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Jornal da UFRJ Gabinete do Reitor • Coordenadoria de Comunicação da UFRJ • Ano 4 • Nº 36 • Julho /Agosto de 2008 13a16 6 e 7 Entrevista Jorge Barroso Abaixo de zero Educação para redimir o Brasil Mãe Menininha Tá no Gantois Políticos, artistas e toda a gente do povo. Famosos ou não, quem conheceu Mãe Menini- nha de perto não dava um passo sem consultá-la. Para muitos, ela era mesmo a “estrela mais linda”, “o sol mais brilhante”, “a beleza do mundo”, “a mão da doçura” e o “consolo da gente”, nas palavras de Dorival Caymmi, em “Oração a Mãe Menininha”. “Cheguei aos 80 anos um pouco cético com o Brasil.” Por mais paradoxal que pareça, a confidência de Jorge Alberto Barroso, professor do Instituto de Matemática (IM) da UFRJ, não foi feita em tom de desalento. Do contrário, como explicar a altivez e o vigor com que ainda sustenta as suas idéias? Ou a lucidez com que prega a urgência de conceder à educação prioridade absoluta entre as políticas governamentais? O que transborda de suas convicções, no fundo, é uma intensa esperança em dias melhores para o país. No final da entrevista ao Jornal da UFRJ, mais do que esperança, fica a certeza cartesiana de Jorge Barroso de que o investimento em educação pode, sim, mudar o Brasil. No Ano Polar Internacional (2007- 2008), o Brasil mandou à Antártida sua maior expedição científica, integrada por uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional da UFRJ. Livro cataloga movimen- tos sociais desprezados pela historiografia oficial pode servir de referência para professores dos ensi- nos Médio e Superior. História subterrânea 8 e 9 Novos horizontes Relações Internacionais, Terapia Ocupacional, Saúde Coletiva, Bacharelado em Ciências Matemáticas e da Terra, História da Arte e Comunicação Visual Design são os cursos criados recentemente pela UFRJ. Mais do que novos, são também a oportunidade do estabelecimento de outro perfil na formação profissional. Alexander Kellner 26 e 27

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Jornal da

UFRJGabinete do Reitor • Coordenadoria de Comunicação da UFRJ • Ano 4 • Nº 36 • Julho /Agosto de 2008

13a16

6 e 7

EntrevistaJorge Barroso

Abaixo de zero

Educação para redimir

o Brasil

Mãe Menininha

Tá no Gantois

Políticos, artistas e toda a gente do povo. Famosos ou não, quem conheceu Mãe Menini-nha de perto não dava um passo sem consultá-la. Para muitos, ela era mesmo a “estrela mais linda”, “o sol mais brilhante”, “a beleza do mundo”, “a mão da doçura” e o “consolo da gente”, nas palavras de Dorival Caymmi, em “Oração a Mãe Menininha”.

“Cheguei aos 80 anos um pouco cético com o Brasil.” Por mais paradoxal que pareça, a confidência de Jorge Alberto Barroso, professor do Instituto de Matemática (IM) da UFRJ, não foi feita em tom de desalento. Do contrário, como explicar a altivez e o vigor com que ainda sustenta as suas idéias? Ou a lucidez com que prega a urgência de conceder à educação prioridade absoluta entre as políticas governamentais? O que transborda de suas convicções, no fundo, é uma intensa esperança em dias melhores para o país. No final da entrevista ao Jornal da UFRJ, mais do que esperança, fica a certeza cartesiana de Jorge Barroso de que o investimento em educação pode, sim, mudar o Brasil.

No Ano Polar Internacional (2007-

2008), o Brasil mandou à Antártida

sua maior expedição científica, integrada por uma equipe de

pesquisadores do Museu Nacional da UFRJ.

Livro cataloga movimen-tos sociais desprezados pela historiografia oficial pode servir de referência para professores dos ensi-nos Médio e Superior.

História subterrânea

8 e 9Novos horizontesRelações Internacionais, Terapia Ocupacional, Saúde Coletiva, Bacharelado em Ciências Matemáticas e da Terra, História da Arte e Comunicação Visual Design são os cursos criados recentemente pela UFRJ. Mais do que novos, são também a oportunidade do estabelecimento de outro perfil na formação profissional.

Alexander Kellner

26 e 27

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Jornal da

UFRJ2

Reitor Aloísio Teixeira

Vice-reitora Sylvia da Silveira Mello Vargas

Pró-reitoria de Graduação (PR-1) Belkis Valdman

Pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2)

Ângela Maria Cohen Uller

Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento (PR-3)

Carlos Antônio Levi da Conceição

Pró-reitoria de Pessoal (PR-4) Luiz Afonso Henriques Mariz

Pró-reitoria de Extensão (PR-5) Laura Tavares Ribeiro Soares

Superintendência Geral de Administração e Finanças

Milton Flores

Chefe de Gabinete João Eduardo do Nascimento Fonseca

Forum de Ciência e CulturaBeatriz Resende

Prefeito da Cidade UniversitáriaHélio de Mattos Alves

Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI) Paula Maria Abrantes Cotta de Melo

Coordenadoria de Comunicação (CoordCom) Fortunato Mauro

Fotolito e impressão Newstec Gráfica e Editora

25 mil exemplares

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Cidade Universitária - Ilha do FundãoCEP 21941-590

Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 2598-1621 / 1622

Fax: (21) 2598-1605 [email protected]

JORNAL DA UFRJ é UmA PUBlICAção mENSAl DA CooRDENADoRIA DE ComUNICAção DA UNIVERSIDADE FEDERAl Do RIo DE JANEIRo.

Supervisão editorial João Eduardo Fonseca

Jornalista responsável Fortunato mauro (Reg. 20732 mTE)

Edição Fortunato mauro e

Antônio Carlos moreira

Pauta Antônio Carlos moreira, Fortunato mauro

e luciana Campos

RedaçãoAline Durães, Bruno Franco, Coryntho Baldez, Rafaela Pereira, Rodrigo Ricardo e Vanessa Sol

Projeto gráfico Anna Carolina Bayer,

Jefferson Nepomuceno e Rodrigo Ricardo

Diagramação Anna Carolina Bayer

Ilustração Anna Carolina Bayer,

Jefferson Nepomuceno, marco Fernandes,

Patrícia Perez e Zope

Fotos marco Fernandes eAlexander Kellner

Revisão mônica Aggio

Instituições interessadas em receber essa publicação devem entrar em

contato pelo e-mail [email protected]

UFRJJornal da

AgostoAgenda

C@rtasHistória e

memória de Vigário Geral

Prezados senhores:Parabenizo-os pelo Jornal da UFRJ,

em especial pelas matérias da edição nº 35 - junho de 2008 -, “Caminhando e cantando” e “Um desafio à torre de marfim”, ambas de Rodrigo Ricardo.

Talvez tivéssemos um outro país hoje, se os setores que desejavam uma ampla transformação social não tivessem sido duramente reprimidos nos anos 1970. E já que o país que construímos é este que aí está, não dá para ficarmos encastelados em nossas “torres de marfim”. Corações, mentes e mãos à obra, então.Atenciosamente,

Eliana LeiteEngenheira Agrônoma

*** Contar a história revi-vendo as memórias de uma das mais violentas

comunidades do Rio de Janeiro. Este foi o trabalho de Maria Pau-la Nascimento Araújo, professora do Departamento de História, do Instituto de Filosofia e Ciência Sociais (IFCS) da UFRJ, que, em colaboração com Écio Salles, ex-coordenador cultural do Grupo Cultural AfroReggae (GCAR), lançou o livro História e memó-ria de Vigário Geral (Aeroplano, 2008).

A obra, que integra a cole-ção Tramas Urbanas, da editora Aeroplano, atravessa os mais di-versos eventos históricos – desde as reformas urbanas do prefeito

Priscila Moraes

Pereira Passos ao triste episódio da chacina de Vigário Geral. Segundo a autora, seu trabalho esmiúça não apenas a história da comunidade, mas também a for-mação urbana e espacial do Rio de Janeiro e as repercussões em uma estrutura sócio-econômica na qual a exclusão social e a con-centração de renda se mesclam. "Contribui para a eliminação da dicotomia favela-cidade formal e para a constituição de uma cidadania mais inclusiva e menos violenta em nosso país", avalia Maria Paula Araújo.

O livro foi lançado no dia 22 de julho, na Livraria da Travessa, de Ipanema, e contou com a pre-sença de moradores de Vigário Geral e integrantes do AfroReg-gae.

Em entrevista à WebTV da Coordenadoria de Comunicação da UFRJ, Maria Paula Araújo ex-plica a pesquisa e a parceria en-tre UFRJ e o AfroReggae. Assis-ta em www.webtv.ufrj.br/index.php?option=com_content&task=view&id=289&Itemid=98.

Fortunato Mauro, João Eduardo Fonseca, Antônio Carlos Moreira e valorosa equipe:

Este jornal me faz bem. Aos 55 e cansado de uma série de falhas nos jornalões, acredito ter na leitura do Jornal da UFRJ um bálsamo.

Li no expediente que as instituições interessadas podem solicitar o exemplar da edição mensal. Não somos uma instituição, mas precisamos ler algo útil. E quando eu capturo algum exemplar em gabinetes parlamentares, trago para casa, sempre.

Se considerarem o merecimento, sou grato.

Montezuma CruzEditor/Agência Amazônia de Notícias

www.agenciaamazonia.com.br

Mesa RedondaReforma Universitária: 40 anos de debateDia 21 de agosto de 2008Local: Praia Vermelha, auditório do CFCH Professor Manoel Maurício de AlbuquerqueHorário: 18 às 20 horas.Participantes:Silke Weber (Universidade Federal de Pernambuco);Hélgio Trindade (Universidade Federal da Integração Latino-Americana)Carlos Benedito Martins (Universidade de Brasília);Luiz Antônio Cunha (Universidade Federal do Rio de Janeiro) - coordenador.

Debate

Seminário Faculdade de Educação 40 Anos

Data: 11 a 13 de agostoLocal: Salão Pedro Calmon – Fórum de Ciência e Cultura campus UFRJ da Praia Vermelha.Faculdade de Educaçãohttp://www.educacao.ufrj.br/

PalestraFormação de professores:desafios para o século XXIdata:11 de agosto – segunda-feira Horário:19hCom o professor Antonio Nóvoa, da Universidade de Lisboa, Portugal, seguida de concerto.

Mesa-redonda Educação e Universidade:perspectiva históricadata: 12 de agosto – terça-feira Horário: 9h30 Com Ana Waleska Mendonça (PUC-Rio); Maria de Lourdes Fávero (UFRJ) e Luiz Antônio Cunha (UFRJ). Mediador: Renato de Oliveira (UFRJ)

Grupos de TrabalhoHorário:14h às 16h

Mesa-redondaFormação de professores:as licenciaturas em questãoHorário:16h30 às 19h Com Menga Lüdke (PUC-Rio); Antônio Flávio Barbosa Moreira (UCP) e Selma Garrido Pimenta (USP). Mediador: Ana Maria Monteiro (UFRJ)

Mesa-redondaPesquisa, ensino e extensão: diálogo entre a universidade e a sociedadeData:13 de agosto- quarta-feiraHorário: 9h30 às 12h Com Maria Isabel Cunha (UNISINOS); Clarilza Prado de Sousa (PUC-SP); Car-mem Teresa Gabriel (UFRJ). Mediadora: Márcia Serra (UFRJ)

Grupos de TrabalhoHorário:14h às 16h

Fórum dos GTs16h30 às 19h

Alexander Kellner

“Atualidade de 68:o sonho, a liberdade, a ação”Com Ângelo Segrillo, doutor em História da Rússia e ex-URSS eurasiana, professor de História Contemporânea da USP.Dia 26 de agosto – 11hAuditório G1 – 2º andarFaculdade de Letras

Julho/Agosto 2008

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3UFRJJornal da

História

Aline Durães

Que as classes domi-nantes tremam à idéia de uma revolução co-

munista! Os proletários nada têm a perder a não ser suas algemas. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todo o mundo, uni-vos!” Foi com essa conclamação que Karl Marx e Friedrich Engels concluíram, em fevereiro de 1848, o Manifesto do Partido Comunista.

O texto, encomendado pela Liga dos Comunistas a dois de seus membros mais atuantes para expor as idéias teóricas e práticas do Partido, foi publicado em um contexto de intensas inquietações políticas e sociais. Em-bora não tivesse influência direta sobre eventos revolucionários que marcaram o ano de 1848 na Europa, o Manifesto se destacou por antecipar a teorização das contradições históricas e da luta de classes que motivariam essas e outras insurgências.

Percorreu o mundo inteiro, foi tra-duzido em quase todos os idiomas e teve importância ímpar na formação e no desenvolvimento da tradição revo-lucionária de vários países. Por eleger o proletariado como o sujeito histórico capaz de livrar-se de suas opressões e, assim, libertar toda a humanidade, o texto influenciou — e influencia — ge-rações que buscaram e buscam a con-strução de uma sociedade mais justa e igualitária. “A partir do Manifesto, o pro-letariado organizado como classe passa a se reconhecer universalmente no pro-jeto comunista como etapa final de sua auto-emancipação. Esse reconhecimen-to traria desdobramentos teórico-políti-cos – às idéias, aos formatos políticos or-ganizativos engendrados historicamente

–, ao longo do século XIX e do XX, até nossos dias, percorrendo variadas pers-pectivas, correntes e tendências no inte-rior do próprio movimento operário”, explica Marcelo Braz, professor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ.

Marco Aurélio Santana, coordena-dor do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, lembra que o Manifesto fez uma carreira extraordinária em termos de sua leitura, discussão e divulgação pelos movimentos de trabalhadores. “Os pro-cessos revolucionários que experimen-tamos, nos mais variados países e perío-dos, tinham o Manifesto como um de seus textos e fonte obrigatórios. Isso deu à obra força e longevidade sempre reno-vadas. Além disso, deve-se lembrar que, nos meios acadêmicos, em diferentes áreas, o Manifesto figurou como obra de discussão e análise, ainda que em menor freqüência que outras do próprio Marx”, afirma Marco Aurélio.

Apesar de ter sido editado há mais de um século e meio, o documento con-tém elementos que se mantiveram atuais ao longo do tempo. Considerado por muitos analistas como um texto visioná-rio, o Manifesto, já em 1848, apontava a

tendência de mundialização do sistema capitalista, processo esse que viria a se consolidar com a globalização iniciada no século XX. Marco Aurélio ressalta que a percepção do capitalismo como sistema planetário e a indicação de sua crescente capacidade de produção somada à impossibilidade de que seus frutos sejam socializados nos marcos desse sistema, são algumas das outras tendências que o documento consegue visualizar com certa antecipação.

Marcelo Braz enfatiza que, por não apresentar um modelo fechado de organização política dos trabalhadores, o Manifesto permanece “compatível com o pluralismo hoje presente nas forças sociais que se empenham na luta por uma nova ordem social e adequado ao polimorfismo com que se apresenta atu-almente o mundo dos que vivem do tra-balho”.

CríticasNão foram poucas as críticas que o

texto recebeu ao longo desses 160 anos. Vários argumentos foram utilizados, ideologicamente ou não, para desqualifi-car as idéias ali veiculadas. Não raro, seus críticos tacham-no de panfletário e teleo-lógico. Afirmam também que a História

acabou por desmentir o Manifesto, na medida em que a tomada de poder pelos trabalhadores, pre-vista no texto, não se concretizou. “Deve-se lembrar que o Manifesto foi escrito exatamente para ser um ‘panfleto’ de síntese e divulgação de idéias. Dependendo de como se olhe, muitas limitações podem ser apontadas no texto. Mas, em um sentido mais amplo, devemos nos perguntar: qual obra não tem suas

limitações e não é marcada por certo con-texto onde foi produzida? O interessante é perceber exatamente como um texto pequeno, escrito com esse fim, acabou por se tornar uma obra tão importante, que ainda suscita debates até hoje, 160 anos depois”, pontua Marco Aurélio.

Marcelo Braz, embora avaliando que o documento tenha limitações e exija revisões críticas que permitam sua atualização, afirma que ele é cru-cial por conter idéias que, indo além da mera descrição da realidade, vis-lumbram novas possibilidades, inse-rindo, pela primeira vez, a perspectiva proletária no horizonte de movimento comunista. “Esse é um dos mais clás-sicos textos políticos de todos os tempos, exatamente por conseguir chegar às variadas camadas sociais, com linguagem textual que demarcou uma nova concepção da civilização humana, na qual o homem é fruto de sua luta material pela existência ao longo da História. Como bem observou o historiador Eric Hobsbawn a respeito da redação do Manifesto: ‘O Manifesto Comunista como retórica política pos-sui uma força quase bíblica. Em suma, é impossível negar seu poder de persuasão enquanto literatura’.”

