UAB / IFCE estrutura AlgÉbrica - CAPES
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estruturaAlgÉbricalicenciatura emmatemática
LIC
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6
Ministério da Educação - MEC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Universidade Aberta do Brasi l
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Universidade Aberta do Brasil
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
Diretoria de Educação a Distância
Fortaleza, CE2011
Licenciatura em matemática
Estruturas Algébricas
Ângelo Papa Neto
CréditosPresidenteDilma Vana Rousseff
Ministro da EducaçãoFernando Haddad
Secretário da SEEDCarlos Eduardo Bielschowsky
Diretor de Educação a DistânciaCelso Costa
Reitor do IFCECelso Costa
Pró-Reitor de EnsinoGilmar Lopes Ribeiro
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Vice-Coordenadora UABRégia Talina Silva Araújo
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Coordenador do Curso de Licenciatura em Matemática
Priscila Rodrigues de Alcântara
Elaboração do conteúdoÂngelo Papa Neto
ColaboradoraLívia Maria de Lima Santiago
Equipe Pedagógica e Design InstrucionalAna Claúdia Uchôa AraújoAndréa Maria Rocha RodriguesCarla Anaíle Moreira de OliveiraCristiane Borges BragaEliana Moreira de OliveiraGina Maria Porto de Aguiar VieiraGlória Monteiro MacedoIraci Moraes SchmidlinIrene Moura SilvaIsabel Cristina Pereira da CostaJane Fontes GuedesKarine Nascimento PortelaLívia Maria de Lima SantiagoLourdes Losane Rocha de SousaLuciana Andrade RodriguesMaria Irene Silva de MouraMaria Vanda Silvino da Silva
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Equipe WebBenghson da Silveira Dantas Fabrice Marc JoyeLuiz Bezerra de Andrade FIlhoLucas do Amaral SaboyaRicardo Werlang Samantha Onofre Lóssio Tibério Bezerra Soares
Revisão TextualAurea Suely ZavamNukácia Meyre Araújo de Almeida
Revisão WebAntônio Carlos Marques JúniorDébora Liberato Arruda HissaSaulo Garcia
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SecretáriosBreno Giovanni Silva AraújoFrancisca Venâncio da Silva
AuxiliarAna Paula Gomes CorreiaBernardo Matias de CarvalhoIsabella de Castro BrittoMaria Tatiana Gomes da SilvaCharlene Oliveira da SilveiraWagner Souto Fernandes
Neto, Ângelo Papa. Estruturas Algébricas / Ângelo Papa Neto; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. - Fortaleza: UAB/IFCE, 2011. 150p. : il. ; 27cm.
ISBN 978-85-63953-19-3
1. MATEMÁTICA. 2. ESTRUTURAS ALGÉBRICAS. 3. ÁLGEBRA ABSTRATA - GRUPOS. I. Joye, Cassandra Ribeiro (Coord.). II. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. III. Universi-dade Aberta do Brasil – UAB. IV. Título.
CDD - 510
P229e
Catalogação na Fonte: Islânia Fernandes Araújo (CRB 3 – Nº 917)
SUMÁRIO
AULA 2
AULA 3
AULA 4
Apresentação 7Referências 150
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Currículo 151
Grupos e subgrupos 8Definição de grupo e exemplos 9Subgrupos 15
AULA 1
Subgrupos normais e homomorfismos 24Subgrupos normais 25Homomorfismos de grupos 29
Anéis, subanéis e ideais 34Definição e exemplos 35Subanéis e ideais 41Ideais primos e maximais 46
Homomorfismo de anéis 51Definições e exemplos 52Anel quociente 58O teorema fundamental dos homorfismos de
anéis 63
6 Est ru tu ras A lgébr icas
AULA 6
AULA 7
AULA 8
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 3
Tópico 1
Tópico 2
Tópico 1
Tópico 2
AULA 5 Domínios fatoriais 70Domínos euclidianos, domínios de ideais principais e
domínios fatoriais 71O corpo de frações de um domínio 81
Polinômios 88Sequências quase nulas e polinômios 89Algoritmo da divisão para polinômios 97Polinômios com coeficientes em um domínio de
fatoração única 103
Introdução à teoria dos corpos 115Extensões de corpos 116Corpos finitos 124
Aplicações 130Construções com régua e compasso 131Códigos corretores de erros 137
7APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃOOlá aluno(a),
Ao contrário da Aritmética e da Geometria, que são áreas da Matemática que se caracterizam
pelo tipo de objeto estudado, a Álgebra é caracterizada pelos seus métodos. Os métodos,
em Álgebra, seguem a ideia básica de estudar os objetos não isoladamente, mas observando
a estrutura resultante da organização desses objetos em conjuntos com certas propriedades.
Por exemplo, do ponto de vista da Álgebra, um polinômio não deve ser visto como um objeto
isolado, mas antes como um elemento de um conjunto de polinômios onde os elementos
possam ser somados e também multiplicados, uma estrutura, chamada anel de polinômios.
Faz sentido, portanto, falarmos em soma e em produto de matrizes, de polinômios e de
funções, embora tais objetos não sejam números. Isso se dá porque tais objetos podem ser
organizados em conjuntos munidos de uma ou mais operações binárias, o que dá a cada um
desses conjuntos uma estrutura algébrica. Podemos, então, estudar tais estruturas de modo
abstrato, sem fazer referência à natureza dos elementos do conjunto, obtendo resultados que
valem em diferentes contextos. As estruturas algébricas mais básicas Grupos, Anéis e Corpos
são os objetos de estudo de nossas aulas.
Ângelo Papa Neto
8 Est ru tu ras A lgébr icas
Olá aluno (a),
Nesta aula iremos estudar a nossa primeira estrutura algébrica, que é estrutura
de grupo. Por serem os objetos matemáticos adequados para se quantificar a
noção de simetria, os grupos encontram aplicações na geometria (fundamentação
da geometria via grupos de transformações, grupos de Lie, ladrilhamentos), na
química (estrutura dos obitais atômicos, ligação química, estrutura cristalográfica
das moléculas), na física (mecânica quântica) e na biologia (estrutura icosaédrica dos
vírus). Trata-se, portanto, de uma noção matemática de fundamental importância.
Objetivos
• Conhecer a estrutura algébrica “grupo” e obter suas propriedades básicas • Reconhecer a importância da noção de grupo, exibindo vários exemplos• Conhecer as noções de subgrupo, subgrupo gerado por um conjunto e
grupo cíclico
AULA 1 Grupos e subgrupos
9AULA 1 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Definição de grupo e exemplosObjetivOs
• Estender a noção de grupo
• Estudar alguns exemplos importantes
Nesse primeiro tópico, vamos apresentar a definição de grupo,
uma série de exemplos de grupos e vamos ilustrar, também com
exemplos, o papel dos grupos no estudo da simetria de objetos.
Um grupo é um conjunto com uma operação binária que satisfaz três
condições básicas (associatividade, existência de um elemento neutro e existência
de inversos). Apresentaremos uma série de exemplos de grupos, ilustrando sua
importância e ubiquidade na Matemática.
Um conjunto G , onde está definida uma operação binária :G G G´ ® tal
que
1. ( )= ( )a b c a b c , quaisquer que sejam , ,a b c GÎ ,
2. Existe e GÎ tal que = =a e e a a , para todo a GÎ ,
3. Dado a GÎ , existe b GÎ tal que = =a b b a e , é chamado grupo. Se,
além disso, vale a condição: Se vale apenas a condição 1, dizemos que G é um
semigrupo. Se valem apenas as condições 1 e 2, dizemos que G é um monóide.
4. Dados ,a b GÎ , =a b b a , dizemos que o grupo é abeliano.
O elemento e GÎ , cuja existência é garantida pelo item 2 da definição, é
único. De fato, se e G¢ Î também satisfaz a condição 2, temos e e e e¢ ¢= = . Da
mesma forma, para cada a GÎ , o elemento b GÎ , cuja existência é garantida pelo
item 3, é único. Isso pode ser verificado do seguinte modo: se b G¢ Î também satisfaz
3, isto é, se = =a b b a e¢ ¢ , então = ( ) = ( )b e b b a b b a b b e b¢ ¢ ¢ ¢= = = .
Esse elemento b GÎ é chamado inverso de a e denotado por 1b a-= .
10 Est ru tu ras A lgébr icas
É importante observarmos que a inversão
de um produto inverte também a ordem dos
fatores. Mais precisamente, 1 1 1( )ab b a- - -= .
De fato, se 1( )c ab -= , então ( )ab c e= .
Multiplicando por 1a- à esquerda, obtemos 1bc a-= . Multiplicando por 1b- à esquerda,
obtemos 1 1c b a- -= . A mesma identidade vale
para o produto de um número finito de elementos
(veja o exercício 6). No caso em que G é abeliano,
podemos, é claro, escrever 1 1 1( )ab a b- - -= , pois
o produto é, nesse caso, comutativo.
Exemplos:
Verifique que são válidas as condições da definição de grupo nos seguintes
exemplos.
1. Se K é um corpo, então ( , )K + e *( , )K × são grupos abelianos, onde * = { 0}K K- .
2. Se = {0,1 , 1}nZ n- e * = { | ( , )= 1}n nZ a Z a nÎ , então ( , )nZ + e *( , )nZ ×
são grupos abelianos.
3. Se V é um espaço vetorial, então V com a soma de vetores é um grupo
abeliano.
4. Seja X um conjunto e ( ) { : | }S X f X X f ébijetivo= ® . Então ( )S X , com
a operação (composição de funções) é um grupo, não necessariamente abeliano.
O exemplo 4 é especialmente importante, tanto que reservamos ao grupo
( )S X um nome especial. Ele é chamado grupo de simetrias de X , ou ainda,
grupo das permutações de X . Temos dois casos particulares de maior interesse:
Caso particular 1: se = { 1, , }X n , então ( )S X é denotado por nS e chamado
grupo simétrico. Cada nf SÎ age sobre o conjunto = { 1, , }X n permutando seus
elementos e é por isso que chamamos nf SÎ de permutação. Da combinatória,
sabemos que o número de permutações de n elementos é !n . Assim nS tem !n
elementos. Uma função nf SÎ é geralmente denotada do seguinte modo:
1 2= .
(1) (2) ( )n
ff f f n
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
at e n ç ã o !
Por uma questão de simplicidade da notação,
costumamos escrever, sempre que não haja perigo
de confusão, a operação a b simplesmente
como ab, omitindo o símbolo que indica a
operação. É costume, também, chamarmos ab de
“produto” dos elementos a e b .
11AULA 1 TÓPICO 1
Por exemplo, se = { 1,2,3,4}X , então alguns elementos de 4S são
1 2 3 4 1 2 3 4= , = ,
1 2 3 4 2 3 4 1I s
æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø
2 31 2 3 4 1 2 3 4= , = ,
3 4 1 2 4 1 2 3s s
æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø
(note que 4 = Is )
1 2 3 4= .
1 4 3 2t
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
Note que 2 = It . Devemos observar ainda que
1 2 3 4 1 2 3 4= =
2 3 4 1 1 4 3 2st
æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷×ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø
1 2 3 4= ,
2 1 4 3æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
onde escrevemos, por simplicidade, st em vez de s t , e o “produto” das
permutações é, na verdade, uma composição de funções. Observemos que
1 2 3 4=
4 3 2 1ts st
æ ö÷ç ÷¹ç ÷ç ÷çè ø
o que mostra que nS não é abeliano.
Uma vez que 4 = Is , o subconjunto 2 3= { , , , }Is s s s é também um grupo
com a mesma operação de 4S . Pelo mesmo motivo, = { , }It t também é um grupo.
Outro exemplo muito importante de grupo de simetrias é o seguinte:
Caso particular 2: seja Triângulo escaleno Triângulo isósceles Triângulo equilátero (ou, mais geralmente, um espaço vetorial
V de dimensão n sobre R). Vamos considerar as funções lineares de nR em nR ,
chamadas operadores lineares. Denotamos:
( )= { : | é í } .n nnGL T T linear einvert vel®R R R
Isso significa que ( )nT GL RÎ pode ser escrita como
12 Est ru tu ras A lgébr icas
11 1 1
1
1
( , , )= ,n
n
n nn n
a a xT x x
a a x
æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷×ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷÷ ÷ç çè ø è ø
onde = ( )ijA a é uma matriz n n´ invertível. O
conjunto ( )nGL R , com a operação de composição
de funções, é um grupo, chamado grupo
linear geral. Como a composição de funções
corresponde ao produto de matrizes, o grupo ( )nGL R “pode ser visto como” um
grupo de matrizes, isto é
( ) { ( )| det 0} ,n nGL A M A@ Î ¹R Ronde a frase entre aspas acima e o símbolo @ significam isomorfismo, isto é,
embora a natureza dos elementos sejam diferentes (funções em um caso e matrizes
no outro), a estrutura de grupo é a mesma nos dois casos. A noção de isomorfismo
será definida de modo preciso no tópico 2 da próxima aula.
Dados n grupos 1, , nG G
, com operações 1, , n
, respectivamente, o
produto cartesiano
1 1= { ( , , )| }n n i iG G x x x G´ ´ Î
é um grupo, com operação dada por
1 1 1 1 1( , , ) ( , , )= ( , , ).n n n n nx x y y x y x y
A principal característica de um grupo é sua capacidade de medir o
quão simétrico um determinado objeto é. Vamos ilustrar essa afirmação com
mais um exemplo.
Exemplo: Considere três triângulos, um escaleno, um isósceles e um
equilátero. Qual desses três triângulos é o mais simétrico?
Triângulo escaleno Triângulo isósceles Triângulo equilátero
Figura 1: Triângulos
at e n ç ã o !
A notação GL significa general linear, que em
português quer dizer linear geral.
13AULA 1 TÓPICO 1
Se você respondeu “triângulo equilátero”, acertou! Não é difícil perceber
que, de fato, o triângulo equilátero é mais simétrico do que o triângulo isósceles
e que o triângulo escaleno é o menos simétrico dos três. Mas como você percebeu
isso? Que critérios você usou para decidir qual dos três é o mais simétrico ou o
menos simétrico? A questão que se põe é a seguinte: é possível captar essa impressão
intuitiva de modo matematicamente preciso? Ou seja, é possível quantificar, medir,
a noção de simetria? A resposta é sim, e os objetos adequados para se fazer essa
medição são exatamente os grupos.
Mais precisamente, vamos associar a cada um desses triângulos um grupo, de
modo que o número de elementos do grupo meça a simetria do triângulo. Para isso,
considere um subconjunto T do plano cartesiano 2R . Uma função 2 2:f R R®
é chamada simetria de T , se é uma bijeção e ( )f P TÎ se, e somente se, P TÎ .
A restrição de f a T é uma função :f T T® que permuta os pontos de T .
O conjunto ( )ST , formado pelas simetrias de T , é um grupo com a operação
composição de funções.
A seguir, vamos encontrar ( )ST para cada um dos três triângulos da Figura
1. Comecemos com o triângulo equilátero. Uma rotação de 120º, no sentido anti-
horário, em torno do baricentro do triângulo equilátero da figura acima, leva esse
triângulo equilátero nele mesmo, permutando seus pontos. Leva, por exemplo, o
vértice 1 no vértice 2, o vértice 2 no vértice 3 e o vértice 3 no vértice 1. Assim,
essa rotação induz uma permutação dos vértices do triângulo, que indicamos
(veja o exemplo 4, caso particular 1) por: 1 2 3
= .2 3 1
sæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
De modo análogo, a
permutação 1 2 3
=1 3 2
tæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
está associada à reflexão em torno da reta que contém
a altura do triângulo equilátero. Afirmamos que, se ET é um triângulo eqüilátero,
então { }2 2( ) 1, , , , ,EST s s t st s t= , onde s e
t são as permutações acima definidas e 1 é a
permutação identidade, que deixa cada vértice,
logo todo o triângulo, fixado. O grupo ( )EST é
um caso particular de grupo diedral (para outros
exemplos de grupos diedrais, veja os exercícios
de aprofundamento 5 e 6).
Se IT é um triângulo isósceles, uma rotação
não é uma simetria de IT . Assim, nesse caso,
{ }( ) 1,IST t= , onde t é a reflexão em torno da
altura relativa à base do triângulo isósceles.
s a i b a m a i s !
O Grupo Diedro nD é o grupo de simetria de n
lados do polígono regular de 1n> . A ordem
grupo nD é de 2n. Consulte o site <http://
translate.google.com.br/translate?hl=pt-
BR&langpair=en|pt&u=http://mathworld.
wolfram.com/DihedralGroup.html>
14 Est ru tu ras A lgébr icas
Finalmente, se ST é um triângulo escaleno, a única simetria é a trivial, ou
seja, { }( ) 1IST = . Portanto, os triângulos equilátero, isósceles e escaleno têm,
respectivamente, grupos de simetrias com 6, 2 e 1 elementos. Dessa forma, inferimos
desse exemplo o seguinte princípio: quanto maior o número de elementos do grupo
( )ST de uma figura T , mais simétrica ela é.
Com isso, encerramos nosso primeiro tópico, que tratou da definição e de
exemplos iniciais de grupos. No próximo tópico, veremos que certos subconjuntos
dos grupos também são grupos, chamados subgrupos.
15AULA 1 TÓPICO 2
TÓPICO 2 SubgruposObjetivOs
• Definir e caracterizar a noção de subgrupo
• Definir e caracterizar subgrupo gerado por um conjunto
• Definir grupo cíclico
• Conhecer o teorema de Lagrange
Vamos, agora, estudar os
subconjuntos não-vazios de
um grupo que, com a mesma
operação do grupo, também são grupos.
Chamamos tais subconjuntos de subgrupos.
Essa noção é análoga à de subespaço vetorial na
álgebra linear e nos fornece um modo de obter
novos grupos a partir de grupos dados.
Se G é um grupo e S é um subconjunto de G , não vazio, que é um grupo
com a mesma operação de G , dizemos que S é um subgrupo de G .
O próprio grupo G é um subgrupo dele mesmo. Se e GÎ é o elemento neutro
de G , então { }e também é subgrupo de G . Esses dois subgrupos são chamados
subgrupos triviais de G . Qualquer subgrupo de G diferente de G e { }e é chamado
subgrupo próprio de G .
Lema 1 Um subconjunto S de um grupo G é um subgrupo se e somente se valem
as seguintes condições:
1. S¹Æ ,
2. Se ,a b SÎ , então 1ab S- Î .
s a i b a m a i s !
Reveja o conteúdo de subespaço vetorial no
tópico 2 da aula 2 da disciplina de Álgebra Linear
do seu curso.
16 Est ru tu ras A lgébr icas
Demonstração:
Se S é subgrupo, então S¹Æ e, dado b SÎ , temos 1b S- Î , o que decorre
da condição 3 da definição de grupo. Logo, dados ,a b SÎ (não necessariamente
distintos), temos 1ab S- Î .
Reciprocamente, se S¹Æ , então a condição 1 nos diz que existe a SÎ .
Se 1 GÎ denota o elemento neutro de G então, pela condição 2, 11= aa S- Î . Se
b SÎ , então 1 1= 1b b S- -× Î , novamente pela condição 2. Finalmente, se a e b
pertencem a S , então 1 1= ( )ab a b S- - Î . Sendo assim, S é fechado para a operação
de G e também para a inversão, isto é, o inverso de um elemento de S está em
S . Dessa forma, as condições para que S seja um grupo são satisfeitas, logo S é
subgrupo de G .
EXEMPLOS:
1. Com a mesma notação do exemplo 4 do tópico 1 (caso particular 1),
temos que 2 3= { , , , }Is s s s e = { , }It t são subgrupos de 4S . Temos ainda
que 2 3 2 3, = { , , , , , , , }Is t s s s t st s t s t também é subgrupo de 4S . Exercício:
verifique todas essas afirmações.
2. Repetindo ainda as notações
estabelecidas na seção 1, temos que
{ }( ) ( )| det 1n nSL A M A= Î =R R é
subgrupo de ( )nGL R . Para verificar isso,
usamos o Lema 1 da seguinte forma: se Ié a matriz identidade n n´ , então det 1I = ,
logo ( )nSL ¹ÆR , ou seja, vale a condição
1 do Lema 1. Se , ( )nA B SLÎ R , então 1 1 1det( ) det( )det( ) det( )det( ) 1 1 1AB A B A B- - -= = = × =
logo 1 ( )nAB SL- Î R e vale a condição 2 do Lema 1. Isso mostra que ( )nSL R é
subgrupo de ( )nGL R .
Notação: se S é subgrupo de G , denotamos S G£ .
A interseção de subgrupos é um subgrupo. Essa afirmação tem verificação
imediata usando-se o Lema 1 e a deixamos para você, aluno(a).
Dado um subconjunto Y GÌ , o menor subgrupo de G (em relação à
inclusão) que contém o subconjunto Y é
Y S
Y SÌ
=
at e n ç ã o !
A notação SL significa “special linear”, que, em
inglês, quer dizer linear especial.
17AULA 1 TÓPICO 2
onde a interseção é tomada sobre todos os
subgrupos de G que contêm Y . Chamamos esse
subgrupo de subgrupo gerado por Y . Estamos
particularmente interessados no caso em que Y
é finito e Gé abeliano. Nesse caso é possível obter
um descrição mais precisa de Y , dada pelo
próximo lema. Antes, é conveniente estabelecer
a seguinte notação: se G é um grupo, y GÎ e
ZaÎ , então
1 1
> 0= 1 = 0
< 0
y y sey se
y y se
a
aaa- -
ìïïïïíïïïïî
onde os “produtos”’ acima são a operação do grupo G repetida | |a vezes.
Lema 2: Se 1= { , , }nY y y é subconjunto de um grupo abeliano G , então 1
1= { | } .nn iY y yaa a Î Z
Neste caso, dizemos que Y é abeliano finitamente gerado e denotamos
1= , , nY y y .
Demonstração:
Por definição, Y é a interseção de todos
os subgrupos de G que contêm Y . Chamemos
de S o conjunto 11{ | }n
n iy y Zaa a Î . Queremos
mostrar que =S Y . Primeiro, mostremos que
S é um subgrupo de G . Temos que S¹Æ ,
pois iy SÎ , para cada { 1, , }i nÎ . Se 1
1= nna y yaa
e 11= n
nb y ybb são elementos de
S , então 1 1 11= n n
nab y y Sa ba b --- Î
. Pelo Lema 1, S G£ . Como Y SÌ , temos que
S G . Por outro lado, se S¢ é um subgrupo de G tal que 1, , ny y S¢Î , então 1
1n
ny y Saa ¢Î , para quaisquer 1, , n Za a Î , logo S S¢Ì . Consequentemente, S
está contido na interseção de todos os S¢ , isto é, G¢ . Isso conclui a demonstração.
Um subgrupo S G£ é chamado cíclico se =S y , isto é, se S é
gerado por um único elemento y . Neste caso, S tem o seguinte aspecto:
at e n ç ã o !
No caso em que o grupo G não é abeliano, temos
{ }11 |n i iY x x n ex Y ou x Y-= Î Î Î N ,
ou seja, =S SG G é o conjunto dos produtos
finitos de elementos que pertencem a Y ou cujo
inverso pertence a Y .
at e n ç ã o !
Se Y é infinito, então {Y = , ou seja, Y
é o conjunto dos produtos finitos de potências
inteiras de elementos de Y .
18 Est ru tu ras A lgébr icas
{ }2 11, , , , mS y y y y -= = , onde 1 GÎ é o elemento neutro do grupo e mÎN é
o menor número natural tal que = 1my .
Se G é um grupo com um número finito de elementos, dizemos que G é um
grupo finito. O número de elementos de G é chamado ordem de G e é denotado
por | |G ou #( )G . Caso o número de elementos de G seja infinito, dizemos que G
é um grupo infinito. As mesmas nomenclaturas valem para subgrupos. Note-se
que um grupo infinito pode ter subgrupos finitos.
EXEMPLOS:
1. O grupo *( , )C × é infinito, mas o
subgrupo 2 1= { 1, , , , }nnR w w w -
, onde 2
=i
nep
w ,
é finito e cíclico (verifique que nR é, de fato, um
subgrupo de *C ).
2. ( , )Z + é um grupo cíclico infinito. Como
veremos mais adiante, esse é, essencialmente,
o único grupo cíclico infinito (isto é, qualquer
grupo cíclico infinito é “isomorfo” ao grupo
aditivo Z ).
3. O grupo { }0,1,2,3=4Z , com a operação
soma módulo 4, é cíclico de ordem 4.
4. O grupo 2 2Z Z´ , com operação ( , ) ( , )= ( , )a b c d a c b d+ + + , tem ordem
quatro e não é cíclico. Ele é chamado Vierergruppe, ou grupo de Klein.
Dado um grupo finito G e fixado um subgrupo S G£ , dizemos que dois
elementos ,a b GÎ são equivalentes (em relação a S ), e indicamos a bº , se 1a b S- Î . A relação º satisfaz
1. a aº , para todo a GÎ .
2. Se ,a b GÎ e a bº , então b aº .
3. Se , ,a b c GÎ , a bº e b cº , então a cº .
Isso significa que º é uma relação de equivalência. Como Sé subgrupo,
temos que 1 SÎ , logo 1 1a a S- = Î , o que significa a aº . Se a bº então 1a b S- Î .
Como S é subgrupo de G , 1a b S- Î implica que 1 1 1( )b a a b S- - -= Î , logo b aº .
Finalmente, se a bº e b cº , então 1a b S- Î e 1b c S- Î , logo
s a i b a m a i s !
Felix Klein é mais conhecido por seu trabalho
em geometria não-euclidiana, por seu trabalho
sobre as conexões entre a geometria e teoria de
grupo e para os resultados em teoria de função.
Mais informações: http://www.learn-math.info/
portugal/historyDetail.htm?id=Klein
19AULA 1 TÓPICO 2
1 1 1= ( )( )a c a b b c S- - - Î
pois S G£ . Assim, a cº .
As classes de equivalência relativas a º são
= { | } =a x G a xÎ º 1{ | } .x G a x S-Î Î
Se aS denota o subconjunto { | }ay y SÎ , então 1a x S- Î é equivalente a
x aSÎ . Dessa forma, temos =a aS, ou seja, as classes laterais relativas a º são
exatamente os subconjuntos do tipo aS, com a GÎ . Chamamos esses subconjuntos
de classes laterais de S à esquerda em G . Sobre as classes laterais temos dois
fatos relevantes:
1. =aS bS se e somente se a bº .
2. G é a união de todas as classes laterais de S .
De fato, a bº é equivalente a 1a b S- Î , isto é, b aSÎ . Como a bº implica
b aº , temos também a bSÎ , logo =aS bS (por quê?). Reciprocamente, =aS bS
implica que =ax by , com ,x y SÎ , logo 1 1=a b xy S- - Î , pois S é subgrupo.
Portanto, a bº .
Para a afirmação 2, basta notar que, dado a GÎ , = 1a a aS× Î .
Importante: Note que todo cuidado foi tomado ao operar com elementos
de G , considerando o fato de a operação dada não ser necessariamente comutativa.
Existe outra relação de equivalência em G dada por 1 .a b ab S-º Û Î
Para uma relação dada desse modo, as classes de equivalência que surgem
são do tipo Sa , com a GÎ . São por isso chamadas de classes laterais de S à
direita em G .
Vamos denotar por SG o conjunto formado pelas classes laterais de S à
esquerda em G e SG o conjunto formado pelas classes laterais de S à direita em
G . Observemos que esses conjuntos não são necessariamente iguais. Mais adiante,
introduziremos uma restrição sobre S de modo a que esses conjuntos coincidam.
Apesar de não serem iguais, os conjuntos SG e SG têm a mesma cardinalidade,
isto é, vale o resultado abaixo:
20 Est ru tu ras A lgébr icas
Lema 3 Existe uma função bijetiva entre SG e SG , dada por 1aS Sa- , para
todo a GÎ .
Demonstração:
Essa função está bem definida, pois, se =aS bS, então 1a b S- Î , logo 1 1a Sb- -Î e 1 1=Sa Sb- - . A sobrejetividade dessa função é clara. Quanto à
injetividade, se aS e bS têm a mesma imagem, então 1 1=Sa Sb- - , logo 1a b S- Î ,
donde b aSÎ e =bS aS.
Em particular, se SG é finito, então SG também é finito e ambos têm o
mesmo número de elementos. Esse número de elementos é chamado de índice de
S em G e denotado por ( : )G S . Quando SG (e, consequentemente, SG ) é infinito,
dizemos que o subgrupo S tem índice infinito em G e denotamos ( : )=G S ¥ .
Um grupo G pode ser infinito, com um subgrupo S G£ também infinito,
mas com ( : )G S finito:
EXEMPLO:
Se *=G R , com o produto de números reais e 2=S R é o subgrupo formado
pelos quadrados dos elementos de *R , então ambos são infinitos, mas * 2( : )= 2R R .
De fato, dado um número real não nulo x , temos > 0x ou < 0x . No primeiro
caso, 2x RÎ e no segundo caso 2x R- Î . Logo, 2R tem apenas duas classes laterais
em *R .
Chegamos ao nosso teorema importante:
Teorema 4 (Lagrange): Se G é um subgrupo finito, então a ordem de um subgrupo
de G divide a ordem de G .
Demonstração:
Seja | | =G n e | | =S d . Podemos escrever 1= mG a S a SÈ È onde duas
classes laterais iaS e ja S são disjuntas, isto é, se i j¹ , então =i jaS a SÇ Æ . Além
disso, a função iS aS® , dada por is as , é bijetiva, logo | | =| |iaS S , para todo
{ 1, , }i mÎ .
21AULA 1 TÓPICO 2
Assim, a união acima é uma divisão de um conjunto com n elementos em
m partes iguais de d elementos. Logo =n m d× o que implica que d divide n .
ExEmplo:
Como aplicação do Teorema de Lagrange, vamos mostrar que, se um grupo
tem um número primo de elementos, então seus únicos subgrupos são os triviais.
De fato, seja G um grupo com | | =G p , onde pé um número primo. Se Sé um
subgrupo de G com | | =S d , pelo Teorema de Lagrange, d é um divisor de p .
Como p é primo, só admite como divisores 1 ou p . Assim, 1d= ou d p= . Se
1d= , então { }S e= e, se d p= , então S G= , pois, nesse caso, S possui o mesmo
número de elementos de G . Portanto, G possui apenas subgrupos triviais.
Nesse segundo tópico, vimos como identificar os subconjuntos de um
grupo que também são grupos, com a mesma operação do grupo, e chamamos tais
subconjuntos de subgrupos. Vimos ainda o importante Teorema de Lagrange, que
fornece uma relação de divisibilidade entre as ordens do grupo e de seus subgrupos.
Encerramos, assim, nossa primeira aula. Na próxima aula, continuaremos o
estudo de grupos, mostrando como construir grupos a partir de um grupo e um
subgrupo dado. Veremos que essa construção só é possível quando o subgrupo é de
um tipo especial, chamado subgrupo normal.
AT I V I D A D E S D E A P R O F U N D A M E N T O
1. Determine quais das seguintes operações são associativas:
(a) A operação
sobre Z definida por =a b a b- .
(b) A operação
sobre R definida por =a b a b ab+ + .
(c) A operação
sobre Q definida por = .5
a ba b +
(d) A operação
sobre Z Z´ definida por ( , ) ( , )= ( , )a b c d ad bc bd+ .
(e) A operação
sobre { 0}Q- definida por = aa bb
.
2. Se S G£ , mostre que a classe lateral aS é um subgrupo de G se, e somente se, = 1a , o elemento neutro
da operação de G .
22 Est ru tu ras A lgébr icas
3. Dado um grupo G , mostre que, se 2 =a a , para todo a GÎ , então G é abeliano.
4. Um grupo de ordem 8 pode conter um subgrupo de ordem 6? Por quê?
5. Seja G um grupo cuja ordem é um número primo. Mostre que esse grupo é cíclico.
6. Seja = { | 0 < 1}G x R xÎ £ . Para ,x y GÎ , defina
=x y x y x y+ - ë + û
onde, para cada a RÎ , aë û é o maior inteiro que não supera a . Mostre que x y é uma operação
binária bem definida sobre G e que ( , )G é um grupo abeliano, denominado grupo dos reais módulo 1.
7. Consideremos o conjunto A das matrizes 2 2´ com entradas reais. Recordemos que a multiplicação
de matrizes é dada por
= .a b x y ax bz ay bwc d z w cx dz cy dwæ ö æ ö æ ö+ +÷ ÷ ÷ç ç ç÷ ÷ ÷×ç ç ç÷ ÷ ÷ç ç ç÷ ÷ ÷ç ç ç + +è ø è ø è ø
Consideremos 1 1
=0 1
Mæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
e seja
= { | = } .C X A XM MXÎ
(a) Determine quais dos seguintes elementos de A estão em C:
1 1 1 1, ,
0 1 1 1æ ö æ ö÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷ç çè ø è ø
0 0 1 1 1 0 0 1, , , .
0 0 1 0 0 1 1 0æ ö æ ö æ ö æ ö÷ ÷ ÷ ÷ç ç ç ç÷ ÷ ÷ ÷ç ç ç ç÷ ÷ ÷ ÷ç ç ç ç÷ ÷ ÷ ÷ç ç ç çè ø è ø è ø è ø
(b) Prove que, se ,A B CÎ , então A B C+ Î , onde + denota a soma usual de matrizes.
(c) Prove que, se ,A B CÎ , então A B C× Î , onde × denota o produto usual de matrizes.
(d) Encontre condições sobre , , ,p q r s RÎ que determinem precisamente quando p q
Cr sæ ö÷ç ÷Îç ÷ç ÷çè ø
.
8. Seja = { 3| , }G a b a b Q+ Î .
(a) Mostre que ( , )G + é um grupo.
(b) Mostre que ( , )G´ × é um grupo.
9. Demonstre (por indução sobre n ) que, se G é um grupo, 1 1 1 1 1
1 2 1 2 1( ) = ,n n na a a a a a a- - - - --
para quaisquer 1 2, , , na a a GÎ .
10. Se 2 26 = { 1, , , , , }D a a b ab a b é o grupo diedral com 6 elementos (ou seja, o grupo de simetrias de
um triângulo equilátero), verifique que 6 3D S@ (são isomorfos).
11. Se 2 3 2 38 = { 1, , , , , , , }D a a a b ab a b a b é o grupo diedral de ordem 8 , isto é, o grupo de simetrias de
um quadrado, mostre que 8 4D S£ , mas 8 4D S¹ .
23AULA 1 TÓPICO 2
12. Seja > 2p um inteiro primo. O conjunto = {1,2, , 1}pZ p´ -
, munido do produto de classes, é
um grupo abeliano.
(a) Verifique que | | = 1pZ p´ - . Como 2p¹ , a ordem de pZ é par.
(b) Como pZ´ é um grupo, qualquer elemento de pZ´ possui um inverso. Determine o inverso
de 1p- .
(c) Mostre que o único elemento de pZ´ , diferente de 1, que é igual ao seu inverso é 1p- .
( Sugestão: supondo que ( ) ( )= 1p i p i- × - , verifique que = 1i .)
(d) Mostre que 1 2 3 1= 1p p× × - - .
(e) Usando os ítens anteriores, demonstre o Teorema de Wilson: se p é um número primo, então
( 1)! 1(mod )p p- º- . (Note que o caso = 2p é trivial.)
13. Mostre que as seguintes matrizes, com coeficientes em C , formam um grupo não abeliano G de
ordem 8 com o produto usual de matrizes:
1 00 1æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
, 1 0
0 1
æ ö- ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç - -è ø,
0 11 0
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç-è ø,
0 1
1 0
æ ö- ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç -è ø,
1 00 1
æ ö- ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç -è ø,
1 0
0 1
æ ö- - ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç -è ø,
0 11 0æ ö- ÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
, 0 1
1 0
æ ö- - ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç- -è ø.
Se 1 0
=0 1
eæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
, 1 0
=0 1
aæ ö- ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç - -è ø
e 0 1
=1 0
bæ ö- ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç -è ø
, mostre que 4 =a e,
2 2=b a e 1 3=b ab a- . Este grupo é conhecido como grupo dos quatérnios e denotado por 8Q . Verifique
ainda que podemos escrever
8 = { , , , , , , , } .Q e e a a b b ab ab- - - -
Conclua que a e b geram 8Q .
24 Est ru tu ras A lgébr icas
Olá aluno(a),
Em nossa segunda aula, estudaremos tipos especiais de subgrupos: os subgrupos
normais. Veremos que esse tipo de subgrupo nos permite construir novos grupos
formados por classes laterais, chamados grupos quocientes. Estudaremos,
também, as funções de um grupo em outro que preservam a operação de grupo,
que chamaremos de homomorfismos. Obteremos, enfim, o teorema básico que
rege o comportamento dos homomorfimos de grupos.
Objetivos
• Definir e caracterizar entre os subgrupos aqueles que são normais• Definir grupo quociente• Estudar os homomorfismos entre grupos• Obter o teorema do isomorfismo para grupos
AULA 2 Subgrupos normais e homomorfismos
25AULA 2 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Subgrupos normaisObjetivOs
• Definir e caracterizar subgrupos normais
• Definir grupo quociente
Na aula anterior, vimos que, dado um grupo G e um subgrupo
S G£ , os conjuntos formados pelas classes laterais à esquerda e
à direita, respectivamente, SG e SG , têm a mesma cardinalidade,
mas não são necessariamente iguais. Isso se deve ao fato de G não ser, em geral,
abeliano. Nosso objetivo, a seguir, é definir um tipo especial de subgrupo S G£
para o qual tenhamos =S SG G , mesmo quando Gnão é abeliano.
Um subgrupo S de um grupo G é chamado subgrupo normal se vale uma
das (logo, valem todas as) condições do seguinte lema:
Lema1 Se G é um grupo e S G£ , então são equivalentes:
1. 1aSa S- Ì , para todo a GÎ .
