Tv118 curitibano adora
-
Upload
alexsandro-teixeira-ribeiro -
Category
Documents
-
view
771 -
download
13
Transcript of Tv118 curitibano adora
A mistura de tradições marcou a infância da
curitibana Jussara Voss, jornalista e bloguei-
ra especializada em gastronomia. Ela lembra
que, depois de uma refeição com massas caseiras ita-
lianas, na qual o eslavo pierogi também sempre estava
presente, a sobremesa poderia ser um doce português
ou a torta alemã de maçã apfelstrudel, servida quen-
tinha e com nata. “Um pé na Itália, outro em Portugal
e alguns costumes poloneses e alemães nos garanti-
ram uma mesa farta, com tudo fresco, sem repetir o
prato à noite e sempre com muitos doces”, conta.
O seu caso não é uma exceção na cidade. Quem confirma
é o professor e doutor da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) Carlos Roberto Antunes dos Santos, coordenador
do grupo de pesquisa em História e Cultura da Alimenta-
ção e orientador de monografias de graduação, disserta-
ções de mestrado e teses de doutorado do programa de
Pós-Graduação em História, na temática sobre História
e Cultura da Alimentação. “A gastronomia curitibana re-
serva um lugar para todos; a diversidade étnica e cultural
recheou a mesa com pratos inventados pelos locais ou
trazidos por diversos povos migrantes e imigrantes, num
processo permanente de adaptação e readaptação.”
102
VIEW / SABORES
O pierogi, prato típico
polonês, é facilmente
encontrado em Curitiba.
103
Algumas heranças dos primeiros imigrantes europeus que chegaram à cidade ainda hoje estão em muitas mesas, trazen-do à culinária curitibana uma miscelânea de aromas e sabores.
MIXpor Simone Mattos
fotos Walter Morgenthaler
GASTRONÔMICO
KRIN E GRASPAEmbora a quase totalidade dos eslavos que chegou ao
Paraná tivesse origem camponesa e fosse gente humilde,
possuía uma culinária muito rica. Os poloneses estariam
entre as famílias cujos descendentes mais preservam os
hábitos alimentares. “O pierogi, pastel de ricota cozido,
é o mais apreciado”, afirma o professor da UFPR. Outros
pratos trazidos por eles a Curitiba são: kapusniak (sopa
de repolho azedo), bigos (cozido de repolho com defu-
mados), borstch (sopa de beterraba), galaretka (geleia de
mocotó) e aluszki (arroz enrolado em folha de repolho).
“O rosól (sopa) era, nas noites mais frias, o prato preferido
para aquecer e confortar esta gente acostumada ao longo
inverno europeu”, diz Antunes. Já os ucranianos, trouxe-
ram na bagagem sementes de plantas que cultivavam,
destacando-se o krin (raiz-forte usada para acompanhar
e temperar alguns pratos), bastante utilizado até hoje.
Mas não dá para falar nos hábitos alimentares trazidos
pelos europeus sem citar a imensa colônia italiana
local, responsável por grande parte de nossa gastrono-
mia. “A de Santa Felicidade foi fundada em 1878, com
pouco mais de uma dezena de famílias. Quase todas
vinham das regiões agrícolas do nordeste da Itália, o
Vêneto. Aqui, os imigrantes se dedicaram inicialmente
às culturas de suas tradições: o milho, do qual faziam
a polenta, a base do sustento dos camponeses daquela
região”, diz Antunes. Também conseguiram plantar
com sucesso as suas parreiras de uva e fazer o vinho
de suas tradições. “Além disso, faziam queijos, salames,
linguiças e outros defumados de porco, graspa (grappa,
destilado de uva), geleias e sucos de uva, além de
terem trazido alguns legumes até então desconhecidos,
como a berinjela, o pimentão e o brócolis.” Pasqualini
afirma que os restaurantes de Santa Felicidade, com
seus cardápios nada sofisticados, têm uma fartura e um
modo de servir raros de se encontrar em outras cidades.
Para uma família italiana ou para seus descendentes é
difícil imaginar uma refeição sem vinho, já que a bebida
é considerada um alimento. “Lembro de até as crian-
ças tomarem vinho, só que com água e açúcar, uma
maneira de ir acostumando o paladar”, conta Jussara.
Ela se habituou e até hoje não ceia sem uma boa taça.
“Comida e bebida sempre foram um assunto sério lá em
Dos alemães, ele explica que são bastante considerá-
veis as influências e que elas podem ser encontradas
em todos os lugares de Curitiba. “Ora, só aqui se come
vina e cuque (cuca), ou wienerwurst e kuchen, contri-
buições desses imigrantes”, justifica. Sabemos que a
vina ou a wiener, abrasileirada, é a salsicha vienense,
ou a salsicha preparada à moda de Viena. O kuchen
virou o cuque, ou o bolo assado com farofa de mantei-
ga e açúcar. “Embora a maior parte desses produtos
hoje seja industrializada, muitas famílias preservam
a cultura artesanal de fazer à sua maneira”, afirma.
Aliás, na cozinha curitibana, prevalece a arte de elabo-
rar os alimentos e de lhes dar sabor e sentido. Segundo
o professor, há ali a intimidade familiar, os investi-
mentos afetivos, simbólicos, estéticos e econômicos.
Apesar do processo de industrialização da cidade, a
culinária local remonta às origens rurais e à história dos
imigrantes, que persiste em sobreviver. “Nós gosta-
mos de preparar nossa própria massa, tradição italiana
herdada, e tem o outro lado da família que é polaco
e que muitas vezes prepara os pierogis”, confirma o
casal Josi Basso e Felipe Pasqualini, titular do blog
gastronômico Pastificio dell’Amore. Além da influência
europeia, eles têm ainda uma avó com raízes indígenas
fortes, que os ensinou a comer Porco à Pururuca com as
mãos, entre outras iguarias. “Curitiba tem mesmo uma
mistura muito grande de estilos e influências”, dizem.
O texto Aromas e Paladares de Curitiba, produzido
pelo professor Carlos Antunes em parceria com o
escritor Eduardo Sganzerla, afirma que os restaurantes
de cozinha típica local apresentam pratos que utili-
zam alimentos incorporados à história e à cultura da
alimentação da região. Seriam eles o pinhão, o milho,
o feijão em suas diversas cores, a mandioca, o arroz, as
carnes bovina, suína e de frango, o torresmo, o polvi-
lho, a banana, que permitem pratos como: a paçoca
de pinhão, a quirera lapeana, a quirera de milho com
porco, o arroz de carreteiro, o feijão tropeiro, a polenta
com frango caipira, o lombo com pinhão, o barreado,
a costela campeira, o carneiro com farofa, o churrasco
paranaense e, ironicamente, a típica sobremesa curiti-
bana do Bar Palácio, chamada de Mineiro de Botas.
104
VIEW / SABORES
105
“LEmbRo dE Até AS cRIANçAS
tomAREm vINho, Só quE com
áGuA E AçúcAR, umA mANEIRA dE
IR AcoStumANdo o PALAdAR.”
JuSSARA voSS, JoRNALIStA E bLoGuEIRA
ESPEcIALIzAdA Em GAStRoNomIA
“Só AquI SE comE vINA E cuquE
ou wIENERwuRSt E KuchEN.”
cARLoS RobERto ANtuNES doS SANtoS,
PRofESSoR, doutoR E cooRdENAdoR do
GRuPo dE PESquISA Em hIStóRIA E
cuLtuRA dA ALImENtAção dA ufPR
Torta alemã Apfelstrudel
e vinho: heranças
dos colonizadores.
VIEW / SABORES
casa, será que fui influenciada?”, brinca. Os blogueiros
Josi e Pasqualini contam que também praticamente
só bebem vinho. “Temos muitos amigos que seguiram
essa tendência, o vinho de qualidade se popularizou e
deve se popularizar ainda mais”, comentam. Para eles,
entretanto, o hábito nada tem a ver com a colonização.
“O vinho vendido em Santa Felicidade pelos antigos
colonos, nunca nos apeteceu”, dizem. Eles lembram
que outra bebida típica curitibana é a alemã Steinhäger,
consumida pura, com cerveja ou misturada ao chope.
cLáSSIcoS
“É difícil imaginar algum curitibano que não coma
muito pinhão no inverno”, afirma Pasqualini. Ele explica
que a forma como o consumimos, cozido na pressão,
mordendo a semente, é tipicamente curitibana. “Em-
bora não seja uma exclusividade da cidade, é muito
forte por aqui.” Ele critica e acha que o ingrediente
é subutilizado, pois pouca gente o usa na farofa, por
exemplo, ou para preparar uma sopa. “Antigamente, o
pinhão também era preparado na chapa quente, mas
hoje em dia quase ninguém tem mais fogão a lenha”,
diz. Sobre a forma de preparar pinhão, Jussara lembra
da maneira mais antiga e tradicional: a sapecada, ou
seja, assá-lo com grimpas, hábito tipicamente do sul.
Continuando o passeio pelos cardápios curitiba-
nos, Josi cita a carne de onça, tão comum dos bares
daqui. “Boteco clássico curitibano serve a iguaria,
mas é raro ver em outras cidades, só em bares ale-
mães, como o Bar Léo, no centro velho de São Pau-
lo.” Há também as opções que ela classifica como
“velha-guarda”, como roll mops, vinas em conserva
e ovos coloridos. “Mas estas ficam restritas a grupos
específicos, que frequentam bares clássicos curi-
tibanos como o Silzeu’s e Maneko’s”, comenta.
Jussara lamenta que o chineque (pão doce), uma
tradição local, esteja sumindo. “É difícil encontrar”,
reclama. No quesito confeitaria, lembra da torta Marta
Rocha, uma invenção daqui que se espalhou por boa
parte do Brasil. O clássico foi criado na década de 50,
pelos proprietários da Confeitaria das Famílias, para
tentar sublimar a tristeza que havia invadido o país
quando a miss Brasil ficou em segundo lugar na dis-
puta do concurso Miss Universo. Inspirada na bela, a
confeitaria lançou a famosa torta com massa de pão de
ló branca e preta recheada com creme de ovos, nozes
e coberta com suspiros. De Curitiba para o mundo.
106
Saiba onde encontrar os sabores curitibanos:1. Com o seu celular, acesse
o site www.phdmobi.com2. Faça o download do leitor de tags3. Abra o aplicativo e use a câmera4. Mire ou fotografe esta imagem5. Pronto. Você será direcionado
ao conteúdo exclusivo.
Roll mops e ovos coloridos
ainda estão presentes nos
bares tradicionais da cidade.