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2354 TURISMO COMUNITÁRIO, TERRITÓRIO IMAGINADO E DEMOCRACIA: COMPLEXIDADE TERRITORIAL, ESPACIALIZAÇÃO DO TURISMO NO MOSAICO SERTÃO VEREDAS-PERUAÇU E OS DESAFIOS DA SOCIOBIODIVERSIDADE SERTANEJA NO ESPAÇO DAS VIAGENS CONTEMPORÂNEAS Ana Gabriela da Cruz Fontoura 1 Damiana Sousa Campos 2 Hebert Canela Salgado 3 RESUMO O presente artigo analisa o Projeto de Turismo Ecocultural do Plano de Desenvolvimento Ter- ritorial de Base Conservacionista (DTBC) do Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas- Peruaçu (MSVP) que, amparado nos princípios doTurismode Base Comunitária (TBC), elabora no contexto da sociobiodiversidade regional estratégias conectadas aos Objetivos do Desenvol- vimento Sustentável (ODS).As abordagens territoriais evidenciadas buscam legitimar as paisa- gens culturais e comunidades do território imaginado e toda a sua socioespacialidade como bem comum. O Mosaico, localizado em Minas Gerais e na Bahia, é composto por onze unidades de conservação conformea Portaria MMA N°128 de 24 de abril de 2009. As experiências de espa- cialização do turismo no território, ao longo do processo de implantação do DTBC, apresentam desafios e necessidades de análise sobre as abordagens territoriais elaboradas, implementadas e revisadas desde a criação do Mosaico. O turismo complexo e contraditório anuncia a potencia crescente do consumo por roteiros interculturais e ecoturísticos e, adjetivado na sociabilidade do cotidiano comunitário, uma vez assimilado como estratégia de reconhecimento, valorização cultural, ambiental, desenvolvimento local e poder simbólico, traduz novas possibilidades na superação de quadros de exclusão, pobreza, vulnerabilidade social, conflitos territoriais, es- poliação de direitos de acesso a terra e, quadros de racismo ambiental. Com base no enfoque integrado para o desenvolvimento sustentável, acredita-se que o TBC a partir de ferramentas metodológicas e novos indicadores de avaliação, a exemplo dos ODS, pode a partir dos espa- ços públicos, comunidades e coletivos agir como um “do-in antropológico”, distensionando o tecido social e possibilitando meios para o bem viver. Palavras-Chave:Mosaico; Território; Turismo; Desenvolvimento; Democracia. 1 Estação Gabiraba. Rua General Rondon, 2271, apto 26. Bairro Central. Cep:.68900-082. Macapá, Ama- pá. e-mail:[email protected] 2 Instituto Rosa & Sertão; SQN 316, Bloco E, Apto 116. Cep:. 70775-050. Brasília-DF. e-mail: damiana. [email protected] 3 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFGJM). Faculdade Interdisciplinar em Humanidades. Curso de Bacharelado em Turismo. Rua Juca Neves, 211, Casa 11, Penaco. Cep:. 39100-000. Dia- mantina-MG. E-mail: [email protected]

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TURISMO COMUNITÁRIO, TERRITÓRIO IMAGINADO E DEMOCRACIA: COMPLEXIDADE TERRITORIAL,

ESPACIALIZAÇÃO DO TURISMO NO MOSAICO SERTÃO VEREDAS-PERUAÇU E OS DESAFIOS DA SOCIOBIODIVERSIDADE

SERTANEJA NO ESPAÇO DAS VIAGENS CONTEMPORÂNEAS

Ana Gabriela da Cruz Fontoura1

Damiana Sousa Campos2

Hebert Canela Salgado3

RESUMO

O presente artigo analisa o Projeto de Turismo Ecocultural do Plano de Desenvolvimento Ter-ritorial de Base Conservacionista (DTBC) do Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas-Peruaçu (MSVP) que, amparado nos princípios doTurismode Base Comunitária (TBC), elabora no contexto da sociobiodiversidade regional estratégias conectadas aos Objetivos do Desenvol-vimento Sustentável (ODS).As abordagens territoriais evidenciadas buscam legitimar as paisa-gens culturais e comunidades do território imaginado e toda a sua socioespacialidade como bem comum. O Mosaico, localizado em Minas Gerais e na Bahia, é composto por onze unidades de conservação conformea Portaria MMA N°128 de 24 de abril de 2009. As experiências de espa-cialização do turismo no território, ao longo do processo de implantação do DTBC, apresentam desafi os e necessidades de análise sobre as abordagens territoriais elaboradas, implementadas e revisadas desde a criação do Mosaico. O turismo complexo e contraditório anuncia a potencia crescente do consumo por roteiros interculturais e ecoturísticos e, adjetivado na sociabilidade do cotidiano comunitário, uma vez assimilado como estratégia de reconhecimento, valorização cultural, ambiental, desenvolvimento local e poder simbólico, traduz novas possibilidades na superação de quadros de exclusão, pobreza, vulnerabilidade social, confl itos territoriais, es-poliação de direitos de acesso a terra e, quadros de racismo ambiental. Com base no enfoque integrado para o desenvolvimento sustentável, acredita-se que o TBC a partir de ferramentas metodológicas e novos indicadores de avaliação, a exemplo dos ODS, pode a partir dos espa-ços públicos, comunidades e coletivos agir como um “do-in antropológico”, distensionando o tecido social e possibilitando meios para o bem viver.

Palavras-Chave:Mosaico; Território; Turismo; Desenvolvimento; Democracia.

1 Estação Gabiraba. Rua General Rondon, 2271, apto 26. Bairro Central. Cep:.68900-082. Macapá, Ama-pá. e-mail:[email protected] Instituto Rosa & Sertão; SQN 316, Bloco E, Apto 116. Cep:. 70775-050. Brasília-DF. e-mail: [email protected] Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFGJM). Faculdade Interdisciplinar em Humanidades. Curso de Bacharelado em Turismo. Rua Juca Neves, 211, Casa 11, Penaco. Cep:. 39100-000. Dia-mantina-MG. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

O Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas-Peruaçu (Mosaico SVP) foi reconhe-cido no ano de 2009, mas sua história vem dos esforços que buscam a governança territorial por meio da gestão integrada do território, aliando as áreas protegidas, suas especifi cidadese potências – Unidades de Conservação (UC), Terras Indígenas (TI) e Comunidades Quilombolas – às possibilidades das políticas públicas. Enquanto categoria prevista no artigo 26 do Capítulo IV sobre a Criação, Implantação e Gestão das UC da Lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), o Mosaico SVP resulta de um trabalho iniciado em 2006 pela Fundação Pro-Natureza (FUNATURA) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) com a construção do Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista (Plano DTBC), cuja proposta voltava-se para processos de desenvolvimento a partir do turismo, do extrativismo e da gestão das UC.