2. 1 =aSa S- , para todo a GÎ .
3. =aS Sa , para todo a GÎ .
4. =S SG G .
26 Est ru tu ras A lgébr icas
Demonstração:
Suponha que vale 1. Então 1aSa S- Ì ,
para todo a GÎ . Substituindo a por 1a- ,
obtemos 1 1 1( ) .a S a S- - - Ì
Como 1 1( ) =a a- - , temos 1a Sa S- Ì .
Multiplicando por a à esquerda e por 1a- à
direita, obtemos 1,S aSa-Ì
donde 1 =aSa S- , ou seja, vale 2.
Se vale 2, isto é, se 1 =aSa S- , então, multiplicando à direita por a , obtemos
=aS Sa . Logo vale 3.
Se vale 3, então toda classe lateral à esquerda é uma classe lateral à direita e
vice-versa. Assim, =S SG G , isto é, vale 4.
Finalmente, suponha que vale 4. Se a GÎ , então =S SaS G GÎ , ou seja,
existe b GÎ tal que =aS Sb . Logo, 1 1 1 1= ( ) = ( ) = ( ).aSa aS a Sb a S ba- - - -
Como =a aS SbÎ , existe x SÎ tal que =a xb e daí, 1 1=ba x S- - Î .
Portanto, 1 1= ( )aSa S ba S- - Ì , o que mostra a validade de 1.
Notação: Usamos a notação S G para indicar que S é subgrupo normal
de G .
A propriedade mais importante de um subgrupo normal é descrita no lema
a seguir.
Lema2: Se G é um grupo e S G , então =S SG G é um grupo, com operação entre
classes definida do seguinte modo:
= ( ) .aS bS ab S×
Além disso, se G é abeliano, então SG é abeliano.
Demonstração:
Primeiro, vamos mostrar que a operação dada acima está bem definida. Para
isso, suponhamos que 1=aS a S e 1=bS bS. Então 11aa S- Î e 1
1bb S- Î . Logo,
1 1 1 1 1 11 1 1 1 1 1 1( ) = ( )= ( ) .ab a b ab b a a bb a aSa- - - - - -Î
at e n ç ã o !
Se um grupo G é abeliano, então todo subgrupo
de G é normal. Para verificarmos isso, basta
observarmos o item 3 do Lema 1.
27AULA 2 TÓPICO 1
Agora, como S G ,
1 1 11 1= ( ) .
S S
aSa aSa aa SÌ Î
- - - Ì
Portanto, 11 1( )ab a b S- Î , ou seja, 1 1( ) = ( )ab S a b S. Isso mostra que a operação
definida em SG não depende da escolha dos representantes de cada uma das classes.
Vamos mostrar, agora, que SG , com a operação acima definida, é um grupo.
1. A operação é associativa: de fato, se , , SaS bS cS GÎ , então
( )= ( ) = [ ( )] = [( ) ] =aS bS cS aS bc S a bc S ab c S× × ×
= ( ) = ( ) .ab S cS aS bS cS× × ×
2. A operação possui um elemento neutro: a classe S , cujo representante
é 1 (o elemento neutro de G ) ou qualquer outro elemento de S . Basta notar que
= = ,aS S S aS aS× ×
pela definição de produto de classes.
3. Existe um inverso de cada classe: se SaS GÎ , então 1 1( ) =aS a S- - , pois 1 1= =aS a S aa S S- -×
e S é o elemento neutro de SG .
Finalmente, temos G abeliano se e somente se =ab ba , quaisquer que sejam
,a b GÎ . Logo
= ( ) = ( ) =aS bS ab S ba S bS aS× ×
e SG é abeliano. A recíproca demonstra-se de modo análogo.
Complementando o resultado acima, temos o seguinte:
Se S G , grupo SG é chamado grupo quociente de G por S e denotado
por /G S. Assim, os subgrupos normais exercem na teoria de grupos um papel
especial, pois são os subgrupos que fornecem quocientes com estrutura de grupo.
EXEMPLO:
Consideremos o grupo =G Z dos inteiros com a operação + . Como esse
grupo é abeliano,o item 3 do Lema 1 garante que todo subgrupo de Z é normal. Em
particular, se n ZÎ , > 1n , o subgrupo nZ é normal. Logo, o conjunto das classes
laterais de nZ é um grupo, com a operação ( ) ( )= ( )a nZ b nZ a b nZ+ + + + + ,
,a b ZÎ . Cada uma das classes laterias de nZ em Z corresponde a um dos possíveis
restos da divisão por n . De fato, se a ZÎ , podemos dividir a por n e escrever
=a nq r+ , onde ,q r ZÎ e 0 <r n£ ( r é o resto da divisão de a por n ). Assim,
=a r nq- , ou seja, a r nZ- Î . Logo, =a nZ r nZ+ + e, assim, toda classe lateral
é do tipo r nZ+ , com r variando entre 0 e 1n- . Usando a notação =r r nZ+
para a classe lateral representada por r , podemos escrever / = {0,1, , 1}Z nZ n- ,
28 Est ru tu ras A lgébr icas
isto é, o grupo quociente é formado pelas classes
laterais correspondentes a nZ e cada uma dessas
classes corresponde a um dos possíveis restos da
divisão por n .
Dado um subgrupo qualquer Sde um
grupo G , o conjunto de suas classes laterais
à esquerda não é, necessariamente, um grupo.
Vimos, neste tópico, que, se o subgrupo for
normal, o conjunto de suas classes laterais à esquerda (ou à direita) é um grupo,
chamado grupo quociente de Gpor S . Isso dá aos subgrupos normais um papel
central na teoria dos grupos, pois com eles podemos construir grupos novos a
partir de grupos dados.
s a i b a m a i s !
Obtenha mais informações a respeito de
subgrupos normais acessando o link:
http://www.mat.unb.br/~maierr/anotas.pdf
29AULA 2 TÓPICO 2
TÓPICO 2 Homomorfismos de gruposObjetivOs
• Definir e apresentar exemplos de homomorf-
ismo de grupos
• Definir isomorfismo e apresentar o teorema do
isomorfismo
Dados dois grupos ( , )G e ( , )H × , uma função :f G H® é chamada
homomorfismo de grupos se vale
( )= ( ) ( ).f a b f a f b×
Em outras palavras, f é um homomorfismo de grupos se preserva a operação
entre quaisquer dois elementos dos grupos.
Classificação de homomorfismos de grupos
Um homomorfismo injetor é chamado monomorfismo.
Um homomorfismo sobrejetor é chamado epimorfismo e um homomorfismo
bijetor é chamado isomorfismo.
Se há um isomorfismo entre dois grupos G e H , dizemos que eles são
isomorfos e denotamos G H@ . Dois grupos isomorfos são indistinguíveis, do
ponto de vista da teoria dos grupos.
EXEMPLOS:
1. A função : nZ Zp ® , dada por ( )=a ap , onde a indica a
classe de equivalência módulo n , é um homomorfismo entre os grupos
aditivos ( , )Z + e ( , )nZ + . De fato, basta notar que, dados ,a bÎZ , temos
( ) ( ) ( )a b a b a b a bp p p+ = + = + = + .
2. O conjunto dos números reais positivos, que indicaremos aqui
por >0R , é um grupo multiplicativo. A função >0:L R R® , dada por
30 Est ru tu ras A lgébr icas
( )= logL x x , é um homomorfismo do grupo multiplicativo >0( , )R × no grupo
aditivo ( , )R + . Mais ainda, L é um isomorfismo, isto é, >0 @R R . De fato,
( )= log( ) log( ) log( ) ( ) ( )L xy xy x y L x L y= + = + , o que mostra que L é um
homomorfismo. Além disso, sabemos, do curso de cálculo 1, que a função logarítmica
é uma bijeção entre >0R e R , logo temos que >0:L R R® é um isomorfismo.
3. A função determinante *det : ( )nGL R R® é um homomorfismo de grupos
multiplicativos. Lembremos que ( )nA GLÎ R se, e somente se, A é uma matriz
quadrada de ordem n tal que det 0A ¹ , isto é, *det AÎR . Assim, a função *det : ( )nGL R R® está bem definida. Uma vez que det( ) det( )det( )AB A B= , a
função *det : ( )nGL R R® é um homomorfismo.
A seguir, definiremos dois importantes conjuntos associados a um
homomorfismo de grupos, o seu núcleo e sua imagem, e veremos como é possível
associar a noção de homomorfismo de grupos com a de grupo quociente. Esse é o
conteúdo do Teorema 7, a seguir.
Dado um homomorfismo de grupos :f G H® , temos (1 )= 1G Hf , onde 1G
e 1H são os elementos neutros de G e H , respectivamente: por abuso de notação,
denotemos ambos por 1. Então
(1)= (1 1)= (1) (1) (1)= 1.f f f f f× × Þ
Se a GÎ , então 1 1( ) = ( )f a f a- - . De fato, 1 1 1 1( )= (1)= 1 ( ) ( )= 1 ( )= ( ) .f aa f f a f a f a f a- - - -Þ Þ
Associados a um homomorfismo de grupos :f G H® , temos os dois
seguintes conjuntos:
( )= { ( )| }Im f f x x GÎ
é a imagem de f , também denotada por ( )f G .
ker( )= { | ( )= } ,f x G f x eÎ
onde e HÎ é o elemento neutro da operação de H , é o núcleo de f .
Teorema7 (Teorema fundamental dos homomorfismos) dado um
homomorfismo de grupos :f G H® , temos:
1. ( )Im f H£ .
2. ker( )f G .
3. / ker( ) ( )G f Im f@ .
31AULA 2 TÓPICO 2
Demonstração:
Primeiramente, se 1 GÎ é o elemento neutro, então (1)= 1f HÎ , o elemento
neutro de H , logo ( )Im f ¹Æ . Dados , ( )x y Im fÎ , existem ,a b GÎ tais que
( )=f a x e ( )=f b y . Temos: 1 1 1 1= ( ) ( ) = ( ) ( )= ( ) ( ),xy f a f b f a f b f ab Im f- - - - Î
o que mostra que ( )Im f é subgrupo de H .
Por outro lado, ker( )f ¹Æ , pois (1)= 1f . Se , ker( )a b fÎ , então ( )= ( )= 1f a f b ,
logo 1 1 1( )= ( ) ( )= ( ) ( ) = 1f ab f a f b f a f b- - - e isso implica que 1 ker( )ab f- Î . Logo
ker( )f G£ . Para mostrar que esse subgrupo é normal, consideremos x GÎ e
ker( )a fÎ . Temos: 1 1 1( )= ( ) ( ) ( )= ( ) ( ) = 1,f xax f x f a f x f x f x- - -
o que mostra que 1 ker( )xax f- Î , para todo x GÎ e todo ker( )a fÎ . Pelo Lema 5,
ker( )f G .
Por simplicidade, escrevemos
= ker( )S f . Seja : / ( )F G S Im f® , dada por
( )= ( )F aS f a . A função F é sobrejetiva, pois
seu contradomínio é exatamente ( )Im f .
Para mostrarmos que F é injetiva, tomemos
, /aS bS G SÎ , tais que ( )= ( )F aS F bS .
Isso implica que ( )= ( )f a f b , ou seja, 1( )= 1f ab- . Dessa forma, 1 ker( )=ab f S- Î ,
isto é, :a b . Portanto, =aS bS e F é
também injetiva, logo é bijetiva. Além disso,
( )= ( )= ( )= ( ) ( )= ( ) ( )F aS bS F abS f ab f a f b F aS F bS× , o que mostra que F é um
homomorfismo. Sendo um homomorfismo bijetor, F é um isomorfismo.
s a i b a m a i s !
Obtenha mais informações a respeito de
Homomorfismos, acessando o link:
http://www.mat.unb.br/~maierr/anotas.pdf
AT I V I D A D E S D E A P R O F U N D A M E N T O
1. Mostre que, em um grupo abeliano, todo subgrupo é normal.
2. Mostre que o subgrupo trivial { 1} de um grupo G , formado pelo elemento neutro da operação de grupo,
é normal em G .
3. Mostre que um grupo G é abeliano se, e somente se, a função :f G G® dada por 1( )=f x x- é um
homomorfismo.
32 Est ru tu ras A lgébr icas
4. Prove que um grupo G é abeliano se, e somente se, a função :f G G® dada por 2( )=f x x é um
homomorfismo.
5. Mostre que os grupos multiplicativos { 0}R- e { 0}C- não são isomorfos.
6. Sejam = {0,1, , 1}nZ n- e = { | = 1}nnR z C zÎ . Verifique que ( , )nZ + e ( , )nR × são grupos
isomorfos. ( Sugestão: exiba um homomorfismo bijetor : n nZ Rf ® ).
7. Seja V um espaço vetorial de dimensão n sobre R e 1{ , , }nv v
um conjunto de vetores linearmente
independentes em V .
(a) Verifique que o conjunto V com a adição de vetores é um grupo abeliano.
(b) Se { 1, , }t nÎ e 1 1= { | }t t t tV n v nv n Z+ Î
, mostre que
1 2 1{ 0} = ,n nV V V V V-£ £ £ £ £
onde ̀ `£ ’’ indica ̀ `subgrupo de’’. Dizemos que tV é gerado por 1, , tv v
e indicamos 1= , , tV v v
.
(c) Seja 2= = { ( , )| , }V R x y x y RÎ , com a soma definida por ( , ) ( , )= ( , )x y x y x x y y¢ ¢ ¢ ¢+ + + .
Represente os subgrupos 1 = (1,0),(0,1)S e 2 = (2,0,),(1,1)S graficamente.
(d) Considere em 2R a relação º definida por
1( , ) ( , ) ( , ) ( , )a b c d a b c d Sº Û - Î(veja o item anterior). Verifique que º é uma relação de equivalência.
(e) Denote por 1T o conjunto das classes de equivalência de º , isto é, 21 = { ( , )| ( , ) }T a b a b RÎ .
Verifique que a soma de classes
( , ) ( , )= ( , )a b c d a c b d+ + +está bem definida. 1( , )T + é um grupo?
8. Seja G o grupo multiplicativo de todas as matrizes n n´ não singulares (isto é, matrizes com determinante
diferente de zero). Mostre que o conjunto das matrizes com determinante igual a 1 é um subgrupo normal
de G .
Seja G um grupo cíclico de ordem n , ou seja, =G a , onde = 1na e 1ka ¹ , se 1 1k n£ £ - . Considere
a função :f Z G® dada por ( )= nf n a .
(a) Mostre que f é um homomorfismo sobrejetor.
(b) Determine o núcleo de f .
(c) Use o teorema dos isomorfismos para mostrar que ; nG Z (isto é, todo grupo cíclico finito é isomorfo
a nZ onde =| |n G ).
9. Refaça a questão anterior, supondo agora que G é cíclico infinito. Conclua que todo grupo cíclico infinito
é isomorfo a Z .
10. Seja G um grupo e a GÎ fixado. Defina :f G G® pondo 1( )=f x axa-. Mostre que f é um
isomorfismo (chamamos um isomorfismo deste tipo de conjugação).
11. Mostre que um subgrupo H de G é normal se e somente se ( )f H HÌ , para toda conjugação f de
G (veja o exercício anterior).
33AULA 2 TÓPICO 2
12. Dados ,a b GÎ , o comutador de a e b é o elemento 1 1a b ab G- - Î , denotado por [ , ]a b . O subgrupo
dos comutadores de G é definido como o subgrupo de G gerado pelos [ , ]a b , ou seja,
= { [ , ]| , } .G a b a b G¢ Î
(a) Mostre que G G¢ (sugestão: use a questão anterior).
(b) Mostre que, se H G , então /G H é abeliano se e somente se G H¢ Ì .
(c) Mostre que, se H G£ e G H¢ Ì , então H G .
34 Est ru tu ras A lgébr icas
Olá aluno(a),
Iniciaremos, nesta aula, o estudo de nossa segunda estrutura algébrica, que é a
estrutura de anel. A estrutura de anel é importante, pois generaliza a aritmética dos
conjuntos numéricos. Assim, os conjuntos dos números inteiros, dos racionais,
dos reais ou dos complexos, são exemplos de anéis. Conjuntos de matrizes, de
funções e de polinômios também formam anéis.
Depois de estudarmos a definição e uma série de exemplos de anéis, seguiremos
uma trajetória similar àquela que traçamos para grupos, ou seja, estudaremos os
subanéis, e certos subanéis especiais, chamados ideais, que serão importantes na
aula 4, para construirmos anéis de classes de equivalências, assim como fizemos
para os grupos.
Daremos especial atenção aqui aos ideais primos e maximais e explicaremos
como ambos são generalizações na noção de número inteiro primo.
Objetivos
• Definir e estudar exemplos de anéis• Compreender as noções de subanel e ideal• Reconhecer os ideais primos e maximais
AULA 3 Anéis, subanéis e ideais
35AULA 3 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Definição e exemplosObjetivOs
• Compreender o conceito de anéis e reconhecer seus
exemplos
• Observar alguns casos especiais de anéis, em particular,
os corpos e os domínios de integridade, identificando
exemplos
• Obter algumas propriedades básicas da estrutura de anel
A ideia de se estudar uma estrutura algébrica é obter resultados
que valham no contexto mais geral possível e que englobem
exemplos importantes. Essa ideia é bem ilustrada pelo estudo de
anéis. Por exemplo, veremos nessa aula e nas aulas que se seguem, que a estrutura
algébrica subjacente ao conjunto dos números inteiros é exatamente a mesma
que rege o comportamento operatório dos polinômios em uma indeterminada
com coeficientes complexos, a saber, a estrutura de domínio euclidiano (veremos
isso nas aulas 5 e 6). Assim, vale a pena estudar os dois casos de modo unificado,
obtendo resultados que valham para ambos. Veremos, neste tópico, que um anel
é um conjunto não-vazio com duas operações cujas propriedades básicas também
devem ser apresentadas pela soma e pelo produto de números. No entanto, um anel
é uma estrutura abstrata, que pode ser contituída
de elementos com natureza bem diferente da dos
números.
Um conjunto A onde estão definidas duas
operações binárias : A A A+ ´ ® e : A A A× ´ ® ,
que denominamos, respectivamente, soma
e produto, é chamado anel associativo, ou
simplesmente anel se as seguintes condições são
verificadas:
at e n ç ã o !
Se Y é infinito, então (y)={, ou seja, (y) é o
conjunto dos produtos finitos de potências
inteiras de elementos de Y .
36 Est ru tu ras A lgébr icas
1. A soma é associativa:
( ) = ( )a b c a b c+ + + + , quaiquer que
sejam , ,a b c AÎ .
2. A soma é comutativa: =a b b a+ + ,
para quaisquer ,a b AÎ .
3. Existe elemento neutro para a soma:
existe e AÎ tal que = =e a a e a+ + ,
para todo a AÎ .
4. Existe elemento inverso para a
soma: dado a AÎ , existe b AÎ tal que
= = 0a b b a+ + .
5. O produto é associativo: para quaisquer
, ,a b c AÎ , ( )= ( )a b c a b c× × × × .
6. Vale a propriedade distributividade: para quaisquer , ,a b c AÎ ,
( )=a b c a b a c× + × + × e ( ) =b c a b a c a+ × × + × .
No nosso curso trabalharemos com
anéis para os quais valem algumas condições
adicionais. Esses anéis recebem nomes especiais,
como descrito abaixo.
7. Um anel A é dito comutativo se
o produto é comutativo: =a b b a× × ,
quaisquer que sejam ,a b AÎ .
8. Um anel A é dito anel com unidade se
vale o seguinte: existe elemento neutro
para o produto: existe u AÎ tal que
= =a u u a a× × , para todo a AÎ .
Observação: demonstra-se, de modo análogo ao que foi feito no item 3
acima, que esse elemento neutro é único. Usamos a notação 1 para o elemento
neutro do produto em A .
9. Um anel comutativo com unidade A é chamado domínio de integridade,
ou simplesmente domínio, se vale a seguinte condição:
se ,a b AÎ e = 0a b× , então = 0a ou = 0b .
at e n ç ã o !
O elemento inverso aditivo de um elemento
a AÎ é único. De fato, se ,b b A¢ Î são tais que
= 0=a b b a¢+ + , então
= 0= ( )=( ) = 0 =
b b b a bb a b b b
¢ ¢ ¢+ + +
¢= + + +.
Esse único elemento inverso aditivo de a é
chamado de simétrico de a e denotado por a- .
g u a r d e b e m i s s o !
Podemos resumir as condições 1 a 4, dizendo que
o conjunto A , com a operação de soma, é um
grupo abeliano. No caso em que A é um corpo,
{ 0}A- também é um grupo abeliano.
37AULA 3 TÓPICO 1
10. Um anel comutativo com unidade A é chamado corpo se vale a existência
de inverso para o produto: dado a AÎ , 0a¹ , existe b AÎ tal que
= = 1a b b a× × . Observação: é possível demonstrar que esse elemento inverso
b AÎ é único. Usamos a notação 1a- .
EXEMPLOS:
1. O conjunto 2(R)= | , , , Ra b
M a b c dc d
ì üæ öï ïï ï÷ç ÷ Îíç ý÷ç ÷çï ïè øï ïî þ, com a soma e o produto
de matrizes, é um anel associativo com unidade 1 0
1=0 1æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
, mas não é
comutativo. O anel 2(R)M também não é domínio de integridade, pois, por
exemplo, 0 1 1 0 0 0
00 0 0 0 0 0æ ö æ ö æ ö÷ ÷ ÷ç ç ç÷ ÷ ÷× = =ç ç ç÷ ÷ ÷ç ç ç÷ ÷ ÷ç ç çè ø è ø è ø
.
2. O conjunto dos inteiros pares 2Z= { 0, 2, 4, 6, }± ± ± é um anel comutativo
sem elemento unidade.
3. O conjunto Z dos inteiros, com a soma e o produto usuais de inteiros,
é um domínio de integridade, mas não é corpo, pois, por exemplo, 2 ZÎ ,
2 0¹ , mas não existe ZbÎ tal que 2 = 1b .
4. Q , R e C são corpos.
5. O conjunto 6Z = {0,1,2,3,4,5} munido da soma e do produto módulo 6 é
um anel comutativo com unidade, mas não é um domínio. De fato, 2 0¹ ,
3 0¹ e 2 3= 0× (módulo 6).
6. Se ZaÎ é um inteiro livre de quadrados, ou seja, se a não é divisível pelo
quadrado de um inteiro, então Z[ ]= { | , Z}a b a ba a+ Î é, com a soma e
o produto de números reais, um domínio. De fato, se a b a+ e c d a+
são elementos de Z[ ]a , então ( ) ( )= ( ) ( )a b c d a c b da a a+ + + + + +
e ( )( )= ( ) ( )a b c d ac bd ad bca a a a+ + + + + são elementos de Z[ ]a .
As condições 1,2,5, 6 e 7 da definição de anel são válidas porque são
válidas em R e Z[ ] Ra Ì . O elementos neutro 0 RÎ pode ser escrito como
0= 0 0 Z[ ]a a+ Î , logo vale a condição 3. Dado Z[ ]a b a a+ Î , o seu
inverso aditivo ( )= ( )a b a ba a- + - + - também é um elemento de Z[ ]a ,
logo vale a condição 4. A condição 8 é válida porque a unidade 1 RÎ pode
ser escrita como 1= 1 0 a+ , logo é um elemento de Z[ ]a . Finalmente, se
( )( )= 0a b c da a+ + , então ( ) ( ) = 0ac bd ad bca a+ + + , o que implica que
= 0ac bda+ e = 0ad bc+ . Dessas duas últimas equações, podemos concluir que
= 0a b a+ ou = 0c d a+ . Logo, vale a condição 9 e Z[ ]a é um domínio de
integridade.
38 Est ru tu ras A lgébr icas
7. Se QaÎ é livre de quadrados, isto é, se pode ser escrito como uma
fração onde numerador e denominador são inteiros livres de quadrados,
então Q[ ]= { | , Q}a b a ba a+ Î é um corpo. As condições de 1 até 8 da
definição de anel podem ser verificadas de modo análogo ao do exemplo
anterior. Quanto à condição 10, basta notarmos que
12 2 2 2( ) = ,a ba b
a b a ba a
a a-+ -
- -
o que mostra que todo elemento não-nulo de Q[ ]a tem um inverso em
Q[ ]a .
8. Considere A um anel comutativo com unidade e
0 1[ ]= { | N, }nn iA x a a x a x n a A+ + + Î Î o conjunto dos polinômios com
coeficientes em A . Com a soma e o produto de polinômios, o conjunto [ ]A x
torna-se um anel comutativo com unidade.
Teorema1: Todo corpo é um domínio de integridade.
Demonstração:
Se A é um corpo e ,a b AÎ são tais que = 0a b× e 0a¹ , então existe 1a A- Î tal que 1 = 1a a- . Logo, multiplicando = 0a b× por 1a- , obtemos 1 ( )= 0a a b- × × , logo 1( ) = 0a a b- × × , isto é, = 0b .
A recíproca do Teorema acima não é válida, pois Z é um domínio de
integridade que não é corpo.
Coletamos, a seguir, algumas propriedades básicas dos anéis que seguem
diretamente da definição de anel.
Teorema2 Seja A um anel. Então, para , ,a b c AÎ , temos:
1. 0= 0 = 0a a .
2. ( )= ( )= ( )a b ab a b- - - .
3. ( )=a b c ab ac- - e ( ) =a b c ac bc- -
Demonstração:
1. 0= (0 0)= 0 0a a a a+ + , logo 0 ( 0)= 0a a a+ - e, portanto, 0= 0a .
Analogamente, 0 = 0a .
39AULA 3 TÓPICO 1
2. 0= 0= ( ( ))= ( )a a b b ab a b+ - + - , logo ( )=a b ab- - . Analogamente,
( ) =a b ab- - .
3. ( )= ( ( ))= ( )=a b c a b c ab a c ab ac- + - + - - . Analogamente,
( ) =a b c ac bc- - .
Seja 1, , na a uma sequência de elementos de um anel A . Definimos o
produto desses elementos indutivamente, pondo:
1
1=1
= ,ii
a aÕ
1
=1 =1= ,
k k
i i ki i
a a a-æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷è øÕ Õ
para todo k , 2 k n£ £ .
O símbolo =1
kii
aÕ indica o produto de 1 ka a e é denominado produtório.
Uma propriedade básica dos produtórios é a seguinte:
=1 =1 =1= .
m n m n
i i ii i i
a a a+æ ö æ ö÷ ÷ç ç×÷ ÷ç ç÷ ÷ç ç÷ ÷è ø è øÕ Õ Õ
Essa propriedade é conhecida como lei da associatividade generalizada
e significa, simplesmente, que, em um produtório, os parênteses podem ser
livremente manipulados sem que o produto se altere.
Se n é um número inteiro positivo, então na e na significam, respectivamente,
a soma e o produto de a , repeditas n vezes, ou seja,
= ,n
na a a+ +
= .n
na a a
De modo análogo, ( ) = ( ) ( )n
n a a a- - + + -
e, caso exista o inverso 1a- de a
em A , 1 1= ( ) ( )n
na a a- - -
. Se m e n são inteiros positivos e a e b são elementos
de um anel, temos:
1. =m n m na a a + .
2. ( ) =m n mna a .
3. = ( )ma na m n a+ + .
4. ( )= ( ) = ( )m na mn a n ma .
5. ( )( )= ( ) = ( )( )ma nb mn ab na mb .
40 Est ru tu ras A lgébr icas
Encerramos aqui este primeiro tópico sobre anéis, em que estudamos a
definição de anel, vimos que domínios de integridade e corpos são tipos especiais
de anéis comutativos com unidade, e vimos também que todo corpo é domínio
de integridade. Além disso, tivemos a oportunidade de exibir alguns exemplos
importantes de anéis e verificar a validade das propriedades básicas das operações
de soma e produto em um anel, decorrentes diretamente da definição.
41AULA 3 TÓPICO 2
TÓPICO 2 Subanéis e ideaisObjetivOs
• Definir e exibir exemplos de subanéis
• Conceituar ideais
Neste tópico, estudaremos subconjuntos de um anel que, com
as mesmas operações do anel, são também um anel. Esses
subconjuntos são chamados subanéis. Vamos também definir
ideais, que são os subanéis adequados para a construção de anéis quociente, em
analogia com os subgrupos normais, estudados na aula anterior.
Seja A um anel. Um subconjunto não-vazio S AÌ é dito subanel de A
se S , com as mesmas operações de A , for um anel, não necessariamente com
unidade. Se o subanel S de A contiver a unidade de A , diremos que S é um
subanel unitário de A .
Lema3: Dado um anel A e um subconjunto não-vazio S AÌ , S é um subanel se,
e somente se, valem as seguintes condições, para quaisquer ,a b SÎ :
1. a b S- Î e
2. ab SÎ .
Demonstração:
Se S é um subanel de A , então as condições 1 e 2 são consequências da
definição de anel. Reciprocamente, suponhamos que valem as condições 1 e 2. A
condição 2 nos diz que o produto de dois elementos de S pertence a S , logo
42 Est ru tu ras A lgébr icas
podemos restringir o produto de A a S . A
associatividade e a comutatividade da soma e
do produto, e também a distributividade, valem
em S porque valem em A e S AÌ . Precisamos
mostrar que o elemento neutro da soma 0 AÎ
pertence, de fato, a S . Como S não é vazio, existe
a SÎ . Pela condição 1, temos 0= a a S- Î ,
como queríamos demonstrar. Mais ainda, se
a SÎ , então = 0a a S- - Î , novamente pela
condição 1. Finalmente, dados ,a b SÎ , temos
= ( )a b a b S+ - - Î , logo podemos restringir a
soma de A ao subconjunto S .
Se X é um subconjunto de um anel A ,
o menor subanel de A que contém X é
chamado subanel gerado por X . Dada uma
família ( )Sl lÎL de subanéis de um anel A ,
temos que a interseção =S Sl lÎLÇ é um
subanel de A . De fato, se ,a b SÎ , então
,a b SlÎ , para todo lÎL , logo, pelo Lema
3, a b Sl- Î e ab SlÎ , para todo lÎL .
Assim, a b S- Î e ab SÎ e, novamente pelo Lema 3, S é subanel de A . Dessa
forma, podemos concluir que o subanel gerado por um subconjunto de um anel A
é a interseção de todos os subanéis de A que contêm X .
EXEMPLOS:
1. Z é subanel unitário de Q .
2. Seja [0,1]F o anel formado por todas as funções : [0,1] Rf ® , com a soma
e o produto dados, respectivamente, por
( )( )= ( ) ( ),f g t f t g t+ +
( )( )= ( ) ( ).fg t f t g t
Seja [0,1]C o subconjunto de [0,1]F formado por todas as funções contínuas
de [0,1] em R. Como a diferença e o produto de funções contínuas são funções
contínuas, vemos que [0,1]C é subanel de [0,1]F . Além disso, como a função
at e n ç ã o !
A condição 1 do Lema 3 coincide com uma das
condições para que um subconjunto de um
grupo seja um subgrupo. A diferença é apenas na
notação: a b- é o análogo de 1ab- se a operação
de produto for substituída pela de soma.
g u a r d e b e m i s s o !
O subconjunto { 0} formado pelo elemento
neutro da soma em um anel A é um subanel
de A . De fato, se , { 0}a bÎ , então = = 0a b
e = 0 { 0}a b- Î , = 0 { 0}ab Î . Pelo Lema 3,
{ 0} é subanel de A .
43AULA 3 TÓPICO 2
constante 1: [0,1] R® , dada por 1( )= 1t , para todo [0,1]t Î , é contínua, o subanel
[0,1]C é unitário.
3. O subconjunto 2Z ZÌ , formado pelos inteiro pares, é um subanel do anel
Z que não é unitário. De fato, 1 ZÎ , sendo ímpar, não pertence a 2Z.
4. 6= {0,2,4} ZS Ì é subanel de 6Z , o que pode ser verificado de modo direto
usando-se o Lema 3.
Dado um anel A , se existe um inteiro
positivo m tal que 1= 0m× em A , então existe
um inteiro positivo mínimo n tal que 1= 0n× .
Esse inteiro positivo mínimo é chamado
característica do anel A . Se não existe inteiro
positivo m tal que 1= 0m× , dizemos que o anel
A tem característica zero. Usamos a notação
car( )A para a característica de A .
EXEMPLO:
Em Z, 1= 0m× implica que = 0m , logo
não existe inteiro positivo m tal que 1= 0m× ,
o que mostra que car(Z)= 0 . Por outro lado, se ZnÎ , > 1n , no anel Zn das classes
de equivalência módulo n , temos 1= = 0n n× e n é o menor inteiro positivo
satisfazendo essa igualdade. Logo, car(Z )=n n . No caso em que A é um domínio,
temos o seguinte resultado.
Teorema4 Seja D um domínio. Então a carcterística de D é igual zero ou a um
número primo.
Demonstração:
Seja = car( )n D . Se = 0n , nada há a demonstrar. Vamos mostrar que, se
0n¹ , então n é um número primo. De fato, se 1 KÎ é a identidade, então 1= 0n×
e n é o menor inteiro positivo que satisfaz essa igualdade. Se n não fosse primo,
então poderíamos escrever =n ab , com , Za bÎ e 1< <a n e 1< <b n . Assim
1= 0n× implicaria ( ) 1= 0ab × , ou seja, ( 1)( 1)= 0a b× × . Como D é domínio, essa
última igualdade implicaria 1= 0a× ou 1= 0b× , o que iria contra a minimalidade
at e n ç ã o !
Se =X Æ , então o subanel S gerado por X é
a interseção de todos os subanéis de A . Como
{ 0} é um subanel de A , temos, em particular,
que { 0}SÌ , logo = { 0}S , ou seja, o subanel
gerado pelo conjunto vazio é o subanel { 0} .
44 Est ru tu ras A lgébr icas
de n . Assim, não é possível obter-se uma decomposição de n como produto de
fatores menores do que n , o que mostra que n é primo.
Vamos, agora, definir o importante conceito de ideal. O estudo de ideais
começou com os trabalhos de Kronecker e Dedekind em meados do século XIX,
em conexão com estudo da unicidade da fatoração de um número como produto
de primos anéis mais gerais do que o anel dos inteiros. Com o passar do tempo, a
noção de ideal mostrou-se central na teoria dos anéis e encontrou aplicações em
geometria, teoria dos números e análise.
Um subconjunto não-vazio I de um anel (comutativo com unidade) A é
chamado ideal de A se valem as seguintes condições:
1. Se ,a b IÎ , então a b I- Î .
2. Se a IÎ e AaÎ , então a Ia Î .
Note que, pelo Lema 3, todo ideal é um subanel. Mas nem todo subanel é
um ideal, visto que a condição 2 exige que o produto de um elemento a IÎ por
qualquer elemento AaÎ esteja em I . Mais explicitamente, podemos exibir como
exemplo o subanel Z de R. É claro que, se RaÎ e ZaÎ , o produto aa não
pertence, necessariamente, a Z. Basta considerar, por exemplo, = 2a .
Exemplos:
1. Todo subanel do anel Z é um ideal de Z. Para verificar isso, basta notar
que, se S é subanel de Z, a SÎ e ZnÎ , então
> 0= 0 = 0
( ) ( ) < 0
a a se nna se n
a a se n
ì + +ïïïïíïï - + + -ïïî
Em qualquer um dos três casos, na SÎ , logo S é um ideal de Z.
2. Dado um anel A , os subconjuntos { 0} e A são ideais de A , chamados
ideais triviais de A . Se I é um ideal não trivial de A , então I é dito ideal
próprio de A .
Teorema5 Seja A um anel comutativo com unidade 1 AÎ .
1. Se I é um ideal de A e 1 IÎ , então =I A .
2. Se A é um corpo, os únicos ideais de A são { 0} e A .
45AULA 3 TÓPICO 2
Demonstração:
1. Se I AÌ é um ideal de A e 1 IÎ , então para cada AaÎ , = 1 Ia a × Î ,
ou seja, A IÌ , logo =I A .
2. Seja I AÌ um ideal de um corpo A e suponha que { 0}I ¹ . Então existe
a IÎ , 0a¹ . Como A é um corpo, 0a¹ implica que existe AaÎ tal que = 1aa .
Isso implica que 1= a Ia Î e, pelo item 1, =I A .
Dados 1, , na a AÎ , o conjunto
1 1 1( , , )= { | }n n n ia a a t a t t A+ + Î
é um ideal de A , chamado ideal gerado por 1, , na a . De fato, dados
1, ( , , )nx y a aÎ e AaÎ , temos que 1 1= n nx a t a t+ + e 1 1= n ny a u a u+ + ,
com ,i it u AÎ . Logo, 1 1 1 1= ( ) ( ) ( , , )n n n nx y a t u a t u a a- - + + - Î
e
1 1 1= ( ) ( ) ( , , )n n nx a t a t a aa a a+ + Î .
Um ideal gerado por um número finito de elementos é chamado ideal
finitamente gerado. Um ideal gerado por um único elemento, ou seja, um ideal
do tipo
( )= = { | }a aA at t AÎ
é chamado ideal principal de A .
Encerramos, aqui, nosso segundo tópico, sobre subanéis e ideais. Vimos
sua definição, alguns exemplos e alguns resultados básicos sobre subanéis e ideais
em anéis comutativos com unidade. No próximo tópico, estudaremos dois tipos
especiais de ideais: os primos e os maximais.
46 Est ru tu ras A lgébr icas
A seguir, iremos definir dois tipos importantes de ideais, os ideais
primos e os ideais maximais. Ambos generalizam a noção de
número primo, como veremos a seguir.