Patrícia Perez

Julho/Agosto 2008

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UFRJJornal da

4 História

1968

omando de a ç a a o s omunistas

Em maio de 1968, após passar pelo Prin-

cesa Isabel, em Copa-c ab ana , chega à capital paulista o mais novo espetáculo do diretor José Celso Martinez Corrêa. De-pois do sucesso de O rei da vela (1967), de Oswald de Andrade, o líder da Com-panhia do Teatro Oficina encena Roda viva. O texto de Chico Buarque, escrito em 1967, critica a situação do artista, esmagado pela mídia - a personagem principal, o cantor Ben Silver, é um ído-lo inventado e imposto ao público pela publicidade e pela indústria fonográfica. O espetáculo foi encenado de maneira chocante, agressiva e provocadora. José Celso tratou de forma livre e audaciosa o texto. A história aparentemente ino-cente, sob a influência do movimento tropicalista, transforma-se em uma aguda contestação à sociedade de con-sumo. Atores interagem com a platéia e elementos eclesiásticos deslocam-se dos seus usos correntes para demolir o sacro mercado cultural. As inovações, em vez de limitadas às reações de críti-ca e de público, despertam a fúria do Comando de Caça aos Comunistas – o CCC, como era mais conhecido – con-tra a arte e a liberdade. A cortina mais negra da ditadura militar começava a se cerrar sobre o Brasil.

S e g u n d o Carlos Fico, coordenador do Programa de Pós-gra-duação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, há uma conjuntura específica que leva à imposição de uma censura pela moral e pelos bons costumes. ”Isto acontece no governo de Castelo Branco, no final de 1967, após uma série de atritos da classe artística com o governo. O ano de 1968 começa com uma grande greve de atores, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro, inclusive com uma vigília nos teatros municipais”, pontua Fico, que também é membro do Grupo de Estudos sobre a Ditadura Militar do IFCS, da UFRJ, lembrando que depois do assassinato do estudante Edson Luís, em março, os artistas engrossaram as passeatas, o que irrita ainda mais os militares.

Àquela noite de 18 de julho trata-se de mais um dos traumas do regime autoritário brasileiro. Militantes do CCC cortam as luzes da sala O Galpão, no te-atro Ruth Escobar, para quebrar tudo o que viam pela frente. O saldo da vio-lência é retratado nas páginas policiais do jornal Folha de São Paulo da época: "um grupo de cerca de 20 homens, ar-mados de cassetetes, facas, soco-inglês e pelo menos dois revólveres, invadiu a platéia e espancou os artistas e en-tregou-se a um metódico trabalho de depredação. Agindo com rapidez

(a operação durou três minutos) encur-ralaram nos camarins as atrizes Marilia Pêra, Margot Bird (...). Algumas das moças tiveram suas roupas rasgadas ou arrancadas, sofreram golpes e foram mordidas. O contra-regra foi atirado de cima do palco e sofreu fraturas na bacia (...). Espelhos foram quebrados, e apare-lhos de som, holofotes e cenários foram destruídos pelos agressores.”

Os agredidos prestam exame de cor-po de delito, mas a dona do teatro, Ruth Escobar, não consegue apresentar queixa ao Departamento de Ordem e Política Social (Dops) e à Delegacia Policial da região. Promessas são feitas, mas nada se investiga e os três elementos, detidos pelo próprio elenco durante a confusão, livram-se do flagrante e escapam im-punes. Incapaz de descrever seu agressor, mas de reconhecê-lo caso o encontrasse, como o fez, a atriz Marília Pêra declara que se trata “de uma fisionomia moça de cerca de 30 anos, mas um rosto terrivel-mente deformado pelo ódio”.

Em 1993, 25 anos depois, a própria Folha de São Paulo entrevista o advogado João Marcos Flaquer, que se proclama líder da ação do CCC e decide vir a público para desfazer o que considera "equívocos históricos". Entre as revela-ções de Flaquer, consta que se reuniram 110 homens – 70 civis e 40 militares – para o ataque que define como “ato patriótico” para cortar a via subversiva que o teatro estava seguindo. “O objetivo foi realizar uma ação de propaganda para chamar a atenção das autoridades sobre a iminência da luta armada, que visava à instauração de uma ditadura marxista no Brasil", explica o advogado, sem esconder o orgulho de ter participado da maior ação do CCC.

Impunidade e solidariedadePara Carlos Fico, os militantes do

CCC eram protegidos, mas provavel-mente não se pode apontá-los no papel de uma grande organização; deviam contar com membros espontâneos, que agiam praticamente de forma autôno-ma. “As ações atribuídas a eles visavam, em especial, estudantes e artistas. Talvez, tenha sido uma fachada para iniciativas discutíveis no Dops, uma espécie de braço para ações violentas. Há uma falta de elementos empíricos para fazermos tais afirmações, mas é perceptível que o CCC era algo subsidiário”, pondera o professor, destacando que a Lei de Anis-tia acaba por perdoar todas as barbáries do regime. “Esta legislação precisa ser revista e cabe à sociedade demandar e pressionar para tentar uma mudança. Acredito que, em breve, o Supremo Tribunal Federal (STF) será chamado a se pronunciar e dar uma interpretação para que esses crimes sejam punidos”, avalia Fico.

Um dia depois do atentado, com o teatro inteiramente destruído e sem aparelhos de som, Roda viva volta a ser encenada no mesmo palco das agressões. O show precisa continuar pela arte e para pagar os prejuízos de aproximadamente 50 mil cruzeiros no-vos. Com o empréstimo de refletores e o mutirão de costureiras para refazer os figurinos, a peça reestréia diante de um teatro absolutamente lotado.

Vindo às pressas do Rio de Janeiro, vestido num paletó de veludo, Chico Buarque abre o espetáculo, agrade-cendo ao público pela presença maciça. “Sozinhos, pouco podemos fazer e a própria polícia não se mexe. Vim para dar minha solidariedade aos artistas e

“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu, a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu... A gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar, mas eis que chega a roda viva e carrega o destino prá lá... Roda mundo, roda gigante. Roda moinho, roda pião. O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração... A gente vai contra a corrente, até não poder

Rodrigo Ricardo

Julho/Agosto 2008

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UFRJ5

1968

acho muito feio esse pessoal bater em mulher. Não sei se foi o CCC ou quem quer que seja. Mas acho que foi uma covardia muito grande”, declara o com-positor de Apesar de você (1970) e de outras composições contra a ditadura militar – à imprensa, ao lado da com-panhia paterna de Sérgio Buarque de Hollanda, escritor de Raízes do Brasil (1936).

Desta vez, sob a escolta de 14 poli-ciais federais, atores e atrizes puderam trabalhar normalmente. Ao final da peça, o elenco, que conhecera o horror na noite anterior, sorri e bate palmas à multidão, uma platéia que comparecera sem medo para assistir à montagem prejudicada pelo vandalismo.

O anticomunismo e a classe médiaRoda viva gira pelos palcos quando

a sociedade divide-se politicamente em aceitar o regime militar ou lutar contra ele. Classificada pelos críticos como uma insígnia do teatro agressivo, a montagem de José Celso espelha a posição desta expressão artística, assu-mindo o tom de confronto e atitudes frente àquele momento histórico. "Roda viva não é nem uma confissão nem uma denúncia. Pode ser uma crítica. Eu não quis destruir o mito da tevê, nem tenho forças para isso, apenas tentei criticar esta mistificação que fazem em torno dos valores da televisão e a ausência de valores reais”, define Chico Buarque acerca da própria criação. O autor, de certa forma, quis responder aos ataques de outros artistas que o acusam de com-por para uma alienada classe média.

“O anticomunismo está na base do Golpe de 1964”, enfatiza Fico, pontuan-do que há o temor de conquistas popu-

lares a serem implementadas pelo governo João Goulart (1961-1964). “O golpe é amplamente apoiado pela classe média, pois a população tinha medo de perder seus bens, mas a pro-paganda contra o fantasma vermelho é antiga, intensificada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945)”, pontua o professor.

Augusto Buonicore, mestre em Ciência Política pela Universidade de Campinas (Unicamp), entende que este raivoso sentimento sempre esteve presente na história, especial-mente após a Revolução Soviética de 1917. Fenômeno que muda de quali-dade após o início da chamada Guer-ra Fria. “Ao lado do anticomunismo que chamaria de legal, traduzido nos discursos dos liberal-conservadores (e do alto clero) e nos atos discri-cionários realizado no gover-no do marechal Dutra (1946-1951) existiu uma prática apegada a métodos ilegais, terroristas. O CCC se encaixa nesta categoria”, sublinha o historiador paulista. Buonicore aponta que grupos terroristas, como o CCC, são usados entre 1964 e 1968, no período chamado de "ditadura en-v e r g o n h a d a " , para amedrontar

a oposição. “Eles ainda estavam por trás da invasão e depredação da Facul-dade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Com o recrudesci-mento do regime no pós-1968 – e a implantação do terrorismo de Estado – os grupos paramilitares perderam a razão de ser. Apenas com a crise do regime, no final da década de 1970, eles reaparecem reforçados pelos ho-mens do porão amedrontados com as conseqüências da abertura política”, explica Buonicore.

Para Carlos Fico, o país precisa en-frentar o passado e reabrir todos seus arquivos, em particular os das centrais de informação dos antigos ministérios militares, tais como o Centro de Infor-mações do Exército (CIEx), o Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa). “É hora de en-carar esses casos, estes arquivos podem elucidar, principalmente, o caso do Araguaia. Quanto ao CCC, ele cai no esquecimento depois do AI-5 (dezem-bro de 1968) que oficializa a política repressiva de prisões e interrogatórios sob tortura.”

resistir, na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir. Faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há, mas eis que chega a roda viva e carrega a roseira prá lá... A roda da saia mulata não quer mais rodar não senhor, não posso fazer serenata, a roda de samba acabou... A gente toma a iniciativa, viola na rua a cantar, mas eis que chega a roda viva e carrega a viola prá lá...”.

Ataque do CCC ao elenco da peça Roda viva, de Chico Buarque, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, segue impune como outros crimes da ditadura militar.

Trechos da letra de “Roda viva”, composta por Chico Buarque de

Hollanda em 1967, e trilha sonora da peça tetral de mesmo nome.

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Jornal da

UFRJ6 Política

Coryntho Baldez

Na história, os vencedores participam de um cortejo triunfal, espezinhando

os corpos dos que estão prostrados no chão. O pensamento do filósofo Walter Benjamin encontra tradução exemplar no Brasil. São senhores de escravos, imperadores, princesas, políticos e generais os personagens dos feitos históricos. Em segundo plano, ou fora das narrativas livres-cas oficiais, está o povo.

Fernando Vieira, doutor em So-ciologia pela UFRJ, desencavou a

face de uma história em que pre-dominam outros heróis, os despos-suídos brasileiros, do escravo ao sem-terra. Ao lado de Rubim de Aquino, Gilberto Agostino e Hiran Roedel, escreveu uma obra de fôlego, em dois volumes de quase mil páginas: A sociedade brasileira, uma história através dos movimentos sociais (Re-cord, 2001). Ela mostra levantes populares, como a Revolta do Que-bra Quilos e a Cabanagem, cujas origens e peculiaridades são quase desconhecidas no Brasil.

Movimento e sociedadeA idéia central do livro foi romper

com a visão burocratizada e positivista da História, ligada a eventos factuais, explica Fernando Vieira, professor de História no Ensino Médio. Logo no início da pesquisa, os autores se depa-raram com um problema. As referências aos movimentos sociais, mesmo em al-guns livros, tinham um viés mais jor-nalístico. Cita como exemplo a Revolta Praieira, de 1848, normalmente apresen-tada como parte de uma insatisfação na província de Pernambuco, associada aos

efeitos da Confederação do Equador (rebelião no Nordeste que defen-dia a idéia separatista), de 1824. “Enfim, se procura sempre regionali-zar esse movimento. O nosso trabalho foi resgatar tais tipos de rebelião e ana-lisá-las a partir de documentação nova, de fontes primárias”, informa Vieira. Com essa catalogação, a tarefa passou a ser mostrar os movimentos não apenas como expressão de uma realidade social regional, mas revelar o modo como se inseriam na construção do Estado e do modelo de sociedade brasileira.

Livro que cataloga mo-vimentos sociais despre-

zados pela historiografia oficial pode servir de

referência para professo-res dos ensinos Médio e

Superior.

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UFRJJornal da

Política 7

O primeiro volume da obra inicia no domínio colonial português e termina em 1870. O segundo chega até o gover-no Fernando Henrique Cardoso. For-mam uma espécie de manual de História para os ensinos Médio e Superior e têm sido úteis até mesmo para quem não trabalha com História, mas precisa de referência. Fernando Vieira explica que, notadamente nos ensinos Fundamental e Médio, os livros didáticos fazem uma divisão política e cronológica da História brasileira: Colônia, Império e República. “A nossa lógica foi pensar a História em sua inserção no mercado internacional”, destaca o professor. No primeiro volu-me, por exemplo, está relatada a crise do escravismo colonial: “havia o esgota-mento do modelo porque o capitalismo em ascensão era incompatível com o escravismo. Ele precisava não apenas de consumidores, mas, principalmente, de uma volatilidade da mão-de-obra que lhe permitisse vender e trocar mão-de-obra assalariada”. Houve, também, a pressão inglesa pelo fim do tráfico. Quando ele acaba, esse modelo de economia fica em xeque. Portanto, não é uma crise apenas do escravismo – analisa – mas de um modelo econômico que surgiu no século XVI.

Vieira afirma que houve uma série de movimentos entre 1600 e 1789 centrados na contestação a aspectos do domínio português. Ao buscarem as raízes de um antigo ditado – “isso é do tempo do onça” – os autores do livro descobriram que “Onça” era o apelido dado a um truculento governador-geral do Rio de Janeiro, de nome Luís Vahia Mon-teiro. Ele assume a capitania do Rio em 1725 e eleva a taxação de impostos com a justificativa de reorganizar as defesas da cidade contra ataques inimigos. Quando a cidade é tomada por uma armada francesa (1732) e exige pagamento de resgate para não bombardeá-la, o governador “Onça” não opõe qualquer resistên-cia e foge do centro do Rio. Depois do seqüestro, instalou-se a rebelião. A população pagara por um imposto mais caro para melhorar o sistema de defesa e a cidade tinha sido capturada sem um único tiro. “Fica muito clara a incapacidade de Luís Vahia em admin-istrar e a Coroa portuguesa acaba por removê-lo do cargo”, afirma o professor.

Repressão sangrentaOs autores do livro também abordam

movimentos importantes no Nordeste, nos anos de 1832 e 1833, que batizam de Revoltas de Pernambuco: Abrilada, Setem-brizada, Dezembrada e os Cabanos. Esse último tem caráter popular, no interior do Estado, organizado pela população pobre, durante a regência. Este último movimento “tem um projeto de contra-marcha na História. Não estão lutando pela alforria da escravidão, mas pelo re-torno de D. Pedro I ao trono brasileiro”, lembra Vieira. O que considera mais

traumático, pela violenta repressão, é a Cabanagem, no Pará, esquecido pela historiografia e pela produção cultural nacional. “Já vimos programas e obras literárias acerca de Farrapos, como a minissérie A casa das sete mulheres (TV Globo, 2003), mas nada sobre a Cabana-gem”, critica Vieira, acrescentando que aquele foi um movimento que reuniu índios, mestiços e tinha um projeto de radicalização social.

Segundo Fernando Vieira, este movi-mento defendia o fim do trabalho com-pulsório do índio e a distribuição de terras livres para o povo. “Um movimento que discute a mão-de-obra indígena e que opera com a noção de distribuição de terras, ainda no século XIX, eviden-temente tinha um peso social enorme”, frisa o escritor. Os ca-banos reivindicavam terras não ocupadas em áreas ribeirinhas – perto de rios e igarapés – porque a localização facilitava a produção e o es-coamento para o centro comercial de Belém. De acordo com o pesquisador, um dos principais líderes da Cabana-gem, o cônego Batista Campos, era herdeiro da tradição da igreja radical – “basta lembrar-se de Frei Caneca”. A Cabanagem, compreendida entre 1835 e 1840, é um movimento emblemático. Denuncia o modo como a elite brasileira trata as massas populares e seus anseios,

A Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, é um exemplo pouco conhecido de rebelião popular urbana que se volta contra o recorrente autori-tarismo do Estado brasileiro. No início do século XX, as elites queriam transformar o Rio de Janeiro num paraíso da modernidade capitalista para atrair investidores estrangeiros, explica o professor Fernando Vieira. Era uma concepção parisiense, levada a cabo pelo prefeito Pereira Passos, cujo objetivo era construir um porto

moderno e uma área nobre no centro, onde ficariam localizados os grandes empreendimentos financeiros e

comerciais, associados à malha de lazer.Para isso, era preciso desalojar as camadas populares desses bairros. Com a

demolição dos cortiços, o governo obriga a população pobre a se deslocar para os morros e bairros periféricos. O trabalhador perde a moradia, está mais longe do emprego e passa a acordar mais cedo para trabalhar. A população, lembra Vieira, também estava se recuperando de uma política econômica – o encilha-mento – que destruiu empregos e afetou os pobres, quando o Estado a obrigou-os a tomar uma vacina em um contexto em que não havia nem a certeza de sua eficácia. Mesmo Rui Barbosa declarara que ninguém lhe inocularia vírus no sangue. ”Qual o problema? A vacina é imposta. Não se convence a sociedade de sua necessidade”, frisa Vieira. Com o apoio da polícia, brigadas de vacina-dores tinham autorização para violar casas e vacinar as pessoas.

Durante a revolta, bondes foram incendiados, lojas depredadas, postes de luz destruídos e diversos palacetes atacados. Foi uma revolta que surpreendeu o governo, motivou forte repressão e, mais uma vez, desnudou o traço autori-tário do Estado brasileiro legado pelo domínio colonial português.

Uma rebelião popular contra a vacina?

comenta Fernando Vieira. “A população paraense, em 1835, contava com cerca de 100 mil habitantes. Desses, 40 mil foram brutalmente assassinados pela repressão. A Coroa mandou tropas, oficiais de Marinha com barcos ingleses e contratou mercenários prussianos – temidos pela brutalidade com que tratavam os presos, inclusive mulheres e crianças. Foi uma guerra de extermínio”, destaca Vieira.

Messianismo popularDepois de 1870, se inicia uma fase

em que proliferam mo-vimentos urbanos que expressam insatisfações momentâneas contra uma determinada política. Um exemplo, segundo Fer-nando Vieira, é a Revolta do Quebra Quilos, que dura de 1874 a 1875, e se espalha pelo Nordeste: Paraíba, Pernambuco e norte de Alagoas. “O pano de fundo é o processo de marginalização do campe-sinato nordestino, agra-vado pela seca de 1870 a

1874. O Nordeste dependia ainda muito do açúcar e do algodão. O açúcar na região ainda era produzido pelo antigo engenho, era mascavo, impuro. Também o algodão era de menor qualidade, completando um cenário de seca, fome, baixos preços, concentração de terra e renda. A Coroa portuguesa decide, então, adotar o sistema métrico decimal francês em substituição ao da libra”, conta Vieira.

Para a população pobre, o processo de nova pesagem representava uma perda.

A mesma quantidade de dinheiro com-prava menos açúcar. “Isso gerou revoltas. A ação principal foi quebrar as balanças de pesagem”, destaca Fernando Vieira. Segundo ele, a Revolta do Quebra Quilos é um movimento que não tem fio condu-tor político. A população volta-se contra a pesagem, mas o fator principal de sua mi-séria era o contexto social e econômico que a marginalizava e ainda a obrigava a pagar mais caro pelo pão de cada dia.

Vieira também destaca um aspecto interessante dos movimentos camponeses do século XIX, como Canudos e o Con-testado: o seu forte componente religioso. A religião, segundo ele, é um instrumento de agregação comunitária, deixando passar a idéia de que um mundo melhor se faz com a adesão messiânica a Jesus Cris-to. Essa coloração religiosa de levantes camponeses perde força no século XX. “Isso muda, nos anos 1940 e 1950, a partir principalmente do crescimento do Partido Comunista Brasileiro (PCB), da sua maior organização, tanto no plano eleitoral como na sua diretriz de atuar no campo”, observa. Nessa fase, o movimento político-cam-ponês mais expressivo é o de Trombas e Formoso (em Goiás). É uma revolta, entre 1950 e 1960, que já nasce com uma novi-dade – frisa Vieira – porque, além de não ser messiânico, postula a reforma agrária. “Nele, não se questiona somente a miséria, mas o modelo de concentração de terras que gera a exclusão e, portanto, a opressão sobre os camponeses”, assinala o profes-sor. As tropas do Exército foram usadas para conter o movimento e perseguir as lideranças.

Surge o MSTJá nas décadas de 1980 e 1990, o Mo-

vimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) aparece, de modo incontes-tável, como um dos mais expressivos, e tem a grande vantagem, ressalva Vieira, de ser um somatório de experiências. Uma de suas referências são as Ligas Camponesas, que já compreendiam que a luta no campo não pode estar dissociada da luta na ci-dade. “Quando lideranças das Ligas vão a Recife e pedem ajuda no campo jurídico a um jovem advogado, Francisco Julião, fazem a ponte entre cidade e campo. O MST compreende isso, ou seja, que não pode isolar-se e deve estar próx-imo dos trabalhadores e das camadas médias urbanas”, informa Fernando Vieira. Ao mesmo tempo, o MST aprende com as Ligas que o próprio aparato estatal, em alguns momentos, cria pequenas brechas para a atuação dos movimentos sociais. “As áreas ocupadas pelo MST são aquelas passíveis de reforma agrária. O objetivo é forçar o governo a avançar nesse processo”, afirma o professor.

Hoje, Fernando Vieira considera o MST como o movimento social de maior capacidade e dinamismo – mes-mo em comparação com outras for-mas de organização, como sindicatos e partidos – para lutar contra o atual modelo de sociedade excludente.

“...tem um projeto de contramarcha na História. Não

estão lutando pela alforria da escravidão, mas pelo retorno de D. Pedro I ao

trono brasileiro.”

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Novos horizontes

Jornal da

UFRJ8 Graduação

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Nos últimos meses a UFRJ trabalhou in-tensamente para a

criação e implementação de novos cursos de graduação. Os trâmites são muitos e vão desde a elabo-ração do projeto pedagógico até a efetiva aprovação pelo Conselho Universitário (Consuni). A medida surge como uma possibilidade de aumento no número de vagas oferecidas pela universidade. Para o Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação 2009 (Vestibular) serão ofertadas 7.682 vagas, cerca de 800 vagas a mais do que o ano anterior.

Mais do que a ampliação de vagas, os novos cursos significam, também, aos futuros estudantes, outras possibilidades de perfis profissionais adequados às novas demandas da contemporaneidade. A criação dos cursos de bacha-relado em Ciências Matemáticas e da Terra, em Saúde Coletiva e em História da Arte reflete parte deste requisito.

Belkis Valdman, pró-reitora de Graduação (PR-1) da UFRJ, destaca a importância da criação dos novos cursos, sobretudo pelo pioneirismo de alguns deles. “O curso de Saúde Coletiva da UFRJ é o primeiro do Bra-sil”, enfatiza a professora. No entanto, a instituição também criou cursos tradicionais, porém que não existiam em seus quadros, como Comunicação Visual Design, Terapia Ocupacional e Relações Internacionais, além da licenciatura em Ciências Sociais.

Relações Internacionais, Terapia Ocupacional, Saúde Coletiva, Bacharelado em Ciências Matemáticas e da Terra, História da Arte e

Comunicação Visual-Design são os cursos criados recentemente pela UFRJ. Mais do que novos,

são também a oportunidade do estabelecimento de outro perfil na formação profissional.

Acerca do curso de Terapia Ocupacional, a Belkis Valdman afirma, ainda, que ele não é ofe-recido em nenhuma universidade

pública do Rio de Janeiro, sendo encontrado apenas em universi-dades privadas.

Outras duas importantes mudanças foram a entra-da única para os cursos de licenciatura e bacharela-do em Filosofia – no qual a escolha entre bacharelado e licenciatura será feita após a conclusão do terceiro período – e a entrada para a sub-opção Bási-co em Engenharia. Nesse caso, os estudantes cursarão quatro perío-dos com disciplinas comuns a to-dos os cursos da Escola Politécnica (Poli). Após a conclusão destes períodos, os estudantes passarão por uma avaliação de coeficiente de rendimento das disciplinas cursadas para a escolha de um dos 12 cursos tradicionais oferecidos pela Poli.

Belkis destaca que a iniciativa da UFRJ, além de atender às novas demandas da sociedade, amplia o acesso com o aumento do número de vagas: “a UFRJ, além de cami-nhar em direção a novas forma-

ções profissionais, está inser-indo um quantitativo maior

de estudantes na universi-dade.”

Foram abertas tam-bém novas turmas do curso de Ciências Bio-lógicas, modalidade

Biofísica, em Xerém, e Enfermagem e Obstetrí-

cia, Medicina e Nutrição, em Macaé. Outra boa notícia é

O objetivo é formar um profissional

capaz de trabalhar tanto na esfera privada quanto na pública, executando atividades relacionadas ao aconselhamento, análise e execução de tarefas referentes às Relações Internacionias.

O profissional desta área pode atuar no governo, (ministérios, secretarias etc), organizações inter-governamentais, empresas transnacionais, comércio exterior, consultoria, organismo humanitários e ainda nas área de educação, pesquisa, cultura, mídia e turismo.

O curso de gradua-ção em

História da Arte abordará, princi-palmente, o estudo das artes brasileiras, tanto tradicionais – pintura, gravura, escultura – como a arte popular. O bacharel em História da Arte poderá trabalhar, entre outras ativi-dades, com o assesso-ramento à entidades públicas e privadas nos setores culturais, artísticos e turísticos.

a ampliação de vagas de diferentes cursos dos campi Fundão, Praia Vermelha e Macaé. Entre os con-templados estão os cursos de Co-municação Social, Licenciatura em Ciências Biológicas (campi

Vanessa Sol

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Bacharelado em Ciências Matemáticas e da Terra

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UFRJ9Graduação

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O curso de Terapia Ocupacional está voltado para a formação profissional que lida com a Ciência da Ocupação Humana, entendendo que o homem apresenta, para o equilíbrio de sua vida, autonomia e satisfação em esferas de sua ocupação e desempenhos: trabalho, atividade de auto-cuidados, lazer e

expressão sexual.O profissional formado por esse curso será capaz de realizar a reorganização dos ciclos das ocupações,

tornado a vida do paciente mais intensa; a reabilitação do movimento e das funções cognitivas e percepções perdidas, com o uso de atividades (jogos, arte, artesanatos etc); a indicação e a confecção de órteses e próteses, bem como adaptações na arquitetura do domicílio e do trabalho, tais como programas de computadores e

teclados especiais para a facilitação das atividades diárias.O profissional de Terapia Ocupacional atua, ainda, na área de Saúde Mental, em oficinas artísticas, ajudando

pessoas com sofrimento psíquico e em instituições penais, com trabalhos socializantes e profissionalizantes.

A proposta do bacharelado interdisciplinar é permitir, inicialmente, a formação ampla do estudante na área das Ciências Matemáticas. Após isso, o aluno escolhe o seu caminho de formação profissional. Estão previstas três ênfases após a conclusão curso. A primeira é Analista de Suporte a Decisão, que visa formar profissionais capazes de agrupar e interpretar dados, anali-

sar e indicar o curso das ações a serem tomadas na empresa. Esse profissional atuará como intermediário entre o profissional de Tecnolo-gia de Informação e o tomador de decisão (ou gestor da empresa).

A segunda formação é em Ciências da Terra e Patrimônio Natural, na qual o profissional será capaz de analisar a complexidade dos agentes e dos processos naturais e sua importância social, econômica e ambiental.

A terceira é o Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento, que visa formar profissionais capazes de compreender e manipular um dos principais conjuntos tecnológicos atuais, oferecendo conheci-mentos e técnicas para determinar características físicas e biológicas de objetos (alvos) através de medidas realizadas sem contato físico (a distância) além de competências em mapeamento e análise espacial através de sistemas de informação geográfica.

Além de optar pelas habilitações específicas descritas acima, o candidato poderá, a partir do 4º período, de acordo com as regras estabelecidas, transferir-se para um dos cursos tradicionais do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN): Matemática (bacharelado e licenciatura), Estatística, Ciências Atuariais, Ciência da Computação, Física, Física Modalidade Médica ou Licenciatura em Física, Geologia, Astronomia, Geografia ou Meteorologia.

O curso almeja formar profissionais

capazes de analisar as condições de saúde da população e formular estratégias de ação nas diversas áreas da Saúde Coletiva. Com dura-ção de oito períodos, o curso é composto por disciplinas relacionadas à produção, ao ambiente e saúde e à vigilância da saúde.

O curso pre-tende inserir os futuros

estudantes no campo do projeto da imagem e da criação imagética. Está centrado na atualização aos novos paradigmas da arte e da tecnologia. O campo de atuação dos futuros profis-sionais inclui o Design Grá-fico, Webdesign e Multimí-dia, Ilustração Seqüencial e Narrativa, entre outros.

Terapia Ocupacional

do Fundão e de Macaé), Ciências Biológicas, modalidade Médica, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nu-trição, Engenharia Química, En-genharia, Química Industrial, Artes Cênicas-Indumentária, Composição de Interior, Bibliote-conomia e Gestão de Unidades de Informação, Dança e Bacharelado em Música.

O aumento de vagas faz parte das ações do Plano de Reestrutu-ração e Expansão (PRE) da UFRJ.

InovaçãoOutra novidade é o fato de alguns

cursos terem mais de uma unidade como responsável. Com a nova resolução do Consuni, alguns deles entram em uma nova lógica que permite a participação de mais de um centro na gestão de um curso. Na verdade, será realizado um sistema de co-participação entre as unidades que oferecem o curso, sendo o mesmo dirigido por um colegiado de representantes des-tas unidades.

Como destaques estão os cur-sos de Relações Internacionais, oferecido pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), pelo Centro de Ciências Jurídicas e

Econômicas (CCJE) e pelo Centro de Letras e Artes (CLA); o bacha-relado em Ciências Matemáticas e da Terra, contará com a participa-ção de cinco unidades diferentes.

No entanto, a pró-reitora enfa-tiza que o processo de elaboração

e aprovação dos cursos é lon-go, “não ocorre de uma hora para outra. As unidades, os departamentos pas-sam meses, ou até anos, discutindo o projeto, as disciplinas, as ementas das disciplinas, entre out-ras questões”, afirma Bel-kis. A aprovação de um curso depende de diferentes instâncias da universidade. São elas o corpo deliberativo do departamento, a congregação da unidade, o con-selho de Centro, a Pró-reitoria de Ensino, a Câmara de Currículos do Conselho de Ensino de Graduação (CEG), assim como a sua plenária e, por último, o Consuni (no caso de curso inédito).

Futuro e avaliaçãoPara o vestibular de 2010,

estão previstos outros novos cur-sos como Gastronomia, Gestão Pública, História da Dança, Licen-ciatura em Dança, Nanotecnologia e Biotecnologia.

De acordo com Belkis, uma forma oportuna de avaliar os novos cursos e os que virão é a instituição de um sistema de avaliação no qual o discente poderá opinar acerca de seu curso de graduação.

Uma forma semelhante de avaliação existiu no passado, porém deixou de ser utilizada por questões operacionais. A discussão da retomada da avaliação será levada, até o mês de agosto, ao CEG.

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10UFRJJornal da

Universidade

Um raio-x da UFRJ

O estudo “Informação: de onde vem?”, feito pelo

Laboratório de Diagnóstico em Opinião (LaDO), mostra

como a UFRJ pode utilizar a ferramenta da pesquisa de opinião para orientar

suas ações acadêmicas e institucionais.

Coryntho Baldez

Há quem diga que conhecer a si mes-mo, a velha recomendação grega, favorece a formação autônoma

da identidade. Transposta do plano pessoal para o coletivo, a técnica do autoconheci-mento ingressou na modernidade com for-ça total, por meio das pesquisas de opinião. Para instituições do porte da UFRJ, com população de quase 40 mil pessoas de rara interação e com estrutura de notória frag-mentação, saber mais sobre si própria é uma espécie de descoberta fascinante.

Ainda pouco conhecida, a pesquisa Informação: de onde vem?, concluída em abril de 2007 pelo Laboratório de Diag-nóstico em Opinião (LaDO), do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ, fez uma radiografia completa dos canais de in-formação da comunidade acadêmica, das suas áreas de interesse cultural e do perfil sócio-econômico de alunos (de graduação e pós-graduação), professores e técnicos-administrativos. No total, foram entrevista-

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Um raio-x da UFRJ

Coryntho Baldez

Jornal da

UFRJ11Universidade

Proedesdos 3.712 pessoas, com margem de erro de apenas 1,61%.

A pesquisa indica, por exemplo, entre as opções de fontes internas de informação, uma preferência de 60% para o Portal da UFRJ, seguida de conversa com pessoas (59,92%) e do Jornal da UFRJ (21,76%). Mudança de paradigma tecnológico? Talvez, mas o fato é que, na pergunta acerca de livro impresso, 76% dos entrevis-tados dizem que ele não pode ser preterido pelo uso da Internet. No entanto, a maioria (42%) lê um livro por mês. Por se tratar de uma insti-tuição acadêmica, a média foi con-siderada baixa pela coordenadora e pesquisadora do LaDO, Virgínia Affalo, professora do Instituto de Matemática (IM/UFRJ). Ela adverte, porém, que não se pode concluir que a mídia virtual é a principal respon-sável pela redução do hábito de leitu-ra. A esmagadora maioria (70,65%) alega falta de tempo para não ler mais, seguidas pelo alto preço do livro (27,93%) e pela falta de vontade (13,62%).

De fato, um dos objetivos da pes-quisa, segundo Tereza Benezath, ou-tra pesquisadora do LaDO e também professora do IM-UFRJ, era inves-tigar como a revolução tecnológica nos meios de comunicação fez com que as pessoas adquirissem novos hábitos. “Percebemos que a busca de informações via Internet está ga-nhando espaço, mas consideramos também que o jornal impresso con-tinua sendo lido de maneira satisfa-tória”, afirma Tereza.

Na pergunta específica sobre o assunto, a maioria dos entrevistados, 30,3%, diz que lê jornais ou revistas diariamente. Contudo, em relação aos meios de comunicação mais usados para informação, o campeão de audiência é o jornal televisivo, com 71,29%, seguido pela Inter-net (66,44%) e pelo jornal impresso (51,51%). E quanto à credibilidade da grande mídia? Como em todo o lugar, parece que vem crescendo o espírito crítico face à natureza da informação produzida pelos veículos tradicionais. Entre os entrevistados, 84,96% declararam parcialmente confiáveis as informações veiculadas pela televisão e 89,79% as veiculadas pela imprensa escrita.

Tempo de serviçoA pesquisa apontou, também,

que 73,3% dos professores têm até 20 anos de serviço e somente 10,0% têm menos de 5 anos. Pode-se con-cluir que a carreira acadêmica per-deu seus atrativos? Para Tereza Benezath, a situação expressaria mais a política governamental de determi-nado período, que teria congelado a expansão do ensino público superior. “A falta de contratação levou a que a

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Solicitações EspontâneasUFRJ

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Fonte de Informação para Notícias da UFRJ

1 - Site da Universidade2 - Conversa com Pessoas3 - Jornal da UFRJ4 - Jornal do SINTUFRJ5 - Jornal da ADUFRJ6 - Jornal do Centro Acadêmico

idade de trabalho ficasse um pouco mais avançada. Hoje, com algumas aposentadorias e os concursos rea-lizados, com certeza essa relação já mudou”. No período da coleta de da-

qualidade da educação básica “caso contrário, o quadro atual não vai se alterar”.

Embora os alunos provenham, predominantemente, de escolas particulares, seria apressado con-cluir que pertençam às classes mais abastadas. Em relação ao local de moradia, por exemplo, 35% dos alu-nos de graduação moram na Zona Norte, 22% na Zona Sul e 18% na Zona Oeste. A maioria da população acadêmica (32,8%) também reside na Zona Norte, vindo em segundo lugar a Zona Sul (24,4%) e em terceiro a Zona Oeste (15,7%). Segundo Tereza Benezath, uma das explicações para esse resultado é que há alunos de escolas particulares que optam por faculdades particulares por motivos ligados à distância e à segurança. Por outro lado, há famílias de classe média que acreditam que o diploma de uma universidade pública ainda pode fazer diferença no mercado de trabalho e investem na educação dos filhos, matriculando-os em “boas escolas particulares que existem tanto na Zona Norte como na Zona Oeste” – registra Virgínia Affalo.

O mito de que os estudantes que ingressam na UFRJ fazem parte de uma elite econômica cai por terra, em definitivo, com a informação de que 37% dos alunos de graduação possuem renda familiar de até R$ 2.500,00. Desse total, 16,4% decla-raram se situar na faixa que vai de R$ 500,00 a R$ 1.499,00. No seg-mento de renda familiar imediata-mente superior (entre R$2.500 e R$ 5.000,00), o percentual foi de 30%. “A nossa pesquisa mostrou que a re-alidade não é bem aquela que as pes-soas têm na cabeça”, observa Virgínia Affalo.

Retratando o espírito segrega-cionista ainda não superado na ins-tituição, o levantamento também mostrou que parte expressiva da comunidade acadêmica desconhece valiosos patrimônios culturais da UFRJ. Chamou a atenção das pes-quisadoras o fato de que mais de 50% dos alunos de graduação e 40% dos de pós-graduação nunca ouviram falar do Observatório do Valongo (OV). “Eu achava que o Observatório, notí-cia até em mídias tradicionais, era bastante conhecido”, surpreende-se Virgínia.

Mas o Colégio Brasileiro de Altos Estudos, ligado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC), foi o que alcan-çou o maior percentual da opção “nunca ouvi falar”, com 64,57%, em seguida está a Capela do Palácio Universitário, com 46,85%, e o Museu D. João VI, da Escola de Belas Artes (EBA), com 45,48%. “A UFRJ é grande, atua em muitas frentes, e as pessoas conhecem mais o lugar que freqüentam, mas deveria haver uma

Em %, Já Conheço Já Ouvi Falar Nunca Ouvi Falar

Patrimônio Cultural da UFRJ

1 2 3 4 5 6 71 - Biblioteca Pedro Calmon2 - Capela do Palácio Universitário3 - Casa da Ciência4 - Colégio Brasileiro de Altos Estudos5 - Museu D. João VI6 - Museu Nacional7 - Observatório do Valongo

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dos, em 2006, a UFRJ contava com 2.944 professores. Atualmente, esse número aumentou para 3.280.

Outro dado levantado pela pes-quisa é que 62% dos estudantes de

graduação são oriundos de escolas particulares e 27% de escolas públi-cas. São números que não surpreen-dem segundo Virgínia Affalo: “sa-bemos que boa parte dos alunos de

universidades públicas é originária de escolas particulares dos ensinos Fundamental e Médio”. Para ela, an-tes de qualquer mudança dos mo-delos de acesso, é vital melhorar a

Vanesa Mattos

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UFRJJornal da

12 Universidade

Criado em 2005, o Laboratório de Diagnóstico em Opinião (LaDO) já está fazendo a décima-segunda pesquisa. Vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC), ele surgiu para atender uma necessidade de conhecer melhor a realidade da UFRJ e as demandas da comunidade acadêmica, por meio de pesquisas de opinião seguras e criteriosas, coordenadas por profissionais do ramo. Os estudos já começam a auxiliar a Administração Central e os diversos ge-stores da instituição a tomarem decisões mais afinadas com o desejo da coletividade acadêmica. O estudo Bandejão: direito ou necessidade, por exemplo, feito com os estudantes de graduação dos campi da Ilha do Fundão e da Praia Vermelha, “deixou clara a insatisfação dos estudantes com a questão da alimentação”, lembra Tereza Benezath, acres-centando que ele serviu para que a Administração Central desse prioridade à obra do Restaurante Universitário, que está em curso.

Já a pesquisa Informação: de onde vem?, distribuída aos diretores, decanos e Reitoria – e à disposição de quem queira conhecê-la – não fornece, de imediato, dados para orientar medidas gerenciais de curto prazo, avalia Virgínia Afflalo. “No entanto, esse estudo tem um material que pode orientar melhorias em toda a UFRJ. Pode-se, por exem-plo, fazer cruzamentos em relação aos deslocamentos da população acadêmica que indicariam as maiores carências relativas ao transporte” explica a professora.

Alguns setores da UFRJ já descobriram o trabalho do LaDO. A nova direção da Escola de Música, por exemplo, encomendou, em 2007, um estudo acerca do perfil dos estudantes. Também foi feita uma pesquisa para a Decania do Centro de Tecnologia (CT) sobre o estacionamento localizado que vai do Bloco A ao H.

Para os interessados em conhecer os estudos do LaDO ou encomendar alguma pesquisa, o telefone do laboratório é 2295-1595.

Cresce número de estudos do LaDO

70,65%

27,93%

13,62%

2,3%

2800

2400

2000

1600

1200

800

400

0

Núm

ero

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s

Falta de Tempo Preço do Livro Falta de Vontade Acesso ao Livro

O que impede de ler mais?interação maior nos campi”, afirma Tereza. Os três patrimônios cul-turais mais conhecidos são o Museu Nacional (47,12%), a Casa da Ciên-cia (28,38%) e a Biblioteca Pedro Calmon (do FCC) (24,52%).

Virgínia Affalo relata que, no dia-a-dia, também se depara com o pro-blema da fragmentação institucional e acadêmica – detectado na pesquisa no item acerca do conhecimento do patrimônio universitário. “Muitos estudantes não têm idéia do que seja uma decania. Também misturam centros com unidades. Na verdade, não conhecem a Universidade. Em nossas primeiras reuniões com os estagiários do LaDO, sempre procuramos explicar como funcio-na a instituição”, conta a professora. Affalo também ouviu entrevistados comentarem que, ao responderem ao questionário de 30 questões, aprenderam bastante a respeito da UFRJ.

O acesso à universidadeEm relação aos modelos de

acesso à UFRJ, o vestibular, com um percentual de 49%, ainda é o preferido pela maioria. A opção “avaliação ao longo do Ensino Mé-dio”, com 39%, vem em segundo lu-gar e o Enem, com 7%, em terceiro. “Em geral, as pessoas reconhecem que o vestibular ainda é o melhor caminho. Fazer uma avaliação durante o Ensino Médio é muito difícil”, destaca Tereza Benezath. À exceção dos técnico-administra-tivos – 40% preferem a “avaliação ao longo do Ensino Médio”, contra 37% para o vestibular –, as outras três categorias (professores, alu-nos de graduação e alunos de pós-graduação) indicaram o tradicional exame de seleção como a melhor forma de acesso à universidade. Na análise de Virgínia Affalo, uma das razões é que, apesar das críticas ao modelo, as pessoas já sabem como ele funciona. “Em relação à outra opção, muitos se perguntam sobre quem fará e como será a avaliação de alunos do Ensino Médio”, com-pleta a pesquisadora.

As cotas nas universidades públicas também entraram na pes-quisa. A maioria, 60%, respondeu à opção “não devem existir”, tendên-cia que se manteve com maiores porcentagens tanto por categoria quanto por órgão. Porém, quem defende a reserva de vagas, pôs em primeiro lugar, com 17%, o crité-rio de alunos oriundos de escolas públicas estaduais. As cotas étnicas ficaram com 4% e o percentual dos que não têm opinião formada che-gou a 9%.

Na parte de questões abertas, cujas respostas exigiram exaustivo trabalho de classificação, a pes-

quisa mostrou que existem quatro solicitações mais freqüentes. Em primeiro lugar, ficou “Infra-estrutu-ra” – de prédios e instalações – com 34,5%; a “Segurança”, com 31,5%, ficou em segundo; o “Ensino” vem depois, com 14,6% (desse total, tiveram maior peso a Infra-estru-tura acadêmica, com 48%, e Forma-ção, com 36%); e, por fim, “Comida” e “Moradia” (bandejão, principal-mente) com 14,3% das menções.

Ao identificar lacunas e necessi-dades da UFRJ e produzir vasto mate-rial informativo – completa Virgínia Affalo – a pesquisa Informação: de onde vem? pode orientar, com mais precisão, o planejamento estratégico institucional e acadêmico da UFRJ.

Jorge Barroso

“O estudo tem um material que pode orientar melhorias em toda a UFRJ”, afirma Virgínia Affalo.

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Jornal da

UFRJ13Entrevista

Entr

evis

ta

Jorge Barroso

“Cheguei aos 80 anos um pouco cético com

o Brasil.” Por mais paradoxal que pareça, a con-

fidência de Jorge Alberto Barroso, professor do

Instituto de Matemática (IM) da UFRJ, quase

ao final da entrevista, não foi feita em tom de

desalento. Do contrário, como explicar a altivez e

o vigor com que ainda sustenta as suas idéias? Ou

a lucidez com que prega a urgência de conceder

à educação prioridade absoluta entre as políticas

governamentais? O que transborda de suas con-

vicções, no fundo, é uma intensa esperança em

dias melhores para o país.

Em sua prática acadêmica do dia-a-dia, ape-

sar da idade, Jorge Barroso – recentemente

homenageado pelo IM-UFRJ – também não dá

qualquer sinal de resignação. Para realizar estudos

e manter o contato com os colegas de trabalho –

já que deixou de dar aulas há dois anos – freqüen-

ta duas vezes por semana a sua sala no Instituto

de Matemática, órgão que ajudou a fundar, em

1964, quando da transformação da antiga Univer-

sidade do Brasil na Universidade Federal do Rio

de Janeiro.

Pode-se dizer que Jorge Barroso testemunhou

e participou da história do desenvolvimento

da Matemática no Rio de Janeiro, na segunda

metade do século XX. Foi professor e fundador,

em 1953, da Escola Nacional de Ciências Estatís-

ticas (ENCE), criada pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE). A partir de 1962, foi

contratado como professor-assistente da Escola

Nacional de Engenharia, onde se graduou em

Engenharia. “Fui um dos primeiros professores a

dar aulas no Bloco A do Centro de Tecnologia,

quando nem havia ainda os outros blocos”, relem-

bra. Doutorou-se em Matemática pelo Instituto

Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa)

do atual Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)

e, no início da década de 1970, ajudou a orga-

nizar o mestrado e o doutorado do IM-UFRJ.

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Jornal da

UFRJ14 Entrevista

Educação para redimir

Percebe-se que a Matemática, a que chama de rainha das ciências, fascina Jorge Barroso – “só ensina bem, quem gosta”. Mas ele demonstra grande preocupação com a má qualidade da formação dos professores dos ensinos Médio e Fundamental. Com os baixos salários do Estado, considera difícil atrair os jovens mais talentosos para graduarem-se em Matemática e dar aulas em escolas públicas. Critica, ainda, o recente anúncio pelo governo federal do piso de R$ 950,00 para professores do Ensino Fundamental, festejado como “um grande gesto, mas ainda baixo”. No final da entrevista, mais do que esperança, fica a certeza cartesiana de Jorge Barroso de que o investimento em educação pode, sim, mudar o Brasil.

o Brasil

Jornal da UFRJ: A sua paixão pela Matemática vem de família ou é vocação?

Jorge Barroso: Desde cedo, gostava muito de estudar Matemática. Tive um curso primário excelente, as professoras sabiam ensinar Matemática, o que talvez não aconteça com muita freqüência atu-almente. Estudei na escola pública mu-nicipal Barbara Ottoni, na rua Senador Furtado, na Tijuca. Um dos meus avôs também gostava de me fazer perguntas sobre operações numéricas em geral. Ficava extremamente feliz com esses de-safios, que começaram quando eu tinha seis anos.

Jornal da UFRJ: Como foram seus estu-dos na infância e juventude, antes de en-trar para a faculdade?

Jorge Barroso: O ensino secundário fiz no Colégio Pedro II. Era uma esco-la muito boa, mas nos dois primeiros

anos, infelizmente, não tive um bom professor de Matemática. Isso me prejudicou bastante, me forçando a recuperar mais tarde o que deixou de ser ensinado no início do curso. Isso foi em 1939. Depois, fui aluno de um professor de Matemática muito bom e influente, chamado Euclides Roxo (diretor do Pedro II, de 1925 a 1935, e mentor da reforma do ensino de Matemática, em 1931). Ele foi meu professor durante quatro anos segui-dos, até eu completar o curso.

Jornal da UFRJ: E desde aquela época o senhor já sabia que o seu caminho seria a Matemática?

Jorge Barroso: Naquele tempo, o curso de Matemática da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Uni-versidade do Brasil (atual UFRJ) não era muito conhecido. Minha família era de classe média baixa e somente

sabíamos da existência dos cursos de Engenharia, de Medicina e de Dire-ito. Como gostava de Matemática, fui fazer Engenharia, uma área mais afim com o que eu buscava. E acabei ingressando na Escola Nacional de Engenharia, em 1947.

Jornal da UFRJ: E como o senhor li-dava com esse conflito de querer apro-fundar seus estudos em Matemática e cursar Engenharia?

Jorge Barroso: Na realidade, logo descobri que não queria fazer Enge-nharia. Isto porque a Matemática, na Escola Nacional, era ensinada ape-nas nos dois primeiros anos, em um curso de Cálculo. Depois, não havia mais nada de Matemática. Não gostei de ficar na Escola, mas resolvi ter-minar o curso por causa da família. Porém, assim que entrei no Ensino Superior, descobri a existência de cur-

sos de bacharelado e licenciatura em Matemática, como o da FNFi. Mas como era proibido fazer dois cursos públicos ao mesmo tempo, ingressei em uma faculdade particular, que não quero citar o nome. Foi um cur-so muito ruim e praticamente nada aprendi.

Jornal da UFRJ: E depois de se formar em Engenharia, o senhor continuou buscando aprimorar seus estudos matemáticos?

Jorge Barroso: Em 1951, soube da existência de um curso de Álge-bra Moderna (como era chamada, naquele tempo) no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), que se-ria ministrado pelo professor Leo-poldo Nachbin. Ele foi o matemático mais importante que o Brasil já teve. Eram cursos semestrais, de formação de pesquisadores e docentes, sempre

Coryntho Baldez

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Jornal da

UFRJEntrevista 15

dados pelo professor Nachbin, mas que não conferiam diploma nen-hum. Não havia ainda mestrado e nem doutorado estabelecidos, que somente vieram mais tarde.

Jornal da UFRJ: Nessa época, no iní-cio de sua carreira, como o senhor avaliava o papel do Ensino Superior em um país como o Brasil, que esta-va em processo de crescimento popu-lacional e de expan-são econômica?

Jorge Barroso: Considero a univer-sidade fundamental. Ela ensina as pes-soas a desempen-harem funções so-ciais importantes. Nos anos 1950, o Brasil passava por um grande desen-volvimento indus-trial. Éramos um país extremamente agrícola e entra-mos na fase da indústria, que pre-cisava de técnicos muito bem forma-dos. Houve, en-tão, a necessidade de bons cursos. Foi criado o Con-selho Nacional de Pesquisas (CNPq, atual Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico), em 1951, para organizar o que seria a pesquisa científica no país. Ele teve papel muito importante. E a criação do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), em 1952, foi fundamental para o desenvolvimento da Matemática no Brasil. Não apenas na melhoria dos cursos de graduação, mas também na criação da pós-gra-duação em Matemática, com cursos de mestrado e doutorado organizados através de convênio com a UFRJ (que concedia oficialmente os títulos de mestre e doutor).

Jornal da UFRJ: Foi um pouco mais tarde, na ditadura militar, que se con-solidou a pós-graduação. O senhor acha que a ideologia da Segurança Nacional e do Brasil potência, defen-dida na época pelos militares, estava por trás da defesa do desenvolvimento tecnológico nacional?

Jorge Barroso: É difícil dizer, mas eles acreditavam realmente no desen-volvimento tecnológico. A palavra tecnologia era uma palavra de circu-

lação mundial. E alguns fatos, como a invenção da bomba atômica, chama-ram a atenção de todos. Havia a ne-cessidade de formação de técnicos altamente especializados. Daí a cria-ção de muitas universidades federais,

que eram destina-das a fomentar não somente o ensino, mas também a pes-quisa. Foi um passo importante para o desenvolvimento científico e cultural do país a criação dessas universi-dades federais. Mas não me parece que os militares tenham se imiscuído na for-mação dos quadros universitários.

Jornal da UFRJ: Como começou a sua experiência de docente no Ensino Superior?

Jorge Barroso: Eu fui fundador, em 1953, da Escola Na-cional de Ciências Estatísticas (Ence), criada pelo IBGE. E fui indicado para ser responsável por uma disciplina chamada Teoria da Medida. Os seus professores tinham alto conhecimento técnico de Estatís-

tica, Atuária e Matemática. Lecionei lá de 1954 a 1970. Em 1962, também fui nomeado professor assistente da Escola Nacional de Engenharia. Fui um dos primeiros professores a dar aulas no Bloco A do Centro de Tecno-logia. Ainda não havia os outros blo-cos naquele ano, já que a Cidade Uni-versitária ainda estava em construção e o acesso era difícil. A universidade inclusive mantinha um ônibus na Praça das Nações, em Bonsucesso, para trazer alunos e professores para o Fundão. Dei aula na Escola de En-genharia até 1966 e fui, então, fazer doutorado no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, com o professor Leopoldo Nachbin, me doutorando em 1970.

Jornal da UFRJ: E o Instituto de Matemática, quando foi criado?

Jorge Barroso: Foi em 1964. Não havia Instituto de Matemática na Uni-versidade até então. A FNFi, a Escola de Engenharia, a Escola de Química, todas tinham os seus departamentos de Matemática, cada um isolado dos outros. Somente com a criação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, também naquele ano, é que esses de-partamentos foram unificados no In-stituto de Matemática.

Jornal da UFRJ: Como o senhor se sente tendo colaborado para a funda-ção e o fortalecimento de um instituto de excelência acadêmica, tal como é hoje reconhecido o de Matemática da UFRJ?

Jorge Barroso: O desenvolvimento real do IM começou quando Leo-poldo Nachbin, que era professor da Escola Nacional de Engenharia, teve que deixar o Impa por motivos políti-cos, em 1971. Ele estava cedido ao Impa e retornou para a UFRJ nesse ano. A partir daí, sob a sua lideran-ça, o IM passou a desenvolver a pós-graduação, que não existia. Nesse iní-cio, a sua estruturação teve o apoio da Coppe, atual Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesqui-sa de Engenharia.

Jornal da UFRJ: E como foi sua parti-cipação na criação da pós-graduação?

Jorge Barroso: Em 1970, quando me doutorei no Impa, a Coppe criou um curso chamado Engenharia Matemáti-ca. Eu fui chamado para trabalhar

nesse curso que era dirigido pelo professor Guilherme de La Penha. O professor Alberto Luiz Coimbra era o diretor da Coppe na época e conse-guiu criar esse curso. Eu fui o primei-ro professor, além do Guilherme, a ser contratado para dar aulas no cur-so. Mas, depois, viu-se que o melhor seria que a pós-graduação ficasse no Instituto de Matemática. Foi criado, então, o mestrado e o doutorado no Instituto de Matemática, devido, fun-damentalmente, à vinda do Nachbin e de vários de seus alunos que deixaram o Impa junto com ele. Houve, então, um grande desenvolvimento do IM e eu participei dessa história, junto com outros professores. A minha área de pesquisa acadêmica era Análise Fun-cional. Publiquei alguns trabalhos e ajudei na formação de mestres.

Jornal da UFRJ: Daquela época para cá, muita coisa evoluiu no desenvolvi-mento dos estudos matemáticos?

Jorge Barroso: Mudou muito. Os melhores centros de Matemática, atualmente, além da UFRJ, estão no Impa, na Universidade de São Paulo (USP), na Universidade de Campinas (Unicamp) e na Universidade de Bra-sília (UnB). O nosso IM tem conceito 6 pela classificação da Coordenação

“O Colégio Pedro II era uma escola muito boa,

mas nos dois primeiros anos,

infelizmente, não tive um bom

professor de Matemática.

Isso me prejudicou bastante, me forçando a recuperar

mais tarde o que deixou de ser ensinado.”

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UFRJJornal da

16 Entrevista

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministé-rio da Educação, para a formação de mestres e doutores, falta apenas um ponto para atingir o grau máximo.

Jornal da UFRJ: Apesar dessa excelên-cia na área de pesquisa, a universidade pública brasileira continua exclu-dente, já que somente 2% dos jovens a freqüentam. Por que isso acontece?

Jorge Barroso: Olha, a nossa Educa-ção é muito falha nos níveis Funda-mental e Médio. E agora vou fazer uma declaração que pode ser consi-derada forte. Nenhum governo brasi-leiro, realmente, teve ou tem o ensino como prioridade, como item básico do seu programa. Dos governadores brasileiros, tivemos aqui no Rio de Janeiro o Leonel Brizola, que talvez tenha sido o primeiro a compreender um pouco o problema da Educação brasileira. A carreira de professor não é bem considerada. Os professores dos ensinos Fundamental e Médio não têm bons salários, não têm re-conhecimento da sociedade. Os sa-lários são baixos e isso não desperta o interesse dos jovens bem dotados in-telectualmente para se tornarem pro-fessores desses cursos. O problema nesses segmentos, em minha opinião, é a formação de professores. O salário dos docentes das universidades fed-

erais não é muito bom, mas é razoá-vel. Claro que deveria ser maior. Mas o salário dos professores do Ensino Fundamental é aviltante. Fala-se ago-ra em dar um salário-base para esses professores de R$ 950,00 por mês como se fosse um grande gesto. Isso é pouco. Eu sou professor de curso su-perior, mas reconheço a importância dos ensinos Fundamental e Médio, que são o germe da formação dos jo-vens. Não adianta falar em reforma do ensino no Brasil sem dar atenção à formação dos professores. Temos que atrair os jovens qualificados. Na Espanha, por exemplo, um profes-sor de Ensino Médio tem um salário correspondente a um professor-adjunto da UFRJ, se não estou en-ganado. Ser professor lá é algo que valoriza a pessoa.

Jornal da UFRJ: E isso acontece tam-bém em outros países?

Jorge Barroso: Sim, na França, na In-glaterra. A Coréia do Sul, por exem-plo, teve um desenvolvimento cientí-fico fantástico porque reconheceu a importância da Educação.

Jornal da UFRJ: A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou, no final do ano passado, os resultados do Pro-grama Internacional de Avaliação de

Alunos (Pisa), teste destinado a jovens de 15 anos com o objetivo de comparar o desempenho dos países na Educa-ção. Os estudantes brasileiros tiveram média que os colocam na 53ª posição em Matemática, em um total de 57 países. Numa escala que vai de zero até seis, 73% deles ficaram no nível um ou abaixo disso. Como o senhor avalia esse péssimo desempenho?

Jorge Barroso: Foi o que disse. Tem que melhorar a formação de profes-sores, atrair os jovens mais bem dota-dos. Em segundo lugar, é preciso dar apoio aos adolescentes que entram nas escolas. O nosso salário mín-imo, por exemplo, é baixo. Mui-tas crianças não têm condições de vida satisfatórias. Os pais em geral não têm boa formação em cursos básicos e a criança não encon-tra em casa apoio para o estudo. Então, o que fazer? É muito difí-cil, muito difícil… O Brasil pre-cisa mudar em muitas coisas. Eu cheguei à idade de 80 anos até um pouco cético em relação ao país. Não houve nenhum governo que tenha considerado a Educação como ponto fundamental do de-senvolvimento do Brasil. Apenas tomam medidas paliativas. O Brasil é um país muito difícil, tem proble-mas seríssimos para resolver. Recon-heço que houve algumas melhorias, mas é preciso ainda muita coisa para chegarmos a uma posição de destaque entre os países. Essa nota de Matemá-tica nesse teste internacional mostra que a nossa Educação básica é muito insatisfatória. Como resolver isso? É preciso um trabalho continuado, que não dependa de partidos, que seja do interesse de todos, mas isso não acon-tece no Brasil.

Jornal da UFRJ: O senhor considera que o problema no Ensino Fundamen-tal contribui para o gargalo no Ensino Superior?

Jorge Barroso: Acho que o gargalo está nos ensinos Fundamental e Médio. Se tivermos bons alunos for-mados nesses segmentos, o nível dos candidatos à graduação melhorará muito e forçará o aumento do número de vagas nas universidades federais. É preciso melhorias na formação das nossas crianças e dos nossos jovens. Nos exames vestibulares, as notas não são das melhores. Esse é um proble-ma abrangente, de todo o Brasil. Ou seja, o desenvolvimento industrial e econômico do país é que cria a necessi-dade de aumentar o número de pes-soas com curso superior.

Jornal da UFRJ: Agora, a linguagem matemática, em si, parece que também é um problema para muitos estudantes. Por que ela ainda é o “bicho-papão” de alunos dos ensinos Fundamental e Médio?

Jorge Barroso: Eu tive no meu curso primário, professoras excelentes. Ensinavam Matemática de uma ma-neira que atraía os alunos. Eu não quero criticar os nossos professores atuais, mas eles precisam ter uma formação melhor, aprender mais nos cursos que fazem. E se os jo-vens também não encontrarem em casa ambiente cultural desenvolvido, eles não se interessarão em estudar Matemática. Eu não acho que a lin-guagem matemática seja difícil, não. É preciso que ela seja ensinada por pessoas que conheçam essa lingua-gem e que, fundamentalmente, gos-tem de Matemática.

Jornal da UFRJ: O ensino de Matemática hoje é muito abstrato, distanciado da realidade dos alunos? Antigamente era diferente?

Jorge Barroso: É difícil responder a essa questão. A finalidade básica dos cursos de Matemática, mais do que dar conhecimento concreto de situa-ções da vida, é ensinar as crianças a raciocinar. E isso somente pode ser bem ensinado por pessoas que sai-bam raciocinar e que gostem de en-sinar a raciocinar.

Jornal da UFRJ: Se a Matemática é essa ciência do raciocínio lógico, não seria o caso de ensinar lógica formal no Ensino Fundamental?

Jorge Barroso: Acho isso um pouco difícil. O que eu penso é que o ensi-no de Matemática já traz em si um pouco de ensino de Lógica. A cria-ção de uma disciplina de Lógica, eu consideraria interessante no Ensino Superior. Nele, os jovens já são leva-dos a raciocinar logicamente e seria conveniente uma disciplina para for-malizar esse conhecimento. Agora, uma disciplina de Lógica nos ensi-nos Fundamental e Médio seria um pouco forte demais.

Jornal da UFRJ: O problema maior se concentra, então, na formação e na re-alidade sócio-econômica das crianças?

Jorge Barroso: Sim, e isso somente se resolve com investimento prioritário em Educação e desenvolvimento social e econômico. É uma tarefa hercúlea e os governos têm de tratar disso.

Experiência multicultural“ sou professor de curso superior, mas reconheço a importância dos ensi-nos Fundamental e Médio, que são o germe da formação dos jovens.”

Julho/Agosto 2008

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Experiência multiculturalO Setor de Convênios e Relações Internacionais (SCRI) da UFRJ, através de seu programa de Mobilidade Acadêmica, encaminha todos os anos cerca de 200 estudantes da instituição para universidades estrangeiras e vice-versa. A iniciativa é uma forma de aprender a lidar com a diversidade cultural na instituição, além de ser uma importante experiência para a vida acadêmica dos estudantes.

UFRJJornal da

17Convênios

Nos últimos anos a ativi-dade de intercâmbio vem sendo valorizada institu-

cionalmente pela UFRJ. A importân-cia da iniciativa está na possibilidade da instituição compreender e aprender a lidar com a diversidade cultural en-sejada com o trânsito e permanência de estudantes estrangeiros e brasilei-ros na UFRJ e no exterior. O Setor de Convênios e Relações Internacionais (SCRI) da UFRJ, criador do progra-ma de Mobilidade Acadêmica, é o responsável pela seleção e encami-nhamento dos estudantes para uni-versidades estrangeiras. Todos os anos, cerca de 200 vão estudar em outro país através do programa.

Geraldo Nunes, coordenador do SCRI, explica que a interação cultu-ral ocorre quando os estudantes vol-tam do intercâmbio, porque trazem uma experiência nova à universi-dade. “Os programas de Mobilida-de Acadêmica criam um ambiente cultural novo na universidade. As pessoas aprendem a lidar com o que é diferente e quanto maior a diver-sidade de pessoas circulando pelos campi, maiores serão os benefícios da troca de experiência”, destaca o coordenador.

Outra forma de interação cultural acontece com os alunos estrangeiros

que aqui vêm estudar. São aproxi-madamente 200 por ano, oriundos de países europeus e africanos.

A UFRJ mantém, atualmente, 80 convênios ativos com universidades estrangeiras. Os principais são man-tidos com as européias. Entretanto, Geraldo Nunes enfatiza que a UFRJ busca estreitar relações com países da África e da América do Sul, atra-vés de convênios já firmados nesses continentes.

Quando os convênios são realiza-dos, as instituições assinam um acor-do de reciprocidade e de reconheci-mento de créditos obtidos. Geraldo explica, também, uma proposta de criação de um sistema que permitirá um duplo-diploma de graduação. A Escola Politécnica (Poli) da UFRJ já está implantando um sistema desta natureza para seus egressos do pro-grama de intercâmbio.

Outro ponto importante, para o coordenador, é a possibilidade de co-tutela, existente em casos de alu-nos “intercambistas” de pós-gradua-ção strito sensu. Trata-se de um siste-ma de co-orientação do estudante, o que, na opinião de Nunes, aprofunda a questão multicultural nas pesquisas. A França foi pioneira na implantação da co-tutela e, agora, Espanha e Por-tugal também aderiram.

Em geral, o SCRI realiza dois pro-cessos seletivos por ano, no qual os estudantes podem ficar entre 6 meses e 1 ano em uma universidade estran-geira. Os alunos dos cursos de Arqui-tetura, Engenharia, Economia, Admi-nistração e Comunicação Social são os que mais procuram o intercâmbio. Na área médica começa haver agora, segundo Nunes, maior procura.

No entanto, o coordenador afirma que a procura seria maior se fossem oferecidas bolsas para os estudantes fora do país. “É necessário desen-volver um programa de bolsas para auxiliar os que desejam fazer o inter-câmbio, mas que não têm condições financeiras para se manter em outro país”, destaca Geraldo Nunes.

Apesar de existir desde 1994, o SCRI teve suas atividades incentiva-das a partir de 2003, com a atual ges-tão que compreende a importância do programa de intercâmbio para a vida acadêmica do aluno e para a vida cul-tural da universidade. A partir deste momento, o setor se legitimou e pas-sou a congregar todas as atividades re-lacionadas ao intercâmbio, que eram, antes, pontualmente realizadas.

Geraldo Nunes afirma que estu-dantes, professores e técnico-adminis-trativos da UFRJ precisam se engajar na luta por mais recursos para o setor

em função da sua importância, mas “é importante conhecer os mecanis-mos de um intercâmbio acadêmico, pois já existem muitas universidades e instituições estrangeiras oferecen-do bolsas e estágios, mas que são de caráter duvidoso. É necessário ficar atento a todas essas questões, senão o que veremos, no futuro, será a pri-vatização das universidades públicas, via processo de internacionalização perversa”.

O coordenador acredita que o sis-tema de intercâmbio tem que ser ex-tensivo também aos técnico-adminis-trativos. Para tanto, o sindicato precisa atuar nesta perspectiva: “precisa ser elaborada uma proposta de intercâm-bio para os funcionários também”.

De acordo com Nunes, o SCRI tem potencial para selecionar e enca-minhar mais alunos para universida-des estrangeiras através do programa de Mobilidade Acadêmica, porém, a falta de infra-estrutura adequada di-ficulta a realização dos processos se-letivos.

Os interessados em participar do programa de mobilidade acadêmica, devem procurar o Setor de Convênios e Relações Internacionais da UFRJ. Para obterem mais informações, os candidatos podem acessar o endereço eletrônico www.scri.ufrj.br.

“É necessário desenvolver um programa de bolsas para auxiliar os que desejam fazer o intercâmbio, mas que não têm condições financeiras para se manter em outro país”, destaca Geraldo Nunes.

Vanessa Sol

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UFRJJornal da

18 Internacional

Após o veto dos cidadãos franceses e holandeses ao projeto de Constituição européia, foi vez dos irlandeses

rejeitarem, nas urnas, o Tratado de Lisboa e emperrarem, mais uma vez, o processo de integração

do Velho Continente.

Obstáculos àintegraçãoBruno Franco

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UFRJJornal da

19Internacional

Com o fracasso na tentativa de aprovar uma Constituição para o Velho Con-tinente, o Conselho da União Européia, presidido por Portugal, na pessoa de José Manuel Durão Barroso, seu ex-primeiro ministro, decidiu retomar

a iniciativa, dessa vez com um tratado que emendasse e reformasse os tratados anteriores que versavam acerca do funcionamento da Comunidade Européia.O tratado, também chamado de “Reformador”, foi ratificado em Lisboa, dia 19 de outubro do ano passado, e conferirá – caso entre em vigor – personalidade jurídica à União Européia (EU) para

assinar acordos internacionais de nível comunitário. Dentre outras novidades, o texto prevê a nomeação do Alto Representante para a Política Exte-

rior e de Segurança Comum e a adoção do regime de dupla maioria. Por esse modelo, acordos poderão ser aprovados por 55% dos estados membros, com um mínimo de 15, que englobem 65% da população. Pelo critério antigo exigia-se unanimidade.

O Alto Representante será também vice-presidente da Comissão Euro-péia. Combinará os postos ocupados até então pelo Alto Representante de Política Exterior e o Comissário de Re-lações Externas, que controla o acor-dado pela Comissão no que diz respeito à matéria de cooperação e política externa e o pessoal da área do executivo comunitário. Além dis-so, presidirá o Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da UE.

De acordo com Franklin Trein, professor do Programa de Es-tudos Europeus, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, o afã dos euro-peus em reformar juridicamente a sua estrutura comunitária é justificado pelo fato de “a UE tornar-se quase ingovernável na estrutura administrati-vo-jurídica que tem hoje com 27 estados-membros, e podendo contar com o in-

gresso de pelo menos mais dois países”. Para ele, com o regime decisório que exige unanimidade, não é possível tomar deci-sões em ritmo suficien-temente ágil como se faz

necessário em função da com-plexidade de administrar os interesses de 470 milhões de indivíduos tão diferentes em suas composições e estágios de desenvolvimento.

Segundo Trein, o Tratado de Lisboa não muda significativamente o que se pretendia

aprovar via Constituição. A Constituição revogaria todos os tratados anteriores, como o de Paris, que criou a Comuni-dade Européia do Carvão e do Aço; os dois tratados de Roma; o de Maastri-cht; o de Amsterdam e o de Nice; e os termos do Ato Único de 1986. “Assim,

acabava com o cipoal jurídico que hoje é a UE. Atualmente todos esses tratados são vigentes. Para alguém entender os meandros disso tudo é muito complicado. Isso atrapalha a tramitação burocrática das decisões, a Constituição iria pôr um ponto final nisso”, explica o pesquisador.

O Tratado de Lisboa, ao contrário, se soma aos demais. “Falta assim uma solução para o cipoal jurídico que se formou na EU com o fato de um tratado não revogar os anteriores. Aqui no Brasil, toda lei traz aquela frase ‘revoga-se todas as disposições em contrário’, mas lá não se revoga nada, somente acres-centa-se”, critica Trein.

Aprovado pelos parlamentos, rejeitado pelas urnasA maioria dos 27 Estados-membros da UE optou ou optará pela via

parlamentar de aprovação do tratado, pois os parlamentos têm maior pro-

pensão a endossar a decisão a que chegaram seus chefes de governo. Na Dinamarca, na República Tcheca, na Holanda, no Reino Unido e mesmo em Portugal, há pressão da sociedade civil e de partidos minoritários pela re-alização de referendos. No entanto, o único país cuja Constituição nacional exige a realização de referendo é a Irlanda. Assim sendo, os irlandeses foram às urnas, no dia 12 de junho e, por 53% rejeitaram o Tratado de Lisboa.

Hungria, Malta, Eslovênia, Romênia, França, Bulgária, Polônia, Eslo-váquia, Portugal, Dinamarca e Alemanha já o haviam aprovado, mas a re-jeição irlandesa gera um impasse, pois o acordo precisa ser ratificado por todos os 27 Estados. O presidente da Comissão Européia, Durão Barroso pediu aos demais países que prossigam em seus processos de ratificação e adiou para outubro a discussão quanto à solução do embaraço. Brian Co-wen, primeiro-ministro-irlandês, em contrapartida, pediu que os demais países do bloco contribuíssem para solucionar a questão em vez de critica-rem a consulta popular, que foi uma obrigação constitucional.

Após o referendo, “várias lideranças européias disseram ‘os irlandeses que se retirem, pois não têm o direito de me impedir de avançar’, mas os ir-landeses não dispõem de mecanismos jurídicos para tal”, esclarece Trein.

Ironicamente, foi a Irlanda o país que mais cresceu economicamente desde a adesão à União Européia. “O país se tornou o tigre europeu, mes-mo no pior sentido do termo. É uma Cingapura estendida. As relações de trabalho são as piores da UE. É a dialética do capitalismo. Ele explora, mas paga um pouco melhor”, critica o professor do IFCS-UFRJ.

Um projeto de eliteA União Européia, em suas origens – que remontam os acordos do pós-

guerra que criaram organizações como a Comunidade Européia do Carvão e do Aço –, segundo Franklin Trein, foi um projeto das elites, quer empre-sariais, políticas ou jurídicas. “Por outro lado, as classes populares, os se-tores mais sacrificados de qualquer sociedade e que são os mais prejudicados em qualquer circunstância, estavam desmobilizados e esgotados em sua capa-cidade de reagir politicamente ao final da Segunda Guerra, quando se discute um processo de integração da Europa”, esclarece o pesquisador.

Assim, o processo se fez pelo topo e não pela base da sociedade. Na medi-da em que as condições sócio-econômicas européias foram melhorando, para Franklin Trein, criou-se uma dupla dinâmica: “uma que dava certo, que evita-va a guerra e permitia uma sinergia para o desenvolvimento econômico. Havia apoio dos norte-americanos, pois isso criava um aliado no plano militar para conter a União Soviética, portanto Washington favorecia o processo de inte-gração.” Outra dinâmica dá conta da falta de comunicação na União Européia, para que os cidadãos, ao compreendê-la, possam criticá-la de forma consis-tente e propor alternativas. Um complicador da comunicabilidade da União com a sociedade é a complexidade dos numerosos tratados que se acumulam. “Uma UE que tivesse sua estrutura jurídica e sua ‘cara’ política renovadas por uma Constituição que os cidadãos pudessem entender, tal como entendem as constituições de seus países, melhoraria a comunicação entre aqueles que são favoráveis ao projeto europeu e os ‘eurocéticos’, e melhor qualificaria o debate”, avalia o especialista em Estudos Europeus.

Para ele, a integração se deu sem uma preocupação central de dialogar e recolher os interesses de todos os segmentos da sociedade. “Criou-se um abis-mo entre a elite, que ‘botava a coisa pra funcionar’, e a base da sociedade, assim como Bruxelas, era vista – e ainda é – como um clube de privilegiados. Os partidos de esquerda tiveram muita dificuldade em compreender o que estava acontecendo e ficaram para trás, ficaram fora do debate. Não conse-guiram ter a distância histórica face ao processo que estava acontecendo”, avalia Franklin Trein.

As classes populares – afirma o estudioso – entenderam que a integração (e seus pontos-chave: livre circulação de bens e serviços, a união aduaneira, a tarifa externa comum) é um projeto do capital. A integração de bens e serviços já ocorreu, a do capital financeiro também. A terceira integração, a da força de trabalho ficou para depois, porque tem implicações mais complexas. “Para que um alemão exerça sua profissão na Espanha, precisa superar uma série de obstáculos. Necessita, ao menos, conhecer um pouco do idioma, ter tolerância às diferenças e habilitação profissional reconhecível pela sociedade espanhola, obrigando-o à responsabilidade por seus atos” exemplifica Trein.

Aos olhos da força de trabalho européia, há um grande desequilíbrio entre sua mobilidade e a dos capitais, bens e serviços. Não obstante – acredita Franklin Trein – a Europa não estaria na situação política, econômica, social e mesmo militar em que hoje se encontra se não fosse pela sinergia positiva da integração. “Quem ganha com isso, é claro, são aqueles que sempre ganharam ao longo da história, sobretudo depois que o capitalismo se instalou para produzir privilégios e não para resolver os problemas existentes”, afirma o professor.

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UFRJJornal da

África20

Por que, em plena era de globalização e informação, os conflitos étnicos que assolam a África, o segundo continente mais populoso do mundo, com 53 países e mais de 800 milhões de pessoas, são ignorados pela mídia internacional?

Aline Durães

Ruanda, 1994: 800 mil pes-soas da etnia tutsi foram brutalmente assassinadas

por membros da etnia hutu. Sudão, 2003: inicia-se um conflito que, ao longo de cinco anos, já dizimou mais de meio milhão de africanos negros de aldeias tradicionalmente agrícolas. Quênia, 2007: a suspeita de fraude no pleito que reelegeu o presidente Mwai Kibaki incitou uma onda de violência que, além de ter deixado um rastro de mortos, obrigou cerca de 300 mil pessoas a abandonarem suas casas. Zimbábue, 2008: mais de 80 oposicionistas do ditador Mugabe foram assassinados depois da eleição que apontou como vencedor o líder da oposição, Mor-gan Tsvangirai.

Esses são apenas alguns dos con-flitos marcantes da história recente da África. Mesmo antes da chegada dos europeus, as tribos africanas já guardavam entre si diferenças significativas de percepção da reali-dade. Com a colonização, entretan-to, a animosidade acentuou. Parte da tática européia de exploração do território consistiu em agudizar os conflitos de convivência dos afri-canos, através da aproximação de tribos historicamente rivais.

Com a descolonização, concluída em meados da década de 1970, quan-do os últimos portugueses se reti-raram de suas colônias, o cenário deixado foi de destruição e de exa-cerbação dos conflitos. Somente na última década, o continente já regis-trou mais de 10 milhões de mortos, vítimas dos embates étnicos.

Apesar de graves e de nefastas con-seqüências para a população africana, os conflitos aconteceram (e ainda acontecem) sob a mais velada neg-ligência da grande mídia internacio-nal. Poucos são os veículos de comu-nicação que divulgam, acompanham ou promovem debates sérios acerca desses eventos.

O olhar colonizador, eurocên-trico e racista, perpetua-se dia-riamente no silêncio de jornais e programas de televisão, calados diante das barbáries verificadas na África. “Certos valores pregados pelos europeus, como liberdade e direitos humanos, e todo o dis-curso da tradição judaico-cristã não se aplicam para aquele con-tinente. Os africanos não têm como furar o bloqueio midiático; eles não têm poder suficiente e, portanto, não conseguem traduzir seu holo-causto em palavras suficientemente grandes para gerar manchetes nos jornais internacionais”, denuncia Franklin Trein, docente do Insti-tuto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.

Para Trein, o abandono perpe-trado pelos meios de comunicação à África reflete parte do interesse de países e empresas do chamado Primeiro Mundo na região. Segundo o professor, quanto maior for o silên-cio da mídia, menos a comunidade mundial saberá dos genocídios que lá ocorrem e, conseqüentemente, mais prodigiosa será a atuação dos capi-

tais internacionais ali.“A mídia vai atrás do que possa

trazer retorno financeiro, mas di-vulgar a África não traz resultados econômicos imediatos. Ao falar pouco sobre o que acontece ali, a imprensa faz parecer menor a mi-séria que marca aquele território. Com isso, a comunidade interna-cional não cobra mudanças. Se ela cobrasse, os lucros obtidos pelos capitais internacionais com o mercado de armamento — fo-mentador de muitos daqueles conflitos — e com a liberdade de exploração das riquezas africanas se reduziriam”, afirma o Franklin Trein, que é especialista em Estu-dos Europeus.

Dominada por regimes ditato-riais favoráveis a uma pequena eli-te local, a maior parte dos países africanos subsiste em meio a fome, violência e um quadro econômico desfavorável ao desenvolvimento. Esse panorama fragiliza a região, a torna suscetível à ação de em-presas e indivíduos externos que lucram com os combates e com as mortes geradas por eles.

Mohamed Hajji, professor de Jornalismo Internacional da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, acredita que a influência dos inter-esses internacionais na África é tão grande que os embates étnicos são hoje ”guerras de milícias, de mer-cenários, guerras privatizadas entre consórcios multinacionais, onde nem se sabe mais se o objetivo é o controle dos recursos naturais, a luta pelo mer-cado de armas ou a garantia do próprio mercado de guerras mercenárias”.

Para ele, os meios de comunica-ção, em especial a mídia televisiva, optam pela imagem pitoresca do continente africano, através da di-vulgação de imagens naturais, como florestas tropicais, desertos e ani-mais selvagens, por exemplo. Com isso, a grande imprensa mundial trabalha no sentido de associar a imagem da África ao de um mundo primitivo, dificultando ao cidadão africano obter voz própria junto à comunidade internacional.

Muito além dos conflitosNão são apenas as rivalidades

étnicas que os veículos de comu-

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Jornal da

UFRJ 21África

nicação deixam de reportar. As falhas de cobertura da grande mídia incluem o silêncio em rela-ção à situação caótica em que se en-contram milhões de africanos. Nos últimos anos, por exemplo, o apoio financeiro internacional destinado à África diminuiu drasticamente. Os Estados Unidos da América (EUA) doam hoje para a região cerca de 10% do montante que doavam na década de 1970; já os recursos vin-dos da ajuda humanitária da União Européia (EU) representam, atual-mente, apenas 30% do valor repas-sado há 30 anos. Os recursos que chegam anualmente, em fundo per-dido, para todo o continente afri-cano equivalem a 10% do montante que os EUA investem na guerra do Iraque, em território iraquiano. Ou seja, os recursos destruídos na guerra do Iraque representam dez vezes o valor da ajuda destinada aos 53 países africanos para tentar diminuir a miséria das suas popu-lações.

A queda nas doações interna-cionais e o crescente descaso das nações agravaram o quadro de po-

breza em que a África se encontra. Uma recente pesquisa realizada pela Organização das Nações Uni-das (ONU) apontou que um grande número de africanos sofre mais de uma enfermidade. Debates capazes de avaliar os impactos de informa-ções como essas são raros nos jor-nais e revistas, pertençam eles ou não a países desenvolvidos.

Na opinião de Franklin Trein, o mundo está permitindo que uma es-pécie de “seleção natural” aconteça na região. Com esse processo, ape-nas os grupos africanos mais fortes sobreviveriam e, conseqüentemente, seriam menores as resistências para uma futura exploração das riquezas naturais do continente.

“Temos necessidade de riquezas naturais para atender às nossas de-mandas de consumo. Em algum lugar, esses recursos precisam estar disponíveis e já existe a consciência de que a África é esse lugar. Por-tanto, se deixarmos os africanos resolverem os problemas deles, en-tre eles, daqui alguns anos, eles já não estarão mais lá para impedir essa segunda invasão da África.

Invasão essa que será para saqueá-la. A diferença, agora, está somente no patamar de exploração, com um novo nível de tecnologia, que per-mitirá o aproveitamento não apenas do solo africano, mas também sua fauna e sua flora” destaca Trein.

Para ele, o mundo ocidental per-cebe o continente como um grande manancial a ser explorado no sécu-lo XXII, mas não no século XXI. “Acredito que o Primeiro Mundo, em especial, resolveu deixar que a natureza recicle a vegetação, a fau-na e, inclusive, a população dessa região. Os países desenvolvidos têm condições de investir ali, mas não o fazem por serem arrogantes e por não possuírem qualquer sen-timento de culpa em relação às grandes catástrofes da África”, ava-lia o professor.

E o Brasil nisso tudo?Poucos sabem, mas a África é

um importante parceiro econômico do Brasil. Os recursos direciona-dos ao comércio com essa região movimentam cifras semelhantes às geradas com as transações co-

merciais com os EUA. Além disso, os brasileiros têm se destacado no plano internacional quando o as-sunto é o “continente perdido”. Fora o apoio econômico e político, o Bra-sil demonstra, junto à comunidade externa, certa preocupação com a situação africana e, não raro, presta importantes auxílios administrati-vos àquelas nações. Nossos jornais, contudo, seguem a tendência global de ignorar ou pouco aprofundar pautas relacionadas à África.

Na opinião de Mohamed Hajji, a mídia brasileira deixa a desejar não apenas no que tange à cobertura das mazelas africanas como no Jorna-lismo Internacional como um todo. Segundo o professor, a maior parte dos veículos brasileiros é viciada em clichês e preconceitos, além de apre-sentar uma submissão sistemática ao discurso da grande mídia inter-nacional. “Não há o menor esforço de informação do público, sua edu-cação ou a formação de um olhar brasileiro ou latino-americano. Os motivos são de natureza subjetiva cultural – a mentalidade do coloni-zado – tanto quanto o são da ordem da economia política da informação: falta de estrutura (correspondentes e jornalistas) e dependência dos grandes cartéis midiáticos transna-cionais”, explica Hajji.

Franklin Trein elege, ainda, o jor-nal francês Le Monde Diplomatique como um exemplo de veículo ca-paz de cumprir a tarefa de chamar a atenção da comunidade global para temas não-divulgados pela mídia convencional, e que indica os filmes O senhor das armas (Andrew Niccol, 2005), Diamantes de Sangue (Edward Zwick, 2006) e O jardineiro fiel (Fer-nando Meirelles, 2005) como nar-rativas cinematográficas capazes de conscientizar o público acerca da situação africana. Para ele, a saída para o problema da desinformação reside nos sites informativos e nos jornalistas que buscam ser alter-nativa à grande imprensa. “Claro, eu imagino que hoje se pode saber muito mais da África via Internet do que se sabia há 20 anos. A In-ternet é um instrumento que veio democratizar as telecomunicações. Não sei o que vai acontecer com essa rede mundial, mas a minha avaliação é positiva. Talvez uma próxima geração, que não a minha ou a dos meus filhos, ao ter nasci-do com essa disponibilidade tecno-lógica, aprenda a usá-la melhor no sentido da solidariedade”, pontua o pesquisador.

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Jornal da

22UFRJ Religião

Rodrigo Ricardo

intolerância

Invasão a centro espírita revela que pluralidade

religiosa e liberdade de culto ainda sofrem resis-

tência no Brasil.

Credo da

Vastos e longínquos, assim se desdobram os tentá-culos de perseguições

religiosas da humanidade. A semen-te da intolerância perpetua-se prati-camente em todas as eras da Histó-ria, mesmo com frutos de amargo sabor. Em plena aurora do século

XXI, ainda grassam argumentos medievais que justificaram foguei-

ras, em nome do supremo senhor. Na contemporaneidade, palavras que destilam ódio encontram exis-tências ávidas por encontrar uma razão, algo que lhes dê sentido, ou melhor, uma missão contra a crença do diferente.

"Deus mandou a gente aqui para tirar o demônio de vocês", gritava um dos quatro invasores do Centro Espírita Cruz de Oxalá, no bairro do Catete, Rio de Janeiro. Os jovens, todos seguidores da igreja evangé-lica Geração Jesus Cristo, depreda-ram imagens de caboclos e orixás

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Jornal da

UFRJ23Religião

correspondentes a santos católicos. O vandalismo ocorre, em noite de culto, diante dos freqüentadores do templo. O episódio expõe não ape-nas a fragilidade da convivência entre os diversos credos, como aponta que grupos evangélicos, ainda que mino-ritários, apelam ao discurso belicoso direcionado, em especial, aos cultos afro brasileiros.

“Há um tipo de pregação que demoniza outras religiões. Isto se re-vela com mais força nas chamadas igrejas neopentencostais; propõem aos seus fiéis que as outras crenças en-carnam o mal; assim, em nada favo-recem a tolerância religiosa”, elucida o sociólogo Ivo Lesbaupin, professor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, frisando que este tipo de com-portamento hostil não é predominan-te entre os evangélicos.

De acordo com Lesbaupin, houve três ondas pentecostais no Brasil. A primeira em 1910, representada pela fundação da Assembléia de Deus, se-guida do surgimento de Deus é amor, entre os anos 1940 e 1950. Já no final dos anos 1970, surge a Igreja Uni-versal do Reino de Deus e a Graça Internacional de Deus. “Os últimos são considerados os neo, diferentes dos outros de tradição marcadamen-te protestante, pois se valem de ele-mentos como água benta, óleo santo, típicos do catolicismo e usados para exorcismo”, explica Lesbaupin.

Sopros ecumênicosAtualmente coordenando a Orga-

nização Não-governamental Iser As-sessoria (Instituto de Estudos da Re-ligião), Lesbaupin indica que o alvo principal dos ataques são os credos que se valem de transes e possessões por orixás: “há uma política de ex-pansionismo que implica reduzir o espaço das outras religiões. Em co-munidades populares, os cultos afro brasileiros praticamente desapare-ceram por conta da ação evangéli-ca.” O preconceito aos terreiros detém raízes antigas no solo brasileiro. Para conseguirem venerar ao longo do tempo as tradicionais divindades afri-canas, os escravos e seus descenden-tes optam pelo sincretismo, uma fu-são de práticas religiosas. A caça aos pais e mães de santo conta, inclusive, com o apoio de homens da lei. A si-tuação é descrita no livro Entre a cruz e a encruzilhada (Lísias Negrão, 1996, Edusp), que acompanha os relatos na imprensa da perseguição policial aos cultos afro brasileiros até meados do século XX.

Em países mais influenciados por bulas papais, sopros mais ecumênicos começam a partir Concílio do Vatica-no II (1962 até 65). Coincidentemen-te, neste período, a umbanda passa a constar no Anuário do Instituto Brasileiro Geográficos de Estatísticas

(IBGE). “Até então a Igreja Católica também não contribuía para a tole-rância religiosa. Tenho 62 anos e es-tudei em colégio católico. Lembro de padres pregarem contra o espiritismo”, recorda Lesbaupin, defendendo que o Estado laico exija que as religiões con-trolem situações como a do Catete.

Defensora de um Estado que zele pelo público e garanta o pluralis-mo religioso, a antropóloga Regina Novaes enfatiza que “religião é uma escolha de foro íntimo”. A professora do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filoso-fia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ entende que quanto maior a di-versidade de cren-ças menor será a chance de opres-sões semelhantes às da Idade Média, quando a Igreja Católica deteve o monopólio espiri-tual. “Os evangéli-cos são fragmen-tados e não há uma hierarqui-zação entre eles. O pastor firma-se no carisma e tem diante de si um público diversifi-cado. Entre esses fiéis podem acon-tecer interpreta-ções literais, que serviram inclusive aos cristãos em suas cruzadas”, explica a pesqui-sadora.

Regina Novaes ressalta ainda que há a busca por uma mensagem emocional “vi-brante, que mexa com a própria existência”, sendo a juventude o es-pectro mais susce-tível a este discur-so. Além disso, há trajetórias parti-culares e um trân-sito dos indivídu-os pelas crenças: “o jovem sempre está em busca de experiências, em especial esta geração. Não é por acaso que se ouve tenho fé, mas nenhuma religião. Precisamos fugir da ladainha de que as pessoas são páginas de papel em branco, simplesmente manipuláveis.”

A antropóloga explica que os pen-tecostais são ramos de uma grupo maior, o dos que professam que o Es-pírito Santo não era um dom apenas dos apóstolos de Cristo, mas de todos os homens. Teoricamente tornam-se pastores, os escolhidos e ungidos pelo divino, não pelo institucional.

“Os neo também se diferenciam pelo uso dos meios de comunicação de massa, atuando com uma estratégia de poder, que coloca em xeque inclu-sive a hegemonia católica e sua influ-ência política. Eles se expandem mais rapidamente, enquanto as outras pentecostais têm um crescimento vegetativo de acordo com o aumento demográfico”, analisa Regina Novaes.

A partir do conceito de Dispu-ta no Campo, do sociólogo francês Pierre Bourdieu, Novaes metaforiza a concorrência no mundo religioso de ofertas e demandas. “O karde-cismo, que se diz uma ciência, sofre pouca pressão porque os adeptos são

de classe média e não lutam no es-paço público por mais fiéis. Pode parecer estranho, porém, umban-distas e neopen-tencostais, além do mesmo públi-co, acabam parti-lhando a mesma crença do contato direto com o sa-grado, através dos agentes mediú-nicos. Então aca-ba convidativo, para alguns, dizer que determinada manifestação do sobrenatural é o demônio e não Deus”, destaca a pesquisadora do IFCS.

Teologia da prosperidade

Segundo a publicação Eco-nomia das religi-ões: mudanças re-centes (Fundação Getúlio Vargas, 2007), coordena-da por Marcelo Côrtes Néri, a religiosidade está em alta, já que o percentual de 7,4% que se diz

sem religião teria caído para 5,1%. O estudo também aponta que a relação de católicos e evangélicos no Brasil era de cinco para um até o ano 2000. Entretanto, o número de pastores é quase o quádruplo que o de padres.

“Qualquer pessoa arruma uma sala e sai se proclamando pastor, provocando um efeito de igreja ge-nérica”, critica Eduardo Refkalefsky, da Escola de Comunicação (ECO). O pesquisador que estuda a relação entre marketing e religião, entretan-to, pontua que as tradicionais igrejas evangélicas ministram cursos de até

quatro anos na formação dos pasto-res. ”A separação entre igrejas e Esta-do deve ser total, sendo que o último deve ser o guardião da liberdade de culto e de expressão. A Justiça, in-clusive, já tipifica crimes cometidos como o do Catete.”

Para Refkalefsky, os discursos de cunho guerreiro são apelações básicas que reverberam com maior força em ambientes de valor intelectual rebaixado, potencializados pelo “vazio da contem-poraneidade” com indivíduos à procura de “experiências emocionais profundas”. Além da luta do bem contra o mal, existe outro pensamento em voga: “a ‘teologia da prosperidade’, na qual eu acredito em você, se me der algo em troca. O típico ‘pare de sofrer’”.

Em Economia das religiões, alguns dados desmentem assertivas do senso comum. A maior porcentagem dos sem religião (6,33%) apresenta-se na chama-da classe E, faixa dos que ganham até dois salários-mínimos (SM) por mês. Na classe A, renda acima de 45 salários, o índice marca 5,02%. Na publicação en-contra-se que o ateísmo de 9% do censo 2000, entre os brasileiros de 20 a 29 anos, caiu para 6,12% em 2003. É nesta faixa etária que ocorre o maior crescimento evangélico.

Especialista do binômio, “comuni-cação e religião”, Refkalefsky acredita que há uma supervalorização da mídia, exemplificando que uma das maiores igrejas evangélicas, a Congregação Cristã do Brasil, proíbe pregações até em praça pública. “Há um boca-a-boca tão pode-roso quanto a televisão. Em relação às es-tatísticas, tudo é difícil de ser quantifica-do neste campo. O número de espíritas ainda é enorme, mesmo sem registros oficiais. Imagine que no último censo, na Bahia, apareceram três vezes mais budistas do que umbandistas e segui-dores do candomblé. Nos anos 1980, a própria Mãe Menininha do Gantois se declarou católica”, compara o pro-fessor da ECO, sublinhando que cul-turalmente há um trânsito religioso, personificado pelos que vão à igreja e ao terreiro.

Recentemente, os evangélicos revoltaram-se quando retratados na novela Duas Caras, da Rede Globo, como fanáticos. Em 1995, a intole-rância religiosa veio transmitida pela Rede Record com os chutes do bispo Sergio Von Helder na ima-gem de Nossa Senhora Aparecida. “Na ocasião, a própria Igreja Univer-sal do Reino de Deus desautorizou a atitude deste membro”, rememora Lesbaupin, avaliando que o embate religioso, mais do que midiático, re-presenta uma luta de classes sob ou-tra roupagem. “É o que dizia Engels e, no fundo, as igrejas mostram uma tendência de quererem ser únicas, abafando e lançando as outras no os-tracismo. Digamos que isto seja um mau hábito.”

“...há uma política de

expansionismo que implica

reduzir o espaço

das outras religiões.

Em comunidades populares, os cultos afro- brasileiros

praticamente desapareceram

por conta da ação

evangélica.”

Ivo Lesbaupin

“Qualquer pessoa

arruma uma sala e sai se proclamando

pastor, provocando um efeito de igreja

genérica.”Eduardo Refkalefsky

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UFRJJornal da

24 Sustentabilidade

Pouco conhecido e valori-zado no Brasil, o Ecodesign sofre com o estigma de

ser associado somente ao arte-sanato e às atividades de menor valor econômico e prestígio social. Entretanto, como esclarece Suzana Gueiros professora do Departa-mento de Desenho Industrial, da Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ, “tampouco está associado somente ao Desenho Industrial, ao design do produto. Ele envolve também Engenharia de Produção, Arquitetura, Química e Biologia. Porque a questão do meio-ambi-ente é uma questão de sinergia. Para trabalhar com impactos am-bientais é preciso a colaboração de vários setores.”

Contemporaneamente, é cres-cente a preocupação com os im-pactos das diversas atividades humanas sobre o meio ambiente, sobretudo nos países desenvolvi-dos. Com o Ecodesign pode-se ti-rar partido dessa tendência para aumentar a competitividade das empresas, agregar valor aos seus produtos e garantir a sustentabil-idade da produção.

Segundo Suzana, o Ecodesign está associado à “pegada ecológi-ca”, ou seja, a pressão que o estilo de vida exerce no meio ambiente. “Vivemos em uma sociedade de consumo e tudo o que compra-mos tem seu impacto no meio. Mesmo nosso planejamento de vida inclui compras: celulares, carros etc. Quantos aparelhos de celular já tivemos e descartamos? A velocidade de inovação induz a isso. Convém botar freios? É um dilema”, explica a professora.

A “pegada ecológica”, que varia de acordo com o padrão de vida, encontra-se 23% além do que o planeta é capaz de regen-erar em um mesmo ano. Todas as atividades produtivas humanas

Seja pelo lado romântico do ativismo ambiental ou pelo aspecto prático de garantir o acesso dos nossos produtos aos mercados de países

desenvolvidos, o Ecodesign é uma das respostas à necessidade de inovação tecnológica e de

sustentabilidade.

Bruno Franco

causam impacto ecológico. De acordo com Suzana Gueiros, não existe environmentally friendly goods (produtos amigos do meio-ambiente), e “quem se certificar disso estará fazendo propaganda enganosa. Todos os produtos têm impacto. O que existe é o less en-vironmentally impactful goods, que causam menor impacto”.

O fetichismo das mercadoriasA difícil relação entre consumo

e meio-ambiente tornou-se mais problemática com a universaliza-

ção dos estilos de vida, difundidos pela indústria cultural, como nos seriados de televisão, nos quais são mostradas “as residências das pessoas com todas aquelas bugi-gangas que trazem conforto, mas também geram impacto; ou os chamativos comerciais de carros que não revelam o impacto am-biental da indústria automobilís-tica”, exemplifica Suzana Gueiros. Ela define esta questão como padrão não-sustentável de consu-mo, exacerbado pela desigualdade sócio-econômica, que permite a

alguns privilegiados gastar, em um final de semana, dez vezes o valor de um salário mínimo. “É a cultura da futilidade, do desperdí-cio, da luxúria do poder aquisiti-vo. Desses gadgets (bugigangas), dos quais você não precisa, mas aos quais você associa valor. Há o momento de não sustentabili-dade do poder aquisitivo”, critica a professora.

O descarte de componentes e resíduos despertou nas socie-dades industrializadas a irrever-sível tendência de preocupação ambiental com os projetos. De 1940 a 1980 a preocupação cen-tral era o aumento da produtivi-dade. “A produção gera empregos, os produtos trazem conforto, mas não havia preocupação com os impactos disso no meio-ambien-te. É uma lógica imediatista, de ‘descartabilidade’, de egoísmo”, contrapõe Suzana Gueiros.

Segundo a professora, na dé-cada seguinte, começa-se a pen-sar na qualidade do consumo e na durabilidade, na reutilização dos produtos. Já na virada do século, além da qualidade, o impacto do consumo passou a ser levado em consideração mais seriamente.

Visão holística do produtoNa avaliação de Suzana

Gueiros, o Ecodesign começa quando o empreendedor pensa no ciclo de vida do produto e pro-cura fazer escolhas mais susten-táveis que minimizem os impac-tos e transformem os resíduos em commodities. Em algumas partes do processo, é mesmo possível requerer metas de desempenho, de redução de impacto ambiental, dos fornecedores.

O projeto deve ser visto como um todo. “Caso o material uti-lizado seja importado, deve-se mensurar o impacto ambiental Segundo Suzana, o Ecodesign está associado à “pegada ecológica”.

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UFRJJornal da

25Sustentabilidade

e o custo do transporte. Por isso é importante trabalhar com tecnologias e materiais locais, porque isso gera oportunidades de emprego, facilita o gerencia-mento dos materiais e descarta custos de transporte” explica a professora.

O produto envolve ainda o processo de fabricação, a cons-trução das instalações de fábrica, transporte, logística nas lojas e quanto mais etapas do processo produtivo puderem ser elimina-das, será melhor do ponto de vis-ta da sustentabilidade.

Em tempos de livre comércio, os países desenvolvidos têm uti-lizado barreiras não tarifárias à entrada de mercadorias de outros países, como critérios fito-sanitá-rios ou ambientais. Atenta a essa realidade, Suzana Gueiros orga-nizou, em dezembro de 2007, o curso de Extensão “Ecodesign com base nas normas ISO 14000”.

Segundo a professora, os estu-dantes que não aderirem ao life cycle thinking (pensar o ciclo de vida) já sairão perdendo. “Para ca-pacitá-los para o mercado precisa-mos direcioná-los a essa realidade. É necessário pensar nos impactos e, em muitos momentos, o em-preendedor necessitará de outras áreas. Um setor sozinho não dará conta de avaliar todos os impac-tos. O meio ambiente tem o mérito de ser uma área multidisciplinar e possibilitar a sinergia”, esclarece Gueiros.

O selo ISO 14000 lida com o im-pacto de um produto comparado com outro, pela função, o que per-mite dizer qual possui maior valor agregado do ponto de vista am-biental; qual utilizou menos insu-mos; qual teve menor diversidade material. A rotulagem indica que o produto foi pensado quanto ao ciclo de vida e é superior do ponto de vista ambiental. Isso é relevan-te, uma vez que os consumidores, em sua maioria, não estão prepa-rados para pensar no ciclo de vida do produto e também porque “no início dos anos 1990 começou-se a querer tirar proveito do chama-do ‘mercado verde’ e passou-se a rotular: ‘produto amigo do leão dourado’, ‘amigo do urso panda’, ‘produto totalmente natural’”, re-lembra a professora.

Na opinião da especialis-ta deve haver um planejamen-to cultural para que as pessoas possam fazer as melhores esco-lhas. “Não há como dizer ‘com-prem produtos verdes’. Devemos orientar a demanda e sermos competitivos. Precisamos im-plantar a cultura da sustentabili-dade”, defende Suzana.

Em um contexto interna-cional em que a palavra de ordem é sustentabi-

lidade, Benito Gonzáles, professor do Departamento de Desenho In-dustrial, da EBA já tem a sua apos-ta para as tendências futuras do mercado: o bambu.

À frente do Laboratório de En-sino para a Produção de Utensílios em Bambu e Construções Arqui-tetônicas, Benito destaca a utilida-de deste material para o Ecodesign “pela variedade de produtos que po-dem ser desenvolvidos com bambu: desde utensílios domésticos, pisos, paredes, mobiliário, construção ha-bitacional, paisagismo. Tudo em um contexto renovável”.

Com uma resistência mecânica comparável ao aço, o bambu movi-menta uma economia considerável na Ásia e, de forma crescente, na América Latina. Cerca de dois bi-lhões de pessoas se valem do bambu em suas moradias, sobretudo na Chi-na e na Índia, mas também no Equa-dor, na Colômbia e no Brasil.

Há 12 mil espécies de bambu ca-talogadas no mundo. Altamente re-novável, sua colheita pode ser feita em sete anos, sem prejuízo ao meio-ambiente. Como explica Benito, tem

do bambu

1001UTILIDADES

qualidades como o uso potencial em ambientes degradados, alta taxa de seqüestro de Carbono, o rápido crescimento e a estruturação do solo no qual se desenvolve. Possibilita o aumento do fluxo de água das nas-centes de rios graças à capacidade de retenção de suas raízes e também

combate a erosão do

solo.As espé-

cies mais usa-das são Bambusa

vulgaris, Phyllostachys áurea, Bambusa gradua,

Dendrocalamus giganteus. As duas últimas, pela espessura de suas pa-redes, são usadas principalmente na construção civil. No estado do Rio de Janeiro existem muitos sí-tios de bambu, nativo ou planta-do, sobretudo na Região Serrana e no Vale do Paraíba.

Em um projeto – ainda não implementado – que alia Ensi-no, Pesquisa e, sobretudo, Exten-são, aprovado em edital lançado por Furnas Centrais Elétricas S.A., a UFRJ lançará a Oficina Social de Bambu, coordenada por Benito Gon-záles. “Será um curso de capacitação profissional de 15 jovens selecionados pela Organização Não-governamen-tal Rede Vida, no Complexo da Maré, em processamento de matéria prima e produção de objetos em bambu, vi-sando à geração de renda, educação ambiental, formação profissional e desenvolvimento técnico, pela utili-zação do ecodesign na elaboração de produtos. Além de qualificar estudan-tes da UFRJ na prática de gestão de projetos”, pormenoriza o professor.

Benito aposta no bambu como tendência do mercado.

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Jornal da

UFRJ26 Expedições

ABAIXO DE ZERO

TESTENo Ano Polar Internacional (2007-2008), o Brasil mandou à Antártida sua maior expedição científica, integrada por uma equipe de pesquisadores da UFRJ.

Alexander Kellner

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Jornal da

UFRJ27Expedições

Bruno Franco

O Programa Antártico Bra-sileiro (Proantar) com-pletou 25 anos com uma

ambiciosa operação que levou ao mais gelado dos continentes cerca de 200 pesquisadores de diversas universida-des brasileiras, incluindo cientistas da UFRJ das áreas de Geologia, Biologia e Paleontologia. A expedição ocorre jus-tamente no Ano Polar Internacional.

Mais frio, mais alto, mais ventoso, mais desconhecido e preservado den-tre todos os continentes, a Antártida é uma região juridicamente consagrada à paz, à liberdade e à cooperação em prol dos avanços da ciência. Esse status decorre do Tratado da Antártida – do qual o Brasil é signatário – firmado em 1959, como forma de por fim às reivindicações de diversos países quanto àquele território.

Até 2041, o continente será consi-derado patrimônio da Humanidade e estará livre de tensões diplomáticas mais agudas, posto que as nações que lhe reivindicam soberania são signa-tárias do Tratado da Antártida e do Protocolo de Madri, que o emenda.

Integrando a expedição, o Museu Nacional (MN) da UFRJ enviou, pela primeira vez, uma equipe à Antártida. Na longa viagem, de outubro passado a abril deste ano, Alexander Kellner, professor do Departamento de Geolo-gia e Palentologia, liderou uma equipe de sete pesquisadores e dois alpinistas no pioneiro projeto brasileiro de busca por vertebrados fósseis na Antártida, tentando melhor compreender a bio-diversidade existente no continente há milhões de anos.

Alexander Kellner explica que o objetivo traçado não foi de fácil con-secução. “Resolvemos fazer diferente de grupos anteriores. Montamos um acampamento na ilha James Ross, mais ao sul, na qual o Brasil já realizou pes-quisas”, relata o especialista em Pale-ontologia, Zoologia, Paleozoologia e Geociências.

Este foi o maior grupo que já acam-pou na Antártida. A tarefa representou,

inclusive, um desafio de logística para a Marinha brasileira. O trajeto inicial da viagem, até Pelotas (RS), foi realizado por Kellner e seus colegas em um avião Hércules, da Força Aérea Brasileira (FAB). Na aeronave, a equipe recebeu as roupas e os equipamentos necessários à empreitada. Depois seguiram para Punta Arenas, no Chile, e embarcaram no navio de apoio oceanográfico Ary Rongel. O navio deixou cada uma das 21 equipes de pesquisadores brasileiros nos locais onde fariam suas pesquisas. A maioria desembarcou na Estação Antártica Comandante Ferraz.

Os percalços na Antártida Os pesquisadores, na Antártida, se

tornam reféns dos caprichos do clima. Em dez dos 35 dias em que estiveram por lá, a equipe de Kellner nada pôde fazer a não ser permanecer confinada no acampamento. “Precisávamos de condições mais estáveis e muitos se preocupavam com o frio. O mais pro-blemático, porém, são os ventos e as tempestades. Quando as condições são mais favoráveis, no verão, que é mais ameno, a temperatura variava entre -10 a +10 graus”, explica o professor.

A temperatura é semelhante à do inverno europeu. Mas, segundo Kellner, ”o vento vai te minando. Não é somente a sensação térmica, o vento vai te cansando. Você vai tomar nota, o papel voa e você tem que buscá-lo, pois não se pode deixar lixo. Ficamos cansados ao caminhar, além de sofrer-mos grande desgaste psicológico”.

O desembarque da equipe do Mu-seu Nacional na Ilha James Ross, foi angustiante. Ao chegarem próximo à ilha, o comandante do navio Ary Rongel, o capitão de mar-e-guerra Arlindo Moreira Serrado, acordou Kellner e perguntou pelo “plano B”. “O navio não conseguia chegar à ilha para fazer o desembarque devido ao gelo. O comandante disse que tenta-ria uma última manobra, mas que eu deveria informar o ‘plano B’, pois eram remotas as chances de conseguirmos. Felizmente, às cinco horas da manhã conseguimos chegar. Fui dormir e, às

sete, já estava de pé desembarcando os equipamentos e assentando o acampa-mento”, relembra o pesquisador.

As dificuldades não param por aí. O trabalho de um paleontólogo é uma atividade errática e cansativa: “queremos entender a paleodiversidade. A flora e a fauna daquela região no passado remoto. Mas como fazer isso? Tem que ir lá ver. Não é simples, como medir a tempera-tura e comparar as medições.” É preci-so analisar como os organismos foram fossilizados (da biosfera para a litosfera). Os pesquisadores andaram longas dis-tâncias buscando inscrições em rochas. Mas, logo no primeiro dia, nevou e não puderam fazer mais nada, pois a neve esconde os vestígios de fósseis.

Foram três dias de tempestade. Depois, 15 dias tranqüilos, nos quais a equipe pôde trabalhar em ritmo in-tenso, dez horas por dia, até a chegada de outra nevasca. Assim que achavam algum indício de fóssil, os cientistas começavam a prospecção e a coleta. Um trabalho físico desgastante. “O fós-sil não vem ao seu escritório, é preciso buscá-lo. Houve momentos de frus-tração. Houve mesmo risco de morte, devido a uma forte tempestade que che-gou a soterrar uma das barracas”, narra, aliviado, Kellner.

O grupo do Museu escolheu o local com base em indicações de grupos que estiveram lá em outras expedições. “A ilha se chama James Ross, devido à passagem de um marinheiro inglês, de mesmo nome, por lá, em 1800-1862. Informações de pesquisadores do programa antártico argentino, que existe há 100 anos, nos apontavam que a ilha era uma região propícia ao regis-tro de fósseis. Sabíamos do potencial, mas não sabíamos o que encontraría-mos”, ressalta o pesquisador.

A melhor coleção da América do SulA equipe da UFRJ conseguiu em-

barcar no Ary Rongel três toneladas de rochas e fósseis, terminada a longa jor-nada em James Ross. Descobriram um tronco de árvore conífera, de quatro me-tros e meio, em um local sem vegetação. Existem apenas musgos e liquens, o que demonstra que há 70 milhões de anos

havia vegetação exuberante na região. A equipe encontrou ainda dentes de peixes e uma seqüência vertebral de réptil ma-rinho. Porém, a maior parte dos achados foi mesmo de vegetais, folhas inéditas para a região e invertebrados, como amonitas (cefalópodes de grande tama-nho, moluscos do período Cretáceo).

Segundo Kellner, o Brasil pode hoje se orgulhar de ter uma ótima coleção de fósseis antárticos, a melhor da América do Sul: “nenhuma expedi-ção levou tantas pessoas e coletou tan-to material. Viajamos quilômetros em quadriciclos pela ilha. Demoramos a encontrar material. Ficamos desani-mados, mas sabíamos que seria assim. Poderíamos ficar um mês e não encon-trar nada. Mas, estávamos empolgados e esperançosos”.

Na hora de deixar a ilha, novamen-te um imprevisto. O navio Ary Rongel não conseguia atracar. Os pesquisadores foram resgatados por helicópteros, pre-cisaram voar várias vezes para a retirada da equipe, dos achados, dos equipamen-tos da Marinha e, por fim, do lixo. “Por muito pouco não tivemos de deixar dejetos, equipamentos e mesmo par-te dos fósseis devido à instabilidade do tempo”, afirma Kellner.

Atualmente, o Brasil realiza pesqui-sas somente na Península Antártica, uma vez que para adentrar o sul do continente, a Marinha nacional pre-cisaria dispor de um navio quebra-gelo. “Não vamos desvalorizar o que já foi feito, mas precisamos ir além. Nós sabemos que contribuiremos muito mais à ciência se pudermos pesquisar a biodiversidade do sul antártico”, acredita Kellner.

Para o pesquisador – que lançará ain-da esse ano um romance inspirado nas aventuras vividas durante a expedição – o Brasil deveria, inclusive, ter uma base no sul do continente. Segundo Kellner, “somente poderá opinar acerca dos des-tinos da Antártida quem estiver realizan-do pesquisas de ponta. Nosso esforço é tímido para a dimensão de nosso país. A República Tcheca, por exemplo, não tem uma Marinha, mas já tem base na Antár-tida. Falta decisão política, cabe a alguém apontar para esse investimento”.

Equipe do Museu Nacional coleta plantas fósseis na Ilha de de James Ross.

Fósseis de moluscos coletados pelos pesquisadores do Museu Nacional.

Alexander Kellner

Alexander Kellner

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Julho/Agosto 2008Jornal da

UFRJ Persona

Mãe Menininha

Neta de escravos, nascida a 10 de fevereiro de 1894 em Salvador, capital baiana, e

batizada no catolicismo, Maria Escolás-tica da Conceição Nazaré foi escolhida na infância pelos santos do Candomblé como “mãe-de-santo” do terreiro fun-dado pela avó. Ainda criança, tonrou-se aprendiz e recebedora do conhecimento suficiente para assumir o posto mais alto na hierarquia da religião, o de ialorixá – que dita as regras e comanda todo o fun-cionamento da casa –, foi iniciada nos rituais pela tia Pulquéria, sua antecesso-ra. Recebeu o nome de Mãe Menininha e chegou a ser considerada uma das mais respeitadas ialorixás do Brasil.

Amabilidade e ternura são as pala-vras que mais a definem. Seu sacerdócio era pautado na caridade e chegou a esta-belecer a era da diplomacia e do diálogo no Gantois. “Mãe Menininha era aglu-tinadora. Em vida, ela foi um expoente. Hoje, é um ancestral ilustre”, reflete Mu-niz Sodré de Araújo Cabral, professor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e presidente da Biblioteca Nacional.

Com seu discurso ecumênico, ela abriu as portas do terreiro para outras religiões, principalmente ao catolicis-mo. “Para ela, o Candomblé não era de negros ou de pobres, mas de todos os brasileiros. Mãe Menininha representa a grande popularização de homenagem dos grandes músicos e compositores. Não era uma voz contra a intolerância, mas sim a voz que transformou a cultura afrobrasileira em voz de todos”, analisa Yvonne Maggie, antropóloga e profes-sora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ.

Para Muniz Sodré, essa abertura às outras religiões é uma característica do Candomblé. “E é isso que traz moderni-dade a ele. É um culto que aceita todas as outras religiões, seguindo o princípio do axé (energia, poder, força da natureza). Dalai Lama, quando veio ao Brasil, disse que o Candomblé era a religião mais pa-recida com o Budismo”, destaca o profes-sor, que é autor de Um vento sagrado (Mauad, 1996), obra na qual narra a trajetória de Agenor Miranda Rocha, professor do Colégio Pe-dro II, oluô, leitor dos Odus e es-tudioso do Candomblé.

Preconceito e reconhecimentoAos 28 anos, logo no início

de sua trajetória como ialorixá, Mãe Menininha enfrentou preconceitos em relação aos

Tá no GantoisPolíticos, artistas e toda a gente do povo. Famosos ou não, quem

conheceu Mãe Menininha de perto não dava um passo sem consultá-la.

Para muitos, ela era mesmo a “estrela mais linda”, “o sol mais brilhante”, “a beleza do mundo”, “a mão da

doçura” e o “consolo da gente”, nas palavras de Dorival Caymmi, em

“Oração a Mãe Menininha”.Rafaela Pereira

adeptos do Candomblé. Moça quieta e franzina, não escapou do apelido que a acompanhou pelo resto da vida. Na época, os adeptos do Candom-blé sofriam perseguição até mesmo vio-lenta. Relegados ao submundo religioso, os rituais quase sempre terminavam com a chegada da polícia. Com a Lei de Jogos e Costumes, que era um pouco mais tolerante ao Candomblé, as festas no terreiro somente podiam ser realiza-das em determinados horários e medi-ante autorização por escrito, situação que mudou somente a partir de 1976, com a liberação para que as casas de Candomblé funcionassem sem que pre-cisassem de licença ou de pagamento de taxas à delegacia de Jogos e Costumes.

Mesmo assim, muitos foram os títu-los, homenagens e medalhas que Mãe Menininha recebeu durante sua vida. Uma dessas homenagens foi feita pelos Filhos de Gandhy, que a nomearam madrinha do afoxé (candomblé de rua, cortejo que sai durante o Carnaval). Dorival Caymmi compôs “Oração a Mãe Menininha” e Gilberto Gil “Ré-quiem pra Mãe Menininha do Gantois”. Até mesmo os Correios prestaram uma homenagem, lançando, em 1994, um selo comemorativo para marcar o centenário de seu nasci-mento.

Contudo, essa popularidade não impressionava a mãe de santo. Era sabido por todos que ela não divulgava os nomes dos artistas, políticos e famosos que iam ouvir seus conselhos. Ela também não gostava de ser fotografada e fazia questão de dizer que as pessoas procuravam o Terreiro do Gantois para ver os orixás.

O terreiroSociedade São Jorge do Gantois, Ter-

reiro do Gantois ou Axé Yamassê são os nomes do terreiro comandado por Mãe Menininha. Fundado, em 1849, por Ma-ria Júlia da Conceição Nazaré, bisavó da ialorixá, se localiza no Alto do Gantois, no bairro da Federação, em Salvador.

A casa foi tombada, em 2002, pelo Insti-tuto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O nome Gantois vem do antigo proprietário do terreno no qual o terreiro foi construído.

Mãe Menininha morre em 1986, aos 92 anos, causando grande comoção entre os milhares de “filhos de santo” e devo-tos. Seu maior legado foi ter conseguido respeito e aceitação do candomblé por outras religiões e pelo poder político, que perseguia e condenava os praticantes dos rituais. Seu mérito estendeu-se também à sua modernização. Mesmo abrindo as portas para integrantes de outros cultos e religiões, não deixou que se transformasse em exploração folclórica e turística.

Mãe Menininha acreditava que o Candomblé era um dos últimos redu-tos de resistência da dignidade negra, da preservação da história do negro

que não foi contada na escola, por esse motivo defendeu a preserva-

ção histórica dos locais sagrados onde estavam localizados os primeiros terreiros de Candomblé em Salvador, como por exemplo, o Engenho Velho e a Casa Branca.