Desde o início do Plano DTBC do Mosaico SVPem 2011, diversas ações integradas, de modo intersetorial e interinstitucional, produziram importantes efeitos no território em questão. O desenvolvimento de novas metodologias de mobilização social associado às análises con-juntas dos impactos ambientais monitorados nesse contexto socioespacial e, à busca por um entendimento sobre as possibilidades do turismo ecocultural de base comunitária, encontrou nos estudos de efetividade dos processos de gestão territorial integrada e participativa de áreas protegidas por meio da governança, uma potente plataforma para novos sentidos territoriais. O lançamento do site ofi cial do Mosaico SVP como estratégia de comunicação e, os novos pro-cessos de inventariação de patrimônios culturais e valorização de potenciais atrativos turísticos, traduzem signifi cativos avanços. A organização do calendário de festas tradicionais do territó-rio, os mapeamentos voltados à valorização de saberes locais, a formatação de roteiros turís-ticos como a “Estrada Parque Guimarães Rosa”, o “Caminho do Sertão”, a “Trilha do Mato Grande”, o “Mosaico Pocket”, a “Imersão no Mosaico” e outros consolidados, são exemplos. Todos, resultados do Plano DTBC e seus múltiplos desdobramentos voltados ao aprimoramento de tecnologias sertanejas realçadas nas cartografi as sociais do médio rio São Francisco, na for-mação de condutores ambientais para o Uso Público (UP) das UC, nos programas de assistência técnica e extensão rural e de prevenção e combate a incêndios fl orestais. Ainda, conectados ao extrativismo vegetal, à agricultura familiar sustentável,à agroecologia e ao diálogo com os Circuitos Turísticos da região.

Com o propósito de aprimorar aimplementação das Áreas Protegidas, aliando o for-talecimento da economia local, a valorização das Comunidades Tradicionais e do Cerrado, a FUNATURA – através do projeto Mosaico SVP, fi nanciado com recursos do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF), acordo de concessão nº CEPF-100465, assinado entre a FUNATURA e a Conservação Internacional (CI) – começou o trabalho de revisão e atualiza-ção do Plano DTBC do Mosaico SVP, onde o turismo é um dos temas centrais abordados. Em fevereiro de 2018, teve início o processo de revisão do Eixo Turismo do Mosaico SVP cujos objetivos destacam a necessidade de subsidiar os desafi os de gestão do turismo e da visitação no território, especialmente como atividade alternativa de geração de renda para as comunidades do interior e entorno do Mosaico SVP; de apresentar a situação atual do turismo no território; mapear e alinhar propostas de normatização para as atividades turísticas já ocorrentes; e, por

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fi m, indicar sugestões para fomentar o crescimento de forma ordenada da atividade turística. Nesse sentido, considerando a busca pelo aprofundamento de conhecimentos teórico-conceitu-ais sobre Turismo de Base Comunitária (TBC) no contexto de implantação e revisão do Plano DTBC, faz-se aqui uma leitura sobre as conexões entre os princípios do TBC e as práticas con-solidadas e/ou em fase de implantação no Mosaico SVP, capazes de indicar trilhas e viagens à cosmovisão sertaneja, seus modos de vida e meios de viver. É nesse contexto, que espoca a re-fl exão sobre a noção de território imaginado que, no curso do movimento de infl exão sobre os sentidos e signifi cados territoriais, vincula as territorialidades(SACK,2011, p.63) sertanejas, a identidade cultural regional, a agrosociobiodiversidade, as diversas percepções acerca da ideia de sertão, suas múltiplas representações e discursos, ao contexto das viagens contemporâneas ambientadas na valorização do bem viver, da interculturalidade crítica(WALSH, 2009, p. 12)e da democracia. Nesse sentido, um território-idealizado para a democracia das viagens e as experiências possíveis que delas derivam.

Considerando os desafi os e complexidades evidenciados no histórico do Plano DTBC, uma revisão crítica nessa quadra aponta contribuições importantes para a atualização de suas dimensões e, evidencia subsídios aos posicionamentos, procedimentos e conhecimentos com-partilhados e produzidos sobre TBC no Mosaico no período de 2011 a 2018. Cabe destacar que as análises até então realizadas, constatam a necessidade de aprofundamento na construção conceitual sobre TBC no Mosaico SVP que implique em novas metodologias e práticas de gestão integrada e governança territorial. Vale o destaque sobre o percurso metodológico do trabalho que vincula um estudo de caso com a perspectiva de análise teórica, atrelada à pes-quisa exploratória cujo método de revisão integrativa de literatura se conecta à observação de campo, à análise documental, à pesquisa ação e à pesquisa participante. Nas avaliações sobre as percepções dos sujeitos e suas diversas representações institucionais, as primeiras constata-ções informam sobre a importância da produção e do compartilhamento do conhecimento em turismo para a consolidação de políticas públicas de TBC no Mosaico e, sobre a necessidade de conciliação das especifi cidades de cada lugar. Nesse sentido, este trabalho,em diálogo com os arranjos teórico-conceituais até então adotados na consolidação do Mosaico, codifi ca novos referenciais e percepções na ação de transposição do conhecimento em turismo para as políticas públicas de turismo no Estado de Minas Gerais, em especial em TBC.

Cabe ressaltar que a produção do conhecimento em turismo comunitário cresce na Amé-rica Latina,dada a importância do setor para os países em desenvolvimento e suas políticas de inclusão social,com destaque às iniciativas dos países Peru, Colômbia, Equador e Bolívia. É a partir dessa compreensão que a proposta refl exiva aqui tece diálogos com as Metas do Mi-lênio, com diretrizes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, da União Internacional para a Conservação da Natureza e da Organização Mundial do Turismo (OMT). E, torna-se mais impactante por dialogar o Mosaico com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no contexto recente de criação da Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais e, de aprovaçãoda nova Lei Estadual de Turismo reconhecendo o Observatório do Turismo do Estado. Afi nal, o Plano DTBC do Mosai-co SVP contribui efetivamente para a valorização e para odesenvolvimentoda agrosociobiodi-versidade sertaneja no contexto do pretenso fomento doTBC no norte de Minas Gerais?