Seja A um anel (comutativo com unidade) e seja P um ideal de A . Dizemos
que P é um ideal primo se
a b ab a b, ∈ ∈ ⇒ ∈ ∈Ae P Pou P
Seja A um anel (comutativo com unidade) e seja M um ideal de A . Dizemos
que M é um ideal maximal se
= = .I ideal deA e M I I M ouM AÌ Þ
A própria definição de ideal maximal justifica seu nome. De fato, um ideal é
maximal quando não está contido em ideal próprio algum de A . Já o nome ideal
primo é justificado pelo exemplo e pelo Teorema a seguir.
Exemplo: (ideais de Z) Seja { 0}I ¹ um ideal do anel Z dos números inteiros.
Como a IÎ implica que = ( 1)a a I- - Î , podemos garantir que existe n IÎ , > 0n .
Seja m IÎ o menor inteiro positivo em I . Dado a IÎ , o algoritmo da divisão nos
diz que existem , Zq r Î , com =a mq r+ e 0 <r m£ . Agora, ,a m IÎ implicam
que =r a mq I- Î . Se 0r ¹ , então teríamos 0< <r m e r IÎ , ou seja, r seria o
menor elemento positivo em I . Mas já estamos supondo que m é o menor inteiro
positivo pertencente a I . Isso significa que 0r ¹ não pode ocorrer, isto é, = 0r .
Logo, =a mq e, em geral, todo elemento de I é um múltiplo de m , o que indicamos
por ZI mÌ . Mas, m IÎ implica que Zm IÌ e, assim, = ZI m , onde Zm indica o
TÓPICO 3 Ideais primos e maximaisObjetivOs
• Definir e exibir exemplos de ideais primos e maximais
• Estudar os ideais primos no anel dos números inteiros
47AULA 3 TÓPICO 3
conjunto dos múltiplos de m ( Z= { | Z}m mk kÎ ). Ideais formados pelos múltiplos
de um elemento são chamados ideais principais e serão estudados na aula 5.
O Teorema a seguir complementa o exemplo acima, caracterizando os ideais
primos e os ideais maximais de Z. Em particular, o item 3 desse Teorema mostra
que, no anel dos inteiros, as noções de ideal primo e de ideal maximal coincidem.
Teorema6
1. Se = ZI m e = ZJ n são dois ideais de Z, então I JÌ se, e somente se, |n m .
2. Um ideal P de Z é primo se, e somente se, = ZP p , com ZpÎ primo.
3. Um ideal P de Z é primo se, e somente se, é maximal.
Demonstração:
1. I JÌ é equivalente a Z Zm nÌ . Em particular, Z Zm m nÎ Ì , ou seja,
m é um múltiplo de n , isto é, |n m . Reciprocamente, se |n m , então =m nk ,
com ZkÎ . Assim, se Za mÎ , então =a mc , onde ZcÎ , logo = ( )a n kc , ou seja,
Za nÎ , o que mostra que Z Zm nÌ .
2. Dados , Za bÎ , tais que Zab pÎ , temos que ab é um múltiplo de p ,
ou seja, |p ab . Como p é primo, |p ab implica |p a ou |p b , logo Za pÎ
ou Zb pÎ . Isso mostra que Zp é primo para p primo. Reciprocamente, se P
é um ideal primo de Z, então, pelo exemplo acima, = ZP n , com ZnÎ . Vamos
mostrar que n é primo. De fato, se =n ab , com , Za bÎ , então = Z=ab n n PÎ .
Como P é ideal primo, ab PÎ implica que a PÎ ou b PÎ . Se = Za P nÎ , então
|n a . Porém, =n ab , implica que |a n , ou seja, =n a± e = 1b ± . Caso b PÎ , um
raciocínio análogo mostra que = 1a ± . Portanto, a única decomposição possível
=n ab , para n , é a trivial, isto é, com = 1a ± ou = 1b ± . Isso mostra que p é
primo.
3. Se = ZM m é um ideal maximal de Z, então m é primo, do contrário,
existiria > 1n inteiro tal que |n m e, daí, = Z Z ZM m nÌ Ì (inclusões estritas), o
que não é possível, pois M é maximal. Sendo m primo, pelo item 2, = ZM m é um
ideal primo. Reciprocamente, seja = ZP p um ideal primo e suponha que P I AÌ Ì ,
onde = ZI a é um ideal de Z. Se a primeira inclusão for estrita, então Z Zp aÌ
implica que |a p , mas |p a . Como p é primo, os únicos divisores positivos de p
são 1 e p . Uma vez que |p a , temos a p¹ . Logo = 1a e = Z= ZI a . Isso mostra
que = ZP p é maximal.
48 Est ru tu ras A lgébr icas
O Teorema 6 justifica o nome ideal primo, pois, em Z, os ideais primos são
exatamente aqueles do tipo Zp , em que p é um número primo. A situação do
Teorema 6 não se repete em geral, como vemos no exemplo a seguir.
EXEMPLO:
Seja = Z[ ]A x , o anel de polinômios com coeficientes em Z, na indeterminada
x . O conjunto
= ( )= { ( )| ( ) Z[ ]} = { ( ) Z[ ]| (0)= 0} ,I x xf x f x x g x x gÎ Î
formado pelos múltiplos de x , ou seja, pelos polinômios que têm coeficiente 0 = 0a ,
é um ideal primo de A que não é maximal em A . De fato, se ( ), ( ) Z[ ]g x h x xÎ
são tais que ( ) ( )g x h x IÎ , então (0) (0)= 0g h . Como Z é um domínio, (0) (0)= 0g h
implica que (0)= 0g ou (0)= 0h , ou seja, ( )g x IÎ ou ( )h x IÎ , o que mostra que
I é primo.
Por outro lado, I está contido propriamente no ideal
= (2, )= { 2 ( ) ( )| ( ), ( ) Z[ ]} = { ( ) Z[ ]| (0)é } .J x f x xg x f x g x x h x x h par+ Î Î
Isso é claro, pois 0 é par, logo ( )p x IÎ implica que (0)= 0p , em particular,
(0)p é par, o que por sua vez, implica que ( )p x JÎ . Mais ainda, o ideal J é
próprio, ou seja, J A¹ . Par comprovar isso, basta notar que ( )= 1q x x A+ Î , mas
( )q x JÎ/ , pois (0)= 1q é ímpar. Assim, encontramos um ideal J tal que I J AÌ Ì
(inclusões estritas) e isso mostra que I não é maximal.
Dessa forma, nem todo ideal primo em um anel qualquer A é maximal.
Porém, a recíproca dessa afirmação é válida, como veremos a seguir.
Teorema7 Em um anel comutativo com unidade A , todo ideal maximal é v.
Demonstração:
Seja M um ideal maximal e sejam ,a b AÎ tais que ab MÎ .
Supondo que a MÎ/ , vamos mostrar que b MÎ . Considere, para isso, o ideal
= { | , }I ay m y A m M+ Î Î . Temos que M I AÌ Ì , com a IÎ . Como, por
hipótese, a MÎ/ , temos que a inclusão M IÌ é estrita. Logo, por ser M maximal,
devemos ter =I A . Em particular, 1 IÎ , ou seja, 1= ay m+ , para algum y AÎ e
algum m MÎ . Multiplicando essa última igualdade por b , obtemos =b aby bm+ .
Como, por hipótese, ab MÎ e m MÎ , temos que =b aby bm M+ Î , como
queríamos demonstrar.
49AULA 3 TÓPICO 3
Com esse resultado, encerramos nosso terceiro tópico e a aula 3. Nesta aula,
começamos a estudar a importante estrutura algébrica de anel e vimos que existem
tipos especiais de anéis: os domínios de integridade e os corpos. Vimos que todo
corpo é um domínio de integridade, que a um anel podemos associar um número
inteiro não negativo, chamado característica do anel, que é primo, ou zero, sempre
que o anel for um domínio. Vimos que existem subconjuntos de um anel que têm
ainda estrutura de anel, são chamados de subanéis. Dentre os subanéis há alguns
de especial importância, chamados ideais e, dentre os ideais, vimos dois tipos que
também são bastante importantes: os ideais primos e os ideais maximais.
Na próxima aula, estudaremos as funções naturais que podem ser definidas
entre anéis e os anéis que podem ser formados a partir de quocientes de anéis por
ideias.
at i v i d a d e d e a p r o f u d a m e n t o
1. Dado um corpo K , seja ( )( )= | ( ), ( ) [ ], ( ) 0 .( )
f xK x f x g x K x g x
g x
ì üï ïï ïÎ ¹í ýï ïï ïî þ
Com as operações ( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )=( ) ( ) ( ) ( )
f x h x f x x g x h xg x x g x x
++
e ( ) ( ) ( ) ( )=( ) ( ) ( ) ( )
f x h x f x h xg x x g x x
×
, ( )K x é um
anel. Mostre que ( )K x é um corpo, chamado, corpo das funções racionais sobre K .
2. Seja = { : R R| éfunçãocontínua}F f f® , com as operações
( )( )= ( ) ( ),f g x f x g x+ +
( )( )= ( ) ( ).f g x f x g x× ×
(a) Mostre que ( , , )F + × é um anel.
(b) Para cada RaÎ , mostre que = { | ( )= 0}I f F f aÎ é um ideal de F .
(c) Mostre que [ , ] = { | ( )= 0, [ , ]}a bI f F f x x a bÎ " Î é um ideal de A .
3. Dado ZnÎ , 1n³ , seja = Z [ , ]= [ ]nA x y R y , onde = Z [ ]nR x .
(a) Mostre que ( )x é um ideal primo de A que não é ideal maximal.
(b) Mostre que ( , )x y é ideal maximal se, e somente se, n é primo.
(c) Sabendo que (8, )x é um ideal primo de A , determine os possíveis valores de n .
50 Est ru tu ras A lgébr icas
4. Dado um anel A , seja 0 1[ ]= { | N, }nn iA x a a x a x n a A+ + + Î Î
o anel dos polinômios
na indeterminada x com coeficientes em A . Dado 2
0 1 2( )= [ ]nnf x a a x a x a x A x+ + + + Î ,
chamamos o coeficiente na de coeficiente líder do polinômio f e 0a de termo constante de f .
(a) Mostre que o termo constante de ( ) ( )f x g x é o produto dos termos constantes de ( )f x e ( )g x .
(b) Se A é um domínio, então o coeficiente líder de ( ) ( )f x g x
é o produto dos coeficientes líderes de ( )f x
e ( )g x .
(c) Mostre que ( ) [ ]f x A xÎ é unidade de [ ]A x se e somente se ( )f x é um polinômio constante e igual a
uma unidade de A , isto é, *( )f x AÎ , onde * = { }A unidadesdeA .
5. Seja 1= { , , }nA a a um anel finito.
(a) Mostre que uma função :f A A® é injetiva se, e somente se, é sobrejetiva.
(b) Mostre que A é um domínio de integridade se, e somente se, para cada a AÎ , 0a¹ , a função
:af A A® , dada por ( )=af x ax for bijetiva.
(c) Mostre que um anel finito é domínio de integridade se, e somente se, é corpo.
51AULA 4
AULA 4 Homomorfismo de anéis
Olá aluno(a),
Assim como fizemos no estudo de grupos, estudaremos nessa aula as funções
que podem ser definidas entre anéis e que, de um modo natural, preservam sua
estrutura, ou seja, preservam as duas operações dos anéis. Tais funções serão
chamadas homomorfismos de anéis. Os homomorfismos de anéis ocupam o
mesmo papel relevante para a teoria de anéis que os homomorfismos de grupos
para a teoria de grupos. Veremos, ainda, que é possível a construção de anéis
quociente de modo análogo à construção que fizemos de grupo quociente. Nesse
ponto, veremos que a noção de ideal desempenha papel similar ao de subgrupo
normal no caso de grupos.
Objetivos
• Definir e estabelecer as propriedades básicas de homomorfismos de anéis• Construir o quociente de um anel por um ideal• Demonstrar o teorema dos homomorfismos para anéis
52 Est ru tu ras A lgébr icas
Estabeleceremos, neste primeiro
tópico, a nomenclatura e
os resultados básicos sobre
homomorfismos de anéis. Definiremos
dois conjuntos básicos, associados a um
homomorfismo, seu núcleo e sua imagem,
e veremos uma série de exemplos de
homomorfismos de anéis.
Consideremos dois anéis, não
necessariamente comutativos nem com unidade, ( , , )A + × e ( , , )B Å Ä . Uma função
:f A B® é chamada homomorfismo de anéis, ou homomorfismo entre os
anéis A e B , se
( )= ( ) ( ),f a b f a f b+ Å
( )= ( ) ( ),f a b f a f b× Ä
para quaisquer ,a b AÎ . Em geral, como não há risco de confusão, usamos as
mesmas notações para as operações nos anéis A e B , e escrevemos
( )= ( ) ( ),f a b f a f b+ +
( )= ( ) ( ).f ab f a f b
TÓPICO 1 Definições e exemplosObjetivOs
• Estabelecer a noção de homomorfismo de anéis
• Citar exemplos de homomorfismos de anéis
• Definir núcleo e imagem de um homomorfismo de anéis
s a i b a m a i s !
Para mais informações sobre homomorfismo
de anéis, acesse o link http://www.mat.
uc.pt/~picado/algebraII/0405/Apontamentos/
aula4.pdf
53AULA 4 TÓPICO 1
No caso em que A e B são anéis com
unidade, se 1A e 1B denotam os elementos
neutros do produto em A e B , respectivamente,
então dizemos que o homomorfismo :f A B® é
unitário se
(1 )= 1 .A BfÉ claro que aqui também podemos, para
evitar sobrecarga na notação, suprimir os índices
e escrever
(1)= 1.f
Teorema1 Dados A , B e C anéis e :f A B® , :g B C® , homomorfismos de
anéis, temos o seguinte:
1. A função composta g f é um homomorfismo de anéis. Se f e g forem
unitários, g f também o é.
2. Se f é uma função bijetora, então a sua inversa 1 :f B A- ® é um homomor-
fismo. Se f for unitário, 1f - também o é.
Demonstração:
Para demonstrarmos 1, precisamos verificar que, dados ,a b AÎ ,
( )( )= ( )( ) ( )( )g f a b g f a g f b+ + e ( )( )= ( )( ) ( )( )g f a b g f a g f b× × . Faremos
isso apenas para a primeira igualdade, sendo a segunda inteiramente análoga.
Temos, então,
( )( )= ( ( ))= ( ( ) ( )),g f a b g f a b g f a f b+ + +
pois f é homomorfismo. Logo,
( )( )= ( ( ) ( ))= ( ( ))= ( ( )),g f a b g f a f b g f a g f b+ +
pois g também é homomorfismo. Mas isso é exatamente o que queríamos
demonstrar. Além disso, se f e g forem unitários, então ( (1))= (1)= 1g f g , o que
mostra que g f também é unitário.
Vamos demonstrar 2. Para isso, seja 1 :f B A- ® a inversa da função f ,
que sabemos que existe, pois estamos supondo f bijetora. Dados ,x y BÎ ,
existem ,a b AÎ tais que ( )=f a x e ( )=f b y , pois f é sobrejetora. Temos, então, 1 1 1 1 1( )= ( ( ) ( ))= ( ( ))= = ( ) ( )f x y f f a f b f f a b a b f x f y- - - - -+ + + + + . De modo
análogo, temos: 1 1 1 1 1( )= ( ( ) ( ))= ( ( ))= = ( ) ( )f xy f f a f b f f ab a b f x f y- - - - -+ . Isso
mostra que 1f - é um homomorfismo. Como (1)= 1f implica 1(1)= 1f - , temos,
ainda, que f unitário implica 1f - unitário.
at e n ç ã o !
A partir daqui, sempre que considerarmos um
homomorfismo :f A B® entre dois anéis com
unidade, iremos supor que esse homomorfismo
é unitário.
54 Est ru tu ras A lgébr icas
No caso do item 2 do Teorema 1 acima, ou seja, quando :f A B® é um
homomorfismo bijetor, dizemos que f é um isomorfismo de anéis, Dizemos,
ainda, que A e B são isomorfos e indicamos o isomorfismo entre eles com a
notação A B@ .
Dado um homomorfismo de anéis :f A B® , podemos considerar os
seguintes conjuntos associados a f : o núcleo de f ,
ker = { | ( )= 0} ,f a A f aÎ
onde 0 é o elemento enutro da soma em B , e a imagem de f ,
Im = { ( )| } .f f a a AÎ
Teorema2 Dado um homomorfismo de anéis :f A B® , temos:
1. (0)= 0f .
2. ( )= ( )f a f a- - , para cada a AÎ .
3. ker f é um ideal de A .
4. Imf é um subanel de B .
Demonstração:
(a) (0)= (0 0)= (0) (0)f f f f+ + , o que implica (0)= 0f .
(b) Dado a AÎ , ( ( ))= (0)= 0f a a f+ - , pelo item (a). Como f é
homomorfismo, ( ) ( )= ( ( ))= 0f a f a f a a+ - + - , logo, ( )= ( )f a f a- - , como
queríamos.
(c) Dados , kera b fÎ , ( )= 0f a e ( )= 0f b . Logo,
( )= ( ) ( )= 0 0= 0f a b f a f b+ + + , o que implica kera b f+ Î . Se, AaÎ e
kera fÎ , então ( )= ( ) ( )= ( ) 0= 0f a f f a fa a a × , o que implica que kera fa Î .
Portanto, pela definição de ideal, dada na aula 3, tópico 2, ker f é ideal de A .
(d) Usaremos aqui, o Lema 3 da aula 3. Dados , Imx y fÎ , existem
,a b AÎ tais que ( )=f a x e ( )=f b y . Assim, = ( ) ( )x y f a f b- - . Pelo item (b),
( )= ( )f b f b- - , logo = ( ) ( )= ( ( ))x y f a f b f a b- + - + - , pois f é homomorfismo.
Portanto, = ( )x y f a b- - , o que mostra que Imx y f- Î . Por outro lado,
= ( ) ( )= ( )xy f a f b f ab , pois f é homomorfismo. Logo, Imxy fÎ .
EXEMPLO 1:
Dado um número inteiro n , > 1n , seja = {0,1, , 1}nZ n-
o anel
das classes de restos módulo n . A função : nf Z Z® , dada por ( )=f k k ,
55AULA 4 TÓPICO 1
é um homomorfismo de anéis. De fato, ( )= = = ( ) ( )f a b a b a b f a f b+ + + +
e ( )= = = ( ) ( )f ab a b a b f a f b× × . Esse homomorfsmo é unitário, pois (1)= 1f .
Dado na ZÎ , temos = ( )a f a , logo Im = nf Z . O núcleo de f é dado por
ker = { | ( )= 0}f k Z f kÎ . Como ( )= 0f k é equivalente a = 0k , temos que k ZnÎ
se, e somente se, = 0k , isto é, se e somente se, |n k . Dessa forma, ker =f nZ ,
conjunto dos múltiplos de n . Já vimos, na aula 3, que esse conjunto é um ideal.
Vale observar que, pelo Teorema 2, item (c), = kernZ f implica diretamente que
nZ é um ideal de Z . Em geral, podemos usar esse argumento para mostrar que
um dado subconjunto I de um anel A é ideal desse anel: basta encontrar um
homomorfismo :f A B® cujo núcleo seja I .
EXEMPLO 2:
Sabemos que o corpo dos números complexos pode ser representado
pelo conjunto = { ( , )| , }C a b a b RÎ de pares ordenados de números reais, com
as operações ( , ) ( , )= ( , )a b c d a c b d+ + + e ( , ) ( , )= ( , )a b c d ac bd ad bc× - + .
A função :f R C® , dada por ( )= ( ,0)f x x , é um homomorfismo
injetor. De fato, ( )= ( ,0)= ( ,0) ( ,0)= ( ) ( )f x y x y x y f x f y+ + + + e
( )= ( ,0)= ( ,0) ( ,0)= ( ) ( )f xy xy x y f x f y× . Para a injetividade, basta ver que
( )= ( )f x f y implica que ( ,0)= ( ,0)x y , ou seja, =x y . Mais adiante veremos
que a injetividade decorre de um resultado mais geral. A existência desse
homomorfismo injetor :f R C® é expressa dizendo-se que R pode ser imerso em
C . Interpretamos tal homomorfismo como uma inclusão e escrevemos R CÌ , mas,
na verdade, R não está contido em C . O que ocorre, na verdade, é que ;ImR f e
Imf CÌ . Costumamos dizer, também, que R possui uma cópia contida em C (no
caso, essa cópia é Imf ).
EXEMPLO 3:
Seja [ ]Q x o anel dos polinômios na indeterminada x , com coeficientes em
Q e considere a função : [ ]f Q x R® dada por ( ( ))= ( 2)f p x p . Por exemplo, 2 2(1 )= 1 ( 2) = 3f x+ + , (2 1)= 2 2 1f x+ + , 3( 1)= 8 2 1f x x+ + + + .
A função f é um homomorfismo de anéis. Para verificarmos isso,
observemos que, se ( )p x e ( )q x são polinômios com coeficientes
racionais, então ( ( ) ( ))= ( 2) ( 2)= ( ( )) ( ( ))f p x q x p q f p x f q x+ + + e
( ( ) ( ))= ( 2) ( 2)= ( ( )) ( ( ))f p x q x p q f p x f q x . O homomorfismo f é chamado
homomorfismo de avaliação em 2 . O núcleo de f é formado pelos
polinômios de [ ]Q x que se anulam em 2 , ou seja, ( ) kerp x fÎ se, e somente
56 Est ru tu ras A lgébr icas
se, ( 2)= 0p . Por exemplo, 2 2 kerx f- Î . Dado ( ) kerp x fÎ , podemos escrever 2( )= ( 2) ( ) ( )p x x q x r x- + , onde ( )r x é um polinômio de grau 1 (faremos um estudo mais
aprofundado sobre polinômios na aula 6). Assim, podemos escrever ( )=r x a bx+ ,
com ,a b QÎ . Como ( 2)= 0p , temos 20= ( 2)= (( 2) 2) ( 2) ( 2)p q r- + , ou
seja, ( 2)= 0r , o que significa que 2 = 0a b+ . Se 0b¹ , então poderíamos
escrever 2 = a Qb
- Î , o que é absurdo, pois 2 não é racional. Por essa razão,
= 0b e 0 2 = 0a+ × , o que implica = 0a . Consequentemente, ( )= 0r x (polinômio
identicamente nulo) e 2( )= ( 2) ( )p x x q x- . Acabamos de mostrar que todo elemento
( )p x de ker f é múltiplo de 2 2x - . Portanto 2ker ( 2)f xÌ - , o ideal gerado pelo
polinômio 2 2x - . Como 2 2 kerx f- Î , a outra inclusão também ocorre e vale a
igualdade 2ker = ( 2)f x - .
Podemos caracterizar a sobrejetividade de uma função f usando a sua
imagem. Mais precisamente, :f A B® é sobrejetiva se, e somente se, Im =f B .
No caso em que f é um homomorfismo, podemos caracterizar a injetividade de f
por meio de seu núcleo:
Teorema3 Um homorfismo de anéis é injetor f A B: ® se, e somente se, ker f ={0}
Demonstração:
Se f é injetiva e kerx fÎ , então ( )= 0= (0)f x f , logo = 0x . Reciprocamente,
se ker = { 0}f e ,x y AÎ são tais que ( )= ( )f x f y , então ( ) ( )= 0f x f y- , isto é,
( )= 0f x y- . Isso implica que ker = { 0}x y f- Î , ou seja, =x y .
A injetividade do homomorfismo, no caso do exemplo 2 acima, vale em um
contexto mais geral. De fato, temos o seguinte resultado.
Teorema4 Se K é um corpo e :f K B® é um homomorfismo de anéis, então temos
duas possibilidades:
1. f é identicamente nulo, isto é, ( )= 0f x , para todo x KÎ , ou
2. f é injetivo.
57AULA 4 TÓPICO 1
Demonstração:
Suponha que não ocorre o primeiro caso, isto é, f não é identicamente
nulo. Então ker f é um ideal próprio de K , ou seja, ker f K¹ . Como K é um
corpo, seus únicos ideais são { 0} e K e ker f K¹ , temos, necessariamente, que
ker = { 0}f . Pelo Teorema 3, f é injetor.
Com esse resultado, finalizamos nosso primeiro tópico. Vimos aqui a definição
de homomorfismo de anéis, suas propriedades básicas e alguns exemplos. Vimos
ainda que, associados a um homomorfismo de anéis, :f A B® é um ideal de A ,
o núcleo de f , e um subanel de B , a imagem de f , e que podemos caracterizar a
injetividade e a sobrejetividade de f por meio desse ideal e desse subanel.
58 Est ru tu ras A lgébr icas
Neste tópico, construiremos, para um anel dado A e um ideal I
de A , o anel quociente de A por I . Essa construção segue os
mesmos moldes da construção de grupo quociente que fizemos
na aula 2. Essa construção terá papel central no estudo mais aprofundado que
faremos dos homomorfismos, no tópico 3. Veremos, ainda, como caracterizar
um ideal primo, ou maximal, de acordo com as propriedades do anel quociente
associado.
No que se segue, continuaremos a considerar, salvo menção em contrário,
apenas anéis comutativos e com unidade. Seja, pois, A um anel e I um ideal de
A . Vamos definir uma relação de equivalência entre elementos de A , relativa a I ,
da seguinte maneira:
Dados ,a b AÎ , dizemos que a e b são congruentes módulo I e indicamos
a bº se a b I- Î .
O nosso primeiro passo é mostrar que essa relação é, de fato, uma relação de
equivalência.
Lema5 A relação º definida acima é uma relação reflexiva, simétrica e transi-
tiva, logo, uma relação de equivalência.
TÓPICO 2 Anel quocienteObjetivOs
• Definir anel quociente
• Caracterizar ideais primos e maximais por meio de anéis
quocientes
59AULA 4 TÓPICO 2
Demonstração:
Dado a AÎ , temos = 0a a I- Î , logo a aº e a relação é reflexiva.
Se ,a b AÎ são tais que a bº , então a b I- Î , logo = ( 1)( )b a a b I- - - Î ,
ou seja, b aº e a relação é simétrica. Finalmente, se a bº e b cº , então a b I- Î
e b c I- Î . Somando, obtemos = ( ) ( )a c a b b c I- - + - Î , ou seja, a cº e a
relação é transitiva.
Dado a AÎ , o conjunto dos elementos de A que são congruentes a a ,
módulo I é denotado por a . Assim,
= { | } = { | } .a x A x a x A x a IÎ º Î - Î
É claro que a aÎ . O conjunto a é chamado classe de equivalência módulo
I e também é denotado por a I+ , sendo essa última notação bem mais sugestiva,
pois podemos ver cada classe de equivalência como uma “translação”’ do ideal I .
O elemento a é chamado representante da classe. Em geral, qualquer elemento de
a pode ser escolhido como um representante de a , pois b aÎ implica que =b a .
EXEMPLO:
Se =A Z e = 5I Z , o ideal formado pelos múltiplos de 5, então a e b ,
inteiros, são equivalentes se, e somente se, 5a b Z- Î , isto é, 5| a b- . Dado a ZÎ
, temos = 5a k r+ , onde { 0,1,2,3,4}r Î é o resto da divisão de a por 5. Como só
há cinco possibilidades para o resto r dessa divisão e = 5a r k Z- Î , temos que
a rÎ , e = 0 1 2 3 4Z È È È È .
O conjunto formado pelas classes de equivalência relativas a I é chamado
conjunto quociente e é denotado por /A I . Explicitamente, temos:
/ = { | } = { | } .A I a a A a I a AÎ + Î
Para que o conjunto quociente /A I
ganhe estrutura de anel, devemos definir sobre
ele duas operações:
• SOMA: =a b a b+ + , e
• PRODUTO: =a b a b× × .
É preciso mostrar que essas operações
estão bem definidas, e desse modo não dependem
das escolhas dos representantes das classes, e
também satisfazem as condições da definição de
anel.
g u a r d e b e m i s s o !
Boa definição: Devemos notar que tanto a soma
quanto o produto de classes de equivalência são
definidos usando-se os representantes dessas
classes. Assim, faz sentido perguntar se essas
operações realmente independem das escolhas
desses representantes. Para esclarecer esse ponto,
exibimos um exemplo.
60 Est ru tu ras A lgébr icas
EXEMPLO:
Consideremos =A Z e = 5I Z , como no exemplo acima. Observemos as
seguintes igualdades entre classes: 1= 6 e 3= 8 . Se calcularmos a soma 1 3+ ,
obteremos 1 3= 1 3= 4+ + . Por outro lado, 6 8= 14+ , mas 14= 4 , pois 14 4= 10- ,
que é múltiplo de 5. Da mesma forma, 1 3= 3× e 6 8= 48= 3× , pois 48 3= 45- ,
que é múltiplo de 5. Logo, nesse caso particular, a soma e o produto não dependem
dos representantes escolhidos. Iremos, a seguir, mostrar que essa independência
vale sempre.
Fixado um anel A e um ideal I de A , sejam 1 2 1 2, , ,a a b b AÎ tais que
1 2a a I- Î e 1 2b b I- Î , ou seja, 1 2=a a e 1 2=b b . Queremos mostrar que
1 1 2 2=a b a b+ + . Isso é equivalente a mostrar que 1 1 2 2=a b a b+ + . Veja que
1 1 2 2 1 2 1 2( ) ( )= ( ) ( )a b a b a a b b I+ - + - + - Î , logo 1 1 2 2=a b a b+ + , como
queríamos demonstrar. Para o produto, queremos mostrar que 1 1 2 2=a b a b× × . Temos
o seguinte: 1 1 2 2 1 1 1 2 1 2 2 2 1 1 2 2 1 2= = ( ) ( )a b a b a b a b a b a b a b b b a a I- - + - - + - Î , pois
1 2a a I- Î , 1 2b b I- Î e I é um ideal. Assim, 1 1 2 2=a b a b , o que é equivalente à
igualdade 1 1 2 2=a b a b× × , como queríamos demonstrar.
Condições da definição de anel: Verificaremos apenas algumas das
condições da definição de anel. As verificações omitidas podem ser feitas de modo
análogo.
1. Associatividade do produto: dados , , /a b c A IÎ , temos:
( )= = ( ).a b c a b c a b c× × × × × ×
como vale a associatividade em A , temos ( )= ( )a b c a b c× × × × , logo,
( )= ( ) = = ( ) .a b c a b c a b c a b c× × × × × × × ×
A associatividade da soma é totalmente similar.
2. Comutatividade da soma: dados , /a b A IÎ , temos: =a b a b+ + .
Como =a b b a+ + em A , pois A é um anel, temos = =a b b a b a+ + + .
No caso em que A é comutativo, a comutatividade do produto em /A I
pode ser demonstrada como fizemos acima para a soma.
3. Existência de elemento neutro para a soma: se 0 AÎ é o elemento
neutro da soma em A , então 0= 0=a a a+ + . Logo, 0 é o elemento neutro da
soma em /A I .
61AULA 4 TÓPICO 2
No caso em que A é um anel com unidade 1 AÎ , o anel /A I também
possui um elemento neutro para o produto: 1. De fato, 1 = 1 = = 1= 1a a a a a× × × × .
4. Distributividade: dados , , /a b c A IÎ , temos:
( )= ( )= ( ).a b c a b c a b c× + × + × +
Como vale a distributividade em A , temos:
( )= = = .a b c ab ac ab ac a b a c× + + + × + ×
Vamos agora demonstrar um resultado importante que relaciona certos
propriedades dos ideais com propriedades dos anéis quocientes a eles associados.
Teorema6 Seja A um anel comutativo com unidade e I um ideal de A .
1. I é um ideal primo se, e somente se, /A I é um domínio de integridade.
2. I é um ideal maximal se, e somente se, /A I é um corpo.
Demonstração: Suponhamos, primeiro, que I é um ideal primo. Dados
, /a b A IÎ tais que = 0a b× , temos = 0ab , logo 0ab I- Î , ou seja, ab IÎ . Como
I é ideal primo, temos que a IÎ ou b IÎ . No primeiro caso, = 0a ; e no segundo
caso, = 0b . Isso mostra que /A I é um domínio.
Reciprocamente, se /A I é domínio e ,a b AÎ são tais que ab IÎ , então = 0ab ,
isto é, = 0a b× . Como /A I é dompinio, essa última igualdade implica que = 0a
ou = 0b e isso é equivalente a a IÎ ou b IÎ . Logo, I é ideal primo.
Suponhamos, agora, que I é um ideal maximal. Dado /a A IÎ , 0a¹ ,
temos que a IÎ/ . Assim, o ideal = = { | , }J I aA x ay x I y A+ + Î Î contém I
propriamente, pois a JÎ e a IÎ/ . Como I é maximal, devemos ter =J A , em
particular, 1 JÎ , ou seja, podemos escrever 1= x ay+ , com x IÎ e y AÎ . Dessa
forma, 1= x a y+ × e, como x IÎ , temos = 0x ,
logo 1= a y× . Encontramos, pois, um inverso
para o elemento não-nulo a de /A I . Isso
mostra que /A I é corpo.
Reciprocamente, suponhamos que /A I é
corpo e consideremos um ideal J de A tal que
I J AÌ Ì . Devemos mostrar que =J I ou =J A. Se =J I nada há a fazer. Logo, podemos supor
que J I¹ , ou seja, que existe a JÎ , a IÎ/ .
s a i b a m a i s !
Para mais informações sobre anel Quociente, acesse
o link http://www.mat.ufmg.br/~marques/
Apostila-Aneis.pdf
62 Est ru tu ras A lgébr icas
Isso significa que 0a¹ e, como /A I é corpo, existe /y A IÎ tal que = 1a y× ,
ou seja, 1 =ay x I- Î . Agora, x I JÎ Ì e a JÎ implicam que 1= x ay J+ Î . Pelo
Teorema 6, item 1, da aula 3, temos =J A . Isso mostra que I é maximal.
Com esse resultado, encerramos nosso segundo tópico, que tratou da
construção de um anel quociente a partir de um anel e de um ideal desse anel.
63AULA 4 TÓPICO 3
TÓPICO 3 O teorema fundamental dos homorfismos de anéisObjetivOs
• Identificar o teorema fundamental dos homomorfismos
de anéis
• Reconhecer algumas aplicações desse teorema
Este é o terceiro e último tópico da nossa aula 4. Nele estudaremos
a relação que existe entre anéis quociente e homomorfismos. Essa
relação é estabelecida no Teorema Fundamental dos Homomorfismos
de Anéis. Esse é um teorema análogo àquele que vimos na aula 2 para grupos.
Consideremos um homomorfismo de anéis :f A B® . Já vimos, no Teorema
2, que ker f é um ideal de A e Imf é um subanel de B . Assim, é possível
considerarmos o anel quociente / kerA f . O objetivo principal deste tópico é
demonstrar que / kerA f é isomorfo ao subanel Imf . Lembremos que dois anéis
são ditos isomorfos se existe um homomorfismo bijetor entre eles.
Teorema7 (Teorema Fundamental dos Homomorfismos de Anéis) Dado um
homomorfismo de anéis :f A B® , temos
/ ker Im ,A f f@
ou seja, o anel quociente / kerA f é isomorfo ao subanel Imf de B .
Demonstração:
Vamos exibir um isomorfismo entre / kerA f e Imf . Mais explicitamente,
seja : / ker ImF A f f® dada por
( )= ( ).F a f a
64 Est ru tu ras A lgébr icas
Vamos mostrar que F é um homomorfismo bijetor.
Em primeiro lugar, devemos verificar que F está bem definida. Isso significa
verificar que ( )F a não depende do representante da classe a . Em outras palavras,
se =a b , devemos mostrar que ( )= ( )F a F b . Se =a b , então kera b f- Î , logo
( )= 0f a b- e isso implica que ( ) ( )= 0f a f b- , ou seja, ( )= ( )f a f b . Portanto,
( )= ( )= ( )= ( )F a f a f b F b , como queríamos demonstrar.
Vamos, agora, mostrar que F é um homomorfismo.
Se , / kera b A fÎ , então ( )= ( )= ( )= ( ) ( )= ( ) ( )F a b F a b f a b f a f b F a F b+ + + + +
e ( )= ( )= ( )= ( ) ( )= ( ) ( )F a b F ab f ab f a f b F a F b× .
Para demonstrar a injetividade de F , usaremos o Teorema 3 desta aula e
assim mostraremos que ker = {0}F . Se kera FÎ , então ( )= 0F a , isto é, ( )= 0f a .
Isso implica que kera fÎ e, portanto, = 0a em / kerA f , o que mostra que F
é injetiva.
Finalmente, para demonstrarmos a sobrejetividade de F , consideremos
Imy fÎ . Existe, então, a AÎ tal que ( )=f a y e, assim, ( )= ( )=F a f a y . Dessa
maneira, mostramos que, dado Imy fÎ , existe / kera A fÎ tal que ( )=F a y ,
logo F é um homomorfismo sobrejetor.
Como primeira aplicação do Teorema 7 acima, vamos revisitar o Exemplo 3,
dado no primeiro tópico desta aula.
EXEMPLO:
Como já vimos no Exemplo 3, na página 54 , : [ ]f Q x R® ,
dado por ( ( ))= ( 2)f p x p , é um homomorfismo, com núcleo 2 2ker = ( 2)= { ( 2) ( )| ( ) [ ]}f x x q x q x Q x- - Î , o ideal formado pelos múltiplos de
2 2x - . A imagem de f é
Im = { ( 2)| ( ) [ ]} .f p p x Q xÎ
Podemos descrever essa imagem de um modo mais explícito, se
notarmos que ( 2)n QÎ se n é par, e ( 2) = 2n r , com r QÎ , se n é
ímpar. Assim, se 0 1( )= mmp x a a x a x+ + + , com 0 1, , , ma a a QÎ
, então
0 1( 2)= 2 ( 2)mmp a a a+ + + . Nessa última soma há dois tipos de parcelas:
quando i for par ( 2)iia será um número racional, e quando i for ímpar, ( 2 )i
ia
será do tipo 2r , com r QÎ . Portanto, podemos escrever ( 2)= 2p a b+ , onde
,a b QÎ . Assim,
Im = { 2| , } .f a b a b Q+ Î
65AULA 4 TÓPICO 3
Esse último conjunto é denotado por [ 2]Q . O Teorema Fundamental dos
Homomorfismos de Anéis nos diz, portanto, que
[ ] / ker Im , ,x f f ou seja@Q
2[ ] / ( 2) [ 2].x x - @Q Q
Como um isomorfismo desse tipo pode nos ser útil? A principal utilidade
de um isomorfismo é que podemos usá-lo para transferir um problema
de um contexto para outro de modo que a solução do problema possa ser
simplificada. Ilustraremos essa ideia geral, respondendo à seguinte pergunta:
O ideal 2( 2)x - é maximal em [ ]Q x ?
De acordo com o item 2 do Teorema 6, 2( 2)x - é maximal se, e somente se, 2[ ] / ( 2)Q x x - é um corpo. Mas, como [ 2]Q é isomorfo a 2[ ] / ( 2)Q x x - , temos
que 2[ ] / ( 2)Q x x - é um corpo se, e somente se, [ 2]Q é corpo (veja o exercício 2
de aprofundamento).
Vamos, então, verificar que [ 2]Q é corpo. De fato, se 2 [ 2]a b Q+ Î é
diferente de zero, então 0a¹ e 0b¹ . Logo,
2 2 2 2 2 21 1 2 2= = = 2.
2 2 22 2 2a b a b a b
a b a b a ba b a b b- -
× - ×- - -+ +
Esse é um procedimento conhecido como racionalização (veja o Exemplo
8, tópico 1, aula 3). Observe que 2 22a b- não pode ser igual a zero, pois, se 2 22 = 0a b- , teríamos 2 = a
b, com a e b racionais, o não é possível, devido a
2 ser irracional.
Assim, sendo 2 22
aa b-
e 2 22
ba b
--
números racionais, temos que 1 [ 2]
2Q
a bÎ
+. Isso significa que todo elemento não-nulo de [ 2]Q tem um
inverso em [ 2]Q , ou seja, [ 2]Q é um corpo. Pelo que discutimos acima, isso
implica que 2( 2)x - é um ideal maximal em [ ]Q x .
Outro fato importante sobre homomorfismos de anéis é o teorema a seguir,
conhecido como Teorema da Correspondência. Esse teorema estabelece uma
correspondência entre os ideais de dois anéis entre os quais há um homomorfismo
66 Est ru tu ras A lgébr icas
sobrejetor. Lembremos a seguinte notação: se I é um subconjunto de A e
:f A B® é uma função, então ( )= { ( )| }f I f x x IÎ . Da mesma forma, se J é um
subconjunto de B , então 1( )= { | ( ) }f J a A f a J- Î Î .
Teorema (Teorema da Correspondência) Seja :f A B® um homomorfismo
sobrejetor de anéis e = kerN f . Temos o seguinte:
Existe uma correspondência bijetiva
1. {Ideais que contêm N} Û {Ideais de B}
dada por ( )I f I .
2. Dados 1I e 2I ideais de A , contendo N , temos 1 2I IÌ se, e somente
se, 1 2( ) ( )f I f IÌ .
Demonstração:
1. Dado um ideal I de A , vamos mostrar que ( )f I é um ideal de B .
Se , ( )x y f IÎ , então existem ,a b IÎ tais que ( )=f a x e ( )=f b y . Assim,
= ( ) ( )= ( ) ( )x y f a f b f a b f I+ + + Î . Se Bb Î , então = ( )x f ab b . como f é
sobrejetor, existe AaÎ tal que ( )=f a b . Assim, = ( ) ( )= ( ) ( )x f f a f a f Ib a a Î .
Dessa forma, mostramos que ( )f I é um ideal de B .
Por outro lado, seja J um ideal de B . Vamos mostrar que 1( )= { | ( ) }f J a A f a J- Î Î é um ideal de A . Para isso, tomemos 1, ( )a b f J-Î .
Então ( )f a JÎ e ( )f b JÎ , logo ( )= ( ) ( )f a b f a f b J+ + Î , ou seja, 1( )a b f J-+ Î .
Se AaÎ e 1( )a f J-Î , então ( )= ( ) ( )f a f f a Ja a Î , pois ( )f a JÎ e J é um ideal.
Assim, alpha 1( )a f J-Î . Dessa forma, 1= ( )I f J- é um ideal de A .
Observemos, agora, que, se = kerN f , então ( )= { 0}f N JÌ . Isso significa que,
se a NÎ , então ( )= 0f a JÎ , logo 1( )a f J-Î para todo a NÎ , ou seja, 1( )=N f J I-Ì .
Isso mostra que, para cada ideal J de B , o ideal 1= ( )I f J- de A contém N .
Vamos, agora, mostrar que ( )=f I J . Essa é uma igualdade entre conjuntos.
Logo, precisamos mostrar que cada um dos conjuntos está contido no outro. A
inclusão ( )f I JÌ segue diretamente da definição de I : dado 1= ( )a I f J-Î ,
temos que ( )f a JÎ . Para demonstrarmos a inclusão inversa, tomemos b JÎ .
Como f é sobrejetiva, existe a AÎ tal que ( )=f a b JÎ , logo 1( )=a f J I-Î e
= ( ) ( )b f a f IÎ .
Sejam, agora, I e I ¢ dois ideais de A , contendo N , tais que ( )= ( )f I f I ¢ .
Vamos mostrar que =I I ¢ . Se a IÎ , então ( ) ( )= ( )f a f I f I ¢Î , logo existe a I¢ ¢Î
tal que ( )= ( )f a f a¢ . Isso implica que ( )= 0f a a¢- , ou seja, ker =a a f N I¢ ¢- Î Ì .
67AULA 4 TÓPICO 3
Portanto, =a a y¢ + , com ,a y I¢ ¢Î e isso mostra que a I ¢Î , logo vale a inclusão
I I ¢Ì . Para mostrarmos a validade da outra inclusão, basta tomarmos a I¢ ¢Î e
procedermos exatamente da mesma maneira, atentando para o fato de que N IÌ .
2. Se 1 2I IÌ e 1( )x f IÎ , então = ( )x f a , com 1 2a I IÎ Ì , logo, 2= ( )x f a IÎ .
Isso mostra que 1 2( ) ( )f I f IÌ .
Reciprocamente, se 1 2( ) ( )f I f IÌ e 1a IÎ , então 1 2( ) ( ) ( )f a f I f IÎ Ì . Logo,
existe 2b IÎ tal que ( )= ( )f a f b . Daí, temos ( )= 0f a b- , ou seja, 2=a b c N I- Î Ì .
Portanto, 2=a b c I+ Î e isso mostra que 1 2I IÌ .
Como aplicação do Teorema 8 acima, vamos exibir, por meio de um exemplo,
como determinar todos os ideais de um anel finito.
EXEMPLO:
Vamos, a seguir, determinar todos os
ideais de 6Z . Devemos, para isso, considerar o
homomorfismo 6:f Z Z® , dado por ( )=f n n ,
onde a barra indica classe de equivalência
módulo 6 . Esse homomorfismo é
sobrejetor e ker = 6f Z . Pelo Teorema 8,
os ideais de 6Z são exatamente aqueles
do tipo ( )f I , onde I é um ideal de Z que contêm ker = 6f Z .
Já vimos no primeiro exemplo do Tópico 3, aula 3, os ideais de Z são todos
principais, isto é, são todos do tipo mZ , com m ZÎ , 0m³ . Se 6Z mZÌ , então
| 6m . Os divisores positivos de 6 são 1,2,3 e 6 . Assim, os únicos ideais de 6Z
são ( )f mZ , como = 1,2,3m ou 6 . Como 6( )=f mZ mZ (veja o exercício 1 de
aprofundamento), temos que os ideais de 6Z são 6 61 =Z Z , 62Z , 63Z e 66 = {0}Z .
Terminamos aqui o terceiro tópico e nossa aula 4. Os homomorfismos de anéis
aqui estudados são ferramentas úteis na resolução de problemas envolvendo anéis,
pois nos permitem tranferir um problema para um contexto onde sua solução é
mais simples. Os principais resultados vistos nessa aula são o Teorema Fundamental
dos Homomorfismos de Anéis e o Teorema da Correspondência. Nas próximas aulas
veremos mais aplicações dos homomorfismos de anéis.
s a i b a m a i s !
Para mais informações acesse o link http://
www.mat.uc.pt/~picado/algebraII/0405/
Apontamentos/aula4.pdf
68 Est ru tu ras A lgébr icas
at i v i d a d e d e a p r o f u d a m e n t o
1. Seja n ZÎ , > 1n . Considere o homomorfismo : nf Z Z® , dado por ( )=f m m . Mostre que
( )= nf aZ aZ .
2. Seja :f A B® um isomorfismo de anéis. Mostre que
(a) A é um domínio de integridade se, e somente se, B também é um domínio.
(b) A é um corpo se, e somente se, B também é um corpo.
3. Em cada um dos itens abaixo, mostre que o homomorfismo em questão é sobrejetivo e determine seu
núcleo.
(a) 8:f Z Z® , dado por ( )=f n n .
(b) : [ , ] [ ]f Q x y Q x® , dada por ( ( , ))= ( ,0)f P x y P x , onde ,x y e t são indeterminadas.
(c) : [ ]f R x C® , dada por ( ( ))= ( )f P x P i , onde 2 = 1i - .
4. Seja : [ ]f Q x C® , dada por ( ( ))= ( )f P x P w , onde 1 3=
2i
w- +
. Mostre que
(a) 3ker = ( 1)T x - .
(b) 2Im = { | , , }T a b c a b c Qw w+ + Î .
5. Usando os homomorfismos sobrejetores do problema anterior, mostre que
(a) 8/ 8 @Z Z Z .
(b) [ , ] / ( ) [ ]x y y x@Q Q .
(c) 2[ ] / ( 1)x x + @R C .
6. Seja [0,1]C o conjunto das funções contínuas : [0,1]f R® .
(a) Verifique que, com a soma e o produto definidos por ( )( )= ( ) ( )f g x f x g x+ + e
( )( )= ( ) ( )f g x f x g x× × , o conjunto [0,1]C tem uma estrutura de anel comutativo com unidade.
(b) Fixado [0,1]aÎ , mostre que = { [0,1]| ( )= 0}aI f C f aÎ é um ideal de [0,1]C .
(c) Mostre que a função
: [0,1]a C RY ®dada por ( )= ( )a f f aY , é um homomorfismo sobrejetor.
(d) Mostre que [0,1] / aC I é isomorfo a R . O que podemos afirmar sobre o ideal aI ?
7. Seja [0,1]C como no exercício anterior. Mostre que 1 1= { [0,1]| ( )= ( )= 0}3 2
I f C f fÎ é um ideal de
[0,1]C . O ideal I é maximal?
69AULA 4 TÓPICO 3
8. Seja V um espaço vetorial sobre um corpo K e ( )A T o conjunto de todos os operadores lineares de V ,
isto é, o conjunto de todas as tranformações lineares :T V V® .
(a) No curso de Álgebra Linear, demonstra-se que ( )A V é um espaço vetorial sobre K , com a
soma e o produto por escalares definidos por
1 2 1 2 1 1( )( )= ( ) ( ) ( )( )= ( ),T T v T v T v e T v T va a+ + × ×
onde 1 2, ( )T T A VÎ e KaÎ . Verifique se isso realmente ocorre.
(b) Considere, em ( )A V , o seguinte produto:
( )( )1 2 1 2( )( )= ,T T v T T v×
onde 1 2, ( )T T A VÎ . Mostre que, com esse produto e a soma do item anterior, ( )A T é um anel
não comutativo.
(c) Seja :V Wf ® uma transformação linear bijetiva. Mostre que * : ( ) ( )A V A Wf ® ,
dada por * 1( )=T Tf f f- , é um isomorfismo de anéis.
(d) Conclua que, se V e W são espaços vetoriais de mesma dimensão (finita), então ( )A V e
( )A W são anéis isomorfos.
9. Seja A um anel com unidade e
: Z Af ®um homomorfismo, definido por
(a) Verifique que f é, de fato, um homomorfismo.
(b) O núcleo de kerf é um ideal de Z , logo é do tipo nZ , com n ZÎ , 0n³ . Por quê? O
número n é chamado característica do anel A (outra definição de característica de um anel já foi
dada na aula 3, tópico 2. As duas definições são equivalentes).
(c) Mostre que, se A é um domínio de integridade, o número inteiro n obtido no item anterior é
igual a zero ou igual a um número primo. Em outras palavras, a característica de um domínio de
integridade é igual a zero ou um número primo.
10. Seja K um corpo e P a interseção de todos os subcorpos de K . Demonstre que P é o menor
subcorpo de K . Chamamos P de corpo primo de K .
11. Seja K um corpo e P o corpo primo de K (veja a questão anterior). Mostre que:
(a) Se a característica de K é igual a zero, então P@Q .
(b) Se a característica de K é igual a p ( p primo), então pP@ Z .
12. Seja :f Z Z® um homomorfismo. Mostre que ( )= 0f n para todo n ZÎ ou ( )=f n n , para
todo n ZÎ .
70 Est ru tu ras A lgébr icas
Olá aluno(a),
Nesta aula, estudaremos os domínios de integridade onde vale um resultado
análogo ao Teorema Fundamental da Aritmética, ou seja, onde elementos que não
são invertíveis admitem decomposição única como produto de “primos”. Esses
domínios são chamados domínios fatoriais ou dominios de fatoração única.
No curso de Teoria dos Números, vimos que os números inteiros têm a seguinte
propriedade notável: dado um número inteiro maior do que 1, esse número é
um primo ou pode ser escrito como produto de um número finito de primos de
modo único. Apesar de parecer, à primeira vista, uma propriedade de menor
importância, essa unicidade é, de fato, essencial para quase toda aritmética que
se desenvolve posteriormente. Isso justifica o nome “Teorema Fundamental da
Aritmética”, que se dá a essa propriedade dos inteiros. Dessa forma, vale muito a
pena isolar essa propriedade (a unicidade da decomposição em primos) e procurar
os anéis onde ela continua válida. Como em anéis que não são domínios podemos
ter comportamentos bastante anômalos (basta lembra que o produto de dois
elementos não nulos pode ser zero em um anel que não é domínio), a primeira
restrição que devemos fazer é considerar apenas domínios de integridade.
Objetivos
• Identificar os domínios de integridade onde vale a propriedade da fatoração única
• Construir o corpo de frações de um domínio de integridade dado
AULA 5 Domínios fatoriais
71AULA 5 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Domínos euclidianos, domínios de ideais principais e domínios fatoriaisObjetivOs• Identificar uma relação de divisibilidade em um
domínio arbitrário
• Estabelecer de modo preciso as noções de primo e
de irredutível em um domínio
• Definir, exibir exemplos e estabeler a relação
entre domínios euclidianos, de ideais principais e
fatoriais
De início, relembremos que um domínio de integridade A é um
anel comutativo com unidade no qual vale, para Î,a b A ,
× = Þ = =0 0 0.a b a ou bNeste tópico, consideraremos três tipos de domínios que têm propriedades
similares àquelas do anel dos inteiros que estudamos no curso de Teoria dos
Números: os dominios euclidianos, nos quais podemos fazer divisões com resto,
os domínios de ideais principais, os quais cada ideal é gerado por um único
elemento, e, finalmente, os dominios de fatoração única, ou fatoriais, nos quais
cada elemento que não é invertível é irredutível ou pode ser escrito como produto
de irredutíveis de modo único.
Podemos estabelecer em um domínio A uma noção de divisibilidade similar
a dos inteiros. Mais precisamente, se Î,a b A , dizemos que a divide b , ou que b é
divisível por a , ou ainda que b é múltiplo de a , se existe Îc A tal que = ×b a c .
Denotamos |a b .
Um elemento Îu A é chamado unidade se | 1u , isto é, se existe Îv A tal
que =1uv . O elemento v é único e é chamado inverso de u . O conjunto das
unidades de A é denotado por *A e tem, com o produto de A , uma estrutura de
grupo.
72 Est ru tu ras A lgébr icas
A relação de divisibilidade é reflexiva,
isto é, |a a , para todo Îa A , pois = ×1a a ,
onde Î1 A é o elemento neutro do produto.
Também é transitiva, pois |a b e |b c implicam
que |a c . De fato, |a b implica que =b au , com
Îu A , e |b c implica que =c bv , com Îv .
Logo = = =( ) ( )c bv au v a uv , com Îuv e,
portanto, |a c . Se |a b e |b a , dizemos que a
e b são associados e denotamos :a b . Neste
caso, existem Î,u v A tais que =b au e =a bv .
Logo, = =b au bvu . Se = 0b , então = = 0a bv .
Se ¹ 0b , então =b bvu implica (porque A
é domínio) que =1 vu , ou seja, Î *,u v A .
Reciprocamente, se u é unidade de A , então
=b au implica que -= 1a bu e, assim, |a b e
|b a . Resumindo, dois elementos Î,a b A são
associados se, e somente se, existe uma unidade u tal que =b au .
EXEMPLOS:
1. No domínio dos números inteiros, temos = -* { 1,1} , isto é, as únicas
unidades de são -1 e 1. Dois inteiros a e b são associados se, e somente
se =| | | |a b .
2. Em um corpo K , todo elemento não-nulo é invertível, logo = -* { 0}K K .
Isso significa que dois elementos não-nulos quaisquer Î,x y K são
associados.
Uma decomposição de um elemento Îd A é uma expressão de d como
produto de outros elementos de A , isto é, =d ab , com Î,a b A . Se um desses
elementos (digamos, a ) é uma unidade, então o outro (no caso, b ) é associado a
d e dizemos que a decomposição é trivial, ou imprópria. Um elemento Îp A ,
Îp *A , é dito irredutível se =p ab , com Î,a b A , implica que Î *a A ou Î *b A ,
ou seja, p admite apenas decomposições triviais.
Um elemento Îp A , Îp *A , é dito primo se |p ab , com Î,a b A , implica
|p a ou |p b . No anel dos inteiros um elemento é primo se e somente se for
irredutível. Veremos a seguir que isso nem sempre acontece. O que podemos
afirmar em geral é o seguinte.
at e n ç ã o !
Se Î,a b A são associados, então os ideais
= Î Î ( ) { | }a a A A e = Î( ) { | }b mb m A ,
gerados por a e b , respectivamente, são iguais.
De fato, sendo a e b associados, temos =a bu ,
com Î *u A . Se Î ( )x a , então = x a , com
Î A , logo = = Î( ) ( ) ( )x ell bu ellu b b .
Isso mostra que Ì( ) ( )a b . Por outro lado, se
Î ( )y b , então =y mb , com Îm A , logo - -= = Î1 1( ) ( ) ( )y m au mu a a . Isso mostra
que Ì( ) ( )b a . Portanto, =( ) ( )a b .
73AULA 5 TÓPICO 1
Lema1 Em um domínio de integridade, todo elemento primo é irredutível.
Demonstração:
Seja A um domínio de integridade. Seja Îp A um primo e =p ab uma
decomposição de p . Vamos mostrar que Î *a A ou Î *b A . Primeiro, como =p ab ,
temos que |p ab . Sendo p primo, |p a ou |p b . No primeiro caso, =a pc ,
com Îc A , logo = =p ab pcb . Como p é primo, podemos garantir que ¹ 0p .
Cancelando p (pois A é domínio) obtemos =1 cb e, consequentemente, Î *b A .
Se |p b , podemos concluir, de modo análogo, que Î *a A .
A recíproca do Lema 1 não é válida em geral. De fato, exibiremos a seguir
um contraexemplo.
EXEMPLO:
Seja - = + - Î[ 5] { 5| , }a b a b . A discussão em torno do primeiro
exemplo do tópico 3 da aula 4 pode ser rapetida aqui para verificarmos que
- +2[ 5]; [ ] / ( 5)x x . Isso mostra de imediato que -[ 5] é um anel,
embora possamos verificar isso diretamente. Mais ainda, podemos afirmar
que -[ 5] é um domínio. De fato, se + - + - =( 5)( 5) 0a b c d , então
+ + + - =( 5 ) ( ) 5 0ac bd ad bc . Como Î, , ,a b c d , essa última igualdade implica
que + =5 0ac bd e + = 0ad bc . Supondo ¹ 0a , temos =-bcda
, logo de
+ =5 0ac bd vem que - =25 0b cac
a, ou seja, - =2 2( 5 ) 0c a b . Como 5 não é
racional, temos = 0c . Assim, + = 0ad bc implica = 0ad e, sendo ¹ 0a , temos
= 0d , portanto + - =5 0c d . Analogamente, se ¹ 0c , obtemos + - =5 0a b .
Consideremos a função - ®: [ 5]N , dada por
+ = +2 2( 5) 5 .N a b a bNotemos que, se = + -5z a b e
= - -5z a b denota o conjugado de z ,
então =( )N z zz . Uma consequência
direta dessa representação é que
= = =( ) ( )( ) ( ) ( )N zw zw zw zzww N z N w .
Agora mostraremos que o elemento
+ -2 5 é irredutível mas não é primo.
Precisaremos, para isso do seguinte resultado.
g u a r d e b e m i s s o !
Iremos considerar funções como esta ainda
neste tópico, quando estudarmos os domínios
euclidianos.
74 Est ru tu ras A lgébr icas
Lema2 Um elemento Î -[ 5]z é unidade se, e somente se, =( ) 1N z .
Demonstração:
Se =( ) 1N z , então =1zz , logo z é o
inverso de z e z é unidade. Reciprocamente,
se existe Î -[ 5]w tal que =1zw , então
= =( ) (1) 1N zw N . Assim, =( ) ( ) 1N z N w . Como
( )N z e ( )N w são inteiros positivos, a única
possibilidade aqui é que = =( ) ( ) 1N z N w .
Se = + -5z a b , então =( ) 1N z implica
que + =2 25 1a b , o que só possível se = 0b e
=±1a , ou seja, =± Î - *1 [ 5]z .
Voltando ao exemplo,
observemos, agora que + - =(2 5) 9N .
Se + - =2 5 zw , então =( ) ( ) 9N z N w
e, em particular, ( )| 9N z . Como ³( ) 0N z , as únicas possibilidades são
=( ) 1N z , =( ) 3N z ou =( ) 9N z . Se =( ) 1N z , o Lema 2 nos diz que z é
unidade. Se =( ) 9N z , então =( ) 1N w e, novamente pelo Lema 2, w é
unidade. O caso =( ) 3N z é impossível, pois +2 25a b não pode ser igual a 3 ,
se Î,a b . Concluímos, então, que + -2 5 é irredutível.
No entanto, + -2 5 não é primo, pois + -2 5 divide ×3 3 , mas + -2 5 não
divide 3 . De fato, se = + - + -3 (2 5)( 5)a b , então = - + + -3 (2 5 ) ( 2 ) 5a b a b ,
o que implica - =2 5 3a b e + =2 0a b . Logo, =-2a b e - =2 5 3a b implicaria
- =9 3b , com Îb , o que é impossível.
Um domínio A é chamado domínio de ideais principais (DIP) se
todo ideal I de A for principal, isto é, gerado por um elemento Îx A . Mais
precisamente, se I é um ideal de A , então existe Îx A tal que
= Î{ | } .I ax a AO exemplo típico de DIP é o anel . Demonstraremos isso mais adiante em
um contexto mais geral. A recíproca do Lema 1 vale em um DIP (e em particular
para ).
at e n ç ã o !
A partir do Lema2 acima também podemos
concluir que - = ±*[ 5] { 1} .
De fato, ± = ± =2( 1) ( 1) 1N . Pelo Lema,
± Î -1 [ 5] . Reciprocamente, se
= + - Î - *5 [ 5]z a b , então, pelo Lema,
=( ) 1N z . Assim, + =2 25 1a b , com Î,a b .
Isso só pode ocorrer se =±1a e = 0b , ou
seja, se =±1z .
75AULA 5 TÓPICO 1
Teorema3 Em um DIP, um elemento é irredutível se, e somente se, for primo.
Demonstração:
O Lema 1 nos diz que todo primo é irredutível em qualquer domínio.
Reciprocamente, se A é um DIP, Îp A é irredutível e Î,a b A são tais que |p ab ,
então
= + Î( , ) { | , }p a px ay x y Aé um ideal de A . Como A é um DIP, existe Îc A tal que =( , ) ( )p a c . Em particular
Î ( )p c , ou seja, |c p . Como p é irredutível, Î *c A ou =c up , com Î *u A . Neste
último caso, = =( , ) ( ) ( )a p c p e, em particular, Î ( )a p , o que implica |p a . Por
outro lado, se Î *c A , então =( )c A e Î =1 ( ) ( , )c p a . Logo, existem Î,x y A tais
que
= +1 .px ayMultiplicando essa igualdade por b , obtemos
= + .b pbx abyComo |p ab , temos que +|p pbx aby , isto é, |p b . Isso mostra que p é
primo.
Um domínio A é dito domínio de fatoração única (DFU) se valem as
seguintes condições:
1. Todo elemento não nulo de A que não é uma unidade pode ser escrito
como produto de um número finito de irredutíveis.
2. Todo elemento irredutível é primo.
O próximo resultado justifica o nome DFU:
Teorema4 Em um DFU todo elemento não nulo que não é uma unidade pode ser escrito
como produto de irredutíveis de modo único, a menos da ordem dos fatores no produto
e de produto por unidades.
Demonstração:
Seja A um DFU. Pela definição de DFU, basta demonstrar a unicidade. Se
1 rp p e 1 tq q são duas fatorações de um mesmo elemento Îa A como produto
de irredutíveis, então 1 1| tp q q . Sendo 1p irredutível no DFU A , 1p também
é primo, logo 1p divide um dos jq . Após um reordenamento dos fatores, se
necessário, podemos assumir que 1 1|p q , isto é, =1 1 1q u p . Como 1q é irredutível,
1u é uma unidade. Podemos escrever, então
76 Est ru tu ras A lgébr icas
= 2 3 1 2 3 .r tp p p u q q qProcedendo da mesma maneira, podemos assumir (após um reordenamento
dos fatores, se necessário) que 2 2|p q , ou seja, que =2 2 2q u p , com Î *2u A . Logo,
= 3 1 2 3r tp p u u q qe, repetindo esse procedimento um número finito de vezes, de modo a cancelar o
maior número possível de irredutíveis, obteríamos, se <r t ,
-= ¼ 11 ,r t r tu u q qisto é, - -
- =
1 11t r r rq q u u , o que é impossível, pois um produto de irredutíveis
não pode ser uma unidade (veja a tarefa 2 desta aula). Do mesmo modo, supor >r t
nos levaria a uma contradição. Assim =r t e cada ip é associado a um iq . Vale,
portanto, a unicidade.
Uma coleção de ideais jI , com ³1j , de um anel A é chamada cadeia
ascendente se Ì Ì Ì Ì 1 2 nI I I . Uma cadeia ascendente é dita estacionária
se existe ³1n tal que
- +Ì Ì Ì Ì = = 1 2 1 1n n nI I I I I
ou seja, se + =1j jI I , para todo ³j n .
Lema5 Seja A um domínio de ideais principais. Então toda cadeia ascendente de
ideais de A é estacionária.
Demonstração:
Dada uma cadeia ascendente de ideais Ì Ì1 2I I , seja, para cada j , ja o
gerador de jI , isto é, = ( )j jI a . Seja ³=È 1 jjI I a união de todos os ideais dessa
cadeia. Afirmamos que I é um ideal de A . De fato, I contém cada jI , logo não
é vazio. se Î,x y I , então Î jx I e Î ky I , com ³1j e ³1k . Se £j k , então
Î Ìj kx I I , logo + Î Ìkx y I I . Se £k j , então Î Ìk jy I I e + Î Ìjx y I I . Se
aÎA e Îx I , então Î jx I , para algum ³1j , logo a Î Ìjx I I . Assim, I é um
ideal do DIP A . Consequentemente, existe Îa A tal que = ( )I a . Como Îa I, existe ³1n tal que Î = ( )n na I a , ou seja, |na a . Por outro lado, Î = ( )na I a
implica que | na a . Assim, a e na são associados e = = =( ) ( )n nI a a I . Agora, se
³k n , então Ì Ì =n k nI I I I , logo =k nI I e a cadeia é estacionária.
A condição toda cadeia ascendente é estacionária é chamada condição das
cadeias ascendentes (CCA). O resultado acima é caso particular de um teorema
devido à matemática alemã Emmy Noether, que afirma serem equivalentes a CCA
77AULA 5 TÓPICO 1
e a finitude do número de geradores dos ideais de A , isto é, dado um ideal I de
A existem ¼ Î1, , ra a A tais que a a a= ¼ = + + Î1 1 1( , , ) { | }r r r iI a a a a A . Anéis
satisfazendo uma dessas condições são chamados noetherianos em homenagem a
ela.
Teorema6 Todo domínio de ideais principais é um domínio de fatoração única.
Demonstração:
Já mostramos que, em um DIP, todo irredutível é primo. Basta mostrarmos,
então, que, em um DIP, todo elemento que não é zero nem unidade, pode ser
escrito como produto de um número finito de irredutíveis. Caso isso não ocorresse,
poderíamos produzir uma cadeia ascendente não estacionária (veja a tarefa 3). Mas
isso contradiz o resultado do Lema 5.
A recíproca do Lema 6 não é válida. Exibiremos um contraexemplo mais
adiante, na aula 6.
Dizemos que A é um domínio euclidiano se existe uma função ®:N A ,
chamada norma, tal que
1. ³( ) 0N a , para todo Îa A e =( ) 0N a se, e somente se, = 0a .
2. × = ×( ) ( ) ( )N a b N a N b , para quaisquer Î,a b A .
3. Dados Î,a b A , com ¹ 0b , existem Î,q r A tais que
= + £ < =, 0 ( ) ( ) 0.a bq r com N r N b our
A condição 2 da definição acima pode ser substituída, supondo-se
simplesmente que vale
1. Se Î,a b A e |a b , então £( ) ( )N a N b .
A verificação de que 2 implica 2' é simples: se |a b , então existe Îc A tal
que =b ac. Logo, =( ) ( )N b N ac e, supondo que vale 2 , =( ) ( ) ( )N b N a N c . Como
( ), ( )N a N b e ( )N c são inteiros não negativos, a relação =( ) ( ) ( )N b N a N c implica
que £( ) ( )N a N b .
EXEMPLO 1
O anel =A , com a função ®:N dada por =( ) | |N a a , é um domínio
euclidiano. A demonstração desse fato usa o Princípio de Eudoxo, mais conhecido
78 Est ru tu ras A lgébr icas
como Princípio de Arquimedes, que afirma que um número real está sempre entre
dois números inteiros consecutivos. Se Î,a b , com ¹ 0b , então existe, pelo
Princípio de Eudoxo, Îq tal que
£ < +1.aq qb
Multiplicando por b , temos, se >0b , £ < +bq a bq b , ou seja,
0r
a bq b£ - <
. Se <0b , temos ³ > +bq a bq b , ou seja, 0r
a bq b³ - >
. Em
qualquer um dos casos, £ <0 | | | |r b , onde = -r a bq . Isso mostra que vale a
condição 3 da definição de domínio euclidiano. Uma vez que = ×| | | | | |ab a b , vale a
condição 2. Finalmente, a condição 1 é consequência da definição de valor absoluto
de um número real.
EXEMPLO 2
Veremos, na aula 6, que = [ ]A K X , o anel de polinômios na indeterminada X
com coeficientes no corpo K , é um domínio euclidiano, com norma ®: [ ]N K X
dada por =( ( )) grau ( ( ))N f X f X .
EXEMPLO 3
Seja = + Î[ ] { | , }i a bi a b , onde =-2 1i . Com a soma e o produto de
números complexos, [ ]i é um domínio, chamado domínio de inteiros de Gauss.
Munido com a função ®: [ ]N i , dada por + = +2 2( )N a bi a b , [ ]i é um
domínio euclidiano. De fato, + = + ³2 2( ) 0N a bi a b para todo = + Î [ ]z a bi i e
=( ) 0N z implica que + =2 2 0a b . Como Î,a b , essa última igualdade implica
que = = 0a b , logo = 0z . Dessa forma, vale a condição 1. Para verificarmos a
validade da condição 2, basta notarmos que = + =2 2( )N z a b zz , onde = -z a bi
é o conjugado de z . Assim, = × = × × = × =( ) ( ) ( )N zw zw zw zw z w zz ww N z N w . A
condição 3 merece uma atenção especial e será tratada no teorema a seguir.
Teorema7 Seja = + Î[ ] { | , }i a bi a b o domínio dos inteiros de Gauss. Dados
Î, [ ]z w i , com ¹ 0w , existem Î, [ ]q r i tais que
= + £ <, 0 ( ) ( ).z qw r e N r N w
Demonstração:
Os elementos de [ ]i formam uma rede de pontos distribuídos de modo
homogêneo ao longo do plano. Mais precisamente, esses elementos correspondem
79AULA 5 TÓPICO 1
aos pontos que têm coordenadas inteiras, ou, de modo mais geométrico, aos pontos
que são vértices dos quadrados de lado 1 que formam um ladrilhamento do plano.
Como o plano complexo é totalmente coberto pelos quadrados desse ladrilhamento,
o número complexo zw
pertence a um desses quadrados. Dentre os quatro vértices
do quadrado que contém zw
, seja Î [ ]q i aquele cuja distância a zw
é a menor
possível, podendo ser, inclusive, igual a zero. Essa distância não pode ser maior do
que metade da diagonal do quadrado, que tem lado 1, ou seja, a distância entre zw
e q é menor ou igual a 2
2. Isso se dá porque o ponto que corresponde a
zw
está
em um dos quatro quadrados menores exibidos na figura 1 abaixo, justamente o
quadrado pequeno que contém o vértice q .
Figura 1: Ponto zw
no interior do quadrado.
Como a maior distância entre dois pontos sobre um quadrado é o comprimento
de sua diagonal, temos £ - £ <20 | | 1
2z qw
. Temos: - <| | | |z qw w . Observando
que = 2( ) | |N a a e denotando = -r z qw , obtemos, finalmente, = +z qw r , com
£ <0 ( ) ( )N r N w , como queríamos.
O resultado que exibiremos a seguir é uma repetição de um argumento
utilizado no curso de Teoria dos Números. Essa teorema estabelece a ligação entre
os domínios euclidianos e dos domínios de ideais principais.
Teorema8 Todo domínio euclidiano é um domínio de ideais principais.
Demonstração:
Seja A um domínio euclidiano e I um ideal de A . O conjunto
= Î Ì{ ( )| }IN N x x I
80 Est ru tu ras A lgébr icas
é não vazio. Pelo princípio da boa ordem, existe Î0x I tal que 0( )N x é mínimo. Como
Î0x I , temos a inclusão Ì0( )x I . Reciprocamente, se Îx I , existem Î,q r A tais
que = +0x qx r e £ < 00 ( ) ( )N r N x . Como Î0,x x I , temos que = - Î0r x qx I .
Se ¹ 0r , então Îr I e < 0( ) ( )N r N x contrariam a minimalidade de 0x . Assim,
= 0r e = Î0 0( )x qx x , demonstrando que Ì 0( )I x . Portanto qualquer ideal I de
A é principal, sendo gerado pelo elemento 0x tal que 0( )N x é mínimo.
Dessa forma, temos a seguinte sequência de implicações:
Þ Þí . . . . . .Dom nioEuclidiano D I P D FU
Além disso, as implicações no sentido inverso não valem em geral. Exibiremos
na, aula 6, um DFU que não é DIP. O exemplo a seguir é um DIP que não é domínio
euclidiano.
EXEMPLO:
O anel q q q+ -
= = + Î =1 19[ ] { | , , }
2A a b a b é um DIP e não é domínio
euclidiano.
Encerramos aqui o primeiro tópico de nossa quinta aula. Vimos aqui a
importância da noção de fatoração única, originalmente uma propriedade nos
números inteiros, que ocorre também em contextos mais amplos, como nos inteiros
de Gauss ou anéis de polinômios. Vimos que o tratamento abstrato dessa noção,
feito isolando-se as condições essenciais para que ocorra a fatoração única, nos
permite obter resultados que valem tanto para o anel dos inteiros, quanto para
outros anéis que também sejam domínios de fatoração única.
81AULA 5 TÓPICO 2
TÓPICO 2 O corpo de frações de um domínioObjetivOs• Assimilar a noção de corpo de frações de um
domínio
• Identificar os domínios como únicos anéis para
os quais é possível a construção de um corpo de
frações
Neste tópico, faremos uma construção importante. Para cada
domínio de integridade A , iremos construir um corpo K
“contendo” A e tal que, para Îa A , ¹ 0a , exista Îx K
satisfazendo × =1a x . Esse corpo é chamado corpo de frações do domínio A . A
palavra contendo aparece entre aspas pois, na verdade, não ocorre uma inclusão,
mas sim um homomorfismo injetor de A em K , análogo ao homomorfismo ® ,
discutido na aula 4. Em particular, essa construção nos permite definir com precisão
o que é número racional: basta aplicar os resultados que estudaremos aqui ao caso
=A .
Seja A um domínio de integridade. Denotamos ´ = -{ 0}A A . Seja ´= ´ = Î ¹{ ( , )| , , 0}B A A a b a b A b . Consideremos a seguinte relação em B :
Û =( , ) : ( , ) .a b c d ad bcEssa é uma relação de equivalência. De fato, a reflexividade e a simetria da
relação podem ser verificadas sem muita dificuldade do seguinte modo:
• Reflexividade: dado um par ordenado Î( , )a b B , a definição da relação :
nos diz que = Þ ( , ) : ( , )ab ab a b a b .
• Simetria: dados Î( , ),( , )a b c d B , se ( , ) : ( , )a b c d , então =ad bc o que é
equivalente a =cb da , ou seja, ( , ) : ( , )c d a b .
82 Est ru tu ras A lgébr icas
Quanto à transitividade, temos o seguinte: se ( , ) : ( , )a b c d e ( , ) : ( , )c d e f ,
então =ad bc e =cf de. Multiplicando a primeira igualdade por f , obtemos
=( ) ( )d af b cf . Usando a segunda igualdade, obtemos: =( ) ( )d af b de , isto é,
=( ) ( )d af d be . Como ¹ 0d e A é um domínio, podemos cancelar d e obter
=af be , o que implica ( , ) : ( , )a b e f .
Vamos denotar por K o conjunto das classes de equivalência que a relação :
define sobre B , ou seja,
= Î( , ) { ( , ) | ( , ) : ( , )} a b x y B x y a b e
= Î{ ( , )| ( , ) } .K a b a b B
Observemos, ainda, que, se ¹ 0k , então =( , ) ( , )a b ak bk . Dessa forma,
podemos definir as seguintes operações em K :
PRODUTO: × =( , ) ( , ) ( , )a b c d ac bd .
SOMA: + = +( , ) ( , ) ( , )a b c b a c b .
Note que a soma foi definida apenas
para pares ordenados que têm as segundas
coordenadas iguais. Isso não acarreta problemas
de definição, pois, se as segundas coordenadas
forem distintas, podemos proceder da seguinte
forma:
+ = + = +( , ) ( , ) ( , ) ( , ) ( , ).a b c d ad bd bc bd ad bc bdConsideremos duas classes ( , )a b e ( , )c d .
Podemos escolher outros representantes
para essas classes, digamos, Î1 1( , ) ( , )a b a b e
Î1 1( , ) ( , )c d c d , de modo que =1 1( , ) ( , )a b a b e
=1 1( , ) ( , )c d c d . Dessa forma, temos, pela definição
da relação de equivalência, =1 1a b ab e =1 1cd cd .
Multiplicando essas igualdades membro a
membro, obtemos =1 1 1 1( )( ) ( )( )a c bd ac bd .
Novamente pela definição da relação de
equivalência, temos = 1 1 1 1( , ) ( , )ac bd a c bd .
De acordo com a definição que demos para o
produto de classes,
× = = = ×1 1 1 1 1 1 1 1( , ) ( , ) ( , ) ( , ) ( , ) ( , ).a b c d ac bd a c bd a b c d
at e n ç ã o !
A maneira como somamos as classes acima é
exatamente o modo como somamos frações,
transformando-as em frações com o mesmo
denominador.
A seguir, mostraremos que as operações
acima estão bem definidas, isto é, que não há
ambiguidade nas definições. Isso deve ser feito
sempre que definirmos operações entre classes,
como já fizemos na aula 1, quando definimos as
operações de um grupo quociente, e na aula 4,
quando tratamos da boa definição das operações
em um anel quociente.
83AULA 5 TÓPICO 2
Portanto, o produto de classes não depende da escolha dos representantes.
Vamos, agora, mostrar que vale o mesmo para a soma. Como já vimos acima,
dadas duas classes ( , )a b e ( , )c d , podemos obter novos representantes de modo
que as segundas coordenadas dos pares ordenados coincidam. Mais precisamente,
podemos considerar =( , ) ( , )a b ad bd e =( , ) ( , )c d bc bd . Assim, podemos considerar,
sem perda de generalidade, duas classes representadas por pares cujas segundas
coordenadas coincidem: ( , )x z e ( , )y z . Consideremos outros representantes das
mesmas classes: =1 1( , ) ( , )x z x z e =1 1( , ) ( , )y z y z . Pela definição da relação de
equivalência, =1 1x z xz e =1 1y z yz . Somando essas duas igualdades membro a
membro, obtemos + = +1 1 1 1x z y z xz yz e assim + = +1 1 1( ) ( )x y z x y z . Novamente
pela definição da relação de equivalência, temos + = +1 1 1( , ) ( , )x y z x y z e, pela
definição dada para a soma de classes,
+ = + = + = +1 1 1 1 1 1 1( , ) ( , ) ( , ) ( , ) ( , ) ( , ).x z y z x y z x y z x z y zIsso mostra que a soma também independe da escolha dos representantes
das classes.
Usamos a notação ab
para indicar a classe ( , )a b e chamamos cada uma
dessas classes de fração. As coordenadas a e b de um representante da classe
( , )a b , ou seja, da fração ab
, são chamadas, respectivamente, de numerador e
denominador da fração ab
. Usando a notação de fração, podemos reescrever as
operações entre classes, definidas acima, da seguinte maneira:
++ = ,a c ad bc
b d bd
× = .a c acb d bd
O Teorema a seguir mostra que o conjunto das frações com numerador e
denominador em um domínio A é um corpo. Lembremos que, se A e B são dois
aneis, dizemos que A pode ser imerso em B , se existe um homomorfismo injetor
®:f A B .
Teorema9 O conjunto K das frações com numerador e denominador em um domínio
A , com as operações definidas acima, é um corpo, chamado corpo de frações de
A e denotado por = . . ( )K c f A . Todo domínio de integridade A pode ser imerso
em seu corpo de frações.
84 Est ru tu ras A lgébr icas
Demonstração:
Já mostramos que as operações são bem definidas. Verificar que valem os
axiomas de anel comutativo é uma tarefa de rotina (veja a tarefa número 6). O
elemento neutro do produto é a fração 11
. De fato, ×× = =
×1 11 1
a a ab b b
. Por outro lado,
o elemento neutro da soma é a fração 01
. De fato, se Îa Kb
, então
++ = + = =
0 0 0 .1
a a a ab b b b b
Dada uma fração Îa Kb
, ¹01
ab
, podemos garantir que ¹ 0a , do contrário,
teríamos = =0 0
1ab b
, a última igualdade sendo válida porque × = = ×0 1 0 0b (vale
lembrar que cada fração é uma classe de pares ordenados). Sendo ¹ 0a , temos
Îb Ka
. Além disso,
× =a b abb a ba
e essa última fração é igual a 11
, pois × = ×( ) 1 1 ( )ab ba . Isso mostra que todo elemento
diferente do elemento neutro da soma de K , possui um inverso em K . Logo, o anel
comutativo com unidade K é, na verdade, um corpo.
Para mostrar que A pode ser imerso em seu corpo de frações K ,
consideremos a função ®:f A K , dada por =( )1af a . Primeiro, verifiquemos que
f é um homomorfismo: +
+ = = + = +( ) ( ) ( ),1 1 1
a b a bf a b f a f b
= = × =( ) ( ) ( ).1 1 1ab a bf ab f a f b
O núcleo de f é trivial, pois Î kera f se, e somente se, =0( )1
f a . Logo,
=0
1 1a , o que significa × = ×1 1 0a , ou seja, = 0a . Assim, =ker {0}f e f é um
homomorfismo injetor. Isso mostra que A pode ser imerso em K .
EXEMPLO 1:
Se =A , o domínio dos inteiros, então =. .( )c f . De fato, o procedimento
descrito acima é uma construção formal do corpo dos números racionais.
EXEMPLO 2:
Se A é um corpo, então = . . ( )K c f A é isomorfo a A . De fato, o homomorfismo
injetor ®:f A K , dado por =( )1af a , como na demonstração do Lema 9, é, neste
85AULA 5 TÓPICO 2
caso, também sobrejetor. Para verificarmos isso, tomemos Îa Kb
. Como Îb A ,
¹ 0b e K é um corpo, temos - Î1b A . Assim, - -
--= = =
1 11
1 ( )1
a ab ab f abb bb
e isso
mostra que f é sobrejetivo.
EXEMPLO 3:
Em particular, veremos que, se k é um
corpo, então [ ]k x , o conjunto dos polinômios na
indeterminada x , com coeficientes em k , com
as operações de soma e produto de polinômios,
é um domínio. O corpo de frações de [ ]k x é
denotado por ( )k x . Podemos descrevê-lo do
seguinte modo:
ì üï ïï ï= Î ¹í ýï ïï ïî þ
( )( ) | ( ), ( ) [ ], ( ) 0 .( )
f xk x f x g x k x g x
g xEXEMPLO 4:
O anel de inteiros de Gauss = + Î =-2[ ] { | , , 1}i a bi a b i é um domínio de
integridade. Aliás, já mostramos, nesta aula, que [ ]i é um domínio euclidiano.
O corpo de frações de [ ]i é formado pelas frações do tipo ++
a bic di
. Podemos
simplificar essa expressão do seguinte modo:
+ -+ + - + -= × = = + ×
+ + - + + +2 2 2 2 2 2
( )( ) .a bi c dia bi a bi c di ac bd bc ad ic di c di c di c d c d c d
Como já comentamos anteriormente nesta aula, esse processo é chamado
racionalização. As igualdades acima mostram que todo elemento de . .( [ ])c f i
está contido em = + Î =-2[ ] { | , , 1}i r si r s i . Reciprocamente, se + Î [ ]r si i ,
então podemos escrever
+ ×+ = + × = Î . .( [ ]).a c ad bc ir si i c f i
b d bd
Assim, =. .( [ ]) [ ]c f i i . Isso mostra, em particular, que [ ]i é um corpo.
Encerramos aqui nosso segundo tópico e a aula 5. Nesta aula vimos que a
importante noção de fatoração única que vale para números inteiros, pode ser
tratada abstratamente. O anel dos inteiros, sendo um domínio euclidiano, é o exemplo
padrão e clássico das estruturas que estudamos aqui. A contrapartida geométrica
at e n ç ã o !
Na próxima aula, estudaremos os anéis de
polinômios.
86 Est ru tu ras A lgébr icas
é dada pelo outro exemplo clássico: os anéis de polinômios com coeficientes em
um corpo, que serão estudados na próxima aula. Veremos que os polinômios com
coeficientes em um corpo e uma indeterminada formam um domínio euclidiano,
mas se considerarmos polinômios com mais de uma indeterminada, o domínio
resultante não será sequer um domínio de ideais principais, embora seja um
domínio de fatoração única.
at i v i d a d e d e a p r o f u d a m e n t o
1. Considere a equação diofantina + =2 2 2x y z . Os trios de inteiros ¹( , , ) (0,0,0)x y z que satisfazem
essa equação são chamados trios pitagóricos. Se =m.d.c.( , , ) 1x y z , dizemos que o trio pitagórico
( , , )x y z é primitivo.
(a) Mostre que se ( , , )x y z é um trio pitagórico primitivo, então z é ímpar. Sugestão: a igualdade
+ =2 2 2x y z implica que + º2 2 2 (mod4)x y z .
(b) Dado um trio pitagórico primitivo ( , , )x y z , mostre que um primo Î [ ]p i não pode dividir
simultaneamente +x iy e -x iy .
(c) Observando que = + -2 ( )( )z x iy x iy em [ ]i , e que o anel dos inteiros gaussianos é um DFU, use o
item anterior para mostrar que + = + 2( )x iy u m in , onde Î *[ ]u i .
(d) Conclua que =± -2 2( )x m n , =±2y mn e =± +2 2( )z m n , com Î,m n de paridades distintas.
2. Esse exercício usa a fatoração única em [ ]i para demonstrar que qualquer primo Îp tal que
º1 (mod4)p pode ser escrito como soma de dois quadrados.
(a) Mostre que, se º1 (mod4)p , então a congruência º-2 1 (mod )x p tem solução ( sugestão: Calcule
o símbolo de Legendre -æ ö- ÷ç ÷= -ç ÷ç ÷çè ø
121 ( 1)
p
p).
(b) De acordo com o resultado do item anterior, +2| 1p n , para algum În . Logo + -| ( )( )p n i n i .
Mostre que +p p i e -p p i . Conclua que p não é primo em [ ]i , logo p é redutível em [ ]i .
(c) Pelo item anterior, = + +( )( )p a ib c id e nenhum dos fatores é uma unidade. Considere a norma em
ambos os membros dessa igualdade e conclua que p é soma de dois quadrados.
3. Observe que + - = = + -(2 )(2 ) 5 (1 2 )(1 2 )i i i i . Por que isso não contradiz a fatoração única em [ ]i?
4. (Inteiros de Eisenstein) Seja pw- +
= =2 /3 1 32
i ie . Considere a função w ®: [ ]N dada por
w+ = - +2 2( )N a b a ab b .
87AULA 5 TÓPICO 2
(a) Mostre que se w+a b for escrito na forma +u vi , com Î,u v , então w+ = +2 2( )N a b u v .
(b) Mostre que, se a b wÎ, [ ] , então ab a b=( ) ( ) ( )N N N . Conclua que, se a g| em w[ ] , então
a g( )| ( )N N em .
(c) Seja a wÎ [ ] . Mostre que a é unidade se, e somente se, a =( ) 1N . Encontre todas as unidades
de w[ ] (existem seis ao todo).
(d) Mostre que w-1 é irredutível em w[ ] e que w= - 23 (1 )u para alguma unidade wÎ [ ]u .
(e) Mostre que w[ ] é um dompinio euclidiano, logo é um DIP e também um DFU.
5. Seja A um DIP e ®:f A D um homomorfismo de A em um domínio D . Mostre que / kerA f
é isomorfo a um corpo contido em D . Sugestão: use a tarefa 5 desta aula e o Teorema Fundamental dos
Homomorfismos.
6. Seja A um domínio de integridade e = . . ( )K c f A o corpo de frações de A . Se L é um corpo
e ®:f A L é um homomorfismo de anéis, mostre que existe um único homomorfismo de anéis
®:g K L tal que =( ) ( )g a f a , para todo Îa A .
88 Est ru tu ras A lgébr icas
Olá, aluno (a),
Todos nós temos uma noção básica do que é um polinômio e também conhecemos
algumas de suas propriedades básicas. Nesta aula, estudaremos polinômios no
contexto da Álgebra Abstrata. A ideia principal é estudar conjuntos de polinômios
em vez de estudá-los isoladamente. Os polinômios com coeficientes em um anel
A formam um novo anel, chamado anel de polinômios sobre A . Com o auxílio do
Teorema Fundamental dos Homomorfismos de Anéis, visto na aula 4, veremos que
os anéis de polinômios são uma ferramenta fundamental na construção de novos
exemplos de anéis. A definição de polinômio que daremos nos permitirá definir
outro conceito importante: o de série formal. Também estudaremos nesta aula os
polinômios irredutíveis, aqueles que desempenham papel similar aos dos números
primos em . Vamos lá?
Objetivos
• Compreender a definição de polinômio e de anel de polinômios• Reconhecer a noção de série formal como uma extensão natural da noção
de polinômio• Identificar a validade do algoritmo da divisão em anéis de polinômios com
coeficientes em um corpo • Utilizar o critério de Eisenstein para decidir quando um polinômio com
coeficientes inteiros é irredutível
AULA 6 Polinômios
89AULA 6 TÓPICO 1
TÓPICO 1 Sequências quase nulas e polinômiosObjetivOs• Compreender o que é um polinômio e o significado
formal da noção de indeterminada
• Identificar algumas propriedades dos anéis de
polinômios e dos anéis de séries formais
• Construir anéis de polinômios em mais de uma
indeterminada
Neste primeiro tópico, veremos a definição formal de polinômio
e esclareceremos o que é a indeterminada de um polinômio.
Estudaremos um processo indutivo que permite a construção de
anéis de polinômios em um número finito de indeterminadas. Veremos também que
a definição de polinômio pode ser naturalmente estendida para que se possa definir
série formal. Esses objetos formam anéis, cujas propriedades serão estudadas ao
longo desta aula.
No que se segue, iremos considerar zero como um número natural, isto é,
{ 0,1,2, }= ¼ . Essa escolha será justificada mais adiante.
Dado um conjunto A , uma sequência de elementos de A é uma função
:f A® . Usamos a notação nf em vez de ( )f n e indicamos a sequência como
0 1( ) ( , , , , )n nf f f f f= = ¼ ¼ . Em geral, trataremos aqui dos casos em que A é um
anel. A ideia é induzir no conjunto das sequências uma estrutura de anel induzida
pela estrutura de anel de A . Para isso, precisamos dizer quando duas sequências
são iguais e também precisamos definir operações entre sequências.
Duas sequências são ditas iguais quando são iguais como funções. Isso
significa que ( ) ( )n nf g= se, e somente se, n nf g= , para todo 0n³ . O elemento nf
da sequência f é chamado n -ésimo termo da sequência, ou termo de grau n da
sequência f .
90 Est ru tu ras A lgébr icas
A soma de duas sequências ( )nf f= e ( )ng g= é uma sequência f g+
dada por
0 0 1 1 2 2( , , , ),f g f g f g f g+ = + + + ¼
ou seja, a soma de duas sequências é feita termo a termo. A sequência nula é
( )nf f= tal que 0nf = , para todo 0n³ , isto é, f é a função identicamente nula.
Vamos denotá-la por 0 . A sequência nula tem a seguinte propriedade notável:
0 , ê .f f paratodasequ ncia f+ =
Dizemos que 0 é o elemento neutro da soma de sequências.
O produto de duas sequências ( )nf f= e ( )ng g= é feito levando-se em
consideração o grau de cada termo, de modo que o produto i jf g× tenha grau i j+ .
Tal produto é chamado produto graduado de sequências. Dessa forma, temos
0 1 2( , , , , , )kf g h h h h× = ¼ ¼
onde
0 1 1 1 1 0.k k k k kh f g f g f g f g- -= + + + +
Vamos denotar o conjunto das sequências de elementos de um anel A ,
munidos da soma e do produto definidos acima, pelo símbolo ( )S A , ou
simplesmente S , quando estiver claro em que anel estamos tomando os termos nf .
Uma sequência f SÎ é chamada quase
nula quando existir 0 0n ³ tal que 0nf = ,
para todo 0n n³ . O conjunto das sequências
quase nulas é denotado por 0( )S A ou 0S .
Dada 0f SÎ , 0f ¹ , existe algum termo
de f que é diferente de zero. Como f é quase
nula, existe N Î tal que 0nf = , para todo
n N> . Se 0Nf ¹ , então dizemos que o grau de
f é N e usamos a notação: grau ( )f N= .
Lema1 Seja A um anel e S0 (A) o conjunto das sequências quase nulas de elementos de A.
1. A soma de duas sequências quase nulas f e g é uma sequência quase nula e,
se f g+ ≠ 0 , então grau max grau grau( ) { ( ), ( )}f g f g+ = .
2. O produto de duas sequências quase nulas é uma sequência quase nula e, se
A é um domínio, então grau grau grau( ) ( ) ( )f g f g⋅ = + .
at e n ç ã o !
No caso em que é a sequência nula,
convencionamos que, embora alguns autores
assumam que a sequência nula não tem grau.
91AULA 6 TÓPICO 1
Demonstração:
1. Sendo f e g sequências quase nulas, podemos escrever
0 1( , , , ,0,0, )nf f f f= ¼ ¼ e 0 1( , , , ,0,0, )mg g g g= ¼ ¼ , onde grau ( )n f= e
grau ( )m g= . Podemos supor que n m£ (o caso m n£ é similar). Como a soma é
dada coordenada a coordenada, temos
0 0 1 1 1( , , , , , , ,0,0, ),n n n mf g f g f g f g g g++ = + + ¼ + ¼ ¼
ou seja, ( ) 0if g+ = , se i m> e ( ) 0m mf g g+ = ¹ . Assim, 0( )f g S A+ Î e, se
0f g+ ¹ , então grau ( ) max{ grau ( ),grau ( )}f g m f g+ = = .
2. Se 0, ( )f g S AÎ , podemos, como antes, escrever 0 1( , , , ,0,0, )nf f f f= ¼ ¼ e
0 1( , , , ,0,0, )mg g g g= ¼ ¼ . O produto f g× é dado por
0 0 0 1 1 0 0 2 1 1 2 0( , , , ).f g f g f g f g f g f g f g× = + + + ¼
Em geral, o termo de grau de f g× é dado pela soma
0 1 1 1 1 0 (*).f g f g f g f g- -+ + + +
Em particular, o termo de grau m n+ é dado por n mf g . Como 0nf ¹ ,
0mg ¹ e A é um domínio, temos que 0n mf g ¹ . Se m n> + , então o
termo de grau , dado pela soma (*), é igual a zero. Logo, 0( )f g S A× Î e
grau ( ) grau ( ) grau ( )f g n m f g× = + = + .
A função 0: A Sf ® , dada por ( ) ( ,0,0, )a af = ¼ é um homomorfismo injetor.
De fato, se ( ) ( )a bf f= , então ( ,0,0, ) ( ,0,0, )a b¼ = ¼ e isso implica que a b= , pela
definição de igualdade de sequências. Além disso,
( ) ( ,0,0, ) ( ,0,0, ) ( ,0,0, ) ( ) ( ) a b a b a b a b ef f f+ = + ¼ = ¼ + ¼ = +
( ) ( ,0,0, ) ( ,0,0, ) ( ,0,0, ) ( ) ( ).ab ab a b a bf f f= ¼ = ¼ ¼ = ×
Isso mostra que A pode ser “mergulhado” em 0S (logo, também em S , pois
0S SÌ ) no seguinte sentido: podemos identificar cada elemento a AÎ com sua
imagem ( ) ( ,0,0, )a af = ¼ , sem que isso altere a soma e o produto de elementos
de A (veja o Exemplo 2, tópico 1, aula 4, para uma situação similar). Usando essa
identificação, escreveremos, daqui por diante, ( ,0,0, )a a= ¼ .
A sequência
(0,1,0,0, )x= ¼
é chamada indeterminada de S sobre A . Essa sequência tem as seguintes
propriedades notáveis: 2 (0,0,1,0,0, ),x x x= × = ¼
3 2 (0,0,0,1,0,0, ),x x x= × = ¼
92 Est ru tu ras A lgébr icas
e assim por diante, ou seja, nx , 1n³ , é a sequência cujo termo de grau n é igual
a 1 e todos os outros termos são iguais a zero. Isso pode ser verificado diretamente,
usando-se a definição de produto de sequências.
Usando a definição de soma, podemos escrever, para uma sequência f SÎ
qualquer,
0 1 2 0 1 2( , , , ) ( ,0,0, ) (0, ,0,0, ) (0,0, ,0,0, )f f f f f f f= ¼ = ¼ + ¼ + ¼ +
Agora, notemos que, novamente pela definição de produto de sequências,
posição n
(0,0, ,0, ,0,0, ) ( ,0,0, ) (0,0, ,0, 1 ,0,0, ) nn n nf f f x¼ ¼ = ¼ × ¼ ¼ =
para todo 1n³ . Assim, obtemos 2 3
0 1 2 3f f f x f x f x= + + + +No caso em que 0f SÎ , existe grau ( ) 0N f= ³ tal que
20 1 2 .N
Nf f f x f x f x= + + + +
e chamamos f de polinômio. Se, por outro lado, 0\f S SÎ , a ``soma’’ 2 3
0 1 2 3f f f x f x f x= + + + +é chamada de série formal. O adjetivo formal justifica-se por não estarmos
considerando x como número real ou complexo, mas como uma sequência particular.
Assim, não faz sentido aqui falarmos em convergência, visto que 0 1f f f x= + +
é uma expressão que não necessariamente é um número complexo, mas apenas
outro modo de escrever a sequência 0 1( , , )f f f= ¼ .
Os termos if AÎ passam a ser chamados coeficientes do polinômio, ou da
série formal. Se f é um polinômio, o coeficiente nf , com grau ( )n f= , é chamado
coeficiente líder de f .
Dessa forma, uma série formal é uma sequência e um polinômio é uma
sequência quase nula, e o que os torna distinguidos dentre as sequências é o
modo que escolhemos para multiplicá-los, ou seja, uma sequência quase nula
ganha o nome especial de polinômio e se comporta como o que costumamos pensar
ser um polinômio, devido ao produto especial que definimos entre duas dessas
sequências. Esse é um exemplo claro de como a estrutura geral do conjunto de
objetos age sobre a natureza de cada objeto em particular.
Os resultados sobre sequências quase nulas podem ser reescritos como
resultados para polinômios, bastando para isso substituir as palavras sequência
quase nula por polinômio. Em particular, o Lema 1 pode ser usado para polinômios.
Usamos as notações:
[ ]A x = {polinômios com coeficientes em A}
93AULA 6 TÓPICO 1
[ ][ ]A x = {séries formais com coeficientes em A}
Teorema2 Seja A um anel comutativo com unidade. Usando a notação dada
acima, A[x] e A[[x]] são anéis.
Demonstração:
Vamos, primeiramente, mostrar que [[ ]]A x é um anel. Depois mostraremos
que [ ]A x é um subanel de [[ ]]A x . A associatividade da soma e do produto, a
comutatividade da soma e do produto, e a distributividade seguem todas o mesmo
raciocínio: transferir o problema para A , usando-se a definição da operação. A
título de ilustração, vamos verificar uma dessas propriedades, a comutatividade da
soma: dados
20 1 2f a a x a x= + + + e 2
0 1 2g b bx b x= + + + ,
2 20 0 1 2 2 0 0 1 1 2 2( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )f g a b a b x a b x b a b a x b a x
g f++ = + + + + + = + + + + +
+ = +
pois a soma é comutativa em A , já que A é um anel.
A série identicamente nula 20 (0,0, ) 0 0 0x X= ¼ = + + + é o elemento
neutro da soma em [[ ]]A x , o que pode ser verificado diretamente usando-se a
definição. Dada 20 1 2 [[ ]]f a a x a x A x= + + + Î , a série 2
0 1 2f a a x a x- =- - - -
é tal que ( ) ( ) 0f f f f+ - = - + = , onde 0 aqui denota a série identicamente nula.
Logo, toda série de [[ ]]A x possui um inverso aditivo.
A unidade 1 AÎ pode ser identificada com a série 1 (1,0,0, )= ¼ . Dada uma
série 20 1 2 [[ ]]f a a x a x A x= + + + Î , 1 1f f f× = × = , como pode ser verificado
diretamente usando-se a definição de produto de séries. Logo, 1 é o elemento
neutro do produto em [[ ]]A x .
Isso mostra que [[ ]]A x é um anel.
O item 2 do Lema 1 nos diz que a soma e o produto de dois polinômios
(sequências quase nulas) é um plonômio. Dessa forma, [ ]A x é fechado para a soma e
para o produto. Além disso, os elementos neutros 0 e 1 de [[ ]]A x , definidos acima,
são elementos de [ ]A x . Portanto, [ ]A x é subanel de [[ ]]A x , e, em particular, é um
anel.
Usamos também a notação ( )A x para indicar as frações tais que o numerador
e o denominador são polinômios, isto é,
94 Est ru tu ras A lgébr icas
( ) ( )( ) . . [ ] | ( ), ( ) [ ], ( ) 0 ,( )
f xA x c f A x f x g x A x g x
g x
ì üï ïï ï= = Î ¹í ýï ïï ïî þ
no sentido, discutido na aula 5. Uma fração tal que o numerador e o denominador
são polinômios é chamada função racional.
EXEMPLOS:
1. Se A BÌ , então [ ] [ ]A x B xÌ . Em particular, [ ] [ ] [ ]x x xÌ Ì .
2. 11 x
Î-
[ ]x , mas 1 [[ ]]
1x
xÎ
- . De fato, 2 3(1 )(1 ) 1x x x x- + + + + =
e isso implica que 2 31 1 [[ ]]1
x x x xx= + + + + Î
- .
3. Se A é um anel e I é um ideal de A , denotamos por [ ]I x o conjunto dos
polinômios de [ ]A x cujos coeficientes pertencem a I . Mais ainda, podemos afirmar
que o conjunto [ ]I x é um ideal de [ ]A x (veja a tarefa 1 dessa aula) e que [ ] / [ ]A x I x
é isomorfo ao anel ( / )[ ]A I x , formado pelos polinômios na indeterminada x com
coeficientes no anel quociente /A I (veja a tarefa 2 dessa aula).
4. Como caso particular do exemplo acima, podemos considerar o anel
de polinômios [ ]m x , onde m é um inteiro maior do que 1, como sendo o anel
quociente [ ] / [ ]x m x .
Dizemos que [ ]f A xÎ (ou [[ ]]f A xÎ ) é invertível, quando existe [ ]g A xÎ
(ou [[ ]]g A xÎ ) tal que 1f g× = . Convém lembrar que estamos fazendo aqui a
seguinte identificação: 1 (1,0,0, )= ¼ .
Lema3 Seja A um anel.
1. Um elemento 0 1 [ ]nnf a a x a x A x= + + + Î
é invertível se, e somente
se, a0 é invertível em A, isto é, se existe b A0 Î tal que a b0 0 1= .
2. Se A é um domínio, um elemento 0 1 [ ]nnf a a x a x A x= + + + Î é
invertível se, e somente se, f AÎ e f é invertível em A.
Demonstração:
1. Se existe 20 1 2 [[ ]]g b bx b x A x= + + + Î tal que 1fg= , então
2 20 0 0 1 1 0 0 2 1 1 2 0( ) ( ) 1 0 0a b a b a b x a b a b a b x x x+ + + + + + = + × + +
o que implica, em particular, que 0 0 1a b = .
Reciprocamente, se existe 0b AÎ tal que 0 0 1a b = , iremos construir a seguir
95AULA 6 TÓPICO 1
uma série formal 20 1 2g b bx b x= + + + tal que 1fg= . A condição 1fg= nos
diz que todos os coeficientes de fg são nulos, exceto o de grau zero, que é 0 0 1a b = .
Assim, temos:
0 1 1 0 0.a b a b+ =
Como 0 1,a a e 0b são conhecidos, podemos determinar 1b de modo único a
partir dessa equação.
Supondo, por indução, que já foram determinados 0 1 2, , , , nb b b b¼ , podemos
determinar 1nb + . De fato, como todos os ia , 0i ³ , são conhecidos, a igualdade
0 1 1 1 1 0 0n n n na b a b a b a b+ ++ + + + =
nos fornece o valor de 1nb + . Portanto, pelo princípio da indução, podemos
construir 20 1 2g b bx b x= + + + tal que 1fg= , como queríamos.
2. Se f AÎ e f é invertível em A , então existe [ ]b A A xÎ Ì tal que
1ab= . Reciprocamente, se existe 0 1m
mg b bx b x= + + + tal que 1fg= , então
0 0 1a b = , logo 0a é invertível em A . Sabemos que 0n ma b = , logo 0na = ou
0mb = , pois A é um domínio. O coeficiente do termo de grau 1m n+ - em f g×
é 1 1 0n m n ma b a b- -+ = . Multiplicando essa igualdade por na , obtemos
02
1 1( ) 0.n n m n ma a b a b=
- -+ =
Logo, 21 0n ma b - = . Vamos, agora, mostrar por indução sobre 1r ³ , que
1 0rn m ra b+
- = . Os casos 0r = e 1r = já foram feitos. Suponhamos, por indução, que 1 0j
n m ja b+- = , para cada { 0,1, , 1}j rÎ ¼ - . Dado 1r > , o termo de grau n m r+ - é
1 1 1 1 0.n m r n m r n r m n r ma b a b a b a b- - - + - + - -+ + + + =
Multiplicando essa última igualdade por 1rna - e usando a hipótese de
indução, vemos que
0.rn m ra b - =
Logo, pelo segundo princípio da indução, temos 0rn m ra b - = , para todo 0r ³ .
Em particular, se r m= , obtemos 0 0mna b = . Como 0 0 1a b = , temos 0m
na = e,
sendo A um domínio, 0na = .
Podemos repetir esse processo para concluirmos que 1 0na - = , 2 0na - = e
assim por diante, até 1 0a = . Concluímos, pois, que 0f a A= Î e f é invertível
em A .
Seja A um anel e [ ]R A x= o anel de polinômios com coeficientes em A .
Podemos considerar o anel de polinômios com coeficientes em R . É conveniente
96 Est ru tu ras A lgébr icas
denotarmos a indeterminada usando outro símbolo, por exemplo, y . O anel [ ]R y é
formado por polinômios na indeterminada y cujos coeficientes são polinômios na
indeterminada x . Em vez de usarmos a notação [ ]R y , com [ ]R A x= , escrevemos,
simplesmente, [ , ]A x y . A construção na ordem inversa gera o mesmo anel. Mais
precisamente, se [ ]S A y= , então e [ ]Sx é isomorfo a [ , ]A x y (veja o exercício de
aprofundamento 1). Um elemento ( , ) [ , ]f x y A x yÎ é chamado polinômio em duas
indeterminadas com coeficientes em A .
EXEMPLO:
Seja 2 4 5( , ) 1 4 [ , ]f x y x xy x y xy y x y= + + + + + Î . Podemos considerar
( , )f x y como polinômio na indeterminada y com coeficientes em [ ]x : 2 4 5( , ) (1 ) (4 )f x y x x x y xy y= + + + + + , ou como um polinômio na indeterminada
x com coeficientes em [ ]y : 5 4 2( , ) (1 ) (1 4 )f x y y y y x yx= + + + + + .
De um modo geral, para um anel A , podemos construir anéis de polinômios
com coeficientes em A em n indeterminadas, onde n é um número natural. Se
1n= ou 2n= , a construção do anel de polinômios em n indeterminadas já foi
feita. Suponhamos, por indução, que tenhamos construído o anel 1 1[ , , ]nA x x -¼ ,
formado pelos polinômios em 1n- indeterminadas com coeficientes em A . O anel
1[ , , ]nA x x¼ é formado pelos polinômios na indeterminada nx , com coeficientes em
1 1[ , , ]nA x x -¼ .
Concluímos, assim, o primeiro tópico desta aula, onde vimos uma definição
formal da noção de polinômio e constatamos que o conjunto dos polinômios em
uma indeterminada com coeficientes em um anel A é também um anel, chamado
anel de polinômios sobre A . Vimos ainda que é possível repetir essa construção
indutivamente, para gerar anéis de polinômios em várias indeterminadas.
No próximo tópico, estudaremos os anéis de polinômios mais detalhadamente,
tendo como ponto de partida um algoritmo de divisão similar ao que existe para
números inteiros.
97AULA 6 TÓPICO 2
TÓPICO 2 Algoritmo da divisão para polinômiosObjetivOs
• Estabelecer e usar o algoritmo da divisão para
polinômios
• Compreender algumas das consequências desse
algoritmo
O algoritmo da divisão para números inteiros afirma que, dados
,a bÎ , existem únicos ,q r Î , tais que 0 1r b£ £ - e
.a b q r= × +
Esse é o algoritmo que nos permite fazer divisões com resto entre os inteiros.
Sobre ele está construída toda a aritmética modular (congruências). Neste tópico,
estabeleceremos um algoritmo análogo para polinômios e estudaremos algumas de
suas consequências.
Dados ( ), ( ) [ ]f x g x A xÎ , queremos encontrar ( ), ( ) [ ]q x r x A xÎ tais que
( ) ( ) ( ) ( )f x g x q x r x= × +
e determinar, se possível, condições para que ( )q x e ( )r x sejam únicos. A primeira
dificuldade reside no fato de não podermos comparar dois polinômios como
fazemos para números inteiros. Assim as desigualdades 0 1r b£ £ - , que surgem
no algoritmo da divisão de números inteiros, devem ser adaptadas para o caso dos
polinômios. A melhor maneira de fazer isso é comparando os graus dos polinômios.
Assim, temos:
98 Est ru tu ras A lgébr icas
Teorema
4 Seja A um corpo e consideremos ( ), ( ) [ ]f x g x A xÎ , com grau(f)>0 e
grau(g)>0. Então existem únicos tais que únicos ( ), ( ) [ ]q x r x A xÎ tais que
( ) ( ) ( ) ( ) 0 grau ( ) grau ( ) 1.f x g x q x r x e r g= × + £ £ -
Demonstração:
Sejam 1
1 1 0( ) n nn nf x a x a x a x a-
-= + + + + e 11 1 0( ) m m
m mg x b x b x bx b--= + + + + ,
onde 0na ¹ e 0mb ¹ . Se m n> , então podemos escrever ( ) 0 ( ) ( )f x g x f x= × + e,
como 0 grau ( ) ( )f grau g£ < , podemos escrever ( ) 0q x = e ( ) ( )r x f x= .
Vamos supor, agora, que m n£ seja
0
1( ) ( ) ( ).
K
n mn
m
af x f x x g xb
-= -
Dessa forma, diminuímos o grau de 1( )f x , ou seja, 1 1grau ( ) ( )n f grau f= < .
Se 1grau ( ) ( )f grau g< , podemos escrever 0( ) n mq x K x -= e 1( ) ( )r x f x= . Se
1grau ( ) grau ( )f g³ , então 1
2 1 1( ) ( ) ( ),n mf x f x K x g x-= - ×
onde a constante 1K é obtida dividindo-se o coeficiente líder de 1f pelo
coeficiente líder de g . Novamente, obtemos, 2 2 1grau ( ) ( )n f grau f= < . Mais uma
vez, se 2grau ( ) ( )f grau g< , podemos escrever
( )
1
( ) ( )
0 1 2( ) ( ) ( ).q x r x
n m n mf x K x K x g x f x- -= + × +
Se ocorrer 2n m> , repetimos o processo. A sequência decrescente
1 2n n n> > > de números naturais é finita e, certamente, existe in m< . Quando
o procedimento atinge esse in , paramos e escrevemos: 11
0 1 1( ) in mn m n miq x K x K x K x e- -- --= + + +
( ) ( ).ir x f x=
Esse é o algoritmo que nos permite dividir um polinômio por outro. Se
olharmos com cuidado o que foi escrito acima, veremos que essa demonstração
nada mais é do que o método que usamos para dividir polinômios.
