UFRJ pesquisa planta que inibe a produção de anticorpos

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UFRJ pesquisa planta que inibe a produção de anticorpos O estudo aponta alternativa para o tratamento de doenças auto-imunes Por Isabella Guerreiro* Sabe aquele chá que a sua avó faz para curar algum mal- estar? Ele pode funcionar. Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba estudam a planta Cissampelos sympodialis Eich (Menispermaceae), conhecida como Milona, encontrada no nordeste e no sudeste do Brasil, cujo chá é muito usado na medicina popular para o tratamento de doenças inflamatórias (bronquite e asma) e alergias. As pesquisas realizadas pelo Laboratório de Tecnologia Farmacêutica (LTF) da UFPB comprovaram que a Milona regula a resposta imune e tem ação antiinflamatória. O LTF já produziu dois medicamentos a partir da planta para combater a asma, e insulina, para diabetes, que estão em fase de teste clínico. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também realiza pesquisas com o extrato da folha de C. sympodialis, enviado pela Universidade da Paraíba. O objetivo do Laboratório de Imunoparasitologia do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Goés (IMPPG) da UFRJ é verificar se a warifteína (substância predominante na composição do extrato) é o composto responsável pela ação curativa da planta. Lígia Maria Torres Peçanha, doutora em imunologia e professora do departamento de imunologia do IMPPG da UFRJ há 10 anos, e a estudante de Microbiologia e Imunologia da UFRJ Juliana Dutra Barbosa da Rocha pesquisam o efeito do alcalóide warifteína, isolado do extrato da folha de C. sympodialis, sobre os linfócitos B, células de defesa do corpo humano (ver quadro), desde 2003. Os estudos já realizados provaram que a warifteína inibe as funções das células B, modulando a resposta do sistema de defesa do organismo humano, e pode ser utilizada para o tratamento de doenças auto-imunes, como lupus, esclerose múltipla, diabetes do tipo 1, tireoidite e artrite reumatóite, entre outras (ver quadro). Cissampelos sympodialis

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O estudo aponta alternativa para o tratamento de doenças auto-imunes(reportagem de 2005/2)

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UFRJ pesquisa planta que inibe a produção de anticorposO estudo aponta alternativa para o tratamento de doenças auto-imunes

Por Isabella Guerreiro*

Sabe aquele chá que a sua avó faz para curar algum mal-estar? Ele pode funcionar. Pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba estudam a planta Cissampelos sympodialis Eich (Menispermaceae), conhecida como Milona, encontrada no nordeste e no sudeste do Brasil, cujo chá é muito usado na medicina popular para o tratamento de doenças inflamatórias (bronquite e asma) e alergias. As pesquisas realizadas pelo Laboratório de Tecnologia Farmacêutica (LTF) da UFPB comprovaram que a Milona regula a resposta imune e tem ação antiinflamatória. O LTF já produziu dois medicamentos a partir da planta para combater a asma, e insulina, para diabetes, que estão em fase de teste clínico.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também realiza pesquisas com o extrato da folha de C. sympodialis, enviado pela Universidade da Paraíba. O objetivo do Laboratório de Imunoparasitologia do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Goés (IMPPG) da UFRJ é verificar se a warifteína (substância predominante na composição do extrato) é o composto responsável pela ação curativa da planta.

Lígia Maria Torres Peçanha, doutora em imunologia e professora do departamento de imunologia do IMPPG da UFRJ há 10 anos, e a estudante de Microbiologia e Imunologia da UFRJ Juliana Dutra Barbosa da Rocha pesquisam o efeito do alcalóide warifteína, isolado do extrato da folha de C. sympodialis, sobre os linfócitos B, células de defesa do corpo humano (ver quadro), desde 2003. Os estudos já realizados provaram que a warifteína inibe as funções das células B, modulando a resposta do sistema de defesa do organismo humano, e pode ser utilizada para o tratamento de doenças auto-imunes, como lupus, esclerose múltipla, diabetes do tipo 1, tireoidite e artrite reumatóite, entre outras (ver quadro).

A pesquisa constatou que a warifteína inibe a proliferação dos linfócitos B e a secreção de anticorpos (substância que defende o corpo contra microorganismos agressores). Por isso, o uso do alcalóide pode ajudar a controlar a produção exacerbada de anticorpos em portadores de determinadas doenças auto-imunes. Estas doenças usam os anticorpos do organismo contra suas próprias células, destruindo partes do corpo, o que pode levar à morte. Não se sabe como estas moléstias se desenvolvem e nem como curá-las. O tratamento é feito com medicamentos chamados corticóides. É uma terapia cara e que provoca efeitos colaterais.

LINFÓCITOS São células de defesa. Suas funções são: identificar os microorganismos que entram no corpo humano, reconhecer se este é perigoso ao organismo, definir se o micróbio deve ou não ser eliminado e memorizar suas características para o caso de reincidência da infecção. Há dois tipos de linfócitos: linfócitos T e linfócitos B. Os primeiros comandam a resposta do sistema imunitário e ativam as células B. Os linfócitos, além de circularem no sangue, estacionam-se em alguns órgãos, como os gânglios linfáticos, as amídalas, o baço e o intestino.

Linfócitos B 5 a 15% dos linfócitos circulantes; função: produzir anticorpos (proteínas denominadas

imunoglobulinas) contra um determinado agressor; quando em repouso, os linfócitos B não produzem anticorpos, só o

fazem quando estão ativados

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Plasmócito é a denominação da célula B quando ativa. A tarefa dos plasmócitos na resposta imune é secretar anticorpos específicos para cada antígeno (microorganismo estranho ao corpo).

A estudante Daniele da Silva Marins, 23 anos, descobriu que tinha lupus há três anos. Ela se trata com corticosteróide e inalantes que provocam aumento de peso e queda de cabelo. O custo mensal dos medicamentos é alto: 150 Reais.

Métodos de Pesquisa

O laboratório de imunoparasitologia da UFRJ fez experimentos in vitro (com substâncias e células isoladas em laboratório) e in vivo (com camundongos). Foram utilizados dois métodos para a experimentação in vitro:

1) no primeiro método foram isolados linfócitos B de camundongos, separando as células que já tiveram contato com o antígeno das que não tiveram. Os linfócitos usados são aqueles que ainda não tiveram contato com antígenos. In vitro a proliferação das células B é induzida por LPS (lipopolisacarídeos que estão presentes em bactérias), isto é, é uma simulação de doença bacteriana. Nesta cultura, observou-se que, em presença do composto warifteína, a proliferação dos linfócitos B era inibida.

2) o segundo método utilizado foi o ensaio imunoenzimático (ELISA - Enzime Linked Immunosorbent Assays), muito utilizado para diagnosticar a infecção pelo vírus da AIDS (HIV). Este teste permite quantificar a inibição de anticorpos pela warifteína, pois a interação de células na cultura libera uma coloração. Em presença do alcalóide, a alteração de cor é pequena, o que indica que a produção de anticorpos foi impedida.

A experiência in vivo, realizada com camundongos, tinha como objetivo verificar se a droga produz resultado em seres vivos e em qual momento da ativação dos linfócitos B a warifteína

O que são doenças auto-imunes?São doenças que identificam algumas células

do próprio organismo como antígenos e induzem as células do sistema imunológico (linfócitos, monócitos, neutrófilos e macrófagos) a atacá-las. É como se o corpo humano se tornasse “alérgico” a ele mesmo.

Principais doenças auto-imunes:

Esclerose Múltipla: afeta adultos jovens. A doença resulta do ataque dos linfócitos T e anticorpos contra células do sistema nervoso. Provoca a diminuição da visão, problemas na coordenação motora e alterações na percepção sensorial. No Brasil, há um caso da doença para cada 10 mil pessoas, sendo mais comum entre as mulheres.

Diabetes mellitus insulino–dependente(DMID): é conhecida por diabete juvenil ou do tipo 1. Nesta doença, os anticorpos destroem as células beta do pâncreas que secretam insulina. Atualmente, os pacientes com DMID são tratados com doses diárias de insulina, e apesar desta reposição hormonal permitir sua sobrevida, há possibilidade da ocorrência de doenças degenerativas dos rins, vasos e retina.

Doença de Grave e Tireoidite: ambas são doenças auto-imune da tireóide. Na doença de Grave, o sistema imunológico induz a produção do hormônio estimulador da glândula, causando hipertireoidismo. Já na Tireoidite (ou Tireóide de Hashimoto), os anticorpos atacam uma ou mais proteínas comuns das células tireóides. A destruição resultante da glândula causa o hipotiroidismo.

Artrite Reumatóite: afeta cerca de 1% da população mundial e é caracterizada pela progressiva destruição das articulações pelas constantes inflamações provocadas pelas células imunológicas que se infiltram nas juntas.

Lupus Eritematoso Sistêmico(LES): o nome é devido às erupções avermelhadas que aparecem na face durante a fase final da doença. Diferentemente de outras moléstias auto-imunes, o LES atua em vários órgãos e sistemas distribuídos pelo corpo, incluindo o sistema nervoso central, rins e coração. Nestes pacientes, os anticorpos se dirigem contra componentes protéicos dos núcleos das células, e, mais freqüentemente, a dupla hélice do DNA.

Hepatite auto-imune: é uma doença em que as células do fígado são reconhecidas como estranhas ao organismo e destruídas pelo sistema imunológico.

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teria efeito. Foi constatado que a ação inibitória da substância ocorre mesmo quando a droga é adicionada em etapas mais tardias do processo de resposta imune da célula.

Experimentos também comprovaram que a warifteína realmente inibe os linfócitos B e não os induz à morte, o que torna a droga viável para o tratamento de doenças auto-imunes em seres humanos. Além disso, a ação inibitória persistiu por até 48 horas.

Dificuldades da Pesquisa

Algumas das dificuldades enfrentadas na pesquisa, de acordo com a Drª Lígia Maria Peçanha, foi a formação de colaborações, pois não é possível realizar todas as etapas sozinha. Por exemplo, é preciso ajuda de outras pessoas para a produção da planta e para a purificação da droga. Além disso, existem as dificuldades financeiras que a maioria das pesquisas brasileiras atravessam devido ao financiamento de órgãos burocráticos como CNPq e FAPERJ.

Perspectivas

A partir dos resultados, surgem novas linhas de estudo. O próximo passo é descobrir de que maneira a warifteína inibe a proliferação dos linfócitos B e se a substância atua em outras células do sistema imunológico. A UFRJ já iniciou pesquisa que estudará a ação do alcalóide sobre os neutrófilos (espécie de “infantaria” da defesa do organismo: são estas células as primeiras a chegarem no local da infecção) e verificará se a warifteína impede a ida destas células para a área infeccionada.

Sobre a utilização da warifteína em remédios, a Drª Lígia Maria Peçanha explica que é possível o uso da substância em fármacos para o tratamento de doenças de caráter auto-imune. com exarcebada produção de anticorpos, porém é necessária a realização de mais pesquisas que confirmem a ação da droga e uma série de testes clínicos para comprovar sua eficácia.

Daniele Marins, portadora de lupus, afirma que:— Sinceramente acredito que a cura para doenças auto-imunes ainda está longe, visto que

até mesmo o tratamento é feito de maneira individualizada. Mas, vejo a pesquisa da UFRJ como uma alternativa que está por surgir.

A Cissampelos sympodialis não é patenteada, porém como já foram publicados artigos sobre a planta, ela já se tornou de domínio público.

O Brasil tem a maior Biodiversidade do mundo (55 mil espécies de plantas catalogadas e uma estimativa de 350 mil a 550 mil espécies não catalogadas). Pesquisas como as realizadas pela a Universidade da Paraíba e pela UFRJ são importantes porque permitem que sejam desenvolvidos fármacos que reduzam a dependência do país a remédios importados. O estudo sobre os produtos naturais nacionais e seus derivados também contribui para a permanência da patente do que ainda não foi descoberto em solo brasileiro.

O mercado mundial de medicamentos originados de plantas movimenta anualmente cerca de 60 bilhões de dólares.1

1*Estudante de jornalismo da UFRJ ([email protected])? Fonte: Ministério da Saúde, http://portal.saude.gov.br /2005