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COMPLEXIDADE TERRITORIAL E ESPACIALIZAÇÃO DO TURISMO NO MOSAICO SERTÃO VEREDAS-PERUAÇU

O Mosaico SVP engloba quatorze UC, sendo seis de proteção integral e oito de uso sustentável, perfazendo uma área total aproximada de 1.500.000 hectares. Além destas UC, existem no território do Mosaico uma TI, corredores ecológicos e zonas de amortecimento defi nidos em planos de manejo já elaborados e várias reservas legais averbadas e um Território Quilombola (TQ). Entremeadas a todas estas áreas protegidas localizam-se propriedades priva-das, em que são desenvolvidas as atividades agropecuárias, tanto o agronegócio e a silvicultura, como a agricultura familiar. Está situado no ‘Sertão Gerais’ à margem esquerda do Médio São Francisco e abrange dez municípios da mesorregião norte e noroeste de Minas Gerais – Manga, Arinos, Januária, Itacarambi, Urucuia, São João das Missões, Bonito de Minas, Cônego Mari-nho, Chapada Gaúcha e Formoso – e um no sudoeste da Bahia – Cocos, em área aproximada de 18.000 km² considerando o entorno das UC. Devido à grande área abrangida e tendo a Es-trada Parque Guimarães Rosa como eixo, dividiu-se o Mosaico SVP em três núcleos: 1. Núcleo Sertão Veredas – com sede na Chapada Gaúcha, abrangendo, ainda, parte dos municípios de Formoso, Arinos, Urucuia e Cocos; 2. Núcleo Pandeiros – com sede em Januária, e parte dos municípios de Bonito de Minas e Cônego Marinho; 3. Núcleo Peruaçu – com sede no Fabião, distrito de Januária, e parte dos municípios de Itacarambi, São João das Missões e Manga. (FU-NATURA, 2008).

Trata-se de uma região que possui baixa densidade demográfi ca, de pouco mais de 5hab /km², e baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), com uma média de 0,67. Está inserido em uma área ainda bastante conservada do ponto de vista dos recursos naturais, clas-sifi cada como de extrema e alta importância biológica no contexto do bioma Cerrado e porção de transição para a Caatinga, com “diversas espécies raras, endêmicas e ameaçadas da fauna e fl ora do Cerrado, e alto grau de riqueza de recursos hídricos (mais de 20% da água que abastece o Rio São Francisco)” (FUNATURA, 2008). O Mosaico também apresenta importante diversi-dade sociocultural em virtude dos povos e comunidades tradicionais e populações urbanas que habitam a região. Sertanejos, Veredeiros, Quilombolas, Indígenas, Vazanteiros,Quebradeiras de Coco, Extrativistas, Pescadores Artesanais, Guardiões de Sementes Crioulas, dentre outros.

Contudo, apesar da extrema importância biológica e sociocultural, a área se confi gura como ambiente de alta pressão e vulnerabilidade devido às diversas questões socioambientais que vão desde a criação de UC, passando pela indústria de licenciamentos ambientais, pela construção de pequenas centrais hidrelétricas, exploração predatória do cerrado, produção de carvão, o tráfi co de biodiversidade, a caça, o comprometimento da pesca, a poluição de bacias hidrográfi cas, as barragens e grandes projetos de irrigação, a agroindústria, a produção de trans-gênicos, a expansão das fl orestas plantadas da monocultura, o uso de agrotóxicos, a expansão urbana desordenada, a pecuária, a grilagem de terras, as queimadas, a especulação imobiliária, o assoreamento de nascentes, a prospecção de gás natural e processos de mineração, os confl itos fundiários, a poluição da água, do ar e do solo, o desmatamento, o desinteresse pela criação de Reservas Extrativistas (RESEX) e o consequente fortalecimento dos quadros de insegurança alimentar até o turismo desordenado e o comprometimento de potencialidades naturais e cultu-

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rais. (GESTA, 2018)4.O espaço onde se localiza o Mosaico SVP é dotado de alto grau de atratividade no con-

texto das potencialidades turísticas5 enquanto opções ao intercâmbio sociocultural, à valoriza-ção da biodiversidade, à educação ecocultural, à visitação pública e práticas diversas de viagens de experiência e turismo. Considerando a incipiente condição dos processos de planejamento e elaboração de políticas públicas do turismo na região, cujos primeiros trabalhos datam de 1999, é possível afi rmar que as experiências de turismo no Sertão de Minas Gerais são desor-denadas, esporádicas, desarticuladas e não consensuais. Ainda, pouco estudadas, pesquisadas e discutidas, tanto na esfera da política, quanto nos espaços de ensino com Instituições de Ensino Superior da região. Oprojeto de Turismo Ecocultural de Base Comunitária do Mosaico SVP buscou desde sua concepção até o momento de sua conclusão, equilibrar a partir de ações ligadas a uma pedagogia para o turismo regional, a valorização da agrobiodiversidade e da diversidade sociocultural sertaneja ambientada nos modos de vida tradicionais. O TBC fi gura como plataforma de fomento desse encontro como foco no reconhecimento de existências di-versas, na geração de renda e no equilíbrio socioambiental da área em questão e seus refl exos regionais. Foidesenvolvido pelo Instituto Rosa e Sertão, insere-se no contexto do Plano DTBC do Mosaico SVP realizado pela FUNATURA, eimplementado no âmbito da Política Interna do Fundo Socioambiental CAIXA, fruto de uma parceria entre o MMA, por intermédio do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA/SECEX) e do Departamento de Áreas Protegidas (DAP/SBF).No escopo do projeto foram desenvolvidas ações relacionadas com capacitação em empreendedorismo relacionado à hospedagem, à luz dos princípios do TBC e, à alimentação, no contexto da segurança alimentar. Ainda, em guiagem de turistas e formação de condutores ambientais, desenvolvimento de roteiros ecoculturais, operação e agenciamento turístico e visi-tas de intercâmbio, assistência técnica e extensão rural, dotação de infraestrutura comunitária, valorização da cultura tradicional, educação ecocultural nas escolas, inventários socioculturais do patrimônio material e imaterial, ambientais, estudos de atratividade turística e capacidade de carga, implantação de pousadas comunitárias e fortalecimento da organização comunitária.

A espacialização do turismo comunitário no território do Mosaico SVP, ao longo do processo de implantação do Plano DTBC, implicou em desafi os que se mantiveram ao fi nal do projeto Turismo Ecocultural de Base Comunitária e, agora são novamente identifi cados no contexto da revisão do Plano. Considerando a realidade da biodiversidade, da agroecologia e da etnodiversidade, o Plano do Mosaico SVP buscou alinhamento com as premissas do SNUC a fi m de se apresentar como uma estratégia de compatibilização entre a biodiversidade e a so-ciodiversidade, à luz das premissas de desenvolvimento regional sustentável em seus princípios e objetivos de conservação. Assim, reafi rmou a busca pela humanização do espaço territorial mediante reconhecimento e valorização sociocultural. É nesse contexto que as refl exões sobre as distintas matrizes de racionalidades que confrontam a colonialidade dos saberes (PORTO-GONÇALVES, 2005, p.3) e a colonialidade do poder (QUIJANO, 2005, p.107) ganham força com a insurreição dos saberes (MARTINS, 2011), especialmente a partir dos movimentos de

4 Disponível em < http://confl itosambientaismg.lcc.ufmg.br/observatorio-de-confl itos-ambientais/mapa-dos-confl itos-ambientais/>, jul. de 2018.5 Ver (BRASIL, 2000), (UNIMONTES, 2005ab; 2006; 2007ab; 2008), (SALGADO, 2007), (FUNATU-RA, 2008), (FUNATURA, 2012), (FECITUR, 2015), (INSTITUTO CULTURAL E AMBIENTAL ROSA E SER-TÃO, 2016; 2018).

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contestação à captura da subjetividade via processos de subalternização ontológica e epistêmi-co-cognitiva (WALSH, 2009, p.23). Como referências importantes verifi ca-se os trabalhos do Projeto Nova Cartografi a Social da Amazônia (PNCSA), cuja proposta de auto-cartografi a es-tabelece um processo de territorializaçãodiferenciada com foco na autoafi rmação sociocultural. E, o projeto Encontro de Saberes6 nas Universidades Brasileiras voltado a propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica no ensino, capaz de inspirar resgates dos saberes e inovações tradicionais.

O turismo complexo e contraditório, se por um lado, tratado sob a ótica puramente eco-nomicista dos arranjos produtivos e da cadeia de segmentação de mercado, anuncia a potencia crescente do consumo por roteiros interculturais e ecoturísticos, por outro, adjetivado na so-ciabilidade do cotidiano comunitário, uma vez assimilado como estratégia de reconhecimento, valorização cultural, ambiental, desenvolvimento local e poder simbólico, traduz novas possibi-lidades na superação de quadros de exclusão, pobreza, vulnerabilidade social, confl itos territo-riais, espoliação de direitos de acesso a terra e, quadros de racismo ambiental. Na compreensão de Almeida (2003), inerente ao espaço geográfi co, o turismo “(re)cria, inventa novas formas, funções, processos e ritmos, dinamizando os lugares, as paisagens, os territórios, as regiões(...) numa simbiose entre o particular e o universal, o local e o global”. Para a autora, o fenômeno provoca a leitura de suas marcas e impressões e, simultaneamente ele desafi a a compreensão de suas dinâmicas. Na compreensão de Irving (2015, p. 51) “o turismo transcende o seu sig-nifi cado, a mensagem dos discursos simplistas do mercado”. Para a autora, para além de um segmento econômico,constitui “uma via potencialpara a transformação social e para a refl exão ética sobre valores, no contexto deuma sociedade em crise”. O contexto vigente no Mosaico SVP apresenta a dialética das categorias lugar de viver, paisagem cultural, região, território, mosaico, rede, etnoterritorialidade, etnogeografi a, etnoturismo, comunidade, agrobiodiversi-dade, biocomplexidade, espaço e turismo. A espacialidade da diversidade sertaneja territoria-lizada e, anterior ao território do Mosaico SVP, destaca multidimensões socioespaciais dadas pelos gêneros de viver estabelecidos no lugar das identidades espaciais, produtoras de arranjos de biocomplexidade territorial no Sertão Gerais. Nesse sentido Raffestin (1993, p.160) destaca que “o espaço é anterior ao território” e, que este último se forma a partir do espaço resultante de uma ação conduzida por um ator sintagmático que ao se apropriar do espaço, concreta ou abstratamente territorializa o espaço. Trata-se, segundo ele, de uma produção e, “por causa de todas as relações que envolve, se inscreve no campo do poder”. (RAFFESTIN, 1993, p.160).

Os primeiros estudos sobre TBC ainda não conseguem traduzir na totalidade quais os reais impactos e desdobramentos dessas dinâmicas, o que ressalta a importância de atravessar a quadra analítico-refl exiva da questão. Acessar as dimensões do TBC a partir da Geografi a Cul-tural, da Sociologia Rural e da Sociologia do Turismo, por exemplo, evidencia-se a necessidade de uma análise acerca das disputas de poder estabelecidas no campo das abordagens territoriais sobre meio ambiente e cultura, considerando o espaço sertanejo como um arranjo complexo dos lugares de viver da agrosociobiodiversidade, representados por existências culturais diver-sas, múltiplas identidades espaciais e multiterritorialidades. Considerando a abordagem aqui pretendida, nocenário da formação sociocultural brasileira espacializada no Sertão Gerais, da 6 Disponível em <http://www.inctinclusao.com.br/encontro-de-saberes/encontro-de-saberes>, jul. de 2018.

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sociobiodiversidade regional e suas potencialidades, da globalização e ampliação dos fl uxos de viagens em todo o mundo, dos novos processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização, dos rearranjos espaciais e da contra-espacialidade, das questões socioam-bientais complexas e dos confl itos socioespaciais contemporâneos, cabe refl etir se a adoção das lógicas do Turismo Ecocultural de Base Comunitária do Plano DTBC do Mosaico SVP pode signifi car a estetização/fetichização dos modos de vida e meios de viver tradicionais traduzidos na totalidade dos gêneros de vida sertanejos.Nesse caso, até onde é possível afi rmar que o TBC pode ser compreendido como um fenômeno que movimenta trocas e experiências sem perdas para as comunidades do Mosaico SVP, já vulneráveis com a criação de áreas de preservação e conservação e, tantos outros arranjos, pressões e desarranjos?

Afi nal, o turismo ecocultural de base comunitária constitui um caminho importante para a valorização da cultura dos povos e comunidades tradicionais e das paisagens sertanejas no Mosaico SVP?O TBC pode consolidar as possibilidades do bem viver frente às lógicas con-traditórias do turismo de massa? No contexto do Mosaico SVP, a natureza de seu plano de desenvolvimento indica uma tentativa de resignifi cação das viagens com foco no TBC enquan-to ferramenta de desenvolvimento local baseado no reconhecimento das identidades espaciais sertanejas. Nesse caso, pensar um perfi l de turista para os espaços de resistêncianão constitui negar a existência de outros. Isso sequer seria possível e recomendável em um mundo cada vez mais aberto às viagens da diversidade. Contudo, pensar sobre a necessidade do mesmo estar contextualizado e conectado com os espaços visitados é fundamental na busca de um possível equilíbrio entre visitantes e visitados, entre a condição experiênciante e a experienciada. Essa parece ser a motivação das comunidades que se alinham, aos poucos, às propostas do TBC no Mosaico.

Para a cadeia produtiva do turismo a diversidade cultural enquanto possibilidade a ser experienciada é passível de se tornar produto.Existem movimentos circundantes que beiram a especulação da materialização da subjetividade comunitária via coisifi cação das essências relacionais produtoras do poder simbólico local. Na contramão, a resistência de sujeitos locais parece perceber potencia na diversidade de escolhas que as viagens ofertam no ambiente dos intercâmbios. Há um alinhamento na perspectiva da troca de experiências, da interculturalidade crítica (WALSH, 2009) e da conexão de saberes, além do compartilhamento de tecnologias socioambientais entre comunidades, o que já é realidade. Desse modo, os intercâmbios, para dentro e para fora do Mosaico ganham especial atenção em razão da importância produtora de sociabilidades na/da espacialidade territorial. Para Coriolano (2006) é possível afi rmar que “o turismo comunitário representa indícios de formas e adaptações do turismo como atividade capitalista”. De outro modo, destaca as “contradições socioespaciais e (...) estratégias popu-lares de espacialidade, inclusive de turismo alternativo”. (CORIOLANO, 2006, p.219). No entendimento da autora, o TBC pode ser lido como uma “estratégia de sobrevivência, e de entrada daqueles de menores condições econômicas na chamada cadeia produtiva do turismo”. (CORIOLANO, 2006, p.223). Contudo, na interface da assimilação de lógicas e da contra-espacialidade (MOREIRA, 2007) evidenciada pela resistência das identidades espaciais, um vácuo ainda guarda leituras não realizadas no descortinamento possível sobre a totalidade das intenções, dos desejos e das expectativas dos projetos de TBC. Pesa nesse caso os convites à refl exão feitos por (KRIPPENDORF, 2009) ao versar sobre a “revolução dos autóctones” frente

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à espacialização do turismo em determinadas circunstâncias. “Nos últimos anos, a inquietação diante das graves consequências sociais e culturais do turismo dos ricos nos países pobres fez nascer um verdadeiro movimento antiturismo7 de porte mundial.” (Krippendorf, 2009, p.104-105). O autor avalia que sendo o ser humano a preocupação centro do turismo e, não a econo-mia, o fenômeno se constitui como um importante fator de aproximação e paz entre os povos. “Temos a tendência de esquecer que os viajantes e os autóctones se encontram em situações completamente diferentes e mesmo opostas”. (KRIPPENDORF, 2009, p.86-87).No caso do Norte deMinas como um todo e, do Mosaico SVP especifi camente, são incipientes tanto os fl u-xos turísticos,quanto os estudos sobre os mesmos. O quadro reforça a necessidade de ampliação sobre o tema, considerando que a região em questão ganha cada vez mais atenção em virtude das potencialidades, principalmente naturais, resguardadas pelas comunidades tradicionais e áreas de proteção criadas.

O ‘BEM VIVER’ AS DISTÂNCIAS: INTERCÂMBIOS COMO PROPOSTAS PARASE PENSAR O TURISMO COMUNITÁRIO NO MOSAICO

As distâncias vividas e percorridas pelas sertanejas e sertanejos no território-Mosaico devem ser levadas em consideração quando se propõe pensar projetos de desenvolvimento e envolvimento comunitário na realidade em questão. A cidade de Januária (MG), considerada como referência regional de bens e serviços, mas também de ligação histórica com o rio São Francisco, está para Chapada Gaúcha (MG), outra ponta do Mosaico SVP, como uma viagem de 5 horas de ônibus. Para Cocos (BA), o deslocamento de cerca de 6 horas em estradas ainda não integradas na totalidade torna a realidade mais complexa. Como se perceber nestes trânsi-tos, sendo atravessados por paisagens outras, vivendo as distâncias? Como imaginar viajantes e comunidades locais, vivendo tais distâncias e paisagens diante dos fl uxos crescentes e inevitá-veis? Buscando pensar tais distâncias e fl uxos na construção de um roteiro integrado que atra-vessasse os Núcleos intermunicipais de planejamento‘Peruaçu’, ‘Pandeiros’ e ‘Grande Sertão’, foi proposto pelo grupo de trabalho ‘Turismo’ na revisão do Plano DTBC, a realização de um intercâmbiocomo instrumento para redação do novo Plano tendo o turismo como eixo. A via-gem ocorreu em maio de 2018, teve como público a maioria gestores municipais, comunitários que atuam com alguma atividade de turismo (condutor, receptivo, agência local). O objetivo do intercâmbio, para além do retorno das indicações do que entraria no plano, foi propiciar um movimento de estranhamento por meio dos afetos e despertares topofílicos. Por meio de notas e registros de viagem e campo, foram evidenciadas possibilidades de como o turismo comuni-tário pode legitimar,criar e promover espaços de circulação, conservação e fortalecimento dos vínculos locais. A análise crítica das contradições e complexidades do turismo fez saltar no contexto, a noção equivocada do turismo como atividade fi m para o desenvolvimento regional ao mesmo tempo em que diferentes discursos apontaram o reconhecimento das viagens de ex-periência como caminho de transformação real.

As trocas materiais, sociais e simbólicas ocorridas a partir da viagem levantaram ques-tões acerca da hospitalidade, do bem viver, do bem receber e do bem emitir. O contato com o 7 Casos recentes estão sendo tratados como evidências de um fenômeno denominado turismofobia, cujas manifestações mais contundentes de insatisfação de moradores locais com a massifi cação de turistas foram regis-tradas na Espanha (Barcelona, Madri e Palma de Maiorca), em 2017, durante o verão europeu.

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cotidiano dos lugares visitados e as vivências convidadas para a identifi cação da potencialidade e atratividade nos locais visitados permitiu a confi rmação das impressões antecipadas, das ex-pertises acumuladas, dos registros já publicados, das noções e narrativas ecoadas pelo mundo. Como anuncia Rosa (2001, p.24) “o sertão está em toda parte”. Um exemplo que ilustra as percepções diz do entendimento comum sobre o Núcleo Sertão Veredas como indutor de leitura e literatura na produção associada ao turismo, especialmente em relação à obra Grande Sertão: Veredas, imortalizada por João Guimarães Rosa. Outro aspecto importante registrado passa pelo encontro entre o desconhecimento sobre lugares e a própria invisibilização dos mesmos. Na experiência do intercâmbio, apenas três dos doze participantes conheciam o território visi-tado, em sua plenitude: Januária, Brejo do Amparo, Cônego Marinho, Candeal, Vereda 1, Ve-reda 2, Areião, Onça, Buritizinho, Pedras, Araçá, Olhos D’água, Quilombo, Itacarambi, Parque Nacional (PARNA) Cavernas do Peruaçu, Janelão, Vargem Grande, Pandeiros, São Joaquim, Chapada Gaúcha, Vão dos Buracos, Buraquinhos e PARNA Grande Sertão Veredas.

No curso das refl exões sobre viagens, turismo e visitação, a superação das noções ide-alizadas e programadas de deslocamento, “itinerários simbólicos regulares” (CORRÊA, 2008, p.306), se deu pelas conexões que emanaram do vivido na descoberta do acolhimento inespe-rado. Conhecer o território viajando permitiu ao grupo compreender possiblidades das experi-ências de turismo no Norte de Minas. Na viagem das distâncias não contadas ao território-Mo-saico imaginado, as vivências reconectaramquestões profundas acerca de categorias coloniais que povoam o imaginário local, tais como “pobreza”, “bonito”, “feio”, “longe”, “perto”, dentre outras. O movimento analítico desse processo de viagem permitiu grifar nas notas sobre em que medida tais categorias foram construídas em um processo histórico de violência e violação de direitos, inclusive do direito de viagem pela espacialidade sertaneja. Nesse sentido, cabe frisar que para Glissant (1997) apudMignolo (2005, p.33) “o imaginário é a construção simbólica mediante a qual umacomunidade (...) se defi ne a si mesma”, não tendo o termo, “nem a acepção comum de uma imagem mental, nem o sentido mais técnico que adquire no discurso analítico contemporâneo, no qual o imaginário forma uma estrutura de diferenciação com o Simbólico e oReal”(MIGNOLO, 2005, p.33). Certamente,as questões merecem leituras mais atentas, uma vez percebidas pelo grupo como crenças limitantes ao desenvolvimento de outras atividades que circulem trocas, sejam monetárias ou não. Da necessidade de ações estruturantes que rela-cionam memória, cultura e alimento, por exemplo, evidenciou-se o tensionamento das noções de cultura alimentar e gastronomia.

O intercâmbiopossibilitou ao grupo refl etir sobre os desafi os e possibilidades da cons-trução empírica do conceito de turismo que o coletivo assume em diálogo com o campo teó-rico para referenciar o planejamento do turismo ecocultural de base comunitária no território-Mosaico. Afi nal, como falar de uma política de Mosaicos de Áreas Protegidas voltada à gestão integrada e a construção de governança territorial, sem promover a espacialidade da viagemdo/no território? Na compreensão de Corrêa (2008) a espacialidade se liga ao fato dos fenômenos e processos naturais e sociais se inscreverem diferencialmente em termos de distribuição-dife-renciação espacial, no entanto apresenta novas questõesdesde os aspectosnão-materiaisaté “os trajetos percorridos pelo homem que não tem como lógicas aquelas envolvendo distância-tem-po-custo, mas lógicas estabelecidas no âmbito de valores simbólicos específi cos”. (CORRÊA, 2008, p.302-3).Como resultado, o grupo elaborou por meio de cartas e cadernos de viagemum

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olhar integrado sobre o território-Mosaico, as viagens possíveis, seus desafi os, limitações, ne-cessidades e potências. Nos registros,o reconhecimento da importância da juventude em ações territoriais estruturantes, a memória, a paisagem e a cultura como elementos centrais da traves-sia, as proximidades e distâncias ambientando sinalizações diferenciadas para novas interpre-tações dos lugares de viver e viajar, aestrada-parque Guimarães Rosa como eixo de conexões transformadoras e valorização patrimonial, do turismo e a refl exão necessária sobre os corpo-sem trânsito, que se deixam ir e vir a ser na viagem.

Compreendendo o território-Mosaico imaginado como espaço comum, livre, aberto e capaz de abrigar a noção de ‘espírito do lugar’(ICOMOS, 2008)8, a ação proposta traduz um convite permanente à criatividade e a capacidade imaginativo-inventiva do agir coletivo pela consolidação da governança territorial. Nesse sentido, pensar o território é tomar para dentro do olhar as dimensões econômicas, ambientais, culturais e políticas, sendo estas sustentadas pelas relações sociais que o atravessam. A ação também reconhece que tal olhar não limita ou exclui, podendo também abarcar elementos simbólicos, de convivialidade, política e simbólica, de liga-ção entre homem e natureza produzindo uma identidade cultural. (ALMEIDA, 2008, p.318). A vivência propiciada somada ao conhecimento de outras experiências de TBC e o campo teórico que daí deriva, permitiu confi rmar que o TBC, a partir de seus princípios norteadores,aliados às outras políticas de fortalecimento da cultura e geradoras de sustentabilidade é pode funcionar, mediado pela noção dedo-in antropológico (GIL, 2003, p. 3)9, massageando pontos centrais do tecido social do território-Mosaico SVP, permitindo abertura para circulação de fl uxos de via-gens e turismo e, de outras energias de governança em espaços não ou pouco acessados. Depreende-se do intercâmbio e, não evitando outras experiências no paíse na América Latina,que o desenvolvimento de uma política de gestão integrada dos fl uxos de viagem para áreas protegidas aliadasdo TBC,no contexto do território-imaginado Mosaico SVP, seja capaz, por exemplo, deabrir caminhos para (des)tensionamentodos confl itos socioambientais ai evidentes. Atravessar essa quadraimplica na articulação da sensibilidade alóctone (turistas) às cosmovisões autóctones (comunidades) e, na harmonização entre os ideais de desenvolvimento dos ambientes urbanos e os de conservação da agrosociobiodiversidade para a produção de novos sentidos e signifi cados às cidades, aos territórios, às regiões, aos lugares de viver. Cabe considerar a condição dos novos sujeitos políticos e suas atuações pela reestruturação socioespacial das liberdades e dos direitos de viajar, ao mesmo tempo em que os sentidos da democracia e da diversidade avancem reconhecidos. A consolidação do TBC enquanto atividade geradora de benefícios diretos as comunidades locais necessita de um esforço conjunto dos setores público e privado, da sociedade civil organizada e de instituições de ensino em todo o país. (BARTHOLO, SANSOLO e BURSZTYN, 2009, p.21). Equalizar o UP à história das diversas comunidades que legitimaram suas identidades espaciais e existências, preservando paisagens, recursos, modos de vida e meios de viver se apresenta como necessidade, desafi o, justiça e compromisso democrático na atualidade.

8 Disponível em <https://www.icomos.org/images/DOCUMENTS/Charters/GA16_Quebec_Declaration_Final_PT.pdf>, jul. de 2018.9 GIL, Gilberto. Discursos do Ministro da Cultura Gilberto Gil. Brasília: Ministério da Cultura, 2003.

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TURISMO COMUNITÁRIO, TERRITÓRIO IMAGINADO E DEMOCRACIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS PARA OUTRAS PROSAS

Na compreensão de Coriolano (2008, p.10), adjacente ao turismo global, avança a passos largos “o turismo de basecomunitária, destacando-se no Nordeste e no Norte do país, especialmente no Ceará, queapresenta a especifi cidade de ser realizado de forma solidária, mostrando indícios de outroturismo”. O viés de inclusão e respeito às comunidades locais consta na defi nição do termo ecoturismo desde o seu surgimento. No entanto, a menção que se faz a esse quesito, geralmente, é superfi cial e/ou vaga – permitindo que, ao longo do tempo, a atividade passasse a ser discutida muito mais na esfera ambiental do que a partir de suas características socioeconômicas. Com o intuito de enfatizar o protagonismo comunitário na gestão, no planejamento, nas tomadas de decisões e nos benefícios da atividade turística, nasce então o termo TBC. Na compreensão de Coriolano (2008, p.01) o surgimento do TBC tem origens nas contradições e confl itos do turismo e está focado nos “arranjosprodutivos que valorizam a identidade cultural, a conservação ambiental dos lugares visitados,com indícios de mudança que sinalizam para uma nova sociedade”. A autora destaca que as atividades turísticas comunitárias se associam às preexistentes ao turismo sustentável na busca da “regulamentação de unidades de conservação, assim como organizar comitês para cuidar da gestão ambiental de seus espaços, com planos de manejos e de conservação compatíveis com o turismo”. (CORIOLANO, 2018 p. 09).

Na compreensão de Beni (2001) a melhor maneira de estudar o mercado turístico é por meio da sua segmentação, uma vez que permite analisar a homogeneidade dos grupos e suas diversas motivações de viagem e preferências de roteiros. Nesse contexto, a segmentação constitui uma tentativa, a partir da combinação de fatores capazes de informarem estratégias de planejamento para a organização, a gestão e a promoção do turismo. No entendimento do MTur, “não existe planejamento do desenvolvimentoturístico de uma região se não houver perfeito en-tendimento do potencial daoferta, e das possibilidades de relacionar os produtos existentes, ou potenciais,para diferentes segmentos.” (BRASIL, 2010, p. 82). Atualmente, diversos autores e projetos tem se referido ao TBC como mais um segmento turístico. No entanto, diante dos fun-damentos que confi guram as iniciativas “de base comunitária”, uma das percepções possíveis é compreendê-locomo um modelo de negócio, uma forma de fazer a atividade acontecer – e não um novo tipo de turismo.O segmento pode ser qualquer um, mas a maneira como o turismo é implantado e realizado é o diferencial que representa a base comunitária. Portanto, o segmento pode ser ecoturismo, por exemplo, e de base comunitária. De outro modo, também entender o TBC como uma plataforma de resignifi cação das viagens na contemporaneidade com foco nas humanidades signifi ca reconhecer a polissemia que daí deriva. De acordo com Almeida (2013b, p. 13) apud Salgado (2015, p.114) o turismo tem ocupado um lugar, enquanto espaço vivido e de existência para as populações locais e, paralelamente, um lugar de representação e de imagens para os turistas. No entendimento da autora, esse lugar estaria situado numa esfera de entendimento, comportando tanto o vivido, como o experienciado; ou seja, experiênciado no sentido de ser “qualquer conhecimento adquirido por meio de sentidos”. Segundo Bartholo, Sansoloe Bursztyn (2009) o TBC constitui um expressão contemporânea que supera os desejos de compra e venda, simplesmente, havendo um claro questionamento acerca dos simulacros e

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da espetacularização da natureza e da cultura. “O que o ser humano tem de mais rico é a sua possibilidade de relação direta com o outro e com o diverso”. (BARTHOLO, SANSOLO e BURSZTYN, 2009, p.21).

Assim posto, seja como segmento de mercado, modelo de negócio ou expressão atuali-zada da busca pelo exercício das humanidades, fi ca evidente que “como são vastos e diversos os casos de turismo de base comunitária,no Brasil e no mundo,o conceito de turismo de base comunitária se apresenta de diferentes formas”. (SANSOLO e BURSZTYN, 2009, p. 145). Ressaltam que em 2008, o MTur reconheceu institucionalmente a existência do TBC no país, ao publicar o edital n. 001/2008 para identifi cação, mapeamento e fomento das atividades existen-tes no país. Depreende-se da análise desses autores quealguns pontos se mostram comuns onde as propostas e conceitos estão sendo pensados. Seja nos entendimentos no MTur do Brasil, no Plano de Turismo do governo Boliviano, seja no Consorcio Cooperativo Rede Ecoturística Nacional (COOPRENA), na Costa Rica, passando pela Federação Plurinacional de Turismo de Base Comunitária(FEPTCE) no Equador, bem como na Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário (TURISOL) e, na Rede Cearense de Turismo Comunitário (TUCUM), o TBC é compreendido como um modelo de gestão alternativa do turismo, de caráter endógeno, au-tônomo, com perspectiva intercultural em profundo diálogo como as relações solidárias, cujos princípios, pautados por práticas democráticas entre turistas e comunidades estão voltados à autogestão, à valorização, conservação e aproveitamento dos recursos naturais e culturais lo-cais, à equidade na distribuição dos benefícios gerados pelos empreendimentos comunitários, à diversifi cação econômica de comunidades rurais e urbanas e, valorização das identidades culturais dos lugares. (SANSOLO e BURSZTYN, 2009, p. 146-147).

Considerando a realidade atualizada do Mosaico SVP, faz-se necessário compreendê-lo, também, como um arranjo de ocupação e sentidos socioespaciais que vincula noções de território, fundamentos da viagem e princípios da democracia aos sentidos e signifi cados que atravessam a ideia de Sertão. É nesse contexto, que o Mosaico passa ao reconhecimento de território imaginado nas suas múltiplas acepções, dimensões e escalas. Derivam dessa quadra os novos sentidos para uma racionalidade turística que, compreendida no contexto dos confl itos socioambientais e culturais, defi ne suas bases na diversidade das racionalidades ambientais produzidas no espaço da diversidade cultural, por sua vez, empenhada na desinvisibilização das distintas racionalidades culturais subalternas e na conjugação de novos hibridismos culturais transformadores no espaço das viagens. Esse último entendimento é que deu sentido e fôlego ao Projeto de Desenvolvimento do Turismo Ecocultural de Base Comunitária, dialogado com o Projeto de Extrativismo no âmbito do Plano DTBC do Mosaico SVP, que apresenta o turismo comunitário como estratégia de desenvolvimento sustentável para as populações e cidades do território Mosaico.

Perceber o Mosaico SVP como Sertão exige aprofundar a ideia de Sertão na busca de sua totalidade, próxima à ideia de mosaico como síntese da diversidade de possibilidades socioespaciais, conectadas. Ao observar em ROSA (2001, p.24 e 98 e 325) que o Sertão “está em toda parte (...) é do tamanho do mundo (...) [e] é dentro da gente” percebe-se mais conteúdo para refl etir o “Sertão enquanto espaço imaginado de gentes, paisagens e tempos, sobrepostos no acúmulo das diferentes temporalidades ora individualizadas, ora coletivizantes.” (SALGADO, 2015, p.70). Nesse caso, refl etir sobre a ressignifi cação e ressemantização do Sertão (SALGADO,

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2015) como espaço imaginado e, simultaneamente o Mosaico como território imaginado implica no movimento de superação da discrepância de intepretações que historicamente situaram a socioespacialidade sertaneja em uma irrealidade pejorativa (COSTA, 2003)10. Para o autor, “ao adquirir outro valor, a população sertaneja nesse processo de resignifi cação tem propiciado a que aspectos próprios de sua realidade social sejam valorizados.” (COSTA, 2003, p. 47).Nas palavras de Melo (2011, p.79) o sertão “contém o deserto e muitos outros espaços repletos de diferentes paisagens, lugares, territórios”, nesse sentido, “se o sertão é o mundo, um lugar-mundo, sua localização pontual, cartográfi ca pouco importa. O que importa é a “matéria vertente”, ou seja, aquilo que constitui a sua essência de lugar, o exercício da condição humana”. É justamente da essência dos lugares de viver evidenciados no Mosaico, pessoas, cotidiano e metamorfoses, a eles conectados, que se corporifi ca o território imaginado e suas multidimensões. “O Sertão que não se altera se transformando”. (BRANDÃO, 2009b, p.78).

Das metamorfoses de um território-Mosaicoimaginado em um espaço-Sertão subjetivo e interminável como sugere Melo (2011) são vislumbradas possibilidades refl exivas acerca das noções desenvolvimento e seus entraves, a exemplo, da superação do mito da democracia espacial brasileira. Ao mesmo tempo, oterritório imaginado percebido como representação da conexão entre as lógicas de reconfi guração dos espaços da agrosociobiodiversidade no Cerrado brasileiro e as de legitimação dos espaços dasviagens no Semiárido em Minas Gerais permite, no curso de atualização do Plano de Desenvolvimento do Mosaico compreender sobre a necessidade de confi gurar suas dinâmicas, seus processos e movimentos aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os ODSconstituem uma agenda universal sobre Desenvolvimento Sustentável que começou a ser elaborada em 2013 com a participação do Brasil, a partir de uma negociação mundial e, aprovada durante a Cúpula das Nações Unidas (ONU) em 2015. Apresenta 17 objetivos integrados e 169 metas a serem atingidas até 2030 construídos a partir do legado e dos limites dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Está dividida em quatro dimensões (social, ambiental, econômica e institucional) e em diversas áreas, tais como: a paz universal, a liberdade, erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, cidades sustentáveis, crescimento econômico inclusivo, etc. (ONU, 2015)11. Em 2018 a OMTlançou a plataforma online ‘Tourism4SDGs.org’12 com o objetivo promover a realização dos ODS por meio do setor de Viagens e Turismo. A expectativa é de um maior engajamento da atividade turística às metas da agenda global de desenvolvimento sustentável. (OMT, 2018).

Assim, com base nos princípios e resultados do TBC e no enfoque integrado para o desenvolvimento sustentável pretendido pelo Mosaico SVP, acredita-se que esse modelo de gestão da atividade turística pode contribuir para a erradicação da pobreza e redução das desigualdades (ODS 1 e ODS 10), quando possibilita um incremento na renda das famílias envolvidas no turismo, valoriza a força do trabalho coletivo e proporciona mudanças positivas nas comunidades e nos visitantes a partir de experiências transformadoras que reforçam que todos somos iguais e temos os mesmos direitos, inclusive, ao turismo. Também apresenta 10 COSTA, João Batista de Almeida. Mineiros e Baianeiros: Englobamento, Exclusão eResistência. Brasília: Tese de Doutoramento. Universidade de Brasília/DepartamentodeAntropologia. Tese de Doutoramento, 2003.11 Disponível em <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>, jul. de 2018. 12 Disponível em <http://tourism4sdgs.org/>, jul. de 2018.

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potencial para avançar na agenda dos ODS 4 e 12, pois atua diretamente na educação e formação de cidadãos melhores e mais conscientes, que respeitam e apreciam a diversidade em seus mais amplos signifi cados. Ainda, do ODS 5, já que sem dúvida fortalece o empreendedorismo feminino e cria novos espaços de diálogo, participação ativa e protagonismo das mulheres nos projetos produtivos das comunidades, equilibrando um pouco mais a relação entre homens e mulheres no território. Por último, aporta aos ODS 8 e 16 já que os resultados indicam o estabelecimento de uma inovação no âmbito das relações econômicas de compra e venda de produtos turísticos, na qual agricultores, pescadores, mulheres, jovens, anciãos, artesãos, enfi m, moradores e visitantes, estão construindo uma sociedade mais participativa, inclusiva e pacífi ca com o ambiente e a humanidade.

A conexão desses diversos princípios, metas e ações calibra a proposta de TBC para o território-Mosaico SVP, especialmente se entendida como um arranjo de desenvolvimento para a democracia. Apesar dos desafi os apresentados, o Mosaico SVP tem encontrado na força da mobilização coletiva e da ação participativa que ultrapassa a coesão do seu Conselho Consultivo, estratégias para a implementação de projetos, o desenvolvimento de novas metodologias a partir da revisão dos processos e movimentos em curso. De acordo como Salgado e Silva (2016, p. 14) “a partir dessas redes, o Sertão está conhecendo o mundo, que por sua vez conhece o Sertão”. Na compreensão de Santos (1999, p.258) “a localidade se opõe à globalidade, mas também se confunde com ela”. O autor declara ainda que “cada lugar é, a sua maneira, o mundo. (...) mas, também, cada lugar, irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais. (SANTOS, 1999, p.252). Na percepção dos primeiros, o Mosaico vive um momento singular que exige novos olhares. “Chega o tempo de novas análises e contribuições para a consolidação do Mosaico.Com relação ao turismo, é importante dimensionar e monitorar os impactos de sua implantação”. (SALGADO E SILVA, 2016, p. 14).

E, no meio das travessias, o Encontro dos Povos do Grande Sertão, o Festival Sagarana, o Festival COM-SER-TAO, o Cine Baru, a caminhadasócio-eco-literária “O Caminho do Sertão – de Sagaranaao Grande Sertão Veredas”, a proposta de criação da Estrada-Parque Guimarães Rosa, os roteiros nos PARNAS Grande Sertão Veredase Cavernasdo Peruaçu, com a sua candidatura ao título de Patrimônio Mundial Natural e Cultural da Humanidade (2021), o Jornal do Mosaico e o seu portal virtual, as diversas pesquisas, reuniões, eventos e cursos para compartilhamento de conhecimentos, o mapeamento e fortalecimento das cadeias produtivas do artesanato e do extrativismo vegetaljunto à Cooperativa Regional de Produtores AgrissilviextrativistasSertão Veredas (COOP. Sertão),à CooperativaAgroextrativista em base de Agricultura Familiar Sustentávele Economia Solidária (COPABASE),à Rede CentralVeredas de Artesanato do Vale do Urucuia,à Associação de Bordadeiras e ArtesãosRurais da Serra das Araras, à da Associação Amigos de Areião e Adjacências de Januária, e à Cooperativa dosPequenos Produtores Agroextrativistas de Pandeiros Ltda.(Coopae), todos integrantes desse importante arranjo que constitui o território imaginado do Mosaico. A realidade que se apresenta convida os olhares do presente às permanentes refl exões sobre a especial complexidade e, fundamentalmente, sobre os desafi os da agrosociobiodiversidade sertaneja no espaço das viagens contemporâneas.

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