Resta mostrar a unicidade: se ( ) ( ) ( ) ( )f x q x g x r x= + e ( ) '( ) ( ) '( )f x q x g x r x= + ,
onde 0 grau ( ) ( )r grau g£ < e 0 grau ( ') ( )r grau g£ < , devemos mostrar que
'q q= e 'r r= . Das igualdades acima, segue que
( )( ) '( ) ( ) '( ) ( ).q x q x g x r x r x- × = -
Se ( ) '( ) 0q x q x- ¹ , então grau ( ') 0q q- ³ e
( )( )grau ( ' ) grau ( ) '( ) ( ) grau ( ).r r q x q x g x g- = - × ³
99AULA 6 TÓPICO 2
Por outro lado, grau ( ) ( )r grau g< e grau ( ') ( )r grau g< implicam que
grau ( ' ) ( )r r grau g- < . Juntando as duas desigualdades, obtemos a contradição
grau ( ) ( ' ) grau ( )g grau r r g> - ³ . O absurdo veio de supormos que ( ) '( ) 0q x q x- ¹ .
Logo ( ) '( )q x q x= e '( ) ( ) '( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )r x f x q x g x f x q x g x r x= - = - = , o que demonstra
a unicidade.
Como é de praxe, chamaremos ( )q x e ( )r x
de quociente e resto da divisão de ( )f x por ( )g x .
Quando o resto ( )r x é o polinômio 0 , podemos
escrever ( ) ( ) ( )f x q x g x= . Dizemos, nesse caso,
que ( )g x divide ( )f x , ou que ( )f x é divisível
por ( )g x , ou ainda que ( )f x é múltiplo de ( )g x .
Usamos a notação |g f .
EXEMPLO 1
Não é possível aplicar o algoritmo
da divisão para dividir o polinômio 3 2( ) 4 2 5 [ ]f x x x x x= - + + Î por
( ) 3 1 [ ]g x x x= + Î , de modo que o quociente e
o resto pertençam a [ ]x . Isso se dá porque o coeficiente líder de ( ) 3 1g x x= + não
é invertível em . No entanto, o algoritmo funciona se o divisor for ( ) 1h x x= + ,
pois, nesse caso, o coeficiente líder de ( )h x é igual a 1, logo é invertível em .
Devemos notar que é possível dividirmos ( )f x por ( )g x , desde que permitamos
que o quociente e o resto possam pertencer a [ ]x .
EXEMPLO 2.
Seja 1 1( , , ) [ , , ]n nf x x A x x¼ Î ¼ . Podemos escrever f como um polinômio na
indeterminada nx , com coeficientes no domínio 1 1[ , , ]nR A x x -= ¼ . Como n nx a-
é um polinômio em [ ]nR x cujo coeficiente líder é invertível, podemos dividir
1( , , )nf x x¼ por n nx a- em [ ]nR x , obtendo
1 , 1 1( , , ) ( ) ( , ) ( , , ).n n n n nf x x x a q x x r x x -¼ = - ¼ + ¼
Note que o resto da divisão 1 1( , , )nr x x -¼ não depende de nx , pois o grau
desse polinômio em relação à indeterminada nx é menor do que grau ( ) 1n nx a- = ,
isto é, o grau de r em relação à indeterminada nx é zero, o que significa que esse
polinômio não depende da indeterminada nx .
at e n ç ã o !
O resultado do Teorema 4 continua válido se
A for um domínio de integridade, desde que o
coeficiente líder (coeficiente do termo de maior
grau) do polinômio divisor g(x) seja invertível
em A. Por exemplo, se g(x) for um polinômio
mônico, ou seja, um polinômio cujo coeficiente
líder é igual a 1.
100 Est ru tu ras A lgébr icas
De acordo com a definição que demos, polinômios são sequências, que por
sua vez são funções. Assim, polinômios são funções definidas em . Podemos
ver os polinômios como funções de outro modo, considerando a possibilidade de
“avaliar” um polinômio em um elemento a AÎ . Isso nada mais é do que considerar
a expressão formal do polinômio ( ) [ ]p x A xÎ , com a indeterminada x substituída
pelo elemento a AÎ , gerando a expressão:
1 0( ) .nnp a a a a a a= + + +
Temos, assim, para cada a AÎ , uma função : [ ]a A x Af ® , dada por
( ( )) ( )a p x p af = , chamada função avaliação no ponto a AÎ .
O problema central da álgebra clássica, que motivou a criação e o estudo
sistemático da álgebra abstrata, é o da resolução de equações algébricas: 1
1 1 0 0.n nn na x a x a x a-
-+ + + + =
Aqui, a indeterminada x assume seu papel usual de “quantidade a
determinar”. Se denotarmos 1 0( ) nnp x a x a x a= + + + , poderemos reescrever a
equação acima como
( ) 0.p x =
Um elemento a AÎ tal que ( ) 0p a = é chamado raiz do polinômo ( )p x .
A existência de raízes de ( )p x depende diretamente de A . Assim, por exemplo, 2( ) 1p x x= + não tem raízes em , mas tem duas raízes em . O Corolário a
seguir relaciona a presença de raízes de um polinômio ( )p x com a questão da
divisibilidade em [ ]A x .
Corolário5 (Teorema do Resto)
1. Dado um polinômio ( ) [ ]p x A xÎ , o resto da divisão de p(x) por x-a é p(a).
2. Dado um polinômio ( ) [ ]p x A xÎ , um elemento a AÎ é raiz de p(x) se e so-
mente se x-a divide p(x).
Demonstração:
De acordo com o Teorema 4, existem ( ), ( ) [ ]q x r x A xÎ , tais que
( ) ( )( ) ( )p x q x x a r x= - + e 0 grau ( ) ( ) 1r grau x a£ < - = .
Logo, grau ( ) 0r = , isto é, ( )r x r= , é uma constante. Assim,
( ) ( )( )p a q a a a r= - + , o que implica que ( )p a r= . A segunda parte do Corolário
segue diretamente da primeira.
101AULA 6 TÓPICO 2
Seja K um corpo e [ ]K x o anel de polinômios com coeficientes em K . A
seguir, mostraremos que [ ]K x é um domínio euclidiano. Para tal, construiremos
uma função norma : [ ]N K x ® satisfazendo as condições da definição de domínio
euclidiano, dadas na aula 5. É claro que essa função deve depender diretamente
do grau, para que possamos utilizar o resultado do Teorema 4. Devemos relembrar
que, por definição, consideramos grau (0) ¥=- , ou seja, o grau do polinômio
identicamente nulo é ¥- . A utilidade dessa escolha, que a princípio parece
ser um tanto quanto despropositada, transparece a seguir. Devemos considerar,
também por convenção, que 0a ¥- = , para qualquer a real, 1a> .
Corolário6 Se K é um corpo, então K[x] é um domínio euclidiano.
Demonstração:
O fato de [ ]K x ser um domínio é
consequência direta do Lema 7, a ser demonstrado
no próximo tópico. A função : [ ]N K x ® , dada
por grau ( ( ))( ( )) 2 f xN f x = é uma função norma. De
fato, ( ( )) 2 0nN f x = ³ , onde grau ( ( ))n f x= e
( ( )) 0N f x = se, e somente se, grau ( ( ))f x ¥=- ,
o que é equivalente a dizer que ( )f x é o
polinômio identicamente nulo. Assim, vale a
condição 1.
Como K é corpo, grau ( ( ) ( )) grau ( ( )) grau ( ( ))f x g x f x g x× = + , logo grau ( ( )) grau ( ( ))( ( ) ( )) 2 2 ( ( )) ( ( ))f x g xN f x g x N f x N g x× = × = × e vale a condição 2.
Finalmente, a condição 3 é
consequência direta do Teorema 4. O único
fato a verificar é a validade das desigualdades
0 ( ( )) ( ( ))N r x N g x£ < . Sabemos, do
Teorema 4, que 0 grau ( ( )) ( ( ))r x grau g x£ <
ou ( ) 0r x = . Se ( ) 0r x = , então
( ( )) 0 ( ( ))N r x N g x= < , pois ( ) 0g x ¹ , por
hipótese. Se 0 grau ( ( )) ( ( ))r x grau g x£ < ,
então grau ( ( )) grau ( ( ))02 2 2r x g x£ < , isto é,
1 ( ( )) ( ( ))N r x N g x£ < . Em qualquer um dos
casos, 0 ( ( )) ( ( ))N r x N g x£ < .
at e n ç ã o !
De acordo com o que estudamos na aula 5,
podemos garantir que, se é um corpo, então é um
DIP e, consequentemente, é também um DFU.
at e n ç ã o !
Na demonstração do Teorema 6, consideramos
a norma definida como N(f(x)) = 2grau (f(x)).
A escolha da base 2 para essa potência não é
essencial. Podemos substituir 2 por qualquer
número inteiro maior do que 1
102 Est ru tu ras A lgébr icas
Portanto, o anel [ ]K x é um domínio euclidiano.
Encerramos, assim, o tópico 2. Aqui, vimos que é possível dar a um anel de
polinômios, em uma indeterminada sobre um corpo K , uma estrutura de domínio
euclidiano e que, portanto, os ideais nesses anéis são todos principais, isto é,
gerados por um só polinômio. Outra consequência da existência de um algoritmo
de divisão em [ ]K x é que esses anéis são domínios onde vale o teorema da fatoração
única.
103AULA 6 TÓPICO 3
TÓPICO 3 Polinômios com coeficientes em um domínio de fatoração únicaObjetivOs
• Identificar a propriedade de fatoração única como
estável na passagem de um anel para um anel de
polinômios com coeficientes nesse anel
• Compreender e utilizar o critério de Eisenstein
para decidir se um dado polinômio é irredutível
Neste tópico, estaremos
interessados em critérios que
nos permitam verificar se um
dado polinômio ( )f x com coeficientes inteiros
é irredutível.
Seja A um domínio de fatoração única e
[ ]A x o anel de polinômios com coeficientes em
A . Comecemos com o seguinte resultado.
Lema7 Se A é um domínio de integridade, então A[x] também o é.
Demonstração:
Dados ( ), ( ) [ ]f x g x A xÎ tais que ( ) ( ) 0f x g x = , devemos mostrar
que ( ) 0f x = ou ( ) 0g x = , onde essas igualdades são entre polinômios. Se 2
0 1 2( ) nnf x a a x a x a x= + + + e 2
0 1 2( ) mmg x b bx b x b x= + + + + , então
20 0 0 1 1 0 0 2 1 1 2 0( ) ( ) ( ) ( ) .n m
n mf x g x a b a b a b x a b a b a b x a b x +× = + + + + + + +
Como esse polinômio é identicamente nulo, todos os seus coeficientes são
iguais a zero, logo
0 0
0 1 1 0
0 2 1 1 2 0
000
0n m
a ba b a ba b a b a b
a b
ì =ïïïï + =ïïï + + =íïïïïïï =ïî
s a i b a m a i s !
Dois polinômios são iguais se são iguais como
funções, ou, alternativamente, se os seus
coeficientes de mesmo grau são iguais.
104 Est ru tu ras A lgébr icas
Se os dois polinômios fossem não nulos, então existiriam coeficientes 0ka ¹
e 0b ¹ de menor grau, isto é, tais que 0ia = , para todo i k< e 0jb = , para
todo j l< . Nesse caso, o coeficiente
0 0
0 1 1 1 1 1 1 1 1 0k k k k k k ka b a b a b a b a b a b a b= =
+ + - - + + - + - ++ + + + + + + +
De ( ) ( )f x g x seria nulo, logo 0ka b =
, com 0ka ¹ e 0b ¹
, absurdo, pois
,ka b AÎ
e A é, por hipótese, um domínio de integridade. Isso mostra que pelo
menos um dos polinômios é identicamente nulo, portanto [ ]A x é um domínio.
O Lema 7 acima nos remete à seguinte questão: dada uma propriedade de A ,
é possível garantir que ela se estende a [ ]A x ? O exemplo abaixo mostra que isso
nem sempre ocorre.
EXEMPLO:
O anel é um domínio de ideais
principais, mas [ ]x não é um D.I.P., pois o ideal
(2, ) {2 ( ) ( )| ( ), ( ) [ ]}x f x x g x f x g x x= × + × ÎNão é principal. De fato, se (2, )x fosse gerado
por um polinômio ( )h x , teríamos 2 ( ( ))h xÎ ,
o que implicaria ( )| 2h x , isto é, 2 ( ) ( )h x a x= × ,
com ( ) [ ]a x xÎ . Em particular, grau ( ) 0h = ,
ou seja, ( )h x H= Î . Como ( ( ))x h xÎ teríamos
( )|h x x , ou seja, ( ) ( ) ( )x h x b x H b x= × = × , onde
( ) [ ]b x xÎ . Comparando coeficientes, teríamos
( )b x x= e 1H = , logo (2, ) ( ( )) (1) [ ]x h x x= = = ,
o que não ocorre, pois os elementos de (2, )x têm
coeficiente de grau zero PAR, logo 1 [ ]x x+ Î e
1 x+ Î (2, )x .
O próximo resultado, conhecido como
Lema de Gauss, é de fundamental importância no
que se segue. Precisamos de algumas definições
preliminares. Dado um polinômio ( ) [ ]f x A xÎ ,
onde A é um DFU, o máximo divisor comum
dos coeficientes de ( )f x é chamado conteúdo
de ( )f x e denotado por ( )c f . Se um polinômio
g u a r d e b e m i s s o !
Já vimos, no Corolário 6, que, se é um corpo,
então é um domínio euclidiano, logo também é
um DIP e um DFU. O exemplo acima mostra que a
hipótese dos coeficientes estarem em um corpo é
essencial para o resultado desse corolário. De fato,
mesmo sendo um domínio, podemos perder a
propriedade dos ideais serem principais.
at e n ç ã o !
Mostraremos, no Teorema 10, que, se é um DFU,
então também é um DFU e isso nos dirá que é um
exemplo de DFU que não é DIP, como prometido
na aula anterior.
105AULA 6 TÓPICO 3
( ) [ ]f x A xÎ tem conteúdo 1, então ( )f x é dito primitivo. Se a AÎ e ( ) [ ]f x A xÎ ,
escrevemos | ( )a f x para denotar que a divide todos os coeficientes de ( )f x , isto
é, ( ) ( )f x a g x= × , com ( ) [ ]g x A xÎ . Note que o conteúdo de um polinômio divide
o polinômio: ( )|c f f .
Lema8 (Gauss) Seja A um DFU e p AÎ um elemento irredutível.
1. Se ( ), ( ) [ ]f x g x A xÎ e | ( ) ( )p f x g x× , então | ( )p f x ou | ( )p g x .
2. O produto de polinômios primitivos é primitivo.
Demonstração:
Demonstraremos o item 1 em sua forma contrapositiva, isto é,
( )( ) ( ).
( )pf x
pf x g xpg x
üïïÞ ×ýïïþPara tal, escrevamos
20 1 2( ) i
if x a a x a x ax= + + + + +
20 1 2( ) j
jg x b bx b x b x= + + + + +
onde ia e jb são os primeiros coeficientes de ( )f x e ( )g x , respectivamente, que
não são divisíveis por p . Considere o coeficiente i jc+ de i jx + em ( ) ( )f x g x× :
0 1 1 1 1 1 1 1 1 0.i j i j i j i j i j i j i j i jc a b a b a b ab a b a b a b+ + + - - + + - + - += + + + + + + + +
Como i jpab e p divide todas as outras parcelas da soma acima, temos que
i jpc+ Logo, ( ) ( )pf x g x× .
Para mostrarmos o item 2, suponhamos que ( )f x e ( )g x sejam polinômios
primitivos em [ ]A x . Seja ( )d c fg A= Î e suponhamos que 1d¹ . Então existe
p AÎ primo que divide d , pois A é um DFU. Como |p d e | ( ) ( )d f x g x , temos
que | ( ) ( )p f x g x . Pelo item 1, demonstrado acima, | ( )p f x ou | ( )p g x . Mas isso não
é possível, pois f e g são primitivos.
As principais consequências do Lema de Gauss estão nos resultados seguintes.
Corolário9 Seja A um DFU e K c f A= . . ( ) . Se f x A x( ) [ ]Î é primitivo e admite
uma fatoração f x G x H x( ) ( ) ( )= , com G H K x, [ ]Î , então existem g h A x, [ ]Î tais
que f x g x h x( ) ( ) ( )= .
106 Est ru tu ras A lgébr icas
Demonstração:
Podemos escrever ( ) ( )aG x g xb
= e ( ) ( )cH x h xd
= , onde , , ,a b c d AÎ e
( ), ( ) [ ]g x h x A xÎ são polinômios primitivos. Assim ( ) ( ) ( )acf x g x h xbd
= , isto é,
( ) ( ) ( )acf x bdg x h x= , com ( ) ( )g x h x primitivo (pelo Lema 8). O conteúdo do
polinômio do primeiro membro da igualdade é ac , enquanto o conteúdo do
polinômio no segundo membro é bd . Logo ac bd= e ( ) ( ) ( )f x g x h x= .
Teorema10
Se A é um domínio de fatoração única, então A[x] também o é.
Demonstração:
Por indução sobre o grau de um polinômio ( ) [ ]f x A xÎ , é possível mostrar
que ele é produto de um número finito de polinômios irredutíveis. Basta, então,
mostrar que todo polinômio irredutível é primo. Seja ( ) [ ]p x A xÎ um polinômio
irredutível e ( ), ( ) [ ]f x g x A xÎ tais que ( )| ( ) ( )p x f x g x× . Se ( )p x p A= Î , ou seja,
se ( )p x é constante, então, pelo item 1 do Lema 8, ( )| ( )p x f x ou ( )| ( )p x g x . Se
( ) [ ]p x A xÎ não é constante, então ( )p x é primitivo, do contrário poderíamos
escrever 0( ) ( ) ( )p x c p p x= × , o que seria uma decomposição não trivial de ( )p x .
Além disso, pelo Corolário 9, ( )p x irredutível em [ ]A x implica que ( )p x também
é irredutível em [ ]K x . Como K e um corpo, o Corolário 6 nos garante que [ ]K x
é um domínio euclidiano, logo também é um DFU e, portanto, ( )| ( ) ( )p x f x g x×
implica que ( )p x divide um dos fatores em [ ]K x , ou seja, existe ( ) [ ]H x K xÎ
tal que, ( ) ( ) ( )f x p x H x= × , digamos. Podemos supor, ainda, que ( )f x é primitivo,
substituindo ( )H x por 1 ( )( )
H xc f
× se necessário. Assim, novamente pelo Corolário
9, concluímos que ( ) ( ) ( )f x p x h x= × , com ( ) [ ]h x A xÎ , ou seja, ( )p x divide ( )f x em
[ ]A x Claro que o mesmo acontece se supusermos que ( )p x divide ( )g x em [ ]K x .
EXEMPLOS:
1. Como é um DFU, [ ]x também o é. Como já vimos, [ ]x não é um DIP,
logo, [ ]x é um exemplo de DFU que não é DIP.
2. Se A é um DFU, então 1[ , , ]nA x x¼ também é um DFU.
3. Se K é um corpo, então [ ]A K x= é, pelo Corolário 6, um DFU, logo,
[ , ] [ ]K x y A y= também é um DFU, pelo Teorema 10. Repetindo esse argumento,
verificamos que 1[ , , ]nK x x¼ é um DFU.
107AULA 6 TÓPICO 3
Sendo um DFU, o domínio [ ]A x possui irredutíveis. Em geral, determinar
se um polinômio ( ) [ ]f x A xÎ é irredutível é um problema difícil. Para termos ideia
das dificuldades que podem surgir, consideremos o seguinte exemplo.
EXEMPLO (EMIL ARTIN):
Seja 5( ) 1 [ ]p x x x x= - - Î . Se
( )p x for redutível, então ( ) ( ) ( )p x f x g x= ,
com grau ( ) 0f > , grau ( ) 0g > e
grau ( ) grau ( ) grau ( ) 5f g p+ = = . Se um dos
fatores for linear, terá que ser do tipo x a- ,
com aÎ , ou seja,4( ) ( )( ).p x x a x= - +
Em particular, ( ) 0p a = . Multiplicando,
vemos que 5 4( )p x x ax= - + , donde 1a=- ,
por comparação de coeficientes. Porém
( 1) 1 0p- =- ¹ , consequentemente ( )p x não
possui fatores lineares. Assim, grau ( ) 2f = e
grau ( ) 3g = , ou grau ( ) 3f = e grau ( ) 2g = . Sem perda de generalidade, vamos
supor que grau ( ) 2f = e grau ( ) 3g = , isto é, 2 3 2( ) ( ) .f x x ax b e g x x cx dx e= + + = + + +
Observe que ambos os polinômios são mônicos, ou seja, têm coeficiente líder
igual a 1. Como ( )| ( )f x p x e os coeficientes de f e p são inteiros, dado cÎ ,
( )| ( )f c p c . Usando esse fato, podemos construir a seguinte tabela:
( ) ( )2 29 1 291 1 10 1 1
1 1 12 31 1 31
x p x f xou
ou
± ±- ±- ±
- - ±- - ± ±
Analisando a tabela, vemos que (0) 1b f= =± . Logo 2( ) 1f x x ax= + ±
e 1 (1) 1 1f a± = = + ± . Isso implica que { 3, 1,1}aÎ - - . Ainda usando a
tabela, vemos que 1 ( 1) 1 1f a± = - = - ± , donde { 1,1,3}aÎ - . Portanto,
{ 3, 1,1} { 1,1,3} { 1,1}aÎ - - - = -Ç , isto é, 1a=± . Assim,
2( ) 1 1.f x x= ± ±
s a i b a m a i s !
Emil Artin, matemático austríaco, nascido em
Viena, que fez a sua carreira na Alemanha (mais
precisamente em Hamburgo) até ao regime Nazi,
quando ele emigra para os Estados Unidos em
1937 onde esteve na Universidade de Indiana de
1938 até 1946, e na Universidade de Princeton de
1946 até 1958. Fonte: <http://apprendre-math.
info/portugal/historyDetail.htm?id=Artin>.
108 Est ru tu ras A lgébr icas
Dessa forma, | (2)| 7 29f £ < e | ( 2)| 7 31f - £ < . Isso significa que (2) 1f =±
e ( 2) 1f - =± . Observando novamente a tabela, vemos que ( ) 1f c =± , para cinco
valores diferentes de c , a saber, { 2, 1,0,1,2}cÎ - - . Pelo princípio da casa dos
pombos, existem três elementos distintos , ,u v w do conjunto { 2, 1,0,1,2}- - tais
que ( ) ( ) ( ) 1f u f v f w= = = (ou ( ) ( ) ( ) 1f u f v f w= = =- ). Portanto, ( ) 1f x - é um
polinômio de grau 2 com três raízes distintas. Conclusão: ( )p x é irredutível.
Teorema11
(Critério de Eisenstein) Seja A um domínio de integridade e K
seu corpo de frações. Se, para o polinômio n n 1
n n 1 1 0f (x) a x a x a x a A[x]--= + + + + Î
existe um primo p AÎ tal que
1. npa ,
2. ip| a , para i 0,1, ,n 1= ¼ - ,
3. 20p a ,
então f (x) é irredutível em K[x] .
Demonstração:
Suponha, ainda que pareça absurdo, que ( ) ( ) ( )f x g x h x= , onde
0 1( ) kkg x b bx b x e= + + +
0 1( ) ,nmh x c cx c x= + + +
sendo k m n+ = e 0 ,k m n< < . Então 0 0 0a b c= e n k ma b c= . Como, por
hipótese, npa , temos que kpb e mpc . Ainda por hipótese, 0|p a e 20p a , logo 0|p b
ou 0|p c , mas p não divide ambos, isto é,
0 0| p b e pc ou
0 0| .p c e pb
Vamos supor que 0 0| p b e pc . O outro caso é similar. Uma vez que 0|p b e
kpb , existe i , 1 i k£ £ tal que 1| ip b- e ipb .
Os coeficientes de ( )f x podem ser escritos como
0 0 0,a b c=
1 0 1 1 0,a b c bc= +
109AULA 6 TÓPICO 3
2 0 2 1 1 2 0,a b c bc b c= + +
0 1 1 1 1 0,i i i i ia b c bc b c bc- -= + + + +
.n k ma b c=
Como 1|p a , 0|p b e 1 0 1 1 0a b c bc= + , temos 1 0|p bc . Como estamos supondo
que 0pc , segue que 1|p b , pois p é primo.
A igualdade 2 0 2 1 1 2 0a b c bc b c= + + , juntamente com com 2|p a , 0|p b e 1|p b ,
implicam que 2 0|p b c . Como 0pc , temos 2|p b .
Continuando esse processo, vemos que | jp b , para cada { 0, , 1}j iÎ ¼ - . Logo,
como | ip a , a igualdade 0 1 1 1 1 0i i i i ia b c bc b c bc- -= + + + + implica que 0| ip bc , ou
seja, | ip b ou 0|p c . O que não ocorre. Essa contradição vem de supormos ( )f x
redutível em [ ]A x . Logo ( )f x é irredutível em [ ]A x . Pelo Corolário 9, ( )f x é
irredutível em [ ]K x , onde K é o corpo de frações de A .
EXEMPLO:
Seja pÎ um número primo. O polinômio Ø 1( ) 1pp x x x-= + + + é chamado
p -ésimo polinômio ciclotômico. Vamos, a seguir, mostrar que Ø p é irredutível.
Primeiramente, notemos que, se Ø( ) ( 1)pf x x= + então ( )f x é irredutível se, e
somente se, Ø p também é. De fato, uma decomposição Ø ( ) ( ) ( )p x F x G x= implicaria
uma decomposição ( ) ( 1) ( 1)f x F x G x= + + . Reciprocamente, uma decomposição
( ) ( ) ( )f x g x h x= implicaria uma decomposição Ø ( ) ( 1) ( 1)p x g x h x= - - .
Agora, como Ø 12 1( ) 11
pp
pxx x x xx
- -= + + + + =
-
, temos
Ø( 1) 1( 1)
p
px
xx
+ -+ = , logo Ø 1 2( 1)
1 2 1p p
p x x p x p x pp p
- -+ = + + + +- -
,
ou seja, Ø 1( 1)1 2
pp x x p p x p
p-+ = + + + +
-
. Como |p pk
, para todo
1 1k p£ £ - , 1p e 2p p , pelo critério de Einsenstein, Ø ( 1)p x+ é irredutível, logo
Ø ( )p x também é irredutível.
Isso mostra que, em [ ]x , existem polinômios irredutíveis de grau
arbitrariamente grande. É interessante observarmos que isso contrasta fortemente
com a situação em [ ]x , onde os polinômios irredutíveis têm grau 1, e em [ ]x ,
onde os polinômios irredutíveis têm grau 1 ou 2 .
Concluímos aqui nossa sexta aula. Estudamos os anéis de polinômios e o
problema da irredutibilidade nesses anéis. Um dos principais pontos desta aula são
o Lema de Gauss e suas consequências, principalmente o Teorema 10, que afirma
110 Est ru tu ras A lgébr icas
que a propriedade da fatoração única é preservada na passagem de um domínio para
um anel de polinômios com coeficientes nesse domínio. Outro resultado relevante
é o Critério de Einsenstein, que fornece um método para verificar se um polinômio
com coeficientes inteiros é irredutível em [ ]x . Os conteúdos abordados nesta aula
serão aplicados na próxima, quando estudaremos as extensões de corpos.
at i v i d a d e d e a p r o f u d a m e n t o
1. Seja A um anel, [ ]R A x= e [ ]S A y= . Mostre que [ ]R y e [ ]Sx são anéis isomorfos.
Sugestão: Seja 0 1( , ) ( ) ( ) ( ) [ ]nnf x y a x a x y a x y R y= + + + Î . Podemos escrever
0 1( , ) ( ) ( ) ( ) mmf x y b y b y x b y x= + + + . Considere, então, o homomorfismo : [ ] [ ]R y Sxf ® ,
dado por
0 1 0 1( ( ) ( ) ( ) ) ( ) ( ) ( ) .n mn ma x a x y a x y b y b y x b y xf + + + = + + +
Mostre que f é um isomorfismo.
2. Dado nÎ , 1n³ , seja [ , ]nA x y= .
(a) Mostre que ( )x é um ideal primo de A que não é ideal maximal.
(b) Mostre que ( , )x y é ideal maximal se, e somente se, n é primo.
(c) Sabendo que (8, )x é um ideal primo de A , determine os possíveis valores de n .
3. Seja [ , ]A x y= o anel de polinômios com duas indeterminadas com coeficientes reais.
(a) Mostre que 3 2( )I x y= - é um ideal de A .
(b) Mostre que, no anel quociente /A I , não vale o teorema da fatoração única.
4. Em cada um dos itens abaixo, mostre que o homomorfismo em questão é sobrejetivo e determine seu
núcleo.
(a) 8:f ® , dado por ( )f n n= .
(b) : [ , ] [ ]f x y x® , dada por ( ( , )) ( ,0)f P x y P x= , onde ,x y e t são indeterminadas.
(c) : [ ]f x ® , dada por ( ( )) ( )f P x P i= , onde 2 1i =- .
5. Usando os homomorfismos sobrejetores do problema anterior, mostre que
(a) 8/ 8 @
(b) [ , ] / ( ) [ ]x y y x@
(c) 2[ ] / ( 1)x x + @
111AULA 6 TÓPICO 3
6. Seja : [ ]f x ® , dada por ( ( )) ( )f P x P w= , onde 1 3
2i
w- +
= . Mostre que
(a) 3ker ( 1)T x= - .
(b) 2Im { | , , }T a b c a b cw w= + + Î .
7. Dois ideais I e J de um anel A são chamados comaximais quando I J A+ = , onde I J+ é,
por definição, o ideal formado pelas somas do tipo i j+ , onde i IÎ e j JÎ . Verifique quais dos ideais
abaixo são comaximais:
(a) ( )x e ( )y em [ , ]x y .
(b) ( )m e ( )n em , onde m e n são inteiros primos entre si.
(c) 2( 1)x + e ( )x em [ ]x .
8. Seja 2 2 2{ ( , ) | 1}C x y x y= Î + = , considere o conjunto
{ : | ( , ) } ,F p C p x y éumpolinômio= ®isto é, F é o conjunto de todas as funções polinomiais de duas indeterminadas,
ž1
1
( , ) ji
i mj n
p x y x y£ £
£ £
= å
definidas sobre a circunferência de raio 1 centrada na origem.
(a) Mostre que, com a soma e o produto usuais de funções,
( )( , ) ( , ) ( , ),f g x y f x y g x y+ = +
( )( , ) ( , ) ( , ),f g x y f x y g x y× = ×F é um anel comutativo com unidade. Determine a unidade de F .
(b) Considere o homomorfismo de anéis Ø : [ , ]x y F® dado por Ø( ) |Cp p= ( p restrito a C).
Determine o núcleo e a imagem de Ø .
(c) Mostre, usando o item anterior, que 2 2[ , ] / ( 1).F x y x y@ + -
9. Determine todos os ideais de [ ] / (2 )x x .
10. Seja o anel quociente 2[ ] / ( )x x . Os elementos de são chamados números duais. Eles são
classes de equivalência de polinômios com coeficientes reais. Seja xe= . Então
[ ] { | , } .a b a be e= = + Î
(a) Mostre que, se :f ® é uma função derivável, então ( ) ( ) '( )f x f x f xe e+ = + × , para todo
xÎ .
112 Est ru tu ras A lgébr icas
(b) Mostre que (1 ) 1n ne e+ = + , para todo nÎ .
(c) Mostre que a be+ é invertível se, e somente se, 1a=± .
11. Encontre o quociente e o resto da divisão de 3 37( ) 3 2 5 [ ]f x x x x x= - + + Î por
7( ) 2 [ ]g x x x= - Î .
12. Demonstre o teorema das raízes racionais: Se /r sÎ é raiz do polinômio
0 1( ) nnp x a a x a x= + + + e . . .( , ) 1m d c r s = , então 0|r a e | ns a .
13. Usando o resultado do exercício anterior, mostre que, se aÎ é raiz de um polinômio mônico,
então aÎ .
14. Fatore 3 2( ) 10P x x x x= + - - como produto de irredutíveis em [ ]x .
15. Seja pÎ um primo fixado.
(a) Demonstre que : [ ] [ ]px xy ® , dado por
( 0 1 2) 0 1a a x anx a a x anxn+ + + = + + +
é um homomorfismo de anéis.
(b) Verifique que, se ( ( ))f xy é irredutível em [ ]p x , então ( )f x é irredutível em [ ]x (dica:
demonstre a afirmação na forma contrapositiva).
(c) Verifique que, se ( ( ))f xy é irredutível em [ ]p x , então ( )f x é irredutível em [ ]x (esse item é
igual ao anterior?).
(d) Mostre que 4 7 3 1x x x- + + é irredutível em [ ]x .
(e) Mostre que 4 5 3 2 3x x x- + + é irredutível em [ ]x .
16. Seja cÎ fixado. Considere a função : [ ] [ ]x xj ® dada por ( ( )) ( )f x f x cj = + .
(a) Demonstre que j é um isomorfismo.
(b) Demonstre: dado um polinômio ( ) [ ]g x xÎ , se ( )g x c+ é irredutível sobre então ( )g x é
irredutível sobre .
(c) (Gauss) Usando o critério de Eisenstein, mostre que o polinômio Ø ( ) 1 2 1p x xp xp x= - + - + + +
é irredutível (dica: escreva Ø ( ) 1 1p x xp x= - - é mostre, usando o critério de Eisentein, que Ø (c)
(Gauss) Usando o critério de Eisenstein, mostre que o polinômio Ø p 1 p 2p (x) x x x 1- -= + + + +
é irredutível (dica: escreva Øp
px 1(x)x 1-
=-
é mostre, usando o critério de Eisentein, que Øp (x 1)+
é irredutível).
113AULA 6 TÓPICO 3
17. Demonstre que 2 2f (x,y) x y= + é irredutível sobre [x,y] .
18. Seja K um corpo e n 1 n0 1 n 1 nf (x) a a x a x a x K[x]-
-= + + + + Î um polinômio
de grau n e termo constante 0a 0¹ . Demonstre que, se f (x) for irredutível, então n 1 n
n n 1 1 0g(x) a a x a x a x--= + + + + também será.
19. 5x x 1+ + é irredutível em 2[x] ?
20. Seja K um corpo e [ ]A K x= .
(a) Demonstre que todo ideal de A é do tipo
( ) { ( ) ( ) | ( ) [ ]} ,f f x g x g x K x= Î
onde f é um polinômio com coeficientes em K (dica: essa demonstração é totalmente análoga à que
fizemos para A = ).
(b) Demonstre: um ideal I de A é primo se e somente se ( )I f= , onde [ ]f K xÎ é irredutível.
(c) Mostre que 2[ ] / ( 1)x x x+ + é um domínio de integridade.
21. Faça uma lista com todos os polinômios de grau 3 em 2[ ]x . Quais desses polinômios são irredutíveis?
22. Determine todos os polinômios de grau 2 irredutíveis sobre 3 .
23. Sejam , [ ]f g xÎ . Suponha que f é irredutível em [ ]x e que f e g possuam uma raiz comum
em . Demonstre que |f g.
24. Determine quais dos seguintes polinômios são irredutíveis em [ ]x :
(a) 2( ) 3 7 5f x x x= - + .
(b) 3 2( ) 6 5 25f x x x x= + + + .
(c) 5 3( ) 3 21 15f x x x x= - + - .
(d) 3( ) 3 1f x x x= - - .
25. Fatore 4 1x + , 4 4x - e 4 4x + completamente sobre .
26. Se n é um inteiro positivo não divisível por 2 nem por 3 , mostre que o polinômio
( ) [ , ]n n nx y x y x y+ - - Î é divisível pelo polinômio 2 2( )xy x xy y+ + .
27. Um polinômio f de grau n sobre um corpo K tem, no máximo, n raízes nesse corpo. Baseando-se
nesse fato, demonstre as seguintes afirmações:
114 Est ru tu ras A lgébr icas
(a) Se f tem grau n e existem 1 1, , na a K+¼ Î tais que ( ) 0if a = , para todo {1, , 1}i nÎ ¼ + , então
f é identicamente nulo.
(b) Se f e g têm grau n e existem 1 1, , na a K+¼ Î tais que ( ) ( )i if a g a= , para todo {1, , 1}i nÎ ¼ + ,
então f g= .
28. Demonstre que o polinômio ( 1)( 2) ( ) 1x x x n- - - + é irredutível sobre .
115AULA 7
AULA 7 Introdução à teoria dos corpos
Olá aluno(a),
Nesta aula, estudaremos de maneira breve alguns dos corpos que contêm o
corpo dos números racionais e que têm especial importãncia, os chamados
corpos de números algébricos, que são exatamente as extensões finitas de .
Veremos ainda resultados (Teoremas 4 e 5) que garantem que os corpos com um
número finito de elementos são exatamente aqueles cujo número de elementos
é a potência de um primo. Vale salientar que os resultados aqui apresentados
constituem apenas uma pequena parte da teoria dos corpos.
Objetivos
• Identificar e trabalhar com extensões algébricas finitas, em particular, com o corpo de decomposição de um polinômio
• Identificar e construir corpos finitos
116 Est ru tu ras A lgébr icas
Neste primeiro tópico, faremos uma breve introdução ao estudo das
extensões de corpos, concentrando nossa atenção nas extensões
algébricas e, mais especificamente, naquelas cujo grau é finito.
Os resultados vistos aqui serão usados no tópico 2 para estudarmos extensões
finitas e também na aula 8, quando resolveremos alguns problemas clássicos de
Geometria usando as técnicas desenvolvidas aqui.
Seja K um corpo e L um corpo contendo K . Dizemos que K é um subcorpo
de L , ou que L é uma extensão de K . Usamos a notação |L K para indicar que
L é uma extensão de K . O corpo L pode ser visto como um espaço vetorial sobre
K . De fato, a soma em L satisfaz as condições da definição de espaço vetorial
(isto é, L com a operação soma é um grupo abeliano) e, dados K LaÎ Ì e x LÎ ,
o produto xa está bem definido e satisfaz as condições da definição de espaço
vetorial, pois é um produto de dois elementos do corpo L .
A dimensão de L como espaço vetorial sobre K é chamada grau da extensão
|L K e é denotada por [ : ]L K . No caso em que L é um espaço veotrial de dimensão
infinita sobre K , denotamos [ : ]L K ¥= . Quando [ : ] 2L K = , dizemos que L é
uma extensão quadrática de K . Se [ : ] 3L K = , dizemos que L é uma extensão
cúbica de K .
TÓPICO 1 Extensões de corposObjetivOs
• Identificar quando um elemento é algébrico ou
transcendente sobre um corpo K• Determinar o grau de algumas extensões finitas de corpos
• Encontrar o corpo de decomposição de um polinômio,
para alguns casos simples
117AULA 7 TÓPICO 1
EXEMPLOS:
1. O corpo dos números complexos é um espaço vetorial de dimensão
2 sobre o corpo dos números reais. De fato, {1, }i Ì formam uma base de
sobre . Dizemos que | é uma extensão quadrática e denotamos [ : ] 2= .
2. Seja K um corpo e ( )K x o corpo de funções racionais sobre K , isto é,
( )K x é o corpo de frações de [ ]K x . Então ( )K x é uma extensão de grau infinito de
K . Isso se dá porque x é uma indeterminada, logo 2 3{1, , , , }x x x ¼ é um conjunto
infinito e linearmente independente sobre K (veja a Tarefa 1 dessa aula)
Quando consideramos uma cadeia de corpos F K LÌ Ì , temos o seguinte
resultado sobre os graus das extensões.
Teorema1 Sejam ,F K e L corpos tais que F K LÌ Ì . Então [ : ]L F é finito se, e
somente se, [ : ]L K e [ : ]K F são finitos e
[ : ] [ : ] [ : ].L F L K K F= ×
Demonstração:
Supondo que [ : ]L F é finito, L pode ser visto como um espaço vetorial de
dimensão finita sobre F . Como K é um subespaço de L , [ : ]K F também é finito.
Qualquer conjunto que gera L com coeficientes em F , uma base, por exemplo,
também gera L com coeficientes em K . Logo, [ : ]L K também é finito.
Reciprocamente, suponhamos que [ : ]K F m= e [ : ]L K n= . Vamos mostrar
que [ : ]L F é finito e é igual a mn . Seja 1{ , , }mu u¼ uma base de K sobre F e
1{ , , }nv v¼ uma base de L sobre K . Afirmamos que { | 1 ,1 }i jB uv i m j n= £ £ £ £
é uma base de L sobre F . Note que, como B tem mn elementos, isso mostra que [ : ]L F mn= .
Dado y LÎ , existem 1, , na a K¼ Î tais que 1 1 n ny a v a v= + + . Para cada j ,
1 j n£ £ , existem 1 , ,j mja a F¼ Î tais que 1 1j j mj ma a u a u= + +
. Assim,
1 1 11 1 1 1 1 1( ) ( )n n m m n mn m ny a v a v a u a u v a u a u v= + + = + + + + + =
ž1
1
.ij i j
i mj n
a uv£ £
£ £
= å
Dessa forma, B gera L sobre F . Vamos mostrar, agora, que B é linearmente
independente sobre F . Para isso, consideremos uma combinação linear do tipo
ž1
1
0,ij i j
i mj n
a uv£ £
£ £
=å
com ija FÎ . Devemos mostrar que 0ija = , para quaisquer {1, , }i mÎ ¼ e
118 Est ru tu ras A lgébr icas
{1, , }j nÎ ¼ . Podemos reorganizar os termos na soma acima de modo que tenhamos
ž1
0 ,n
j jj
b v=
=åonde, para cada {1, , }j nÎ ¼ , 1 1j j mj mb a u a u K= + + Î . Como 1{ , , }nv v¼ é uma
base de L sobre K , a igualdade acima implica que 0jb = , para cada {1, , }j nÎ ¼
Assim, para cada j , 1 10 j j mj mb a u a u= = + + . Como 1{ , , }mu u¼ é uma base de
K sobre F e ija FÎ , esta última igualdade implica que 0ija = , para quaisquer
{1, , }i mÎ ¼ e {1, , }j nÎ ¼ .
Seja K um corpo e S um subconjunto de K . Existe um menor subcorpo de
K que contém S , a saber, a interseção de todos os subcorpos de K que contêm S. Estamos particularmente interessados no caso em que { }S F a= È , onde F é um
subcorpo de K e a é um elemento de K que não pertence a F . Denotamos esse
menor subcorpo por ( )F a . Temos suas situações possíveis:
1. Não existe polinômio ( ) [ ]f x F xÎ tal que ( ) 0f a = . Neste caso, dizemos
que KaÎ é transcendente sobre F . O corpo ( )F a é um corpo de funções
racionais em a , ou seja, ( )( ) | ( ), ( ) [ ]( )
fF f x g x F x
ga
aa
ì üï ïï ï= Îí ýï ïï ïî þe a comporta-se exatamente como uma indeterminada.
2. Existe um polinômio ( ) [ ]f x F xÎ tal que ( ) 0f a = . Neste caso, dizemos
que KaÎ é algébrico sobre F . No Teorema a seguir, coletaremos os principais
resultados sobre ( )F a quando a é algébrico.
Teorema2 Seja |K F uma extensão de corpos, KaÎ , aÎF , algébrico sobre F
e seja ( ) [ ]f x F xÎ um polinômio mônico de grau mínimo tal que ( ) 0f a = e seja
( )grau f n= . Então,
1. f é único.
2. f é irredutível em [ ]F x .
3. 2 1{1, , , , }na a a -¼ é uma base do espaço vetorial ( )F a sobre F .
4. [ ( ) : ]F F na = .
5. Um polinômio ( )g x com coeficientes em F satisfaz ( ) 0g a = se, e somente
se, ( )f x divide ( )g x em [ ]F x .
Demonstração:
(1) Suponhamos que existam ( ), ( ) [ ]f x g x F xÎ mônicos (isto é, com
coeficientes líderes iguais a 1) e com grau grau ( ) grau ( )n f g= = mínimo, tais
119AULA 7 TÓPICO 1
que ( ) 0f a = e ( ) 0g a = . Então ( ) ( ) ( )h x f x g x= - tem grau menor do que n e
( ) 0h a = . Como grau ( ) ( )h grau f< e f é o polinômio não nulo com menor grau
que se anula em a , ( ) 0h x = , isto é, ( )h x é o polinômio identicamente nulo. Isso
significa que ( ) ( )f x g x= , o que demonstra a unicidade de f .
(2) Se f fosse redutível, poderíamos escrever 1 2f f f= , com
1grau ( ) ( )f grau f< e 2grau ( ) ( )f grau f< . Como 1 2( ) ( ) ( ) 0f f fa a a= = , teríamos
1( ) 0f a = ou 2( ) 0f a = . Mas isso contraria o fato de que f é o polinômio de menor
grau que tem a como raíz. Portanto, f é irredutível.
(3) Se houvesse uma relação de dependência linear entre os
elementos de 2 1{1, , , , }na a a -¼ , ou seja, se existissem 0 1 1, , , na a a -¼ tais que 1
0 1 11 0nna a aa a --× + + + =
, o polinômio 10 1 1( ) n
ng x a a x a x --= + + +
seria tal
que ( ) 0g a = e grau ( ) ( )g grau f< , contrariando a minimalidade do grau de f .
Dessa forma, uma tal relação de dependência linear não existe e, assim, o conjunto 2 1{1, , , , }na a a -¼ é linearmente independente.
Seja L o subespaço de ( )F a gerado por 2 1{1, , , , }na a a -¼ . Vamos mostrar que ( )L F a= .
Para isso, é suficiente mostrarmos que L é um
corpo, pois F LÌ , LaÎ e, por definição, ( )F a é
o menor corpo que contém F e a . Primeiramente,
mostraremos que k La Î , para todo 1k³ . Para
1 1k n£ £ - isso é consequência da definição de
L . Como 11 1 0( ) n n
nf x x b x bx b--= - - - - se
anula em a , temos 1
0 1 1 .n nnb b b La a a --= + + + Î
Supondo, por indução, que k La Î ,
para 1 k m£ £ , 10 1 1
k nnc c ca a a --= + + + ,
pois 2 1{1, , , , }na a a -¼ gera L . Multiplicando a
última igualdade por a , obtemos
1 2 20 1 1 0 1
11 0 1 1( ) .
k nn
nn n
c c c c cc b b b L
a a a a a a
a a
+-
-- -
= + + + = + + +
+ + + + Î
Assim, pela segunda forma do princípio de indução, k La Î , para todo 1k³
.
Agora, dados ,u v LÎ , temos u v L+ Î , pois L é um espaço vetorial, e u v L× Î .
Para nos convencermos de que u v× de fato pertence a L , basta notarmos que é
possível escrever tanto u quanto v como combinações lineares de 11, , , na a -¼ ,
g u a r d e b e m i s s o !
Na demonstração dos itens (3) e (5), utilizamos
o fato de que em [ ]F x podemos calcular o
máximo divisor comum entre dois polinômios.
Isso é uma consequência direta de [ ]F x ser um
domínio euclidiano, pois, conforme você, aluno,
deve lembrar do curso de Teoria dos Números,
o Algoritmo de Euclides para o cálculo do MDC
entre dois inteiros, ou, em geral, entre dois
elementos de um domínio euclidiano, utiliza-se
apenas do Algoritmo da Divisão, disponível em
domínios euclidianos, em particular em [ ]F x .
120 Est ru tu ras A lgébr icas
e, portanto, o produto u v× pode ser escrito como combinação linear de potências
de a , com expoentes maiores ou iguais a 1, que já vimos serem elementos de L .
Dessa forma, L é um subanel de ( )F a e, de fato, é um domínio, pois é subanel de
um corpo.
Para mostrarmos que L é um corpo, basta então verificarmos que, dado
u LÎ , 0u¹ , existe v LÎ tal que 1u v× = . Como u LÎ , podemos escrever u
como combinação linear de 11, , , na a -¼ com coeficientes em F , ou seja, existe
um polinômio ( ) [ ]h x F xÎ tal que ( )u h a= . Como grau ( ) ( )h grau f< e f é um
polinômio irredutível, segue que o máximo divisor comum entre h e f em [ ]F x é
igual a 1, ou seja, existem polinômios , [ ]g q F xÎ tais que
( ) ( ) ( ) ( ) 1h x g x f x q x+ =
e essa é uma igualdade de polinômios, ou seja, continua válida se substituirmos x
por a . Fazendo isso, obtemos ( ) ( ) ( ) ( ) 1h g f qa a a a+ = . Como ( ) 0f a = , obtemos
( ) ( ) 1h ga a = . Fazendo ( )g v La = Î , obtemos 1u v× = , com v LÎ . Assim, L é
um corpo, como queríamos demonstrar.
(4) Como a base 2 1{1, , , , }na a a -¼ de ( )F a sobre F tem n elementos, temos
que [ ( ) : ]F F na = .
(5) Se ( )f x não dividisse ( )g x em [ ]F x , então o máximo divisor comum de
f e g seria igual ao polinômio constante 1, pois f é irredutível. Assim, existiriam
( ), ( ) [ ]r x s x F xÎ tais que
( ) ( ) ( ) ( ) 1.r x f x s x g x+ =
Fazendo x a= , obteríamos 0 ( ) ( ) ( ) ( ) 1r f s ga a a a= + = , contradição. Logo,
( )f x divide ( )g x em [ ]F x .
O polinômio ( ) [ ]f x F xÎ de menor grau que anula a é chamado polinômio
minimal de a . Podemos interpretar os resultados do Teorema acima à luz do
Teorema fundamental dos homomorfismos de anéis (cf. Aula 4). Para isso, basta
considerarmos o homomorfismo avaliação Ö : [ ]F x K® , dado por Ö( ( )) ( )g x g a= .
O núcleo desse homomorfismo é Öker { ( ) [ ]| ( ) 0} ( ( ))g x F x g f xa= Î = = , o
ideal gerado por ( )f x em [ ]F x . A imagem de Ö , [ ] { ( )| ( ) [ ]}F g g x F xa a= Î ,
sendo subanel do corpo K , é um domínio de integridade. Como, pelo Teorema
fundamental dos homomorfismos de anéis, [ ]F a é isomorfo a [ ] / ( ( ))F x f x , o
ideal ( ( ))f x é primo, logo ( )f x é irredutível. De modo similar ao que fizemos na
demonstração do Teorema 2 da Aula 3, é possível mostrar que [ ] / ( ( ))F x f x é, de
fato, um corpo (é claro que isso também foi feito na demonstração do Teorema 2).
Portanto, [ ]F a é um corpo e, como [ ]F a contém F e a , temos [ ] ( )F Fa a= .
121AULA 7 TÓPICO 1
EXEMPLOS:
1. O polinômio minimal de 2 sobre é 2( ) 2f x x= - . De fato, ( 2) 0f =
e, se ( ) [ ]g x xÎ , ( 2) 0g = , então a divisão de ( )g x por ( )f x fornece
( ) ( ) ( ) ( ), 0 grau ( ) ( ) 2, ( ) 0.g x f x q x r x r grau f ou r x= + £ < = =Assim, podemos escrever ( )r x a bx= + , com ,a bÎ . Como
( 2) ( 2) 0g f= = temos 0 ( 2) 2r a b= = + , o que implica 0a b= = , do
contrário, teríamos 2 ab
=- Î , o que não ocorre. Portanto ( ) 0r x = e ( )| ( )f x g x
em [ ]x . Isso mostra, também, que [ 2] ( 2) { 2| , }a b a b= = + Î .
2. 3 3 3( 2) { 2 4| , , }a b c a b c= + + Î . O polinômio minimal de 3 2 é 3( ) 2f x x= - . Pelo critério de Einsenstein (Aula 6, Teorema 11) com 2p= , ( )f x é
irredutível. Assim, 33[ ( 2): ] grau ( 2) 3x= - = .
3. Seja 31 32 2
iz =- + × Î . Podemos escrever 32 2cos 3 3
i senp pz = + × , logo
23 3
4 4 1 3cos 3 3 2 2
i sen ip pz z= + × =- - × = . O polinômio 3( ) 1g x x= - é tal que
3( ) 0g z = . Porém, ( )g x não é irredutível em [ ]x , pois 2( ) ( 1)( 1)g x x x x= - + + .
O polinômio 2( ) 1f x x x= + + não tem raízes em e tem grau menor do que 4 ,
logo é irredutível em [ ]x . Como 23 3 3 3 3( ) 1 1 1 1 0f z z z z z= + + = + + =- + = ,
( )f x é o polinômio mininal de 3z sobre . Portanto, 3[ ( ) : ] grau ( ) 2fz = = .
4. O polinômio minimal de i sobre é 2( ) 1f x x= + . Logo, [ ( ) : ] 2i = .
Dizemos que um corpo K , contendo o corpo F , é algébrico sobre F ,
se todo elemento de K é algébrico sobre F . Caso contrário, isto é, se existe um
elemento de K que não é algébrico sobre F , dizemos que K é transcendente
sobre F , ou que a extensão |K F é transcendente. No caso particular de K= ,
uma extensão finita L de é necessariamente uma extensão algébrica, chamada
corpo de números algébricos.
Se o grau [ : ]K F n= da extensão é finito, então K é algébrico sobre F (veja
a tarefa 2). A recíproca, no entanto, não é verdadeira, ou seja, existem extensões
algébricas de grau infinito.
No exemplo 1 deste tópico, consideramos a extensão ( 2)| . Nesse
exemplo, o polinômio minimal de 2 é 2( ) 2f x x= - . Esse polinômio é irredutível
sobre , mas, sobre ( 2) , ( )f x fatora-se como o produto de dois fatores lineares:
( ) ( 2)( 2)f x x x= - + . Assim, o corpo ( 2) contém as raízes de ( )f x .
Nesse exemplo, o elemento 2 , que não pertence ao corpo , foi tomado em
um corpo maior, no caso, . Em geral, dado um corpo K , não dispomos a priori
de um corpo maior onde possamos tomar as raízes de um determinado polinômio
122 Est ru tu ras A lgébr icas
com coeficentes em K .
Seja K um corpo e ( ) [ ]f x K xÎ um polinômio irredutível sobre K . O anel
quociente [ ] / ( ( ))L K x f x= é um corpo e podemos identificar K com um subcorpo
de L . Dessa forma, obtemos uma extensão |L K que contém pelo menos uma
raíz de ( )f x . De fato, se ( )x xa p= = é a imagem de x pela projeção canônica
: [ ] [ ] / ( ( ))K x K x f xp ® , que associa cada polinômio de [ ]K x a sua classe no anel
quociente, então ( ) ( ) ( ) 0f f x f xa = = = . Isso significa que LaÎ é uma raiz de
( )f x em L .
EXEMPLO:
Se 2( ) 2f x x= - , então, pelo teorema fundamental dos homomorfismos de
anéis, [ ] / ( ( ))L x f x= é isomorfo ao anel (que é, de fato, um corpo) [ 2] e esse
isomorfismo identifica x com 2 .
Caso L contenha todas as raízes de ( )f x , o processo termina. Caso contrário,
existe um polinômio irredutível 1( ) [ ]f x L xÎ de grau maior do que 1, tal que 1
1 1( ) ( ) ( ) ( ),rm mrf x x x f xa a= - -
onde 1, , ra a¼ são as raízes de ( )f x contidas em L e 1, , rm m¼ são inteiros maiores
ou iguais a 1. Cada im é chamado multiplicidade de ia como raiz de ( )f x .
Como 1( )f x é irredutível em [ ]L x , o anel quociente 1 1[ ] / ( ( ))L L x f x= é um
corpo e podemos considerar 1L LÌ do mesmo modo que consideramos K LÌ . Em
1L 1( )f x possui pelo menos uma raiz, que também é raiz de ( )f x , pois 1( )f x divide
( )f x . Esse processo pode ser repetido de modo a obtermos, após um número finito
de passos, uma cadeia de corpos
1 ,sK L L LÌ Ì Ì Ì
onde sL é um corpo que contém todas as raízes de ( )f x . Se 1s³ é o menor inteiro
positivo tal que sL contém todas as raízes de ( )f x , o corpo sL é chamado corpo de
decomposição de ( )f x . Esse nome se deve ao fato de que, em [ ]sL x , o polinômio
( )f x pode ser escrito como produto de polinômios de grau 1: 1
1( ) ( ) ( ) ,tmmtf x c x xa a= - -
com 1, , t sLa a¼ Î e { 0}c KÎ - .
EXEMPLO:
O polinômio 4( ) 2 [ ]f x x x= - Î é irredutível sobre . Sabemos
que 4 2Î é raiz de ( )f x . Logo, ( )f x é o polinômio minimal de 4 2
sobre e 4[ ( 2): ] grau ( ) 4f= = . Em 4( 2) , podemos escrever
123AULA 7 TÓPICO 1
24 4( ) ( 2)( 2)( 2)f x x x x= - + + , onde 2 2x + é irredutível sobre 4( 2)
Assim, 2 2x + é o polinômio minimal de 4 2i × Î sobre 4( 2)K=
O corpo 4( ) ( 2, )L K i i= = é um corpo de decomposição de ( )f x e
[ : ] [ : ] [ : ] 2 4 8L L K K Q= × = × = .
Sobre o corpo de decomposição de um polinômio, temos o seguinte resultado.
Teorema3 Seja F um corpo, ( ) [ ]f x F xÎ um polinômio irredutível sobre F e L
um corpo de decomposição de ( )f x .
1. L é uma extensão finita de F .
2. Se K é outro corpo de decomposição de ( )f x , então existe um isomorfismo
: L Ks ® tal que ( )x xs = , para todo x FÎ .
Demonstração:
(1) A construção que fizemos acima nos mostra que, na cadeia
1 ,sK L L LÌ Ì Ì Ì
onde sL é o corpo de decomposição de ( ) [ ]f x K xÎ , cada inclusão representa uma
extensão finita. Logo, o grau [ : ]sL K é finito.
(2) A demonstração dessa afirmação requer o uso do Lema de Zorn e da noção
de fecho algébrico, que não estudaremos aqui, devido ao caráter introdutório desta
aula. O leitor interessado pode consultar, por exemplo, o livro de O. Endler, Teoria
dos Corpos, citado nas referências.
Um isomorfismo : L Ks ® entre duas extensões L FÉ e K FÉ de um corpo
F , tal que ( )x xs = para todo x FÎ , é chamado F -automorfismo de L em K .
Nosso primeiro tópico termina aqui. Estudamos, de modo introdutório, a
noção de elemento algébrico sobre um corpo. Vimos que há uma relação estreita
entre números algébricos e polinômios, dada pelo fato de que a cada número
algébrico a sobre um corpo está associado um polinômio irredutível de grau
mínimo, chamado polinômio minimal de a . Vimos também que cada polinômio
irredutível de [ ]K x pode ser decomposto em uma extensão adequada |L K .
No próximo tópico, veremos como os resultados vistos aqui podem ser
aplicados ao estudo dos corpos com um número finito de elementos.
124 Est ru tu ras A lgébr icas
TÓPICO 2 Corpos finitosObjetivOs
• Identificar a existência e a unicidade dos corpos
finitos
• Construir um corpo com np elementos, dados p
primo e n natural
O Teorema 2 da Aula 3 nos dá uma maneira de obter uma infinidade
de exemplos de corpos finitos. De fato, temos que p é um corpo
se, e somente se, p é primo. Como veremos neste tópico, esses não
são os únicos exemplos de corpos finitos. De fato, demonstraremos a seguir que,
para cada primo p e para cada inteiro positivo n , existe essencialmente um único
corpo com np elementos. Usando as ferramentas desenvolvidas no tópico anterior,
encontraremos um método para construir estes corpos.
Na disciplina de Álgebra Linear, vimos que podemos construir um espaço
vetorial sobre um corpo K qualquer. Assim, podemos considerar o caso em que pK= ,
um corpo finito com p elementos, onde p é um número primo. Seja, portanto, V
um espaço vetorial de dimensão finita dimKV n= . Isso significa que existe uma
base 1{ , , }nB v v= ¼ de V sobre p . Logo todo v VÎ pode ser escrito como
1 1 ,n nv a v a v= + +
com 1, , n pa a¼ Î . Podemos escolher cada coeficiente de p modos. Assim, o
espaço vetorial V tem np elementos.
125AULA 7 TÓPICO 2
O Teorema a seguir mostra que todo corpo com um número finito de
elementos pode ser visto como um espaço vetorial sobre p para algum primo p ,
exatamente como exposto no parágrafo acima.
Teorema4 Seja L um corpo finito, com m elementos. Então vale o seguinte:
1. Existe p primo tal que p LÌ é uma extensão finita com [ : ]pL n= .
2. Vale a igualdade nm p= .
Demonstração:
Consideremos o homomorfismo : Lf ® , dado por (0) 0f = ,
( ) 1 1nf = + +
( n vezes), se 0n> , e ( ) 1 1nf =- - - ( n- vezes), se 0n< .
Aqui, 1 1L= denota o elemento neutro do produto em L . Como L é finito, existe
p tal que 1 1 0p
+ + =
. De fato, se isso não acontecesse, seria possível produzir
uma sequência 1,1 1,1 1 1,+ + + ¼de elementos distintos, logo infinita, em L , o
que não é possível, pois L possui apenas um número finito de elementos (veja a
tarefa 3, no final desta aula). Podemos considerar p como sendo o menor inteiro
positivo tal que 1 1 0p
+ + =
(isso é possível, pelo princípio da boa ordenação).
Se n é um inteiro positivo tal que 1 1 0n
+ + =
, então |p n .
O núcleo kerf é um ideal de e, como é um domínio de ideais principais
(aula 5), ker nf= , para algum nÎ , 0n> . Como ( ) 0pf = , kerp nfÎ = ,
logo |n p . Como p é o menor inteiro positivo tal que ( ) 0pf = , temos |p n . Assim,
n p= , pois n e p são positivos.
O teorema fundamental dos homomorfismos de anéis nos diz que / p
é isomorfo a um subanel de L . Como L é um corpo, esse subanel é um domínio.
Assim, /p p= é um domínio e, pelo Teorema 2 da aula 3, p é primo e p é
um corpo. Dessa forma, acabamos de verificar que L é uma extensão do corpo p .
Uma vez que L é um corpo finito, a extensão | pL é, necessariamente, uma
extensão finita. Pela discussão do início do tópico, o número de elementos de L é np , onde [ : ]pn L= .
O Teorema 4 mostra que o número de elementos em um corpo finito deve ser,
necessariamente a potência de um primo. O Teorema 5 a seguir garante que, para
cada primo p e para cada n inteiro positivo, existe um corpo com np elementos.
126 Est ru tu ras A lgébr icas
Teorema5 Para cada inteiro primo p e para cada inteiro positivo n , existe um
corpo L com np elementos. Dados dois corpos L e K , ambos com nq p= elemen-
tos, existe um p -automorfismo de L em K .
Demonstração:
Seja nq p= e considere o polinômio ( ) qf x x x= - . O Teorema 3 garante que
existe uma extensão finita N de p que é corpo de decomposição de ( )f x , isto
é, todas as raízes de ( )f x estão em N . Seja L NÌ o conjunto das raízes de ( )f x .
Vamos mostrar que L N= .
Notemos que, dados , La b Î , temos qa a= e qb b= , pois ambos são
raízes de ( ) qf x x x= - . Agora ( )q q qa b a b a b× = × = × , o que implica La b× Î .
Mais ainda, (1) 0f = (0) 0f = implicam que 1 LÎ e 0 LÎ . Se 0a¹ , 1 Na- Î
é raiz de ( )f x pois 1 1 1( ) ( )q qa a a- - -= = , logo 1 La- Î . No desenvolvimento
binomial de ( )qa b+ , os coeficientes binomiais qk
são múltiplos de nq p= ,
para cada k , 1 1k q£ £ - , logo todos os coeficientes binomiais qk
são múltiplos
de p . Como o corpo pN É tem característica p , temos 0qk= , para cada k ,
1 1k q£ £ - , logo ( )q q qa b a b+ = + e ( )q q qa b a b- = - . Como qa a= e qb b= , temos ( )q q qa b a b a b± = ± = ± , o que implica que La b± Î . Dessa
forma, o subconjunto não-vazio L de N é fechado para a soma, para a diferença,
para o produto e para a inversão de elementos não nulos, além de conter 0 e 1.
Portanto, L é um corpo e contém todas as raízes de ( )f x , sendo, portanto, o corpo
de decomposição de ( )f x , ou seja, L N= .
Mostramos, portanto, que existe um corpo com nq p= elementos, para
todo p primo e todo 1n³ . Esse corpo é exatamente o corpo de decomposição do
polinômio ( ) [ ]qpf x x x x= - Î . Pelo item (2) do Teorema 3, se K é outro corpo de
decomposição de ( )f x existe um p -automorfismo : L Ks ® .
Assim, para concluirmos a demonstração, basta verificarmos que, se K
for outro corpo finito com nq p= elementos, então K também será corpo de
decomposição de ( ) qf x x x= - . De fato, vamos mostrar que todo elemento de K
é raiz de ( )f x Primeiramente, (0) 0f = , logo 0 KÎ é raiz de ( )f x . O conjunto * { 0}K K= - é um grupo (o grupo multiplicativo do corpo K ) e tem 1q- elementos.
Dado *x KÎ seja 2 1{1, , , , }rS x x x x -=á ñ= ¼ o subgrupo (finito) de *K gerado por
x ( 1rx = ). Esse grupo tem r elementos e, pelo Teorema de Lagrange (estudado na
Aula 1), r divide a ordem do grupo *K , isto é, 1q r a- = × , para algum a inteiro.
127AULA 7 TÓPICO 2
Assim, 1 ( ) 1 1q ar r a ax x x- = = = = e, portanto, 1( ) ( 1) 0q qf x x x x x -= - = - = . Isso
mostra que todo corpo finito K com nq p= elementos é corpo de decomposição
de ( ) qf x x x= - , como queríamos.
EXEMPLO:
Seja 2 { 0,1}F= = . O polinômio 2( ) 1 [ ]f x x x F x= + + Î é irredutível sobre F .
De fato, como ( )f x tem grau 2 , sabemos que f
é irredutível se, e somente se, não tiver raízes em
F . Como { 0,1}F= e (0) 1f = , (1) 1f = , f não
tem raízes em 2F= e, portanto, é irredutível
em [ ]F x . O anel quociente 2[ ] / ( ( ))K x f x= é, logo, um corpo, cujos elementos
podem ser representados na forma a na+ , com 2,a bÎ , onde 2 1 0a a+ + = ,
o que significa que 2 1 1a a a=- - = + . Essa última igualdade ocorre porque
1 1- = em 2 . Como temos duas escolhas para a e duas escolhas para b , o corpo
K tem 4 elementos. Mais precisamente:
4 2[ ] / ( ( )) { 0,1, ,1 }x f x a a= = + Podemos construir as tabelas de adição e multiplicação para os elementos
de K :
0 1 1 0 1 10 0 1 1 0 0 0 0 01 1 0 1 1 0 1 1
1 0 1 0 1 11 1 1 0 1 0 1 1
a a a aa a
a a a aa a a a a a
a a a a a a
+ + × ++
+ ++ +
+ + + +
Com este exemplo, encerramos o tópico 2. Vimos aqui que um corpo finito
tem como número de elementos uma potência de um número primo. Vimos também
que, para cada primo p e para cada inteiro positivo n , existe um corpo de ordem np e, mais ainda, esse corpo é essencialmente único, no seguinte sentido: dois
corpos finitos com o mesmo número de elementos são isomorfos. Concluímos o
tópico exibindo, por meio de um exmplo, um método para construir explicitamente
um corpo finito com np elementos.
Nessa sétima aula, procuramos exibir algumas noções básicas sobre corpos,
enfatizando sua relação estreita com o estudo da decomposição de polinômios.
Na aula seguinte, usaremos alguns resultados encontrados aqui para resolvermos
problemas clássicos de geometria.
at e n ç ã o !
Usamos a notação q para indicar o corpo (único
a menos de isomorfismo) com nq p= elementos.
128 Est ru tu ras A lgébr icas
at i v i d a d e d e a p r o f u d a m e n t o
1. Se K LÌ são corpos e [ : ]L K p= , um número primo, mostre que, se um corpo N é tal que
K N LÌ Ì , então N K= ou N L= .
2. Mostre que, se o grau de u sobre K é ímpar, então 2( ) ( )K u K u= . Sugestão: Mostre que 2( ) ( )K K u K uÌ Ì e que, se 2( ) ( )K u K u¹ , a extensão 2( ) ( )K u K uÌ é quadrática.
3. Seja ( ) [ ]f x K xÎ e seja 1( , , )nL K a a= ¼ tal que 1( ) ( ) ( )nf x x xa a= - -
em [ ]L x .
(a) Mostre que [ : ] !L K n£ ;
(b) Supondo que ( )f x é irredutível em [ ]K x , mostre que [ : ]L K n= se, e somente se,
( )jL K a= , para algum {1, , }j nÎ ¼ . Neste caso, ( )jL K a= para todo {1, , }j nÎ ¼ ;
(c) No final da Aula 6, mostramos que 1 2( ) 1p pf x x x x- -= + + + +
é irredutível em
[ ]x . Mostre que este polinômio satisfaz as condições do item (b).
4. Para cada um dos corpos L abaixo, determine todos os homomorfismos de L em :
(a) L= .
(b) 3( 5)L= .
(c) 4( , 2)L i= .
5. Seja |L K uma extensão algébrica e considere LaÎ . Seja 1{ , , }nB b b= ¼ uma base de L como
espaço vetorial sobre K . O operador linesr :T L La ® , dado por ( )T x xa a= × é representado, na
base B, pela matriz
11 12 1
21 22 2
1 2
n
n
n n nn
a a aa a a
A
a a a
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷=ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
cujas entradas são determinadas pelas equações
ž1 11
,n
j jj
aa b b=
× =å
ž2 21
,n
j jj
aa b b=
× =å
129AULA 7 TÓPICO 2
ž1
.n
n nj jj
aa b b=
× =å
O polinômio característico de a em relação à extensão |L K , denotado por , | ( )L KF xa , é o polinômio
característico do operador Ta , dado por , | ( ) det( )L KF x xI Aa = - . Mais explicitamente,
11 12 1
21 22 2, |
1 2
( ) det .
n
nL K
n n nn
x a a aa x a a
F x
a a x a
a
æ ö- - - ÷ç ÷ç ÷ç- - - ÷ç ÷ç ÷= ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç- - -è ø
Calcule o polinômio característico , | ( )LF xa , para cada a e L dados abaixo:
(a) ( )L i= , 1 ia= + .
(b) ( 2, 3)L= , 2 3a= + .
(c) 3( , 5)L i= , 3 5ia= + .
6. Usando a mesma notação do exercício anterior, mostre que , ( )| ( )K KF xa a é o polinômio minimal de a
sobre K .
130 Est ru tu ras A lgébr icas
AULA 8 Aplicações
Olá aluno(a),
Chegamos à nossa última aula. Exibiremos duas aplicações dos assuntos
estudados nas aulas anteriores. A primeira aplicação é a resolução de três
problemas geométricos levantados pelos matemáticos da Grécia antiga, os
quais só podem ser adequadamente tratados usando-se álgebra abstrata, mais
precisamente a teoria dos corpos, desenvolvida na aula 7. A segunda aplicação,
os códigos corretores de erros, é a base matemática para o funcionamento de
inúmeros artefatos tecnológicos que usamos nos dias atuais: CDs, DVDs, telefones
celulares e transmissões digitais de TV, além do próprio computador pessoal.
Objetivos
• Estabelecer conexões entre os assuntos estudados nas aulas anteriores e as soluções de problemas oriundos de outras áreas
• Compreender a Álgebra Abstrata como uma ferramenta útil em Geometria e em Teoria da Comunicação
131AULA 8 TÓPICO 1
Neste primeiro tópico, indicaremos, de modo breve, como usar
o Teorema 2 da aula 7, para mostrar a impossibilidade de três
construções geométricas, valendo-nos de régua e compasso: a
duplicação do cubo, a trissecção de um ângulo arbitrário e a quadratura do círculo.
Esses três problemas surgiram na Grécia antiga e, por isso, são chamados problemas
clássicos de construção. A impossibilidade de sua resolução só foi estabelecida em
meados do século XIX.
Os geômetras gregos, seguindo uma tradição amadurecida ao longo de
séculos de estudo e cristalizada nos treze livros de Euclides de Megara, chamados
Elementos, adotavam como instrumentos básicos para a construção de figuras
geométricas planas a régua, sem marcas, e o compasso. Enfatizamos que a régua
euclidiana não possui marcas, pois não é utilizada para medir comprimentos,
mas apenas para traçar retas. Por sua vez, o compasso é o instrumento euclidiano
utilizado para se traçar círculos.
Discussões de ordem prática em torno da limitação de instrumentos
específicos não estão em questão aqui. Assim, podemos assumir que dispomos
de uma régua suficientemente comprida de modo a ser possível traçar qualquer
segmento, mesmo que tenha comprimento muito grande (a distância entre Saturno
e o sol, por exemplo). Podemos também, assumir que dispomos de um compasso
capaz de traçar qualquer círculo, mesmo que seu diâmetro seja muito grande (o
diâmetro de nossa galáxia, por exemplo).
TÓPICO 1 Construções com régua e compassoObjetivOs
• Compreender, situar historicamente os problemas
clássicos de construção por régua e compasso, bem como
compreender a impossibilidade de sua solução
• Visualizar a ligação entre esses problemas e a teoria dos
corpos
132 Est ru tu ras A lgébr icas
Evidentemente, os próprios gregos conheciam outros instrumentos e com eles
conseguiram resolver os problemas aqui propostos. No entanto, a solução, usando-
se apenas régua e compasso, é a mais simples possível e, por isso, os matemáticos
gregos, sempre que confrontados com um problema de construção, procuravam
obter uma solução valendo-se somente de régua e compasso.
Os problemas clássicos gregos são:
1. A duplicação do cubo: dado um cubo,
construir, usando apenas régua e compasso,
outro cubo que tenha o dobro do volume.
Como veremos, isso é equivalente a construir, a
partir de um segmento de comprimento 1, um
segmento de comprimento 3 2 ;
2. Trissecção do ângulo: dado um ângulo
qualquer, traçar, usando apenas régua e
compasso, duas semirretas que tenham origem
no vértice do ângulo e que dividam o ângulo em 3 ângulos iguais;
3. Quadratura do círculo: construir, usando
apenas régua e compasso, um quadrado que
tenha área igual à área de um círculo dado.
Mostraremos que isso é equivalente a construir,
a partir de um segmento de comprimento 1,
outro segmento que tenha comprimento p .
O escritor norte-americano Joseph
Campbell, autoridade renomada em mitologia, atestando a importância mística do
problema da quadratura, afirma, em seu livro «O Herói de Mil Faces»,
[Segundo as tradições antigas] a cúpula do céu se apóia nos quatro cantos da
terra, por vezes sustentada por quatro reis cariátides, anões, gigantes, elefantes
ou tartarugas. Daí decorre a tradicional importância atribuída ao problema
matemático da quadratura do círculo: ele contém o segredo da transformação
das formas celestes em formas terrestres.(Campbell, J., O Herói de Mil Faces,
ed. Pensamento - São Paulo, 2007, p. 46).
v o c ê s a b i a?
Além da importância matemática dos problemas
geométricos citados, é necessário compreender
que, na antiguidade, ciência e mito confundiam-
se. Assim, por exemplo, o problema da duplicação
do cubo está vinculado à seguinte narrativa: em
427 a.C., uma peste assolou Atenas, dizimando
um quarto de sua população. Como Apolo era o
deus que regia as pragas e doenças, as pitonisas
do oráculo de Apolo em Delos foram consultadas
sobre o que fazer para aplacar a ira do deus. A
resposta foi que o altar do templo de Apolo, que
tinha o formato de um cubo, deveria ser duplicado.
Prontamente, os atenienses construíram um novo
altar com aresta duas vezes maior. Isso não afastou
a peste, pois o volume do altar fora multiplicado
por oito.
133AULA 8 TÓPICO 1
Para podermos utilizar as ferramentas
desenvolvidas na aula 7, precisamos traduzir o
problema geométrico em linguagem algébrica.
Para fazer isso, usamos a geometria analítica:
associamos a cada ponto do plano um par
ordenado de números reais.
Dado um conjunto não-vazio 0C de
pontos no plano, podemos construir, para cada
par de pontos distintos 0,P Q CÎ , uma reta que passa por P e Q e também
dois círculos, um centrado em P e passando por Q e outro centrado em Q e
passando por P . O conjunto dessas retas e desses círculos é denotado por 0( )s C .
Se X é um ponto do plano tal que { }X a b= Ç , com 0, ( )a b s CÎ , dizemos que X
é um ponto construtível de primeira espécie a partir de 0C . O conjunto dos
pontos construtíveis de primeira espécie é denotado por 1C . Usando a mesma ideia,
podemos obter o conjunto 2C , dos pontos construtíveis de segunda espécie, a
partir de 0C , como sendo o conjunto dos pontos X tais que { }X a b= Ç , com
1, ( )a b s CÎ . Continuando esse processo, obtemos
1{ | { } , , ( )} .n nC X X a b a b s C -= = Ç Î
No que se segue, consideraremos os pontos construtíveis a partir do
conjunto 0 { (0,0),(1,0)}C = . Os pontos construtíveis de primeira espécie a partir
de 0 { (0,0),(1,0)}C = são
11 3 1 3{ (0,0),(1,0),( 1,0),(2,0),( , ),( , )}2 2 2 2
C = - -
e estão ilustrados na figura abaixo.
Figura 1: Pontos construtíveis
Observemos que 1( ,0)2
Î 1C , mas 21( ,0)2
CÎ (veja a tarefa 1 desta aula).
s a i b a m a i s !
Mais informações sobre Joseph Campell, acesse
o site http://www.amalgama.blog.br/02/2009/
joseph-campbell-o-evolucionista-das-religioes/
134 Est ru tu ras A lgébr icas
Um ponto P é dito construtível se
existe 0n³ tal que nP CÎ . Um número aÎ
é chamado número construtível se o ponto
( ,0)a for construtível. O próximo teorema
caracteriza os números reais construtíveis.
Vamos estabelecer uma notação que nos ajudará
na demonstração do teorema. Se A e B são
pontos distintos do plano, ( ), r A B denota a
reta determinada por A e B e ( , )c A B denota o
círculo de centro A que passa por B . Notemos
que ( , ) ( , )r A B r B A= , porém, ( , ) ( , )c A B c B A¹ .
Se 1 2( , )A a a= e 1 2( , )B b b= , então a equação da
reta ( , )r A B é
2 2 1 1 2 1 1 2( , ) : ( ) ( ) ( ) 0.r A B b a X a b Y a b a b- + - + - =
A equação do círculo ( , )c A B é 2 2 2 2
1 2 1 1 2 2( , ) : ( ) ( ) ( ) ( ) .c A B X a Y a b a b a- + - = - + -
Teorema1 Qualquer número real construtível a é algébrico sobre os racionais e
[ ( ) : ]a é uma potência de 2
Demonstração:
Se aÎ é construtível, então ( ,0) na CÎ , para algum 0n³ . Isso significa
que ( ,0)a está na interseção de duas retas ou de uma reta e um círculo, determinados
por pontos construtíveis de espécie 1n- . Mais precisamente, existem pontos
1, , , nA B C D C -Î tais que { ( ,0)} ( , ) ( , )a r A B r C D= Ç ou { ( ,0)} ( , ) ( , )a r A B c C D= Ç .
Em qualquer um dos casos, o par ordenado ( ,0)a é solução de um sistema de um
dos tipos abaixo:
2 2 1 1 2 1 1 2
2 2 1 1 2 1 1 2
( ) ( ) ( ) 0( ) ( ) ( ) 0b a X a b Y a b a b
oud c X c d Y c d cd
ì - + - + - =ïïíï - + - + - =ïî
2 2 1 1 2 1 1 22 2 2 2
1 2 1 1 2 2
( ) ( ) ( ) 0,
( ) ( ) ( ) ( )b a X a b Y a b a bX c Y c d c d c
ì - + - + - =ïïíï - + - = - + -ïî
onde 1 2 1 2 1 2 1 2( , ), ( , ), ( , ), ( , )A a a B b b C c c D d d= = = = .
Eliminando a indeterminada Y nesses sistemas, obtemos uma equação de
grau no máximo 2 . Assim, podemos afirmar que, se as coordenadas , , ,i i i ia b c d (
1,2i = ) dos pontos , , ,A B C D , pertencem a um corpo F , então ( )a FÎ D , com
at e n ç ã o !
Sejam , , , nA B C D CÎ . Se
( , ) ( , ) { , }c A B c C D E F=Ç , então
1, nE F C +Î e podemos considerar
( , ) ( , ) ( , ) ( , )c A B c C D c A B r E F=Ç Ç . Assim,
para obtermos pontos construtíveis, basta
considerarmos interseções entre duas retas, ou
entre uma reta e um círculo.
135AULA 8 TÓPICO 1
KDÎ , 0D> (D é o discriminante da equação quadrática oriunda do segundo
sistema acima). Como 0 { (0,0),(1,0)}C = e 0,1Î , podemos afirmar que na FÎ ,
onde
0 1 2 nF F F F= Ì Ì Ì Ìe, para cada 0n³ , 1 ( )n n nF F+ = D , com n FD Î e 0nD > .
De acordo com o Teorema 1 da Aula 7, aplicado um número finito de vezes,
[ : ] 2nnF = . Como ( ) na FÌ Ì , temos que [ ( ) : ]a é um divisor de [ : ] 2n
nF = ,
logo é, necessariamente, uma potência de 2 , como queríamos demonstrar.
Vamos, agora, usar o Teorema 1 para mostrar a impossibilidade das
construções clássicas.
1. Duplicação do cubo: Seja 3V a= o volume do cubo original. Para
construirmos um cubo de volume 2V , é necessário construirmos, a partir da
aresta a , uma aresta b tal que 3 32b a= , ou seja, 3 2b a= × . O problema, então, é
equivalente a construir o número 3 2 . Como 3( ) 2f x x= - é irredutível sobre ,
temos que 3[ ( 2 : )] grau ( ) 3f= = . Logo, 3 2 não pode ser construtível, pois 3[ ( 2 : )] não é uma potência de 2 .
2. Trissecção do ângulo: Alguns ângulos (por exemplo, 90 ) podem
ser trissectados, usando-se régua e compasso. Vamos mostrar que 60 não pode
ser trissectado usando-se régua e compasso. Se pudéssemos trissectar o ângulo
de 60 , poderíamos construir o ângulo de 20 . Uma vez construído esse ângulo,
seria possível construir um triângulo retângulo com um dos ângulos internos
medindo 20 . Logo, o número 2 cos20a= × seria construtível. A partir da relação
trigonométrica 3cos3 4cos 3cosq q q= - , deduzimos que 3 3 1 0a a- - = . Assim,
a é raiz do polinômio 3( ) 3 1f x x x= - - , irredutível sobre e, portanto,
[ ( ) : ] grau ( ) 3a f= = . Como o grau dessa extensão não é uma potência de
2 , 2cos20a= não é construtível, logo um ângulo que mede 60 não pode ser
trissectado.
3. Quadratura do círculo: A área de um círculo de raio 1 é p . Construir
um quadrado cuja área é igual a p é equivalente a construir o lado desse quadrado,
ou seja, um segmento de comprimento p . Mas, se p fosse construtível, 2( )p p= , também seria construtível. Pelo Teorema 1, p seria algébrico sobre .
Mas o número p é transcendente. Logo, o problema da quadratura do círculo é
insolúvel por régua e compasso.
136 Est ru tu ras A lgébr icas
Concluímos, aqui, nosso primeiro tópico.
Vimos que a noção de extensão de corpos,
estudada na aula 7, nos permite resolver três
problemas sobre construções geométricas que
permaneceram em aberto por mais de 23 séculos,
desde a Grécia antiga até o século XIX, quando
foram resolvidos recorrendo-se à ferramenta
algébrica.
at e n ç ã o !
A transcendência de p não é um fato elementar,
e só demonstrada por Carl Louis Ferdinand
von Lindemann (1852-1939), em 1882. Essa
demonstração encerrou a busca pela quadratura
do círculo, problema em aberto que perdurou em
Matemática por mais de 2300 anos!
137AULA 8 TÓPICO 2
Neste tópico, veremos uma importante aplicação das noções
estudadas nas aulas anteriores: a Teoria dos Códigos.
Evidentemente, apresentaremos aqui apenas uma breve
introdução a esse vasto assunto. Para um estudo mais aprofundado, recomendamos
o livro “Códigos Corretores de Erros”, de Hefez e Vilela (veja nas referências).
Os códigos corretores de erros formam a ferramenta matemática que permite a
transmissão de dados com perda mínima de informação, tornando possível o
funcionamento de vários aparelhos, como os transmissores digitais de imagem
e som (CD, DVD, BlueRay, TV digital, telefonia digital). Esta aplicação contrasta
fortemente com a vista no tópico 1 desta aula, pois ao contrário de resolver um
problema antigo, torna possível a transmissão de informações por meio digital,
fundamental nos dias atuais.
O artigo de Claude Elwood Shannon (1916-
2001), Mathematical theory of communications,
publicado em 1948, marca o início da Teoria dos
Códigos. Neste artigo, Shannon mostrou que há
como corrigir a interferência sofrida por uma
determinada mensagem (que pode ser um som,
uma imagem ou outra informação qualquer)
de modo a recuperar a mensagem original com
grande precisão.
TÓPICO 2 Códigos corretores de errosObjetivOs
• Compreender o funcionamento dos códigos detectores e
dos códigos corretores de erros
• Identificar a noção de corpo finito como elemento básico
na construção de códigos
s a i b a m a i s !
Para maiores informações a respeito do artigo
de Claude Elwood Shannon (1916-2001),
Mathematical theory of communications,
acesse o site www.mast.queensu.ca/~math474/
shannon1948.pdf.
138 Est ru tu ras A lgébr icas
Segundo seu colega do MIT (Massachusetts Institute of Technology), R. G.
Gallager, “Shannon foi a pessoa que viu a representação binária como elemento
fundamental em toda comunicação. Essa foi uma descoberta realmente sua, e dela
surgiu toda revolução das comunicações”.
Nas três décadas que se seguiram, a Teoria dos Códigos desenvolveu-se em
boa parte graças ao trabalho de matemáticos ligados ao Bell Telephone Laboratories,
nos Estados Unidos: Elwyn Ralph Berlekamp (1940- ), Edgar Nelson Gilbert
(1923- ), Richard Wesley Hamming (1915-1998), David S. Slepian (1923-2007), Neil
James Alexander Sloane (1939- ), e também a outros matemáticos, dentre os quais
destacamos Jacobus Hendricus van Lint (1932-2004), professor da universidade de
Eindhover, na Holanda. Esse desenvolvimento culminou com a apresentação, no
dia 8 de março de 1979, do primeiro protótipo de um CD (Compact Disc), para uma
audiência de aproximadamente 300 jornalistas, na sede da Philips, na Holanda. Por
conta de seu pequeno tamanho, o CD foi chamado pelos cientistas da Philips de
Pinkeltje, nome de um minúsculo duende que é o personagem central de uma série
de livros populares na Holanda.
Para compreender como funciona um código, vamos começar com um
exemplo de um código que detecta um erro.
EXEMPLO 2:
O código usado para detectar um erro na transmissão de dados entre o teclado
e a unidade central processamento (CPU) de um computador é o ASCII (American
Standard Code for Information Interchange, ou seja, Código Padrão Americano para
o Intercâmbio de Informação). O código consiste de associações entre os símbolos
do teclado e listas de 7 dígitos 0 ou 1. Cada dígito de uma dessas listas é chamado
bit. Por exemplo, podemos associar ao símbolo * à lista 1001101, formada por 7
bits. Como, para cada possível bit, temos duas possibilidades, ao todo podemos
dispor de 7128 2= listas.
Para que possamos detectar um erro, devemos introduzir um oitavo bit,
chamado bit de checagem. Obtemos assim uma lista com 8 bits, denominada byte,
onde 7 dígitos (bits) transmitem uma informação e o oitavo bit serve para verificar
se a informação foi transmitida corretamente.
139AULA 8 TÓPICO 2
Figura 2: Ligação entre teclado e CPU
Na prática, acrescentamos o oitavo bit de modo que o byte resultante tenha
um número par e dígitos (bits) iguais a 1. Por exemplo, tomemos a lista de 7 dígitos
1001101, que corresponde ao símbolo *. Nessa lista, temos quatro bits iguais a 1.
Isso significa que o oitavo bit deve ser, necessariamente, igual a 0 , de modo que,
no byte resultante, o número de bits iguais a 1 seja par:
1001101 0 10011010.bit dechecagem byte
=
Assim, digamos que um usuário do
computador pressione a tecla * no teclado e que,
por algum motivo, haja exatamente um erro
na transmissão da mensagem para a CPU. Isso
significa que exatamente um dos bits do byte
10011010 foi trocado, logo, o byte resultante
possuirá um número ímpar de bits iguais a 1.
Um byte com um número ímpar de bits iguais a 1
é rejeitado pela CPU e o usuário tem que digitar
novamente.
A Figura 3 abaixo esquematiza o
funcionamento de um código. A ideia é
selecionar um certo número de blocos de
comprimento finito, que formarão o código.
No exemplo acima, os blocos são os bytes. Uma certa informação que precisa ser
transmitida por um canal sujeito à interferência é codificada (transformada em um
at e n ç ã o !
Devemos observar que o código ASCII detecta
um erro, mas não é capaz de corrigi-lo, sendo
necessário o reenvio da informação. Códigos
detectores de erros são úteis em sistemas de redes,
onde a informação pode facilmente ser reenviada,
sem prejuízo de tempo. No entanto, quando é
preciso enviar informações para um destinatário
distante, o erro, além de detectado, tem que ser
corrigido.
140 Est ru tu ras A lgébr icas
bloco X pertencente ao código) e transmitida. Depois da transmissão, a informação
recebida ( X E+ ) é analisada e, dependendo do código escolhido, será possível
corrigir um certo número de erros ( E ) que eventualmente podem ter ocorrido
durante a transmissão. Só depois, a informação é decodificada.
Figura 3: Codificação e decodificação
Um código é chamado código de blocos se a informação codificada pode
ser dividida em blocos, todos com n símbolos, que podem ser decodificados
independentemente. Estes blocos são chamados palavras do código e n é chamado
comprimento da palavra. No exemplo que vimos anteriormente, o código ASCII é
um código de blocos, no qual as palavras são os bytes de comprimento 8 .
Seja Q um conjunto com q símbolos, que chamaremos de alfabeto (por
exemplo, no código ASCII, { 0,1}Q= ). Em um código de blocos, cada palavra é
uma lista formada por n elementos de Q : 1( , , ) nnq q Q Q Q¼ Î ´ ´ = . Por uma
questão de simplicidade e porque não há perigo de confusão, denotamos cada
palavra simplesmente escrevendo 1 nq q
, omitindo as vírgulas e os parênteses. Se
, nX Y QÎ , a distância de Hamming entre 1 nX x x=
e 1 nY y y= , denotada
por ( , )d X Y , é dada por
( , ) #{ | 1 , }i id X Y i i n x y= £ £ ¹
onde o símbolo # denota o número de elementos de um conjunto.
A distância de Hamming é uma métrica, isto é, satisfaz as seguintes
condições:
1. ( , ) 0d X X = , para todo nX QÎ .
2. Se , nX Y QÎ e X Y¹ , então ( , ) 0d X Y > .
3. ( , ) ( , )d X Y d Y X= , para quaisquer , nX Y QÎ .
4. Se , , nX Y Z QÎ , então ( , ) ( , ) ( , )d X Z d X Y d Y Z£ + .
Todas as condições acima podem ser verificadas sem dificuldade, exceto a
condição 4, cuja validade será verificada a seguir.
141AULA 8 TÓPICO 2
Se X Y= ou Y Z= , então ( , ) ( , )d X Z d Y Z= ou ( , ) ( , )d X Z d X Y= ,
respectivamente. Assim, neste caso vale 4. Podemos, então, supor que X Y¹ e
Y Z¹ . Se i ix z¹ para algum i , 1 i n£ £ , então i ix y¹ ou i iy z¹ , do contrário
i ix y= e i iy z= implicariam i ix z= . Portanto, se as i -ésimas coordenadas de
X e Z contribuem com uma unidade para ( , )d X Z , então as mesmas i - ésimas
coordenadas contribuem com uma unidade em ( , )d X Y ou uma unidade em
( , )d Y Z (ou uma unidade em cada). Sendo assim, ( , ) ( , ) ( , )d X Z d X Y d Y Z£ + , como
queríamos.
Um código de blocos é, portanto, um subconjunto nC QÌ . Se #( ) 1C = ,
dizemos que C é trivial. Se #( ) 2Q q= , o código C é chamado binário. Se 3q= ,
o código C é chamado ternário, e assim por diante.
Desejamos encontrar códigos cujas palavras sejam difíceis de serem
confundidas umas com as outras. Isso significa que, dadas duas palavras distintas
,X Y CÎ , devemos ter ( , )d X Y d³ . , onde 0d> é um inteiro positivo que mede
quão distintas umas das outras são as palavras do código C . Chamamos esse inteiro
( )d d C= de distância mínima de C . Mais precisamente, a distância mínima de
C é dada por
( ) min{ ( , )| , } .d C d x y x y C= Î
Se o valor de d(C) é grande , temos uma garantia de que o código pode
funcionar bem. De fato, se ocorrer um erro de transmissão e a palavra enviada
X for recebida como Z , e se ( , )2dd X Z < , onde
2d representa o maior intro que não supera
2d
, então a palavra Z deve ser interpretada como
X .
Figura 4: Distância mínima
at e n ç ã o !
Neste ponto, vale a pena observarmos que, tanto
o computador que envia quanto o que recebe a
mensagem têm, a sua disposição, uma listagem
com todas as palavras do código, de modo a poder
calcular a distância de Hamming entre a palavra
recebida e cada uma das palavras do código. Dessa
forma, a palavra recebida Z é interpretada como
sendo a palavra X do código tal que ( , )d X Z
assume o menor valor possível.
142 Est ru tu ras A lgébr icas
EXEMPLO 3:
Se { 0,1}Q= e { 001,010,100}C= , as distâncias entre os elementos de C são:
(001,010) 2d = , (001,100) 2d = e (010,100) 2d = . Logo, a distância mínima de C
é igual a 2 .
Assim, para um código C com distância mínima d , se a interferência na
transmissão provoca um erro menor do que 2d , o código é capaz de corrigir o erro
e recuperar a mensagem original.
A partir deste ponto, vamos fazer uso do nosso estudo de corpos finitos para
podermos construir códigos eficientes. Vamos tomar como alfabeto um corpo finito
q , com q elementos. Como já vimos na aula 7, q é, necessariamente, a potência
de um número primo. As palavras são, agora,
elementos de nq q q= ´ ´ . Como n
q é um
espaço vetorial sobre q , as palavras podem ser
vistas agora como vetores.
Um subespaço vetorial C de nq é chamado
código linear. Se C tem dimensão k , então C é
chamado código [ , ]n k .
Esta estrutura algébrica adicional nos permite simplificar os cálculos e obter
resultados mais profundos sobre os códigos lineares do que sobre os códigos de
blocos que não têm estrutura algébrica alguma.
Uma uma matriz k nG´ cujas linhas formam uma base do código C como
subespaço de nq , é chamada matriz geradora do código C . Se G é uma matriz
geradora de C , então
{ | } ,kqC X G X= × Î
onde um elemento X de kq deve ser identificado aqui com a matriz linha (1 k´ )
X . O resultado do produto X G× é uma matriz linha 1 n´ , que identificamos com
um elemento de nq , pertencente a C .
EXEMPLO 1:
Seja 62CÌ o código binário gerado pela base {100011,010101,001110}B= .
A matriz geradora de C é
1 0 0 0 1 10 1 0 1 0 1 ,0 0 1 1 1 0
Gæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷=ç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
at e n ç ã o !
Revise o conteúdo de subespaço vetorial na
disciplina de álgebra linear aula 2.
143AULA 8 TÓPICO 2
cujas linhas são os vetores da base B de C . Para cada 31 2 3 2X x x x= Î , o produto
X G× é um elemento de C e todos os elementos de C são obtidos dessa forma. Por
exemplo, dado 32101X= Î , temos
1 0 0 0 1 1(1 0 1 ) 0 1 0 1 0 1 (1 0 1 1 0 1 ).
0 0 1 1 1 0X G
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷× = × =ç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
Ao todo, 32 tem 8 elementos, logo C também tem oito elementos.
Se um código C tem distância mínima 2 1d e= + , então ele pode corrigir
até 2d e= erros em uma palavra recebida. Para encontrar a distância mínima d
de um código arbitrário C , temos que encontrar a distância entre todos os pares
de palavras. Se o código possui M palavras, precisamos calcular ( 1)
2 2M M
M-
=
distâncias. Quando C é um código linear, podemos encontrar a distância mínima
com muito menos esforço computacional. Para isso, precisamos considerar o peso
( )Xw de uma palavra X CÎ , que é dado por
( ) ( ,0),X d Xw =
onde 0 é o vetor nulo do espaço vetorial nq . O peso mínimo de C é dado por
( ) min{ ( )| , 0} .C X X C Xw w= Î ¹Para encontrar o peso mínimo, precisamos calcular ( )Xw para todo X CÎ .
Logo, é necessário calcular 1M - distâncias, o que representa um esforço
computacional bem menor do que aquele usado no cálculo da distância mínima.
Temos, então, o seguinte resultado:
Teorema2 Em um código linear C, a distância mínima é igual ao peso mínimo.
Demonstração:
Como C é um espaço vetorial, se ,X Y CÎ , então X Y C- Î . Pela definição
de distância de Hamming, ( , )d X Y é igual à quantidade de coordenadas distintas
de X e Y . Esse número coincide com o número de coordenadas não nulas de
X Y- , logo ( , ) ( ,0) ( )d X Y d X Y X Yw= - = - . Assim, a menor distância coincide
com o menor peso.
Seja nq p= , onde p é um número primo e n é um número inteiro positivo.
Seja C um código [ , ]n k sobre q , isto é, C é um subespaço de dimensão k de nq .
Podemos escolher uma base 1{ , }kB v v= ¼ de C dada por
1 1 1 1100 0 k nv x x+=
144 Est ru tu ras A lgébr icas
2 2 1 2010 0 k nv x x+=
10 01 .k kk knv x x+=
Com essa escolha, a matriz geradora de C adquire a seguinte forma, chamada
forma canônica:
1 1 1
2 1 2
1
1 0 00 1 0
( ),
0 0 1
k n
k nk
kk kn
x xx x
G I P
x x
+
+
+
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷= =ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
onde kI denota a matriz identidade k k´ e
1 1 1
2 1 2
1 ( )
k n
k n
kk kn k n k
x xx x
P
x x
+
+
+ ´ -
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷=ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
A partir da matriz transposta simétrica de P ,
1 1 1
1 2 2
1 ( )
k kk
k kkt
n kn n k k
x xx x
P
x x
+ +
+ +
- ´
æ ö- - ÷ç ÷ç ÷ç- - ÷ç ÷ç ÷- =ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç- -è ø
e da matriz identidade n kI - , podemos construir a matriz
1 1 1
1 2 2
1 ( )
1 0 00 1 0
( )
0 0 1
k kk
k kktn k
n kn n k n
x xx x
H P I
x x
+ +
+ +-
- ´
æ ö- - ÷ç ÷ç ÷ç- - ÷ç ÷ç ÷= - =ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç- -è ø
chamada matriz de checagem de paridade, ou, simplesmente, matriz de
checagem, do código C . A importância da matriz de checagem é esclarecida pelo
teorema a seguir.
Teorema3 Dado um código C, linear [ , ]n k sobre q e uma palavra n
qxÎ , temos
, , 0,tx Cse esomentese x HÎ × =
onde tH representa a transposta da matriz de checagem.
145AULA 8 TÓPICO 2
Demonstração:
Primeiramente, mostraremos que 0tG H× = , a matriz nula de ordem
( )k n k´ - . De fato,
1 1 1 2 1
1 1 11 2
2 1 2
1
( )
1 0 00 1 0
1 0 0 .0 1 0
0 0 1
0 0 1
k k n
k nkk kk kn
k nt
kk kn k n
n n k
x x x
x xx x x
x xG H
x x
+ +
++ +
+
+ ´
´ -
æ ö- - - ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷çæ ö ÷ç ÷÷ç ÷ç- - -÷ç ÷ç÷ç ÷÷ çç ÷÷ çç ÷÷× = ×ç ÷ç ÷ ç ÷÷ç ç ÷÷ç ç ÷÷ç ÷ç÷ç ÷÷ ççè ø ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
O produto de matrizes acima é igual à matriz nula de ordem ( )k n k´ - (veja
a tarefa 3 desta aula).
Uma palavra nqxÎ pertence ao código C se, e somente se, x y G= × , onde
G é a matriz k n´ geradora do código C e kqyÎ . Assim, x CÎ se, e somente se,
( ) 0 0t tx H y G H y× = × × = × = .
Seja H a matriz de checagem do código [ , ]n k linear C . Dado um vetor nqxÎ , o produto tx H× é um vetor de n k
q- , que chamaremos de síndrome de x .
Como vimos na Aula 1, um espaço vetorial V , quando se considera apenas a
operação soma, é um grupo abeliano, e um subespaço S de V é um subgrupo de V .
Em particular, o código linear C é subgrupo de nq . Dessa forma, 1
nq mC CÈ= È ,
onde cada iC ( {1, , }i mÎ ¼ .) é uma classe lateral de C . Dois elementos , nqx yÎ
pertencem à mesma classe (isto é, são equivalentes) se x y C- Î . Devemos observar
que, pelo Teorema 3,
( ) 0 .t t tx y C x y H x H y H- Î Û - = Û × = ×
Isso significa que x e y são equivalentes se, e somente se, têm a mesma
síndrome.
Vejamos como as observações acima se aplicam à situação real. Suponhamos
que uma palavra x CÎ tenha sido recebida com erro, devido à interferência.
Admitimos que o erro na transmissão é um vetor nqeÎ , de talodo que a palavra
recebida y , seja igual à palavra enviada x , adicionada ao erro oriundo da
interferência na transmissão, ou seja, y x e= + . Assim, y e x C- = Î , o que
mostra que y e e são equivalentes e, portanto, têm a mesma síndrome.
Se queremos decodificar a palavra com um mínimo de mudanças, devemos
assumir que o vetor e possui o maior número possível de zeros como coodenadas,
isto é, que o peso ( )ew seja mínimo. Assim, para cada palavra recebida y , devemos
146 Est ru tu ras A lgébr icas
procurar o vetor 0e de peso mínimo que pertença à classe y C+ , representada por
y , ou seja, que tenha a mesma síndrome de y . Chamamos 0e de vetor líder da
classe y C+ . Feito isso, a palavra x pode ser recuperada calculando-se 0y e- .
Dessa forma, podemos elaborar o seguinte algoritmo básico de decodificação
e correção de erros:
Consideremos um código linear C , de dimensão k em nq , com matriz de
checagem H . Suponhamos que a palavra y foi recebida.
1. Calcule a síndrome ty H× .
2. Considere um vetor erro arbitrário 1 ne e e= e imponha a e a condição: t te H y H× = × .
3. O item anterior fornece um sistema linear indeterminado, com n k-
equações envolvendo as incógnitas 1, , ne e¼ . Encontre uma solução 1 ne e e= do
sistema, tal que ( )ew seja mínimo.
4. Calcule y e- . Como t ty H e H× = × , a diferença y e- é, certamente, uma
palavra x do código C .
5. Decodifique a palavra y como sendo x .
Vamos ilustrar o funcionamento do algoritmo acima por meio de um exemplo.
EXEMPLO:
Queremos transmitir 8 símbolos, 1 7, ,a a¼ , usando um código que nos
permita corrigir um erro. Podemos associar a cada símbolo um número de 0 a 7 .
Escrevendo esses números na base 2 , obtemos as seguintes palavras de três bits:
000,001,010,011,100,101,110,111.A informação será transmitida dessa forma e, após recebida, será convertida
novamente em número decimal e, finalmente, no símbolo correspondente ao
número específico.
Para que seja possível corrigir um erro, devemos introduzir o que costumamos
denominar redundância, que nada mais é do que uma informação adicional que
torna o código mais eficiente. No nosso exemplo, adicionaremos mais três bits a
cada palavra 1 2 3x x x , de modo a obtermos palavras com 6 bits: 1 2 3 4 5 6x x x x x x . Os
três bits adicionais devem depender dos três primeiros bits. Vamos escolher as
seguintes relações lineares: 4 2 3x x x= + , 5 1 3x x x= + e 6 1 2x x x= + . Dese modo,
obtemos o seguinte código linear:
{ 000000,001110,010101,011011,100011,101101,110110,111000} .C=
147AULA 8 TÓPICO 2
O peso de uma palavra não-nula de C é igual a 3 ou 4 . Logo, o peso
mínimo do código C é ( ) 3Cw = . Suponha que uma palavra y foi recebida após a
transmissão e que yÎC , mas existe ix CÎ tal que ( , ) 1id y x = . Se jx CÎ , j ix x¹ ,
então a desigualdade triangular nos diz que ( , ) ( , ) ( , )i j i jd x x d x y d y x£ + . Como o
código C é linear, o Teorema 2 garante que a distância mínima de C é igual ao seu
peso mínimo ( ) 3Cw = . Assim, 3 ( , ) ( , ) ( , )i j i jd x x d x y d y x£ £ + . Como ( , ) 1id x y = ,
obtemos ( , ) 2jd y x ³ . Isso significa que a única palavra do código que está à
distância 1 de y é ix , enquanto as outras palavras de C estão mais distantes.
Portanto, a palavra recebida y deve ser substituída pela palavra ix , pertencente
ao código. Isso significa que o código C pode corrigir 1 erro.
Para descobrir a matriz geradora de C , escrevemos:
5 64
61 2 3 2 3 3 21 1 2 1 2 3 2{ ( , , , , , ) | , , }
x xx
C x x x x x x x x x x x x= + + + Î Î =
31 2 3 1 2 3 2
1 0 0 0 1 1{ ( ) 0 1 0 1 0 1 | } .
0 0 1 1 1 0x x x x x x
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷= × Îç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
Assim, o código binário 62CÌ coincide que o que foi dado no Exemplo da
página 13, gerado pela base {100011,010101,001110}B= , cuja matriz geradora é
1 0 0 0 1 10 1 0 1 0 1 .0 0 1 1 1 0
Gæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷=ç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
A matriz de checagem de C é
0 1 1 1 0 01 0 1 0 1 0 .1 1 0 0 0 1
Hæ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷=ç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
(veja a terefa 4 desta aula. Note que, em 2 , 1 1- = ).
Suponhamos que tenhamos recebido a seguinte palavra, após a transmissão:
110010y= . Como yÎC , devemos procurar a palavra do código mais próxima de
y . No presente exemplo, isso pode ser feito por verificação direta, pois o código
tem poucas palavras. Na prática, contudo, isso é inviável, pois, em geral, um código
tem um número muito grande de palavras. Vamos, por isso, buscar o elemento
ix CÎ mais próximo de y , usando o algoritmo exposto acima.
1. Calculando a síndrome de y , obtemos:
148 Est ru tu ras A lgébr icas
0 1 11 0 11 1 0
(11 0 01 0) (1 0 0).1 0 00 1 00 0 1
ty H
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷÷ç ÷ç ÷ç× = × =÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷÷çè ø
2. Seja 61 2 3 4 5 6 2e ee e e ee= Î tal que (1 0 0)t te H y H× = × = . Temos:
2 3 4
1 3 5
1 2 6
100
e e ee e ee e e
ì + + =ïïïï + + =íïï + + =ïïîComo ( )ew deve ser mínimo, escolhemos
as coordenadas de e de modo que apareça
o maior número possível de zeros. Isso
ocorre quando 1 2 3 5 6 0e e e e e= = = = =
e 4 1e = . Logo 000100e= e
110010 000100 110110x y e C= - = - = Î .
Concluímos, então, que a palavra y foi enviada
como 110110x C= Î e sofreu interferência,
que alterou um de seus bits. O código C foi,
portanto, capaz de recuperar a palavra enviada
x a partir da palavra y recebida (com 1 erro).
Concluímos aqui o nosso último tópico. Nele vimos, de modo resumido, como
é possível a construção de um código corretor de erros. Fizemos uso de técnicas
desenvolvidas em aulas anteriores para conceber um método de transmissão de
dados que minimiza a perda de informações.
Existem muitas outras aplicações da Álgebra Abstrata a outras partes da
Matemática e mesmo a outras áreas do conhecimento. Citemos, brevemente e
apenas a título de informação, algumas dessas aplicações: na Mecânica Quântica,
as partículas elementares podem ser estudadas usando-se a teoria da representação
(linear) de grupos, com a qual verificamos os homomorfismos de um grupo abstrato
em um grupo formado por matrizes.
at e n ç ã o !
O código do exemplo acima é capaz de corrigir
1 erro. Caso a interferência na transmissão
provoque mais de um erro, o código pode falhar,
não recuperando corretamente a palavra enviada.
149AULA 8 TÓPICO 2
at i v i d a d e d e a p r o f u d a m e n t o
1. Sejam m e n números inteiros maiores ou iguais a 2 , tais que mdc ( , ) 1m n = . Mostre que, se um
ângulo q puder ser dividido em m partes iguais e também em n partes iguais, com régua e compasso,
então q pode ser dividido em m n× partes iguais com régua e compasso.
2. Use o fato de que 3p
não pode ser trissectado para mostrar que 3 14 32
x x- + é irredutível em [ ]x .
3. Considere o código C linear [7,4] sobre 2 que tem matriz de checagem dada por
0 0 0 1 1 1 10 1 1 0 0 1 1 .1 0 1 0 1 0 1
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷÷çè øEste código é chamado código [7,4] de Hamming.
(a) Determine o peso de C.
(b) Encontre uma matriz geradora de C.
(c) Calcule os vetores líderes das classes de equivalência de C.
(d) Escreva alguns vetores de 72 e decodifique-os.
4. Dados , nqx yÎ , com 1 nx x x= e 1 ny y y= , o elemento
ž1
,n
i i qi
y x y=
= Îå
é chamado produto interno em nq .
(a) Exiba um exemplo de vetor 52xÎ , com 0x¹ e , 0x= .
(b) Se nqCÌ é um código linear, mostre que o conjunto
{ | , 0 }nqC y y paratodox C^ = Î = Î
é um código linear, chamado código dual de C .
(c) Mostre que a matriz geradora de C^ é igual à matriz de checagem de C.
5. Seja C um código binário com matriz geradora
1 0 0 0 1 0 10 1 0 0 1 0 1
.0 0 1 0 0 1 10 0 0 1 0 1 1
æ ö÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷÷ç ÷ç ÷ç ÷ç ÷çè ø
Decodifique as seguintes palavras recebidas:
(a) 1101011.
(b) 0110111.
(c) 0111000 .
150 Est ru tu ras A lgébr icas
REFERÊNCIASARTIN, E. Algebra with Galois Theory. American Mathematical Society, Providence, Rhode Island, 2007.
BHATTACHARYA, P.B.; JAIN, S.K.; NAGPAUL, S.R. Basic abstract Algebra. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
ENDLER, O. Teoria dos Corpos. Monografias de Matemática, 44. Rio de Janeiro: IMPA, 1987.
GARCIA, Arnaldo; LEQUAIN, Yves. Elementos de Álgebra. 5. ed. Rio de Janeiro: Projeto Euclides, IMPA, 2008.
GONÇALVES, Adilson. Introdução à Álgebra. Rio de janeiro: Projeto Euclides, IMPA, 1995.
HEFEZ, A.; VILELA. M.L.T. Códigos corretores de erros. Rio de Janeiro: IMPA, 2008.
151CURRÍCULO
CURRÍCULOAngelo Papa Neto
Angelo Papa Neto nasceu em Fortaleza, onde fez seus estudos básicos e sua graduação.
É licenciado em Matemática pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde também fez
seu mestrado. Concluiu o doutorado em Matemática em 2007 na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Sua área de pesquisa é a Álgebra Comutativa, área em que nutre
especial interesse pela Teoria de Valorizações, pela Teoria das Formas Quadráticas e pela
Álgebra Real. É professor efetivo do IFCE desde 1997. Casado desde 2000, é pai de dois
filhos. Na música, é um grande admirador de J. S. Bach, L. Beethoven e Dimitri Shostakovich;
no cinema, de F. W. Murnau, Fritz Lang e A. Hitchcock; na literatura, de F. Kafka, A. Tchekov
e Guimarães Rosa; na gastronomia, de sua esposa Sueli.
estruturaAlgÉbricalicenciatura emmatemática
LIC
EN
CIA
TU
RA
EM
MA
TE
MÁ
TIC
A - E
ST
RU
TU
RA
AL
GÉ
BR
ICA
UA
B / IF
CE
SE
ME
ST
RE
6
Ministério da Educação - MEC
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Universidade Aberta do Brasi l
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará