo seguinte: a fraseé verdadeira se o predicado convém ao objeto (Retomaremos 110capo 8 à diferença entre essa formulação puramente lingüística ea formulação anterior que se refere ao conceito). Pode-se tam-bém dizer: Compreender uma tal frase significa compreenderque ela é verdadeira, se esse objeto cai sob esse conceito, ou seo predicado convém a ele. Com isso se obtém uma concepçãodo significado (da compreensão) de uma frase predicativa singu-lar, livre da idéia tradicional de que esse significado é algo noqual está composto com outro algo.

Com esse novo modo de compreender a forma sentencialpredicativa singular, Frege abre ao mesmo tempo uma novaperspectiva para a compreensão da forma sentencial predicativageral. No que tocava às frases predicativas singulares, a dificul-dade da concepção tradicional, baseada na síntese, consistia,apenas, no fato de que é problemático admitir para o predÍcadoum objeto no lugar do qual ele estaria. Problemático, mas talvezpossível. No caso das frases gerais, acresce a dificuldade adicio-nal de que o sujeÍto ("todos os F", "alguns F") não está no lugarde um objeto. Enquanto que no caso do predicado pode-se ain-da, em caso de necessidade, falar de um objeto no lugar do qualele estaria (o atributo), no caso do sujeito das frases gerais, pa-rece não existir uma tal solução circunstancial.

Mas vejamos se ela existe4, No lugar de que objeto está aexpressão "todas as formigas"? No lugar da classe (do conjunto)das formigas? (Abordaremos melhor o conceito de classe no capo

'I:

4. Os seguintes parágrafos até o final de 6.2 correspondem em parte literalmente asexposições em Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in dle sprachanalytlsche Philo-sophle, p. 311-313. Sobre a crítica da concepção tradicional, cf. também Geach, Referenceand Generality, capo 1.

72

!

ressupondo no momento simplesmente uma compreensão8, Pitiva).Mas se dizemos "Todas as formigas são venenosas",lD;~queremos com isso dizer que a classe das formigas-é vene-11 a mas sim que as formigas - todas as formigas - sao vene-110~a~.Isso fica ainda mais difícil no caso de "algumas formigas".

~oconcepção tradicional era de que essa expressão estaria noI gar de uma subclasse da classe das formigas. Mas será que set~m em mente com essa expressão uma subclasse determinada?Se dizemos, p. ex., "Algumas formigas são roxas", então issoSignificaria o seguinte, de acordo com a concepção tradicional:"Há uma subclasse das formigas de modo que as formigas nelacontidas são roxas". Aqui se repete, em primeiro lugar, a objeçãojá erguida contra "todos"; são as formigas que são roxas e não asubclasse. Em segundo lugar, o predicado não é aqui aplicado auma subclasse delimitada de antemão; essa subclasse se deli-mita apenas por meio desse predicado. Não se pode portantodizer (como se teria que dizer de acordo com a teoria que recorreà síntese) que o atributo está composto com a subclasse. O fatode essa concepção ser insustentável se torna especialmente cla-ro quando se nega uma tal frase ou se assere que ela é falsa.Quando dizemos "É falso que algumas formigas são roxas", seráque queremos dizer que há um subconjunto (determinado) deformigasnão roxas? Claro que não. O que se quer dizer é queentre todos e quaisquer subconjuntos de formigas não há ne-nhum no qual as formigas nele contidas sejam roxas. "Há umsubconjuntoqualquer das formigas..." é contudo uma formula-ção complicada de "há algumas (quaisquer que sejam) formi-gas...". A expressão "um subconjunto (indeterminado) dos "F"não está no lugar de um subconjunto (determinado)dos F e por-tanto não está no lugar de nada.

Vemo-nosportanto forçados a rejeitar a concepção segundoa qualas expressões "todos os F", "algunsF" estariam no lugarde algo - de um objeto. Pode-se naturalmente dizer: elas estão"de algum modo" no lugar de muitos objetos. Mas então comose deve compreender o enunciado no todo? Será que ele aindaPodeser compreendido como uma composição? E será que elePodeser compreendido na analogia com o enunciadopredicativoSIngular?Quanto a este, nós chegamos ainda há pouco à seguin-

73

~

Page 38: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~í'

te interpretação: Um tal enunciado é verdadeiro se o predicado 'f.

convém ao objeto. Mas isso não pode ser transferido para Os .

enunciados gerais, já que não temos neste caso um objeto. '

A solução de Frege consiste em ele não mais compreenderas expressões "algumas formigas", "todas as formigas", expres-sõesestas que formam evidentemente uma unidade gramaticalcomo uma unidade semântica tal como elas foram freqüente~mente compreendidas na tradição. Essa nova proposta pode sertornada inteligível com o auxílio de expressões lingüisticamenteequivalentes. A frase "Algumasformigas são roxas" é semanti-camente equivalente à frase "Há algumas formigas roxas" (outambém, mais simplesmente, "Há formigas roxas"). A expressão"algumas formigas" não está mais, nesta formulação, como su-jeito, e ela não forma mais uma unidade. A frase "Há algumasformigas roxas" sugere que, ao invés de se desmembrar a fraseoriginal "Algumas formigas são roxas" do modo tradicional ("Al-gumas formigas I são roxas"), se desmembre a mesma do se-guinte modo: "Algumas II formigas I roxas". De modo análogoteríamos agora também que desmembrar a frase universal doseguinte modo: "Todas as Ii formigas I venenosas". Teríamosassim isolado as expressões "algumas" ou, respectivamente,"todas as".

Podemos, primeiramente, continuar utilizando outras equi-valências lingüísticas. Ao invés de "todas as", podemos tambémdizer "cada". Se usamos a notação "cada Ii formiga I venenosa",então vemos que também há uma frase articulada de modo grama-ticalmente semelhante na linguagem ordinária: "Cada coisa que éuma formiga é venenosa". Isso significa evidentemente o mesmoque: "Cada coisa: se ela é uma formiga, então ela é venenosa".

Por meio dessa formulação pode-se tornar agora inteligívela nova concepção de Frege. Pode-se dizer inicialmente (Fregenão formuloudeste modo): A expressão "cada coisa" em "Cadacoisa: se ela é F, então ela é G" (ou a expressão "todos") não estáno lugar de algo; ela contém, ao invés disso, uma instrução decomo realizar uma ação: "Toma-se, uma a uma, cada coisa", ea essa instrução para uma ação se liga a asserção: "Se ela é F,então ela é G". Isso significa portanto: A frase "Todos os F são

~f

Ia,

,.I"

11,~

74

o" remete a outras frases, a saber: a frases singulares que seferem a objetos particulares com respeito aos quais pode-sere . FI

'G

dizer:Se isso e ,e e e .

O que acabamos de dizer deve levar, informalmente, à ex-

licação formal de Frege. Esta se conecta ao que se obteve comp análise das frases predicativas singulares uma vez que agora:e pressupõe: compreende-se uma forma sentencial quando secompreende, para frases desta forma, qual é a sua condição deverdade. No caso presente tem-se o seguinte: a frase "Todos osF são G" (= "Cada coisa: se ela é F, então ela é G") é verdadeirase cada uma das frases "Se isso é F, então ele é G" é verdadeira.O que entendemos portanto quando compreendemos a formasentencial "Todos os F são G" é que e como a verdade das frasesdessa forma depende da verdade de cada uma das outras frases.

Passa-se algo de totalmente análogo no caso das frases par-ticulares. Quem diz: "Alguns F são G" quer dizer: "(Toma-seuma a uma) cada coisa: (então constatar-se-á que) uma ou al-gumas delas que são F são G". O enunciado remete neste casotambém a enunciados singulares, agora, contudo, de tal modoque o enunciado é verdadeiro exatamente se ao menos uma frasesingular qualquer "Isso é F e ele é G" for verdadeira.

6.3. Estrutura gramatical e estrutura semântica

No início do capítulo 6 indicamos que na tradição a estruturagramatical e a estrutura semântica das frases não foram separa-das claramente. Sobretudo a expressão "estrutura-sujeito-predi-cado" foi compreendida de forma a não se separar entre oaspecto gramatical e o semântico. A isso se liga o fato de quenem a expressão "estrutura gramatical" nem a expressão "estru-tura semântica" eram claras. As reflexões desenvolvidas em 6.2permitem que se tenha agora um conceito preciso da estrutura(ou forma) semântica de uma frase. Isso é possibilitado pelo fatode termos obtido um conceito determinado do significado deuma frase: Compreendemos o significado de uma frase se sabe-mos sob que condições ela é verdadeira. Também havíamos ditoque o significado de uma frase (p. ex., "Todos os cisnes são

75

f ~

Page 39: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~

brancos) depende do significado da forma sentencial ("todos Os rsão..") e do significado das palavras substanciais. Estes signÚi. ..cados juntos formam as condições sob as quais ela é verdadeiraMas o que significa compreender a forma sentencial? No cas~particular de uma frase predicativa singular, a resposta fOi:Ela éverdadeira se o predicado convém ao objeto no lugar do qual estáa expressão-sujeito. Com isto está mencionada uma regra geralde como a verdade da frase depende do significado de suas ex-pressões componentes. Também no caso das frases gerais es-barramos em tais regras, só que aqui a verdade da frase dependeda verdade de outras frases. Essas regras determinam portantoa estrutura semântica de uma frase. Elas não regulam como umafrase está composta por suas partes componentes, mas sim, nocaso de uma frase composta de uma determinada maneira, deque dependeseu significado- e isso significa:de que dependesua verdade.

Essa explicação pressupõe que possamos nos entenderacerca do modo como a frase está composta por suas partes semrecorrer a seu significado; e isto significa: temos de poder des-crever gramaticalmente a frase independentemente de todo omais. Na lingüística atual5 a estrutura gramatical das frases édeterminada de tal modo que não se precisa recorrer a seu sig-nificado. Isso acontece pelo fato de as frases serem desmembra-das de tal modo que cada parte é determinada por uma ditaclasse de distribuições. Dois componentes sentenciais perten-cem à mesma classe de distribuições (i. é, têm a mesma distri-buição) se eles podem ocorrer no mesmo contexto verbal, i. é,podemser complementadospelasmesmasexpressõesde modoque o todo seja aceito como frase. Tomemos, p. ex., os doiscomponentes sentenciais "Pedro" e "todo homem". Em todocontexto no qual uma dessas expressões ocorre a outra podetambém ocorrer. Elas têm portanto a mesma distribuição, per-tencem à mesma classe gramatical.

~t'"O'

,.,

f.",~

5. Ci. p. ex. Lyons. Introduction to Theoretical Lmgulstics. 4.2.

76

É portanto totalmente correto dizer que frases do tipo "Pedro. mortal" e frases do ~ipo "Todo homem é mor~a]" têm, de ume ntOde vista gramatlcal, a mesma estrutura. Vimos, no entan-po em 6.2, que sua estrutura semântica é totalmente diferente.

~'mos então que diferenciar precisamente estrutura semânticaeestrutura gramatical. Foi aceito em 6.2 que, p. ex., as duas

:ases seguintes "Algumas formigas são roxas" e "Há formigasoxas", do mesmo modo que a frase "Existem formigas roxas",

~ossuem a mesma estrutura semântica. Mas a estrutura grama-tical dessas frases é evidentemente diferente.

As expressões "sujeito" e "predicado" são hoje em dia usa-

das com freqüência de um modo ambíguo, pois são usadas tantopara o aspecto gramatical quanto para o semântico. Autores queusam "predicado" e "predicativo" de um modo semântico dizementão, p. ex.: "Frases gerais não são 'verdadeiramente' (e istosignifica 'semanticamente') predicativas", ou: "O termo 'existe'não é 'verdadeiramente' (e isto significa 'semanticamente') umpredicado". No emprego usualmente comum da expressão "cál-culo de predicados", "predicado" também é compreendido se-manticamente. Tais ambigüidades lingüísticas são inofensivasse se atenta para elas. Pode-se também, ao invés de usar ambi-guamente "sujeito" e "predicado", compreender esses termoscomopuramente gramaticais e, como faz, p. ex., Quine, carac-terizar as "verdadeiras" expressões-sujeito como termos sjngu-lares e os "verdadeiros" predicados como termos gerais. Estesconceitos estão agora definidos semanticamente, mais ou menosdo seguinte modo: Um termo singular é uma expressão que tema função de referir-se a um objeto particular; um termo geral éuma expressão que tem a função de classificar e diferenciar ob-jetos. Exemplos: "esse cavalo" ou "Pedro" são termos singulares;"algo" ou "todo homem" são expressões-sujeito, mas não sãotermos singulares. "Existe" é um predicado, mas não é um termogeral (como veremos no capo 11).

A linguagem artificial que é usada na lógica atual tem (pelomenos em parte) o objetivo de usar uma gramática artificial epadronizadade tal modoque 1Q a estruturagramaticalvisaex-p~essar mais transparentemente a estrutura semântica e que 2Qha urna correspondência inequívoca entre estrutura semântica e

77

li ~

Page 40: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

,..~.1

estrutura gramatical (exclui-se que a mesma estrutura gramati-cal possa ter sentidos semânticos diferentes e vice-versa). Drnobservador externo poderia facilmente pensar que essa lingua-gem artificial se afasta de nossa linguagem real. Mas isso é vá-lido apenas gramaticalmente. A estrutura semântica de nossalinguagem real se torna mais clara nessa linguagem artificial doque ela é na gramática de nossa linguagem real.

Examinemos essa gramática artificial no que toca à sua apli-cação a frases singulares e gerais! Inicialmente são introduzidossímbolos para os termos singulares e gerais, a saber: são intro-duzidas geralmente letras minúsculas latinas "a", "b", "c" paratermos singulares e letras maiúsculas latinas "F", "G", "H" paratermos gerais. Expressões relacionais são um tipo de termo gerale são, igualmente, simbolizadas por letras maiúsculas latinas.

Obtêm-se então, como frases elementares, as formas "Fa","Rab". Segue-se então a convenção de que o termo geral é co-locado sempre antes do ou dos termos singulares, e a série dostermos singulares que estão atrás da expressão relacional devepreencher a condição de que se trata de um par ordenado (cf.6.1). "Pedro é mortal" é portanto simbolizado por "Fa"; "Pedrabate em Paulo", por "Rab".

Comparemos esse simbolismo com aquele que foi apresen-tado no capo 3! Ali o simbolismo tinha o sentido de colocar va-riáveis no lugar de expressões substanciais. Aqui, ao contrário,traduzimos uma expressão da linguagem natural (p. ex., "Pedra")por uma expressão correspondente da linguagem artificial lógica(por exemplo "a"). A substituição de "Pedro" por "a" não é por-tanto nenhuma formalização; "a" não é uma variável individual,mas sim chamada de uma constante individual. A expressão "a"é meramente um representante da expressão "Pedro". Na lógicamoderna, como veremos logo a seguir, são empregadas tambémas chamadas variáveis individuais: "x", "y", "z". Esses símbolosfuncionam contudo como pronomes e não são variáveis no sen-tido lógico de uma formalização. No que se segue vamos nossatisfazer - tanto no caso dos símbolos para termos singulares("a", "b", "c") como no caso dos símbolos para termos gerais("F", "G", "R") - com uma ambigüidade ao deixarmos em abertOa questão de se eles significam, em cada caso, meras traduções

-~"I

~I

78

f~i

II1preendidasainda de modo substancial) de expressões cor-(C~pondentesda linguagem natural ou significam variáveis nor~ntidOdefinidono capítulo 3. Essa mesma ressalva vale para oss'II1bOIOSsentenciais "p", "q", "r" (cap. 7).Essa ambigüidade nosSlareceinofensiva porque fica claro em cada caso, a partir do~ontextO,em que sentido os símbolos estão sendo usados, en-quantOque, para evitar e?sa ambigüidade, teríamos que dupli-car os símbolos usados. E importante que, em todos os casos,tOdasas expressõessimbólicasusadasagora- querelasfuncio-nem ou não como variáveis - tenham um sentido semânticoclaramentedefinido; é justamente através desse fator que se de-terminaa gramática da linguagem lógica artificial.

Para compreender o simbolismo das frases gerais, partamosdaquela formulação da linguagem natural na qual já pudemosreconhecer,acima, do modo maís fácil, sua estrutura semântica."Cadacoisa que é F é G". Já vimos que isso deve ser compreen-didodo seguinte modo: "Cada coisa: se ela é F, ela é G". E nocasodas frases particulares podemos nos orientar pela forma dalinguagemordinária "Há algo que é F e G". Os quantificadores("cada", "alguns") são portanto colocados na frente. Deve-seagoraatentar para o fato de que, já nesta versão da frase parti-cular,versão esta baseada na linguagem ordinária, há um pro-nome ("algo")atrás do quantificador, um pronome que, na frasesubordinada, é retomado por um pronome relativo ("que"). Domesmo modo, temos no caso da frase universal o pronome"cada" que é retomado pelo pronome relativo "que". Precisamosportanto, no simbolismo, de um símbolo correspondente paraindicar essa retomada realizada pelo "que". Para a frase universalpode-se reformular a formulação acima, baseada na linguagemordinária, da seguinte maneira: "Cada x: se x é F, x é G". Demodo análogo, pode-se formular a frase particular da seguinteforma: "Alguns x: x é F e x é G". Os próprios quantificadores sãoentão escritos do seguinte modo: "(x)" para "todos os x" ("quan-tificador universal"), "(:3x)"para "alguns x" ("quantificador exis-tencial") entre a maioria dos autores anglo-saxões e "/\x" e "vx"entre a maioria dos autores alemães (O próprio Frege usou umOutrosimbolismo). Assim obtém-se para "Algumas formigas são

79

Page 41: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

TA roxas" a estrutura "(::Ix)(Fx e Gx) para "Todas as formigassão

venenosas", a estrutura "(x)(se Fx, então GX)"6.

Esse simbolismo deve tornar visível a relação entre as frasesgerais e aquelas frases singulares das quais sua verdade depen-de. Tomemos a frase "Pedro é mortal", simbolizada por "Fa".Agora podemos pensar esta frase sem o termo singular; temosentãoumafrasedita aberta"( ) é mortal" ou "Fx" (o "x" é nessaexpressão apenas um lugar vazio). Podemos agora, seja substi-tuindo o lugar vazio por um termo singular qualquer (p. ex"Francisco é mortal", "Fb"), seja usando um quantificador, r~~construir essa frase aberta formando de novo uma frase comple-ta. No simbolismo, a segunda possibilidade - o emprego doquantificador - toma a forma "(x)Fx" ou, conforme o caso,''(:3x)Fx'';agora o "x" não é mais apenas um lugar vazio; elefunciona, sim, como um pronome. A relação semântica entre"(x)Fx"e "(::Jx)Fx",por um lado, e "Fa", "Fb", "Fc", etc., poroutro, está, como já vimos, no fato de que "x(Fx)"é verdadeirose todas essas frases singulares são verdadeiras e "(3x)Fx"éverdadeiro se pelo menos uma dessas frases forverdadeira.

Podemos também entender agora como Frege pôde solucio-nar o problema inicial da quantificação múltipla (cf. p. 68d. To-memos como ponto de partida, agora, uma frase com umaexpressão relacional, p. ex., "Pedro inveja Simão". Precisamos,neste caso, realizar duas vezes, uma atrás da outra, a mesmaoperação que há pouco realizamos uma vez. Inicialmente forma-mos a frase aberta "Pedro inveja ( )" ou "Rax" e a completamosde novo com um quantificador, resultando a frase completa "Pe-

-,

'"

~.

6. Deve-se atentar para o fato de que, devido ao "x" ser colocado à frente. junto aoquantificador, o significado dessas frases é compreendido de tal modo que se pressupõeuma referência a um âmbito de objetos pressuposto; o mesmo já estava implícito nasexpressões da linguagem ordinária "Cada coisa:..." e "Há algo...". Há algo que..."significa: "Entre todos os objetos há um ou alguns que...". Naturalmente isso levanta aquestâo adicional: De que tamanho deve ser compreendido esse âmbito pressuposto deobjetos? Se dizemos, p. ex., "Há rinocerontes com dois chifres". isso significa: "Entretodos os seres reais espácio-temporais..." (estes formariam o árnbito de objetos); estariamexcluídos os mundos de fantasia.

7. Cf. Dummett, Frege, capo 2.

80

o inveja alguém" ou "(::Ix)Rax". Apliquemos agora essa qa-a-ct:o mais uma vez sobre a frase que acabamos de obter (Jape~a"já está fixado através de sua relação pronominal com o 1jIID-~icadar existencial, temos agora de usar uma outra variáv~lin-

~vidual: "y"). Surge então a frase aberta "( ) inveja alguém'ou"(3x)RYX",Podemos agora também fech~r essa fras~ .aber~~ormeiade um quantiflcador, p. ex., por meiOdo quantiflcadomli-versal: "Todos invejam alguém" ou "(y) (3x)Ryx". O sentiQ~dafrase que se obteve a partir dessa dupla operação depenMaordem segundo a qual realizamos as duas operações. Se llíés-semas procedido de modo inverso, teríamos obtido a frase'Háalguém que todos invejam" ou "(3y) (x)Rxy". A esta constll\ãoprogressiva de um enunciado através do emprego de vNiosquantificadores corresponde também uma dependência prOJres-siva da verdade de um tal enunciado em relação à verdaoodeoutros enunciados: "(y) (::Ix)Ryx" é verdadeiro se "(::Ix)~","(:3x)Rbx",ete. foremtodos verdadeiros,e o primeiro membrodesta série - ''(:3x)Rax'' - é verdadeiro se algum membro da~~rie"Rab", "Rac", etc. for verdadeiro. A construção progres~\aéindieadaatravés da série na qual os quantificadores são orQ~aa-damenteapresentados, e com isso é possível evitar asamb~i-dades que só podem ser excluídas na linguagem ordinariaatravés de regulamentações ad hoc ("Todos invejam alguém'jáéambíguo;significaessa frase, como foipressuposto acima,~uese aplica a cada um que ele inveje alguém ou que todos in~emalguém?).

6.4.A forma semântica é a forma lógica

No item 6.3 diferenciamos a forma gramatical da formse-mântica.Comoa forma semânticase relaciona então comàlor-ma lógica? Para respondermos a essa questão necessitamos,naturalmente, de um conceito razoavelmente claro de "forIlialó-giea.No iníciodo item 6.3 obtivemos um conceitorazoave~llteclaro de "forma semântica": a regra da forma semântica demafraseenunciativamostrade que modoa verdadeda frase de~en-

dedosignificadode suas expressões parciais. Isso também~odeser formulado do seguinte modo: a forma semântica diz re~ito

81

1~I J..

Page 42: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

t:~5 roxas" a estrutura "(:3x) (Fx e Gx) para "Todas as formigas são

venenosas", a estrutura "(x) (se Fx, então GX)"6.

Esse simbolismo deve tornar visível a relação entre as frasesgerais e aquelas frases singulares das quais sua verdade depen-de. Tomemos a frase "Pedro é mortal", simbolizada por "Fa".Agora podemos pensar esta frase sem o termo singular; temosentão uma frase dita aberta "( ) é mortal" ou "Fx" (o "x" é nessaexpressão apenas um lugar vazio). Podemos agora, seja substi-tuindo o lugar vazio por um termo singular qualquer (p. ex"Francisco é mortal", "Fb"), seja usando um quantificador, re'~construir essa frase aberta formando de novo uma frase comple-ta. No simbolismo,a segunda possibilidade- o empregodoquantificador - toma a forma "(x)Fx" ou, conforme o caso,"(:3x)Fx";agora o "x" não é mais apenas um lugar vazio; elefunciona, sim, como um pronome. A relação semântica entre"

(x)Fx" e "(:3x)Fx" Por Um lado e "Fa" "Fb" "Fc" etc, ""., poroutro, está, como já vimos, no fato de que "x(Fx)" é verdadeirose todas essas frases singulares são verdadeiras e "(:3x)Fx" éverdadeiro se pelo menos uma dessas frases for verdadeira.

Podemos também entender agora como Frege pôde solucio-nar o problema inicial da quantificação múltipla (cf. p. 68sf. To-memos como ponto de partida, agora, uma frase com umaexpressão relacional, p. ex., "Pedro inveja Simão". Precisamos,neste caso, realizar duas vezes, uma atrás da outra, a mesmaoperação que há pouco realizamos uma vez. Inicialmente forma-mos a frase aberta "Pedro inveja ( )" ou "Rax" e a completamosde novo com um quantificador, resultando a frase completa "Pe-

;,

'1111

..'

li

6. Deve-se atentar para o fato de que, devido ao "x" ser colocado á úente, junto aoquantificador, o significado dessas úases é compreendido de tal modo que se pressupõeuma referência a um âmbito de objetos pressuposto; o mesmo já estava implícito nasexpressões da linguagem ordinária "Cada coisa:..." e "Há algo...". Há algo que..."significa: "Entre todos os objetos há um ou alguns que...". Naturalmente isso levanta aquestâo adicional: De que tamanho deve ser compreendido esse âmbito pressuposto deobjetos? Se dizemos, p. ex., "Há rinocerontes com dois chiúes", isso significa: "Entretodos os seres reais espácio-temporais..." (estes formariam o âmbito de objetos); estariamexcluidos os mundos de fantasia.

7. Cf. Dummett, Frege, capo 2.

80

I.

d invejaalguém" ou "(:3x)Rax".Apliquemos agora essa opera-~~ mais uma vez sobre a frase que acabamos de obter (Já que

?a" já está fixado através de sua relação pronominal com o quan-~icador existencial. temos agora de usar uma outra variável in-

~vidual: "y"). Surge então a frase aberta "( ) inveja alguém" ou"(:3x)RYX",Podemos agora também fechar essa frase aberta pormeio de um quantificador, p. ex., por meio do quantificador uni-versal: "Todos invejam alguém" ou "(y) (:3x)Ryx". O sentido dafrase que se obteve a partir dessa dupla operação depende daordem segundo a qual realizamos as duas operações. Se tivés-semos procedido de modo inverso, teríamos obtido a frase "Háalguém que todos invejam" ou "(:3y)(x)Rxy". A esta construçãoprogressiva de um enunciado através do emprego de váriosquantificadores corresponde também uma dependência progres-siva da verdade de um tal enunciado em relação à verdade deoutros enunciados: "(y) (:3x)Ryx" é verdadeiro se "(:3x)Rax","(:3x)Rbx", etc. forem todos verdadeiros, e o primeiro membrodestasérie - "(:3x)Rax" - é verdadeiro se algum membro da série"Rab", "Rac", etc. for verdadeiro. A construção progressiva éindicada através da série na qual os quantificadores são ordena-damente apresentados, e com isso é possível evitar as ambigüi-dades que só podem ser excluídas na linguagem ordináriaatravés de regulamentações ad hoc ("Todos invejam alguém" jáé ambíguo; significa essa frase, como foi pressuposto acima, quese aplica a cada um que ele inveje alguém ou que todos invejemalguém?).

6.4.A forma semântica é a forma lógica

No item 6.3 diferenciamos a forma gramatical da forma se-mântica. Como a forma semântica se relaciona então com a for-ma lógica? Para respondermos a essa questão necessitamos,naturalmente, de um conceito razoavelmente claro de "forma ló-gica. No início do item 6.3 obtivemos um conceito razoavelmenteclaro de "forma semântica": a regra da forma semântica de umafrase enunciativa mostra de que modo a verdade da frase depen-de do significado de suas expressões parciais. Isso também podeser formulado do seguinte modo: a forma semântica diz respeito

81

~

Page 43: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

to

~r

".1,'

ao modo como uma frase está composta em relação ao aspecto"relevante para a verdade"s.

O que é então a forma lógica? Elucidamos no capítulo 3 adiferenciação entre "analítico-formal" e "analítico- material". Masem que se funda a analiticidade formal? Até aqui dissemos ape-nas: no significado das palavras formais ("todos", "e", etc.); maso que significa isso?

O que foi dito em 6.2 sobre o significado das frases geraisnão pode responder ainda globalmente a essa questão, mas jácontém uma indicação para essa resposta. Vimos que pertenceao significado da forma de uma frase geral o fato de sua verdadedepender de um modo determinado da verdade de frases singu-lares. Isso não significa outra coisa senão que existem relaçõesde implicação entre frases gerais e frases singulares. A partir daregra semântica do significado da frase universal segue-se ime-diatamente que a seguinte implicação é válida: "(x)Fx, portantoFa" (se tudo é "F", um objeto qualquer determinado também é"F"). Do mesmo modo segue-se da regra semântica do signifi-cado da frase particular que a seguinte implicação é válida: "Fa,portanto (::Jx)Fx"(se existe um "F" qualquer determinado, entãoexiste algo que é "F"). Veremos no capítulo 7 que, também nocaso de frases complexas, cada significado de formas sentenciaiscomplexas determinadas traz consigo imediatamente, através desuas condições de verdade, determinadas implicações. Deve-seagora aceitar como plausível (sem que no momento presentepossamos demonstrar) que todas as implicações lógicas são me-ramente conseqüências dessa circunstância de que o significadode cada forma sentencial remete a outras formas sentenciais demodo que a verdade das frases daquela forma depende da ver-dade das frases destas outras formas. Isso significa então, aomesmo tempo, que a base para implicações lógicas está na for-ma semântica; esta é portanto idêntica à forma lógica.

"i"

~I

8. Essa é uma fonnulação de Davidsoll.

82

I ~

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:

Frege, "Funktion und Begriff".

Quine, Methods oI Logic, §§ 16 e 22.

Geach,ReIerenceand Generality.Kamlah!Lorenzen, Logische Propadeutik, capo 1, § 4; capo 5, § 3.

Dummett, Frege. Philosophy oI Language, capo 2.

Tugendhat, Vorlesungen zur EinIührung in die spraclJana1ytischephi1osophie, preleção 18.

83

Page 44: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

7~

FRASES COMPLEXAS

'.

Uma frase complexaé uma frase que contém uma ou váriasexpressões componentes que, por sua vez, também já são frases,i. é, que podem ser elas mesmas verdadeiras ou falsas. Assim,por exemplo, as frases "Não é o caso que chove" ou "Pedroacre-dita que chove" são frases complexas contendo uma frase com-ponente; e as frases "Chovee faz frio"ou "O gelo flutua na águaporque ele é mais leve do que a água" são frases complexascontendo duas frases componentes.

Como deve ser então entendida a forma semântica dos vá-rios tipos de frases complexas? De acordo com a concepção tra-dicional. uma frase complexa também deve ser entendida comosíntese. Essa concepção esbarra contudo em dificuldades insu-peráveis tanto no que diz respeito ao estatuto dos componentesdessa síntese comotambém no que toca os vários tipo de sínteseque, seguindo-se essa concepção, deveriam ser diferenciados1.Se, ao contrário, nos guiamos pela concepção apresentada nocapítulo 6, segundo a qual compreendemos uma frase quandoconhecemos suas condições de verdade, então somos levados aformulara questão sobre a forma semântica de uma frase com-plexa do seguinte modo: De que maneira o valor de verdade deuma frase toda que tenha tal forma semântica depende das fra-ses componentes e das outras expressões componentes a partir

.,1

1. Cf. além disso Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in die sprachanalytischePhilosophie, preleção 17.

84

...

das quais ela se compõe? O caso mais simples seria aquele emque o valor de verdade da frase toda dependesse de modo ine-quívoco do valor de verdade das frases componentes. Nestecaso, o valorde verdade da frase inteira é uma função dos valoresde verdade das frases componentes, e caracteriza-se então afrase como sendo uma função de verdade, i. é, como sendo ve-rofuncional.

7.1. Todas as frases complexas formadas com as palavras"não", "e", "ou", são verofuncionais. Além disso, frases conec-tadas pelas expressões "se então" são concebidas, na lógica,como funções de verdade. E finalmente são também funções deverdade frases com a expressão conectiva "se e somente se".

Esclareçamos, a partir de uma frase contendo o conectivo"ou", o que há de específico em uma frase verofuncional com-posta. Uma frase como "Chove ou neva", tendo a forma "p ouq", é caracterizada como uma disjunção. Neste caso, as duasfrases "p"e "q"não devem ser asseridas isoladamente; a verdadeque é asserida é a verdade da frase composta "p ou q" (i. é, apretensão de verdade que é erguida diz respeito à verdade dacomposição). E a questão que temos de nos colocar agora dizrespeito ao modo como a verdade da frase complexa "p ou q"depende de suas frases componentes "p" e "q". Deve-se diferen-ciar neste caso dois significados de "ou": o "ou" excludente e o"ou" não-excludente. O significado de "ou" que se encontra nabase da lógica moderna e que também é o mais freqüente nalinguagem ordinária é o não-excludente. Se, por exemplo, se lêem uma livraria "Clientes que são professores, ou estudam emuniversidades, recebem um desconto", então isso é válido ini-cialmente para alguém que é professor; em segundo lugar paraalguém que é estudante; mas naturalmente também, em terceirolugar, para alguém que é professore também, além disso, aindaé estudante2. O "ou" excludente existiria por exemplo quandouma criança quisesse, em um mesmo dia, fazer uma excursão à

2. Este e o exemplo seguinte são extraídos de Tarski, lntroduction to Logic and tothe Methodology of Deductive Sciences, p. 21.

85

Page 45: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

;.,.!..>

,~

tarde e ir ao teatro à noite e os pais, para os quais as duas coisasjuntas seriam demais, dissessem: "Nóshoje fazemos uma excur-são ou vamos ao teatro". Nesse emprego excludente de "ou"podemos sempre acrescentar "mas não as duas coisas". Pode-mos também dizer: frases da forma "p ou q" com o "ou" não-ex-cludente são verdadeiras se "p" é verdadeiro ou se "q" éverdadeiro ou se "p" e "q" são ambos verdadeiros, e elas sãofalsas apenas se "p" e "q" são ambos falsos.E frases com o "ou"excludente são verdadeiras se "p" é verdadeiro e "q" é falso domesmo modo que se "q" é verdadeiro e "p" é falso, e falsas se"p" e "q" são ambos verdadeiros ou ambos falsos.Podemos ago-ra, então, mostrar em que consistem as condições de verdade deuma frase da forma "p ou q" ou como elas dependem das frasescomponentes: O valor de verdade da frase complexa é depen-dente apenas do valor de verdade das frases componentes e in-dependente de todas as outras propriedades dessas frasescomponentes.

Frases complexas da forma "p e q", por exemplo, "Está cho-vendo e está ventando", são caracterizadas como conjunções.No caso da conjunção é particularmente fácil ver em que con-sistem suas condições de verdade. Uma frase complexa "p e q"é evidentemente verdadeira se ambas as frases componentessão verdadeiras e ela é falsa se uma das duas frases componen-tes é falsa, sendo evidentemente também falsa se ambas as fra-ses componentes são falsas. Isso significa podermos dizer oseguinte: Uma frase composta da forma "p e q" é verdadeira see somente se "p" é verdadeiro e "q" é verdadeiro. É evidente quenessa explicação do significado da forma sentencial "p e q" apalavra "e" ocorre de novo. Isso não significa contudo que essaexplicação seja sem valoL Pois ela mostra como a verdade dafrase complexa depende da verdade das frases componentes.Pode-se contudo perguntar se essa explicação do significadoatravés da indicação das condições de verdade é de fato umaexplicação completa. Temos de deixar aqui a questão em aber-to.

,

Frases que estão formadas com "não" são também funçõesde verdade. Comojá vimos, a palavra "não" serve para formaranegação de um enunciado, para contradizê-h O que é caracte-

86

..

rizado como negação de um enunciado é justamente aquilo queé verdadeiro se o enunciado for falso. E é por isso que "Não é ocaso que p" é uma função de verdade de "p", i. é, depende,quanto a seu valor de verdade, exclusivamente do valor de ver-dade de "p": se "p" é falso, então sua negação é verdadeira, se"p" é verdadeiro, então "não-p" é falso.

Na lógica, frases da forma "Se p, então q" também são con-cebidas como conexões puramente verofuncionais. A definiçãológica dessas frases pode também ser tornada inteligível se sepensa na propriedade básica das frases "se-então" da linguagemordinária. Se usamos uma tal frase, damos a entender que a frasetoda "Se p, então q" é verdadeira apenas se, sendo "p" verdadei-ro, "q" também for verdadeiro. Excluímos portanto que "p" sejaverdadeiro e "q" falso. Como veremos em seguida, o uso de umafrase "se-então" na linguagem ordinária não implica apenas essaexclusão de uma determinada combinação dos valores de verda-de de "p" e "q". Devidoa razões com as quais ainda entraremosem contato, parece razoável que na lógica se fique limitado aesta condição mínima da função da verdade e que se defina o"se-então" de tal modo que uma frase da forma "Se p, então q"signifique apenas que, pressuposto "p" como verdadeiro, "q"não é falso; e isto quer dizer: uma frase dessa forma só é falsase"p" for verdadeiro e "q" for falso; ela é verdadeira se "p" forverdadeiro e "q"forverdadeiro; e ela também é verdadeira se "p"for falso, independentemente de "q" ser verdadeiro ou falso.

A forma "Se p, então q" definida deste modo verofuncionalé caracterizada como implicação material. Esse conceito deveser nitidamente diferenciadodo conceito de implicação analiticaou lógica, introduzido no capítulo 3. Este último conceito deveser entendido do seguinte modo: Se "q"é implicado logicamentepor "p", isso significa que é impossívelque, se "p" forverdadei-ro, "q" seja falso, e que estamos por isso autorizados a inferir "q"de "p". Face a isso, a implicação material "Se p, então q" signi-fica apenas que essa frase é falsa se "p" é verdadeiro e "q" éfalso.Assim,por exemplo, a frase "SeLondres está na Inglaterra,então o mar é salgado" é uma implicação material verdadeira,pois "p" é verdadeiro e "q" não é falso.Aqui não existe, por umlado, nenhuma necessidade e, por outro, nem uma relação refe-

87

Page 46: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

rente ao conteúdo nem uma relação formalentre as duas frasescomponentes, também não existindo portanto nenhuma possi-bilidade de se inferir, a partir da verdade de uma, a verdade daoutra. Pode-se, no entanto, definir a implicação lógica justamen-te com auxilioda implicação material. Pois vimos que "q"estaráimplicado logicamente por "p" se for impossível que, se "p" forverdadeiro, "q" seja falso. Isso significa contudo que essa impli-cação lógica existe se e somente se o que se segue é válido: '''Sep, estão q' é analiticamente verdadeiro"; e neste caso o "Se p,então q" tem o sentido da implicação material. Tão logo umaimplicação material é asserida como não apenas faticamenteverdadeira, mas sim como analiticamente necessária, cai porterra a falta de conexão interna entre as duas frases, falta deconexão esta presente entre os valores de verdade das frasescomponentes de uma implicação material. É que no caso daafirmação da analiticidade é produzida justamente uma relaçãointerna entre os significados das frases.

No caso da equivalência, passa-se algo de semelhante aoque ocorre na implicação. Fala-se de equivalência lógica ou, demodo mais geral, de equivalência analítica quando dois enuncia-dos têm o mesmo significado, i. é, quando se pode dizer a priorique, se um enunciado for verdadeiro, o outro também o será, evice-versa. A equivalência lógica consiste portanto em uma im-plicação lógica recíproca. Isso significa então o seguinte: "p" e"q" são logicamente equivalentes exatamente se for válido que'''Se p, então q, e se q, então p' é logicamente verdadeiro". Domesmo modo que a implicação lógica pode ser definida comauxilio da implicação material, a equivalência lógica se ergue,de modo totalmente análogo, sobre uma equivalência material.Dois enunciados "p" e "q" são materialmente equivalentes setanto "Sep, então q" como também "Seq, então p" são válidos,i. é, se eles têm o mesmo valor de verdade. Expressando-se essefato em uma única frase, ele pode também ser formulado doseguinte modo: "p se e somente se quando q".

A dependência do valor de verdade das frases complexasverofuncionaiscom respeito ao valor de verdade de suas frasescomponentes pode ser representada claramente através das ta-belas de verdade que Wittgenstein introduziuno Tractatus.Usa-mos "p", "q", "r", etc. como variáveispara frases e introduzimos

88

..(

do mesmo modo símbolos para as expressões "e", "ou", etc., osquais podem ser caracterizados como conectivos lógicos:

Uma vez que o emprego dos símbolos lógicos não é unifor-me, sendo diversos sistemas simbólicos utilizados por diversoslógicos, são ainda indicados entre parênteses alguns símbolosque podem ser freqüentemente encontrados em livrosde lógica.Usaremosainda as abreviações "V"para "verdadeiro" e "F"para"falso".Podemos agora escrever uma lista de todas as combina-ções possíveis dos valores de verdade das frases componentes"p" e "q" e, ao lado, o resultado para o valor de verdade da frasecomposta.

Para "-, p" há apenas duas possibilidades, a saber: a de "p"ser verdadeiro ou a de "p" ser falso:

p I ~p

V FF V

Para as restantes funções de verdade, se nos limitamos àcomposição a partir de duas frases, haverá quatro combinaçõespossíveis dos valores de verdade das frases componentes:

89

não-p IP e q Ip ou q Isep, então q IP se e somente se,quando q

-, p (p,- p) Ip 1\ q/PVq Ip:J q I:;q)(p.q, pq) (pq)

p q pl\q pvq p:Jq p=qV V V V V VV F F V F FF V F V V FF F F F V V

Page 47: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

~:."It

!

,,':'

Com auxílio das tabelas de verdade pode-se agora ver comfacilidade que relações de implicação existem entre uma frasecomplexa verofuncional e suas frases componentes ou entre fra-ses complexas com vários conectivos lógicos. Havíamos visto nofinal do capítulo 6 que, no caso das frases gerais, a forma lógicadessas frases traz consigo determinadas implicações. A formalógica das frases tratadas agora é caracterizada pela ocorrênciade palavras formais como "e", "ou", etc., cujo significado consis-te no fato de se determinar como a verdade da frase toda depen-de dos valores de verdade de suas frases componentes. Ora, issosignifica que há relações lógicas de implicação entre as frasescomplexas verofuncionais e suas frases componentes. Com basena regra do significado de "p e q", por exemplo, é imediatamenteválida a seguinte implicação: "p e q" implica logicamente "p",já que está excluído o caso em que, sendo "p e q" verdadeiro,"p" seja falso.

Pode-se, do mesmo modo, por meio das tabelas de verdade,mostrar implicações e equivalências lógicas entre frases comple-xas com vários conectivos lógicos; p. ex. pode-se mostrar quede "p /\ q" segue-se logicamente "p v q; pois, como mostra atabela, "p /\ q" é verdadeiro apenas no caso único em que "p" e"q" são ambos verdadeiros, e neste caso "p v q" é igualmenteverdadeiro. Portanto está de novo excluído o caso (impossível deser verdadeiro) em que o primeiro membro fosse verdadeiro e osegundo falso. Mas "p v q" é ainda verdadeiro em dois outroscasos e, por isso, embora ele seja, com efeito, implicado logica-mente por "p /\ q", ele não é, contudo, logicamente equivalentea "p /\ q". Equivalências lógicas já podem ser estabeleci das tam-bém entre os esquemas simples de frases com apenas duas va-riáveis sentenciais, esquemas aos quais nos limitamos até agora.Podem-se definir, através de equivalências, os diferentes conec-tivos lógicos reciprocamente uns através dos outros. É suficienteo uso de dois desses conectivos, p. ex. "e" e "não", já que osoutros podem ser definidos através deles, sendo então dispensá-veis. Assim "p v q" pode ser substituído por "-,(-, P /\ -, q)" e"p :) q" pode ser substituído por "-, (p /\ -, q)". Tornemos esseponto um pouco mais claro a partir do segundo caso.

."

90

1

Poderíamos nos apoiar inicialmente no fato de as condiçõesde verdade da implicação material estarem definidas justamentede modo que ela só é falsa no caso em que a frase antecedente"p" for verdadeira e a frase conseqüente "q" for falsa, sendo "-,q" neste caso verdadeiro; i. é, a possibilidade "p /\ -, q" nãodeveocorrer,ou, dito de outro modo, "-, ( p /\ -, q)" tem que serválido. Podemos agora também proceder de modo a partirmosdos doisesquemas"p:) q" e "-, (p /\ -, q)"e, comauxíliodastabelas de verdade, mostrarmos que eles são logicamente equi-valentes, i. é, têm as mesmas condições de verdade. As condi-ções de verdade para "p:) q" já estão em nossa tabela; obtemosas condições de verdade para o segundo esquema se aplicamosas regras dos sinais de negação e conjunção. Nesse caso calcu-lamos inicialmentea expressão entre parênteses e aplicamos emseguida ao resultado o sinal de negação.

p qV VV FF VF F

Pode-se ver, portanto, que ambos os esquemas possuemefetivamente as mesmas condições de verdade: eles são verda-deiros exatamente para as mesmas atribuições de valores deverdade para "p" e "q" e, do mesmo modo, são falsos para asmesmas atribuições. Por conseguinte demonstramos que os doisesquemas são logicamente equivalentes, que portanto é válidoo seguinte: "É logicamente necessário: p :) q == -, (p /\ -, q)".

De acordo com o mesmo procedimento por meio das tabelasde verdade pode-se verificar agora, com respeito a cada esque-ma da lógica dos enunciados, se ele é válido. Caracteriza-secomo esquema da lógica dos enunciados toda formalização deuma frase na qual apenas as frases componentes são substi-tuídas por variáveis e na qual a negação e os chamados conec-tivos ocorrem como constantes; caracteriza-se, ao contrário,

91

pq p-,q P/\-.q P/\-.q -.(p/\-.q)

V V F F F VF V V V V FV F F F F VV F V F F V

Page 48: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

,'-

como esquema da lógica de predicados um esquema no qual ostermos gerais da frase são também substituídos por variáveis.Um esquema da lógica de enunciados é, p. ex., o esquema "(p/\ q) V (p /\ -, r)v (-, p /\ r)v (-, p /\ s) V(-, q /\ r)v (-, r /\ -, s)".Esse esquema contém quatro variáveis sentenciais "p", "q", "r"e "s". Enquanto que no caso de duas variáveis tivemos de con-siderar apenas quatro casos, no caso de três e no caso de quatrovariáveis ocorrem respectivamente oito e dezesseis possibi-lidades diferentes de combinação dos valores de verdade. A ta-bela de verdades para o esquema citado teria portanto dezesseislinhas. Quem quiser se dar ao trabalho de calcular a aplicaçãoprogressivadas condiçõesde verdadeválidaspara "-,", "A"terá,como resultado, o fato de esse esquema ser realmente válido; eisto significaque toda frase complexa dessa forma, frase na qualsubstituímos as variáveis por frases componentes correspon-dentes, é logicamente válida. As tabelas de verdade possibi-litam, então que se tenha, para aquele grupo das frases logica-mente verdadeiras que são logicamente verdadeiras com baseem sua estrutura lógico-enunciativa, um procedimento de deci-são, i. é, um procedimento pelo qual pode-se vir a saber se elassão logicamente verdadeiras, se são, portanto, verdadeiras inde-pendentementede seu conteúdo.A razão de podermossaberisto facilmente neste caso está no fato de a verdade da fraseinteira depender apenas das combinações possíveis dos valoresde verdade das frases componentes e de essas combinações po-derem ser totalmente representadas por meio das tabelas de ver-dade.

Agora já estamos também em condições de compreendermelhor que a definição da implicação material que, a partir dalinguagem ordinária, nos parecia sobretudo estranha, possui nalógica uma boa razão. Pois o "se-então"da implicaçãomaterialsepresta exatamente como uma interpretação da conexão entrefrases em dois contextos importantes para a lógica. Em primeirolugar, como já vimos, trata-se da conexão de frases que ocorreno interiorde uma implicaçãológica:"É logicamentenecessá-rio: 'Se p, então q'''.

O segundo contexto no qual a implicação material se apre-senta como uma interpretação são as frases singulares implica-

das logicamente pelas frases gerais. Uma frase geral "(x)(se Fx,então Gx)"implica logicamente "SeFa, então Ga", "SeFb, entãoGb" etc. (cf.capo6, p. 75s).É evidente que o "se-então" contidonessas frases singulares deve ser concebido como o sinal de im-plicação material, como é facilmente esclarecido através deexemplos. Tomemos a frase universal "(x)(se x é um gato, entãox é um animal)"; isso implica logicamente: "Se a é um gato,então a é um animal". Se admitimos que a frase antecedente éverdadeira, então a frase conseqüente será verdadeira. Se admi-timos que a frase antecedente é falsa,então a frase conseqüentepode ser evidentemente ou verdadeira(se a não forum gato, massim um animal de outra espécie) ou pode ser falsa (se a não forum animal). Isso corresponde contudo, por sua vez, exatamenteàs condições de verdade da implicação material.

7.2. Por outro lado, foi indicado na p. 87s que justamente osinal da implicação material se diferencia,quanto ao significado,de uma maneira relativamente marcante da expressão análoga"se-então" da linguagem ordinária.Porisso queremos considerarbrevemente a relação dos conectivos lógicos com as expressõesda linguagem ordinária a eles correspondentes. No caso da pa-lavra "não", a fixação lógica de seu significado corresponde, demodo bastante exato, ao significadodessa palavra na linguagemdo dia-a-dia; por isso pode-se dizer neste caso que a fixação deseu significado na lógica também contribui para uma clara com-preensão de seu emprego na linguagem ordinária. Quanto àsoutras constantes lógicas, a analogia a expressões corres-pondentes da linguagem ordinária é em certos casos relativa-mente estreita, mas em outros casos também mais fraca.

Umparentesco relativamente estreito existe entre a constan-te lógica"A" e o "e"da linguagemordináriao qualconectafrasesinteiras umas com as outras3.O significadobásico de um enun-ciado do dia-a-dia da forma "p e q" está no fato de ele só serverdadeiro se ambas as frases componentes são verdadeiras.

,I'

.,,,

3. Muitas frases nas quais a palavra "e" está não entre sentenças, mas entreelementos intra-sentenciais são também, de acordo com sua forma semãntica, frasescomplexas da forma "p e q"; p. ex., "Maria e Pedra são louros" tem a forma "Maria é lourae Pedra é louro". A palavra "e" tem contudo ainda um segundo significado se ocorre, p.ex., em um enunciado como "Maria e Pedra conversam", o qual não pOde ser decompostoem "Maria conversa e Pedra conversa", sendo, ao contrário, um enunciado relacional comum termo geral de dois lugares e um par de dois tennos singulares.

92 93

Page 49: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

,

Contudo outras condições talvez tenham ainda importânciano falar cotidiano. Iríamos nos espantar com a asserção "Berlimé uma cidadegrande e 3 + 4 = 7", pois exigimos certamente,além da verdade das frases componentes, uma certa relação enteas mesmas no que toca seu conteúdo. Além disso, o "e" dalinguagem ordinária expressa freqüentemente uma sucessãotemporal.Para uma conjunção"p 1\ q" que só é verdadeirase"p" e "q" foremambos verdadeiros, a ordem de "p" e "q" é indi-ferente. Se, por outro lado, por exempl04,a frase "Elesse casarame tiveram um filho" é verdadeira, isso não significa que a frasena qual essas duas frases componentes aparecem na ordem in-versa será também verdadeira.

É especialmente problemática a equivalência da forma vero-funcional "p~ q" com as frases da linguagem ordinária da forma"se p, então q" as quais podem ser caracterizadas como frasescondicionais. O significado da implicação material "p ~ q" deveser entendido de modo que uma tal implicação será falsa se pfor verdadeiro e q falso, e será verdadeira para as outras trêscombinações possíveis dos valores de verdade das frases com-ponentes. De acordo com isso (1)"SeParis está situada na Fran-ça, então a grama é verde" é uma implicação material verda-deira; e o mesmo vale para (2) "Se Paris está situada na Ingla-terra, então a grama é verde" e para (3)"SeParis está situada naInglaterra, então a grama é azul". Essas três frases condicionaisnão seriam contudo usadas no falar do dia-a-dia; e é discutívelse, caso alguém as usasse, nós as caracterizaríamos como ver-dadeiras ou como sem sentido. O fato de não usarmos normal-mente tais frases possui duas razões.

Em primeiro lugar, usamos frases "se-então" na linguagemnatural de tal maneira que elas não são meramente verofuncio-nais, expressando adicionalmente um tipo qualquer de relaçãode fundamentação entre os dois enunciados componentes. Des-se modo, aceitamos na linguagem ordinária como significativasas seguintes frases condicionais: (a)"Sevocê colocou a água nofogo há 10 minutos, então ela agora está fervendo"; (b) "Sehojeé sexta-feira, amanhã será sábado"; (c)"SeMaria não vier, entãoela está doente". Consideramos essas frases condicionais como

."

4. Este exemplo é dado por Strawson, Introduction to Logjcal Theory, p. 80.

94

aceitáveis porque, ao recorrermos a determinadas regularidadesgerais, podemos justificar nesses casos a passagem da suposi-ção hipotética da frase antecedente para o que é dito na fraseconseqüente; p. ex., em (a)recorremosà lei causal de que a águaferve quando é aquecida durante um tempo determinado, em (b)à frase analítica de que o dia seguinte à sexta-feira é caracte-rizado como sábado, em (c) talvez a um conhecimento geral so-bre o caráter de Maria, i. é, ao fato de podermos contar a talponto com ela que ela só não vem quando está de fato doente.Recorremosassim, para a fundamentação de frases condicionaissingulares - como (a), (b)e (c) -, a determinadas frases condici-onais gerais que expressam regularidades, i. é, a frases com aforma '''Se p, então q' é logicamente necessário" (implicaçãoformal)ou '''Se p, então q' é fisicamente necessário" ou "'Se p,então q' é certo", ou a frases semelhantes. Se perguntarmos so-bre as condições de verdade desses enunciados, então será evi-dente que elas não podem ser indicadas por meio de tabelas deverdade; elas têm, ao contrário, que ser esclarecidas de outramaneira (sobre o significado de tais enunciados sobre regula-ridades, cf. capo 14).Eis a razão por que frases condicionais dalinguagem ordinária, que pressupõem uma relação de funda-mentação entre a frase antecedente e a frase conseqüente, nãose deixarem reduzir a uma implicação material definida pura-mente com base nas funções de verdade5.

Em segundo lugar, usa-se uma frasecondicional "se p, entãoq" normalmente apenas quando ou não se conhecem ou se querdeixar em aberto os valores de verdade de "p" e "q". Se se co-nhece, como em (1)e (2),a verdade de "q", então geralmente "q"será afirmado diretamente, não se fazendo a afirmação hipoté-tica ou condicional "se p, então q", que seria nesse caso desne-cessariamente fraca. E se o valor de verdade de "p" é conhecido,não se usam na linguagem ordinária frases do tipo "se-então",

5. Deve-se indicar que há outros tipos de frases condicionais na linguagem ordmáriaque não possuem condições de verdade adicionais, mas sim condições de verdadediferentes das da implicação material, e que também não asserem uma relação defundamentação; p. ex.: a frase "Se ele estava embaraçado, ele não se mostrou como tal"é simplesmente verdadeira se a frase conseqüente for verdadeira; e isso significa que ela,diferentemente da implicação material, é falsa se a frase antecedente e a frase conse-qüente forem ambas falsas. Cf. Strawson, Introduction to Logjcal Theory, p. 89.

95

4

Page 50: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

,r"

as quais sugeririam que estamos incertos sobre o valor de ver-dade de "p", mas sim frases complexas com outras expressõesconectantes de frases6.Por exemplo, uma vez conhecida a ver-dade das duas frases componentes, não diríamos "Se o ferro éum metal, ele é maleável"; usaríamos, ao invés, a formulação"Porque o ferroé um metal, ele é maleável". Essa formulaçãodáa entender que tanto "p" quanto "q"são verdadeiros e que existeuma relação de fundamentação entre "p" e "q". Ao invés de usara implicação material verdadeira "Se a argila é um metal, ela émaleável" com a frase antecedente falsa e a frase conseqüenteverdadeira, usaríamos na linguagem ordinária uma estruturasentencial concessiva, por exemplo: "Embora a argila não sejaum metal ela é maleável". E, ao invés de usar uma implicaçãomaterial verdadeira com a frase antecedente e a conseqüentefalsas - p. ex., "Se a madeira é um metal, ela é maleável" -,poderíamos na linguagem ordinária usar uma frase condicionalchamada irreal ou contrafactual, como "Se a madeira fosse ummetal, ela seria maleável".

7.3. Vemosportanto que alguns pontos se opõem à equiva-lência entre o uso das frases condicionais na linguagem ordináriae o uso da implicação material tal como definida pela lógica7.As

frases condicionais da linguagem ordinária são um exemplo defrases complexas; mas não dependem (ou não dependem ape-nas) do valor de verdade de suas frases componentes. Com issochegamos à questão sobre a forma semântica daquelas frasescomplexas que não podem ser compreendidas como verofuncio-nais, cujo valor de verdade não depende ou não depende exclu-sivamente do valor de verdade das frases componentes. Fregetratou detalhadamente de taís frases complexas na segunda par-te de seu artigo "ÜberSinn und Bedeutung".

Já tratamos de passagem de um tipo de frases compostasque não são (apenas) verofuncionais(p. ex., já se mencionaramas frases causais, i. é, frases da forma "p, portanto q" ou, o queaproximadamente vai dar no mesmo, "porque p, q". Frege escla-rece o significado de frases dessa forma através do exemplo"Porque o gelo é especificamente mais leve que a água, ele flu-tua na água". Ele diz que temos nesta frase não apenas doís, massím três componentes:

(1) O gelo é especificamente mais leve que a água;

(2) Se algo é especificamente mais leve que a água, entãoele flutua na água;

(3) O gelo flutua na água.

"O terceiro pensamento não precisou ser apresentado expli-citamente, já que está contido nos dois primeiros. Por outrolado, nem o primeiro e o terceiro nem o segundo e o terceirojuntos formariam o sentido de nossa frase. Vê-se agora quena frase subordinada

'porque o gelo é especificamente mais leve que a água'

tanto nosso primeiro pensamento quanto também uma partede nosso segundo estão expressos. Por isso ocorre que nãopodemos substituir nossa frase subordinada simplesmentepor uma outra com o mesmo valor de verdade; pois com issonosso segundo pensamento também seria alterado e o valorde verdade deste também seria facilmente atingido" ("ÜberSinn und Bedeutung", p. 63).

6. Sobre o que se segue, cL Tarski, lntroduction to Logjc and to the Methodologyof Deductive Sciences, 25.

7. Podem-se extrair desse fato duas conseqüências. Ou pode-se dizer que mesmoo significado das referidas frases complexas da linguagem ordinária deve ser compreen-dido puramente como verofuncional, sendo que os aspectos de seu uso que não seadequam a isso não pertenceriam á semântica das frases, sendo, sim, condições para queo proferimento de tais frases em situações concretas de fala seja relevante ou adequado.Ou pode-se dizer que a explicação verofuncional também indica um núcleo importantedo significado das mencionadas frases da linguagem ordinária, sendo contudo os aspectosadicionais tratados também um componente da semãntica dessas frases. É discutivel qualdessas duas concepções é a mais adequada. A primeira concepção é defendida, p. ex.,por Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 60, e por Quine, Methods of Logjc, § 3; asegunda por, p, ex., Strawson, lntroductjon to Logjcal T'heory, p. 83. Talvez a respostanão tenha que ser homogênea. Por exemplo, com referência a frases da linguagemordinária da forma "p e q", a primeira concepção se mostra como evidente (em todo casonas situações em que o "e" não expressar também uma seqüência temporal), i. é,poder-se-ia dizer neste caso sem hesitações que a exigência de que ambas as frasescomponentes devam se relacionar conteudisticamente não se funda no significado dessaforma sentencial, surgindo apenas quando se pergunta que proferimentos são adequadosna comunicação. E poder-se-ia dizer, por outro lado, que para as frases da linguagemordinária da forma "Se p, então q" a segunda concepção se apresenta como evidente,pois pertence às condições de verdade dessas frases o fato de ser apresentado na fraseantecedente qualquer tipo de razão ou causa para o que é dito na frase conseqüente.

Podemosentãodizero seguinte:umatal frasecausalé, porum lado, verofuncional,já que ela depende do valor de verdadedas duas frases componentes as quais têm que ser ambas ver-

96 97

Page 51: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Idadeirasno casodesta formasentencial(1ó!e 3ó!frasesdeFrege); Iela possui, por outro lado, ainda uma outra condição de verdade,indicada na 2" frase de Frege: não é suficiente que "p" e "q"sejam ambos verdadeiros, mas sim que "q" tenha que ser verda-deiro justamente porque "p" é verdadeiro e não por uma outrarazão. O que está dito em "p" tem que ser a razão ou a causapara o que está dito em "q". Umoutro exemplo para esse tipo defrase complexa seria o uso na linguagem ordinária da forma "pe q", o qual implica uma sucessão temporal, ou - para usar for-mas sentenciais nas quais isso está explícito - frases complexascomo "p, depois q" ou "depois que p, q". Para que uma tal frasecomplexa seja verdadeira, todas as três condições que se se-guem têm que estar preenchidas: (1) "p" ser verdadeiro; (2) "q"ser verdadeiro; (3)o que é dito em "p" ser temporalmente ante-rior ao que é dito em "q". A primeira e a segunda condição sãocondições verofuncionais,mas, devidoà terceira condição, osig-nificado de tais frases vai além de um significado meramenteverofuncional.

Travamos então conhecimento com dois tipos de frasescompostas: primeiramente, com aquelas frases complexas cujovalor de verdade depende exclusivamente do valor de verdadede suas frases componentes; trata-se das frases chamadas fun-ções de verdade; em segundo lugar, com aquelas cujo valor deverdade também depende, com efeito, do valor de verdade dasfrases componentes, mas depende, além disso, de um outro ele-mento. Mas há também um terceiro tipo de frases complexas,nas quais o valor de verdade das frases componentes não realizanenhum papel para a verdade da frase inteira. Consideremos, p.ex., uma frase como "Pedroacredita que Melbourne está situadana África"ou "Maria espera passar na prova fi. é, que ela passena prova]". Não se trata aqui de composições do tipo até agoraconsiderado, pois não se pode perguntar separadamente qual ovalor de verdade das frases componentes; o primeiro componen-te "Pedro acredita" não contém uma frase completa de modo ase poder perguntar qual seu valorde verdade; como formulaFre-ge, este componente não expressa um pensamento completo.Pode-se, com efeito, a partir do segundo componente, formaruma frase principal inteira a qual expressaria um pensamento

"

'."

98

-L

completo e teria conseqüentemente um valor de verdade; masesse valor de verdade da frase-"que" não importa no presentecontexto. Desse modo, o primeiro exemplo é verdadeiro se é defato o caso que Pedro acredita naquilo, independentemente deaquilo em que ele acredita ser verdadeiro ou, como nesse caso,falso. O valor de verdade da frase complexa não depende aquido valor de verdade da frase-"que", mas sim do sentido destaúltima (usando a terminologia de Frege: de seu pensamento);isso pode ser mostrado pelo fato de a frase inteira permanecerverdadeirase substituímosa frase-"que"por outras frases queexprimam o mesmo pensamento, mas nem sempre permanecerverdadeira se a substituímos por outras frases-"que" com o mes-mo valor de verdade. Essas frases complexas não são portantocompostas de acordo com a maneira até agora por nós tratada,segundo a qual as frases componentes eram sempre completasno sentido de poder possuir um valor de verdade; a frase-"que"está agora, ao contrário, no lugar de um componente sentencial,do objeto gramatical. Considerando-se de um ponto de vista se-mântico, lidamos aqui com enunciados relacionais com um pre-dicado de dois lugares como"... acredita..." e um par ordenadode duas expressões-sujeito, sendo que, no entanto, há a pecu-liaridade de apenas uma expressão-sujeito estar no lugar de umobjeto concreto, estando a outra no lugar de um objeto abstrato,

8de um pensamento.

Há finalmente frases complexas que, de um ponto de vistagramatical. possuem a mesma forma de "Pedroacredita que p",mas cuja forma semântica é mais complicada. Se consideramos

8. Com vistas à completude, deve ser indicado que há ainda um segundo tipoimportante de frases complexas nas quais a frase subordinada está apenas no lugar deum componente sentencia!. Tomemos de novo um exemplo mencionado por Frege, asaber: a frase "Quem descobriu a forma elíptica das órbitas dos planetas morreu namiséria". Aqui é válido não apenas para um, mas sim para ambos os componentes, o fatode eles não expressarem nenhum pensamento completo, de eles não poderem possuirvalor de verdade. Ao invés disso, tem-se a frase no seu todo como sendo uma frasepredicativa singular. A frase subordinada "Quem..." é o sUjeito e "morreu na miséria", opredicado. I. é: a frase inteira tem a mesma forma semântica que "Kepler morreu namiséria" e apresenta apenas a peculiaridade gramatical de que o sujeito não se mostraatravés de uma única palavra, mas sim através de uma frase subordinada.

99

Page 52: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

uma frase como "Pedra sabe que Melbourne está situada naAustrália", então neste caso, como diz Frege, a frase-"que" deveser tomada de um modo duplo, a saber: por um lado, de tal modoque seu valor de verdade contribua para o valor de verdade dafrase inteira, e, por outra, de tal modo que seu sentido ou pen-samento também contribua para este valor de verdade da frasetoda. A frase inteira é então verdadeira se, primeiro, "Pedroacre-dita que Melbourne está situada na Austrália" é verdadeiro e, emsegundo lugar, se "Melbourne está situada na Austrália" é ver-dadeiro; pais com "ele sabe" damos a entender algo de diferentedo que com "ele acredita", a saber: damos a entender que aquiloem que ele acredita é verdadeiro; por isso o fato de o enunciadoda frase-"que" ser verdadeiro é um componente das condiçõesde verdade da frase inteira. Mas, além disso, pertence às condi-ções de verdade da frase inteira o fato de existir uma relaçãodeterminada entre Pedro e o pensamento contido na frase- "que"e, com relação a este aspecto, é o sentido da frase subordinadaque importa para a verdade da frase inteira.

" INDICAÇÕES BffiLIOGRÁFICAS:

-"

Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 50s.Quine, Methods of Logie, § 3.

Strawson, IntrodueUon to Logieal Theory, capo 3.

Waismann, Logik, Spraehe, Philosophie, capo 18.

Univ. São Judas TadeuRua Taquari. 546

Tel. 6099.1999 - R. 1349

100

--. - .

r

<6O!>

TIERMOS6IERAIS~ CONCIEITOS~CLASSES

Nos capítulos 6 e 7 vimos que o significado de frases não sim-ples remete, de diversas maneiras, dependendo de cada caso, aosignificado de frases mais simples. De acordo com a concepçãoatual. esse reenvio deve ser compreendido do seguinte modo:Pressupõe-se que compreender uma frase enunciativa significasaber do que depende sua verdade. O reenvio consiste portantono fato de o valor de verdade da frase não simples (seja geral,seja complexa)depender de m. A formamais simplesde taldependência se dá quando o valor de verdade de uma frase com-plexa depende, de um modo determinado, dos valoresde verda-de de suas frases componentes e quando o valor de verdade defrases gerais depende, de um modo determinado, do valor deverdade de frases predicativas singulares. Essa concepção atualse diferenciada concepção tradicional. segundo a qual as frasesgerais seriam, também no sentido semântico, um tipo de frasepredicativa e o significado das frases complexas se comporia,dealgum modo, do significado de suas frases componentes. Essereenvio do significado de todas as outras frases a frases predica-tivas singulares mostra serem estas as frases enunciativas ele-mentares; ou ele mostra serem os enunciados predicativossingulares as unidades elementares do discurso assertórico. Jávimos no capítulo 6 que, no que toca essas frases enunciativaselementares, é sensato dizer que compreendemos o significadodas mesmas se compreendemos sua condição de verdade; e issosignifica neste caso: uma frase que tem a estrutura semântica"Fa" (e algo análogo é válido para "Rab")é verdadeira, se

101

Page 53: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

(1) o termo geral "F" convém ao objeto a, ou

(2) o objeto a cai sob o conceito no lugar do qual está "F",ou

(3)o objeto a é um elemento da classe que está determinadapor "F".

)

Essas três formulações são equivalentes; elas se diferenciamapenas pelo fato de em (1) se falar meramente da expressão lin-güística (do termo geral), enquanto que em (2) e (3) faz-se refe-rência àquilo no lugar de que está essa expressão, sendo queessa referência difere segundo se tome (2) ou (3). Temos portantoque nos entender acerca da relação entre esses três conceitos -termo geral, conceito, classe. A frase predicativa singular consis-te de dois membros, um termo singular (ou, mais de um, no casodos enunciados relacionais) e um termo geral; e, enquanto queno caso do termo singular estar claro no lugar de quem ele está,a saber: no lugar de um objeto (geralmente) concreto, isso não étão claro no caso do termo geral. Diferenciam-se objetos concre-tos e objetos abstratos. Objeto é tudo o que é algo (fala-se tam-bém de "entidades"). Objetos concretos são aqueles que podemser identificados, no espaço e no tempo, como objetos materiaisou acontecimentos. Objetos abstratos (ou também chamados'ideais') são aqueles que não são identificáveis deste modo.Exemplos de objetos abstratos são: números, Proposições (enun-ciados, pensamentos no sentido de Frege) e também classes.Conceitos não são, é certo, objetos concretos; então, ou bem sãoobjetos abstratos ou são entidades, não são algo (mas como podehaver algo que não seja algo?). Essas dificuldades que surgemno caso de classes e sobretudo no caso de conceitos já mostrampor que muitos preferem falar apenas de expressão lingüística -de termo geral. Essa concepção é caracterizada como "nomina-lismo"; existe, segundo essa concepção, apenas o "nome", aexpressão lingüística, e não o chamado "universal", um algo uni-versal no lugar do qual o nome estaria. Trata-se aqui portanto dadisputa dos universais. No que se segue serão mencionadas al-gumas das etapas histó:{Ícas mais importantes da reflexão sobre'conceitos' .

. 'I1

.'i! I,

102

f

8.1. O primeiro a atentar para esse problema foi Platão. Emseus primeiros diálogos, Sócrates faz determinadas perguntas dotipo "o que é...?": o que é belo, o que é corajoso, o que é justo,etc.? É evidente que uma tal pergunta é, nestes casos, ambígua.A pergunta "O que é belo?" pode ser entendida como uma per-gunta visando, como resposta, a uma enumeração de objetosbelos e é inicialmente compreendida equivocadamente destemodo pelos parceiros de diálogo de Sócrates; Platão contudo aentende como uma pergunta sobre o que é (significa)ser belo(cf. Hipjas major 287d s). PIatão caracteriza o que ele tem emvista também do seguinte modo: O que é o belo, o que é o beloem si? Busca-se - como diríamos hoje - a definição do conceito.Dizia Platão: temos que diferenciarcom respeito a cada termogeral entre, por um lado, os muitos F, i. é, muitos objetos belosque podem ser mais ou menos belos e que podem ser belos emum momento e em seguida ser outra vez não-belos, e, por outrolado, entre o F em si, a beleza, que é una e inalterável e não éperceptível pelos sentidos, chamado por Platão de a "idéia(jdéa)"('o contemplado'). As idéias são desse modo entes não-sensíveis (na terminologia atual: objetos abstratos). Platão carac-terizou a relação ente a coisa particular que tem tal ou talqualidade e a qualidade ela mesma (a idéia) como uma relaçãode participação (méthexís). O próprio Platão já antecipou, emseu diálogoParmênjdes, a crítica aristotélica a essa concepção(131as): Como pode uma única idéia, sendo uma única e semse despedaçar, estar presente nas muitas coisas que dela parti-cipam?

8.2. Aristóteles usa o termo "eidos" (traduzido em latim por"forma"e "species") e fala também simplesmente de "o univer-sal" (tôkathólou) (traduzido em latim por "universale").Elerejei-ta a concepção das idéias como entidades autônomas, existen-tes, segundo Platão, desprendidas do ente sensível, i. é, existen-tes como as próprias coisas particulares - só que seriam supra-sensíveis. A oposição entre a concepção platônica e a concepçãoaristotélica foi, na Idade Média, formulada como oposição entreunjversaliaante res (os universais existiriam anteriormente e in-dependentemente dos objetos concretos) e unjversaJjajn rebus(eles existiriam apenas nas coisas concretas). Pode-se contudo

103

Page 54: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

I .

pôr em dúvida se essa concepção dos "universaliain rebus" é defato uma alternativa ou apenas uma ilusão1.A objeção do des-pedaçamento - de que se falou no final do parágrafo anterior -parece ser válida de modo ainda mais reforçadocom respeito aos"universalia in rebus". Deve-se então criticar Aristóteles por terassumido, perante Platão, uma posição meramente negativa: osuniversais não devem existir como entidades autônomas; masele não diz como eles devem ser então compreendidos. A únicaquestão aqui é de fato a seguinte: Existem universais ou nãoexiste nenhum universal? E, se existem, isso significa serem elesentidades próprias?

8.3. A concepção platônica e a aristotélica foram reunidassob o rótulo de realismo (dos universais).(Os universais existemde fato).Na Idade Média houve duas alternativas a essa posição:por um lado, o nominalismo (os universais não existiriam; exis-tiriam apenas as expressões lingüísticas); essa posição se depa-ra com a dificuldade de ter de esclarecer como uma expressãoque, enquanto tal, é apenas um objeto concreto, pode ter a fun-ção de um termo geral sem, contudo, se referir a um universal;por outro lado, o conceitualismo, segundo o qual os universaisnão existiriam de fato na realidade, mas sim apenas na mente,no pensamento: eles seriam gerados no pensamento por "abs-tração". Nossa palavra "conceito" é uma tradução de "concep-tus".

8.4. A concepção conceitualista foia que se impôs no inícioda modernidade. Ela corresponde à concepção psicológica dalógica. A lógica de Port-Royal fala de idéias universais (idéesuniverselles)obtidas por abstração. Domesmo modo, Lockefalade "abstract ideas" e Kant entende por conceitos "representa-ções universais" (Logik, § 1; cf. também CRP,B 377). Deve-seatentar para o fato de que a palavra "idea" tem, no início damodernidade, tanto em latim como em francêse inglês, o mesmosignificado da palavra alemã "Vorstellung(representação)", nãotendo mais nada a ver com o significadoplatônico de "idéa".

. I"."

1. Cf. Stegmüller, "Das Universalienproblem einst und jetzt", p. 205s.

104

1I

-

8.5.Antes de abordarmos as dificuldades da concepção con-ceitualista, deve-se mencionar um aspecto da teoria do conceitoda Lógica de Port-Royalque se tornou historicamente importan-te. Em I, 6 é traçada a diferenciaçãoentre compréhension ('con-teúdo') e étendue ('âmbito') de um conceito (d. também Kant,Logik, § 7). O conteúdo conteria todos os atributos de um con-ceito; p. ex., o conceito de bezerro contém, entre outros, os atri-butos "animal", "mamífero", "ruminante". O âmbito conteriatudo o que cai sob o conceito. É pouco claro, com respeito a esteponto, se por "âmbito" deve-se entender os conceitos subordi-nados ou os objetos aos quais o conceito é aplicável. Frege apon-tou para o fato de que esta diferença entre conceitos subor-dinados e objetos aos quais o conceito é aplicável não é umadiferença gradual, mas sim uma diferença lógica bem demarca-da2. Um conceito superior (Oberbegriff)é aplicável apenas aosobjetos que caem sob ele e não ao conceito a ele subordinado(Unterbegriff)(não se pode dizer: "O conceito 'bezerro' é umanimal");Bé um conceito subordinado a A se tudo o que cai sobB cai também sob A. sendo que a recíproca não é válida. Hojeem dia a expressão âmbito (extensão) de um conceito é usadade modo inequívoco para o conjunto dos objetos que caem sobele (o conjunto de todos os bezerros forma o âmbito do conceito'bezerro'). Com respeito ao outro conceito, ao conceito de con-teúdo, o lógico inglês Hamilton substituiu no século XIXo termo"comprehension" pelo termo "intension". Daí a diferença atualentre extensão e intensão. Contudo não se fala mais de extensãoe intensão do conceito, mas sim de extensão e intensão do termogeral, e diz-se freqüentemente que a intensão é o conceit03.Oque importa aqui é sobretudo que dois termos gerais podem tera mesma extensão (i. é, eles convêm exatamente aos mesmosobjetos, têm o mesmo âmbito, determinam o mesmo conjuntoou classe) e podem ter, no entanto, intensões diferentes (eles

2. Frege, "Über Begriff und Gegenstand" , p. 75s.

3. Cf. p. ex. Carnap, Meaning and Necessity, § 4. Carnap não fala de conceitos, massim de "propriedades".

105

Page 55: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

."

estão no lugar de dois conceitos diferentes, i. é, têm significadosdiferentes; e isso quer dizer que seria pensável que seus âmbitosfossem diferentes, embora eles de facto não o sejam). Umexem-plo são as palavras "ruminante" e "ungulado": elas têm a mesmaextensão, mas não a mesma intensão.

8.6. Devemosnos perguntar agora se o conceitualismo esca-pa às dificuldades nas quais o realismo dos conceitos havia caí-do. Uma vez que a dificuldade com respeito aos universaisconsistia na relação entre o universal por um lado e as coisasparticulares concretas por outro, não é, em primeiro lugar, clara-mente visível que essa dificuldade já se deixe solucionar pelofato de o universal se constituir, agora, no pensamento. Em se-gundo lugar, pergunta-se se a psicologização do universal nãotraz consigo até mesmo dificuldades adicionais. Essas dificulda-des se tornam visíveis sobretudo no tratamento que Lockedá às"abstract ideas". Pode-se representaralgo universal. p. ex., umtriângulo em geral? Este seria então, diz Locke (Essay Concer-ning Human Understanding,livroN, capo7, § 9),a representaçãode um triângulo que não fosse nem obtusângulo nem retângulonem acutângulo, mas que fosse, sim, "tudo isso e nada disso aomesmo tempo". Essa concepção, publicada em 1690,foisubme-tida em 1710a uma crítica aniquiladora na íntrodução do Trea-Use Concerning the Principies of Human Knowiedge, deBerkeley.Berkeleyindica que só se pode representar sempre algodeterminado; não haveria portanto representações abstratas; e,assim, Berkeleyse vê forçado a recorrer,face ao conceitualismo,ao nominalismo.

8.7. O problema foi retomado novamente por Husserl na se-gunda de suas Logische Untersuchungen (1900/01)("Aunidadeideal da espécie e as teorias modernas da abstração". Husserlesclarece que tanto Locke quando Berkeleypressupõem ilegiti-mamente que, no caso da representação de algo universal,tería-mos a ver com uma representação sensível, uma representaçãoda imaginação. Seria certamente absurdo querer representar oconceito universal de triângulo na imagínação poís isso signifi-caria pensar o universal como se fosse um particular que cai sobo universal. o que seria de fato absurdo. Trata-se na verdade,

106

Isegundo Husserl, de uma forma de representar de nível maiselevado, de um representar não sensíve14.Com essa concepção,Husserl retoma novamente Platão no interior da tradição do con-ceitualismo. Há para ele, como para Platão, "objetos universais"(ibid., §§ 1-2), só que estes se constituem, diferentemente dePlatão, apenas no pensamento (em um ato de pensamento queele caracteriza como "abstração eidética").

Contra essa concepção de Husserl pode-se perguntar o se-

guinte: 12como se podem comprovar essas representações denível mais elevado? Uma tal aceitação só pode ser, em últimainstância, uma pressuposição não passível de justificação (comrelação à qual Husserl apela certamente para a evidência)5;2Qasmesmas objeções que são válidas contra Platão são válidastam-bém contra Husserl. Deve-seperguntar sobretudo como se pode,segundo essa concepção, pensar o significado de uma frasepre-dicativa singular. Umavez que o termo geral deve estar no lugarde um objeto universal, tem que se tomar como válido que afrase predicativa singular expressaria uma determinada relaçãosintética entre o objeto universale aquele objeto no lugar do qualestá o sujeito da frase. Comisso nos encontramos de novodianteda dificuldade referidano capítulo 6 resultante do fato de a con-cepção tradicional compreender o significado da frase predicati-va singular como uma composição. O problema atual- como sedevem entender conceitos adequadamente - e o problema docapítulo 6 - como se deve compreender o significado de uma

4. Uma indicação importante nesta direção, indo mesmo mais adiante do queHusserl, mas tendo permanecido uma indicação, é a teoria de Kant dos conceitos comoesquemas. i. é. como regras da sintese. "O conceito de cão significa uma regra segundoa qual minha imaginação pode esboçar de modo geral a forma de um animal de quatropatas. sem estar limitada a uma forma particular qualquer, que me é dada pela experiência,ou mesmo a uma imagem possível qualquer que eu exibiria jn concreto" (CRP,B 180).Oque Kant caracteriza aqui como "imagem" é toda representação da imaginação. Kantescapa à objeção feita a Locke, pelo fato de o conceito estar no lugar de uma regra e nãode uma imagem.

5. De modo mais detalhado em Tugendhat, Vorlesungen zur EÍnführung jn dÍesprachanalytische Philosoprue, preleção 11.

107

Page 56: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

frase composta por um termo singular e um termo geral - estão--yrdiretamente correlacionados6.

8.8. Husserl não havia se dado conta de que o artigo deFrege "Funktion und Begriff", publicado dez anos antes das Lo-gische Untersuchungen, abrira uma perspectiva totalmente novapara a compreensão tanto dos conceitos quanto da semânticadas frases predicativas singulares. A nova idéia de Frege está nofato de se conceberem palavras conceituais (termos gerais) comoum tipo de expressão funcional. Frege parte inicialmente da si-tuação dessa questão na matemática. Tomemos, p. ex., a função(o próprio Frege usa essa palavra de outro modo) y = Y? Depen-dendo daquilo por que nós substituímos o x, obtemos um ououtro valor para y. Frege diz então que a verdadeira expressãofuncionalé simplesmente"( )2", i. é, umaexpressãocomumespaço vazio, uma expressão incompleta. Se substituímos o es-paço vaziopor uma expressão numeral. obtemos uma expressãoque é completa na medida em que ela se refere a um númerodeterminado, e este é então o valor da função para o argumentosubstituído no lugar vazio. Se, p. ex., inserimos a expressão "3"Ila expressão funcional "( )2",teremos então a expressão com-Pleta (3)2que se refere ao número 9. Por meio de "(3f" referimo-Ilos ao número 9, só que como uma função determinada de umOutronúmero, o número 3. Isso também pode ser estendido aexpressões não matemáticas. Ao invés de falar da cidade deBerna, posso, p. ex., me referir à mesma cidade como uma de-terminada função de uma outra coisa, caracterizando-a, diga-IIlos,como "a capital da Suíça". A expressão "a capital de ( )" éUmaexpressão funcionaldo mesmo modo que "( f", sóquecom

:'

"

6. Husserl pensou isso do seguinte modo: A frase "O castelo é vermelho" é

verdadeira se o castelo está composto com 'o vermelho' na maneira aqui em questão (ede modo análogo Platão teria dito: Se o castelo 'participa' do vermelho). Mas issopressupõe que nós compreendemos em que consiste "a composição na maneira aqui emquestão" ou, respectivamente, a "Participação". A posição contrária é a seguinte: EssacOmposição ou participação só pOde ser definida se se remonta á verdade da frase. Afrase acima deve ser então invertida: o castelo está composto com o vermelho se oenlU1ciado expresso em "O castelo é vermelho" é verdadeiro. Essa questão é exposta demOdo mais preciso em Tugendhat, Vorlesungen zur Emführung m rue sprachanalytjschePhilosophie, p. 67s.

108

--L

a diferençade que, agora, os argumentos são países e os valores,cidades, enquanto que no primeiro caso tanto os argumentosquanto os valores eram números. Em ambos os casos, tanto osargumentos quanto os valores são objetos (o que pode ser vistopelo fato de as respectivas expressões serem termos singulares).

Através dessa abordagem funcional,Frege mostra como ter-mos singulares mais complexosseriam funções de outros termossingulares.

Não parece sensato dizer que o objeto no lugar do qual estáa expressão "a capital da Suíça" (i. é, Berna) seja composto deSuíça e do objeto no lugar do qual está a expressão "a capitalde"; mas é, ao contrário, sensato dizer que, se essa função écompletada pelo argumento no lugar do qual está a expressão"Suíça",o objeto (Berna)é referidocomo valorda funçãono lugarda qual está a expressão "a capital de ( )".

Frege substitui deste modo uma concepção segundo a qualo termo singular complexo estaria no lugar de um composto poruma concepção funcional. Ora, vimos que a idéia de um com-posto leva a um beco sem saída justamente no caso das frasesinteiras compostas de um termo singular e um termo geral. Ha-veria então para Frege algo mais compreensível do que estendera abordagem funcional, que ele havia aplicado com tanto suces-so a termos singulares complexos, também a frases predicativassingulares? Tomemos uma frase qualquer, p. ex., "Bach é umcompositor". Frege compreende agora também o termo geralcomo expressão funcional. i. é, como uma expressão com umespaço vazio: "( ) é um compositor".Enquantoque,no casoanterior, resultou, dependendo de qual referência objetual nóscolocávamos no espaço vazio,uma expressão para um outro ob-jeto, resultará agora, dependendo de qual referência objetualnóscolocamos no espaço vazio, uma frase verdadeira ou falsa. Secompletamos "( ) é um compositor" com "Bach", obtemos algoverdadeiro;se completamos"( ) é um compositor" com "Kant",obtemos algo falso.Frege se expressa a esse respeito do seguin-te modo: Se a expressão funcional é um termo geral, então osvalores possíveis da função são valores de verdade. Dessa ma-neira Frege consegue também compreender o significado da fra-se predicativainteira de modoa que esta não mais estejano

109

Page 57: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

"rI"

lugar de um composto (i. é, de um composto de um objeto indi-vidual com um universal); o que se tem é o fato de a verdade dafrase depender do termo singular em função do termo geral,compreendido como expressão funcional. Compreender uma talfrase significa, como no caso de toda frase assertórica, conhecera condição sob a qual ela é verdadeira, e essa condição consiste,nesse caso, exatamente no que foi antecipado nas três formula-ções da p. 102.

8.9. Mas agora deve-se colocar a questão sobre qual dessastrês formulações seria a fundamental. Segundo Frege, seria asegunda. É que Frege parte do fato de que as expressões fun-cionais, embora elas sejam expressões incompletas (necessitan-tes de complementação, insaturadas) e enquanto tais não este-jam no lugar de objetos, estariam contudo também no lugar dealgo. Aquilo no lugar de que está a expressão funcional é cha-mado por Frege de função, sendo que, se a expressão funcionalé um termo geral,a função é chamada de conceito.Frege é entãoum platonista na medida em que também para ele todo termogeral está no lugar de algo, de um conceito. Com efeito ele sediferencia quanto a esse ponto da tradição moderna clássica,pois para ele os conceitos não devem ser compreendidos demodo conceitualista, sendo, sim, antes, algo totalmente objetivo,como eram para Platão. E ele se diferencia de toda a tradiçãoatravés de sua concepção funcional da frase predicativa. Essaconcepção possibilitou-lhe a seguinte elegante formulação:Umafrase "Fa" é verdadeira se o objeto a cai sob o conceito F. Umaoutra diferença é sua idéia de o conceito ser, com efeito, algo,mas não ser um objeto.

As duas frases anteriores mostram que a concepção de Fre-ge também leva a dificuldades. Pois: primeiro, não seria absurdofalar de algo que não é um objeto (i. é, que não é um algo, cf. p.102)?E segundo: falar,como Frege, de uma relação em que umobjeto cai sob um conceito não necessitaria - do mesmo modoque falar,como Husserl, de uma relação de composição ou falar,como Platão, de uma relação de participação - um esclarecimen-to? Essas dificuldades explicam por que na filosofia analíticaatual se retomou, em geral, a uma concepção nominalista.

, . 11.I !I'

..,

110

T

8.10. Contudo um nominalismo só é defensável se não sesatisfaz com a declaração negativa de que nós teríamos apenassinais verbais. Temos que tornar inteligível, também de modopositivo, como um sinal verbal pode ter a função de um termogeral sem se referir a algo universal. Wittgenstein deu uma talexplicação através de sua concepção de que o significado deuma expressão verbal, em geral, e de um termo geral, em parti-cular' consiste em seu modo de uso. Wittgenstein fez a seguintepergunta: como nós explicamos a alguém o significado de umtermo geral como, p. ex., "vermelho"? Não é através de remeter-mos essa pessoa ao conceito no lugar do qual este termo estaria,pois isto não poderíamos fazer: conceitos, mesmo que eles exis-tam, não são algo para o qual se possa apontar. Explicamos aalguém a palavra "vermelho", quando lhe mostramos o modo deuso desta palavra, e fazemos isso por meio de exemplos positivose negativos. O fato de o outro saber usar a palavra da mesmamaneira mostra que ele compreendeu a explicação. Para issonão é necessária a hipótese adicional de que ele tenha que re-presentar algo universae.

Uma vez tomado como aceito que essa concepção é correta(quanto a isso pode-se naturalmente discutir), pode-se agora re-formular nominalisticamente a teoria funcional do significado dafrase predicativa proposta por Frege. Isso é feito ao se reconhecera formulação (1) da p. 102 como a formulação primária:

Uma frase "Fa" é verdadeira se o termo geral "F" convémao objeto a.

Poder-se-ia perguntar como a expressão "convém"é aí en-tendida. Seguindo-se o método acima indicado, como, p. ex., apalavra "vermelho" é usada, explica-se justamente através deexemplos o que significa "vermelho"convir ou não convir a umobjeto.

7. Cf. Wittgenstein, Investigações filosóficas, §§ 65-73; Tugendhat, Vorlesungen zurEinführung in clie sprachanalytische Philosophje, preleção 11; Karnlah/Lorenzen, LogjschePropadeutik, capo 1, § 2.

111

Page 58: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

8.11. Assim como fizemos no capítulo 2, p. 24, definindo oenunciado (ouproposição) como o que é comum a todas as frasesenunciativas de mesmo sentido, podemos definir também agorao conceito como aquilo que é comum a todos os termos geraisusados de um mesmo modo (tendo nessa medida o mesmo sen-tido). Se "vermelho"e "rouge" são usados do mesmo modo, elesestão no lugar do mesmo conceitos. Podemos (e, dado o caso,temos que) falar também, agora, de conceitos, mas, se nos éperguntado qual é o conceito que visamos, podemos respondera essa pergunta apenas na medida em que remetemos à expres-são lingüística correspondente. Foi mostrado na p. 102que ob-jetos abstratos são aqueles que não podem ser identificados noespaço e no tempo. Podemos agora complementar positivamen-te este enunciadonegativo: objetos abstratos são aqueles que sópodemos identificar recorrendo a expressões lingüísticas.

Podemos agora também definir a relação fregiana do "cair"de um objeto "sob" um conceito, relação esta que permaneceupouco clara no próprio Frege9:

a cai sob o conceito F = def. O termo geral "F" convémao objetoa.

"8.12. A formulação (3), mencionada na p. 102, tem que re-

correr além disso a duas outras formulações. Só podemos intro-duzir classes (conjuntos) por meio de conceitos ou de termosgerais. Um conjunto é uma coleção ou uma classe de objetos detal modo que de qualquer objeto está determinado se ele é ounãoé umelementodessaclasse("Conjunto", "coleção", "classe"são expressões equivalentes). Cada termo geral determina umtal conjunto; p. ex., o termo "vermelho" determina a classe detodos os objetos vermelhoslO.

'",

8. Cf. Lorenzen, Methodjsches Denken, p. 35s.

9. Cf. Tugendhat, Vorlesungen zur Elnführung ln dje sprachanalyUsche Philosophje,p. 194s.

10. Poder-se-ia pensar que se pode definir um conjunto por meio da enumeraçãode seus elementos, ao invés de por meio de um termo geral. Assim poder-se-ia ter emvista o conjunto que consiste de Ruth e Eva. Não é contudo suficiente dizer que oselementos desse conjunto são Ruth e Eva; pois, se deve ser determinado acerca dequalquer objeto se ele é um élemento desse conjunto, deve-se então dizer: os elementosdesse conjunto são Ruth e Eva e nenhum objeto que não seja idêntico a Ruth ou Eva.Isso acarreta contudo esse conjunto consistir de todos os objetos aos quais o termo geral"é idêntico a Ruth ou Eva" convém.

112

Um conjunto C é idêntico a um conjunto C' se ambos con-têm exatamente os mesmos elementos. Esse princípio é carac-terizado como princípio da extensionalidade. Ele correspondeàquilo que foi exposto no final de 8.5. Dois termos gerais quepossuem um modo de uso diferente, i. é, que estão no lugar dedois conceitos diferentes, podem, de acordo com esse princípio,estar no lugar do mesmo conjunto ("ungulado", "ruminante").Isso pressupõe que os conceitos estejam, por sua vez, definidosde modo intencional. como é comum hoje em dia (Fregeos haviadefinido de modo extensional).

8.13. Pode-se ainda perguntar: De acordo com a redução,realizada em 8.11, dos conceitos ao modo de uso dos termosgerais, será que a estranha concepção de Frege de que um con-ceito não é um objeto ainda permanece válida? Devem-se dife-renciar as expressões "vermelho" (ou "é vermelho") e "o verme-lho". A primeira é um termo geralconcreto, i. é, um termo geral)aplicável a objetos concretos; o segundo é um termo singularabstrato, i. é, um termo singular que está no lugar de um objetoabstrato - de um universal. O fato de o vermelho ser um objetoabstrato é também reconhecido por Frege11. Mas ele valorizaofato de também o predicado "é vermelho" estar no lugar de algo,e esse algo (i. é, o conceito no sentido de Frege) não poderia sernenhum objeto já que ele seria "essencialmente predicativo".Frege só pôde imaginar sua concepção funcional - que na ver-dade se orienta pela linguagem - de maneira que tudo no planolingüístico tivesse um correspondente objetivo, i. é, as expres-sões funcionais também estariam no lugar de algo que, no en-tanto, não pode ser um objeto. A duplicação daí resultante deessências abstratas (primeiramente os conceitos essencialmentepredicativos e em segundo lugar os objetos abstratos nos quaisestes conceitos têm que ser "transformados" se o termo singularabstrato a eles correspondente for usado) é supérflua e levouFrege a dificuldades desnecessárias12.

11. Frege, "Über Begriff und Gegenstand", p. 71.

12. Cf. sobre esse ponto Searle, Speech Acts, capo 5, § 1.

!I

i

1

113

Page 59: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:

Frege, "Funktion und Begriff".

Wittgenstein, Investigações filosóficas, §§ 65-73.

Lorenzen, Methodisches Denken, p. 30-36.

Tugendhat, Vor]esungen zur Einführung jn die sprachanalytjschePhi1osophie, preleção 11.

.i,I'

'I

',.

114

" '.,-

9~TERMOS SJ1N6ULARES

No capítulo 6 vimos que um enunciado predicativo singular éverdadeiro se o termo geral convém ao objeto no lugar do qualestá o termo singular. No capítulo 8 foi então abordado o signi-ficado de um componente de tais enunciados, o significado dotermo geral; sua função consiste em classificar o objeto no lugardo qual está o termo singular e, deste modo, diferenciá-Ia deoutros objetos. A função do termo singular consiste, de acordocom essa formulação provisória, no fato de ele estar no lugar deum objeto. A questão sobre o significado dos termos singularesseria então a questão sobre o que significa mais exatamenteuma expressão estar no lugar de um objeto.

Devemos atentar inicialmente para o fato de a palavra "ob-jeto" ser usada na filosofiaem um sentido mais amplo do que nalinguagem ordinária. Na linguagem ordinária entendemos por"objeto" sobretudo coisas materiais; e mesmo assim nem todasas coisas materiais são tidas como objetos, pois não caracte-rizaríamos pessoas ou talvez seres vivos em geral como objetos.De acordo com o uso deste termo na filosofia,pessoas e outrosseres vivos também seriam incluídos entre os objetos, sendoademais não apenas os objetos materiais, mas também, confor-me já vimos em parte, objetos abstratos como números, estados-de-coisas e conceitos considerados na filosofia como objetos.Um objeto - nesse sentido amplo como a expressão é usada nafilosofia- é justamente tudo aquilo no lugar de que podem estartermos singulares em enunciados predicativos singulares, ou,como se disse no capítulo 8, tudo para o qual se pode usar apalavra "algo". Mas vamos limitar-nos aqui àqueles termos sin-

115

Page 60: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

.'.~

guIares que estão no lugar de objetos materiais, excluindo a pro-blemática dos acontecimentos e dos objetos abstratos.

Há três tipos diferentes de tais termos singulares. Primeira-mente, nomes próprios como "Pedro" ou "Paris". Em segundolugar,pronomes como "isso", "ele", "aqui", etc., que são chama-dos expressões dêiticas ou expressões dependentes contextual-mente (cf. cap. 2, final); L é, uma frase como "Ele vem" é umafrase dependente contextualmente com a qual só se pode fazerum enunciado que é verdadeiro ou falsocom o acréscimo de umasituação determinada. Em terceiro lugar, há termos singularescomo "a capital da França", "oautor da fliada", etc.,os qumssãocaracterizadoscomo descIÍções deflnidas, por estarem no lugarde um objeto de modo a dar uma descriçãoou uma caracteristicado mesmo. Pronomes demonstrativos como "isso" ocorrem nomms das vezes ligados a uma expressão descritiva,p. ex, "esselivro".

A tradição orientou-se basicamente pelos termos singularesdo tipo nomes próprios, pois estes eram considerados como osfundamentais e se pensava que nesse caso a relação entre otermo singular e o objeto poderia ser compreendida do modomais simples; apenas a partir de Frege existe a opinião que osnomes próprios têm justamente o modo de uso mais complicadoe pressupõem os outros tipos de termos singulares. Examine-mos, como exemplo da concepção tradicional, a teoria de Mill,pois Millelaborou detalhadamente essa concepção, e em segui-da consideremos o desenvolvimento posterior. .

9.1.Mill1chama todos os termos, tanto os singulares quantoos gerais, de nomes. Podemos contudo nos limitar à sua concep-ção dos termos singulares, caracterizados por ele como nomesindividuais. Mill traça a importante diferenciação entre a deno-tação e a conotação de um nome. Uma expressão é denotativaquando ela se refere a algo, quando ela está no lugar de umobjeto. Ela é conotativa quando, além de se referir a algo, "ex-pressa algo conjuntamente". Descrições definidas têm tanto

I'"

1. Mill, A system af Lagi.c, capo 2, §§ 1-5.

116

~

uma denotação como uma conotação;p. ex., a expressão "acapital da França" se referea (denota) a cidade de Paris e faz issoao expressar uma de suas propriedades, a saber: o fato de elaser capital da França. Nomes próprios, ao contrário, têm apenasuma denotação, não tendo uma conotação; o nome "Paris" serefere à cidade de Paris, mas sem dar a entender uma proprie-dade do objeto referido.

Comose deve compreender, de acordo com essa concepção,que um nome próprio está no lugar de um objeto? O nome pró-prio não possui, segundo Mill, nenhuma conotação; temos por-tanto, por um lado, o objeto e, por outro, o símbolo lingüística,o nome que deve estar diretamente coordenado ao objeto. Po-der-se-ia tentar pensar essa coordenação de modo que o nomefosse preso de alguma maneira ao objeto real, p. ex., do mesmomodo que os nomes de navios são pintados nos mesmos. Essaanalogia, no entanto, não se sustenta, pois o nome pintado oupreso não se distancia do objeto ao qual ele está preso, enquantoque nós, ao contrário, podemos também usar o nome própriocomo símbolo lingüístico, mesmo quando o objeto no lugar doqual ele está não se encontra diante de nós. Além disso, se pren-dêssemos o nome em algum objeto, não estaria claro se coorde-namos o nome ao objeto inteiro ou, p. ex., apenas à parte sobrea qual o nome está colado. De mais a mais, há nomes como"Odisseu" que não estão no lugar de objetos reais, mas sim nolugar de objetos fictícios, não se tendo neste caso nada a quepudéssemos prender o nome.

Mill soluciona essas dificuldades dizendo que o nome não écoordenado ao objeto, mas sim à idéia do objeto que está per-manentemente armazenada em nossa consciência e pode serreatualizada a cada vez que ouvimos ou usamos o nome. Comisso poder-se-ia também escapar ao segundo problema, poispode-se dizer que podemos construir objetos fantasiasos naconsciência sem que haja algo a eles correspondente na realida-de. Pode-se caracterizar a concepção de Mill, segundo a qual acoordenação entre nome e objeto consiste de uma associaçãoentre símbolo e idéia, como concepção psicológica dos nomespróprios.

Essa concepção leva contudo a dificuldades. A idéia nãopode ser simplesmente uma idéia do objeto nomeado no sentido

117

Page 61: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

J)

usual de uma imagem intuitiva, pOisuma tal imagem é sempreuma imagem determinada na qual tenho o objeto diante de mimtal como ele aparece em um ponto temporal determinado de suaexistência e a partir de uma perspectiva determinada. O nomepróprio se refere, contudo, ao objeto, no lugar do qual ele está,durante toda a duração da existência do objeto e em todos osmodos de aparecer ou se dar. A concepção tradicional tenta darconta desse problema ao dizerque as idéias não seriam imagensconcretas, mas sim idéias não sensíveis de objetos. Mas agoraficapouco claro,primeiro, o que seriam tais idéias não-sensíveis.Em segundo lugar, não se vai muito longe ao se apelar,comvistas à explicação do significadode um nome próprio,para umatal idéia não-sensível à qual ele deveria estar coordenado, poistais idéias, ao contrário dos objetos reais, não são acessíveis aosoutros falantes2

Vê-se então que nem a concepção de que o nome seria, porassim dizer,preso a um objeto realnem a concepção psicológicasegundo a qual ele seria associado a uma idéia do objetopodemesclarecer o tipo de relação existente entre nome e objeto.

9.2. Ao contrário de Mill para quem os nomes são apenasdenotativos, não possuindo nenhuma conotação. Frege defendea concepção de que nomes próprios têm tanto uma denotação -i. é, estão no lugar de um objeto (Frege chama o objeto, de ummodo um pouco equivocante, de significado do nome) - quantotambém uma conotação - i. é, um significado (Fregechama issode sentidof Assim, p. ex., o nome "Aristóteles"está no lugar deum objeto, a saber: de Aristóteles, mas de tal modo que a relaçãoentre o nome e o objeto é produzida com auxilio de descriçõesdefinidas, p. ex., "o aluno de Platão". Os nomes própriosnão sãoportanto, segundo Frege, os termos singulares básicos; eles re-metem, antes, em seu uso, a descrições definidas.

e"

2. Sobre a critica da teoria tradicional dos nomes baseada na noção de idéia ourepresentação, ct., mais detalhadamente, Tugendhat, Vorlesungen zur Eillführung ill djesprachanalytjsche Philosopme, p. 384-387.

3. Veja Frege, "Über Sinn und Bedeutung".

118

.L

9.3. A concepção segundo a qual nomes próprios estão liga-dos a descrições é também defendida por Russe1l4Se tomamosa frase predicativa singular "WalterScott é um homem", então onome "Scott" não é, segundo Russell, verdadeiramente umnome próprio,mas sim uma descrição disfarçada, p. ex., "oautorde Waverley".Contudo, diferentemente de Frege, Russell é deopinião de que uma tal descrição é um termo singular apenasgramaticamente e não de acordo com sua função semântica.Russell parte neste caso do problema dos nomes ou descriçõesdefinidas vazios, i. é, dos nomes que não caracterizam um objetoreal, p. ex., "O atual rei da França é calvo". Russell vê, nestecaso, um problema porque, uma vez que os termos singularesestariam no lugar de um objeto, teríamos que dizer que a des-crição do exemplo está no lugar de um objeto que não existe.Ele sugere portanto que frases contendo um nome próprio ouuma descrição definida como sujeito gramatical sejam com-preendidas de modo a terem a seguinte forma semântica: "Scotté um homem" significa "Há exatamente um x para o qual éválido o seguinte: x é o autor de Waverleye x é um homem". Ofato de nos referirmos a um objetoparticular está expresso nessaformulação através da expressão "há exatamente um x", en-quanto que a descrição não aparece mais como sujeito, mas simcomo termo geral. Essa concepção de Russel tornou-se conhe-cida como Teoriadas descriçõesdefinidas(Thearyaf DefiniteDescriptians).

Frege e Russel defendem então a posição de que os nomespróprios da linguagem comum não estão simplesmente no lugarde objetos; a relação nome-objeto é, antes, mediada por descri-ções. Levanta-se contudo a questão sobre como deve ser com-preendido o fato de descrições poderem se referir a objetos. Ora,já na exposição dos termos gerais, quando o fracasso das expli-cações tradicionais se tornou visível, colocamos a questão sobreo significado destas expressões de uma maneira diferente, a sa-

4. ct. Russel, "On Denoting" como também The Philosophy of Logjcal Atomjsm,cap.6.

119

Page 62: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

J,I

ber: com base em Wittgenstein, se colocou a questão sobre omodo de uso deste tipo de expressão. Essa maneira de formularo problema pode ser igualmente aplicada no caso dos termossingulares. Isso significa termos que refletir sobre a seguintequestão: se termos gerais são usados em frases predicativas sin-gulares para classificar e diferenciarobjetos, para que então sãousados termos singulares, que função eles têm?

9.4. Uma posição que se orienta deste modo pela questãoacerca da função ou do modo de uso dos termos singulares en-contramos em Strawson, inicialmente em seu artigo "On Refer-ring" e posteriormente, de modo mais completo, em seu livroIndividuais. Strawson começa o ensaio "On Referring"com umacritica à teoria das descrições definidas de Russell. A controvér-sia entre Russell e Strawson5foi objeto de muita atenção. Noentanto, ela não atinge as questões verdadeiramente decisivas6.Sendo assim, é mais importante investigar a própria posição po-sitiva de Strawson. Strawson torna claro que, ao usarmos umafrase predicativa singular, nos referimos (a expressão inglesa é"to refer", razão pela qual os termos singulares são às vezes tam-bém caracterizados como expressões referenciais),por meio dotermo singular, ao objeto particular do qual o termo geral é pre-dicado, i. é, que, por meio do termo singular, destacamos, sepa-rando-o dos demais (em alemão herausgreifen, em inglês tosingie out) o objeto que visamos. O falante, através do uso dotermo singular, coloca o ouvinte em condições de identificar oobjeto sobre o qual se fala. Com a expressão "identificaro obje-to" quer-se dizer que o ouvinte discerne qual de todos os objetosde um dado âmbito é aquele do qual o termo geral é predicado.Já que colocamos de lado termos singulares abstratos, o âmbitoem questão é o das coisas materiais no espaço e no tempo. Ofato de o termo singular ter a função de destacar um particular,separando-o de todas as coisas de um âmbito, é um aspecto

5. Russel responde às objeções de Strawson em seu artigo "Mr. Strawson onReferring".

6. Cf.Tugendhat, Vor]esungenzur Eínführungín die sprachanalytjsche Philosopme,p. 384-387.

120

11I

~

totalmente desprezado na teoria tradicional. A teoria tradicionalpressupôs que teríamos uma coordenação direta entre signo eobjeto. Se, ao contrário, tomamos como ponto de partida a ques-tão do uso lingüístico dos signos, então fica claro que o fato deum termo singular estar no lugar de um objeto se passa de modoque o falante, por meio do termo singular, destaca um entretodos os objetos de um âmbito, dando a entender ser esse oobjeto por ele visado. A questão do uso lingüístico mostra entãoque o termo singular não está simplesmente coordenado ao ob-jeto, mas, ao invés, se referea ele, identificando-o cornoeste emoposição aos demais.

9.5. Consideremos como identificamos em um caso particu-lar o objeto no lugar do qual está o termo singula{ Isso vaidepender da espécie do termo singular. Já que o termo singulardestaca o objeto na medida em que ele o diferencia de todos osoutros, é de se supor que se comece com descrições definidasque identificam objetos através de suas propriedades. Tais des-crições não são freqüentemente isentas de equívocos; quandodigo "Ogato preto com urna mancha branca no pescoço está forade casa há dois dias", ainda não está claro com isso qual gatoeu tenho em mente, pois há muitos gatos aos quais essa descri-ção convém, i. é, porque a descrição é dependente de um con-texto. Descrições como "a montanha mais alta", as quaispossuem um papel de menor importância na práxis lingüísticaefetiva, não são, ao contrário, dependentes de um contexto.Contudo, mesmo essas descrições definidas inequívocas nãoidentificam evidentemente, no sentido estrito, o objeto visado.Uma frase da forma "Aquiloque é F é G" diz na verdade apenaso seguinte: "O objeto que tem a propriedade F, qualquer que eleseja, é G". Pode-se sempre continuar a perguntar de que objetose está falando; p. ex., pode-se perguntar qual é a montanhamais alta. Essa pergunta pode ser respondida ao se levar quemfez a pergunta a uma montanha determinada de modo que eleaponteentãopara a montanhadizendo:"É essa aí". Essa iden-

7. Cf., sobre o que agora se segue, Tugendhat, Vor]esungen zur Einführung ín djesprachanalytjsche Philosophie, preleções 23-26.

121

Page 63: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

8. Cf. Wittgenstein, Investigações filosóflcas, § 38.

objeto por meio de diferentes pronomes, dependendo da relaçãoespácio-temporal entre a situação do falante e a situação percep-tiva originária. Mas, mesmo através da identificação por meio deexpressões dêiticas, a questão acerca de qual entre todos é oobjeto visado não está ainda definitivamente respondida. E issose deve a duas razões.

Primeiro. Se, no caso do exemplo da montanha, conduzir-mos alguém de olhos vendados para diante da montanha e entãolhe tirarmos à venda dizendo-lhe "É esta" e, ao retomar, lhevendamos de novo os olhos, então ele continua, em um certosentido, não sabendo qual é a montanha. Ele sabe, com efeito,qual o seu aspecto, mas outras montanhas podem ter exata-mente o mesmo aspecto, e por isso ele, tendo retomado, nãoestará em condições de reencontrar a montanha. E, mesmo queseus olhos não estivessem vendados, ele, sob certos circuns-tâncias - i. é, se ele não conhecesse pontos fixos no espaço pormeio dos quais se pudesse orientar -, não poderia identificá-Ia.Em última instância, portanto, só quando a localização espaciale (no caso de objetos que, diferentemente da montanha, se mo-vem no tempo) temporal de um objeto é dada em um sistemaespácio-temporal fixoé que o objeto é identificado através de umtermo singular, de modo a se destacar inequivocamente um par-ticular entre todos os outros. Descrições que não dão um aspectointerno do objeto, indicando, sim, uma posição espácio-tempo-ral, - p. ex., "aquilo que no ponto temporal tI se encontra nolugar 11"-, têm desse modo um papel fundamental na identi-ficação de objetos concretos. Pode-se dizer que tais descriçõesindicadoras da posição de um objeto em um sistema espácio-temporal fixo são descrições objetivamente localizadoras. Con-tudo, tão fundamentais quanto essas descrições objetivamentelocalizadorassão igualmente as descrições subjetivamente loca-lizadoras, i. é, as expressões dêiticas como "esse aqui que estouvendo agora", já que só podemos, por sua vez, utilizar a locali-zação objetiva se pudermos enquadrar nossa própria posição nosistema objetivo.

Segundo. Se alguém, apontando em uma direção determi-nada, diz "Isso aqui é feio", então, embora ele tenha apontadopara um âmbito espacial determinado, não está imediatamente

,,'

"

tificação, na qual o objeto visado é dado à percepção, pode-sechamar de identificação indicadora ou ostensiva.

Poder-se-ia agora pensar que a palavra "isso" fosse um nomeno sentido da teoria tradicional, i. é, um termo singular que po-deria ser coordenado diretamente e sem a mediação das descri-ções a um objeto dado à percepção. Mas não é enquanto nomeque coordenamos a palavra "isso" ao objeto. Podemos dar umverdadeiro nome próprio a um objeto em uma situação percep-tiva; p. ex., podemos apontar para uma montanha e dizer "Issose chama Monte Evereste"; mas seria absurdo apontar para amontanha e dizer "Isso se chama 'isso'us. A palavra "isso" tem,antes, um modo de uso totalmente diferente. O característicodesse modo de uso é que a palavranão está anexada a um objetodeterminado, referindo-se, sim, ao objeto visado a cada vez nasituação perceptiva, referindo-se portanto a diferentes objetos,dependendo da situação perceptiva. Por outro lado, poderíamos,através de um outro pronome, p. ex., através de "aquiloque eraentão visto lá", nos referir, em uma outra situação onde ele nãofosse mais perceptível, ao mesmo objeto para o qual podemosapontar aqui e agora através do uso da expressão "isso que évisto aqui e agora". A palavra "aquilo" expressa então uma rela-ção espácio-temporal entre a situação atual do falante e a situa-ção perceptiva tornada distante nesse meio tempo, situação naqual a palavra "isso" foiusada. Algode semelhante é válidoparapronomes pessoais: a palavra "eu" não é o nome próprioda pes-soa que a profere; ela é, antes, usada de modo a se referir emcada situação àquele que justamente a emprega, i. é, a umapessoa a cada vez diferente; se, ao contrário, uma outra pessoaquiser referir-se àquele que empregou a palavra" eu", então elanão usará "eu", mas sim a palavra "você" (se ela quiser dirigir apalavra a ele) ou "ele" (se ela quiser falar sobre ele a terceiros).Temos assim todo um sistema de pronomes de modo que umpronome desse tipo referir-se-ia, dependendo da situação, a umobjeto a cada vez diferente e que referir-nos-íamos ao mesmo

'"

122 123

Page 64: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

"

claro o que ele está visando. Talvezhaja ali, para onde ele apon-ta, uma cadeira, e o ouvinte não sabe se ele tem em mente acadeira ou talvez apenas o encosto da cadeira. Necessitamosentão neste caso de descrições que indiquem o tipo de objeto,para que possamos mostrar que objeto queremos delimitar naseção espácio-temporal em questão. Essa função não pode serrealizada por qualquer tipo de expressão predicativa. Se, ao in-vés de dizer "Isso é feio", se diz "Esse vermelho é feio", não segarante com isso que um objeto particular seja delimitado nasituação de uma maneira inequívoca; suponhamos que se apon-te de novona direção da cadeira que é totalmente vermelha;seráque se tem em mente com a expressão "esse vermelho"a cadei-ra inteira ou apenas a pequena seção para a qual está dirigido odedo de quem aponta? Há contudo um tipo de expressão pormeio do qual podemos conseguir essas delimitações. "Cadeira"seria, p. ex., um tal predicado. Ele contém critérios da delimita-ção espacial do objeto, i. é, critérios para se delimitar que parteda seção apontada pertence ao objeto e que parte não pertence,i. é, critérios para se determinar qual a configuração espacial doobjeto. Desse modo, através do uso de uma descrição definidacomo "esta cadeira" e não através do mero "isso", pode-se deli-mitar o objeto visado face aos outros; e o uso de tais expressõestorna igualmente claro que se tem em mente o objeto e não umade suas partes, p. ex., a cadeira e não o encosto, pois o predicado"cadeira" não convém ao encosto da cadeira. Tais predicadosque contêm critérios de delimitação espacial e, através disso,critérios para se poder contar objetos concretos, são chamadosde predicados sortais9.

Poder-se-ia fazer a objeção de que tais predicados seriamem última instância dispensáveis, pois também seria possíveldelimitar o objeto visado na situação perceptiva pelo fato de selimitar a situação a exatamente aquele âmbito espacial que é

ocupado apenas pelo objeto visado e pelo objeto visado inteiro.Pode-se fazer isso de modo a se traçarem com o dedo as frontei-ras espaciais do objeto ou a se fornecerem essas fronteiras atra-vés de descrições definidas, objetivamente localizadoras.Contudo, já vimos que só se identifica realmente um objeto seforpossível referir-se a ele também a partir de outras situações,se for possível enquadrá-lo espácio-temporalmente. Contudo assituações espácio-temporais não existem de um modo qualquerenquanto tais; só podemos diferenciarestas situações porque hánelas objetos que caem sob predicados sortais, contendo estespredicados os critérios de delimitação espacial. E só podemoster uma relação recíproca e sistemática de localizações subjeti-vas, como também um sistema espácio-temporal objetivo,por-que há objetos que existem durante um tempo relativamentelongo (para situações espaciais objetivas necessitamos de obje-tos que - relativamente aos demais objetos do sistema - não semovam, e, para situações temporais objetivas, de objetos quereapareçam no mesmo lugar em intervalos regulares). Com ospredicados sortais podemos, diferentemente do que ocorre coma palavra "isso", nos referir a objetos concretos como sendoaqueles objetos que percorremum caminho contínuo no espaçoe no tempo. É apenas por meio de predicados sortais que pode-mos, p. ex., fazer enunciados como "O objeto S, que se encon-trava no tempo tI no lugar 11é o mesmo que aquele que seencontrava no tempo t2 no lugar 12".

É evidente, portanto, que o significado de termos singularesé um significado de tipo complicado. Usamos termos singularespara mostrar qual entre todos os objetos é aquele do qual o termogeral é predicado em enunciados predicativos singulares. A to-talidade com referência à qual se torna possível a identificaçãode um objeto particular no sentido estrito é a totalidade dosobjetos que estão ordenados em um sistema espácio-temporalobjetivo. O fato de podermos identificar um particular nessa to-talidade pressupõe o uso de expressões dêiticas, descrições ob-jetivamente localizadoras, e predicados sortais como aspectosigualmente fundamentais e dependentes uns dos outros.

9.6. Só quando o modo de funcionamento complicado dostermos singulares de tipo descrições definidas expressões dêiti-

""

9. Cf. Frege, GrundJagen der Anthmetik, § 54 (onde contudo a expressão "predicadosortal" ainda não ocorre). Sobre a problemática dos predicados sortais, cf. além disso

Strawson, Individuais, p. 168s; Tugendhat, VorJesungen zur Einführung in die sprachana-Jytische Philosophie, preleção 26, p. 453-461.

124 125

Page 65: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

.,

cas for esclarecido deste modo, pode-se compreender o signifi-cado de nomes próprios, i. é, do tipo de expressões que a tradi-ção considerou corno os termos singulares mais simples. Jámencionamos a concepção de Frege acerca dos nomes própriossegundo a qual eles identificariam o objeto no lugar do qualestão, de tal modo que uma descrição definida estaria ligada aeles; "Aristóteles"estaria, p. ex., ligado à descrição "o aluno dePlatão". O próprio Frege levanta a objeção de que essa concep-ção seria problemática para os nomes próprios da linguagemusual. pois diferentes falantes conectarão diferentes descriçõesa um mesmo nome próprio. A concepção de Frege foi por issomelhorada por outros filósofosde forma que um nome próprionão estaria ligado a urna descrição, mas sim a todo um feixe dedescrições, e que o nome identificaria então inequivocamenteum objeto se um conjunto suficientemente grande desse feixede descrições se aplicasse exatamente a um objetolO.Esse feixede descrições deve indicar pprtanto o significado do nome pró-prio.

Já que, cornovimos, nem todas as descrições são realmenteadequadas para a identificação de um objeto, outros autores11defendem a tese de que o significado de um nome próprio nãoconsiste em um feixe de quaisquer descrições, mas sim naque-las descrições que indicam a localização do objeto no espaço eno tempo. Já que, no entanto, parece ser válido intuitivamenteque o significadode nomes própriosnão consiste em descrições,defende se finalmente a concepção de que nomes próprios par-ticulares não têm o mesmo significado da descrição, mas que osignificadoou o modo de uso do tipo de expressão indica o nomepróprio para o uso de descrições12.

9.7. Contra todas essas variedades de teorias acerca dos no-mes próprios, segundo as quais os nomes próprios estariam, deum modo ou de outro, conectados a descrições, Kripkedefendeu

em Naming and Necessity a tese de que nomes próprios nãoteriam nenhuma significação, estando sim simplesmente no lu-gar de um objeto. Ele recorre explicitamente a Mill, que haviadefendido exatamente esta tese. Opondo-se à concepção segun-do a qual um nome próprio particular poderia ter o mesmo sig-nificado que quaisquer descrições, Kripke argumenta doseguinte modo: Se nós damos um nome a um objeto, p. ex.,batizamos urna criança com um nome determinado, então essenome é justamente usado de formaa se referira esse ser humanoem todos os pontos temporais de sua existência e em quaisquermodos de se dar. Dai nenhuma descrição definida é essencialpara o uso do nome; se o ser humano em questão tivesse feitocoisas totalmente diferentes das que ele efetivamente fez, seportanto a ele conviessem outras descrições definidas diferentesdaquelas que a ele efetivamente convêm, ele ainda seria, apesarde tudo isso, o mesmo ser humano (issoé válidopara descriçõesque dão um aspecto interno do objeto corno também para des-crições localizadoras: se, p. ex., Aristóteles não tivesse se deci-dido pela filosofia,a descrição "o aluno de Platão" não conviriaa ele e se, ao invés de ir para Atenas, ele tivesse permanecidoem seu lugar natal Estagira, a descrição "a pessoa que fixouresidência em Atenas em 360 aC" não conviria a ele; mas evi-dentemente ele seria, apesar disso, o mesmo homem e, se éassim, o nome próprio "Aristóteles" permaneceria aplicável aele).

Em conexão com sua crítica das teorias dos nomes própriosque foramapresentadas até aqui, Kripkedesenvolveubrevemen-te uma proposta própria. Nomes próprios seriam expressões comas quais objetos são 'batizados' no início de sua existência ouem um ponto temporal determinado. Para poder batizar o objeto,i. é, para poder coordenar-lhe um nome, ternos que poder iden-tificá-lode um outro modo, ou bem pelo fato de podermosapon-tar para ele em uma situação perceptiva ou bem pelo fato depodermos identificá-lo por meio de urna descrição definida.Es-sas descrições, contudo, servem apenas, como diz Kripke,parao estabelecimento da referência do nome, i. é, do objeto a queele deve se referir; elas não constituem o significado~o nome.Tão logo o nome próprio é introduzido em uma situaçao de ba-

10. CL Seade, "Proper Names"; Wittgenstein, Investigações filosóflcas, § 79.

11. CL p. ex. Zink, "The meaning of Proper Names".

12. CL Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in dje sprachanaJytjsche Phjlosophje,p. 147,473.

126 127

Page 66: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

:,

tismo, ele é transmitido dos falantes originários para outros fa-lantes que podem adotar e usar o nome sem que conheçam opróprio objeto referido ou descrições que a ele convêm. Se umdesses falantes posteriores quiser identificar o objetono lugar doqual está um nome próprio determinado, então ele tem que pro-ceder de forma a regressar na cadeia de usos do nome até asituação de batismo na qual o nome foi introduzido. Daí essateoria de nomes próprios ser às vezes chamada de teoria histó-rica ou causal de nomes próprios.

9.8.Tanto a crítica de Kripkeàs concepções anteriores comotambém sua proposta positiva contêm pontos importante. Deve-

, se contudoatentarpara o fatode Kripke,a partir de sua crítica,poder concluir que nomes próprios não teriam nenhum signifi-cado apenas pelo fato de ele utilizar um outro conceito de signi-ficado diferente do que utilizamos até aqui. Kripkeentende porsignificado de expressões apenas seu significado descritivo. Se,ao contrário, continuamos a entender por significado dos termossingulares seu modo de uso em enunciados predicativos singu-lares, resulta uma outra conseqüência. A fim de compreender osignificado de um nome próprio não se tem, com efeito, quedispor de descrições identificadoras daquele objeto no lugar doqual está esse determinado nome próprio; mas tem que se saberno geral como nomes próprios são usados para identificar o ob-jeto do qual algo é predicado. Se se toma por base esse conceitode significado, então as objeções de Kripkenão atingem aquelaversão da teoria dos nomes próprios, mencionada no final doitem 9.6,versão esta que afirma que nomes própriosparticularesnão têm nenhum significado no sentido de um significado des-critivo, mas que o tipo de expressão nome próprio tem um sig-nificado no sentido da função semântica ou do modo de uso.

Como vimos, o próprio Kripkeaponta para o fato de que omodo de uso de nomes próprios é dependente do modo de usodos termos singulares de tipo descrições definidas e dos termossingulares dêiticos. Contudo, Kripke apenas insinuou o mododessa dependência. Podemos no entanto unir suas sugestõescom o que as teorias semânticas dos termos singulares, queconsideramos acima, esclarecem. Kripkeaponta com razão paraa dificuldade da "situação de batismo". Para poder batizar o ob-

""

128

jeto, temos que poder identificá-Ia de um outro modo, seja quepossamos apontar para ele numa situação perceptiva, seja quepossamos destacá-Ia entre os demais através de uma descriçãoque, como foi visto, tem que ser em última instância uma des-crição localizadora. Em seguida o nome continua a ser usadopelos falantes da língua, mesmo na ausência do portador, e étransmitido a outros falantes; e o objeto percorre um caminho noespaço e no tempo e com isso novas descrições definidas tantoespácio-temporais como também de outros tipos passam a con-vir a ele, descrições estas que não convinham a ele no momentodo batismo. Para identificar o objeto no lugar do qual está onome, temos portanto que, em última instância, regressar nasérie dos usos do nome até o momento do batismo do objeto, eentão percorrer o caminho do objetoatravés do espaço e do tem-po até o momento temporal em que o termo geral em nossoenunciado convenha a ele. Do mesmo modo que a identificaçãodo objeto na situação de batismo já exige que possamos usarpredicados sortais, o perseguir o caminho espácio-temporal doobjeto também faz o mesmo tipo de exigência; pois esses predi-cados contêm os critérios por meio dos quais podemos constatarse o objeto que percorreu continuamente durante um tempo de-terminado um caminho determinado no espaço ainda é idênticoao objeto ao qual o nome próprio foi atribuído na situação debatismo.

Nomes próprios não são portanto as expressões identi-ficadoras mais simples; seu significado só pode ser tornado in-teligível se já se conhece o modo de uso dos outros tipos determos singulares. Nomes próprios identificam objetos de talmodo que neste tipo de identificação o uso de expressões dêiti-cas, de descrições objetivamente localizadoras e de predicadossortais já esteja pressuposto. Podemos agora também ver poronde a teoria tradicional se orientava quando ela dizia que no-mes próprios seriam expressões que estariam direta e imedia-tamente coordenadas a objetos. Ela se orientou pela situação debatismo na qual um nome determinado é introduzido. Nessa si-tuação pode-se dizer, com efeito, que o nome é coordenado aoobjeto para o qual se aponta. Isso pressupõe contudo que já secompreenda o que significa um nome estar no lugar de um ob-

129

1

Page 67: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

jeto, que portanto já se conheça o modo de uso de nomes pró-prios. O fato de um nome próprio ser coordenado a um objetosignifica ele ser coordenado ao objeto como a algo particular (1)que tem uma localização determinada no espaço e no tempo,localização esta que o singulariza entre todos os demais objetos,(2)que percorre um caminho contínuo no espaço e no tempo, e(3) que cai sob um predicado sortal determinado por meio doqual ele pode ser fixado como idêntico através de seu caminhopelo sistema espácio-temporal. Agora também podemos escla-recer por que a coordenação entre nome e objeto permaneceválida sem que o nome necessite estar preso ao objeto. Isso seexplica pelo fato de o objeto poder ser identificado através donome enquanto ele permanecer em continuidade espácio-tem-poral com aquele objeto que foibatizado com este nome, sendoque o que permite constatar essa continuidade é o fato de opredicado sortal adequado continuar a lhe convir.

tO~

IDENTIDADE

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:

Vimos no capítulo 9 que, em um enunciado predicativo singular,o termo singular desempenha a função de identificar o objetoque é classificado através do termo geral, i. é, a função de dis-tingui-Ia como diferente de todos os outros. Podemos identificarobjetos porque eles são unidades diferenciáveis de outras, uni-dades que podem se manter como idênticas através do tempo.Como vimos, essa possibilidade de nos referirmos a objetos con-cretos se funda no uso de expressões que localizam algo noespaço e no tempo e no uso de predicados sortais. Não podemosperder de vista este resultado quando nos perguntamos, agora,pelo significado do conceito de identidade.

10.1. O conceito de identidade é usado em dois sentidos.Primeiro, no sentido de identidade qualitativa; segundo, no sen-tido de identidade numérica. Fala-se também às vezes de igual-dade ao invés de identidade. Já Aristóteles chama a atençãopara a diferença entre identidade numérica e qualitativa:

"Costumamos falar de "mesmo" com respeito ao númeroou com respeito à espécie (...). Com respeito ao número,são um aquelas coisas cuja matéria é uma única (...). Comrespeito à espécie, são o mesmo coisas que são muitas,sendo contudo indiferenciáveis quanto à espécie, comop. ex., homem e homem ou cavalo e cavalo. É que todasas coisas que caem sob a mesma espécie são ditas ser omesmo no que toca à espécie" (Tópicos 103a8s;Metafisi-ca 1016b32s).

" Mill, A System of Logjc, capo 2, §§ 1-5.

Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 40-43.

Russel, The Phflosophy of Logjcal Atomism, capo 6.

Quine, "On What There Is".

Strawson, "On Referring".- InelMeluals.

Donnellan, "Reference and Definite Descriptions".

Kripke, Naming anel Necessity.

Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung m me sprachanalytjschePhflosopme, preleções 20-26 e 28.

~J"I! .

."

130 131

Page 68: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

jeto, que portanto já se conheça o modo de uso de nomes pró-prios. G fato de um nome próprio ser coordenado a um objetosignifica ele ser coordenado ao objeto como a algo particular (1)que tem uma localização determinada no espaço e no tempo,localização esta que o singulariza entre todos os demais objetos,(2)que percorre um caminho contínuo no espaço e no tempo, e(3) que cai sob um predicado sortal determinado por meio doqual ele pode ser fixado como idêntico através de seu caminhopelo sistema espácio-temporal. Agora também podemos escla-recer por que a coordenação entre nome e objeto permaneceválida sem que o nome necessite estar preso ao objeto. Isso seexplica pelo fato de o objeto poder ser identificado através donome enquanto ele permanecer em continuidade espácio-tem-poral com aquele objeto que foibatizado com este nome, sendoque o que permite constatar essa continuidade é o fato de opredicado sortal adequado continuar a lhe convir.

tO~IDENTIDADE

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:

Vimos no capítulo 9 que, em um enunciado predicativosingular,o termo singular desempenha a função de identificar o objetoque é classificado através do termo geral, i. é, a função de dis-tingui-Ia como diferente de todos os outros. Podemos identificarobjetos porque eles são unidades diferenciáveisde outras, uni-dades que podem se manter como idênticas através do tempo.Como vimos, essa possibilidade de nos referirmosa objetoscon-cretos se funda no uso de expressões que localizam algo noespaço e no tempo e no uso de predicados sortais. Nãopodemosperder de vista este resultado quando nos perguntamos, agora,pelo significado do conceito de identidade.

10.1. G conceito de identidade é usado em dois sentidos.Primeiro, no sentido de identidade qualitativa; segundo, no sen-tido de identidade numérica. Fala-se também às vezes de igual-dade ao invés de identidade. Já Aristóteles chama a atençãopara a diferença entre identidade numérica e qualitativa:

"Costumamosfalarde "mesmo"comrespeitoao númeroou com respeito à espécie (...). Com respeito ao número,são um aquelas coisas cuja matéria é uma única (...). Comrespeito à espécie, são o mesmo coisas que são muitas,sendo contudo indiferenciáveis quanto à espécie, comop. ex., homem e homem ou cavalo e cavalo. É que todasas coisas que caem sob a mesma espécie são ditas ser omesmo no que toca à espécie" (Tópicos 103a8s;Metafisi-ca 1016b32s).

..'"

Mill, A System of Logic, capo 2, §§ 1-5.

Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 40-43.

Russel, The Phflosophy of Logicai Atomism, capo 6.

Quine, "Gn What There Is".

Strawson, "Gn Referring".- Individuais.

Donnellan, "Reference and Definite Descriptions".

Kripke, Naming and Necessity.

Tugendhat, Vorlesungen zur Einführung in die sprachanalytischePhflosophie, preleções 20-26 e 28.

.",

130 131

Page 69: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

,I

Se a e b são, de acordo com o número, uma única coisa, seeles são, como disse Aristóteles, uma mesma unidade material,então estamos lidando com a identidade no sentido estrito a qualé caracterizada como numérica. Em um sentido mais fracopode-se também dizer que a é o mesmo que b (em português dever-se-ia dizer preferivelmente, nesse segundo caso, "igual a" aoinvés de "o mesmo que") quando a e b são dois objetosdistintos,sendo contudo iguais quanto a uma (ou várias) propriedade(s).Essa relação entre a e b é caracterizada como identidade quali-tativa. Aristóteles se orientou na passagem citada pelo caso par-ticular da igualdade relativa ao predicado da espécie. Mas aigualdade pode evidentemente também existir, do mesmomodo, com respeito a outras propriedades. Podemos portantodizer de modo geral: Doisobjetos a e b são iguais com relação aum parâmetro P demarcador dos âmbitos e fronteiras de aplica-ção de um certo predicado se, no que toca a esse parâmetro, elescaem sob o mesmo termo geral. Um caso importante da identi-dade qualitativa é aquele em que lidamos com objetos que sãorealizações de um mesmo tipo. Exemplosdeste caso são objetosproduzidos em série, p. ex.: carros do mesmo modelo ou váriascópias de uma escultura, entre outros; eles concordam entre siquanto à forma, ao tamanho e freqüentemente também quantoao tipo do material.

Será que poderíamos encontrar, entre tais objetosque, sendorealizações do mesmo tipo ou modelo, seriam, idênticos quali-tativamente, dois deles que, embora numericamente diferentes,fossem absolutamente iguais com respeito à qualidade, i. é, quenão concordassem entre si apenas com relação à sua forma etalvez com relação a algumas outras propriedades, mas sim comrelação a todas as suas propriedades? Isso seria, de modo geral,improvável devido à complexidade dos objetos concretos, aogrande número de suas propriedades. Mesmo se pensamos emobjetos muito simples, p. ex., em esferas produzidas em série,tendo o mesmo tamanho, a mesma cor e o mesmo material, nãopodemos garantir uma identidade qualitativa em um sentido ab-soluto, por um lado porque nossa precisão de medições é limi-tada, por outro porque mesmo esses objetos simples possuemnumerosas propriedades variáveisdevido a circunstâncias exter-

nas complexas, sendo que teríamos que abarcar com a vis-cada uma destas propriedades em particular. O conceito ~oigualdade qualitativa absoluta é portanto um conceito-limiteePodemos tratar dois objetos como qualitativamente idênticos'com respeito a determinadas finalidades práticas, quando ele~concordam aproximadamente entre si com relação às proprie-dades relevantes; pode-se contudo sempre, em princípio,salien-tar que eles se diferenciamcom respeito a algum aspecto. Se nãopodemos provar a existência de uma identidade qualitativa ab-soluta, podemos tampouco, inversamente, excluir com certezaabsoluta que existam objetos que sejam qualitativamente iguaisem um sentido absoluto - i. é, eles não apenas se mostrariamcomo iguais com respeito à nossa verificaçãomomentânea, mas,antes, nunca se poderia constatar uma diferença entre eles.

10.2. Leibniz tentou definir o conceito de identidade numé-rica justamente por meio do conceito de uma identidade quali-tativa não mais relativa. De acordo com essa concepção, doisobjetos devem ser numericamente idênticos se, e somente se,eles não podem ser diferenciadospor meio de nenhuma proprie-dade (esse é o chamado princípioda identidade dos não diferen-ciáveis (principiumidentitatis indiscernibilium). Ditocom outraspalavras: "a = b" significa "(F)(Fa == Fb)"(achamadaleideLeib-niz). Isso implica a tese de que não pode haver objetosnumeri-camente diferentes que sejam iguais com respeito a todas assuas propriedades, i. é, que sejam qualitativamente idênticosemum sentido não-relativo. Ora, vimos, ao tratarmos da funçãodeidentificação dos termos singulares, que há pelo menos um as-pecto segundo o qual objetos qualitativamente iguais, emboranumericamente diferentes, têm sempre que se diferenciarunsdos outros, a saber: a localização espácio-temporal. Contudo,avariável "F" na lei de Leibniz deve, segundo Leibniz,ser substi-tuída apenas por termos gerais referentes a propriedades inter-nas do objeto e não por termos referentes a suas relações comoutros objetos. Não se pode então entender como a identidadenumérica poderia, desse modo, ser explicada por meio da iden-tidade qualitativa absoluta. Pois, de acordo com o que foi ditono parágrafo anterior, não se pode em princípio excluirque hajaou pudesse haver objetos qualitativamente idênticos apesar denumericamente diferentes.

132 133

~

Page 70: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

.,

A lei de Leibniz não pode ser portanto empregada comoexplicação ou definição da identidade numérica. Pois é poucoclaro o fato de a equivalência afirmada ser válida em ambas asdireções. É certo apenas que "a = b" implica "(F)(Fa== Fb)", i. é,que, se a e b foram numericamente um, eles têm que concordarentre si com respeito a todas as propriedades, enquanto que aimplicação inversa parece duvidosa. No que concerne à identi-dade qualitativa, podemos portanto assegurar que essa igualda-de está essencialmente relacionada a propriedades, ou a uma, oua várias, ou, no caso-limite, a todas as propriedades. Aristótelesformulou claramente na passagem citada qual a lógica dessaigualdade: a e b são iguais com respeito à propriedade F se a eb caem sob o termo geral "F".

10.3.Deixemos agora de lado o conceito de identidade qua-litativa e voltemo-nos para o conceito, filosoficamente mais in-teressante, de identidade numérica. Há dois tipos de enunciadosde identidade numérica. Primeiro, enunciados de identidade daforma "a=a": a verdade desses enunciados pode ser conhecida apriori por meio.de sua forma semântica, mas esses enunciadossão evidentemente triviais. Há um outro tipo de enunciados deidentidade que não são triviais desse modo, a saber: enunciadosda forma "a=b".Mas o que é exatamente asserido comum enun-ciado desse tipo? Não se pode querer dizer que dois objetosdiferentes, a e b, sejam idênticos, pois dois objetos diferentesumdo outro não podem ser numericamente idênticos. Esta questãonos coloca diante da situação que Wittgenstein descreve do se-guinte modo no Tractatus: "Dizer de duas coisas que elas sãoidênticas é um absurdo, e ao se dizer de uma única coisa queela é idêntica a si mesma não se diz nada" (5.5303).Frege tentaresolver esse dilema e dar uma explicação sensata acerca dosenunciados informativos de identidade da forma "a=b" na pri-meira parte de seu artigo "ÜberSinn und Bedeutung":

"Aigualdade*desafiaa reflexãoatravésdeperguntas queestão ligadasa elae não podemser respondidasfacilmen-

te. Será que ela é uma relação? Uma relação entre obje-tos? Ou entre nomes ou sinais de objetos? Admiti estaúltima possibilidade em minha Begriffschrift. As razõesfavoráveis a essa interpretação são as seguintes: a=a ea=b são evidentemente frases com valores cognitivosdiferentes: a=a é válida a priori e deve ser chamada,segundo Kant, de analítica, enquanto que frases da formaa=b contêm freqüentemente extensões muito valiosas denosso conhecimento e não podem ser sempre fundamen-tadas a priori. A descoberta de que um novo sol não nascea cada manhã, de que, ao contrário, é sempre o mesmosol que nasce, foi certamente uma das mais ricas emconseqüências na astronomia. Ainda hoje reconhecercomo o mesmo um pequeno planeta ou um cometa nãoé sempre algo evidente. Se quiséssemos ver na igualdadeuma relação entre aquilo a que os nomes 'a' e 'b' sereferem, então a=b pareceria não poder ser diferente dea=a, caso a=b seja verdadeiro. Com a=b seria expressauma relação na qual cada objeto está consigo mesmo,mas na qual nenhum objeto pode estar com um outroobjeto. O que se quer dizer com a=b parece ser que ossinais ou nomes 'a' e 'b' se referem à mesma coisa, e entãoseria justamente daqueles sinais que se estaria falando;estaria sendo asserida uma relação entre eles. Mas essarelação existiria entre os nomes ou os sinais apenas namedida em que eles nomeassem ou se referissem a algo.Tratar se ia de uma relação mediada pela conexão de cadaum dos sinais com o mesmo referente. Essa conexão écontudo arbitrária. Não se pode proibir a ninguém detomar qualquer evento ou objeto produzido arbitraria-mente como sinal para o que quer que seja. Sendo assim,a frase a=b não concerniria mais ao objeto ele mesmo,mas sim apenas aos sinais pelos quais nos referimosa ele;através dessa frase não expressaríamos então nenhumconhecimento efetivo. Mas é justamente um conheci-mento que queremos expressar em muitos casos quandousamos a=b. Se o sinal 'a' se diferencia do sinal 'b' apenasenquanto uma forma material extema, mas não enquantosinal, i. é, não no que diz respeito ao modo como ele serefere a algo, então o valor cognitivo de a=aseria essen-cialmente idêntico ao de a=b, caso a=b seja verdadelIo:

Só haverá uma diferença entre estas duas frases sedadiferença de sinal corresponder uma diferença no mo o

"

* Uso essa palavra no sentido de identidade e compreendo "a=b" no sentido de 'aé o mesmo que b' ou 'a e b coincidem'.

134 135

Page 71: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

de se dar daquilo a que os sinais se referem. Sejam a, b,c as retas que ligam os ângulos de um triângulo com osmeios dos lados opostos. O ponto de interseção de a e bserá então o mesmo que o ponto de interseção de b e c.Temos portanto várias caracterizações para o mesmoponto e essesnomes ('ponto de interseção de a e b','ponto de interseção de b e c') indicam ao mesmo tempoo modo de se dar e, por isso, um conhecimento efetivoestá contido na frase "ponto de interseção de a e b =pontode interseção de b e c.

É então fácil de se ver que, a um sinal (nome, ligação depalavras, sinal escrito) está ligado, além do objeto referido(que poderia ser chamado de referente do sinal), aindaaquilo que eu gostaria de chamar o sentido do sinal, noqual está contido o modo de se dar. Desse modo, oreferente das expressões 'o ponto de interseção de a e b'e 'o ponto de interseção de b e c', em nosso exemplo,seria o mesmo, mas o sentido de cada uma das expressõesseria diferente. O referente de 'estrela da tarde' e 'estrelada manhã' seria o mesmo, mas não o sentido" (p. 40s).

J"

Frege parte portanto dos enunciados de identidade da forma"a=b", p. ex., "Aestrela da tarde é a estrela da manhã", enuncia-dos que, diferentemente-dos enunciados de identidade triviaisda forma "a=a", possuem um valor cognitivo e não são normal-mente fundamentáveis a priori. Ele tem em vista inicialmenteduas concepções sobre os enunciados informativos de identi-dade.

(1)Tratar-se-ia de uma relação entre aquilo a que os sinais"a" e "b" se referem, i. é, de uma relação de um objeto consigomesmo. Essa concepção é, com efeito, correta, mas é incapaz deapreender o específico dos enunciados informativos de identi-dade.

(2) Tratar-se-ia, como o próprio Frege havia aceito na Be-griffschrjft (§ 8), de uma relação entre os sinais. O enunciado"a=b" significaria então que "a" e "b" referem-se ao mesmo ob-jeto. Frege rejeita essa possibilidade com o argumento de que oestabelecimento de quais sinais nós conectamos a um objetoseria arbitrário, de modo que o enunciado, entendido dessa ma-neira, "não concerniria mais ao objeto ele mesmo, mas sim ape-

,,'"

'I

136

nas aos sinais pelos quais nos referimosa ele; através dessa frasenão expressaríamos nenhum conhecimento efetivo". Frege su-gere ~ortanto uma terceira possibi~ida_deque, segundo lhe pare-ce, nao estana exposta a essas objeçoes e que poderia explicaro fenômeno dos enunciados informativos de identidade.

(3) À diferença entre os sinais "a" e "b" corresponde umadiferença no "modo de se dar do objeto referido". Aqui Fregeintroduz sua diferenciaçãoentre sentido e referênciade um sinaldiferenciação para a qual já havíamos apontado no capítulo 9:Um sinal lingüística como "a estrela da manhã" se refere a umobjeto, a saber: o planeta Vênus (a "referência"de Frege),e estesinal se refere ao objeto pelo fato de ele o visar em um mododeterminado de se dar, de ele possuir um sentido determinado.Enunciados informativos e significativos de identidade são pos-síveis pelo fato de termos singulares de sentidos diferentes po-derem se referir ao mesmo objeto. Eles expressam por um lado,do mesmo moda que os enunciados triviais de identidade, a re-lação de um objeto consigo mesmo. Eles fazem isso contudo detal modoque o sinalrelacionalde doislugares"=" é completadopor dois termos singulares diferentes, os quais identificam o ob-jeto de duas maneiras distintas; e, uma vez que os enunciadosnão triviais de identidade contêm esses dois modos de identi-ficação' eles possuem um valor informativo.

10.4.As expressões "a" e "b" em "a=b" são constantes indi-viduais, i. é, nomes próprios. O modo como Frege compreendeesses enunciados depende de sua concepção acerca dos nomespróprios, segllndo a qual nomes próprios teriam o mesmo signi-ficado que descrições definidas. Vimos contudo, no capítulo 9,que essa teoria de que nomes próprios conteriam uma descriçãoé implausível e é criticada com razão por Kripke.Kripkecriticaportanto também a concepção fregiana acerca dos enunciadosde identidade que contêm nomes próprios, concepção esta ba-seada na teoria das descrições. Kripke se interessa sobretudopela questão sobre se enunciados de identidade são necessáriosou contingentes. Ele emprega neste caso, como já indicamos nocapítulo 3, o conceito de necessidade como não significando amesma coisa que o conceito de analítico ou a priori; ele carac-teri~a como necessário, antes, aquilo que não teria podido ser

137

Page 72: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

diferente, aquilo que é verdadeiro em todos os mundos possíveis,enquanto que ele emprega o conceito de a priori aproximada-mente no sentido em que o introduzimos, i. é, ele o reserva paraaquilo que não é conhecido empiricamente, mas sim através dareflexão sobre significados verbais. Uma das razões para essaseparação entre necessidade e aprioridade é justamente a con-cepção de Kripkeacerca dos enunciados de identidade:

"Os enunciadosde identidadesão necessáriosou contin-gentes? Essa questão tem sidoobjetode controvérsianafilosofiarecente. Primeiro,todos concordamque descri-ções podem ser usadas para se fazerem enunciadoscontingentes de identidade. Se é verdade que o homemque inventouos óculosbifocaisfoio primeiroministrodoscorreios dos Estados Unidos - que estes são uma e amesma pessoa -, isso é verdadeiro de modo contingente.Isto é, poderia ter sido o caso que um homem tivesseinventado os óculos bifocais e um outro tivesse sido oprimeiro ministro dos correios dos Estados Unidos. Assim,quando você faz enunciados de identidade usando des-crições - quando você diz '0 x tal que fx e o x tal que yxsão um e o mesmo' -, isso pode ser certamente um fatocontingente. Mas os filósofos se interessaram tambémpela questão acerca dos enunciados de identidade entrenomes. Quando dizemos 'Hesperus é Phosphorus' ou'Cícero é Túlio', será que isso que estamos dizendo énecessário ou contingente?" (Nammg and Necessity, p.97s).

"Primeiro, é correto que alguém possa usar o nome'Cícero' para se referir a Cícero e o nome 'Túlio' tambémpara se referir a Cícero sem saber que Cícero é Túlio.Assim parece que nós não sabemos necessariamente apriori que um enunciado de identidade entre nomes éverdadeiro. Daí não se segue que o enunciado expressodesse modo seja um enunciado contingente se ele forverdadeiro (Foi a isso que eu dei ênfase em minha primeirapreleção). Há uma intuição muito forte que nos leva apensar que, se não se pode saber algo por meio deraciocínioa priori,então eletem que ser contingente:eleteria podido se apresentar de um outro modo; pensocontudo que essa intuiçãoé falsa.

Suponhamos que nos referimos duas vezes ao mesmocorpo celeste, uma vez como 'Hesperus' e uma outra vezcomo 'Phosphorus'. Dizemos: Hesperus é aquela estrelaque está ali à tarde; Phosphorus é aquela estrela que estáali pela manhã. Na verdade Hesperus é Phosphorus. Seráque existiriam circunstâncias sob as quais Hesperus nãoteria sido Phosphorus? Supondo-se que Hesperus sejaPhosphorus, tentemos descrever uma situação possívelna qual ele não tivesse sido Phosphorus. Bom, isso é muitosimples. Alguém passa e nomeia duas estrelas cliferentescom os nomes 'Hesperus' e 'Phosphorus'. Isso podemesmo ocorrer sob as mesmas condições em vigor quan-do nós introduzimos os nomes 'Hesperus' e 'Phosphorus'.Mas será que essas são circunstâncias sob as quaisHesperus não é Phosphorus ou sob as quais ele não teriasido Phosphorus? Parece-me que não são.

Ora, eu sou evidentemente levado a dizer que não, pelofato de eu dizer que tais termos como 'Hesperus' e"Phosphorus', quando usados como nomes, são designa-dores rígidos. Eles se referem, em todos os mundospossíveis, ao planeta Vênus. Portanto, também no mundopossível em que estrelas diferentes foram chamadas res-pectivamente de 'Hesperus' e 'Phosphorus', o planetaVênus é o planeta Vênus, não importando o que umaoutra pessoa qualquer tenha dito nesse outro mundopossível. Como nós devemos descrever essa situação? Apessoa não pode ter apontado duas vezes para Vênus,tendo-o chamado, em um caso, de 'Hesperus' e, no outro,de 'Phosphorus', como nós fizemos. Se ela tivesse feitoassim, então 'Hesperus é Phosphorus' seria verdadeirotambém nessa situação. Ela não apontou talvez em ne-nhuma das vezes para o planeta Vênus - pelo menos nãoapontou em uma das vezes para o planeta Vênus, diga-mos que tenha sido quando ela chamou o corpo celestede 'Phosphorus'. Podemos então neste caso dizer certa-mente que o nome 'Phosphorus' poderia não ter sereferido a Phosphorus. Podemos mesmo dizer que poderiater sido o caso que Phosphorus não estivesse na mesmaposição em que ele estava quando o encontramos pelamanhã - que uma outra coisa estivesse lá e até que sobcertas circunstâncias esta outra coisa fosse chamada'Phosphorus'. Mas esse ainda não é um caso em quePhosphorus não seria Hesperus. Poderia haver um mundo

138 139

l-..~

Page 73: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

possível, uma situação contrafactual possível em que'Hesperus' e 'Phosphorus' não fossem nomes das coísascujos nomes eles efetivamente são. Se alguém determi-nou a referência desses nomes através de descríçõesidentíficadoras, ele poderia até mesmo ter usado as mes-mas descrições identificadoras que usamos. Mas essecontinua a não ser um caso em que Hesperus não fossePhosphorus. País não poderia ter havido um tal caso, dadoque Hesperus é Phosphorus" (p. 101s).

têm dois nomes próprios diferentes corresponde portanto -gundo Kripke,em última instância, ao significado dos enu~se-dos triviais de identidade da forma "a=a", já que eles c~laestes, expressam "a relação de um objeto consigo mes~o" %0108). .

10.5. Se ficamos apenas com essa informação, não se tornaclaropor que usamos enunciados de identidade comnomes pró-prios e por que tais enunciados podem ser informativos1.O fatode podermos fazer enunciados informativos de identidade, em-pregando dois nomes próprios, está inicialmente no fato de ume o mesmo objeto poder ter vários nomes próprios. Isso é por suavez possível porque objetos concretos são entidades complexaspossuindo partes espaciais e uma extensão temporal e podendoportanto ser coordenados a nomes em diferentes pontos tempo-rais e a partir de diferentes perspectivas. Já que não persegui-mos a maioria dos objetos continuamente através do espaço edo tempo, pode ocorrer que batizemos duas vezes o mesmo ob-jeto sem notar que se trata do mesmo objeto. Como se podeentão constatar se se trata do mesmo objeto ou de dois objetosdiferentes, i. é, se um enunciado de identidade com dois nomespróprios é verdadeiro ou falso?

Vimos no capítulo 9 como se encontra o objeto no lugar doqual está um nome próprio, a saber: por meio da regressão atra-vés da série causal de comunicações até a situação de batismona qual o nome foi coordenado a um objeto que é identificadona situação de batismo através da expressão "esse F" (sendo "F"um predicado sortal). Se quisermos agora, p. ex., verificar oenunciado de identidade "Hesperus é Phosphorus", temos entãoinicialmente que, com referênciaaos dois nomes próprios, ir atéo objeto na situação de batismo na qual ele recebeu o nome. Issonos leva, no exemplo de Phosphorus, a uma situação de batismona qual foi dito: "Esse corpo celeste que você está vendo aliagora, e que você também vê ali todas as manhãs, se chama

..

Tentemos fazer ressaltar as teses de Kripke.Kripkeaceita aconcepção de Frege para aqueles enunciados de identidade nosquais os dois termos singulares que completam a expressão re-lacional"=" são descrições;ele aponta ao mesmotempopara ofato de esses enunciados de identidade serem contingentes, i. é,não necessários. O fato de, p. ex., o corpo celeste que vemos alipela manhã ser o mesmo que vemos lá à tarde poderia tambémser falso. Os nomes próprios, ao contrário, se referem, segundoKripke,ao objeto simplesmente e independentemente de modosdeterminados de se dar. Kripkeusa, ao invés dos nomes "estrelada manhã" e "estrelada tarde" aos quais poder-se-ia facilmenteconectar determinadas descrições, os nomes "Phosphorus" e"Hesperus" porque neste caso não se é tentado a associar des-crições aos mesmos (não se é em todo caso tentado a isso seocasionalmente não se sabe grego). A referência desses nomesfoi então, com efeito, estabelecida por meio de uma descriçãoque, como vimos na abordagem dos termos singulares, contém,no caso básico, um predicado sortal e uma expressão dêitica (p.ex., "o corpo celeste que você vê ali agora"),mas essa descriçãonão é o significado do nome. O nome "Phosphorus" está no lu-gar, como diz Kripke, de um objeto determinado em todos osmundos possíveis, i. é, determinado independentemente dosmodos de se dar nos quais ele a cada vez se dá, e o mesmo sepassa com o nome "Hesperus". No caso desses dois nomes, oobjeto no lugar do qual eles estão é o mesmo, e esse objeto nãopoderia ter sido um outro diferente do que ele é, e portanto, deacordo com Kripke, é necessário que Phosphorus=Hesperus,embora não possamos conhecer a priori essa identidade, já queos nomes não têm nenhum significado que pudéssemos investi-gar. O significado dos enunciados de identidade "a=b" que con-

1. Sobre esse ponto, cf. também Quine, "Identity, Ostension and Hypostasis". comotambém Methads af Lagjc. § 35.

140 141

Page 74: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

i'~'li

'''I'i:!;

:,::1

"

'Phosphorus''', e para Hesperus a uma situação na qual foi dito:"Esse corpo celeste que você está vendo ali agora, e que vocêvê ali também todas as tardes, se chama 'Hesperus"'. Se quiser-mos vir a saber se Hesperus e Phosphorus são o mesmo corpoceleste ou dois corpos diferentes, evidentemente só podemosproceder de modo que persigamos continuamente no espaço eno tempo o objeto tal como ele se dá em uma das duas situaçõesde batismo a fim de verificarse a outra situação de batismo estáou não está também situada nesse contínuo caminho espácio-temporal do objeto. Se as duas situações de batismo estão incluí-das no caminho contínuo do mesmo F, então o enunciado deidentidade é verdadeiro.

Embora nomes próprios não tenham o mesmo sentido dedescrições nem sequer o mesmo sentido de descrições que con-sistam de determinações espácio-temporais e de predicados sor-tais, enunciados informativosde identidade entre nomes própriosnão podem ser esclarecidossem referênciaàs descriçõescontendosortais, do mesmo modo que os nomes próprios não podem serintroduzidos sem elas. O sentido de um enunciado de identidadeinformativo"a=b"não pode ser simplemente reduzidoao fato deo objeto ao qual os dois nomes se referem ser idêntico a si mes-mo. Os dois nomes nos enviam a duas situações de batismo, asquais não são constituídas de tal forma que tivéssemos diantede nós, em cada uma delas, um objeto completo apresentado emtodos os seus aspectos e pudéssemos verificarse os objetos sãoum único ou dois objetos diferentes. O que temos a cada vezdiante de nós na situação de batismo é um estágio espácio-tem-poral de um objeto do tipo F. Não nomeamos contudo o estágioespácio-temporal, mas sim o objeto como algo que podemos terpor certo ser uma unidade complexa no espaço e no tempo. Éjustamente pelo fato de termos sempre diante de nós apenasseções espácio-temporais de objetos, embora concebamos osobjetos como unidades complexas com um caminho espácio-temporal contínuo, que enunciados informativos de identidadeentre nomes se tornam possíveis. Eles não dizem que os doisestágios espácio-temporais de um objeto F, estágios estes quetemos diante de nós nas duas situações de batismo, são idênti-cos, mas sim, antes, que essas seções espácio-temporais são

dois componentes da existência contínua do mesmo objeto quepode ser perseguido com base no predicado sortal F. Dessemodo, chegamos a uma explicação unitária dos enunciados in-formativos de identidade. Eles expressam a identidade de umobjeto consigo mesmo de tal forma que o objeto é referido pormeio de dois termos singulares que o identificam através de di-ferentes modos de se dar. No caso dos enunciados de identidadecom descrições, podem ocorrer quaisquer modos de se dar; nocaso de enunciados de identidade com nomes próprios, trata-sede modos particulares de se dar, a saber: de estágios espácio-temporais.

Enunciados triviais de identidade da forma "a=a" repre-sentam um caso-limite de enunciados de identidade, caso esteque é com efeito significativo,embora não possua nenhum con-teúdo informativo. Tais enunciados ainda expressam apenas arelação na qual um objeto sozinho se encontra consigo mesmo ecom nenhum outro objeto. O sentido de tais enunciados podetalvez ficar mais claro a partir do caso negativo, de enunciadosda forma"a t:-b". Este enunciado negativo asserindo a ser dife-rente de b tem o seguinte sentido: a é um objetonumericamentediferente de b, i. é, lidamos no caso de a e b com dois objetos.Agora pode-se dizer o seguinte: assim como a é diferente detodos os outros objetos, do mesmo modo ele é idêntico a si mes-mo; e isso significa que ele é numericamente o mesmo, i. é, queele é um objeto contável como um. O enunciado que assere algoser idêntico a si mesmo corresponde portanto ao enunciado queassere ser este algo um objeto particular delimitado.

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:

Frege, "Über Sinn und Bedeutung", p. 40s.

Quine, "Identity, Ostension and Hypostasis".

Wiggins, Identity and Spacio-Temporal Continuity.

Kripke, "Identity and Necessity".

- Naming and Necessity.

Wiggins, Sameness and Substance.

142 143

Page 75: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

""

'"

t t ~

EXISTÊNCIA

existe". Será que com isso ainda dizemos algo sobre o senhorN.N.? Mas, se dizemos, não pressupomos então que ele existe?Sendo assim, parece que não é o simbolismo lógico que causadificuldades. Nossa compreensão natural da noção de existêncianão é transparente.

11.1. Sobre a história prévia

No capítulo 6 chegou-se à conclusão de que frases gerais parti-culares têm o caráter de frases existenciais: "Algumasformigassão venenosas" significa o mesmo que "Há formigasvenenosas"ou "Existem formigasvenenosas". No simbollsmo da lógica mo-derna esse "existir" aparece no chamado quantificador existen-cial: "Há unicórnios" = "Existem unicórnios" é simbolizado por"(::Ix)(unicórniox)". Levanta-se agora a questão sobre se esse é(apenas um sentido particular de "existência" ou se com isso seapreende o sentido daquilo que compreendemos em geral por"existência". Se aquilo que temos em mente por "existir" é re-tratado adequadamente pelo quantificador existencial, devemosconcluir que a palavra "existir"em frases como "Existemunicór-nios" é, com efeito, gramaticalmente um predicado, mas não ésemanticamente um predicado (cf. 6.3). Isto porque o quantifi-cador existencial não é nenhum termo geral. Além disso nãoseria mais sensato dizer de um indivíduo que ele existe (é),poiso quantificador existencial só pode ser ligado a um termo geral.

Será que isso não viria se opor à tentativa de se traduziradequadamente por meio do simbolismo lógico nossa com-preensão de "existência"? Pois, aparentemente, é sobretudo deindivíduos que predicamos a existência. Mas será que isso é defato correto? Não é sensato dizer "eu existo", "eu sou", "issoexiste", "isso é"? Então a negação destas frases também teriaque ser sensata. Que tipo de sentido teria uma frase como "Eunão existo",? Poder-se-ia pensar que a dificuldade estivesse nosignificado peculiar de "eu" (e "isso"). Mas também encontra-mos dificuldades no caso de uma frase como "Osenhor N.N.não

Diferenciou-se na tradição entre ser enquanto cópula (serrelativo: uma determinação é colocada relativamente a uma ou-tra coisa) e ser no sentido absoluto, onde dizemos de uma coisasimplesmente que ela é (ser no sentido de "ser aí (Dasein)"oude "existência'f Diferenciou-seem uma coisa entre essência (oque a coisa é) e existência (se ela é). Essa tradição só começa asurgir contudo na Idade Média. Aristóteles ainda não possuíaesse conceito de existência. A necessidade de se falar da exis-tência de indivíduos só surgiu, com efeito, no contexto de duasquestões teológicas: (1)Comrelação a Deus, a questão é eviden-te: ele existe? Temos, assim se dizia, um conceito de Deus (umarepresentação de sua essência), mas será que ele existe? (2)ÉDeus que confere ser aos indivíduos (ou que lhes confere exis-tência)2. Ambas as questões sugerem uma diferenciação entredois níveis do ser: o do meramente possível e o do realmentesendo. Quanto a (1): Deus é algo de possível em minha repre-sentação, mas será que ele é real?Quantoa (2):Os indivíduossão inicialmente meras possibilidades que só por meio de Deussão convertidos em ser. Umaimportância particular foiatribuídanesse contexto à chamada "provaontológica de Deus". Ela temsua origem em Anselmo de Cantuária. Na versão pela qual foirenovada por Descartes3, ela tem a seguinte forma: o conceitode Deus é o conceito de uma essência perfeita. Esse conceito

1. Kant, "Der emzig mógliche Beweisgrund zu emer Demonstration des DaseinsGottes", p. 73.

2. Cf. Glison, L'être et J'essence, capo 3.

3. Descartes. MeclitaUones de prima philosophja, 5' meditação.

144 145

Page 76: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

abarca, portanto, téLmbém a existência. No pensamento que setem de Deus já está então implicada a existência. Portanto, eleexiste.

Em sua refutação desta prova de Deus diz Kant na CRP (B626s):

,,'il

"Ser não é evidentemente nenhum predicado real, i. é, umconceito de algo qualquer que pudesse se acrescentar aoconceito de uma coisa. [H']A frase 'Deus é onipotente'contém dois conceitos que possuem seus objetos: Deuse onipotência; a palavrinha 'é' ainda não é um predicadopor si mesma, mas sim apenas o que o predicado põe comrespeito ao sujeito. Se tomo o sujeito (Deus)conjuntamen-te com todos os seus predicados (entre os quais estátambém a onipotência) e digo: 'Deus é' ou 'Um Deus é',não acrescento nenhum novo predicado ao conceito deDeus, mas apenas ponho o sujeito em si mesmo comtodos os seus predicados, e, para dizer mais explicitamen-te, ponho o objeto tal como concebido em meu conceito.Ambos têm que conter exatamente o mesmo conteúdo,e portanto o fato de eu pensar o objeto de um conceitocomo pura e simplesmente dado (através da expressão:ele é) não pode acrescentar nada mais ao conceito do queexpressa a mera possibilidade. E desse modo o real nãocontém nada mais do que o mero possível contém".

',"'

..,

Já encontramos portanto em Kant a concepção de que aexistência não é um predicado no sentido não gramatical. Cer-tamente' o que se quer dizer aqui com isso é meramente que aexistência não é, por sua vez, uma determinação conceitual talcomo pressupõe a provaontológica de Deus. Contudo Kant tam-bém opera aqui com a noção de que a existência é algo que seacrescenta à coisa que é inicialmente pressuposta como algo depossível. Em um tratado anterior que se ocupa igualmente daprova de Deus, Kant já dera um passo mais adiante:

"A expressão 'Umunicómio marinhoé um animalexis-tente' não é portanto uma expressão totalmente correta;corretaé, inversamente,a expressão 'A um certo animalmarinhoconvémos predicadosque penso, comoforman-do um todo, num unicómio'. Não: Hexágonosregularesexistem na natureza, mas sim: A certas coisas na natu-reza, como aos alvéolos de abelhas ou aos cristais de

146

rocha, convêm os predicados pensados conjuntamentenum hexágono,,4.

Kant antecipa aqui a concepção atual segundo a qual "exis-tir" não só não é um predicado real, mas, visto semanticamente,não é sequer um predicado, podendo ser expresso através doquantificador existencial. Frases como "Unicórnios existem" sãoequivocantes, pois elas podem dar a impressão de que predica-mos dos (possíveis) unicórnios a existência. O que se quer dizercom tais frases torna-se mais claramente compreensível se asreformulamos a partir do que é indicado por Kant e então dize-mos: a certas coisas na natureza convêm os predicados que sãopré-requisitos para que caracterizemos algo como um unicórnio.Kant,portanto, aponta aqui para o fato de que frasesexistenciaisdevem, na verdade, ser concebidas como frases particulares.

Essa concepçãoparece concludentepor uma razãoque éindica da aqui por Kant e que é mais decisiva que as fundamen-tações que são comumente dadas na literatura atual. Kant escre-ve o seguinte antes da citação mencionada acima:

"Por isso, para mostrar a correção dessa frase sobre aexistência (Dasein) de uma tal coisa, não se investiga oconceito do sujeito. [...1Diz-se: eu a vi ou eu ouvi falardela por aqueles que a.viram";

Kant pressupõe aqui que nós só compreendemos a semân-tica de uma tal frase se nos perguntamos como podemos "mos-trar" sua "correção" (verdade). Para verificar se a frase"Unicórnios existem" é verdadeira, não investigamos os (possí-veis) unicórnios a fim de verificar se o predicado da existênciaconvém a eles; investigamos, sim, os animais do mundo real afim de verificar se alguns deles são unicórnios.

Comparemos as duas frases (1) "Ovelhas balem" e (2) "Ove-lhas existem". Parayerificar a verdade de (1), temos que observarovelhas. Para verificar a verdade de (2), não faz sentido observarovelhas, pois não podemos observar as possíveis ovelhas e, se

4. Veja nota 1.

147

Ij

Page 77: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

observamos as ovelhas reais, já pressupomos sua existência. Averdade de (2),não obstante, se funda na observação, mas nãona observação de ovelhas.

nhum tipo de ser. E tampouco parece sensato atribuir a um ob-jeto um certo ser apenas para que se lhe possa ou atribuir ounegar a existência. Pode-se contudo perguntar se essas seriamas razões realmente decisivas para que não se conceba o "existe"como predicado ou se a razão verdadeiramente decisiva não se-ria, antes, a mencionada no final de 11.1.

Russell procede em três passos. Oprimeiro concerne a frasesexistenciais g.erais("Unicórniosexistem"); o segundo, a frases~éÍÍciais indi\lictuaiscem descrições ("Oautor da Iliadaexis-te");õ terceiro, a frases existenciais com nomes próprios ("Ho-mero existe"). .Ele usa neste caso a palavra "existe" em umselltrdõatemporal. "Homemexiste" não significa "Homeroexis-te agora", mas êim "Homemexiste em qualquer que seja a épo-ca" (ele.existe ou existiu ou existirá).

r - _Oobjetivo da argumentação de Russell é o de mostrar que~õdos esses casos a p_alavra"existir" não é compreendidasemanticamente como predicado, mas sim como operador exis-tência1 Isso ê fácil de se mostrar para frases existenciais gerais.

-Russell defende aqui de modo totalmente explícitoa concepçãoque se encontrava em linhas gerais no tratado de Kant "Derein-zig mogliche Beweisgrund zu einer Demonstration des DaseinsGottes,,5.

É muito simples transferir essa concepção para enunciadosexistenciais individuais no caso em que o termo singular é umadescrição definida. Se "Unicórniosexistem" quer dizer o mesmoque "Entretodos os objetoshá alguns que são unicórnios", entãoé de se supor que "O autor da Iliadaexiste" deva ser compreen-dido de modo que com essa frase se queira dizer "Entre todosos objetos há um que escreveu a Iliada".-l:joJormaU§mo sim-bólico-ternos que levar em conta aqui o fato de não se estar maisfalando de "alguns: (pelo menOS-nTn),mas sim de "um" (exata-mente um). Isso é feito do seguinte modo: (~x) [Fx A y) (Fy =>

11.2. A concepção de Russell sobre frasesexistenciais

""I

O locus classicus para a concepção moderna de frases exis-tenciais é o ensaio de Russel "On Denoting" (1905).Russell fezuma exposição mais simples de sua concepção em suas prele-ções sobre ThePhilosophyof LogicalAtomism (1918)(cf.tam-bém sua introduction to Mathematical Philosophy, § 16). Umaapresentação da idéia essencial, apresentação esta digna de serlida e isenta das muitas negligências de Russell, se encontra emQuine, nas primeiras páginas de seu ensaio "On what there is".Exposições resumidas são encontradas em Carle Specht.

A razãopor que Russellpensava que a possibilidadede secompreender a palavra "existe" como predicado deveria ser re-

jeitada está nó fato de que, se não se fizesse isso, seríamos for-çados a falar de objetos não existentes (esta é também a razãodecisiva para Quine). Já vimos que esses objetos não-existenteseram concebidos na tradição pré-kantiana como objetos RQssí-veis. Russell teve contato com a concepção tradicional a partirdo modo como ela havia sido defendida pelo filósofoaustríacoMeinong e como o próprio Russell a havia defendido ainda emseus Principles of Mathematics (1903). Russell compreendeu

Meinong como se estei:lfirIllaSS~uando pergunta-mos sobre um objeto 'A se ele existe ou não, -então sempre1á

~ressupomos que ele seja em um certo sentido, pois, não fosse

assim, não poderíamos sequer falar dele. Fica em aberto se ~le,existe,mas ele tem que ser de algum modq; e Russell,juntamen-te com Meinong, pensou em caracterizar esse ser como "subsis-tência". Na verdade a concepção de Meinong era um poucodiferente. Ele afirmava que podemos falar de objetos sem lhesimputar algum tipo de ser. Eles possuem portanto um "extra-ser". Essa posição é um pouco difícil:não parece sensato, comopensava Meinong, falar de um objeto ao qual não se atribui ne- 5. Cf. também Frege, GrundJagen der Arithmetik, § 53. Uma exposição completa do

conceito de existência se encontra no texto póstumo de Frege "Dialog mit Pünjer überExistenz" .

148 149

Page 78: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Y=x)].Deve-se repertir outra vez: essa concepção possui todasas vantagens que a concepção correspondente das frases exis-tenciais gerais já possuía: não necessitamos mais falar de umautor da Iliadaque seja possível ou subsistente ou extra-existen-te, autor este que nós investigaríamos a fim de saber se ele pos-sui ou não a existência.

Como agora tratar a frase "Homero existiu"? Nesse casoRussell recorre à concepção de Frege segundo a qual um nomepróprio se baseia em descrições. Se perguntamos se Homeroexistiu, queremos aproximadamente perguntar se existiu uma(única) pessoa à qual convém aqueles predicados que ligamosao nome"Homero",i. é, p. ex., se existiu uma (únicapessoa queescreveu a Iliadae a Odisséia.Russell escreve resumidamente oseguinte:

"Há uma grande quantidade de filosofias que partem dofato de que a noção de existência é, por assim dizer, umapropriedade que se pode atribuir a coisas e que as coisasque existem possuem essa propriedade e as que nãoexistem não a possuem. Isso é sem sentido, quer se penseem tipos de objetos quer se pense em objetos individuais.Se, p. ex., digo 'Homero existiu', tenho em vista por'Homero' uma descrição, p. ex., 'o autor dos poemashoméricos',e afirmoque essespoemasforamescritosporum homem, afirmação esta muito questionável; mas sepudesse apanhar a pessoa que realmente escreveu essespoemas (supondo-se que uma tal pessoa tenha existido),então seria sem sentido dizer dessa pessoa que elaexistiu: não seria falso, mas sim sem sentido, pois éapenas de pessoas caracterizadas por uma descrição quese pode dizer significativamente que elas existem,,6.

ele) ("esse..."), não parece ser mais sensato dizer que ela nãoexiste e portanto também não parece ser sensato dizer que elaexiste. - Ou será que ainda seria sensato? Primeiro: Será quenão posso apontar para algo sobre o qual estou incerto se ele éapenas uma quimera minha ou se é um objeto real? Como sedeve então compreender a frase "Isso é/é realmente? Cf. 11.3.2.E, em segundo lugar: Mesmo que não pareça sensato dizer "Eu(não) existo", não é contudo sensato dizer "Eu (não)existirei"?Cf. 11.3.3.

11.3. Questões em aberto

6. Russell, Logic and Knowledge, p. 252.

As questões por último mencionadas já mostram que a teo-ria de Russell não resolve de modo algum todas as dificuldadesreferentes ao termo "existe". Mesmo que se considerea concep-ção de Russell convincente em seu âmbito central. ela deixavárias questões em aberto, questões que são controversas naliteratura desde então e que, em parte, ainda quase não estãoesclarecidas. No que se segue devem ser indicados três comple-xos de problemas.

11.3.1. Existência interna e externa. Vimos no capítulo 6,nota 6, que o uso dos quantificadores pressupõe, a cada vez, umâmbito de objetos mais abrangente, âmbito este que está impli-cado no "x". Se digo "Para todos os x ou para alguns x é váli-do...", então se coloca a seguinte questão: Qualé o todo que setem em mente com "x"? Se dizemos, p. ex., "Cada coisa: se elaé uma formiga, ela é venenosa", qual é o todo que a expressão"cada coisa" abarca? Todos os animais? Ou todos os objetos noespaço e no tempo? Ou será que poderíamos falar, de modoainda mais geral, de todos os objetos em geral? Toda perguntasobre a existência não deve ser compreendida em relação a umâmbito determinado de objetos? Se perguntamos, p. ex., se e-xistem unicórnios, então isso parece querer dizer que pergunta-mos se, entre todos os objetos materiais, existem alguns que sãounicórnios. Podemos eventualmente limitar o âmbito pressupos-to de objetos e dizer, de modo igualmente válido, que o âmbitopressuposto de objetos é o de animais. Mas será que podemosestendê-Ia à vontade? Será que podemos conceber o âmbito de

A correção desta última afirmação de Russellparece se con-firmar pelo fato de que, quando não falamos de uma pessoa (oude um objeto qualquer) por meio de uma descrição ("o tal etaL"), podendo, antes, apontar para ela (ou, conforme o caso,

150 151

Page 79: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

""

objetos de tal modo abarcante que a ele pertençam, além dosobjetos espácio-temporais, também os objetos abstratos?

Tanto uma resposta positiva quanto uma resposta negativaa esta questão levam a dificuldades. Supondo-se que respondês-semos positivamente à questã07.Ora, havíamos visto no final de11.1que a condição de verdade de uma frase existencial remetea um âmbito de objetos que pode ser investigado com vistas aque se verifique se o termo geral contido nessa frase convém aalguns objetos. Parece sensato encarar como um âmbito de in-vestigação ou de verificaçãoo âmbito de todos os objetos espá-cio-temporais ou mesmo o âmbito de todos os números, mas nãoo âmbito de todos os objetos em geral. Parece portanto havervários âmbitos abarcantes de objetos, âmbitos estes que nãocaem mais sob um âmbito único.

Carnap parte dessa pressuposição, por último mencionada,quando ele diferenciaquestões existenciais "internas" e "exter-nas"s. Uma questão existencial interna significa uma questãosobre a existência no interior de um âmbito de objetos, p. ex."Existem unicórnios?" (no âmbito de objetos espácio-tempo-rais), "Existe um número primo entre m e n?" (no âmbito dosnúmeros). Tais frases existenciais internas deveriam ser com-preendidas do modo como Russell as esclareceu. Frases existen-ciais externas, ao contrário, seriam frases que concernem àexistência de todo um âmbito de objetos, p. ex., "Há números"= "Números existem", "Há objetos materiais", "Há conceitos".Como deve ser então compreendida nesses casos a palavra "e-xiste" (ou "há")? Se ainda se quisesse manter o sentido elucida-do por Russell - i. é, se ela correspondesse ao operadorexistencial-, teríamos que pressupor aquele âmbito de objetosmais abarcante aceito pela concepção acima rejeitada. Essapressuposição parece, justamente a partir da presente colocaçãodo problema, altamente implausível,pois não é sensato dizer quepodemosinvestigaros objetosem gerala fimde vir a saber se

alguns deles são números. Será que "existir" possui então nessecaso um outro sentido? A questão não está esclarecida9.

11.3.2.EJdstênciaimagináriae real. Há, além do mundo real,mundos de estória e de romance, mundos de fantasia, mundosde sonhos. Esses mundos estão relacionados ao mundo real emum duplo sentido. Primeiramente, são pessoas que sonham, têmfantasias, narram estórias. Em segundo lugar, o que é narrado,fantasiado, etc., é, em suas estruturas, análogo ao mundo real:são como-se-fossem-mundos. Um discurso que se quer ficcionalcontém as mesmas estruturas de enunciação de um discursoque se quer real: frases predicativas, frases existenciais, etc. To-memos, p. ex., a narração da fliada. Nessa estória fala-se deváriaspessoas. No mundodessa estória "há" essaspessoas,p.ex. Agamêmnon. Esse "há" pode ser compreendido completa-mente no sentido de Russell: entre todas as pessoas que ocor-rem nessa estória, há exatamente uma que se chama "Agamêm-non". Enquanto que a questão sobre se há no mundo real umapessoa determinada remete à observação, a questão sobre seAgamêmnonexiste("ocorre")na fliadadeveser verificadasim-plesmente no texto.

Surge agora, contudo, um problema particular se passamosde um mundo de fantasia para o mundo real. Podemos, p. ex.,perguntar "Agamêmnon existiu (realmente)?" Aqui "existe" éusado em um sentido enfático, sentido que, primeiro, se refereexclusivamente ao mundo real e, segundo, contrasta o que exis-te no mundo real com aquilo que existe em um mero mundo defantasia. Parece neste caso que atribuímos a existência comopredicado a um objeto que está inicialmente pressuposto em ummodo de ser mais fraco (ao Agamêmnon que aparece na Iliada).

Como mostrou AlstonlO,isso é apenas uma ilusão. Devemosnos perguntar novamente qual é a condição de verdade do enun-ciado "Agamêmnon não ocorre apenas no poema; ele existiu

7. Do mesmo modo Guine, cf. From Lagjcal Pamt af Vjew, p. 105.

8. Cf. Camap, "Empiricism, Semantics and Ontology".

9. A mais recente investigação que se dedicou a essa questão é a de Zimmermann,Der "Skandal der Philosaphje" und die Semantik.

10. Alston, "The Ontologica! Argument Revisited".

152 153

Page 80: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

realmente". Como constatamos a verdade desse enunciado? Não

a constatamos ao investigar o Agamêmnon do poema e pergun-tar se a ele pertencea existênciareal, mas sim ao investigarahistória real e perguntar se ocorreu nela uma pessoa que corres-pondesse ao Agamêmnon do poema.

De modo análogo ter-se-ia que tentar responder à primeiradas questões colocadas no finalde 11.2. "Seráque isso é apenasum objeto de meus sonhos ou de minha imaginação ou ele existena realidade?" é uma questão que é respondida através da ob-servação do mundo real.

11.3.3. Existêncja temporal. No item 11.2 foi indicado queRussell usa a palavra "existe" em um sentido atemporal. Comisso é, contudo, deixado fora de consideração um componenteessencial daquilo que temos em mente com "existir". Comopode ser compreendido esse componente? É mais uma vezaconselhável orientar-se, com vistas ao esclarecimento do sen-tido do enunciado em questão, por aquilo que suas negaçõessignificam. A negação de "H. existe (atemporalmente ou, con-forme o caso, em qualquer que seja a época)" é "H. não existiuem nenhuma época", e isso significa, de acordo com a explica-ção de Russell dessa frase, "Não é o caso que, entre todas aspessoas (que existiram em alguma época), se encontre um H.".A negação de "H. existe (agora)"é, ao contrário, "H. não existeagora", e isso sugere a seguinte frase: "H. existe em um outromomento temporal".

Diferentemente da existência, p. ex., de um número, é ca-racterístico da existência de um objeto material que o objetosurja (i. é, comece a existir) em um momento temporal ti deter-minado, esteja presente no espaço durante um período de tempotHn determinado e desapareça (i. é, cesse de existir) em ummomento temporal tn. A existência no sentido temporalse aplicaportanto a um estar presente no espaço durante um tempo de-terminado. Essa formulaçãosugere que se conceba esse "existir"no sentido temporal como um predicado de dois lugares que estáno lugar de uma relação entre o indivíduo e um (ou vários)mo-mento(s) temporal(ais).Isso significa que, ao falarmos de "exis-tência", dois conceitos diferentes estariam aí ligados, um que(seguindo Russell) deve ser expresso através do quantificadorexistencial e um segundo que está no lugar de uma relação.

Mas uma tal concepção fracassa devido à mesma dificulda-de que atinge a concepção tradicional de frases existenciais. Éque, se dizemos de PedroH. que ele existiu (viveu),de 5 de julhode 1896até 7 de fevereirode 1944,o que se pode dizerdele antese depois dessas datas? Será que devemos dizer: ele ainda nãovive (existe) ou ele não vive mais? Mas o que ele fazentão? Essaquestão se insinua evidentemente ao se falar de uma tal manei-ra; ela conduziria contudo a que todos os objetos materiais antese depois de seu estar presente no espaço vivessem um tipo qual-quer de quasi-existência.

Essa reflexão aponta para o fato de que o "existe" temporalnão está no lugar de uma relação e que ele não é nenhum termogeral, nem um termo de um lugar, nem um termo de dois luga-res. Pois a aplicação de um termo geral a um objeto semprepressupõe que já possamos identificar o objeto independente-mente desta aplicação. Isso contudo não é possível no caso daexistência temporal. Um objeto não é primeiramente o objetoque ele é, estando em seguida presente no espaço em temposdeterminados; ele se constitui como o objeto identificável queele é apenas nesse estar presente. Por conseguinte, se confirmatambém para a existência temporal a tese básica de Russell deque "existe" no sentido lógico-semântico não é um predicado.Mas como esta existência temporal deve então ser compreendi-da positivamente? Isso ainda não está até hoje esclarecidol1.

INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:

Russell, The Phflosophy of Logical Atomism, capo 5.

11. Para uma tentativa de resposta a essa questão, cf. Tugendhat, "Existence inSpace and Time". A existência temporal, assim é a tese do ensaio, também só pode sercompreendida com auxilio do quantificador existencial que, neste caso, é certamente tãomodificado que a frase geral que toma a forma "Nesse lugar há agora exatamente um F,e esse é chamado 'Pedra'" forneceria o fundamento para a frase singular "Pedra estápresente aqui". Se Pedra morre, ele não perde a existência (e conseqüentementepermaneceria ainda de algum modo como não existente), mas: não há mais após a suamorte em nenhum lugar no espaço um objeto que esteja em continuidade com aqueleque tinha sido caracterizado como Pedra.

154 155

Page 81: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Moore, "ls Existencea Predicate?"

Quine, "On What There is".

Carnap, "Empiricism, Semantics and Ontology".

Alston, "The OntDlogicalArgument Revisited".

Specht, Sprache und Sejn.

Carl, Existenz und Praclikation.

Tugendhat, "Existencein Space and Time".

Zimmermann, Der"Skandalder Philosopme" und cliesemantik.

12~SER, NEGAÇÃO, AFIRMAÇÃO

12.1. Existência, identidade e cópula

Os conceitostratadosnas duas últimasseções- existênciae identidade - se referemtradicionalmente a duas significaçõesde "ser". Expressamos frases de identidade na maioriadas vezescom a palavra "é". "A estrela da tarde é idêntica à estrela damanhã' é uma formulaçãoprolixa de "Aestrela da tarde é a es-trela da manhã". O fato de, por outro lado, podermos dizer "é"ao invés de "existe" é menos evidente. Pode-se todavia tambémdizer, ao invés de "Deus existe", "Deus é" e, ao invés de "Euexisto", "Eu sou"; mas em outras frases existenciais a transcri-ção por meio de frases com o verbo "ser" parece artificial emportuguês: "Unicórniossão?"

Comparemos o uso da palavra "é" nas seguintes frases:(1)Deus é.

(2)A estrela da tarde é a estrela da manhã (a=b).

(3)A estrela da tarde é um planeta (Fa).

Em (1)o termo "é" é gramaticalmente o predicado, mas vi-mos no capítulo 11que semanticamente ele não é um predicado.Em (2) e (3), ao contrário, ele é gramaticalmente apenas umaparte do predicado (do sintagma verbal). É importante observaragora que ° termo "é" em (2)se diferencia semanticamente dotermo "é" em (3).Em (2)há de ambos os lados termos singulares;em (3) há um termo singular apenas de um lado, havendo do

156 157

Page 82: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

outro lado um termo geral. Deve-se portanto caracterizar comocópula apenas o "é" em (3).Uma frase da forma (3)dá a entenderque um objeto (a) cai sob um conceito (F);uma frase da forma(2),ao contrário, dá a entender que o objeto referidopor meio de"a" é idêntico ao objeto referidopor meio de "b". Pode-se subs-tituir o "é" em (2), mas não o "é" em (3), pela expressão "éidêntico a". Nesta última expressão ocorre de novo a palavra "é"e ela tem neste caso o mesmo sentido que em (3): ela é agoraurna mera cópula que é complementada pelo termo geral de doislugares "idêntico a"l.

A necessidade de diferenciaçãoentre esses dois significadosde "é" foi reconhecida pela primeira vez por Platão em seu diá-logo Sofjsta. Na filosofiaanterior dos chamados sofistas a faltade clareza sobre essa diferenciaçãolevoua paradoxos.Argumen-tava-se, p. ex., do seguinte modo: "Sócrates é um homem; Glau-con é um homem; então Sócrates é = Glaucon" (essa argumen-tação se baseia na suposição de que o "é" nas duas premissassignifica "é idêntico a"). Dizia-se também que em urna frasepredicativa qualquer (p. ex. "Sócrates é calvo")o que é expressopelo predicado (a calvície) é diferente do que é referidopelo su-jeito (Sócrates); e, ao se supor que o "é" da cópula possui osentido de identidade, concluía-se o seguinte: então Sócrates éidêntico a algo que é diferentedele, e isso seria uma contradição.Reflexões desse tipo já haviam levado Parmênides - o primeiroa refletirsobreo ser e o ente - a dizer: só pode haver um únicoser sem determinações. A mesma mistura entre cópula e identi-dade se encontra também novamente em Hegel: "Ojuízo é umarelação idêntica entre sujeito e predicado"z. Sendo assim, todojuízo predicativo expressaria, também para Hegel, uma identi-dade de não-idênticos e conseqüentemente urna contradição; sóque ele extrai desse fato a conseqüência oposta à de Parmêni-des: a contradição pertence ao ser.

12.2. A ontologia

Desde Aristóteles e, de certo modo, desde Parmênides, háurna tradição segundo a qual a questão básica da filosofiaé aquestão sobre o ser. Em nossa época essa questão "ontológica"("antologia": ciência do ente) foi retomada sobretudo por Hei-degger3. Como se chegou a essa concepção de que a questãobásica seria a questão sobre o ser? Heidegger remete à determi-nação de Aristóteles: "O ente é o que há de mais gera1"4.Dissosegue-se que a filosofia, se ela se compreende como ciênciauniversal, tem que tematizar em primeiro lugar esse conceito deser ou ente. Mas em que medida esse é o conceito mais geral?

A explicação mais natural parece ser a seguinte: de tudo ede cada um pode-se dizer que ele é. Aqui "ser" é entendidoportanto no sentido verbal; ele se expressa no "é". Ora, se tudoé, então segue-se que tudo é sendo ou que tudo é ente. Pode-seportanto, como faz Heidegger, falar do ser do ente. Ser pareceter aqui, contudo, o sentido de existência, pois, se se diz de cadaum "ele é", estamos lidando evidentemente com o sentido deexistência do "é".

Mas há ainda uma segunda explicação. Heidegger a expri-me do seguinte modo: O ser (ente) é o conceito mais gera15.Essafoi com efeito a concepção usual da antologia medieval; essaconcepção não pode ser entendida de modo imediato; pois deve-se perguntar o seguinte: o que o "é", seja ele entendido cornoexistência ou como cópula, tem a ver com os conceitos?

Com efeito só se pode compreender essa concepção histori-camente. Para Aristóteles o sentido básico da palavra "ser" éaquele que se expressa na cópula. Aristóteles classificou6todosos predicados (ou termos gerais) em uma série de gêneros su-premos, chamados por ele de categorias (O termo "categoria

1. Cf. as exposições elucidativas em Frege, "Über Begriff und Gegenstand", p. 68.

2. Hegel, Wfssenschaft der Logik, t. 1, p. 76.

3. Heidegger, Sem und Zeit, § 1.

4. Aristóteles, Metaffsica m, 4, 1001a21.

5. Heidegger, Sem und Zeft, § 1.

6. Cf. Aristóteles, Metafisica v, 7.

158 159

Page 83: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

advém de Aristóteles e significa para ele, inicialmente, "predica-do"). As categorias mais importantes são: substância (p. ex.,"cavalo"),qualidade (p. ex., "marron"), quantidade (p. ex., "2mde altura"), relação (p. ex, "pai de Pedra"). As categorias sãoportanto para Aristóteles os tipos supremos de termos gerais oude conceitos. Será que ainda se pode, assim ele perguntou, sub-sumir esses tipos supremos, por sua vez, a um conceito univer-sal? A resposta foi: sim e não; não, pois não há nada deconteudístico que seja ainda comum a eles; e, contudo, sim, poiscom todo conceito é dito, via cópula, algo sobre um objeto; todoconceito expressa desse modo uma determinação do ser. Todoconceito está no lugar de um sendo-deste-modo de algo. Se por-tanto Aristóteles diz que o ente seria o que há de mais geral, eleentende por ente não os objetos (caso em que o "ser", como sedisse acima, estaria no lugar da existência), mas sim suas deter-minações' e, neste caso, "ser" estaria no lugar da cópula.

Na Idade Média não se atentou mais para essa relação como "é" da cópula e, desse modo, com o enunciado inteiro. Pen-sou-se, antes, todo conceito como um conteúdo repre-sentacional, e caracterizou-se como ens (ente) aquilo que écomum a todos os conceitos no sentido de conteúdos repre-sentacionais. Assim, Tomás de Aquino diz o seguinte (De veri-tate I, 1): "Aquilo que o entendimento concebe como o maisconhecido e aquilo a que ele reduz todos os conceitos é o ente".E Duns Scotus: "O objeto primeiro de nosso entendimento (ou:o conteúdo representacional mais geral)é o ente (primum obiec-tum intellectus nostri est ens)"7 Aqui foi perdida a ligação coma palavra "é". Lidamos apenas com uma construção filosófica.Hegel se liga a essa tradição medieval quando caracteriza o sercomo o "imediato indeterminado"s.

7. Duns Scotus, Ord. I. dist. 3, pars 1, q. 3, n. 137.

8. Hegel, Wjssenschaft deI Logil<:,t. 1, p. 66.

160

1

12.3. Há um sentido unitário da palavra "ser"?Negação e força assertórica

É compreensível que Heidegger, face a essa tradição solidi-ficada, declarasse que se deveperguntar mais uma vez pelo sen-tido do ser. Ele recorreu nesse caso novamente à palavra "é" einsistiu que se deve aceitá-Ia em todas as suas diferentes signi-ficações9.É curioso que Heidegger tenha pressuposto como evi-dente que a palavra "ser" possui, em suas diferentessignificações, um sentido unitário. Contudo ele nunca mostrouem que consiste esse sentido; ele sequer levantou essa questão.O fato de o "ser" ("ente")ter diferentes significaçõesfoimostradoinicialmente por Platão (v. 12.1)e depois por Aristóteles (Metafi-sica V,7), mas quase em nenhum texto da história da ontologiafoi feita uma tentativa de mostrar que esses significados deve-riam ser colocados de algum modo sob um conceito, não repre-sentando uma multiplicidade aleatória de sentidos dessapalavra. (Sabemos contudo, com respeito a esse fato, que hálínguas que não possuem nenhuma palavra para a cópula e ou-tras nas quais o termo para a existência não é o mesmo termoque para a identidade, etc.)

Uma exceção se encontra em Kant.Ele escreveu o seguinte:"Oser-ai (Dasein)é a posição absolutade uma coisa e sediferencia, por isso, também de todo predicado que,enquanto tal, é posto sempre meramente com relação auma outra coisa. O conceito de posição é totalmentesimples e coincide com o de ser. Mas algo pode serpensado comoposto de modomeramenterelacional[...],e então o ser que é a posição dessa relaçãonão é outracoisa senão o conceito de ligação em um juizo. Se seconsidera como posta não apenas essa relação, mas acoisa em e para si mesma, então esse ser é o ser-aí(Dasein) " 10.

9. Cf. Heidegger, Sem und Zeit, p. 6s; Kant und das Problem deI Metaphysil<:, § 40.

10. Kant, "Der einzig mogliche Beweisgrund zu einer Demonstration des DaseinsGottes", p. 73.

161

Page 84: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Por ser-aí Kant entende "existência". Sua tese é portanto ade que o "é" no sentido da cópula cornoposição relativa e o "é"no sentido de existência cornoposição absoluta caem sob o mes-mo conceito unitário de posição. Surge então de imediato aquestão sobre o que se entende, por sua vez, por este conceito.Kant diz que esseconceitonão é mais explicável.É de se supor,contudo, que o conceito de posição seja visto em relação aoconceito de negação. O unitário dos dois significados de "é"consistiria então no fato de ambos serem passíveis de negaçãoatravés da palavra "não".Essa interpretação parece se conformarbem com toda a tradição ontológica, pois esta sempre tematizou"ser" em relação a "não-ser". Além disso, é evidente que o "é"no sentido da identidade, o qual não é considerado aqui porKant, também é passível de negação. Por outro lado, contudo,deve-se agora atentar para o fato de que a possibilidade do usoda palavra "não" ultrapassa amplamente as três formas senten-ciais das frases existenciais, das frases predicativas e das frasesde identidade. Isso não foiobservado pela tradição porque ela selimitou, corno vimos, no essencial, a frases predicativas. Paraabranger também aquelas frases predicativas nas quais nenhu-ma cópula ocorre, Aristóteles havia apontado para o fato de quese poderia sempre reformularfrases verbais corno "Elenada" em"Ele é nadante" (MetafisjcaV,7). Mas o que devemos fazer comfrases compostas que são, igualmente, passíveis de negação?

Nessa questão parece vir-nos auxiliar um outro significadoda palavra "é" para o qual Aristóteles igualmente já chamouatenção (MetafisjcaV,7): o "ser" no sentido de ser verdadeiro.Esse uso da palavra é totalmente evidente em um diálogo: urnapessoadizqualquercoisae urnaoutraresponde:"É assimmes-mo"; isso significa evidentemente "Isso (que você disse) é ver-dadeiro". A palavra "é" tem esse mesmo sentido quando acolocamosantesdeurnafraseassertóricaqualquere dizemos"É

o caso que p"; isso tem evidentemente o mesmo sentido que "É

verdade que p". Vimos anteriormente que o que é negado ésempre a frase inteira. A negação de urna frase (seu oposto con-traditório) é aquela frase que é verdadeira quando a primeirafrase é falsa. Negar urna frase equivale então a dizer que ela éfalsa. Desse modo, as seguintes equivalências são válidas:

162

~

É o caso que p == É verdade que p == p.

Nãoé o caso que p == É falso que p == não-p.

Essas relações vêm confirmar que o que é negado quandose nega urna frase qualquer é sempre o ser no sentido do serverdadeiro. Isso pressupõe no entanto que possamos falarde umser no sentido do ser verdadeiro em toda frase assertórica "p", enãoapenasnocasoda forma"É o casoquep".Asequivalênciasacima indicam que o ser no sentido de ser verdadeiro, que estáexplicitamenteexpressoem "É o caso que p", ou "Éverdade quep", está implicitamente contido em toda frase.

O fato de haver um tal ser contido implicitamente em todasas frases assertóricas pode ser tornado claroa partir do princípioda contradição. Este pode ser formulado de maneira totalmentegeral, do seguinte modo: "Éimpossívelque algo seja e não seja".Essa formulação parece se referir apenas a frases existenciais,mas o princípio da contradição também é evidentemente válidopara todas as frases asse~tóricas.A formulaçãomencionada temque ser portanto compreendida do seguinte modo: é impossívelque algo seja e não seja o caso. Isso também pode ser evidente-mente formulado assim: se se afirma e se nega algo ao mesmotempo, não se diz nada (cf. capo4). Essa formulação indica queo ser veritativo implícito no uso de uma frase assertórica é a"força assertórica"ll com a qual a frase é usada. Já apontamosno capo2, p. 22, para o fato de que pertence a toda fraseasser-tórica urna pretensão de verdade. Essa pretensão de verdadeseria idêntica à sua força assertórica.

Desse modo, somos levados à concepção de que a negaçãonão se refere àquilo que Kant caracterizou corno posição, massim a algo mais geral, que pode ser caracterizado comoasserção(ou também afirmação). Essa concepção parece ser tambémconfirmada pela diferenciação tradicional entre juízos afirmati-vos e negativos. Pode-se também, evidentemente, compreendera palavra "posição" nesse sentido amplo de afirmação,mas nes-

11. Essa expressão advém de Frege; cf. seu anigo "Die Vemeinung".

163

Page 85: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

te caso ela seria compreendida de um modo mais abrangente doque Kant a compreendeu (mais abarcante do que se ela abran-gesse apenas existência e cópula).Levantam-se agora as seguin-tes questões: 1"Será que somos realmente forçadosa aceitar emtoda frase um momento de asserção (e com isso um ser implícitono sentido de ser verdadeiro)?2" Em que relação estão a nega-ção e a asserção uma com a outra? 3" Será que os sentidos de"ser", até então mencionados, podem ser concebidos como ca-sos especiais do ser no sentido de verdade, de tal modo que esterepresentaria um sentido unitário e abarcante de ser?

Sobre a primeira pergunta. No parágrafo citado no capo2, p.22s, Frege aponta para o fato de que a toda frase assertóricacorresponde uma frase interrogativa de mesmo conteúdo, e, apartir desse fato, conclui: "Devem-seentão diferenciardois tiposde elementos em uma frase assertórica: o conteúdo - que elatem em comum com a correspondente pergunta sobre uma frase- e a asserção".Oconteúdoé aquiloque Fregetambémchamade pensamento. O pensamento, expresso por uma frase, é por-tanto o mesmo que o que a pergunta correspondente expressa.Falta a ele a força assertórica. Podemos compreender, ou seja,"apreender" (como diz Frege no texto acima) pensamento quesão expressos através de frases assertóricas sem, de nossa parte,asseri-Ios. Frege levou em conta em seu simbolismo essa dife-renciação, de forma que ele não toma o símbolo sentencial "p",como fizemosaté agora, como representante de uma frase asser-tórica completa; este símbolo estaria, ao invés, meramente nolugar do conteúdo (pensamento) de uma tal frase. Para caracte-rizara forçaassertórica,Fregeinventouo sinal)artificial"0-". Nosim-bolismode Frege,é apenasem conexãocomesse sinal("o- p")que um símbolosentencial está no lugar de uma fraseassertóricacompleta.

Pode-se perguntar com que direito uma tal diferenciaçãonãoencontrável na linguagem natural é realizada na linguagem arti-ficial. Para fundamentá-Ia pode-se, primeiro, indicar a relaçãosistemática entre frase assertórica e frase interrogativa, podendoesta relação ser reproduzida simbolicamente do seguinte modo:a todo "o- p" corresponde um "?p". Em segundo lugar, ocorremtambém na linguagem natural expressões sentenciais às quais

falta a força assertórica: (a)Pode-se dizer que a reformulaçãodeuma frase "p"em que "p" (istoé, p. ex., "chove"em "que chove")consiste justamente no fato de se retirar da frase a força asser-tórica; isso fica claro,pois quando completamos "que p" com "éverdade" ou "é o caso", obtemos uma expressão que significa omesmo que a expressão originária "p" (cf. a equivalência p.162s). (b) Frege apontou para o fato12de que frases assertóricasque ocorrem como frases componentes em disjunções e em fra-ses condicionais são usadas sem força assertórica. No simbolis-mo de Frege uma frase como "Seneva, o jogo não se realiza" é,assim, representada por "o- (p :::>q)"; seria falsorepresentá-Iapor"o-p " o- q". Na linguagem natural existe portanto uma conven-ção (que certamente não é expressa através de sinais próprios)segundo a qual frases que ocorrem como frases componentesem disjunções ou em frases condicionais perdem sua força as-sertórica.

Sobrea segunda pergunta. Na tradição, afirmação e negaçãoforam vistas como dois pólos de igual valor. Pensava-se (a) quehavia uma distinção clara entre juízos afirmativos e negativos e(b) que a negação devia ser entendida paralelamente à afirma-ção; se, contudo, a afirmação consiste na força assertórica, de-veria, segundo essa posição, haver tanto uma força afirmativaquanto uma força negativa. Ambas as opiniões ((a)e (b), foramrefutadas por Frege em seu ensaio "DieVerneinung".

Quanto a (a),escreve Frege: "Considerem-se as frases 'Cris-to é imortal', 'Cristo vive eternamente', 'Cristo não é imortal','Cristo é mortal', 'Cristo não vive eternamente'. Onde temosaqui um pensamento afirmativo e onde temos um pensamentonegativor13 Leve-se também em conta que toda frase universalé equivalente a uma frase particular negativa e vice-versa. Éválida a seguinte equivalência:

(x)Fx== -, (::Ix) -, Fx e (::Ix)Fx== -, (x)-, Fx (cf.também oquadrado dos opostos no capo5). O fato de uma frase ser em si

12. Frege, "Die Verneinung", p. 66. CL também Geach, "Assertion".13. Frege, "Die Verneinung", p. 62.

164165

Page 86: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

positiva ou negativa só parece ser sensato para o caso daquelasfrases predicativas singulares onde o predicado não está apenasdelimitado face a um outro predicado contraditório (como em"mortal", "imortal"), mas sim face a uma série de predicados(como "vermelho" face a "azul", "verde", etc.). No geral não sepode dizer que uma fraseseja em si negativa; pode-se, sim, dizerque ela é negativa relativamente a uma outra, a saber: àquelaque é falsa se ela forverdadeira. A negação não representa por-tanto uma classe de frases, devendo, ao contrário, ser compreen-dida como uma operação que é aplicada a uma frase e produzcomo resultado o fato de, agora, ser asserido que a primeira fraseé falsa (isso corresponde à explicação da negação por meio dastabelas de verdade, d. capo7).

Quanto a (b), Frege indica14que a negação também ocorreem frases componentes de frases condicionais, portanto em con-textos nos quais a frase não possui nenhuma força assertórica.Daí se segue que o negar pertence ao pensamento e não é umtipo próprio de força assertórica negativa. Se negamos uma fra-se, não negamos sua afirmação; o que fazemos é afirmar suanegação. Isso é um resultado de grande importância. Ele mostraser falsa a suposição natural de que a posição (ou afirmação) enegação se comportariam uma face à outra como pólos opostos.Segue-seque todo empregode uma frase assertórica- indife-rentemente se ela contém ou não uma negação - é uma asser-ção. Expresso no simbolismo de Frege: a palavra "não" nuncaestá situada antes do sinal de asserção, mas sim, sempre, atrásdele.

Esse resultado pode ser ainda confirmado ao se incluir emnossa consideração também frases não-assertóricas. A diferen-ciação de Frege entre conteúdo (pensamento) e forçaassertóricafoi assumida de modo generalizado na teoria dos atos-de-fala,especialmente por Searle, através da diferenciação entre "con-teúdo proporcional"e "forçailocucionária". O que Searle enten-de por "conteúdo proposicional" é o idêntico ao conteúdo ou

14. Ibid., p. 65-67.

166

pensamento de Frege, e o que ele entende por "força ilocucio-nária" corresponde ao conceito fregiano generalizado de forçaassertórica. Ao invés de contrapor apenas frases interrogativas efrases enunciativas, podem-se também considerar os imperati-vos e as frases de desejo correspondentes. Searle dá como exem-plo as frases15:

(1) Sam fuma habitualmente.

(2) Sam fuma habitualmente?

(3) Sam, fume habitualmente!

(4) Se ao menos Sam fumasse habitualmente!

Todas essas frases possuem o mesmo conteúdo proposicio-nal, mas uma força ilocucionária a cada vez diferenciada. Po-dem-se simbolizaras três primeiras frases do seguinte modo: ">-

p", "?p", "!p". Suponha que neguemos tanto a fraseassertóricaquanto também a imperativa.Obtemosentão, com relaçãoanosso exemplo, as frases "Samnão fuma habitualmente" e "Sam,não fume habitualmente!" Do mesmo modo que nas frases ori-ginárias se tinha o mesmo conteúdo proposicionalo qual estava,uma vez, asserido, e outra, ordenado, assim também, no casodas frases negativas, é o mesmo conteúdo proposicional - queSam não fuma habitualmente - que é ora asserido, ora ordenado.O "não" pertence portanto ao conteúdo proposicional e não àforçailocucionária. Domesmo modo que um enunciadonegativonão é o oposto de uma asserção, mas sim a asserção de umoposto, assim também um imperativo negativo não é o opostode uma ordem, mas sim a ordem de um oposto. Uma proibiçãoé uma ordem para que não se faça algo.

Será que era então errôneo supor uma conexão entre posição(afirmação) e negação? Não. A conexão aparece apenas demodo diferente do que se supôs tradicionalmente. Para a forçaassertórica (do mesmo modo que para a imperativa) é consti-tutivo que ela se refira a um conteúdo que seja no todo essen-

15. Searle, Speech Acts, capo 2.1.

167

--

Page 87: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

cialmente negável. Isso se mostra no fato de que a força asser-tórica consiste em uma pretensão de verdade e esta só pode sereferir a algo que possa ser verdadeiro ou falso (possa ser ou nãoser deste modo). Mas será que não há um não-ser no sentido deser-falso que estivesse polarizadamente contraposto ao ser nosentido de ser-verdadeiro? A pretensão de verdade permanececontudosempreo abarcante.Sedizemos"É falso que p", entãoesse enunciado de que "p" é falso ergue, por sua vez, uma pre-tensão de verdade.

Sobre a terceira questão, i. é, sobre se o ser no sentido daverdade pode ser visto como o significado abrangente de ser.Com base no que acima foidito tem que se responder negativa-mente a essa questão. O ser no sentido da existência, da identi-dade e da cópula representam estruturas que pertencem aoconteúdo proposicional. A questão sobre se haveria um signifi-cado unitário de "ser" desaparece portanto de modo negativo.Pode-se dizer meramente que há na maioria das línguas indo-européias uma palavra - "einai" em grego, "sein" em alemão,etc. - na qual vários significados (modos de uso) estão conecta-dos - existência, predicação, identidade, força assertórica -, sig-nificados que representam diferentes estruturas fundamentaisdo discurso assertórico, estruturas estas que são interde-pendentes16(Nãose podem empregar frases predicativas singu-lares "Fa" se não se podem também empregar frases deidentidade "a=b", e todo emprego de um termo singular "a" re-mete a uma frase existencial, e todas essas frases têm que poderser proferidas com força assertórica).

Heidegger elucidou a questão sobre o sentido de "ser" tam-bém do seguinte modo: é a questão "sobre a possibilidade deapreender aquilo que nós todos, enquanto homens, já e conti-nuamente compreendemos,,17.Ele defendeu a tese de que emtoda compreensão o "ser" já é sempre compreendido. Para Hei-

degger a universalidade da questão sobre o ser não consisteportanto no fato de que se pode dizer de tudo (i. é, de todos osobjetos) que ele é, mas sim no fato de que o ser se referea todocompreender. Essa questão sobre a estrutura de todo compreen-der parece sensata (e também parece sensato pretender que elaseja a questão filosóficacentral), mesmo que seja incorretoquehaja uma palavra- "ser"- que caracterize a estrutura de todocompreender (ou o possibilitante de todo compreender).

INDICAÇÕES BffiLIOGRÁFICAS

Frege, "Die Verneinung".

Geach, "Assertion".

Tugendhat. Vorlesungen zur Ejn[ührung m cliesprachanalytjschePhflosopme, preleções 3 e 4.

16. Isso foi mostrado de modo penetrante por Kahn, The Verb "be" in Ancient Greek,v. especialmente capo 8. Cf. sobre isso também a resenha de Tugendhat em PhilosophischeRundschau (l977).

17. Heidegger, Kant und das Problem der Metaphysik, § 40.

168 169

Page 88: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

18~VERDADK

Primeiro. Falamos de "verdadeiro" não apenas no contextode enunciados particulares, mas também usamos este termopara seqüências de enunciados. Lidamos freqüentemente, tantona linguagem ordináriaquanto sobretudo na ciência, com assun-tos complexos e, quando perguntamos "O que se passa na ver-dade com isso e aquilo?" ou quando dizemos "Relate-me 'todaa verdade' sobre esse acontecimento", não é suficiente que seresponda com enunciados verdadeiros; o conjunto de enuncia-dos com o qual se responde tem que estar conectado de algummodo e tem que ser relevantepara o assunto; a esta verdade nãose contrapõe a falsidadede um discurso assertórico, mas sim suaparcialidade.

Segundo. Usamos a palavra "verdadeiro" não apenas comrelação a enunciados, mas também com relação a coisas, p. ex.quando se fala de ouro verdadeiro, respectivamente, falso ou deum amigo verdadeiro, respectivamente falso. O contraste aquiem questão é o contraste entre realidade e ilusão. O ouro verda-deiro é o ouro real; o ourofalsoé o ouro ilusório:algo que apenasparece ser ouro. Esse uso do termo "verdadeiro"referente a coi-sas está evidentemente em ligação com a verdade de enuncia-dos: Um objeto a que parece ser F é um objeto tal que, quandoo julgamos a partir de seu aspecto aparente, nos induz ao enun-ciado falso "Fa"1.

Pode-se encontrar às vezes a diferenciação entre "verdade"e "correção". Freqüentemente não se tem em mente nada demuito claro com essa distinção. Tem-se em vista, antes de maisnada, os dois significados de "verdadeiro" mencionados por úl-timo: quanto a aplicação do termo "verdadeiro"a coisas, não sepode substituí-Io por "correto (richtig)"(embora se possa a rigor

13.1. Orientação prévia

O que significa "verdadeiro", "verdade"? Essa pergunta nosremete, por um lado, às várias teorias tradicionais e recentes quese depararam com a questão sobre o que deveria ser entendidopor este conceito e, por outro lado, ao uso efetivodessa palavrana linguagem pré-filosófica.Este segundo aspecto é a instânciaúltima, pois as teorias filosóficas ergueram, por sua vez, a pre-tensão de esclarecer justamente o conceito que se apresenta emnosso uso pré-filosófico das palavras "verdade", "verdadeiro".Por vezes, contudo, tradições filosóficas inteiras se orientamapenas por uma fórmulafilosóficadada de antemão. Aqui existeentão o perigo de que, na interpretação desta fórmula,se percaa ligação com nossa compreensão natural.

O contexto central do emprego pré-filosófico da palavra"verdadeiro" se liga, sem dúvida, a enunciados. P. ex., alguémnarra algo e nós perguntamos: "O que ele está dizendo é verda-deiro - ou falso?" A verdade neste sentido é portanto uma pro-priedade de enunciados (ou de proposições ou de juízos,dependendo de onde se dê a ênfase principal - cf. capo 2). Averdade relativa a enunciados permaneceu portanto na históriada filosofia em grande parte em primeiro plano (exceções sãoHegel e Heidegger), e ela deve, desse modo, compor o temaprincipal deste capítulo. Contudo o uso natural da palavra "ver-dade" não se esgota na verdade de enunciados. Há dois outrosaspectos do significado deste termo para os quais deve se aten-tar.

1. Não há uma bibliografia padrão sobre esses dois aspectos do conceito de verdade.Uma tentativa problemática se encontra em Tugendhat, "Wissenschaft und Wahrheit".Sobre verdade e relevãncia, cf. também Popper, Conjectures and Refutations, p. 228s. Háuma concepção tradicional de "verdade da coisa" (no sentido de "ouro verdadeiro")presente, p. ex., em Hegel e também em Heidegger, segundo o qual a verdade consistena "adequação do objeto com seu conceito". Essa concepção é falsa. O ouro falso não éo ouro que não se adequa com seu conceito, pois já que ele não é ouro, seu conceitotambém não será ouro. Cf. contra essa concepção a explicação no texto.

170 171

Page 89: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

também falar de um "amigocorreto (richtig)");e tampouco pode-se, na expressão 'toda a verdade', substituir "verdade"por "cor-reção". Pode-se dizer eventualmente que uma exposição parcialconsiste de proposições puramente corretas e que, no entanto,a exposição não é verdadeira (embora disséssemos, tambémneste caso, que não se expôs a coisa 'corretamente'). Comopre-dicado de enunciados a palavra "verdadeiro"pode, contudo, sersempre substituída por "correto". Mas isso não quer dizer queverdade, neste caso, signifique simplesmente correção, pois apalavra "correto" tem também outros modos de uso (um com-portamentocorreto= conformea regras). Pode-se portanto dizerapenas que os campos de significadode "verdadeiro"e "correto"se superpõem parcialmente.

13.2. A teoria da redundância; verdade everificação

As duas explicitações da verdade de enunciados mais im-portantes na filosofiaanalítica são a teoria da redundância queremonta a Ramsel e a chamada teoria semântica da verdade,de Tarski; a mais importante explicação tradicional da verdadeé a chamada teoria da adequação ou da correspondência. Essastrês concepções mantêm uma certa relação entre si. Tanto Ram-sey quanto Tarski se apóiam na formulação originária da teoriada adequação em Aristóteles. Esta explicação diz o seguinte:

1) "Dizerque o que é não é ou que o que não é é, é falso;(dizer),ao contrário,que o que é é ou que o que não é nãoé, é verdadeiro"(MetafisicaN, 7, 1011b26s).

Aristóteles parte aqui da pressuposição de que se tem quediferenciarentre enunciados positivos (nos quais se diz algo sero caso) e enunciados negativos (nos quais se diz algo não ser ocaso). Como esta pressuposição (como vimos no capo12)não é

2. CL Ramsey, "Facts and Propositions". Sobre a discussão da teoria da redundância,cL a coletânea Truth, organizada por Pitcher.

172

pertinente, podemos resumir as duas partes de sua explicaçãodo seguinte modo:

1)Um enunciadode que algo é o caso é verdadeiroexata-mente se ele é o caso (e falsoexatamentese ele não é ocaso).

Esta formulaçãopode ser ainda mais fortemente reduzida aodizermos simplesmente:

2) (Um enunciado de) que p é verdadeiro == p.

Com (2) é expressa, agora, uma equivalência já obtida nocapítulo 12. Essa equivalência é analiticamente verdadeira: po-demos transformar todo enunciado "p", independentemente dequal for sua estrutura, em "que p é verdadeiro".

A chamada teoria da redundância afirma contudo que o sig-nificado da palavra "verdadeiro"se esgotaria na equivalência (2):sempre que dizemos de um enunciado que ele é verdadeiro, po-demos, ao invés disso, usar simplesmente o próprio enunciado.A palavra "verdadeiro" é portanto redundante, supérflua.

Contra isso pode-se objetar que não se pode aceitar simples-mente a equivalência (2), devendo-se perguntar em que ela sefunda. Somos então reenviados àquilo que no capítulo 2, p. 22s,foi caracterizado como a pretensão de verdade de todo enuncia-do: é apenas pelo fato de uma pretensão de verdade estar inse-rida implicitamente em todo enunciado que se pode tambémtornar explícita esta pretensão através da formulação "que p éverdadeiro". Mas o que existe nesta pretensão de verdade? Po-der-se-ia caracterizar isso inicialmente de um modo informalcomo a referência do enunciado à realidade. Se alguém diz "p",então ele pretende que as coisas se passem na realidade talcomo ele as disse. Esse "tal como" é escamoteado se se inter-preta a explicação aristotélica apenas no sentido de uma possi-bilidade de se substituir analiticamente "p" por "que p éverdadeiro" .

Aproximadamente na mesma direção desta objeção se en-contra também a seguinte crítica: toda explicação da palavra"verdadeiro" permanece vazia se ela não mostra como podemosvir a saber se um enunciado é verdadeiro. Contra esta crítica é

173

Page 90: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

111>

111,

com freqüência formulada a seguinte contra-objeçã03: não sedeve confundir o conceito ou a definição de verdade com o cri-tério de verdade. E não se deve confundir verdade e verificação.

O que certamente não deve ser confundido são os predica-dos "verdadeiro" e "verificado"(= "reconhecido como verdadei-ro"), sobretudo porque "verificado" é um predicado implici-tamente relacional: uma proposição 'é verificadapor uma ou vá-rias pessoas. Ela pode ser reconhecida como verdadeira por al-gumas pessoas e não por outras. Ela pode contudo,evidentemente, ser verdadeira sem que sua verdade seja reco-nhecida por alguém. Disso não se segue no entanto que possa-mos compreender o que significa um enunciado ser verdadeiroindependentemente de compreendermos o que significa verifi-car um enunciado. Vimos no capítulo 6 que é válido, sem exce-ções, o fato de só compreendermos um enunciado se sabemos oque é o caso se ele for verdadeiro; e isto significa, além disso,que nós só o compreendemos se sabemos como ele deve serverificado. A isso corresponde o fato de só compreendermos umpredicadose dispomosde um critériopara vir a saber se essepredicado convém a um objeto. Uma explicação de um predica-do que não contivesse um critério cognitivo permaneceria vazia.Se isso é válido para os predicados em geral, então isso tambémtem que ser válido para o predicado "verdadeiro".

Será que a teoria da adequação pode auxiliar nesse ponto?

13.3. A teoria da adequação4

A formulação clássica da chamada teoria da verdade comoadequação ou correspondência é formulada do seguinte modo:veritas est adaequatio rei et intellectus5. Em Kant essa fórmula

3. Cf. Carnap, "Wahrheit und Bew8.hrung".

4. AB exposições em 13.3 correspondem de modo considerável a passagens emTugendhat, Vorlesungen zur Einführung in dje sprachanalytische Philosophie, p. 250-252.

5. Tomás de Aquino, De venta te, qu. 1, art. 1.

174

...

está retomada do seguinte modo: "adequação do conhecimentocom seu objeto,,6.

A indeterminação das expressões empregadas nesta fórmu-Ia levou,na tradição,sempreque esta se baseou apenas nestafórmula,e não mais no uso efetivoda palavra"verdadeiro",ateorias fantásticas. Noidealismo alemão a verdade foiexplicada,com base nessa fórmula, como a unidade do sujeito com o ob-jeto; e por "unidade do sujeito com o objeto" pode-se entenderqualquer coisa possível, não tendo isso mais nada a ver com averdade. A concepção da adequação do pensamento com a coi-sa só pode ser aceita para ser discutida como uma possível in-terpretação de verdade se não se compreende a expressão"pensamento" de um modo subjetivo no sentido do pensar, massim objetivamente como o pensado, i. é, como o pensamento nosentido fregeano. Isto porque a questão é sobre se o que é dadoa entender - o conteúdo do enunciado - se adequa à realidade.

Assim, poder-se-ia tentar, a partir da fórmulada adequação,fazer a seguinte formulação mais exata:

(3)O estado-de-coisas (o pensamento) que p, asserido porumenunciado,éverdadeirose esomentese elese adequaao estado-de-coisasreal correspondente(ao fato corres-pondente).

Essa concepção de que haveria dois estados-de-coisas (um,visado ou asserido por um lado; outro, real por outro), estados-de-coisas que devem de algum modo se 'correlacionar' e, nocaso da verdade, devem, ademais, se 'adequar', fracassa devidoà impossibilidade de se resgatar as noções a que tal concepçãorecorre, a saber: as noções de 'correlação' e de 'adequação'. Nãose pode indicar qual seria o estado-de-coisas real 'correlativo' aoestado-de-coisas asserido quando se tratar de uma asserção fal-sa. Se a asserção for, ao contrário, verdadeira, então o estado-de-coisas asserido se adequa ao real não apenas de um modo

6. Kant, CRP, B 82.

175

Page 91: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

qualquer; o estado-de-coisas asserido é neste caso o estado-de-coisas reaC. Isso leva à seguinte nova formulação:

(4) O estado-de-coisas (que p) asserido é verdadeiro se esomente se ele é um estado-de-coisas real (umfato).

Nessa formulação não se fala mais de dois estados-de-coi-sas; é o mesmo estado-de-coisas que é asserido que, se ele forverdadeiro, é real e que pode então, por esta razão, ser caracte-rizado como fato. Com isso teríamos agora, ao mesmo tempo,uma explicação que elucidaria o emprego do termo "fato". Estaexplicação corresponde à concepção de Frege segundo a qualum fato deve ser definidocomo um pensamento verdadeiros.Issotambém corresponde à nossa compreensão normal da palavra:"É um fatoque chove"tem o mesmosignificadode "É verdadeque chove".

A formulação (4) é discreta. Mas será que ainda se poderesgatar através dela aquilo que era originariamente visado coma teoria da adequação, a saber: o fato de a referência do enun-ciado à realidade ser tornado inteligível e de se dispor de umaindicação de como podemos constatar que um enunciado é ver-dadeiro? Isso só pode ser afirmado se o lado direito da equiva-lência (4) puder ser compreendido como o critério de verdade.Mas isso significaria o seguinte: para se constatar se um esta-do-de-coisas que p asserido é verdadeiro, teríamos que investi-gar se se pode atribuir a ele a propriedade de ser um estado-de-coisas real, ou, com outras palavras: se ele tem a propriedadede ser um fato. Contudo é o oposto que ocorre: o critério para olado direito da equivalência é o lado esquerdo: chamamos umestado-de-coisas que p de um fato se o enunciado forverdadeiro.Nãopodemos então formularo critério de verdade do lado direitode modo que ele remetesse a uma propriedade de objetos abs-

tratos( estados-de-coisas) (i. é, à propriedade de serem reais, ouseja, de serem fatos). Essa reflexão leva a que se formule adver-bialmente a referência à realidade, ao invés de se formulá-lacomo uma propriedade; e assim resulta a seguinte reformulação:

(5) Que p é verdadeiro == realmente p,p. ex.: "Que chove é verdadeiro se e somente se choverealmente" .

O defensor da teoria da redundância pode contudo tentartirar proveito deste ponto. Ele faria valer sua posição argumen-tando do seguinte modo: Podemos dizer "Choverealmente" exa-tamente quando podemos dizer simplesmente "Chove". Comisso a última tentativa, acima mencionada, de formulação dateoria da adequação parece se reduzir à fórmula da teoria daredundância, i. é, à equivalência (2).

Será que este últimopasso é concludente? É com efeito cor-reto que também podemos sempre dizer, ao invés de "realmentep", simplesmente "p". Contudo empregamos a palavra "realmen-te" a fim de salientar um contraste particular, o contraste entre"realmente" e "presumidamente".É este contraste particular (e,dado o caso, a 'adequação') entre o presumidoe o realque a teoriada adequação tinha em vista e que é posto de lado na teoria daredundância. Teríamosportanto que encontrar um caminho parainterpretar o lado direito da equivalência (5)de tal modo que seobtenha uma alternativapara a equivalênciavazia (2).

13.4. A chamada definição semântica da verdadede Tarski

Podemos apresentar aqui apenas alguns aspectos funda-mentais da teoria de Tarski9.Este também parte explicitamente

7. A idéia de uma comparaçãode um estado-de-coisasasserido com o fatocorrespondente traz consigo, além disso, a pressuposição inadmissivel de que fatos seencontrem no mundo. O mundo (nosso mundo espácio-temporal) consiste não de fatos.

mas sim de objetos concretos.

8. Frege. "Der Gedanke", p. 50.

9. Cf. o tratado de Tarski "Der Wahrheitsbegriff in den forrnalisierten Sprachen".Tarski fez uma breve exposição de sua concepção em 1944 no artigo "The SemanticConception of Truth and the Foundations of Semantics". Uma apresentação simplificadada teoria de Tarski se encontra em Stegmüller, Das Wahrheitsproblem und die Idee derSemantik.

176 177

Page 92: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

da definição aristotélica (1). Ao contrário da interpretação dateoria da redundância, ele chega contudo à seguinte inter-pretação:

(6) "p" é verdadeiro == p.

Tarski pressupõe portanto que aquilo de que dizemos serverdadeiro ou falso é a frase (i. é, "p" do lado esquerdo) e não oenunciado ou, conforme o caso, o estado-de-coisas (que p). (Cf.sobre esse ponto, capo2). A expressão "p" é um nome - umaexpressão referencial- da frase correspondente. Mas é uma meraconvenção - que, de resto, só pode ser seguida na linguagemescrita e não na falada - referir-se a um símbolo através do fatode se colocar este símboloentre aspas. Daí Tarskipoder, usandoa formulação que se segue, expressar de um modo mais geral oque se quer dizer com (6).

(7)X é verdadeiro == p,

onde "X"deve ser substituído, a cada vez, por (qualquer)expres-são que se refira a uma frase e, do lado direito, "p" deve sersubstituído pela própria frase. Enquanto que (2) era trivial e (6)parecia, em todo caso, ser trivial, é evidente que (7)não é maistrivial. Isso se torna especialmente claro se a linguagem na qual(7)está formuladonão é a mesma linguagem à qual pertence afrase referida a cada vez por "x". Chama-se então a linguagemà qual "x" pertence de linguagem objeto, e a linguagem na qual(7) está formulado de metalinguagem. A explicação (7),acima,tem que ser então modificada de modo que em (7)"X"esteja nolugar de uma caracterização metalingüística de. uma frase dalinguagem objeto e "p" esteja no lugar de uma tradução dessafrase da linguagem objeto em uma metalinguagem. Tomemoscomo linguagem objeto o inglês e como metalinguagem o por-tuguês! Então (8)seria um exemplo de (7):

(8)A frase em inglês que consiste das duas palavras "it" e"rains"é verdadeirase e somente se chove.

Pode-se dizer que em (8)é formulada, na língua portuguesa,a condjção de verdade de uma determinada frase particular doinglês. (8) diz o que significa para esta frase ser ela verdadeira,ou mais precisamente: sob que condição esta frase é verdadeira.Também se torna claro em (8)- que é um exemplo de (7)- que

178

.....

(7)não pode pretender ser uma explicação geral da palavra "ver-dadeiro" para uma língua determinada. (7)não dá nenhuma in-dicação sobre as condições sob as quais todas as frases da línguaseriam verdadeiras. Tarski caracteriza (7) portanto como ummero esquema pelo qual devemos nos orientar. Ele exige que adefinição de verdade por ele buscada seja de tal forma que delapossam ser derivadas, de acordo com (7), todas as equivalênciasválidas para todas as frases particulares da língua em questão.A possibilidade mais simples poderia ser vista como consistindoem que se indique em particular as condições de verdade paracada uma de todas as frases e se alinhem estas condições emuma disjunção abarcante. Mas isso é impossívelporque, emborauma língua possua com efeito palavras em número finito, elacontém contudo frases em número infinito (já que a composiçãoem frases complexas é iterável à vontade).

A solução encontrada por Tarski é aproximadamente a se-guinte: 1" As frases são designadas por descÜções estruturajsgramaticais. Pressupõe-se tratar-se, neste caso, de uma línguaartificial, na qual a estrutura gramatical corresponde, de ummodo inequívoco, à estrutura semântica (d. sobre isso capo 6, p.77s). 211Com base nisso é possível que se dê uma defjnjção re-cursjva de "verdadeiro". Já vimos nos capítulos 6 e 7 que a ver-dade de determinadas frases estruturalmente mais complexasremete à verdade de determinadas outras frases. Isso torna pos-sível uma explicação recursiva e progressiva da condição de ver-dade de todas as frases ("todas as frases": Tarski se limita àsúnicas frases relevantes para a lógica, i. é, às frases 'extencio-nais' - verofuncionais -, cuja verdade depende apenas da verda-de de outras frases; d. sobre este ponto capo 7, p. 84s). Essaexplicação é aproximadamente a seguinte:

(1)Se uma frase possui a estrutura "p /\ q", então ela seráverdadeira se e somente se "p" for verdadeiro e "q"também for verdadeiro.

(2) Se uma frase possui a estrutura "-, p", então ela seráverdadeira se e somente se "p" for falso.

(3) Se uma frase possui a estrutura "::Ix0 [xl", onde "0 [xl"significaria que na expressão "0" ocorre a variável "x",então ela será verdadeira se e somente se pelo menos uma

179

Page 93: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

das frases, que se diferencie de "0 [x]" pelo fato de, aoinvés de "x", ocorrer um termo singular, for verdadeira.

Estes itens correspondem às explicações dadas no capítulo6, p. 79s, e no capítulo 7, p. 87. Os conectivos sentenciais res-tantes e o quantificador universal não precisam ser consideradosporque os primeiros podem ser definidos por meio de "1\" e"não" e "(x)Fx" é equivalente a "(-, ::Ix)-, Fx". A formulação doterceiro item foi elaborada de tal modo que "0 [x]"possa conter,por sua vez, outros quantificadores e variáveis. Chega-se então,no final de tudo, a frases predicativas (ou relacionais) singulares.Para estas é válida a seguinte explicação:

(4) Se uma frase está estruturada de tal modo que ela estácomposta de um termo singular e um termo geral, entãoela será verdadeira se e somente se o objeto a que o termosingular se refere cai sob o conceito no lugar do qual estáo termo geral.

Esse quarto ponto é complementado por duas listas: na pri-meira, todos os termos singulares da linguagem-objeto são coor-denados aos objetos (designados através de uma metalin-guagem); na outra, todos os termos gerais da linguagem-objetosão coordenados aos conceitos (designados através de uma me-talinguagem) .

Essas quatro explicações juntamente com as duas listas re-presentam a definição recursiva da verdade para a língua emquestão (supondo-se ser ela extensional; caso não seja, deve-sedizer que isso é válido para sua parte extensionaI). Com basenessa definição pode-se indicar finalmente, para toda frase par-ticular, em urna série finita de passos, sob qual condição ela éverdadeira.

Levanta-se agora a questão sobre o que se ganha com urnatal explicação de "verdadeiro" e sobre se essa explicação realizaaquilo que a teoria da adequação intencionava realizar, a saber:colocar em evidência a referência à realidade que parece estarcontida na palavra "verdadeiro".

À primeira vista, a definição de Tarski parece produzir ape-nas muito pouco. É natural que se façam as seguintes reservas:o próprio Tarski era de opinião de que sua definição só era viável

180

-..

para línguasformalizadas- i. é: paracálculoslógicos-, e poder-se-ia ainda completar dizendo que ela também só parece sersignificativa para um cálculo lógico. Pois em um cálculo lógicopressupõe-se lidar com um sistema de sinais inicialmente nãointerpretados. O que os diversos passos da definição de Tarskipossibilitam é o fato de ela atribuir significado às frases de umcálculo tornadas inicialmente corno não interpretadas; e isto éfeito na medida em que ela indica as condições de verdade dasfrases. Por meio desse procedimento o cálculo recebe o que,nesse meio tempo, foi chamado na lógica de urna 'inter-pretação'. Essa interpretação tem lugar em uma metalinguagemque evidentemente não é outra senão nossa própria linguagemordinária. Sendo assim, a definição de Tarski parece fornecerapenas urna tradução: ela coordena aos sinais da linguagem-ob-jeto os sinais já compreendidos de nossa linguagem. O fato deesta definição não ser trivial estaria apenas no fato de lidarmoscom duas linguagens. E, quanto à questão sobre o que com-preendemos por "verdadeiro" com relação à nossa própria lin-guagem, estaríamos tão pouco bem informadosquanto no início.Essas reflexões parecem também mostrar que a teoria da verda-de de Tarski é com efeitoapenas urna teoria do significado: elaatribui aos signos apenas significados e a questão sobre cornoentão os signos interpretados se refeririamà realidade permane-ce em aberto.

Essas reflexõeslOsão contudo apenas parcialmente corretas.Comecemos com o último ponto! A alternativa, pressuposta poreste último ponto, entre urna teoria da verdade e urna teoria dosignificado não existe de fato. Já vimos no capítulo 6 que com-preender o significado de urna frase assertórica significa exata-mente saber sob que condições ela é verdadeira. E, se se enfatizaque por verdade de urna frase entendemos, de algum modo, sua'referência à realidade', então tem que se aceitar que essa 'refe-rência à realidade' já está contida na compreensão de urna frase

10. Elas correspondem aproximadamente à concepção defendida em Tugendhat,"Tarskis semantische Definition der Wahrheit und ihre Stellung innerhalb der Geschichtedes Wahrheitsproblems im logischen Positivismus".

181

Page 94: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

(Wittgenstein: "Compreenderurna frase significa saber o que éo caso se ela for verdadeira", Tractatus 4.024).Além disso, nãoé correto que a definição de Tarski não seja trivial apenas pelofato de ela conter a diferenciaçãoentre linguagem-objeto e me-talinguagem; e não é igualmente correto que ela seja signifi-cativa apenas para cálculos não interpretados. Isso se torna clarotão logo se formulemas quatro definições parciais da definiçãorecursiva de tal modo que a linguagem-objeto e a metalingua-gem coincidam: explicamos, então, para as várias estruturassentenciais de nossa própria linguagem, de que depende, comrespeito a cada frase dessa estrutura, sua verdade. É exatamenteisso que foi dito nos capítulos 6-8 acerca do significado das fra-ses de várias estruturas (cf.as duas primeiras definiçõesparciaiscom o capo7, p. 87, a terceira definição parcial com o capo6, p.79s, a quarta definição parcial com o capo 8, p. 101).Tambémpodemos elucidar o significado das frases de nossa própria lin-guagem ao indicarmos sob que condição elas são verdadeiras.O fato de a definição recursiva de Tarski (apesar de certas difi-culdades, sobretudo a) porque a linguagem ordinárianão mostrauma correspondência tão simples entre estrutura gramatical eestrutura semântica e b) porque ela é apenas em parte extencio-nal) ser também aplicável à linguagem natural foimostrado pelaprimeira vez por Davidson em seu artigo "Truth and Meaning"(1967).

Quer-se ainda saber o seguinte: onde nesta definição a re-ferência à realidade se mostra tangível? A resposta é: na referên-cia a objetos na quarta definição parcial. Essa resposta podeprovocar a réplica: Será que então apenas frases predicativassingulares possuem urna referência à realidade? Não, mas elassão as únicas que possuem uma referência direta à realidade; areferênciaà realidade das outras frases consiste no fato de que eno como as três primeiras definições parciais remetem à quarta.É esse justamente o sentido de que verdade é um conceito a serdefinido apenas recursivamente. Só agora pode se tornar visívelo ganho real da definição de verdade de Tarski face à teoria daadequação na sua forma tradicional. A razão pela qual a concep-ção tradicional havia fracassado mesmo em suas formulações

182

.....

relativamente defensáveis (3)e (4)está no fato de que ela tentavaconceber a referência do enunciado à realidade através de suaadequação (3)ou identidade (4)com um fato. Fatos não são con-tudo objetos que ocorrem no mundo espácio-temporal; chama-mos fato a um pensamento se este é verdadeiro. O conceito defato é por isso insatisfatóriopara servir cornocritériode verdade.Para formularo critério de verdade de uma frase predicativa sin-gular não podemos dizer: "Fa" é verdadeiro se o estado-de-coi-sas de que a é F é real, mas sim apenas "Fa" é verdadeiro se aé realmente F. Investigamos a fim de saber se o predicado "F" seaplica realmente a a, e não, o estado-de-coisas de que a é F afim de saber se ele é real. Mas essa formulação,evidentemente,só é possível para a última definição parcial. No caso dos enun-ciados de estrutura mais elevada, não sendo eles enunciadossobre um objeto, a questão aparece de outro modo. O erro dateoria da adequação tradicional estava em que ela queria forne-cer uma formulaçãounitária para enunciados de todas as estru-turas.

Gostaríamos de tentar elucidar ainda por outro lado o que foidito no parágrafo anterior. Heidegger, baseando-se em Husserl,definiu a verdade de enunciados de tal modo que um enunciadoé verdadeiro se ele "mostra o ente tal corno ele é em si mesmo"(Sein und Zeit, p. 218).O que se entende aqui por "o ente"? Seráque ele é o estado-de-coisas que corresponde ao enunciado in-teiro ou o objeto sobre o qual o enunciado diz algo (i. é: o objetono lugar do qual está o termo singular)? Pode-se facilmente tor-nar claro que a formulação totalmente elucidativa "tal como" sóé adequada se se tem em mente a segunda destas possibi-lidades. Se o enunciado "Abola é vermelha" é verdadeiro, entãoa bola é mostrada através dele tal como ela é (ou, conforme ocaso, tal como ela é "em si mesma" ou como ela "realmente" é);é, ao contrário, sem sentido dizer que esse enunciado mostra oestado-de-coisas de que a bola é vermelha tal como ele é (em simesmo). O estado-de-coisas não pode ser mostrado assim ou deoutro modo; ele é simplesmente o estado-de-coisas que é ex-presso nesse enunciado, e é um fato (se o enunciado é verdadei-ro) ou não é um fato. Está então também claroque a formulação

183

Page 95: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

de Heidegger só é adequada para o caso particular em que selida com um enunciadopredicativo singular.Umenunciado com-plexo ou geral não é verdadeiro se ele mostra o objeto tal comoele é, já que ele não é, de modo algum, um enunciado sobre umobjeto. Isso não significa que ele não tenha uma referência aobjetos, mas sim que sua referência a objetos é mediada peladefinição recursiva de verdade.

Pode-se agora ainda levantar a seguinte questão: mesmo sea referência à realidade é tangível na quarta definição parcial,nela não está contida nenhuma indicação de comovir a saber seum enunciado é verdadeiro. Esta definição de verdade tambémnão pretende dar uma tal explicação. Tarski está entre aquelesteóricos que pensam poder esclarecer o significado de "verda-deiro" de modo totalmente independente da questão sobre comose pode vir a saber se um enunciado é verdadeiro. Contudo, nofinal de 13.2, foi feita a exigência de que uma explicação satis-fatória de "verdadeiro"tem que conter uma indicação de comose pode vir a saber se um enunciado é verdadeiro.O fato de istoestar faltando em Tarski se liga ao fato de ele também não indi-car, para os termos singulares e gerais, como se poderia vir asaber no lugar de que objeto ou, conforme o caso, no lugar deque conceito eles estão. Ao invés disso, uma definiçãoda verda-de no sentido de Tarski recorre, neste momento, às listas intro-duzidas atrás da quarta definição parcial, nas quais aos termossingulares e gerais da linguagem-objeto são simplesmente coor-denados, através de formulaçõesmetalingüísticas, os objetos ou,conforme o caso, os conceitos (p. ex.: "the sun" está no lugar dosol; "red" está no lugar de vermelho; etc.). Enquanto que asquatro partes da definição recursiva da verdade mantiveram seusentido quando deixamos de lado a diferenciaçãoentre lingua-gem-objeto e metalinguagem, esse "manter o sentido" não seaplica, evidentemente, às duas listas. Seria sem sentido dizer:"o sol" está no lugar do sol. Com esta explicação continuamossem saber no lugar de que objeto está a expressão; só sabería-mos no lugar de que objeto ela está se já o soubéssemos antesde receber esta explicação. Temos portanto que deixar de ladoas duas listas e dar uma outra explicação do significado dos

184

~

termos singulares e geraisll. O que aqui se faz necessário já foimostrado no capítulo 8, p. 111, e no capítulo 9: Para sabermosno lugar de que objeto está um termo singular, temos que poderidentificar esse objeto, e, no caso dos objetos espácio-temporais,isso significa:poder identificá-Ias espácio-temporalmente. Saberno lugar de que objeto está o termo singular significa conhecersua regra de identjfjcação.Vimos no caso dos termos gerais quese sabe o que um termo geral significa quando se aprendeu pormeio de exemplos como ele é usado, e isto significa ao mesmotempo: quando se dispõe de um critériode como se deve decidirse o termo geral convém a um objeto. Compreender o termogeral significa dispor de sua regra de uso. Agora podemos for-mular a quarta definição recursiva da verdade de Tarski do se-guinte modo: .

(4a)"Fa" é verdadeiro se e somente se, sendo seguida a regrade identificação de "a", "F" é, de acordo com sua regrade uso, aplicável ao que se obteve seguindo-se a regra deidentificação.

Com isso obtém-se agora uma explicação da palavra "ver-dadeiro" para frases predicativas singulares, explicação esta queindica ao mesmo tempo como se pode vir a saber se uma talfrase é verdadeira (A frase "A prefeitura de Schóneberg é verme-lha", p. ex., é verdadeira se e somente se o termo geral "verme-lho" é aplicável, de acordo com sua regra de uso, àquele objetoque é identificável como a prefeitura de Schóneberg).

Com base nisso também é possível uma reformulação dateoria da adequação na qual a palavra "adequada a" passa a serde novo aceita:

(9)Uma frase enunciativa "p" é verdadeira se e somente se,sendo seguido o procedimento exigido pelas regras queconstituem seu significado, se é levado ao resultado quese adequa (é idêntico) ao resultado antecipado na asser-ção.

11. A concepção esboçada a seguir está apresentada de modo mais completo em

Tugendhat, Vorlesungen zur Eillführung ill dje sprachanalytjsche Philosophje, p. 484s.

185

Page 96: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

(9) é válido para todas as partes da definição recursiva daverdade, mas (9)não se sustenta sobre os própriospés já que elereenvia, ao referir-se às regras de significado,à definiçãode ver-dade.

13.5. Outras teorias da verdade

Vimos em 13.2-4 que a teoria da redundância, a teoria daadequação e a teoria semântica da verdade possuem uma rela-ção interna. Além dessas teorias também foram sugeridas noséculo XX outras concepções do que significa um enunciado serverdadeiro, sobretudo a teoria pragmática da verdade, a teoriaconsensual da verdade e a teoria da coerênda. Em parte estasconcorrentes da teoria da adequação só puderam ser recomen-dadas como válidas pelo fato de a teoria da adequação estarmuito pouco clara em sua versão tradicional. Isso é sobretudoválido para a teoria pragmática e a teoria consensual.

(a)A teoriapragmática pode ser hoje considerada como es-gotada. Ela foiexposta por James em um artigo muitopoucoclaro12.Por um lado, diz que seria útil se orientar por enunciadosverdadeiros. Isso significaria:enunciados verdadeirospertencempragmaticamente a um contexto de utilidade. Isso pode tambémser formulado do seguinte modo: é prejudicial não se orientarpela realidade. Essa posição contudo não é controvertida e nãoconcerne ao sentido do conceitode verdade.Este só é apreendidopor esta teoria quando, como é igualmente propostopor James, oconceito "útil"assume exatamente o lugar do conceito"verdadei-ro". Isso é contudo absurdo, já que "útil"é um predicadode doislugares (algo é útil para S) e "verdadeiro"é um predicado de umlugar. A questão sobre se algo é útil para S é, por sua vez, umaquestão sobre a verdade ("éverdade que ---7"),mas apenas umaentre outras questões sobre a verdade.Se se entende por um con-ceito pragmático de verdadeo fato de os predicados empregados

12. Cf. Jarnes, "Pragmatism's Conception af Truth".

186

---

deverem se tornar operacionáveis, então ela não está em nenhu-ma contradição com a teoria da adequação.

(b)A Teoriaconsensualda verdadeque já existiuna Anti-guidade vem sendo defendida recentemente por Habermas13.Ela diz que o consenso (o assentimento) de todos os sujeitoscognoscentes seria o critério da verdade. Mas algo como objeti-vidade pertence ao sentido de frases enunciativas e portantotambém ao sentido de verdade. Se dizemos "As coisas estãodesse modo", então isso pode se mostrar, a partir de uma outraperspectiva, como meramente ilusório, comofalso; esse fatotemcomo conseqüência que a asserção inicial "Ascoisas estão dessemodo" tem que ser retirada. Algo não pode ser verdadeiro paraum e falso para o outro, senão "verdadeiro" seria um predicadode dois lugares. Daí resulta que todos, se eles reconhecem algocorretamente, teriam que concordar.Vistodesse modo, contudo,o consenso de todos é uma conseqüência do conhecimento cor-reto e não seu critério. Se o consenso fosse, como afirma a teoriaconsensual, o critério da verdade, então essa concepção estáexposta à objeção de que não é o consenso fático que pode sernormativo, pois é pensável que todos se enganem. Sópode por-tanto se tratar do consenso que resulta do seguir as regras defundamentação relevantes para um enunciado. Estas regras sãocontudo, como vimos por último, as regras semânticas normati-vas para a teoria da adequação compreendida de modo correto,e é evidente que todas as pessoas que seguem as regras semân-ticas, justamente na medida em que elas seguem as mesmasregras, chegam ao mesmo resultado. O consenso enquanto talsó pode ser relevante para o caso em que não podemos funda-mentar de modo suficientemente objetivoum enunciado ou umateoria. Mas nesse momento o consenso é então uma decisãocoletiva de se aceitar algo, e não pode pretender ser uma funda-mentação.A teoriaconsensualencobrea diferençaentreques-tões a serem decididas por um fiat coletivoe questões passíveisde fundamentação.

13. CL Habermas, "Wahrheitstheorien".

187

Page 97: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

(c) Enquanto a teoria consensual afirma que o critério deverdade de um enunciado consiste no fato de todos os sujeitoscognoscentes poderem assentir a este enunciado, a teoria dacoerênciaafirma que o critériode verdade de um enunciado con-siste em sua concordância(coerência)com todos os outros enun-ciados. Essa teoria foi defendida inicialmente no hegeleanismoinglês e remonta de certo modo ao próprio Hegel com sua tese"Averdade é o todo,,14.Poder-se-ia dizer que a lógica de Hegelrepresenta de facto uma teoria da coerência da verdade: todafrase recebe sua legitimação por ela ocorrer em uma posiçãodeterminada no sistema filosófico.

A teoria da coerênciapura e radical parece ser absurda comoteoria da verdade para frases empíricas, já que ela exclui a ex-periência como instância. Sendo assim, ela só raramente foi de-fendida nessa forma rigorosa15.Contudo, se não se fala de umateoria da coerência que deva substituir a teoria da adequação,mas sim de um ponto de.vista coerentista que deva completar oponto de vista da adequação, obtém-se um aprofundamento im-portante do pensamento sobre a verdade:

Consideramos até agora apenas enunciados individuais. Em13.1,no entanto, já se apontou para o fato de que lidamos o maisdas vezes com assuntos complexos que só podemos apreender"tal como são neles mesmos" (cf. a formulação de Heideggercitada na p. 183) através de um conjunto de enunciados. Umimportante caso especial de tais conjuntos de enunciados são asteorias científicas. Em uma teoria, como em geral em todo con-junto de enunciados expressos todos juntos com uma única pre-tensão de verdade, é condição necessária (embora nãosuficiente) para sua verdade o fato de eles serem consistentesuns com os outros. Sejaentão aqui aceito que por coerência devaser entendido apenas consistência (ausência de contradições).

14. Hegel, Phanomeno]ogje des Gejstes, p. 21.

15. P. ex., Neurath, "Soziologie im Physikalismus".

188

.iIIIi..

Mas, neste ponto, Quine, com base em Duhem, deu passoadiante16.Quine se opõe à pressuposição feita pelo empirismotradicional de que há frases de observação puras que poderiamser verificadas isoladamente de uma vez por todas. Para Quine,ao contrário, mesmo nossas frases predicativas singulares maissimples contêm, tanto no uso do termo singular quanto no usodo termo geral, suposições sobre regularidades, i. é, suposiçõesteóricas. A exigência de consistência, mencionada no parágrafoacima, não concerne portanto apenas a teorias, mas também àsfrases individuais, já que estas implicam, por sua vez, teorias.Quine afirma que todas as frases empíricas são, tanto em relaçãoà sua verdade quanto (ambos os aspectos se conectam) comrelação a seu significado, independentes. Se novas observaçõessão feitas, os enunciados feitos até então têm que ser corrigidos,mas fica em principioem aberto se a correção tem lugar mais na"periferia" (nas frases de observação) ou mais na parte internada teoria. A verdade com a qual se lida na verificação de todafrase é em última instância a verdade de todo o sistema. A teoriada adequação não seria desse modo apenas complementadapela teoria da coerência, mas sim entremeada de tal modo queela teria que ser concebida de um novo modo. A concepção deQuine parece, até hoje, não estar ainda elaborada de modo apro-priadamente concreto.

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS:

Tomás de Aquino, "Quaestiones disputatae de veritate".

Tarski, "DerWahrheitsbegriffin den formalisiertenSprachen".

-, "The Semantic Conception of Truth".

Pitcher (org.),Truth.

Skirbekk(org.),Wahrheitstheorien.

16. Quine, "Two Dogmas of Empiricism", § 5-6.

189

Page 98: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

t4~NECESSIDADE E POSSUBIUDADE

No tratamento de problemas anteriores, deparamo-nos váriasvezes com o conceito de necessidade. No capítulo 3, ao se intro-duzir o conceito de analítico, indicou-se que frasesanalíticas sãoum tipo determinado de frases necessárias, e que poderia tam-bém haver, além destas, um outro tipo de frases necessárias. Nocapítulo 10, travamos conhecimento com o conceito não-analíti-co de necessidade de Kripke, conceito este que até agora sópudemos determinar de modo muito vago. Falamos de possibi-lidade no contexto da problemática da existência, onde refleti-mos sobre se seria sensato falar de objetos possíveis - ou sobrecomo se deveria compreender um discurso que fale de objetospossíveis. Teremos portanto que nos perguntar duas coisas: lQqual é a estrutura semântica de enunciados de possibilidade ede enunciados de necessidade?; e essa pergunta significasobre-tudo o seguinte: do que se predica ser possível ou ser necessá-rio? 2Qque tipos de enunciados de possibilidade e que tipos deenunciados de necessidade existem? i. é: quais os significadosque as expressões "possível" e "necessário" possuem, e comoesses significados devem ser explicados?

14.1. Possibilidade no sentido de poder (Vermõgen)

Reflexões elaboradas sobre as duas questões são encontra-das pela primeira vez em Aristóteles. Aristóteles desenvolveuuma teoria minuciosa sobre a possibilidade e se ocupou tambémde modo igualmente detalhado, embora menos sistematicamen-

190

....

te, do conceito de necessidade. Aristóteles diferenciadois signi-ficados principais de "possível"l: primeiramente, a possibilidadeque, conforme ele diz, é predicada de algo, atribuindo a este umpoder; em segundo lugar, a possibilidade que não é predicadade algo atribuindo-lhe um poder, e isto significa: "possível" nosentido de "não necessariamente falso", presente na expressão"é possível que". Com respeito ao primeiro significado, à possi-bilidade que se refere a um poder, pensa-se em expressões depossibilidade que atribuem um poder ou uma capacidade a umobjeto. Usamos frases como, p. ex., "Madeirapode ser queimada(é queimável)", "Pedro pode nadar", nas quais é atribuido umpoder causal ou uma capacidade de ação a uma coisa ou pessoa.Esse modo de se falarde possibilidade ou de um poder (k6nnen)pode ser interpretado como se o poder fosse um componente dopredicado, i. é, como se possuíssemos certos predicados que nãoatribuem quaisquer propriedades, mas sim poderes (Verm6gen)ou capacidades. Limitemo-nos apenas a apontar para esse con-ceito de possibilidade que exprime um poder (k6nnen).Não po-demos abordá-Io aqui já que ele nos levariapara muito além denosso quadro de problemas atual. Vamostratar, então, no que sesegue, segundo significado de "possível",distinguido por Aris-tóteles, a saber: com a expressão "é possível que" ou, no casodo conceito de necessidade, de modo análogo, com a expressão"é necessário que".

14.2. Possibilidade e necessidade comomodalidades

Possibilidade e necessidade neste sentido são caracte-rizadas tradicionalmente como as modalidades do juízo. Vimosno capítulo 5 que, no tratamento da concepção tradicional dojuízo, se distinguia entre quantidade (todos/alguns) e qualidade(afirmação/negação) do juízo (cap. 5, p. 56s). Aristóteles - aquem remonta essa distinção, embora não essa terminologia -

1. Veja Aristóteles, Metafisica V, 12.

191

Page 99: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

havia ainda classificado os juízos de acordo com um terceiroaspecto deixado de lado no capítulo 5 (Kant tem uma classi-ficação semelhante, CRP,B 95). Ele diz que um juízo pode ex-primir ou a realidade, ou a necessidade, ou a possibilidade daaplicação de um predicado P relativamente a um sujeito S2.Aris-tóteles apresenta, além dessa determinação relacionada a frasesda forma "S é p", ainda uma outra determinação, um pouco di-ferente, da modalidade, sendo que esta segunda determinaçãopode ser estendida a outros tipos de enunciados. Aristóteles dizque as expressões "é necessário que", etc. qualificam o "é" ve-ritativ03.Poder-se-ia com efeito dizer que a modalidade da rea-lidade, i. é, a expressão "é realmente assim que", é simples-mente o próprio "é o caso que" - i. é, o "é" veritativo - enfatiza-do. Diferentemente do que se passa na teoria tradicional do juí-zo, a qual considera a realidade como uma modalidade, a teoriamodal moderna não coloca o simples "é o caso que" entre asexpressões modais. Há importantes razões para essa diferen-ciação entre "é assim que", por um lado, e "énecessário/possívelque", por outro lado. Ambos os tipos de expressões são comefeitooperadores sentenciais, i. é, expressões que estão na frentede frases substantivadas "que p", mas há diferenças decisivasquanto às propriedades lógicas:

a) "Nãoé o caso que p" tem o mesmo significadoque "é ocaso que não-p"."Nãoé necessário que p (que chova amanhã)não tenhao mesmo significadoque "é necessário que não-p (quenão chovaamanhã)".

b) "É o caso que o número9 é ímpar"é um enunciadoverdadeirocujaverdadepermanece resguardadase subs-tituirmos as expressões parciais por outras expressõesque se refiramao mesmo objeto (que tenham a mesmaextensão), mas tenham um outro sentido (tenham umaoutra intenção).P. ex., a verdade do enunciadopermane-ce resguardadase substituirmoso termosingular"9"pelo

termo singular "o número dos planetas", termo este quese refere ao mesmo número, embora tenha outro sentido.Ao contrário deste caso, a verdade de "É necessário queo número 9 seja ímpar" não permanece resguardada seprocedermos à mesma substituição, pois não é necessá-rio, mas sim acidental, que a quantidade dos planetas sejaexatamente 9, sendo portanto ímpar.

2. Aristóteles, Analytjca priora 25als.

3. Aristóteles, De Í1Jtelpletatione 21b26s.

Esbarramos em fenômenos semelhantes aos mencionadosem (a)e (b)no contexto dos enunciados complexos da forma "Eucreio que p" onde se dependia, no caso da substituição, igual-mente do sentido das expressões parciais (cap. 7, p. 98), e po-demos portanto dizer que as frases da forma "É necessário quep", do mesmo modo que as frases da forma "Aacredita que p",são estruturas não-verofuncionais ou que elas, como às vezestambém se diz, constituem contextos intencionais.

Já Aristóteles considerou os operadores modais em sua ló-gica e na lógica contemporânea se ampliou a lógica dos enun-ciados (e às vezes também a lógica dos quantificadores) com osoperadores "é necessário que" ( O ) e "é possível que" ( O).Possibilidade e necessidade podem ser definidas uma pela ou-tra: "É possívelque p" tem o mesmosignificadode "Nãoé ne-cessário que não-p" e "É necessário que p" tem o mesmosignificado que "Não é possível que não-p". Se se amplia o apa-rato lógico com esses dois operadores modais de possibilidadee necessidade, então se obtêm novas possibilidades de inferên-cia lógica. Para mencionar apenas as duas mais básicas: "O p ::>p" é uma inferênciaválida, pois, se é necessário que p - i. é: seé necessariamenteverdadeiroque p -, entãosegue-sedesteenunciado também o enunciado mais fraco de que é verdade quep. Alémdisso,é também válido"p::>Op", i. é: se algoé verdadeiro,ele também tem que ser possível(possivelmenteverdadeiro).

Possuímos agora uma compreensão aproximada da formalógica dos enunciados modais. Eles consistem de um operadormodal e de uma proposição, sendo que o composto não é umcomposto verofuncional.A tarefa do operadormodalé neste casoa de modificar o "é" veritativo: "é necessário que" seria, porassim dizer, um "é" veritativo reforçado; "é possível que" seria

192 193

Page 100: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

um "é" veritativo atenuado. Temos que nos perguntar agora oque significa exatamente, face ao simples "p" ou "é o caso quep", em tal enunciado mais forte ou, conforme o caso, mais ate-nuado. Como, conformevimos, possibilidade e necessidade po-dem ser definidas reciprocamente uma pela outra, limitar-nos-emos, no essencial. a um dos conceitos, ao de necessidade.

14.3. A problemática do conceitode necessidade

Como já foi mencionado no início, é aceito na maioria dasvezes que podemos falarde necessidade em vários sentidos. Osdois sentidos mais importantes são o de necessidade analít,icaeo de necessidade causal. Podemos tomar como um terceiro sen-tido o conceito de Kripkede necessidade introduzido intuitiva-mente, conceito este que ele caracteriza como conceito metafísi-co de necessidade.

O conceito de necessidade foí e é um conceito controversona díscussão filosóficacontemporânea. Não é apenas controver-so como devem ser explicados seus diferentes significados, mastambém se se pode falarsígnificatívamente de uma necessídade.A maioría dos filósofosaceita que se fale significativamente denecessídade analítíca; contudo freqüentemente não se aceitaque se fale de uma necessidade causal. Assim Wittgenstein, p.ex., se volta no Tractatuscontra o conceito de necessidade cau-sal ao escrever: "Não existe nenhuma coação para que algo te-nha que ocorrer porque uma outra coisa ocorreu. Só hánecessidade lógica" (6.37).Temos portanto que nos perguntar aseguir não apenas como os significados de "necessário" fre-qüentemente diferenciadosdevem ser entendidos, mas tambémcom que direito eles são compreendidos como significados jus-tamente da expressão "necessário". Para tanto precisamos deum critério provisóriodaquilo que temos em mente por "neces-sário". Podemos nos orientar por nosso entendimento prévio in-tuitivo do significadode "necessário", entendimento este que foicaracterizado por Aristóteles de tal modo que necessário seria

194

-

tudo o que não pode estar de outro mod04.Comecemos com ainvestigação daquele significado de "necessário" que é aceito,se não por todos, pelo menos pela maioria dos filósofos,a saber:a necessidade analítica. Quanto a este conceitode analítico, po-demos retomar uma série de pontos com base nos capítulos an-teriores.

14.4. Necessidade analítica

Enquanto que os enunciados que usamos habitualmente sãoenunciadossobreo mundo- i. é: são enunciados com os quaisasse rimos que tal e tal coisa realmente ocorre e os quais podemser verificados através da experiência (aposteriori)-, enunciadosanalíticos são casos-limites de enunciados: eles não dizem nadasobre o mundo - i. é: são enunciados cuja verdade ou falsidadeestá estabelecida, antes, através de seu significado e é portantoconhecida não empiricamente, mas sim a priori (cf. cap.3, p.36).Uma frase empírica como "Choveu ontem" pode ser verdadeiraou falsa e, quando estabelecemos em um caso determinado queela é verdadeira, podemos ainda sempre dizer que ela tambémpoderia ter sido falsa. Uma frase analítica como "Solteiros sãonão-casados" não possui essas duas possibilidades; essa frasenão somente é verdadeira, mas também é necessariamente ver-dadeira; não podemos dizer que ela também poderia ter sidofalsa. Inversamente, "Solteirossão casados" é não apenas falso,mas sim necessariamente falso, i. é: é impossívelque esta fraseseja verdadeira; não podemos dizer que as coisas poderiamocorrer de outro modo, que a frase poderia portanto ter sidoverdadeira.

Podemos, portanto, evidentemente aplicar a enunciadosanaliticamente verdadeiros o critério intuitivo de necessidade,mencionado acima, o critério de que "Ascoisas não podem ocor-rer de outro modo". Em que se funda contudo essa necessidade?

4. Veja Aristóteles. Metafisjca V. lO15a34-36.

195

Page 101: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Vimos que enunciados analiticamente verdadeiros são enuncia-dos cuja verdade se funda em seu significado (cap. 3 p. 35) oucuja negação implica uma contradição (cap. 3, p. 35).

Podemos portanto dizer que a necessidade presente nosenunciados analíticos se funda em última instância no princípioda contradição. Enunciados que infringem o princípioda contra-dição são analiticamente falsos ou impossíveisporque, como vi-mos no capítulo 4, com eles é dito algo, e o dito é imediatamenteriscado, porque não se diz nada com eles. E isso significa que anecessidade do próprio princípio da contradição está de algummodo no fato de que ele contém a condição mais geral para ouso significativo de expressões lingüísticas, i. é: ele contém acondição de que uma expressão não pode ser usada ao mesmotempo de acordo com uma regra determinada e em desacordocom essa regra, i. é: a condição de identidade do significadoverbal.

Isso não significa que não possamos alterar a regra de usode uma expressão. Isso significa apenas que não podemos usaruma expressão determinada contrariamente a essa regra en-quanto a regra para o uso da expressão estiver estabelecida des-se modo, enquanto os limites de uso estão traçados desse modo.Poderíamos alterar a regra e usar a expressão de acordo comuma nova regra. Mas com isso seria também alterado o signifi-cado dos enunciados nos quais essa expressão ocorre. P. ex.: oenunciado analítico "Vermelhoé uma cor" é necessariamenteverdadeiro se usamos as expressões parciais em seu significadousual. Contudo, se, p. ex., mudamos o significado da expressão"vermelho" de tal modo que ela signifique o que até hOjea pa-lavra redondo significava,então não ocorre que o enunciado atéentãoanalítico- o qualtomamoscomosendonecessário,comonão podendo portanto ser falso - se torna falso, mas sim que osignificado e com isso a identidade do enunciado se alteram:obtemos um outro enunciado igualmente analítico e, para ser-mos precisos, um enunciadoanaliticamente falso,i. é: um enun-ciado impossível de ser verdadeiro. Portanto um enunciadoanaliticamente verdadeiro, enquanto for esse enunciado deter-minado, não pode ser falso,i. é: ele é necessariamente verdadei-ro.

14.5. Necessidade causal

Falamos na linguagem ordinária de necessidades naturaisou de leis naturais e dizemos sobre certas coisas ser impossívelelas poderem ocorrer, já que elas violariam as leis naturais. Leisnaturais são certos enunciados universais nos quais proprie-dades causais determinadas de modo universal são atribuídas acoisas materiais naturais (p. ex. "Tudo o que é feito de açúcar ésolúvelem água")ounos quais é expressa a seqüênciaregularentredois tipos de acontecimentos (p. ex. Sempreque relampeja,trove-ja").Mas será que lidamosaqui realmente comnecessidades, comestados-de-coisas que não podem ocorrerde outromodo?

Hume5havia defendido a concepção de que leis naturais sãosimplesmente enunciados sobre co-ocorrências regulares deacontecimentos. Sabemos a verdade dos exemplos que acaba-mos de mencionar através da experiência, através da observaçãode muitos casos particulares; e Hume argumenta que não pode-mos observar nenhuma necessidade de conexão entre aconteci-mentos' mas apenas a regularidade. O fatode considerarmos leisnaturais como necessárias tem, segundo Hume, razões psicoló"gicas: o fato de termos observado uma certa regularidade leva aque formemos a firme opinião ou a expectatIva de que as coisasocorram deste modo sempre e universalmente. Isso significariaque as regularidades causais são, com efeito, algo em que con-fiamos, mas que elas não são contudo necessárias.

Ao lado da concepção de Hume de causalidade, que tam-bém é defendida com variações ainda hoje, há uma série deoutras teorias que vão mais adiante do que a concepção humea-na de causalidade. Dessas orientações muito variadas será real-çada aqui apenas uma, contendo pontos especialmente im-portantes6. A concepção de Hume de leis naturais parece ser

5. Cf. Hume, An EnquiIy Concerning Hurnan UnderstandingVIL6. Uma visão de conjunto sobre as diferentes orientações se encontra em WOlf,

Moglichkejt und Notwencligkejtbej Anstoteles und heute, § 21.

196 197

Page 102: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

fracademais,pois não consideraríamos,evidentemente,todasas regularidades que podemos observar como leis naturais; se,p. ex., alguém observasse que sempre ao entardecer, às 7 horas,as lâmpadas da rua acendem, então ele não consideraria essefato como uma lei natural. Hume não nos dá nenhum critério decomo podemos diferenciar regularidades acidentais de regula-ridades que ocorrem segundo leis. Um critério que foi diversasvezes sugerido diz que obedecem a leis naturais aquelas regula-ridades observadas que possuem um papel em nosso sistematotal de explicações científicas da natureza7,sendo que tais ex-plicações causais são dadas de tal modo que a regularidade éfundamentada através do tipo e da estrutura dos objetos e ma-teriais que ocorrem nas regularidades8.A regularidade observa-da de que, p. ex., o açúcar se díssolve em água seria encaradaportanto como uma regularidade baseada numa lei natural por-que ela pode ser explicada a partir da estrutura química do ma-terial açúcar e porque essa explicação está inserida em todo umsistema de explicações científicas as quais produzem uma co-nexão entre fenômenos observáveis e propriedades estruturaisde materiais e coisas.

Será que, a partir desse componente explicativo contido nasleis causais, se segue que elas sejam enunciados necessários?Parece com efeitoque leis naturais obtêm desse modo um com-ponente conceitual.Em nosso sistema de explicações científicasda natureza, o fato de, p. ex., algo que tem a aparência de açúcarnão se dissolver em água seria explicado alegando-se que estealgo possui uma outra estrutura química diferente da do açúcar,e não caracterizamos como açúcar algo que tenha uma estruturaquímica diferente da do açúcar9. Há portanto um sentido claroem que é necessário (não pode ocorrer de outro modo) que, p.ex., o açúcar seja solúvel em água; é necessário porque não

aplicaríamos o termo geral "açúcar" a algo que não fosse solúvelem água.

Ao se falar de uma tal necessidade em conexão com leisnaturais, parece que se está falando da necessidade analítica,baseada nas regras de uso dos termos da ciência da natureza.Não encontramos, ao contrário, até agora, uma necessidade es-pecificamente causal ou ligada a leis naturais, e um tal conceitode necessidade causal também parece não fazer sentido. Assimsubjaz a nosso sistema de explicações da ciência da natureza,p. ex., o fato universal de que materiais e coisas com a mesmaestrutura interna apresentarem o mesmo comportamento causal.Isso acontece fática e universalmente, mas não há nenhuma ra-zão para se afirmar que é necessariamente assim, que não po-deria ser de outro modo. A menos que haja, por sua vez, umarazão conceitual: a razão de que, se não fosse assim, nós nãomais poderíamos aplicar nosso aparato conceitual da ciência danatureza usado até aqui, aparato esse consistindo de conceitoscomo causalidade, coisa material, estrutura de coisas, etc. Maso fato de podermos continuar a aplicar esse aparato conceitualnão é garantido pelas necessidades naturais, sendo, antes, sim-plesmente algo em que nós confiamos.

14.6. Modalidades epistêmicas

7. Cf.p. ex.Strawsan,IntroductJon to LOgjcal Theory, p. 245.8. Cf. p. ex. Guine, "Necessary Truths".

9. Cf. p. ex. Madden, "A Third View af Causality", p. 180s.

Nos casos em que confiamos na verdade de um enunciado,mas não podemos excluir em última instância a possibilidade deque viesse a ocorrer algo díferente, não se usa o enunciado "Énecessário que p", mas sim o enunciado "É certo que p". Aexpressão "É certo que p" e a expressão a esta correspondente"É possível que p" são caracterizadas como operadores modaisepistêmicos.Enquantoque "É necessário que p" implica "Éver-dade que p", não se pode inferir de "É certo que p" a verdadede "p", pois com o enunciado "É certQ,que p" não se diz que ascoisas não podem ser de outro modo, mas sim apenas que, combase no estado de conhecimento no qual nos encontramos nomomento do proferimento, tudo indíca que "p" é verdadeiro.

198 199

Page 103: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

14.7. Necessidade metafísica (Kripke)

dos possíveis, i. é: sobre situações contrafactuais (Naming andNecessity, p. 35s). Ora, no caso da necessidade analítica, está-vamos em condições de explicar em que se funda o fato deenunciados analiticamente verdadeiros não serem apenas verda-deiros, mas sim serem necessariamente verdadeiros. Kripke,aocontrário, nos envia, quanto a seu conceito de necessidade me-tafísica, apenas a nossas intuições, sem explicar o que significaexatamente ou em que se funda o fato de aqueles enunciados,que seriam necessários em seu sentido, só poderem efetivamen-te ser verdadeiros. Mas talvez possamos obter uma explicação apartir da exposição de seus exemplos.

Umtipo de exemplo que Kripkemenciona são os enunciadosde identidade nos quais os dois termos singulares são dois no-mes próprios diferentes. Quanto a esses exemplos, colocamosem dúvida a concepção de Kripkede que eles seriam necessá-rios: o fato de as duas seções objetuais espácio-temporais quetemos diante de nós, nas situações de batismo em que introdu-zimos os dois nomes, pertencerem a um mesmo objeto pode serverdadeiro ou falso.Examinemos então o segundo tipo de exem-plo dado por Kripke.A este tipo pertencem frases como "Gatossão animais", "Ouro é um metal". De modo intuitivo, diríamossobre essas frases que elas são necessárias. Mas suporíamosnormalmente, além disso, que elas são necessárias porque sãoanalíticas. Kripkecontudo defende, no caso de predicados sor-tais como "gato" e de termos para materiais naturais como"ouro", a mesma concepção que ele defendeu com relação aosnomes próprios. Ele diz que eles não têm nenhum significado(descritivo), sendo, antes, introduzidos de modo que o termo écoordenado, em uma situação perceptiva, a alguns exemplaresde tais coisas ou materiais naturais, de modo que um tal termo,a partir de então, caracteriza fixamente, i. é: em qualquer mundopossível, coisas ou materiais do mesmo tipo (p. 122s, 127s).Di-ferentemente dos nomes próprios que não têm efetivamente ne-nhum significado descritivo, o negar um significado descritivoaos termos sortais e aos termos que se referema tipos de mate-riais parece, inicialmente, implausível. Em segundo lugar, se, p.ex., "gato" é um nome de espécie sem significado,torna-se pou-

Empregamos os operadores modais epistêmicos freqüente-mente com referência àqueles enunciados que não podem serverificados nem através da observação nem através da derivaçãológica, mas que podem ser fundamentados através de outrosprocedimentos. Um exemplo importante são os enunciados so-bre acontecimentosfuturos.Se alguémdiz "É certo que já vaichover", então ele não pode verificar seu enunciado através daobservação do acontecimento futuro; ele se baseia, antes, emobservações que ele pode fazer agora como também em leis danatureza por meio das quais certos acontecimentos determi-nados podem ser derivados das observações. Mas mesmo se asleis da natureza, de que ele se serve nesse caso, são enunciadosnecessários, só se pode atribuir ao enunciado sobre o futuro,derivado por meio dessas leis, a modalidade epistêmica da cer-teza. Pois o acontecimento previsto tem lugar em uma situaçãoreal complexa sobre a qual toda uma série de fatorescausais teminfluência e à qual portanto várias leis naturais têm que ser apli-cadas; e não se pode excluir que a pessoa em questão tenhadeixado de considerar fatores relevantes da situação ou que elatalvez desconheça uma das leis naturais que desempenham umcerto papel no caso em questão.

Até agora não encontramos nenhum empregosensato de um"é necessário que" tendo como significado central "não pode serdiferente de" que não se referisse a uma necessidade analíticaou a uma necessidade fundada em uma necessidade analítica.Ora, vimos no tratamento dos enunciados de identidade (cap. 10,p. 138)que Kripkeusa um conceitode necessidadeque, segundoele,não seria o conceito analítico de necessidade e que ele caracte-riza como necessidade metafísica. Ele esclarece esse conceito denecessidade justamente através do significado central de "ne-cessário" - significado êste do qual nós também partimos -:necessário é o que não poderia ser diferente ou não poderia tersido diferente; segundo Kripke,ficamos sabendo se algo é, nessesentido, necessário por meio de reflexões intuitivas sobre mun-

201200

Page 104: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

co claro o que nós devemos pensar quando refletimos se gatosteriam podido também não ser animais.

Kripke dá indicações para esta questão, indicações estasque não vêm apoiar sua interpretação metafísica, apoiando an-tes uma interpretação analítica da necessidade em questão. Elediz que "Gatos são animais" é necessariamente verdadeiro por-que, ao se pensar que eles são animais (e não, p. ex., robôs),têm-se em mente que eles possuem uma estrutura interna de-terminada, a saber: aquela dos seres vivos de um determinadotipo (p. 121);isso significa que, mesmo se nenhum termo indi-cando características externas devesse estar relacionado demodo necessário com o predicado sortal (do que se pode duvi-dar), termos indicando características estruturais internas esta-ria contudo necessariamente relacionados a ele.

O que devemos considerar é, portanto, se gatos que pos-suem uma certa estrutura de ser vivotambém teriam podido, emuma situação contrafática, não possuir essa estrutura. Kripkechega ao resultado de que essa possibilidade não existe, de queos seres vivos gatos não poderiam ter sido, p. ex., demônios coma aparência externa de gatos. Mas por que não? Por que meiosessa possibilidade está excluída? Evidentemente por causa dotipo de traçado de fronteiras que se manifesta nas regras de usode nossos termos sortais para coisas e materiais naturais, i. é:por causa da circunstância de que nosso critério decisivo para apossibilidade de uso de termos para espécies e materiais natu-rais é o tipo de estrutura interna do objeto ou do material. Sendoassim, a necessidade pretensamente metafísica se mostra comoum caso determinado da necessidade analítica, como aquelecaso determinado em que a necessidade não se funda no signi-ficado de expressões quaisquer, mas sim especialmente no sig-nificado de nossos termos para espécies e materiais naturais.

Sóencontramos portanto um significado de "necessário" emque o critério intuitivode que as coisas não poderiam ocorrer deoutro modo pode ser resgatado de uma maneira fundamentada,a saber: a necessidade no sentido analítico.

INDICAÇÕES BmLIOGRÁFICAS

Hughes/Gresswell, An IntroductJon to Modal Logic.

Kripke, Naming and Necessity.

White, Modal Thinking.

Wolf, Moglichkeit und Notwendigkeit bei Arlstoteles und heute.

,/

202 203

_J

Page 105: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

BIBU06RAFlA

.

Alston, w.P. The Ontological Argument Revisited, em: Philoso-phical Review 69 (1960), p. 452-472.

Aristóteles, Opera, ed. pela Academia Prussiana de Ciências,voI. ls, Berlim 1831s.

Arnauld, A., Nicole, P. La logique ou l'art de penser (1662), ree-dição, Paris 1965.

Berkeley, G. A Treatise Concerning the Principles of HumanKnowledge, Dublin 1710.

CarI, W. Existenz und Pradikation, Munique 1974.

Carnap, R Wahrheit und Bewahrung (1936); publicado em: Skir-bekk (ed.), Wahrheitstheorien, p. 89-95.

- Meaning and Necessity, Chicago 1947.

- Empiricism, Semantics and Ontology (1950); publicado em:RC. Meaning and Necessity, Chicago 21956, p. 205-221.

Cartwright, R Propositions, em: RJ. Butler (ed.), Analytical Phi-losophy, Oxford 1962, p. 81-103.

Copi, LM. Introduction to Logic (1953), Londres/Nova Iorque51978.

Davidson, D. Truth and Meaning, em: Synthese 17 (1967), p.304-323.

Descartes, R. Discours de la méthode, Leyden 1637; ed. fran-cês/alemão por L. Gabe, Hamburgo 1960.

- Meditationes de prima philosophia, Paris 1641; ed. latim/ale-mão por L. Gabe, Hamburgo 1959.

205

Page 106: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Donnellan, K.S. Reference and Definite Descriptions, em: Philo-sophjcal Revjew 75 (1966), p. 281-304.

Dummett, M. Frege. Philosophy of Language, Londres 1973.

Duns Scotus, J. Ordinatio, em: J.D.S. Opera Omnja, ed. por C.Balic, voI. 3, Cidade do Vaticano 1954.

Frege, G. BegrjffschÚft, Halle 1879; reimpresso em Darmstadt1964.

- Dje Grund1agen der AÚthmeUk, Breslau 1884; reimpressãoBreslau 1934, Darmstadt 1961.

- Funktion und Begriff (Conferência, Jena 1891); publicado em:G.F. Funktjon, BegÚff. Bedeutung, ed. por G. Patzig, Góttin-gen 1962, 41975,p. 17-39.

- Über Sinn und Bedeutung, em: Zejtschrjft für Philosophje undphilosophjsche KrWk 100 (1892), p. 25-50; publicado em (ecitado segundo): G.F. FunkUon, Begrjff, Bedeutung, ed. por G.Patzig, Góttingen 1962, 41975, p. 40-65.

- Über Begriff und Gegestand, em: VjerteljahrschrHt für wjs-senschafWche Philosophje 16 (1892), p. 192-205; publicado (ecitado segundo): G.F. FunkUon, Begrjff, Bedeutung, ed. por G.Patzig, Góttingen 1962, 41975, p. 66-80.

- Der Gedanke. Eine logische Untersuchung, em: Bejtrage zurPhilosophje des deutschen IdeaUsmus 1 (1918/19), p. 58-77;publicado (e citado segundo): G.F. Logjsche Untersuchungen,ed. por G. Patzig, Góttingen 1966, 21976, p. 30-53.

- Die Verneinung. Eine logische Untersuchung, em: Bejtragezur Philosophje des deutschen IdeaUsmus 1 (1918/19), p. 143-157; publicado (e citado segundo): G.F. Logjsche Untersu-chungen, ed. por G. Patzig, Góttingen 1966, 21976, p. 54-71.

- Dialog mit Pünjer über Existenz, em: SchÚften zur Logjk undSprachphilosophje, ed. por G. Gabriel, Hamburgo 1971. p. 1-22.

- Assertion, em: Philosophjcal Revjew 74 (1965); publicado em:PT.G. Logjc Matters, Oxford 1972, p. 254-269.

Gilson, E. L'être et l'essence, Paris 1948.

Grice, H.P, Strawson, P.F. In Defense of a Dogma, em: Philoso-phjcal Revjew 65 (1956), p. 141-158.

Habermas, J. Wahrheitstheorien, em: Whk]jchkejt und RefleJdon,ed. por H. Fahrenbach, Pfullingen 1973, p. 211-265.

Hare, R.M. Practjcal Inferences, Londres 1971.

Hegel, G.F.W. Phanomenologje des Gejstes, ed. por J. Hoffmeis-ter, Leipzig 1949, reimpressão Hamburgo 61952.

- Wjssenschaft der Logjk, ed. por G. Lasson, 2 vols., Leipzig1948, reimpressão voI. 1: Hamburgo 1969, voI. 2: 1971, 1975.

Heidegger, M. Sejn und Zejt, Halle 1927.

- Kant und das Problem der Metaphysjk, Frankfurt no Meno1951.

Hughes, G.E., Cresswell, M.J. An Introductjon to Modal Logjc,Londres 1968.

Hume, D. An Inquhy Concernjng Human Understandjng, ed. porL.A. Selby-Bigge, Oxford 1962.

Husserl, E. Logjsche Untersuchungen, 2 vols., Halle 21922.

James, W. PragmaUsm 's Conceptjon of Truth (1907).

Kahn, Ch. The Verb uBe"jn Andent Greek, Dordrecht 1973.

Kamlah, W., Lorenzen, P. Logjsche PropadeuUk, Mannheim1957.

Freytag-Lóringhoff, B.v. Logjk, 2 vols., Stuttgart 1955-67.

Geach, PT. Reference and Generaljty, Ithaca (N.L) 1962.

Kant, L Gesammelte SchÚften, ed. pela Academia Prussiana deCiências, voI. ls, Berlim 1902s.

- Der einzig mógliche Beweisgrund zu einer Demonstration desDaseins Gottes, em: LK., Gesammelte SchÚften, voI. 2 (1905).

- Krjtjk der rejnen Vernunft (citado como CRP), ia. ed. (ul\'), em:LK., Gesammelte SchÚften, voI. 4 (1911); 2a. ed. (UBU),em:LK., Gesammelte Schrjften, voI. 3 (1911).

- Logjk, em: LK., Gesammelte SchÚften, voI. 9 (1923).

206 207

Page 107: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

Kenny, A. Practical Inference, em: Analysis 26 (1965/66), p. 65-75.

Kneale, W. eM. The Development of Logic, Oxford 1962.

Kripke, S. 1dentity and Necessity, em: M.K. Munitz (ed.), Identityand ldividuation, Nova 10rque 1971.

- Naming and Necessity, em: D. Davidson, G. Harman (eds.),Semantics of Natural Language, Dordrecht 1972, p. 253-355;separata, Oxford 1980.

Leibniz, G.w. Monadologie, edição bilíngue: francês/alemão, ed.por H. Herring, Hamburgo 1956.

Lemmon, E.J. Sentences, Statements and Propositions, em: B.Williams, A. Montefiore (eds.), British Analytical Philasaphy,Londres 1966, p. 87-108.

Locke, J. An Essay Cancerning Human Understanding, Londres1690; ed. alemã Versuch über den mensch1ichen Verstand, ed.por C. Winckler, 2 vols., Leipzig 1911-13.

Lagik von Port-Rayal: v. Arnauld.

Lorenzen, P. Methadisches Denken, Frankfurt no Meno 1968.

Lyons, J. Introductian to Thearetical Linguistics, Cambridge1968.

Madden, E.H. A Third View of Causality, em: Review af Meta-physics 23 (1969), p. 67-84.

Mates, B. Elementary Lagic, Oxford 1965.

Mill, J.St. A System af Lagic, Londres 1843.

Mitchell, D. An Introduction to Logic, Londres 21964.

Moore, G.E. 1s Existence a Predicate? (1936), em: G.E.M. Phila-saphical Papers, Londres 1959, p. 115-126.

Nagel, E. Logic Without Ontology, em: H. Feigl, W. Sellars (eds.),Readings in Philasaphical Analysis, Nova 10rque 1949, p. 191-210.

Neurath, O. Soziologie im Physikalismus, em: Erkenntnis 2(1931).

208

/

I

l!;

'\

I

Patzig, G. Satz und Tatsache, em: G.P. Sprache und Lagik, Got-tingen 1970, p. 39-76; também em: G.P. Tatsachen, Narmen,Satze , Stuttgart 1980, p. 8-44.

- Widerspruch, em: H. Krings, H.M. Baumgartner, Ch. Wild(eds.), Hancibuch philasophischer Gruncibegriffe, voI. 6, Mu-nique 1973.

- Schluss, em: ibid., voI. 5, 1973.

Pfander, A. Lagik, Tübingen 31963.

Pitcher, G. (ed.), Truth, Englewood Cliffs 1964.

Platão, Opera Omnia, ed. por r. Burnett, Oxford 1900.

Popper, K.R. Canjectures and Refutations, Londres 1963.

Putnam, H. The Analytic and the Synthetic, em: Minnesota Stu-dies in the Philasaphy of Science, voI. 3, Minneapolis 1962.

Ouine, w.V.O. On What There 1s (1948), publicado em: W.v.O.From a Logical Point of View, p. 1-19.

- 1dentity, Ostension and Hypostasis (1950), publicado em:W. V.O. From a Lagical Paint af View, p. 65-79.

- Two Dogmas of Empiricism (1951), publicado em W.v.O.From a Logical Paint af View, p. 20-46.

- Methads af Logic, Londres 1952.

- From a Lagical Paint af View, Cambridge (Mass.) 1953.

- Ward and Object, Cambridge (Mass.) 1960.

- Necessary Truths, publicado em: W.v.O. The Ways of Para-dox, Nova 10rque 1966, p. 48-56.

Ouinton, A. The A Priori and the Analytic, publicado em: Pro-ceedings af the Aristotelian Society 64 (1963/64), p. 31-54.

Ramsey, F.P. Facts and Propasitians (1927).

Rescher, N. The Lagic af Commands, Londres 1966.

Russell, B. The Principles of Mathematics, Cambridge 1903.

- On Denoting, em: Wnd 14 (1905), p. 479-493; publicado em:B.R. Logic and Knawledge, p. 39-56.

209

Page 108: TUGENDHAT, Ernst. Propedêutica Lógico – Semântica

- The Philosophy of Logical Atomism (1918),publicado em:B.R. Logic and Knowledge.

- Introduction to Mathematical Philosophy, Londres 1919.

- Logic andKnowledge,Londres1956.

- Mr. Strawsonon Referring,em: Mind 66 (1957),p. 385-389,publicado em: B.R. My Philosophical Development, Londres1959, p. 175-180.

Searle, J. Proper Names, em: Mjnd 67 (1958), p. 166-173.

- SpeechActs, Cambridge 1969.

Skirbekk, G. (ed.), Wahrheitstheorien, Frankfurt no Meno 1977.

Specht, E.K. Spracheund Sein, Berlim 1967.

Stegmüller,W.Das Universalienproblemeinst und jetzt, em: Ar-chiv für Philosophie 6 (1956), p. 192-225; 7 (1957), p. 45-81.

- Das Wahrheitsproblemund die Idee derSemantik, Viena 1957.

Strawson, P.F. On Referring, em: Mjnd 59 (1950),p. 320-344;publicado em: P.F.St.Logico-Linguistic Papers,Londres 1971.

- Introduction to Logical Theory, Londres 1952.

- Individuals, Londres 1959.

Tarski, A Der Wahrheitsbegriff in den formalisierten Sprachen(1936),publicado em: K. Berka, L. Kreiser(eds.),Logik-Texte.Kommentierte Auswah1zur Geschichte der modernen Logik,Berlim 1971, p. 447-559.

- On the Concept of Logical Consequence (1936), publicadoem: AT. Logic, Semantics, Metamathematics, Oxford 1956, p.409-420.

- Die semantische Definition der Wahrheit und die Grundlagender Semantik (1944),publicado em: Skirbekk (ed.), Wahrheits-theorien, p. 140-188.

- Einführung in die mathematische Logik, Góttingen 1966.

Tomás de Aquino, Quaestiones Disputatae de Veritate, em:Quaestiones Disputatae I, Roma 1949.

Tugendhat, E. Tarskis semantische Definitionder Wahrheit undihre Stellung innerhalb der Geschichte des Wahrheitspro-blems im logischen Positivismus (1960),publicado em: Skir-bekk (ed.), Wahrheitstheorien, p. 189-223.

- Wissenschaftund Wahrheit,em: CollegiumPhilosophicum,Basiléia 1965, p. 389-402.

- Existence in Space and Time, em: Neue Hefte für Philosophie8 (1975), p. 14-33.

- Vorlesungen ZUIEinführung in die sprachanalytische Philo-sophie, Frankfurt no Meno 1976.

Waismann,F.Logik, Sprache,Philosophie, Stuttgart 1976.

White, AR. Modal Thinking, Oxford 1975.

Wiggins, D. Identity and Spatio-Temporal Continuity, Oxford1967.

- Samenessand Substance,Oxford 1980.

Wittgenstein, L. Tractatus logico-philosophicus (1921), em: L.W.Schriften, voI. 1, Frankfurt no Meno 1960.

- Philosophische Untersuchungen (1953),em: L.W. SChriften,voI. 1, Frankfurt no Meno 1960.

Wolf,U. Moglichkeit und Notwendigkeit bei Aristoteles und heu-te, Munique 1979.

Zimmermann, R. Der "Skandal der Philosophie" und die Seman-tik, Friburgo/Munique 1981.

Zink, S. The Meaning of Proper Names, em: Mjnd 72 (1963), p.481-499.

210 211