+ülvaro Cardoso Gomes - O Simbolismo
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O SIMBOLISMO
PRINCPIOS
lvaro Cardoso Gomes
Professor-associado de Literatura Portuguesa na Universidade de So Paulo
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Sumrio
1. Origens
Marco inicial
Crise do fim do sculo Esprito da decadncia Influncias romnticas
2. Uma revoluo potica
A teoria das correspondncias _ O poeta, um vidente
O mistrio, a sugesto, a evocao
O smbolo
O Simbolismo e a msica
A busca do novo entre os simbolistas
3. Cronologia e expanso
Anos de grandes polmicas
O fortalecimento do Simbolismo em seu bero, a Frana
O Simbolismo no resto da Europa e nas Amricas
O Simbolismo nos pases de lngua portuguesa
4. ndice de autores simbolistas
5. Vocabulrio crtico6. Bibliografia comentada
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Origens
Marco inicial
O Simbolismo surge no fim do sculo XIX, mais precisamente em 1857, quando o
poeta Charles Baudelaire publica sua obra As flores do mal. Essa obra provocou o maior
escndalo na poca, porque no s mexeu com temas-tabus em poesia, como tambm
procurou criar um novo tipo de poesia. Devido ao escndalo, Baudelaire chegou, inclusive, a
ser processado por obscenidade. Por que um ttulo to estranho para uma obra potica? Num
dos prefcios desse livro, Baudelaire assim o explica:
Poetas ilustres tinham dividido h muito tempo as provncias floridas do
domnio potico. Pareceu-me prazeroso, e tanto mais agradvel, porque a tarefa era
mais difcil, extrair a beleza do mal. (Les fleurs du mal. Paris, Garnier, 1961. p. 248.)
Com base nessa poesia, Baudelaire compe um livro cheio de imagens alucinantes.
Tendo como pano de fundo a Paris do sculo XIX, o poeta fala do tdio que os tempos
modernos lhe inspiram, da solido existencial do homem, de amores fracassados e, sobretudo,de coisas srdidas, repugnantes, como acontece, por exemplo, no poema "Uma carcaa":
As moscas zumbiam sob este ventre ptrido,
De onde saam negros batalhes
De larvas, que escorriam como um lquido espesso
Ao longo dos vivos rasges.
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("Une charogne", ibidem, p. 34)
Por que essa atrao pelo mal, por aquilo que convencionalmente no seria objeto deinteresse para um poeta? Ainda: como extrair beleza do mal? Na realidade, Baudelaire estava
criando uma nova concepo de poesia. No passado, durante as eras clssicas e romnticas, a
arte era ligada, de modo geral, ao bem, e a beleza era entendida como algo que fosse
harmonioso, que provocasse sensaes agradveis nos leitores. Baudelaire evidentemente se
insurge contra esse conceito de poesia e, por conseqncia, de belo; da sua inteno de extrair
beleza tambm do que srdido, do que feio. Com isso, o poeta francs pretendia causar um
choque no leitor passivo, acostumado com o convencional:
Leitor pacfico e buclico, Sbrio e ingnuo homem de bem,
Joga fora este livro saturniano, Orgaco e melanclico.
Se no aprendeste tua retrica Com Sat, o
astucioso deo, Joga-o! tu no compreenders
nada, Ou acreditars que sou histrico.
Mas se, sem se deixar encantar,
Teu olho souber mergulhar nos abismos,
Leia-me, para aprender a me amar;
Alma curiosa que sofres
E vais procurando teu paraso,
Lastima-me!... seno, te maldigo!
("Epgrafe para um livro condenado", ibidem, p. 177.)
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Mas no s com o srdido, o feio, o repugnante, que Baudelaire se prope amodificar a atitude do leitor diante do mundo. A linguagem tambm trabalhada, para que se
torne mais sugestiva, para que evite o derramamento emotivo. Baudelaire procurar fazer com
que as palavras tenham um valor essencialmente musical e que sejam capazes de evocar as mais
diversas sensaes.
Esse carter revolucionrio de As flores do mal, na realidade, reflete a tentativa de
Baudelaire de registrar ao nvel potico um descontentamento contra um modo de pensar o
mundo e contra um modo de conceber a poesia e a arte em geral. Baudelaire ser, portanto, o
arauto desse desconforto com um estado de coisas e, com isso, dar incio ao Simbolismo.
Crise do fim do sculo
Tanto a obra de Baudelaire quanto o Simbolismo surgem dentro da crise social,
existencial e cultural do fim do sculo XIX. Para que a entendamos, contudo, temos de
regressar aos meados do sculo XIX, quando houve, economicamente, grandedesenvolvimento industrial e, culturalmente, o homem buscou explicar os fenmenos atravs
de uma postura cientfica.
A Revoluo Industrial inicia-se nos fins do sculo XVIII, mas s atinge seu auge no
sculo seguinte, com a produo em massa de mercadorias e com a crescente automatizao
das indstrias. As grandes cidades comeam a crescer cada vez mais, e os camponeses
abandonam o campo, em busca de melhores salrios nos centros urbanos. A era moderna
parece nascer a: crescem a produo e o consumo dos bens manufaturados, e o homem cria a
iluso de que o mundo se tornou menor, graas velocidade dos meios de locomoo. O
resultado dessa obsesso com o progresso a intensa euforia, somada crena na onipotncia
do homem, que se deixa guiar quase que exclusivamente pela razo.
O intenso desenvolvimento industrial, por sua vez, est aliado ao cientfico. Alis,
jamais poderamos pensar em Revoluo Industrial, se no houvesse nesse perodo um
desenvolvimento espetacular das cincias, pois elas sero responsveis pelos inventos que tero
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imediata aplicao nas indstrias. Mas a relao entre a Revoluo Industrial e as cincias no
se restringe to-s inveno por parte destas de um melhor maquinado para o
desenvolvimento das indstrias. O progresso industrial, que trouxe inegveis benefcios humanidade, tem seu paralelo numa concepo cientfica e materialista das coisas, que
procurava explicar o sentido do universo quase que exclusivamente atravs da razo.
Durante a vigncia da Revoluo Industrial surge, portanto, uma gerao de
intelectuais que despreza a metafsica, em nome do conhecimento experimental da realidade.
O mais importante deles foi Auguste Comte, criador do Positivismo, teoria cientfica, baseada
na sociologia, que defendia a aproximao positiva, objetiva da realidade. Seguindo os
postulados de Comte, Taine, com o Determinismo, tenta explicar o universo luz de
determinantes fixos (a raa, o meio e o momento histrico). Cientistas como Darwin e
Lamarck, por sua vez, buscam conhecer o homem a partir das teorias evolucionistas. Como se
verifica, tanto Comte quanto Taine, Darwin e Lamarck se apiam num conhecimento
eminentemente racionalista do real.
A euforia provocada pela crena no progresso, pelas grandes descobertas cientficas,
paradoxalmente acabaria por levar a sria crise. A Revoluo Industrial, ao criar a fantasia do
paraso material do consumismo, da produo em massa de objetos, em determinado instante,
mostra o outro lado da moeda. Os centros urbanos tornam-se mais agitados, mais ricos,contudo, expem, ao mesmo tempo, a misria dos aglomerados humanos dos bairros de lata.
A automatizao, que leva produo de manufaturados em srie, transforma o
operrio numa engrenagem da mquina. A obsesso pelo consumo, pela produo
desenfreada de novidades, leva ao modismo, ao princpio de que tudo transitrio,
inclusive os critrios de gosto e de arte. Os objetos artsticos, como as mercadorias,
passam a ser consumidos vorazmente e, por causa disso, tm curta durao. Em
conseqncia, o homem passa a ter a sensao de que vive num mundo fragmentrio e devalores efmeros. Quanto gerao da "Razo Triunfante", tem suas certezas abaladas por
novas concepes de mundo, que desprezam os mtodos de abordagem do real, fundados
em pressupostos experimentalistas. Arthur Schopenhauer, em sua obra O mundo como
vontade e representao (1819), concebe a realidade como mera "representao", iluso de
nossos sentidos, portanto inacessvel abordagem positiva e experimental. O ato de
conhecer, ao contrrio do que acreditavam os positivistas, algo impossvel, limitado e
por isso mesmo acarretar sofrimento ao homem:
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medida que o conhecimento se torna mais claro e que a conscincia
aumenta, o sofrimento cresce, chegando no homem ao grau supremo; e neste
ponto tanto mais violento quanto melhor o homem dotado de lucidez do
conhecimento, quanto mais excelsa a sua inteligncia: aquele em que est o gnio,
sempre aquele que maiormente sofre. (3. ed. So Paulo, Brasil Ed., 1963. p. 77.).
Isto se d pelo fato de a vontade (e no a razo, como queriam os positivistas)
impulsionar cegamente o homem conquista do mundo. Mas como a realidade mera iluso,
resulta da que nada h que conquistar:
Querer e aspirar, eis toda sua essncia (do homem), estreita-mente igual a
uma sede que nada pode mitigar. Mas a base de cada querer uma falta, uma
indigncia, a dor. (Ibidem, p. 80).
Concebendo desse modo a realidade e o ser, Schopenhauer rejeita a crena eufrica
no progresso, nos procedimentos racionais e sobrevaloriza a passividade, o abandono de
qualquer ambio. O pessimismo schopenhauriano far escola dentro do Simbolismo,principalmente no que diz respeito ao culto da dor e da atitude passiva diante da vida.
Discpulo de Schopenhauer, Nicolau von Hartmann, em sua Filosofia do in-
nconsciente (1869), cria a idia do Inconsciente, entidade desconhecida que existe por detrs
de tudo e que totalmente inacessvel. Espcie de divindade oculta e indiferente ao destino do
ser, o Inconsciente, segundo Hartmann, daria explicao aos fenmenos, mas essa explicao
no chegaria ao conhecimento do homem. Desse modo, o filsofo alemo contraria
frontalmente a um Taine e a seus princpios deterministas. O sentimento de impotncia diante
do enigma do universo, de acordo com as teorias de Hartmann, ser outro dos tpicos
fundamentais da poesia do fim do sculo XIX. Um poeta como o portugus Antero de
Quental, que comeou sua carreira literria dentro do Realismo, assim expressar seu
pessimismo frente incgnita em que se transformou o universo, regido pela fora
desconhecida do "inconsciente":
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Junto do mar, que erguia gravemente
A trgica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vo dum pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,
Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o cu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saa das cousas, vagamente...
Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, fora obscura?
Em volta de que idia gravitais?...
Mas na imensa extenso, onde se esconde
O inconsciente imortal, s me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...
(Oceano nox. Apud MOISS, Massaud. A literatura portuguesa atravs dos textos.
So Paulo, Cultrix, s.d. p. 320.).
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Esprito da decadncia
Os malefcios advindos da Revoluo Industrial (o inchamento das grandes cidades,
os bairros de lata, a obsesso com as modas), somados dvida quanto eficcia dos mtodos
cientficos para compreender o real, instauraram de vez a crise que estava latente no ar. O
homem que acreditava ter acesso aos segredos do universo, via razo e via progresso, v de
repente que tudo no passa de iluso, que o universo regido por foras incontrolveis que ele
desconhece completamente. Esse sentimento leva-o descrena, ao desalento e faz com que
adote uma postura de desprezo em relao a tudo que lembra o mundo burgus da luta, daoperosidade, da conquista.
Refletindo o pessimismo do perodo, surge nessa poca um tipo de
homem que volta s costas sociedade materialista e que procura cultivar dentro
de si as sensaes mais refinadas. Esse homem, conhecido como decadente, fecha-
se em sua torre de marfim e s na orgulhosa solido que parece encontrar
conforto para o sofrimento proveniente do desconforto com o mundo grosseiro e
hostil. O simbolista Verlaine, num poema como "Langor", expe um sentimentode decadncia, um sentimento de prazer mrbido, doentio, como se desejasse que
os valores da civilizao ocidental cassem por terra:
Eu sou o Imprio no fim da decadncia, Que olha passar os grandes Brbaros
brancos Compondo acrsticos indolentes Num estilo de ouro onde o langor do sol
dana.
A alma solitria sofre no corao de um denso tdio.
Alm se diz que por causa de grandes combates sangrentos
Oh no ser capaz disso, sendo to frgil, de votos to lentos,
Oh no querer florir um pouco esta existncia!
Oh no querer, oh no poder morrer um pouco! Ah! tudo foi bebido!
Bathylle, terminaste de rir? Ah! tudo foi bebido,
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tudo foi comido! Nada mais a dizer!
Somente um poema um pouco simplrio
que se lana ao fogo,
Somente um escravo um pouco libertino que vos negligencia,
Somente um tdio por no se saber o que vos aflige!
(O Euvres potiques completes. Paris, Gallimard, 1965. p. 370-1.)
Dessa maneira, possvel dizer que o homem ativo, amante do progresso, dos
meados do sculo XIX, cede lugar ao homem de sentidos refinados, um aristocrata, que cultivaprazeres extravagantes e que manifesta o maior desprezo pela vida social.
O melhor exemplo desse anti-heri do fim do sculo Des Esseintes, a personagem
principal de s avessas(1884), estranho romance de Joris-Karl Huysmans. Essa obra,
praticamente sem enredo, trata de um nobre que resolve abandonar a sociedade burguesa
materialista e se refugia numa propriedade no campo. L, tranca-se, isola-se e passa o tempo
cultuando as coisas que mais ama: a leitora de velhos livros do tempo da decadncia latina, os
poentas malditos modernos, as sensaes extravagantes, como o odor de especiarias e
perfumes, a viso de plantas exticas, etc. Sua casa torna-se, desse modo, o espao reservado
para o gozo de tudo que artificial, tudo que contrrio opinio comum:
Seu desprezo pela humanidade aumentou; compreendeu enfim que o mundo
se compe, na maior parte, de sacripantas e imbecis. Decididamente, no tinha
nenhuma esperana de descobrir em outrem as mesmas aspiraes e os mesmos
rancores, nenhuma esperana de acasalar-se com uma inteligncia que se
comprazesse, como a sua, numa estudiosa decrepitude; nenhuma esperana de
associar-se a um esprito penetrante e torneado como o seu, de um escritor ou de um
letrado.
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A essa altura, j sonhava com uma refinada tebaida, num deserto confortvel,
com uma arcada imvel e tpida onde ele se refugiaria, longe do incessante dilvio da
parvoce humana. (So Paulo, Cia. das Letras, 1987. p. 36-7.).O romance de Huysmans fez escola, de tal maneira que Des Esseintes transformou-
se no prottipo do homem do fim do sculo, aquele que recusa a luta e a ao para se dedicar a
uma vida artificial, produto do delrio ou de uma imaginao exaltada.
Influncias romnticas
Esse homem tpico do fim do sculo, o decadente, o dandy, na realidade, tinha sido
inventado durante a vigncia do Romantismo, em sua fase mais extremada. Como se sabe, a
esttica romntica teve um momento em que os escritores procuraram levar s ltimas
conseqncias o culto da noite, dos sentimentos, dos prazeres doentios. o que se
convencionou chamar de "mal do sculo". Entre o poeta transtornado do "mal do sculo", que
ama a vida bomia, que procura a morte para aliviar a dor de viver, e o decadente doSimbolismo h evidente parentesco. Mas h tambm diferenas flagrantes. O primeiro todo
emotivo e, por vezes, procura na mulher, no suicdio, um lenitivo para a existncia. J o
segundo frio, racional e mesmo cnico: despreza o amor e vive artificialmente.
As semelhanas que encontramos nos anti-heris dos dois movimentos literrios
talvez expliquem as relaes mais profundas entre Romantismo e Simbolismo. De fato, a
esttica simbolista tem ntima relao com a romntica, ou ainda a esttica simbolista tem
razes dentro do movimento romntico, a comear que aquele movimento recupera o
idealismo, o espiritualismo deste. No toa que muitos simbolistas passam a criticar o
Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo, porque esses movimentos negavam o sentido de
mistrio, muito caro aos romnticos e aos simbolistas. Jean Moeras, um poeta grego radicado
na Frana, numa entrevista dada a Geles Bret, assim se manifesta a respeito do assunto:
Pode-se notar com alguma razo que os poetas que nos antecederam
imediatamente, os parnasianos [...], num certo sentido, padeceram da falta de
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smbolo: consideraram as idias, os sentimentos, a Histria, o mtico, o fato
particular, como existente em si poeticamente. (Entrevista a Geles Bret, lixo de Paris,
1891. Apud Les premires armes du Symbo-lisme. Texte presente et annot par
Michael Pakenham. University of Exeter, 1973. p. 68.).
Mallarm tambm criticar nos parnasianos a mania de falar diretamente das coisas,
de desprezar o senso do mistrio:
Os jovens esto mais prximos do ideal potico do que os parnasianos, que
ainda tratam seus temas maneira dos velhos filsofos e dos velhos retricos,
apresentando os objetos diretamente. (OEuvres completes. Paris, Gallimard, 1945. p.868.).
Fundamentalmente, portanto, o Simbolismo tenta recuperar o idealismo do
movimento romntico. Durante o Romantismo, segundo Ana Balakian, autora de O move-mento
simbolista, "a poesia se apropriou do terreno do mstico como uma espcie de sucedneo da
religio: os romnticos buscavam analogias ou imitaes do infinito". Esse idealismo
romntico, por sua vez, apoiava-se nos princpios esotricos de Emmanuel Swedenborg. Esse
escritor sueco, que viveu durante o sculo XVIII (1688-1772), escreveu um livro que acabariapor se tornar a Bblia tanto dos romnticos quanto dos simbolistas. De coelo et de inferno (Sobre
o cu e o inferno) (1758) uma obra de carter mstico que tenta explicar as complexas
relaes entre o mundo celeste e os terrenos. A essas relaes Swedenborg denominava
"correspondncias". Apoiando-se no princpio das correspondncias, o romntico sonhava em
pautar a vida terrestre pela celeste, a vida material pela espiritual ou ainda tentava anular uma
em detrimento da outra, ao espiritualizar o concreto, o natural, para alcanar a plenitude junto
a Deus. Negando o cientificismo e procurando recuperar a essncia do Cristianismo, o
romntico privilegiou o sujeito, o esprito, enquanto recusava o mundo material. O simbolista,
em princpio, seguiu por esse mesmo caminho em conseqncia disso, Swedenborg ser
novamente retomado no fim do sculo XIX.
Tambm preciso assinalar que o Simbolismo ir recuperar e intensificar a idia
romntica de que a essncia misteriosa das coisas s possvel de ser captada pela palavra
educadora, pela palavra que supera a limitao da linguagem comumente utilizada pelos
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homens. O mesmo se pode dizer do senso do mistrio, to caro aos simbolistas. O romntico
Novalis dizia:
A Noite tornou-se o portentoso mago das revelaes para onde os deuses
retornaram e adormecem. (Hinos noite. Trad. bras. So Paulo, Esfinge Ed., 1987.).
Ao dizer isso, o poeta alemo acreditava que a prtica potica tinha algo a ver com a
prtica mstica, no sentido de que ajudaria a traduzir o desconhecido, o misterioso, o invisvel.
Mas o poeta romntico que exercer influncia fundamental nos simbolistas ser sem
dvida nenhuma Edgar Allan Poe. Ao conceber complexas teorias sobre o verso, atravs da
manipulao dos efeitos musicais e da criao de sugestivas atmosferas poticas, capazes de
conduzir ao mundo do mistrio, o poeta norte-americano revolucionou a poesia romntica.
Contudo, o que mais interessou os simbolistas na potica de Poe foram a busca da poesia pura,
o culto da msica e da beleza e a crena na construo do poema, no controle quase que
absoluto dos meios de expresso. Essas caractersticas causaram tanto fascnio sobre
Baudelaire e Mallarm que ambos procuraram por todos os meios divulg-lo na Frana. O
primeiro traduziu-lhe a obra; o segundo dedicou-lhe um soneto "O tmulo de Edgar Allan
Poe".
Mas por que tais caractersticas exercero tanta influencia nos dois principais poetas
do Simbolismo francs? Em primeiro lugar, vale a pena discutir a questo da poesia pura. Num
tempo voltado para o progresso, para o utilitarismo, Poe difundir a idia de que a poesia tem
um fim em si mesma, e que ela no visa a nenhum fim moral, como vem expresso no seguinte
fragmento:
Tem-se suposto tcita e manifestamente, direta e indireta-mente, que o
objetivo ltimo de toda a poesia a Verdade. Todo poema, diz-se, deveria inculcaruma moral, e por esta moral que deve ser julgado o mrito potico do trabalho. [...]
Metemos em nossas cabeas que escrever simplesmente um poema pelo poema e
confessar que tal foi o nosso desgnio seria confessar-nos radicalmente carentes de
verdadeira dignidade e fora poticas: mas o simples fato que, se nos permitssemos
olhar para dentro de nossas prprias almas, descobriramos imediatamente ali que,
sob o sol, nem existe nem pode existir qualquer trabalho mais inteiramente
dignificado, mais supremamente nobre do que este mesmo poema, este poema de per
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se, este poema que um poema e nada mais, este poema escrito por ele mesmo. (O
princpio potico. In: Poemas e ensaios. 2. ed. Rio de Janeiro, Globo, 1987. p. 87.).
Se a poesia, segundo Poe, no visa traduzir valor moral algum, qual seria
mais propriamente seu fim? Segundo ele, seria atingir a suprema beleza:
na msica, talvez, que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual
luta, quando inspirada pelo Sentimento Potico a criao da suprema beleza.
(Ibidem, p. 89.)
A conquista da beleza, por sua vez, s se d atravs da msica, ou seja, atravs da
poesia liberta de tudo que seja matria narrativa, de tudo que seja secundrio. Essa atrao pela
arte musical ser ento retomada pelos simbolistas, que, como veremos adiante, buscaro fazer
com que a linguagem potica se aproxime da linguagem vaga e imprecisa da msica.
Por fim, o ltimo aspecto da teoria potica de Poe que interessar aos simbolistas dir
respeito paradoxal inteno do poeta norte-americano de construir os poemas pelo controle
da emoo. Paradoxal porque, como se sabe, os romnticos defendiam a arte espontnea,
natural, que jorrasse do corao, a ponto de Lamartine, um dos expoentes mximos doRomantismo francs, dizer que os melhores poemas eram "puros soluos". Poe acreditava
firme-mente que se deviam evitar as paixes do corao:
A Aspirao Humana pela beleza suprema, a manifestao do Princpio
sempre encontrada em uma exalante emoo da alma, completamente Independente
daquela paixo que a embriaguez do Corao, ou daquela verdade que a
satisfao da Razo. Porque a respeito da paixo, ai. sua tendncia antes para
degradar que para elevar a Alma. (Ibidem, p. 105.).
O desprezo da paixo faz com que Poe leve s ltimas conseqncias o sistemtico
planejamento do poema. No ensaio "Filosofia da composio", por exemplo, ele nos mostra
rigorosamente como concebeu seu famoso poema "O corvo", desde a escolha do tema, do
metro, do refro, etc. Talvez por isso que Poe tenha causado tanta admirao entre os
simbolistas. Seu romantismo sui generis, alm de conter certos caractersticos fundamentais do
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Simbolismo como a sugesto do mistrio, o culto da musicalidade e da poesia pura , alm
disso, evitou o exagero sentimental, o passionalismo.
Com base no que vimos at agora, verifica-se que o Simbolismo aproveita do
Romantismo algumas caractersticas fundamentais, como o senso do mistrio, o espiritualismo,
mas rejeita o sentimentalismo, as manifestaes subjetivas exageradas e, sobretudo, as
manifestaes poticas grandiloqentes. Devido a isso, o Simbolismo implicar uma revoluo
potica em relao ao movimento romntico, na medida em que aprofundar alguns aspectos
desse movimento e, por conseqncia, no cair nas armadilhas das emoes superficiais. Mas,
para tanto, ser necessrio que reinvente a metfora potica, atravs da prtica do que se
convencionou chamar de "smbolo".
Uma revoluo potica
A teoria das correspondncias
Em sntese, eis as caractersticas simbolistas que alguns romnticos (e por vezes
mesmo alguns parnasianos) anteciparam: a capacidade sugestiva, a musicalidade da expresso e
o idealismo de origem platnica. Esta ltima, pedra de toque do Simbolismo, origina-se, como
vimos, de Emma-nuel Swedenborg. Para o mstico sueco, tudo na natureza teria um sentido
simblico e tudo manteria estreita correspondncia com o mundo celeste, como se poder
verificar neste fragmento de sua obra:
Todas as coisas que existem na natureza, desde o que h de menor ao que h
de maior, so correspondncias. A razo para que sejam correspondncias reside no
fato de que o mundo natural, com tudo o que contm, existe e subsiste graas ao
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mundo espiritual, e ambos os mundos graas Divindade. (Du ciel et de l'enfer. Paris,
E. Jung-Trenttel,1872.. pg. 64 )
Esses princpios esotricos satisfizeram os romnticos devido sua ntima relao
com os princpios cristos. Entre os simbolistas, porm, este espiritualismo, que se insurgiu
contra os pressupostos materialistas e positivistas, circunscreveu-se aos limites da natureza
terrena. A uma distino fundamental: enquanto o romntico sonhava em ascender a um
paraso, o simbolista, embora tambm espiritualista, via de regra, fazia do mundo terminal a
sua morada. Quando o poeta aoriano Roberto de Mesquita diz no poema "Universalidade II"
que tudo animado por um ente invisvel:
Enquanto se detm o vosso olhar
tona dos aspectos, impotente,
No mago de tudo, claramente,
Eu descubro um esprito a cismar.
(Almas cativas. Lisboa, tica, 1973. p. 30.).
d a entender, contudo, que esse esprito est agregado s coisas e pertence ao plano
de experincia do homem, que precisa desenvolver sua capacidade de vidncia para apreen-d-
lo. Assim, enquanto o romntico deseja abandonar a Terra para encobrir Deus, o simbolista
almeja encontrar a unidade do material e do espiritual aqui na Terra mesmo, de modo a
recuperar uma tonalidade perdida.
Essa temtica, o "evangelho das correspondncias", pois o ncleo da estticasimbolista. Ao desprezar o aparente, o visvel, o simbolista parte em busca do que se oculta
atrs das aparncias, daquilo que constitui a essncia das coisas. Concebendo assim o mundo,
Swedenborg descarta a idia de que os objetos do real tenham um sentido em si; na realidade,
no passam eles de smbolos do mundo espiritual, da Divindade, como se pode ver na seguinte
passagem:
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Os animais da terra em geral correspondem s afeies; os que so dceis e
teis, s afeies boas; os que so selvagens e inteis, s afeies ms. (Du ciel et de
l'enfer, p. 67.)
Cabe, portanto, ao homem decifrar os smbolos da realidade terrena, para que possa
descobrir as "correspondncias" entre as coisas, a perfeita unidade entre tudo o que existe.
Charles Baudelaire poetizou esse tema, com um soneto sintomaticamente intitulado
"Correspondncias":
A Natureza um templo onde vivos pilares
Deixam s vezes sair confusas palavras;
O homem a passa atravs das florestas de smbolos
Que o observam com olhares familiares.
Como os longos ecos que de longe se confundem
Numa tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se correspondem.
H perfumes frescos como carnes de crianas,
Doces como os obos, verdes como as pradarias, E outros
corrompidos, ricos e triunfantes,
Tendo a expanso das coisas infinitas,
Como o mbar, o almscar, o benjoim e o incenso,
Que cantam os transportes do esprito e dos sentidos.
(Les fleurs du mal, p. 13.).
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A imagem inicial do templo bem significativa, no sentido de que simboliza um local
sagrado, ponto de encontro e de integrao de todos os seres. O templo uma construo
diferente das demais; sua funo a de unir o profano ao sagrado, ou mesmo de ser um sinalde uma realidade misteriosa, inacessvel. Na natureza tudo animado: as rvores transfiguram-
se, assemelhando-se a pilares vivos, por onde, s vezes, escapam confusas palavras. Confusas,
porque o homem que passa no as entende. Esse passante involuntrio o ser alienado, que
no tem acesso realidade mgica; por isso, a linguagem da natureza soa a seus ouvidos como
um conjunto de signos estranhos. Contudo, se para o homem a linguagem da natureza
indecifrvel, o mesmo no se d com o mundo natural. As florestas de smbolos observam o
homem "com olhares familiares", o que implica o reconhecimento amoroso do homem por
parte da natureza, pois, no templo natural, tudo o que existe regido por uma harmonia
universal, tudo se corresponde.
Se os objetos do mundo sensvel se correspondem e se o mundo natural corresponde
ao espiritual, de que precisa o homem para intuir tais relaes? A resposta a tal questo est
nos tercetos do poema. Neles se fala das correspondncia e/ou fuso dos diferentes sentidos.
Assim, o perfume que captado pelo olfato torna-se tctil como a carne fresca das crianas;
tambm auditivo, lembrando o tom grave dos obos; e visual, porque remete ao verdor das
pradarias. Ressalta-se, porm, que a fuso dos sentidos no se d em cadeia, numa seqnciatemporal; pelo contrario, realiza-se num s instante, como se o perfume fosse, a um s tempo,
oloroso, tctil, auditivo e visual. Alm disso, vale a pena assinalar que o mundo espiritual
tambm convocado, pois os perfumes despertam sensaes de corrupo, de riqueza e de
triunfo.
O primeiro terceto, portanto, faz referncias fuso das diferentes sensaes fsicas e
das sensaes fsicas com as espirituais. Ora, Baudelaire deseja esta totalidade do "esprito e
dos sentidos", visando a um estado ideal para o homem. Em outras palavras, somente poder
ter acesso ao sentido das "confusas palavras" aquele que mostrar em si a unidade entre os
sentidos e entre os sentidos e o esprito. O homem deveria, assim, alcanar a totalidade em seu
exterior e interior, para poder participar do ritual no templo da natureza, depois de
compreender e decifrar a esotrica linguagem que lhe oferecida.
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O Poeta, um Vidente.
A esse indivduo capaz de decifrar o enigma da natureza, o segredo das
correspondncias, Baudelaire chama de "decifrador" e, dessa perspectiva, concebe um novo
papel para o poeta:
Sabemos que os smbolos s so obscuros de um modo relativo, ou seja,
conforme a pureza, a boa vontade ou a clarividncia nativa das almas. Ora, o que
um poeta (tomo esta palavra na acepo mais ampla) seno um tradutor, um
decifrador? (OEuvres compltes. Paris, Gallimard, 1951. p. 1077.).
Algo equivalente expressar Rimbaud, o discpulo de Baudelaire, em sua famosa Carta
ao vidente":
Eu quero dizer que preciso ser vidente, fazer-se vidente. O Poeta se faz
vidente atravs de um longo, imenso e racional desregramento de todos os sentidos.
Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; ele procura a si prprio,
extrai de si todos os venenos para guardar apenas as quintessncias. Inefvel
tortura, contra a qual necessita de toda a f, de toda a fora sobre-humana, atravsda qual se torna, dentre todos, o grande enfermo, o grande criminoso, o grande
mal-dito e o supremo Sbio! Pois atinge o desconhecido! (OEuvres compltes.
Paris, Gallimard, 1951. p. 254-5.).
Dentro do Simbolismo, portanto, a figura do poeta sofre uma alterao fundamental.
Mais do que simples ser inspirado, como entre os romnticos, ele se torna agora um visionrio,
que procura decifrar o sentido simblico do mundo, para, em seguida, revel-lo aos homenscomuns atravs da palavra potica. O portugus pr-simbolista Gomes Leal assim expressa
essa idia do poeta visionrio em "O visionrio ou som e cor":
Eu sou um visionrio, um sbio apedrejado,
Passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
Enquanto o mar produz o monstro azulejado
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E Deus, em cima, faz as verdes Primaveras.
Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
E erro como estrangeiro ou homem de outras eras,
Talvez por um contrato irnico lavrado
Que fiz e j no sei noutras sutis esferas.
A espada da Teoria, o austero Pensamento,
No mataram em mim o antigo sentimento,
Embriagam-me o Sol e os cnticos do dia...
E obedecendo ainda a meus velhos amores,
Procuro em toda a parte a msica das cores,
E nas tintas da flor achei a Melodia.
(Apud MOISS, Massaud. A literatura portuguesa atravs dos textos, p. 301-2.).
O mistrio, a sugesto, a evocao
O princpio de que h um mistrio oculto sob as aparncias, o ponto de chegada para
toda a especulao potica, ser caracterizado dessa maneira por Mallarm:
A poesia a expresso, pela linguagem humana que retoma seu ritmo
essencial, do sentido misterioso dos aspectos da existncia; ela doa assim
autenticidade nossa vida na terra e constitui a nica tarefa espiritual. (La Vogue,
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18 de abril de 1886. Apud MICHAUD, Guy. Message potique du Symbolisme.
Paris, Nizet, 1945. p. 715.)
isso que leva os poetas simbolistas a rejeitar o mundo dos fenmenos, mero
apndice do da essncia, ou a utilizar o mundo dos fenmenos como um meio de chegar ao
esprito, ao mistrio.
Mas, afinal, qual seria o mistrio a que se referiam os simbolistas? Na realidade, o
mistrio a designao de algo indecifrvel, fim ltimo da poesia que, dependendo do poeta,
pode assumir diferentes caracterizaes. Num poeta como Camilo Pessanha, um estado de
alma indefinvel, como vem expresso no poema "Crepuscular":
H no ambiente um murmrio de queixume,
De desejos de amor, d'ais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espao,
Tem delquios de gozo e de cansao,
Nervosos, femininos, delicados.
Sentem-se espasmos, agonias d'ave,
Inapreensveis, mnimas, serenas...
Tenho entre as mos as tuas mos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mos to brancas d'anemia...Os teus olhos to meigos de tristeza...
este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.
(Clepsidra e outros poemas. Lisboa, tica, 1965. p. 213-4.)
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O sentimento do poeta provocado por uma dor espiritual desconhecida, suscitada
pelo crepsculo que se manifesta no s no ser humano, mas tambm em toda a atmosfera
ambiente.Em Cruz e Sousa, o mistrio representado por entidades vagas, que inspiram a
criao do poema:
Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neve, de neblinas!...
Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turbulos das aras...
Formas do Amor, constelarmente puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mdidas frescuras
E dolncias de lrios e de rosas...
(Antfona. In: Poesia. Rio de Janeiro, Agir, 1975. p. 16-8.)
Em Verlaine, o sentimento provocado pela audio de um instrumento musical
que o leva a compor um poema em que a sonoridade to importante que se torna quase
impossvel traduzi-lo:
Les sanglots longs
Des violonsDe l'automne
Blessent mon caeur
D'une langueur
Monotonne.
Tout suffocant Et
blme, quand Sonne
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l'heure, Je me
souviens Des jours
anciens Et je pleure;
Et je m'en vais Au
vent mauvais Qui
m'emporte De,
del, Pareil Ia
Feuille morte.
(Cano do outono, OEuvres potiques compltes, p. 72-3.)
[Os soluos/Longos dos violinos/Do outono/Ferem meu corao/De um
langor/Montono//Todo sufocado/E plido, quando/Soa a hora,/Eu melembro/Dos dias antigos/E eu choro ;//E eu vou/Ao vento mau/Que me
carrega/ Daqui, dali/ Parecido com/ Uma folha morta.]
Por fim, o mistrio, em casos mais extremos, como na poesia complexa
de Mallarm, representado por uma idia, um problema metafsico relativo ao
vazio da existncia, esterilidade criativa, etc. o que vem expresso nos versos
de "Brisa marinha":
A carne triste, ai!, e eu li todos os livros.
Fugir! para o alm fugir! Sinto que os pssaros so brios
De estar no meio da espuma desconhecida e dos cus!
Nada, nem os velhos jardins refletidos pelos olhos
No reter este corao que no mar se umedece
Noites! nem a claridade deserta de minha lmpada
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Sobre o papel vazio que a brancura protege.
(OEuvres compltes, p. 38.)
Neste caso, o sentimento vago, indefinido, refere-se ao anseio de absoluto
(representado pelo desejo de voar como os pssaros para o desconhecido) e esterilidade da
criao potica (representada pela negatividade, pela imagem da lmpada deserta e pela
brancura do papel).
Mas seja qual for a imagem do fim ltimo da poesia simbolista, o seu mistrio, parece
que, nos mais diferentes poetas, se traduz como algo que no pode ser expresso por si mesmo,sob pena de perder sua contingncia de mistrio. A conseqncia disso que esse algo nunca
dever ser dito ou revelado, mas apenas sugerido, evocado. o que Mallarm expe no
seguinte fragmento:
Creio [...] que, no fundo, os jovens esto mais prximos do ideal potico
do que os parnasianos, que ainda tratam seus temas maneira dos velhos filsofos
e dos velhos retricos, apresentando os objetos diretamente. Penso ser preciso, ao
contrrio, que haja somente aluso. A contemplao dos objetos, a imagem alando
vo dos sonhos por eles mesmos suscitados, so o canto; j os parnasianos tomam
a coisa e mostram-na inteiramente: com isso, carecem de mistrio; tiram dos
espritos essa alegria deliciosa de acreditar que esto criando. Nomear um objeto
suprimir trs quartos do prazer do poema, que consiste em ir adivinhando pouco a
pouco: sugerir, eis o sonho. a perfeita utilizao desse mistrio que constitui o
smbolo: evocar pouco a pouco um objeto pra mostrar um estado de alma, ou
inversamente, escolher um objeto e extrair dele um estado de alma, atravs de uma
srie de adivinhas.
{OEuvres compltes, p. 868.)
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Fazer poesia implica, assim, aludir, sugerir e no mostrar os objetos diretamentecomo era o costume dos parnasianos, que eram pobres em mistrio. Com isso, Mallarm d a
entender que a pobreza da poesia sem mistrio corres-ponde a uma limitao do trabalho do
leitor que, num poema altamente sugestivo, cria a iluso de que tambm participa do processo
criativo. Para os simbolistas, portanto, fazer poesia implica a tentativa de expressar a sensao
fugidia, que merece necessariamente uma forma de expresso condizente com ela, tambm
vaga, indecisa. por isso que eles provocam uma revoluo na linguagem potica. Traduzir as
sensaes absolutamente originais, recuperar a essncia do potico, recusar o anedtico, a
descrio dos objetos, a clareza, os estados de esprito perfeitamente identificveis, as paixes
excessivas e as formas banais do lirismo amoroso foram os traos marcantes da gerao
simbolista.
A capacidade de sugerir, por sua vez, est diretamente ligada capacidade de evocar,
ou seja, os seres e objetos do mundo sensvel, como constituem apenas a vestimenta da idia
ou do mistrio, no interessam poesia seno como elementos que servem para trazer mente
a imagem do mistrio ou da idia. Dessa perspectiva, os seres e objetos devem permanecer distncia, de maneira que se extraia deles a essncia, algo abstrato, velado, que no seria jamais
enunciado, sob pena de perder sua condio de coisa misteriosa. Esse tipo de evocao bem
evidente num poeta como Antnio Nobre:
poentes verde-mar! pr-do-sol de azeite! longe de trovoadas! cu dos
ventos suis! Vaca no ar, a mugir crepsculos de leite E roxos cardeais e amarelos e
azuis!
(Poentes de Frana. In S. Lisboa, Tavares
Martins, 1968. p. 107.)
Os dados concretos da realidade, o poente, a trovoada, o cu comparecem no poema
no para compor uma paisagem, mas para suscitar determinado estado de esprito, ou mesmo
para auxiliar na composio das sensaes visuais e auditivas, que criam imagens poticas
alucinadas.
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O smbolo
Da sugesto e da evocao chegamos finalmente ao smbolo que constitui o ncleo
da linguagem potica idealizada pelos simbolistas. O smbolo, na sua denominao mais
simples, pode ser confundido com o signo, com uma coisa que representa a outra. Por
exemplo: a palavra "mesa", que designa o objeto mesa; o sinal vermelho que significa "pare".
Mas neste caso a relao entre uma coisa e outra sempre arbitrria; o objeto mesa, por
exemplo, em outras lnguas, representado por um conjunto diferente de sinais (por exemplo,
table, em ingls). Para evitar a confuso entre signo e smbolo, o lingista Saussure os
distinguiu com base na arbitrariedade do primeiro e na motivao (ou no arbitrariedade) dosegundo:
O smbolo tem como caracterstica no ser jamais completamente arbitrrio; ele
no est vazio, existe um rudimento de vnculo natural entre o significante e o
significado. O smbolo da justia, a balana, no poderia ser substitudo por um
objeto qualquer, um carro por exemplo. (Curso de lingstica geral. So Paulo,
Cultrix, 1969. p. 82.)
A base na distino entre smbolo e signo reside, portanto, na motivao e, porconseqncia, na conotao. O signo, por no possuir motivao alguma,
essencialmente denotativo ("mesa" representa mesa e nada mais); o smbolo, sendo
motivado, caracteriza-se pela conotao ("cruz", por exemplo, se refere ao objeto
de madeira cruz e religio que inspirou, com o sacrifcio de Cristo).
Contudo, ainda no a esse tipo de smbolo que os simbolistas se referiam, na
medida em que unvoco, na medida em que permite uma decifrao muito fcil,
direta. Para o crtico Edmundo Wilson, o smbolo muito mais do que isso:
Os smbolos do Simbolismo tm de ser definidos de maneira algo diversa do
sentido dos smbolos comuns o sentido de que a Cruz o smbolo da
Cristandade ou as Estrelas e as Listras o smbolo dos Estados Unidos. Esse
simbolismo difere inclusive de um simbolismo como o de Dante. Pois o tipo familiar
do simbolismo convencional e fixo; o simbolismo da Divina Comdia
convencional, lgico, preciso. Mas os smbolos da escola simbolista so, via de
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regra, arbitrariamente escolhidos pelo poeta para representar suas idias; so uma
espcie de disfarce de tais idias. (O castelo de Axel, p. 21.)
Concebendo o smbolo como um "disfarce das idias", os simbolistas pretendiam
encontrar as perfeitas correspondncias entre o mundo sensvel e o mundo abstrato. Desse
modo, o smbolo deixa de ser apenas uma palavra ou uma coisa significando outra; mais que
isso, uma palavra ou um conjunto de palavras que serve para evocar um estado de esprito
indefinido e cuja traduo jamais imediata.
Em muitos casos, o smbolo elaborado com vistas a imitar a continuidade e a
infinitude de movimentos que existem na alma de um ser. O poema no procura, atravs de
palavras isoladas, representar indiretamente uma outra coisa; pelo contrrio, as palavras nada
valem quando vistas isoladamente na realidade, elas se aglutinam, formando uma rede
complexa de sons e significados, como acontece neste poema de Verlaine:
Vossa alma uma paisagem escolhida
Que as mscaras e as bergamscaras vo encantando
Tocando o alade e danando e quase
Tristes sob seus mascaramentos fantsticos,
Cantando tudo no modo menor
O amor vencedor e a vida oportuna,
Parecem no acreditar em sua felicidade
E sua cano se mescla ao luar,
Ao calmo luar triste e belo,
Que faz sonhar os pssaros nas rvores
E soluar de xtase os chafarizes,Os grandes chafarizes esbeltos no meio dos mrmores.
(Luar, OEuvres potiques compltes, p. 107.)
O sentimento que o poeta quer expressar no poema um sentimento agridoce, misto
de ternura e sofrimento frente hora difusa, banhada pelo claro da lua. Mas o sentimento no
jamais dito diretamente. A expresso do estado de alma sugerida pelo uso da comparao:
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"vossa alma uma paisagem", ou seja, para falar dos sentimentos e sensaes, o poeta descreve
uma paisagem noturna. As danas, o alade, o luar, os pssaros, os chafarizes, objetos do
mundo concreto, evocados no poema, no tm valor simblico em si. Esses objetos somenteso evocados para que a emoo do poeta (que no explicita) se prolongue ao mximo. Por
outro lado, eles tm s vezes o peso equivalente ao da sonoridade que tambm muito
importante no original francs, o verso "qui fait rver les oiseaux dans les arbres" chama a
ateno pelo acmulo de sibilantes.
Ao compor a paisagem simbolicamente, o poeta provoca no leitor um sentimento
difuso, de triste nostalgia, sem que, em nenhum momento, diga o que lhe vai dentro da alma.
A vantagem desse processo que a sensao, tornada difusa, tem a capacidade de durar por
mais tempo, no instante em que exige do leitor um envolvimento maior com o poema.
O Simbolismo e a msica
A busca do impreciso, do vago, do indizvel fez com que os simbolistas procurassem
renovar essencialmente a linguagem potica. Com o Simbolismo, a poesia torna-se mais
fechada, s vezes at incomunicvel. Nos casos mais extremos, ela se transforma num espaoem que o poeta trabalha com a sonoridade pura, como acontece nestes versos de Eugnio de
Castro:
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse. O
sol, celestial girassol, esmorece... E as cantilenas de serenos
sons amenos Fogem fluidas, fluindo fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos Brilham com brilhos sinistros... Cornamusas e
crotalos, Ctolas, ctaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
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Suaves...
(Oaristos, obras poticas. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1968. v. I, p. 58.)
Ou mesmo nestes, de Cruz e Sousa:
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volpia dos violes, vozes veladas,
Vagam nos velhos vrtices velozes Dos ventos, vivos, vos, vulcanizadas.
(Violes que choram, Poesia, p. 38.)
O acmulo da vibrante "v" junto sibilante e a alternncia das vogais "a" e "o"
criam a iluso de uma continuidade sonora, de maneira que ao leitor interessa mais o som que
o sentido. O poeta imita o som de um violo ou de um conjunto de notas musicais, como se o
poema devesse se dirigir mais aos ouvidos que mente. Conseqentemente, o poema atinge
um grau mximo de subjetividade, no no sentido de que o poema precisa provocar, como na
msica, em cada ouvinte/leitor, sensaes diferentes, a partir dos estmulos sonoros.
possvel dizer, portanto, que o Simbolismo foi um movimento literrio em que os
poetas sonharam em elevar a poesia condio de msica. Mas por que tal aproximao entre
artes aparentemente to distintas? A msica, na realidade, a mais subjetiva das artes, porque
no visa jamais representar imitativamente os objetos; a msica visa sempre atingir o esprito.
Da sua universalidade. Explica-se assim a grande obsesso dos simbolistas com a msica,
tanto na referncia explcita a instrumentos musicais a flauta, o violino, o violoncelo, a viola
como tambm na apropriao de recursos tipicamente musicais.
Contudo, preciso refletir sobre o seguinte: assim como o smbolo, em que houve variedade de interpretaes quanto a seu conceito, de modo idntico, as relaes entre a
poesia.e a msica mereceram diferentes interpretaes. Reduzindo o problema a seus
denominadores mais comuns, distinguem-se duas linhas fundamentais dentro do move-mento
simbolista. A primeira delas, explorada por Verlaine e seguidores, a que revela uma
aproximao entre poesia e msica de modo mais literal, como foi possvel verificar tanto no
poema de Eugnio de Castro quanto no de Cruz e Sousa. Os fonemas imitam sons musicais; a
agrupao de fonemas, frases musicais; o poema todo, uma melodia. Para tanto, alm de
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recorrerem ao uso da aliterao, do eco, da assonncia, etc, os poetas dessa corrente simbolista
fazem da repetio um recurso estilstico dos mais eficazes.
o caso de Camilo Pessanha, que, em "Ao longe os barcos de
flores", imita os movimentos de uma melodia, com a repetio de um
mesmo tema e de suas variaes:
S, incessante, um som de flauta chora, Viva, grcil, na escurido tranqila,
Perdida voz que de entre as mais se exila,
Festes de som dissimulando a hora.
Na orgia, ao longe, que em clares cintila E os lbios, branca, docarmim desflora... S, incessante, um som de flauta chora, Viva,
grcil, na escurido tranqila.
E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta, detm. S modulada
trila A flauta flbil... Quem h-de remi-la? Quem sabe a dor que sem razo
deplora?
S, incessante, um som de flauta chora...
(Clepsidra e outros poemas, p. 239-40.)
Essa relao entre a poesia e a msica, ou seja, a busca da pura sonoridade, tornou-se
quase um lugar-comum entre os simbolistas, o que levou um poeta como Mallarm a pensar
numa relao mais complexa entre ambos. Desprezando a sonoridade pura, ele procurou
organizar os fonemas como as notas numa pauta, dispondo as palavras de acordo com a lgica
das sensaes ou da idia motriz de todo o poema. Com isso, conseguiu maior liberdade para
os teremos que se libertam dos nexos lgicos e sintticos. Em seu experimento mais radical,
"Um lance de dados jamais eliminar o acaso", o poeta encontra similaridade entre a estrutura
do poema e uma sinfonia. Dispondo o verso "Un coup de ds n'abolira jamais l'hasard" em
fragmentos ao longo de todo o texto, o poeta o concebe como um ncleo, ou um tema
musical, de onde surgiro as variaes, palavras soltas, que se dispem na folha de modo
idntico aos segmentos musicais, como no fragmento abaixo, em que a variao grfica, a
disposio das palavras e o espao em branco adquirem tambm sentido:
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SOIT
que
1'Abime blanchi talefurieux
sons une inclinaison
plane dsesprment
d'aile
(OEuvres compltes, p. 35.)
[Seja/que/o Abismo/embranquecido/se revele/furioso/sob uma inclinao/plana
desesperadamente/ de asa]
A busca do novo entre os simbolistas
Toda essa discusso em torno das correspondncias, da sugesto, da evocao, do
smbolo e da musicalidade visou explicitar o carter especfico da poesia simbolista. Conclui-se
disso tudo que o Simbolismo representou um esforo, nos fins do sculo XIX, de recuperar a
essncia da poesia, perdida ao longo dos tempos. Os simbolistas assim se tornam inimigos da
revelao direta dos sentimentos, da declamao, dos contedos filosficos. A revelao dos
sentimentos e sensaes privadas, ntimas, que se tornam universais graas s
correspondncias, d-se somente atravs do smbolo, que, como vimos, assume diferentes
aspectos.
Ora, esse mascaramento da expresso confere poesia simbolista uma dupla
dimenso, se a pensarmos da perspectiva no do criador mas da do leitor. De um lado, como o
poeta procura traduzir estados indefinveis da alma, mutveis a cada instante, os smbolos
correspondentes devem ser totalmente diferentes daqueles utilizados pela tradio potica; os
smbolos caracterizar-se-o, s vezes, pela absoluta arbitrariedade, pela sua novidade, o que
implicar o hermetismo e a conseqente dificuldade de o leitor penetrar num mundo fechado,
s acessvel ao iniciado. De outro lado, independente do hermetismo, os poemas, por
recusarem os nexos mais claros, por tentarem registrar instantneos de durao, ou do caos do
mundo interior, tornam-se apenas o espao onde se movimentam imagens soltas, que se
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8/6/2019 +lvaro Cardoso Gomes - O Simbolismo
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agregam no por nexos lgicos, mas por nexos pura-mente emotivos. A conseqncia disso
que essa poesia abolir o discurso lgico e exigir um leitor atento melodia das palavras, que
dever se entregar a um ritmo semelhante ao da msica.
Cronologia e expanso
Anos de grandes polmicas
Antes de o Simbolismo difundir-se pela Europa e pela Amrica, passou por fases de
conflito, em que se travaram grandes polmicas, at poder-se firmar definitivamente como
movimento literrio respeitvel. Cronologicamente o Simbolismo se inicia, como j vimos,
comAs flores do mal, de Charles Baudelaire, em 1857, atinge o auge em 1886, com as polmicas
travadas entre Jean Moras e Ren Ghil, e consolida-se em 1891, quando Mallarm
homenageado num jantar a que comparecem as figuras literrias mais importantes da poca.
O aparecimento deAs flores do mal, divisor de guas da poesia francesa, seguido da
publicao de Parnasse contemporain, em 1866. Apesar de o ttulo se referir ao "Parnaso", a
coletnea traz entre seus colaboradores poetas que antecipam novidades simbolistas:
Baudelaire com "Madrigal triste", Verlaine com "Mon rve familier" [Meu sonho familiar] eMallarm com "Les fentres" [As janelas].:
Em 1881, o crtico Paul Bourget publica um artigo intitulado "Thorie de la
dcadence" e utiliza-se pela primeira vez do termo "decadncia" para designar a "situao da
sociedade que produz um grande nmero de indivduos incapazes de achar seu prprio lugar
na faina do mundo". Em 1882, Verlaine publica "Art potique", poema que faz a apologia da
musicalidade e da sugesto em poesia:
A Msica antes de tudo,
E para isso prefere o mpar
Mais vago e solvel no ar,
Sem nada nele que pese ou que pouse.
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8/6/2019 +lvaro Cardoso Gomes - O Simbolismo
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preciso tambm que no vs Escolher tuas palavras sem algum desprezo:
No h nada mais caro do que a cano cinzenta Onde o Indeciso ao Preciso
se une.
(OEuvres potiques completes, p. 326.)
Verlaine tambm publica, em 1884, Poetes maudits, ensaios que divulgam os poetas
Tristan Corbire e Mallarm. Por sua vez J.-K. Huysmans publica A rebours [s avessas],
romance potico em que esboa o perfil do decadente, Floressas Des Esseintes, que
influenciar toda uma gerao. Neste mesmo ano, aparece na Blgica a revista La Wallonie, que
divulga os principais escritores do Simbolismo desse pas.
J estabelecido como "moda", o movimento passa a sofrer crticas da imprensa
especializada. Dentre elas, talvez a mais importante tenha sido a pardia Les dliquescences d'ador
Floupette (1885), de autoria de Henri Beauclair e Gabriel Vicaire. Poetas medocres, tiveram,
porm, o mrito de imaginar um poeta decadente, imitador de Veraine e Mallarm, que no s
foi comentado em artigos, como tambm chegou a criar escola. No poema a seguir possvel
detectar a pardia dos temas e do estilo de alguns dos principais poetas da poca:
Mas o iniciado apaixonado pela boa cano azul e cinza, de um cinza to azul e
de um azul to cinza, to vagamente obscura e no entanto to clara, o melfluo
decadente cuja ntima perversidade, como uma virgem enterrada na lama confina
ao milagre, aquele saber bem, supe-se, onde refrescar o ouro imaculado de suas
Dolncias. (Apud CORNELL, Kenneth. The symbolist movement. New Haven, Yale
University Press, 1951. p. 37.)
No mesmo ano, Paul Bourde, inspirado pela stira de Vicaire e Beauclair, publica
"Les dcadents", utilizando-se do termo "decadentes" para nomear os poetas dessa gerao.
Em resposta a Paul Bourde, Jean Moras, contestando-o, prope a designao "simbolistas"
em vez de "decadentes", para evitar, entre outras coisas, que se confundissem os poetas com
simples neurticos ou excntricos.
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Em 1886, as polmicas em torno do Simbolismo chegam ao auge. O poeta Ren Ghil
publica o seu Tratado do verbo, em que prope para a poesia a curiosa relao entre os sons dos
fonemas, o som de instrumentos musicais, as cores e os sentimentos, criando a subescolainstrumenta-lista. Observe-se o seguinte exemplo:
Monotonia,
dvida,
simplicidade,
Instinto
de ser,
de viver.
(Trait du verbe;tats sucessifs. Textos apresentados, anotados e
comentados por Tiziana Gorupi. Paris, Nizet, 1978. p. 172.)
Ainda em 1886, o crtico Anatole Baju polemiza em jornais, negando que os
decadentes cheguem a formar uma escola propriamente dita. Mas o ensaio mais
importante que surge nesse ano "Le symbolisme", de Jean Moras, em que pela primeira
vez se procura determinar a essncia do smbolo, da linguagem simblica:
Inimiga do ensino, da declamao, da falsa sensibilidade, da descrio objetiva, a
poesia simbolista procura: revestir a Idia de uma forma sensvel que no seja um fim em si
mesma, mas que, ao servir para exprimir a Idia, a ela permanea submissa. A Idia, por sua
vez, no se deve se ver privada das suntuosas amarras das analogias exteriores; pois o carter
essencial da arte simblica consiste em nunca conceber a Idia em si. (Le Figaro. Apud
MITCHEL, Bonner. Les manifestes littraires de Ia belle poque. 2. ed. Paris, Seghers, 1966. p. 27.)
Em 1888, logo aps a efervescncia dos anos anteriores, notam-se os primeiros sinaisde desgaste do movimento. O crtico Brunetire escreve uma srie de artigos comentando a
notria influncia de Baudelaire nos novos poetas. Jean Moras, que tanto batalhara pela
instaurao do Simbolismo, publica o panfleto Les premires armes du Symbo-lisme, em que reavalia
os princpios do Simbolismo, chegando, inclusive, a descrer de "muitas das coisas que pregava
trs anos antes". Em 1891, os simbolistas se renem, para homenagear Mallarm. Se, de um
lado, o encontro serviu para referendar o triunfo definitivo do movimento, do outro, algumas
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deseres apontam para a exausto da escola simbolista. Neste mesmo ano, Jean Moras, seu
maior batalhador, declara encerrado o Simbolismo e prope a fundao da "Escola Romana".
O fortalecimento do Simbolismo em seu bero, a Frana
Enquanto se travavam as batalhas literrias, as polemicas, os bate-bocas atravs dos
peridicos, os grandes escritores travavam uma batalha um pouco mais silenciosa com o texto.
Durante a vigncia do Simbolismo na Frana, destacaram-se os seguintes poetas: Baudelaire,Rimbaud, Verlaine e Mallarm. O primeiro, como j vimos, abalou seus contemporneos com
a poesia grotesca, sombria de As flores do mal, e, desse modo, rompeu com a tradio potica
francesa. Rimbaud, seu discpulo, o criador de uma poesia alucinada, feita a partir do
"desregramento de todos os sentidos" e voltada para a inveno de uma nova linguagem que
buscasse integrar os diversos tipos de sensaes, como no famoso poema "Vogais":
A negro, E branco, I vermelho, U verde, O azul: vogais, Eu falarei um dia de
suas florescncias latentes: A, negro espartilho veludo das moscas ruidosas Que
voltejam ao redor de maus cheiros cruis,
Golfos de sombra; E, canduras dos vapores e das tendas, Lanas de geleiras
orgulhosas, reis brancos, arrepios de
umbelas;
I, prpuras, sangue cuspido, riso de lbios belos Em clera ou bebedeiras
penitentes;
U, ciclos, vibraes divinas dos mares viridentes, Paz dos pastos semeados deanimais, paz das rugas Que a alquimia imprime a grandes frontes eruditas;
O, supremo Claro pleno de inslitas estridncias, Silncios atravessados dos
Mundos e dos Anjos O, mega, raio violeta de Seus Olhos!
(OEuvres compltes, p. 104.)
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Verlaine, diferentemente, o poeta dos meios-tons, dos sentimentos vagos, difusos,
expressos numa linguagem sutil, altamente melodiosa. Nele, tudo sugesto, evocao de uma
nostalgia indefinida, misto de tristeza e preguia sensual. Mais intelectualizado do que ambos,Mallarm levar s ltimas conseqncias a explorao da linguagem simblica, criando uma
poesia hermtica, nem sempre accessvel ao leitor. Preocupado em atingir a essncia do
potico, o poeta s vezes chega ao Nada, smbolo da esterilidade potica. No toa que
Mallarm se constituir num dos mais importantes precursores da poesia moderna.
No plano da prosa, vale a pena referir os nomes de J.-K. Huysmans e Villiers de
L'Isle-Adam. O primeiro o autor de s avessas, romance que pe por terra o modelo da
prosa narrativa dos realistas e naturalistas, com a inveno da tpica figura do decadente e de
uma linguagem plstica sugestiva. O segundo escreveu os Contos cruis (1883), dando impulso
ao potico na narrativa curta. Tambm digno de nota seu drama esttico Axel (1890), em que
o autor expe a filosofia decadentista da inutilidade da ao.
O Simbolismo no resto da Europa e nas Amricas
O Simbolismo inicia-se na Itlia por volta de 1889, com o romance potico Il piacere,
de Gabriele D'Annunzio. Seu autor tenta resgatar a poesia italiana do Classicismo, atravs da
importao de novidades decadentistas, criando um mundo aristocrtico, onde se manifestam
sensaes mrbidas e sensuais. Herdeiros de D'Annunzio, mas j dentro do sculo XX, os
"crepuscolari" (Sergio Corazzini, Guido Gozzano, etc.) expressam, em tons verlainianos, a dor
de viver e a melancolia frente existncia.
Na Espanha, verifica-se uma revoluo espiritual e potica que se funde renovao
poltica, no protesto da gerao de 1898. Revelando, atravs da temtica simbolista, a
decadncia da ptria, Unamuno e Valle-Incln viriam, de um lado, manifestar a angstia frente
morte e, de outro, um misticismo anarquista, sob influncia dos decadentistas franceses.
Acima destes dois est Antonio Machado, uma das maiores vozes lricas do pr-modernismo
espanhol.
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O Simbolismo acontece na Rssia somente no incio do sculo XX e termina
abruptamente com a Revoluo Comunista de 1917. Sua figura mais importante Alexander
Blok, cuja simbologia mgica, transformando-se mais tarde em arte revolucionria, nos d aexata medida do caminho percorrido pelos simbolistas russos.
A rigor, no houve um movimento simbolista perfeitamente caracterizado na
Inglaterra. Por volta de 1884, surge o grupo dos "pr-rafaelistas", formado por Rossetti,
Ruskin e Morris, que se apegaram ao misticismo medieval, ao visionarismo utpico e ao culto
da beleza. Fortemente influenciado pelo Decadentismo francs, Oscar Wilde escreve uma obra
em que valoriza, sobretudo, o trabalho artstico em detrimento da existncia, considerada vazia,
sem sentido. Sua obra mais famosa o romance The picture of Dorian Gray[O retrato de Dorian
Gray] (1891), em que o autor cria uma personagem decadente, inspirada com certeza no Des
Esseintes, de Huysmans.
A figura mais representativa do Simbolismo alemo Stefan George, seguidor da
sutileza musical de Verlaine. Responsvel pela divulgao do Simbolismo na Alemanha,
escrever uma poesia rica de nuanas. J no incio do Modernismo, surge Rilke, autor de Elegias
de Duno (1923), que explora as relaes ntimas entre o sonho e o sentimento de morte. Na
ustria, que sempre sofreu forte influncia alem, salienta-se Hofmannsthal, cuja imensa obra
se prende tentativa de recuperar o passado, criando um clima de decadncia e morte. Tambm nos Estados Unidos no houve um movimento simbolista, embora
tenhamos visto que Poe foi um dos precursores da esttica. Quando muito, pode-se falar na
gerao dos "transcendentalistas", formada por escritores como Emerson, Melville,
Hawthorne, que receberam notria influncia de Swedenborg. Nos pases da Amrica Latina,
diferentemente, o Simbolismo criou razes e se expandiu. Sua figura mais representativa talvez
seja o nicaragense Rubn Daro. Alm dele, h outros nomes dignos de nota: o cubano Jos
Mart, o argentino Leopoldo Lugones, o uruguaio Herrera y Reissig e a chilena Gabriela
Mistral.
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O Simbolismo nos pases de lngua portuguesa
O Simbolismo foi introduzido em Portugal em 1890, com Eugnio de Castro.
Voltando de uma viagem Frana, o ento jovem poeta procurou difundir as novidades
simbolistas francesas em seu pas com sua obra Oaristos. Mais importante que os poemas o
prefcio onde o autor prope os rumos da nova esttica. Preocupado sobretudo com os
aspectos formais do movimento, Eugnio de Castro acabou por enveredar por discusses
sobre a rima, o ritmo e o vocabulrio. Para comprovar sua teoria, os poemas exploram
exausto os principais recursos da esttica simbolista, tais como a aliterao, as palavras
exticas, as rimas estranhas, etc, com isso criando uma poesia absolutamente artificial. No
toa que, no final de sua carreira, Eugnio de Castro evoluiria para um no disfarado
parnasianismo.
Mais autntico que Eugnio de Castro o sensvel poeta de S (1892), Antnio
Nobre. Herdando o modo coloquial de falar dos romnticos, mas com os ouvidos atentos para
a msica das coisas, o poeta liberta a poesia portuguesa do artificialismo, da
convencionalidade. Volitado quase que exclusivamente para a terra natal, para o passado,
Antnio Nobre canta os anos da infncia perdida, a beleza dos campos, a pureza das figuras
femininas, das "virgens" que passam "ao sol poente". Sua obra potica exalta em cores fortes
as sensaes relativas a um tempo de totalidade, s recupervel pela palavra evocativa, pelo
verso musical, sinestsico.
Mas de todos os poetas simbolistas do perodo o mais importante foi mesmo Camilo
Pessanha, que, com sua nica obra potica Clepsidra(1920), chegou at a influenciar Fernando
Pessoa. Isso porque, ao contrrio de Eugnio de Castro, por exemplo, soube como levar sltimas conseqncias a revoluo simbolista em Portugal. Assim, de um lado, Pessanha o
legtimo herdeiro de Verlaine, com seus versos musicais que exploram as ntimas relaes entre
as sonoridades e os estados de alma mais ntimos, como vem expresso em seu poema
"Violoncelo":
Chorai, arcadas
Do violoncelo!
Convulsionadas
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Pontes aladas
De pesadelo...
De que esvoaam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaam,
No rio, os barcos.
Fundas soluam
Caudais de choro...
Que runas (ouam)!
Se se debruam,
Que sorvedouro...
Trmulos astros...
Solides lacustres...
Lemes e mastros...E os alabastros
Dos balastres!
Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
Chorai, arcadas,
Despedaadas,Do violoncelo.
(Clepsidra e outros poemas, p. 237-8.)
Como se pode verificar, o poema equivale ao violoncelo, no sentido de
que cada estrofe, ou melhor, cada imagem (o choro, o rio, os caudais
de choro, o lago, o gelo, etc.) sugere os diversos movimentos de uma
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melodia que, por sua vez, evocam diferentes estados de alma. Mas, do
outro lado, Camilo Pessanha tambm o poeta que expressa o sofre-
mento frente brevidade da vida, a incapacidade do homem de captar oque quer que seja da realidade circundante:
Imagens que passais pela retina Dos meus
olhos, por que no vos fixais? Que
passais como a gua cristalina Por uma
fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais, E o
vago medo angustioso domina,
Por que ides sem mim, no me levais?
Sem vs o que so os meus olhos abertos?
O espelho intil, meus olhos pagos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mos,
Flexo casual de meus dedos incertos, E
Estranha sombra em movimentos vos.
(Clepsidra e outros poemas, p. 207-8. )
Poeta refinado, manifestando em sua poesia o sentimento de uma dor csmica,
Camilo Pessanha soube dar como ningum intensa fora palavra potica, explorada em todas
as suas nuanas.
Quanto ao Simbolismo brasileiro, antes de tudo, precisamos refletir sobre um
problema que, em termos gerais, afetou a expanso desse movimento por aqui (como certa-
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mente deve ter tambm afetado nos pases da Amrica Lati-na). Acontece que o Simbolismo
foi uma esttica altamente refinada, oriunda dos pases industrializados e frios. Tanto assim
que seus membros mais ilustres no s fizeram a apologia do artificial em arte, como tambmelegeram o Outono (de preferncia) e o Inverno como as estaes preferidas para expressar os
estados de alma lnguidos, melanclicos. Como ento que o Simbolismo havia de se fixar
num pas ainda agrcola e tropical?
Com efeito, no toa que, apesar de seus muitos poetas, o Simbolismo brasileiro
instalou-se timidamente aqui e teve curta durao. Parece mesmo que o vago, o indeciso, os
estados imprecisos de alma, as evocaes sutis de entidades misteriosas, no coadunavam
muito bem com o esplendor da terra tropical, com o sol a pino, com a paisagem recortada
nitidamente no horizonte. Talvez por isso mesmo que o poeta simbolista brasileiro mais
importante, Cruz e Sousa, tenha nascido no sul do pas, mais precisa-mente em Santa Catarina,
regio fria, que sofreu grande influncia europia. Filho de escravos libertos, criado pelo antigo
amo, o poeta levou uma vida extremamente atribulada e curta (1862-1898). Atormentado por
dvidas, ainda viu a mulher morrer tuberculosa. Apesar disso tudo, num espao restrito de
tempo, criou uma obra que evolui das pesquisas formais de Broqueis para a expresso do
sentimento profundo de dor nos ltimos sonetos:
Almas ansiosas, trmulas, inquietas,
Fugitivas abelhas delicadas Das colmias
de luz das alvoradas, Almas de
melanclicos poetas,
Que dor fatal e que emoes secretas
Vos tornam sempre assim desconsoladas,
Na pungncia de todas as espadas,
Na dolncia de todos os ascetas?!
Nessa esfera em que andais, sempre indecisas,
Que tormento cruel vos nirvaniza,
Que agonias titnicas so essas?!
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Por que no vindes, almas imprevistas,
Para a misso das lmpidas conquistas
E das augustas, imortais Promessas?!
(Almas indecisas. Poesia, p. 75.)
Mas o que marcou de maneira definitiva a poesia de Cruz e Sousa, fazendo com que
ele se transformasse no mais representativo poeta simbolista brasileiro, foi a mescla de altos
anseios espirituais ("as virgens vaporosas") com uma forte sensualidade (presente numa
imagem como "tinhoro lascivo"). Essa mescla representar uma adaptao do estilo, da
temtica do Simbolismo europeu s condies da realidade brasileira. O curioso contraste entre
a alta espiritualidade e a forte sensualidade nos versos de Cruz e Sousa responsvel pela
novidade desse poeta que, dessa maneira, criou um simbolismo todo seu, atento s pulsaes
da natureza tropical e quem sabe mesmo s da prpria raa.
Ainda importantes dentro do Simbolismo brasileiro so Alphonsus de
Guimaraens (pseudnimo de Afonso Henriques da Costa Guimares), Augusto dos Anjos
e Pedro Kilkerry. O primeiro deles procurou instalar ou mesmo transferir o Simbolismo
europeu para a realidade brasileira, o que fica bem patente com seu livro Pauvre lire, total-mente escrito em francs e nos versos de poemas como "Primeira dor de Nossa Senhora",
em que a alta espiritualidade, os anseios religiosos lhe do um cunho eminente-mente
universal:
Em teu louvor, Senhora, estes meus versos
E a minha Alma aos teus ps para cantar-te:
E os meus olhos mortais, em dor imersos,
Para seguir-te o vulto em toda a parte.
(Apud MURICY, Andrade, sel., org. e int. Panorama do
movimento simbolista brasileiro. Braslia, Conselho Federal
de Cultura/INL, 1973. 2 v., p. 441-2.)
Poeta de fina sensibilidade, falando sempre em surdina, Alphonsus de Guimaraens,
mais do que Cruz e Sousa, conseguiu transplantar de maneira bastante evidente o Simbolismo
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para as terras brasileiras. Mas por isso mesmo que sua poesia perde em tenso para a do
autor de Broqueis;monocrdica, cai num espiritualismo extremado, de que "Ismlia", seu mais
conhecido poema, o melhor exemplo. Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry, por sua vez, criam um simbolismo todo
especial, j nos limites da modernidade. O primeiro mistura princpios deterministas,
evolucionistas com as tendncias espiritualistas da poca e acaba por montar uma obra
sincrtica, que chama a ateno s vezes pelo vocabulrio esdrxulo, mais prprio das cincias
exatas:
Eu, filho do carbono e do amonaco,
Monstro de escurido e rutilncia,
Sofro, desde a epignese da infncia,
A influncia m dos signos do zodaco.
(Psicologia de um vencido. Apud MOISS, Massaud. A literatura
brasileira atravs dos textos. 16. ed. So Paulo, Cultrix, 1991. p. 312.)
Utilizados de forma irnica, os vocbulos "carbono", "amonaco" e "epignese"
servem para denunciar a falibilidade da cincia frente ao destino miservel do homem.
J Kilkerry escreveu muito pouco, mas seus estranhos versos prenunciam a vinda do
Modernismo, com suas bruscas rupturas sintticas.
Concluindo, podemos dizer que se o Simbolismo no teve tanta importncia no
Brasil como o Romantismo, por exemplo, pelo menos serviu para atenuar o impacto da
instalao do Parnasianismo entre ns e mesmo para tornar mais malevel, mais expressiva a
obra de poetas como Olavo Bilac e Raimundo Correia. No bastasse isso, o Simbolismo
tambm teve uma influncia expressiva nos poetas da gerao modernista, como Tasso da
Silveira, Ceclia Meireles, Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt. Em Ceclia Meireles,
fica patente a herana simbolista no seu gosto pela msica, pelos smbolos, pela politizao de
uma atmosfera rarefeita, que faz lembrar um Verlaine, por exemplo. J Bandeira, na primeira
fase de sua carreira, mostra muita afinidade com certa paisagem outonia ou mesmo com a
expresso de estados de esprito indefinidos, tpicos do Simbolismo.
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ndice de autores simbolistas
ANJOS, Augusto dos (1884-1914). Poeta simbolista brasileiro, autor de Eu(1912).
BAJU, Anatole. Crtico francs, ardente defensor do Decadentismo. Autor de
L'cole dcadente(1887).
BAUDELAIRE, Charles (1821-1867). O introdutor da poesia simbolista na Frana
e um dos mais importantes poetas da modernidade. Escreveu, entre outras obras, Les fleurs
du mal(1857), Les paradis artificieis(1860), etc.
BEAUCLAIR, Henri (1860-1900). Co-autor da mistificao Les dliquescences d'adorFloupette(1885).
BLOK, Alexander Alexandrovitch (1880-1921). O mais importante simbolista
russo, autor de Versos da bela dama(1905), Poesias russas(1915), etc.
BOURGET, Paul (1852-1935). Ensasta francs da poca simbolista, autor de
Essais de psychologie contemporaine(1883/1885).
BRUNETIRE, Ferdinand (1849-1906). Um dos mais ferozes crticos do
Simbolismo e, sobretudo, de Baudelaire, autor de volution de Ia posie lyrique(1894).
CASTRO, Eugnio de (1869-1944). Poeta portugus, responsvel pela introduo
do Simbolismo em Portugal, com a obra Oaristos(1890).
CORAZZINI, Sergio (1887-1907). Simbolista italiano, pertencente gerao dos
"crepuscolari" e autor de L'amaro clice[O clice amargo] (1905).
CORBIRE, Tristan (1845-1875). Poeta decadente francs, autor de Les amours
jaunes[Os amores amarelos] (1873).
CRUZ E SOUSA, Joo da (1862-1898). O mais importante poeta simbolista
brasileiro, autor deMissal(1893), Broqueis(1893) e ltimos sonetos(1905).
D'ANNUNZIO, Gabriele (pseudnimo de Gaetano Rapagnetta) (1863-1938). O
mais importante escritor do Simbolismo italiano, autor de II piacere (1889), // triunfo de Ia
morte(1894), etc.
DARO, Rubn (1867-1916). Poeta simbolista nicaragense, autor deAzul(1888).
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EMERSON, Ralph Waldo (1803-1882). Poeta e pensador norte-americano, autor
de Essays(1841).
GEORGE, Stefan (1868-1933). Simbolista alemo, autor de Algabal (1890/1892),
O stimo anel(1907), etc.
GHIL, Ren (1862-1925). Poeta simbolista francs, autor de Trait du verbe(1886).
GOZZANO, Guido (1883-1916). Simbolista italiano, tambm pertencente
gerao dos "crepuscolari", autor de La via dei refugio (1906).
GUIMARAENS, Alphonsus de (pseudnimo de Afonso Henriques da Costa
Guimares) (1870-1921). Simbolista brasileiro, autor de Setenrio das dores de Nossa Senhora
(1899), Kyriale(1902), etc.
HAWTHORNE, Nathaniel (1804-1864). Transcendentalista americano, autor de
The scarlet letter(1850), The house of seven gables[A casa dos sete patamares] (1851), etc.
HERRERA Y REISSIG, Jlio (1875-1910). Poeta simbolista uruguaio, autor de
Los pianos crepusculares(1910).
HOFMANNSTHAL, Hugo von (1874-1929). Poeta e dramaturgo austraco, autor
de O cavaleiro e a rosa(1911).
HUYSMANS, Joris-Karl (1848-1907). Romancista francs, autor de A rebours
(1884), L-Bas[Alm] (1891), etc.
KILKERRY, Pedro Milito (1885-1917). Simbolista brasileiro, cuja obra esparsa
foi reunida por Augusto de Campos em Reviso de Kilkerry(1970).
LUGONES, Leopoldo (1874-1938). Simbolista argentino, autor de Lunario
sentimental(1909).
MAETERLINCK, Maurice (1862-1949). Poeta e dramaturgo belga, autor de Plleas
et Mlisande(1892), L'oiseau bleu(1909), etc.
MALLARM, Stphane (1842-1898). Um dos mais importantes poetas
simbolistas, precursor das modernas tendncias poticas. Escreveu L'aprs-midi d'un faune[A
sesta de um fauno] (1897), etc.
MART, Jos (1853-1895). Simbolista cubano, autor de Versos sencillos [Versos
sinceros] (1891), etc.
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MELVILLE, Herman (1819-1891). Romancista americano, pertencente gerao
dos transcendentalistas. EscreveuMoby Dick (1851).
MESQUITA, Roberto de (1871-1923). Poeta simbolista aoriano, autor de Almas
cativas(1931).
MISTRAL, Gabriela (pseudnimo de Lucila Godoy) (1889-1957). Poeta simbolista
chilena, autora de Desolacin(1922).
MORAS, Jean (pseudnimo de Joannis Papadiamantopoulos) (1856-1910). Poeta
simbolista grego, radicado na Frana, um dos mais importantes divulgadores do moviento.
Escreveu Les certes(1884).
MORRIS, William (1834-1896). Poeta pr-rafaelita ingls, autor de Defense ofGuenever and other poems(1858).
NOBRE, Antnio (1867-1900). Poeta simbolista portugus, autor de S(1892).
PESSANHA, Camilo d'Almeida (1867-1926). O mais importante poeta simbolista
de lngua portuguesa. Escreveu Clepsidra(1920).
RILKE, Rainer Maria (1875-1926). Poeta simbolista alemo, autor de Sonetos a
Orfeu(1923), Elegias de Duno (1923), etc.
RIMBAUD, Arthur (1854-1891). Poeta simbolista francs, autor de Une saison enenfer(1873), Les illuminations(1886).
RODENBACH, Georges (1855-1898). Poeta e romancista do Simbolismo belga,
autor de Bruges-la-Morte(1892).
ROSSETTI, Dante Gabriel (1828-1882). Poeta pr-rafaelita ingls, autor de Ballads
and sonnets(1881).
RUSKIN, John (1819-1900). Esteta ingls ligado aos pr-rafaelitas, autor de The
seven lamps of architecture(1849).
UNAMUNO, Miguel de (1864-1937). Poeta, romancista e filsofo espanhol, autor
de Del sentimiento trgico de Ia vida(1913).
VALLE-INCLN, Ramn Maria del (1869-1936). Poeta e romancista do
Simbolismo espanhol, autor de Tirano Banderas(1926).
VERHAEREN, mile (1855-1916). Simbolista belga, autor de Les moines [Os
monges] (1886).
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VERLAINE, Paul (1844-1896). Um dos mais importantes poetas do Simbolismo
francs, autor de Ftes galantes(1869), La bonne chanson(1870), Romance sans parole(1874), etc.
VICAIRE, Gabriel (1849-1900). Poeta simbolista francs, co-autor da mistificao
Les dliquescences d'ador Floupette.
VILLIERS DE L'ISLE-ADAM, Philippe Auguste (1840-1889). Prosador
simbolista francs e dramaturgo, autor de Contes cruels(1883) eAxel(1890).
WILDE, Oscar (1856-1900). Dramaturgo, romancista e poeta ingls, autor de The
picture of Dorian Gray(1891), Salom(1894), etc.
YEATS, William Butler (1865-1939). Poeta simbolista irlands, autor de The Wind
among the reeds[O vento entre os canios] (1899), etc.
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Vocabulrio crtico
Aliterao:recurso estilstico que se caracteriza pela repetio de uma consoante no
incio de cada palavra de um mesmo verso, como, por exemplo, neste poema de Eugnio de
Castro: "Fogem fluidas, fluindo fina flor dos fenos" (Oaristos).
Analogia: no sentido comum, refere-se a alguma coisa que tem semelhana com
outra. Entre os simbolistas, contudo, refere-se ao princpio das correspondncias.
Correspondncias: termo que se origina da filosofia mstica de Emmanuel
Swedenborg (1688-1772), autor de De coelo et de inferno (1758). Segundo o escritor sueco, aschamadas "correspondncias" seriam as relaes existentes entre as coisas do mundo natural
e as do mundo espiritual: "assim, cada coisa que, no Mundo natural, existe em
conformidade com uma coisa espiritual, chamada Correspondente". Essa concepo de
que tudo que existe sobre a Terra corresponde a algo espiritual servir de base para a
esttica simbolista, a partir mesmo de Baudelaire que comps seu famoso soneto intitulado '
'Correspondncias , tendo como ponto de partida a teoria esotrica de Swedenborg.
Crepsculo:momento do dia preferido pelos simbolistas, devido a seu carter difuso.
Dandy:palavra de origem inglesa que designa o decadente, o homem refinado do
fim do sculo, que se compraz em cultivar prazeres extravagantes, em distanciar-se da
vulgaridade do mundo burgus.
Decadncia:termo com que se designam vrios estgios da histria da humanidade
(a do Imprio Romano, por exemplo), marcados pela anarquia moral e social. Mais
especificamente, designa o estado da sociedade europia nos fins do sculo XIX.
Decadente:designa o artista tpico do fim do sculo, que se caracteriza pelos nervos
superexcitados, pela passividade frente vida ativa e pelo culto de prazeres refinados, de
sensaes mrbidas, doentias. So exemplares tpicos do decadente as personagens Des
Esseintes, do romanceA rebours, de J.-K. Huysmans e Dorian Gray, do romance O retrato de
Dorian Gray, de Oscar Wilde.
Decadentismo:denominao de movimento literrio que antecede ao Simbolismo e
que tem como caractersticas bsicas a criao de um mundo artificial, onde vivem seres que
se entregam a prazeres mrbidos.
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8/6/2019 +lvaro Cardoso Gomes - O Simbolismo
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Decifrador: termo atravs do qual Baudelaire designava o poeta: "ora o que um
poeta [...] seno um decifrador" (L'art romantique, p. 267), no sentido de que cabia a ele
"decifrar" o sentido das correspondncias.
Desregramento:o termo surge de modo especfico na famosa "Carta ao vidente", que
Rimbaud escreveu ao amigo Paul Demeny, em 1871, e refere-se provocada anarquizao
dos sentidos, para se atingir a vidncia, a capacidade de interpretar os smbolos da realidade
("O Poeta se faz vidente atravs de um longo, imenso e racional desregramento de todos os
sentidos").
Determinismo: doutrina influenciada pelo Positivismo de Auguste Comte e
desenvolvida por Hippolyte Taine. Baseado em princpios histricos, sociolgicos e
antropolgicos, o Determinismo se dispunha a conhecer o homem atravs dos
determinantes fixos da raa, do meio e do momento histrico. Assim concebida, essa
doutrina exerceu grande influncia na poca, sobretudo no chamado romance
realista/naturalista.
Eco:recurso estilstico que tem como princpio a repetio de slabas no final das
palavras de um mesmo verso. Por exemplo: "na messe que enlourece, estremece a
quermesse" (Eugnio de Castro, Oaristos).Escola Romana: subescola criada por Jean Moras, que propunha um retorno aos
valores poticos greco-latinos.
Evangelho das correspondncias: metfora com que se designava o conjunto de
preceitos das chamadas "correspondncias".
Evocao: de evocar, chamar. Entre os simbolistas, diz respeito capacidade de
suscitar um estado de esprito atravs da referncia a um determinado objeto ("Evocar
pouco a pouco um objeto, para liberar dele um estado de esprito", observa Mallarm numaentrevista concedida a Jules Huret.
Fim do sculo: final do sculo XIX. Devido ao carter peculiar desse perodo de
tempo, alm de seu sentido histrico, tem tambm um sentido mais propriamente social e
esttico.
Idealismo: