Um breve histórico · Web viewUma análise discursiva-ideológica da UNCTAD e UNCHR Faculdade de...

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Relatório Final apresentado à Fapesp da pesquisa: Uma análise discursiva-ideológica da UNCTAD e UNCHR Faculdade de Direito, História e Serviço Social – Campus de Franca da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Elizabete Sanches Rocha Bolsista: Fernando Réveilleau Teixeira

Transcript of Um breve histórico · Web viewUma análise discursiva-ideológica da UNCTAD e UNCHR Faculdade de...

Relatório Final apresentado à Fapesp da pesquisa:

Uma análise discursiva-ideológica da UNCTAD e UNCHR

Faculdade de Direito, História e Serviço Social – Campus

de Franca da Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” para a obtenção do título de Bacharel em

Relações Internacionais.

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Elizabete Sanches Rocha

Bolsista: Fernando Réveilleau Teixeira

Franca

2008

Lista de Siglas

BM – Banco Mundial

BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

FMI – Fundo Monetário Internacional

GATT – General Agreement on Tariffs and Trade

Noei – Nova Ordem Econômica Internacional

ONU – Organização das Nações Unidas

UNCHR – United Nations Commission on Human Rights

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development

UNDP – United Nations Development Programme

ECOSOC – Economic and Social Council of the United Nations

2

Sumário páginas

Resumo do Plano Inicial e Resumo das Atividades........................................................ 4

Capítulo 1 Liberalismo.....................................................................................................5

1.1 Considerações históricas sobre o pensamento liberal.................................................5

1.2 Um breve histórico do Neoliberalismo......................................................................10

1.3 Neoliberalismo como projeto....................................................................................17

Capítulo 2 A Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas(UNCHR)...............24

2.1 Considerações Históricas...........................................................................................24

2.2 A questão dos direitos humanos: um retrospecto de sua afirmação internacional....28

2.3 Uma análise discursivo-ideológica da Declaração de Viena.....................................34

2.4 50th session da UN Conference on Human Rights – Uma breve contextualização..53

2.5 Análise do “Report on the 50th session da UN Conference on Human Rights”......55

Capítulo 3 United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD)...........61

3.1 Surgimento e Atuação da Conferência......................................................................61

3.2 Análise do documento “Resolutions Adopted Without Reference to a Committee”

da “NINETEENTH SESSION OF THE GENERAL ASSEMBLY”………………….69

3.3 Antecedentes à Declaração de Midrand....................................................................71

3.4 Análise da "MIDRAND DECLARATION and A PARTNERSHIP FOR GROWTH

AND DEVELOPMENT"................................................................................................74

Análise dos Resultados e Conclusão.................................................................................87

Referências Bibliográficas………………………………………………………………91

Anexo I Declaração de Viena

Anexo II Report on the 50th session da UN Conference on Human Rights

Anexo III Resolutions Adopted Without Reference to a Committee of the NINETEENTH

SESSION OF THE GENERAL ASSEMBLY

Anexo IV MIDRAND DECLARATION and A PARTNERSHIP FOR GROWTH AND

DEVELOPMENT

3

Resumo do plano inicial

Essa pesquisa visa analisar a cultura política Liberal, como pensamento

dominante no sistema internacional. Este ganha status de hegemônico através da sua

reformulação no período pós Guerra-Fria influenciando inclusive as organizações

internacionais. Os objetos de análise dessa pesquisa serão os organismos da

Organização das Nações Unidas, UNCTAD (United Nations on Trade and

Development) e UNCHR (United Nations Commission on Human Rights), sendo

observado principalmente como as idéias liberais foram institucionalizadas nesse

organismos através da análise de documentos constitutivos e deliberativos do início da

década de 90 através da análise do discurso e de uma revisão bibliográfica sobre o

assunto como complemento. Os resultados obtidos serão analisados considerando os

dados em perspectiva histórica e servirão de base para a conclusão deste trabalho.

Resumo das atividades realizadas

Observando o cronograma inicial as seguintes atividades foram realizadas:

1)Compreensão do Liberalismo em perspectiva histórica(itens 1, 2 e 3 o relatório);

2)Coleta de fontes bibliográficas e estudos recentes sobre a UNCHR e compreensão da

história desse organismo(item 4 e 5); 3)Análise dos documentos selecionados da

UNCHR, pelo método da Análise do Discurso (item 6). ; 4)Compreensão da história da

UNCTAD e coleta de fontes bibliográficas e estudos recentes sobre este organismo; 5)

Análise dos documentos selecionados da UNCTAD, pelo método da Análise do

Discurso; 6) Análise dos Resultados e Conclusão.

4

Detalhamento das Atividades:

1.1 - Considerações históricas sobre o pensamento liberal

O liberalismo, para Andrew Vincent, é a mais complexa das ideologias devido à

maneira como se infiltrou na cultura ocidental. A utilização mais antiga do termo, feita

na Idade Média, remete a um tipo de educação abrangente pertencente à cavalheiros e

homens livres. Atualmente a sua relação com a educação tem dois sentidos, um positivo

referente à largueza de espírito e tolerância, e o outro associado à libertinagem a partir

do século XVI, sendo visto como a falta de respeito a leis morais. Um terceiro sentido

que ganha corpo teórico a partir do século XIX com os trabalhos de John Locke

Montesquieu, sugere certos tipos de valores morais (tolerância, progresso, liberdade e

individualismo).

Neste terceiro sentido a palavra ganhou seu uso político, sendo usado pela

primeira vez explicitamente para se referir a um grupo contrário a monarquia da

Espanha no início do século XIX. Este grupo, baseado na experiência francesa, defendia

a instituição de uma constituição secular e a liberdade de imprensa. Na Inglaterra o

termo passou a se referir a alguns membros do Partido Whig considerados radicais e

republicanos. Além dos valores já mencionados alguns pensadores consideravam que a

política deveria representar convicções otimistas sobre a natureza humana e pautada em

uma democracia de caráter limitado, permitindo assim a melhoria da humanidade. No

entanto o Liberalismo não se associa especificamente a uma afiliação partidária,

podendo estar presente em facções conservadoras ou socialistas, e nem pode ser fechado

num corpo doutrinário específico ou originário, mas pode fornecer um mapa ideológico

5

de fatos históricos ocorridos na Grã-Bretanha e em outros lugares a partir do século

XVII.

As origens do liberalismo podem ser abordadas de diferentes maneiras, podendo

associá-las a história dos Estados-Nações (unificação da Itália e Alemanha, efeitos da

Revolução Francesa e isolamento da Grã-Bretanha). Outra abordagem seria a

diferenciação de tradições ideológicas, como por exemplo a distinção entre o

liberalismo britânico mais ligado ao empirismo e ao pensamento econômico e o

liberalismo continental mais ligado ao Iluminismo. Uma terceira abordagem mais ligada

ao pensamento marxista, seria colocá-lo como parte do desenvolvimento de um tipo

específico de economia (a capitalista), sendo o liberalismo a ideologia desta, e a questão

da propriedade enfatizada nos valores liberais.

Vincent por sua vez prefere relacionar as origens do Liberalismo à tradição

constitucionalista do pensamento europeu, que remonta ao direito romano obtendo

influências do pensamento de resistência à monarquia da Reforma e da Contra-Reforma.

No entanto como este ideário se desenvolveu está intimamente ligado com a história

européia, com o Iluminismo e o surgimento da escola de economia política escocesa que

teve como principal representante Adam Smith, e com a Revolução Americana.

Documentos constitucionais e de direitos humanos começam a surgir na Europa e o

pensamento liberal se divide na Revolução Francesa entre uma facção mais social e

outra mais individualista, tendo predominado esta última.

A contribuição do materialismo histórico também se dá para se estabelecer um

histórico do Liberalismo, já que o apogeu de suas idéias se deu ao mesmo tempo em que

a industrialização e expansão dos mercados. Remontar a história do Liberalismo ao

constitucionalismo europeu tem no entanto um trunfo bem particular, a percepção de

que as influências sobre essa doutrina, desde os primórdios do pensamento liberal, são

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variadas e provenientes de fontes não-liberais. Isso é particularmente interessante para o

desenvolvimento dessa pesquisa pois mostra como esse pensamento é permeável, o que

permitiu sua reconstrução sob faces diferenciadas em contextos históricos e políticos

diversos. Ao mesmo tempo facções mais conservadoras desse pensamento permitiram

com que esse pensamento fosse circunscrito, de maneira maleável, dentro da teoria

política e econômica, possibilitando a retomada de idéias em períodos e contextos bem

diferenciados.

Como a ênfase dessa pesquisa é no que ficou convencionado como

“neoliberalismo”, maiores considerações históricas serão feitas conforme a necessidade

das análises. Sendo, no entanto, importante a definição de duas “escolas de pensamento

liberal”, a do liberalismo clássico e a do social-liberalismo, e como estas se interligam

na cultura política ocidental moderna. O neoliberalismo é visto aqui como uma versão

revisitada do liberalismo clássico, se encaixando na mesma escola de pensamento. O

liberalismo clássico, na corrente da Grã-Bretanha a partir de 1688 (Revolução Gloriosa

e conseqüente estabelecimento da Bill of Rights em 1689) era associado à defesa da

supremacia parlamentar sobre a monarquia, sustentando a legislação e propriedade

fundiária. A partir da Revolução Francesa, facções mais modernas começaram a se

identificar com a fartura comercial, o esclarecimento e o progresso, dentre esses se

incluíam desde Adam Smith até David Hume. Novas formas de discurso se

desenvolveram: idéias comerciais de Adam Smith, o utilitarismo de Jeremy Bentham, e

utilização de conceitos sobre a soberania popular desenvolvidos por Locke.

O liberalismo clássico se mostra como a mistura de idéias e estratégias sobre

como conquistar e defender melhor a liberdade (freedom), estando essas idéias imbuídas

da doutrina do individualismo e da defesa da igualdade de direitos dos indivíduos. A

liberdade era principalmente buscada na economia sendo que uma economia livre

7

implicava um governo com funções mínimas de manutenção da lei e da ordem interna, a

defesa da propriedade privada e a segurança. O individualismo se mostra como o cerne

metafísico e ontológico do pensamento liberal, o indivíduo precede a sociedade, é mais

real do que ela. O individualismo tende para uma forma de igualitarismo, onde cada

pessoa é vista como de igual valor, sendo essa o melhor juiz de seus próprios interesses.

Tentar unir o liberalismo em volta de uma crença na liberdade não é correto pois

a liberdade pode ser interpretada positiva ou negativamente, sendo a posição negativa a

associada ao liberalismo clássico e ao neoliberalismo. A liberdade negativa seria a

liberdade alcançada pela ausência de coação e repressão, geralmente associada ao

Estado. A liberdade se constituiu nessa forma devido ao medo real da ação arbitrária do

Estado monárquico, sendo a liberdade econômica uma forma de se livrar dos privilégios

políticos de uma classe aristocrática dos proprietários de terra que através desse

monopólio controlava os preços dos gêneros alimentícios.

Outro conceito fundamental para entender o liberalismo clássico é o de justiça,

visto como a conservação de normas e procedimentos formais materializados em uma

legislação, ou seja, a manutenção da “égide do direito”(rule of law). Pobreza e

desigualdades nessa perspectiva não constituem questões de justiça. A interpretação

formal da igualdade dada por essa corrente vê portanto a desigualdade como um fato

natural, a busca da igualdade econômica abala o mercado e destrói a liberdade por

conduzir a coerção estatal.

O Social-liberalismo tem suas origens no final do século XIX, influenciado pelo

utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill, que não deixava de apoiar a

economia de livre-mercado mas que consentia em uma atuação cada vez maior do

Estado, preocupados assim com um Estado ético que deveria proporcionar mais

oportunidades iguais para o desenvolvimento, que calcularia a satisfação geral da nação.

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A individualidade seria produto desse Estado ético. A expressão mais técnico-

econômica dessa vertente se encontra em John Maynard Keynes a partir da década de

1930 cujos trabalhos visavam a melhora da eficiência do mercado através da influência

estatal.

Essa vertente liberal estava comprometida com um “individualismo social”,

onde o bem do indivíduo é ligado ao bem da comunidade, e que o indivíduo nem

sempre sabe o que é melhor para si. A responsabilidade comunal em áreas específicas

da atividade humana, portanto, conduziriam ao melhor desenvolvimento dos indivíduos.

A liberdade nessa perspectiva era de caráter positiva, ou seja, implicava a ação do

Estado, sendo que essa liberdade social frequentemente implicava uma extensão das

regras do Estado. Tratava-se portanto, de retirar as repressões injustificáveis como a

pobreza, a doença e a velhice através da repressão justificável do Estado, opinião esta

sustentada por personalidades como Winston Churchill. Na perspectiva social-liberal

portanto inclui um conceito mais amplo de justiça, visando aplacar o sofrimento

causado pelas desigualdades.

Friedrich August Von Hayek, um dos proponente do neoliberalismo, distingue o

individualismo entre uma versão racionalista inexeqüível (associada a John Stuart Mill)

e uma versão “verdadeira” (mais de acordo com as tradições e convenções de uma

sociedade de mercado). J. S. Mill queria libertar o indivíduo das convenções enquanto

que para Hayek são as tradições morais e sociais que constituem a individualidade. Uma

versão mais radical do individualismo presente no neoliberalismo via o altruísmo como

um “canibalismo moral”, sendo o capitalismo a organização que melhor possibilita esse

tipo de vida, e portanto, deveria ser defendido como uma questão moral e não só

econômica. O declínio do liberalismo clássico para Hayek foi justamente devido a essa

reinterpretação da liberdade feita pelo social-liberalismo. Esta liberdade não deve ser

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confundida com um sentido abstrato do que significa se sentir livre, mas está

personificada na propriedade privada, sendo que a noção de repressão para Hayek não

pode abarcar coisas como a pobreza e o desemprego, a repressão é somente aquela que é

intencional.

A obra de Hayek The Road to Serfdom retoma o conceito liberal clássico de

justiça onde a práticas distributivas geram injustiças devido à arbitrariedade do

distribuidor, fazendo com que o indivíduo pague por uma sociedade ineficiente. Na

mesma corrente de Hayek, outros afirmam que os incapazes, os ociosos, e os fracos

devem ser eliminados, tentar poupá-los através da redistribuição é um paternalismo que

inverte o processo evolucionista. A desigualdade portanto, é vista nos mesmos moldes

clássicos, ou seja, como parte de um processo natural.

Como essa pesquisa é focada nas expressões mais contemporâneas do

liberalismo uma contextualização da política internacional a partir da década de 1970

será o tema da próxima parte desse trabalho.

1.2 - Um breve histórico

A década de 1970 foi caracterizada por Saraiva como a das “Ilusões

igualitaristas” – quando Sul busca projetar-se no cenário internacional, afirmação do

conceito de Terceiro Mundo. Nas primeiras sessões da Unctad (1964) emerge o tema de

acumulação de riqueza na mão de poucos – Grupo dos 77 é criado. Formulação de

agenda própria para incluir países em desenvolvimento – percepção de dependência

estrutural em relação aos centros econômicos – o sonho de uma “nova ordem

internacional”, econômica e politicamente mais justa foi projetado na década de 70.

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Não só uma postura política de não alinhamento, o movimento de Terceiro

mundo tinha interesses concretos como a reforma das regras de comércio, transferência

de recursos e tecnologias, eliminação de barreiras alfandegárias no Norte, valorização

dos produtos exportados pelo Sul, criação de preferências comerciais sem contrapartida,

a desideologização das relações internacionais, e o reforço da cooperação internacional

passaram a ser objetivos da política externa de vários países do Sul. O não alinhamento

alcançou maior projeção política graças as condições criadas pelo clima de détente1.

José Flávio Sombra Saraiva resume bem o auge dessa postura do Terceiro

Mundo: “Em 1974 a ONU adota a Carta dos Direitos e Deveres Econômicos dos

Estados, sendo um marco das reivindicações dos países do Sul por uma “ordem

econômica internacional” mais justa e equitável. A proposta, declaração e o programa

de ação sobre o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica internacional (Noei)

foram convertidos em Resolução da Onu em 1979.” (SARAIVA, p.83). No entanto as

frustrações decorrentes das dificuldades de diálogo na Unctad e as parcas conquistas das

chamadas Décadas das Nações Unidas para o Desenvolvimento (1960 e 1970)

culminaram em 1981 na Conferência de Cancun que representou o auge e a queda desta

postura. Nessa conferência Reagan faz uma declaração sobre supremacia do mercado

livre, onde a diplomacia econômica deveria se limitar a liberar o acesso aos mercados

de bens e serviços, facilitar o fluxo de capitais privados, desregulamentar atividades e

proteger a propriedade intelectual.

O texto da Noei buscava diminuir a dependência em relação aos centros

hegemônicos. Resoluções e recomendações aprovadas na ONU elevaram o sentido de

justiça. Ocorreu uma ampliação de conceitos fundamentais, havendo alguns ganhos

1 Período da Guerra-Fria entre finais da década de 1960 até inícios de 1980, em que as tensões entre Estados Unidos e União Soviética diminuíram através de uma série de medidas diplomáticas tomadas por ambos no intuito de aumento de confiança entre as duas super-potências. Isso se deve à uma percepção dos prejuízos dos crescentes gastos militares, mas também da consciência da mutually assured destruction, a destruição mútua garantida pelos armamentos nucleares.

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morais e jurídicos por parte dos não alinhados, não podendo ser estes subestimados

ocorrendo reformas no Gatt (General Agreement on Tariffs and Trade) para a proteção

de indústrias nascentes. No entanto os resultados práticos e as recomendações de foros

como a Unctad tiveram aplicabilidade mínima.

Período também de intranqüilidade econômica, a década de 1970 que para

Saraiva , as matrizes da economia política da globalização dos anos 90 se encontram

naquela época (Idem p. 85). Crises econômicas (1973 a 79) tornaram o sistema

internacional da détente vulnerável. Tensões Norte sul recrudescem para uma nova

forma de antagonismo no final de 70 e início dos 80 com elevação dos juros

internacionais (aumento da dívida externa de países que tomaram empréstimos para se

desenvolver tornando insustentáveis os programas nacionais nesse sentido). Durante os

choques do petróleo (1973-79), os países periféricos produtores de petróleo se

apresentam em bloco devido ao enriquecimento obtido graças aos choques. Reação das

empresas levou a novos desenvolvimentos tecnológicos (“3ªRevolução Industrial” para

alguns) e formas descentralizadas de produção.

O sistema regulatório de Bretton Woods sofreu uma erosão contínua partir da

suspensão da convertibilidade do dólar em 1971, decisão tomada unilateralmente pelos

EUA. Novas tentativas de coordenação de políticas cambiais foram feitas mas não

produziram resultados disciplinadores como o objetivado, havendo a expansão dos

mercados financeiros de maneira anárquica durante toda a década. Isso caracterizou o

que Ernst Labrousse alcunhou de “conjuntura histórica de transformação”.

Na passagem da década de 1980 para 1990 há o surgimento de múltiplas

polaridades, e os eixos Leste-Oeste (Capitalismo e Socialismo) e Norte-Sul

(Desenvolvidos e Subdesenvolvidos) deixam de organizar exclusivamente a política

mundial. A Organização Mundial do Comércio surge como instância multilateral, dando

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resposta a essa múltipla polaridade. Autores da época, como observa Saraiva, marcaram

a este período um sentido de ruptura sendo para os propósitos dessa pesquisa

interessante a observação de considerações como a de Richard Rosencrance, que afirma

o fim do estado territorial e a ascensão do Estado Comercial, e Nigel Harris que postula

o fim do Terceiro Mundo, questões essas melhor discutidas posteriormente. O Terceiro

mundo se erodiu pela crise das dívidas externas e fragmentação devido ao rápido

crescimento econômico na Ásia Oriental e desempenhos sofríveis (América Latina),

medíocres(Ásia do Sul e Oriente Médio) e catastrófico(África), sucessos econômicos

coincidiram com sucessos políticos.

Países do Terceiro Mundo que não possuíam capacidade produtiva para

contrabalancear a sua balança comercial frente os países produtores de petróleo tiveram

que se endividar para sustentar sua demanda por petróleo. Os desequilíbrios nas

balanças de transações correntes dos países causaram o enorme crescimento das taxas

de juros sobre empréstimos, com graves conseqüências para países desenvolvidos e em

desenvolvimento, tendo a crise fiscal do Estado se instalado em ambos, e com isso um

tremendo impacto nos movimentos transnacionais de capital. No entanto os mais

afetados foram os países subdesenvolvidos, que se tornaram “exportadores de capital”

para os países mais ricos, ou seja, grandes transferências líquidas de capital na forma de

amortizações de capital por empréstimos anteriores e pagamentos de juros pelo uso de

capital estrangeiro eram feitos. Eventualmente com a abertura da crise da dívida

externa, ou seja, a incapacidade da continuidade dos pagamentos, entre 1983 e 1984

houve uma queda de 40 bilhões de dólares nos pagamentos, e com isso o término de

empréstimos para a América Latina.

Essa inadimplência colocou o sistema bancário internacional sob o risco de uma

quebra generalizada, o que gerou o movimento de recursos por parte dos países

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desenvolvidos e das instituições multilaterais, tentando assim manter as aparências de

normalidade e de socializar os prejuízos dos banqueiros privados, evitando a quebra do

sistema bancário. A manutenção das aparências de normalidade foi produto de um medo

de que houvesse uma outra Grande Depressão como a da década de 1930, evitava-se

portanto usar o termo “depressão” pois este havia se tornado tabu e o uso dele poderia

“conjurar a coisa” (HOBSBAWM, p. 394), ou seja, admitida a crise, esta poderia se

tornar pior por uma possível histeria dos mercados financeiros.

Só no final da década, com o reconhecimento da incapacidade dos países em

desenvolvimento de realizar os pagamentos, houve alguns descontos sobre o valor

nominal. Somente na década de 1990 se reconheceu também que os “problemas do

presente eram de fato piores que os da década de 1930.” (idem). Sendo assim, os países

desenvolvidos buscam coordenação de políticas macroeconômicas e cambiais através de

encontros de ministros de finanças, cooperação de bancos centrais, e da criação de

instâncias de regulação para solucionar os problemas causados pelos choques do

petróleo e pela crise da dívida, havendo também a promoção do diálogo “Norte-Sul”.

Na década de 80, o que se nota é a fragmentação do Sul, com países asiáticos se

sobressaindo enquanto a América Latina estagna com alguns prejuízos sociais e vários

países africanos declinam. O que acontece portanto é a reversão da agenda política

internacional que reivindicava uma “nova ordem internacional”. A “nova ordem”

deveria ser implementada pela ONU e suas agências especializadas como a Unctad a

fim de corrigir as deficiências dos países menos desenvolvidos, no entanto com a

mudança de foco da agenda onde figura a nova ideologia liberal, que juntamente com a

crise da dívida diminuiu a capacidade de barganha dos porta-vozes do

desenvolvimentismo, o discurso terceiro mundista perde sua relevância na coordenação

de posições entre países.

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Almeida contextualiza de forma sucinta o caráter das políticas econômicas

adotadas a partir da década de 1980 no intuito de solucionar a crise: “As relações

internacionais nos anos 80 e 90 são caracterizadas pela irupção de diversos mecanismos

desestabilizadores em vários setores da vida econômica das nações tornada cada vez

mais interdependente: os movimentos são particularmente bruscos, traumáticos ou

inovadores nos campos financeiro e monetário (flutuação desordenada das moedas e

volatilidade dos capitais de curto prazo), dos mercados de capitais e das balanças de

pagamentos (alta dramática das taxas de juros e crise da dívida externa dos países em

desenvolvimento), bem como no sistema internacional de comércio (expansão do

neoprotecionismo e introdução de uma vasta agenda negociadora do Gatt, absorvido

pela Organização Mundial do Comércio, OMC).” (ALMEIDA in SARAIVA, p.115).

Vale destacar aqui que apesar da nova ideologia liberal que sustenta as políticas

econômicas mencionadas acima, os países asiáticos que obtiveram o crescimento de

suas economias adotaram políticas pragmáticas de industrialização e desenvolvimento

tecnológico dirigidas pelo Estado, combinando com isso uma certa ortodoxia fiscal e

monetária, não seguindo portanto as receitas liberais estritamente.

O dinamismo das economias orientais forçou muitos países a adotarem políticas

concorrenciais e geoeconômicas. Na América Latina isso se caracterizou pela

liberalização do comércio e liberalização das inversões diretas estrangeiras e dos

regimes de pagamento da dívida. Com a adoção dos cânones neoliberais as economias

se voltam para o exterior, liberalizam seu comércio através de quedas tarifárias, buscam

o ajuste estrutural e a estabilidade das moedas e retiram o Estado empreendedor por

meio de privatizações.

Em meados da década de 90, as esperanças na nova fase do crescimento, com

destaque para as economias asiáticas, se desfazem devido às crises financeiras e

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cambiais da segunda metade da década, com a insolvência do México (1994-95)

considerada a primeira crise financeira do séc.XXI tanto pelo “tecnocrata” cristão

Michael Candessusm, ex-diretor gerente do FMI, como pelo historiador Eric J.

Hobbsbawn .(SARAIVA, p.85)

O comércio internacional desde os anos 60 foi considerado pelo Sul como o

caminho para o desenvolvimento havendo crescido no período (1970-90) de maneira

superior ao crescimento da produção, com a evolução diferenciada desse intercâmbio.

Os países asiáticos dobravam sua participação no comércio global enquanto na América

Latina este diminuía e na África caía pela metade. Normativa e institucionalmente no

entanto o comércio cresceu de forma contraditória com o surgimento de novas barreiras

não-tarifárias ao mesmo tempo em que negociações comerciais de acesso a mercados no

âmbito do Gatt crescem, abordando de forma inédita categorias como serviços, bens

imateriais (investimentos, patentes e tecnologia proprietária) e alguns produtos

agrícolas. A Rodada de Tóquio, concluída em 1979, reduziu ainda mais as tarifas sobre

produtos industrializados ao mesmo tempo em que foram excluídas da liberalização

áreas em que os países menos desenvolvidos tinham capacidade competitiva, como os

têxteis e bens agrícolas. Os resultados mais consistentes foram no terreno conceitual e

político, onde se reconheceu a necessidade de tratamento diferencial para os países

menos desenvolvidos.

Os sucessos nessa área, no entanto, foram de curta duração com a ascensão da

nova ortodoxia liberal (Margaret Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados

Unidos), que trouxe novamente “as duras regras do mercado ao terreno das relações

econômicas internacionais: acordos de matérias-primas, preferências para acesso a

mercados, continuidade de políticas intervencionistas, sustentação a setores industriais

incipientes, inexistência de legislações adequadas de proteção à propriedade intelectual,

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desrespeito a normas sociais e ambientais estabelecidas com base em critérios

estritamente unilaterais, todos esses elementos supostos ou efetivos das deficiências das

regras do intercâmbio tal como regido pelas normas do Gatt foram esgrimidos pelos

países desenvolvidos para exigir não mais o free trade, mas o fair trade, o comércio

julgado justo e leal segundo seus próprios argumentos.” (ALMEIDA in SARAIVA

p.121). Nesse intuito os países desenvolvidos reivindicam o lançamento da Rodada

Uruguai do Gatt, possuindo objetivos ambiciosos ao incluir áreas de investimentos,

propriedade intelectual e agricultura. Tendo durado mais do que o planejado, conseguiu

resultados fracos comercialmente mas institucionalmente sucedeu em criar a

Organização Mundial do Comércio, que era o objetivo desde o início da instituição do

Gatt que foi criado como um acordo provisório.

O Gatt concebido como o terceiro pilar do sistema econômico pós-guerra, apesar

de possuir a responsabilidade de organização e regulamentação do comércio

internacional segundo uma concepção liberal da economia, não impunha o livre-

comércio, buscando apenas discipliná-lo, admitindo o protecionismo transparente. No

entanto o que se observou na dinâmica entre países foi a pressão por uma liberalização

progressiva das economias em desenvolvimento enquanto um protecionismo velado

(barreiras não-tarifárias muitas vezes injustificáveis) crescia nas economias centrais.

1.3 - Neoliberalismo como projeto

Durante a década de 1970 a flexibilização da produção permitia uma maior

adaptabilidade às demandas do mercado, isso ocasionou a modificação das relações de

força e de poder entre empresas individuais e o mercado. As unidades produtivas se

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tornaram menores e muito mais dependentes do mercado e da demanda dos clientes.

Outra característica da época foi a enorme expansão dos mercados financeiros

internacionais, que começou com o déficit público dos Estados Unidos financiando a

guerra do Vietnã. Os Estados nacionais passaram a depender da confiança dos mercados

financeiros para implementar grande parte das políticas estatais. Estes mercados podem

gerar muito mais capital que os Estados, sendo esta uma das influências a favor das

privatizações. As relações de força entre os Estados e os mercados também mudaram.

(THERBORN, A Crise e o Futuro do Capitalismo in SADER)

“As Décadas de Crise foram a era em que os Estados nacionais perderam seus

poderes econômicos.”(HOBSBAWM, p.398) Isso fica mais claro com a análise de

Stephen Gill sobre o crescimento do poder do Capital (no sentido dos mercados

financeiros) exercendo poder sobre os Estados, de certa forma os coagindo a adequarem

suas políticas às demandas do mercado financeiro, ao perigo de se tornarem irrelevantes

se não o fizessem. Os Estados passaram a buscar tornar suas economias mais atraentes

do que a dos outros para atrair fluxos de investimentos. Os Estados se viam a mercê de

um “mercado mundial”, não podendo revitalizar suas economias unilateralmente devido

a interdependência das economias e mercados.(GILL e LAW, Hegemonia global e

poder estrutural do capital in GILL)

Continuando sobre essa perda de autonomia estatal por parte dos países menos

desenvolvidos Hobsbawm coloca que: “A autoridade dos organismos financeiros

internacionais estabelecidos depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo o Fundo

Monetário Internacional e o Banco Mundial [são um instrumento de ação internacional

protegido contra Estados-nações e democracias]. Apoiados pela oligarquia dos grandes

países capitalistas, que, sob o vago rótulo de “Grupo dos Sete”, se tornaram cada vez

mais institucionalizados a partir da década de 1970, eles adquiriram crescente

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autoridade durante as Décadas de Crise, à medida que as incontroláveis incertezas das

trocas globais, a crise da dívida do Terceiro Mundo e, após 1989, o colapso das

economias do bloco soviético tornaram um número cada vez maior de países

dependentes da disposição dos países ricos de conceder-lhes empréstimos. Esses

empréstimos eram cada vez mais condicionados à busca local de políticas agradáveis às

autoridades bancárias globais.”(HOBSAWM, p. 420)

O aumento de autoridade no entanto não foi frente a todos tendo especial

impacto na América do Sul e na África, cujas economias se encontravam fragilizadas

pela crise da dívida combinada com a recessão, enquanto nos países asiáticos a

influência foi mínima e frente os países desenvolvidos a influência era nula. Exemplo

disso foi a existência de déficits públicos altos nas nações desenvolvidas no início da

década de 1990, que não sofriam pressões mesmo assim, enquanto déficits muitas vezes

menores geravam “missões” do FMI e Banco Mundial na América Latina. Essa

influência se caracterizou pelo que ficou conhecido como a cartilha do “Consenso de

Washington”, definindo as políticas econômicas a serem adotadas pela América Latina.

A adoção dos cânones neoliberais foi o produto das crises da década de 1970

quando a única alternativa oferecida era a propagada pelos ultraliberais, a valorização

destes foi reforçado pelo fracasso das políticas convencionais se refletiu na premiação

do Nobel em 1974 à Friedrich Von Hayek e em 1976 à Milton Friedman. A propagação

dessa ideologia que remete à criação da Sociedade de Mont Pèlerin só desembocou no

domínio das políticas de governo na década de 1980 (HOBSBAWM, p. 398-99). O

marco do pensamento denominado ‘neoliberal’ está na obra de Hayek “O caminho da

servidão” de 1944, que logo após a publicação de sua obra organizou a reunião de Mont

Pèlerin na Suíça, onde se encontravam intelectuais simpáticos a essa corrente como

Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ledwig Von Mises, Walter Eupkan,

19

Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, dentre outros, fundando

assim a Sociedade de Mont Pèlerin, cujo pensamento só ganhou força com as crises que

começaram em 1973.

Contextualizando os conflitos ideológicos da época Hobsbawm coloca: “A

batalha entre keynesianos e neoliberais não era nem um confronto puramente técnico

entre economistas profissionais, nem uma busca de caminhos para tratar de novos e

perturbadores problemas econômicos. (...) Era uma guerra de ideologias incompatíveis.

Os dois lados apresentavam argumentos econômicos. Os keynesianos afirmavam que

altos salários, pleno emprego e o Estado de Bem Estar haviam criado a demanda de

consumo que alimentara a expansão, que bombear mais demanda na economia era a

melhor maneira de lidar com depressões econômicas. Os neoliberais afirmavam que a

economia e a política da Era de Ouro impediam o controle da inflação e o corte de

custos tanto no governo quanto nas empresas privadas, assim permitindo que os lucros,

verdadeiro motor do crescimento econômico numa economia capitalista, aumentassem.”

(HOBSBAWM, p.399)

Os neoliberais iam mais longe, declaravam abertamente a necessidade da

desarticulação de sindicatos pois estes elevaram os salários, que ao destruir os níveis

necessários de lucros das empresas, desencadearam processos inflacionários causadores

das crises. Com a restauração da taxa “natural” de desemprego, criando assim um

exército de reserva de trabalhadores que pela regra de oferta e procura diminuiria os

salários. Os Estados deveriam almejar principalmente a estabilidade monetária, e isso só

seria obtido segundo estes teóricos através da diminuição dos gastos sociais dos Estados

que também deveriam fazer reformas fiscais para incentivar os agentes econômicos

reduzindo os impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre rendas, o aumento da

desigualdade, portanto, dinamizaria as economias avançadas.

20

Não havia no entanto uma receita única do neoliberalismo. Nos EUA onde o

conservadorismo fiscal e o “monetarismo” de Milton Friedman eram regra, o governo

Reagan utilizou remédios keynesianos para sair da crise de 1979-82 adquirindo um

déficit gigantesco devido ao aumento exponencial dos armamentos. Esse

“keynesianismo militar disfarçado” foi fundamental para a recuperação das economias

da Europa Ocidental e da América do Norte. (ANDERSON, Balanço do neoliberaismo

in SADER) Deve-se ressaltar aqui que a prioridade dada à competição militar no

governo de Reagan fazia parte do ideário neoliberal, que sempre incluiu o

anticomunismo mais intransigente. No continente europeu as práticas foram mais

cautelosas, no Sul do continente Europeu as tendências contrárias a esse ideário

acabaram cedendo à ortodoxia eventualmente, como por exemplo a França. Governos

“de esquerda” ou “trabalhistas” adotaram políticas favoráveis ao capital financeiro e às

privatizações (p.ex. a Espanha) ou adotaram agendas tão ou mais radicais que Thatcher

(p.ex. a Nova Zelândia).

Ao final da década de 1980, com exceções feitas à Suécia, Áustria e Japão, nos

demais países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico) idéias do Neoliberalismo triunfaram. Isso resultou numa taxa de

desemprego duplicada, queda na inflação, aumento do lucro das empresas e aumento da

desigualdade com a redução de 20% na tributação dos salários mais altos. Ao contrário

do previsto, a recuperação dos lucros não levou a um aumento nos investimentos, pois a

desregulamentação financeira criou elementos mais propícios para a inversão

especulativa do que para a produtiva. Durante essa década houve a explosão dos

mercados financeiros com a conseqüente queda do comércio mundial, este, por sua vez,

passou a crescer novamente com a ascensão do “tigres asiáticos”.

21

A derrota do comunismo na Europa Oriental e União Soviética deu novo alento

ao projeto neoliberal que já estava desgastado economicamente. Em 1991 a Suécia fez

concessões ao avanço neoliberal diminuindo parte dos benefícios sociais. Em 1992

Major sucede Thatcher na Inglaterra mantendo as mesmas políticas. Em 1993

Berlusconi se elege na Itália e o socialismo sai derrotado nas eleições francesas. Os

novos arquitetos das economias pós comunistas no Leste Europeu por sua vez eram

seguidores convictos de Hayek e Friedman, adotando um projeto neoliberal mais radical

do que no Ocidente, aceitando prejuízos sociais e econômicos muito maiores.

Na América Latina, o Chile antecipou a todos adotando quase uma década antes

que Thatcher uma política econômica neoliberal projetada por economistas norte-

americanos. A adoção dessas políticas foi facilitada pela presença de uma ditadura

militar no país que impossibilitava qualquer oposição. Vale comentar, para efeitos de

esclarecimento que para o ideário neoliberal a ausência de democracia não é

contraditória pois, um governo totalitário que respeite a liberdade econômica seria

preferível “se a maioria democrática decidisse interferir com os direitos incondicionais

de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua propriedade como quisesse.”

(ANDERSON in SADER) A liberdade e a democracia poderiam se tornar

imcompatíveis, segundo Hayek. No resto do continente as oposições políticas só

permitiram em finais da década de 1980, devido à crise de 1987, uma guinada neoliberal

no continente. Sendo assim em 1988 Salinas assume no México, em 1989, Menem na

Argentina e Carlos Andrés Perez na Venezuela e em 1990 Fujimori no Peru.

Das quatro experiências citadas houve três ‘sucessos’ e um ‘fracasso’

(Venezuela). O sucesso foi condicionado à concentração de poder no Executivo que no

México já existia e que no Peru e Argentina inovações legislativas foram feitas

(legislações de emergência e reformas constitucionais). Na Bolívia a hiperinflação

22

fragilizou a população induzindo-a aceitar o programa neoliberal, fato similar ocorre no

Brasil posteriormente. Chile, Argentina, México e Bolívia são considerados por

Anderson campos privilegiados de experimentação do Neoliberalismo.

O Neoliberalismo foi mais bem sucedido política e ideologicamente que social e

economicamente, “(...) a agudeza maior da crise econômica – especialmente da crise

fiscal do Estado, refletida na inflação, como resultado de um forte conflito distributivo –

propiciou um sucesso maior ao controle da inflação, produzindo efeitos ideológicos e

políticos mais fortes a partir da diminuição brusca e espetacular de processos

hiperinflacionários desatados ou em curso.” (SADER, Hegemonia Neoliberal na

América latina in SADER, p.36). Depois desse sucesso perde-se o impulso: “os déficits

nas balanças de comerciais, nas balanças de pagamentos, a desindustrialização, os

desequilíbrios sociais, com taxas altas de desemprego, as clivagens sociais

aprofundadas, as instabilidades provenientes da profunda abertura ao mercado

internacional foram refletindo esse novo período”.(idem, p.36-7) A sociedade fica

dividida entre aqueles que podem se defender minimamente dos processos

hiperinflacionários e aqueles que não o podem. As elites provocadoras dos processos

inflacionários com suas dinâmicas especulativas fazem “com que as classe subalternas

paguem o preço das políticas antiinflacionárias.” (ibid)

23

2 - A Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas – 2.1 Considerações

Históricas

A Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas (UNCHR na sigla em

inglês ou simplesmente CDH) foi criada em 10 de dezembro de 1946 na primeira

reunião do ECOSOC (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) segundo

disposições previstas na Carta das Nações Unidas (artigo 68) de se criar um órgão de

direitos humanos dentro do sistema da ONU. A Comissão é composta por 53 Estados

membros, sendo auxiliada pela Subcomissão de Promoção e Proteção aos Direitos

Humanos, mas também por especialistas em direitos humanos, representantes e

Relatores Especiais. A CDH realiza reuniões regulares a cada ano por seis semanas

entre março e abril em Genebra, podendo se reunir excepcionalmente em uma sessão

especial contanto que a maioria dos Estados concorde. A literatura existente sobre a

Comissão divide sua história em três partes: de 1947 a 1954 com a redação de normas

gerais, tendo como resultado a Declaração Universal de Direitos Humanos; a de 1955 a

1966, quando se focou na promoção de direitos humanos, tendo organizado os Pactos

Internacionais de 1966 (sobre direitos civis e políticos e sobre direitos econômicos,

sociais e culturais), e a partir de 1967, quando foram tomadas iniciativas para proteger

os direitos humanos. As primeiras duas partes são costumeiramente definidas como

partes de um período “abstencionista”, onde a Comissão admitia não possuir poderes

para tomar medidas contra violações dos direitos humanos, e a última parte como o

início do período “intervencionista”, período em que mecanismos de observância dos

direitos humanos foram criados.(ALVES, 1994, p.6-7).

A divisão da história da Comissão na verdade coincide com o próprio mandato

definido pelo ECOSOC que dividia as atividades em três partes: a criação de uma

declaração de caráter abrangente, a criação de mecanismos que vinculassem mais os

24

Estados à obrigação de proteção dos direitos humanos e, por último, o monitoramento

da situação dos direitos humanos no mundo. Nas duas primeiras atividades, a Comissão

foi considerada mais bem sucedida, apesar do pequeno número de países que adotaram

a Declaração Universal dos Direitos Humanos (votação de 48 a zero, havendo 8

abstenções). No segundo período, que culminou na criação dos dois Pactos

Internacionais, os julgamentos quanto aos trabalhos da Comissão são ambígüos, por um

lado conseguiu estabelecer mais especificamente os direitos humanos abarcando um

número maior de Estados, mas por outro teve que dividir os direitos humanos em dois

pactos para conseguir a conciliação das posturas Ocidental e Oriental. O terceiro

período é o mais criticado da história da Comissão, com acusações de ter se tornado

enviesada (por parte de ambos os lados), ou mesmo de ter se tornado um joguete

político dos Estados.

O período considerado intervencionista se iniciou em 1967 com o recebimento

pela Comissão de petições do Comitê da Descolonização sobre as violações de direitos

humanos na África do Sul relativas ao apartheid que ocorria. A adoção do ECOSOC da

Resolução 1235 deu à CDH e a seu órgão subsidiário, a Subcomissão para a Prevenção

de Discriminação e Proteção de Minorias, competências de investigar e produzir

relatórios sobre violações flagrantes de direitos humanos. Esse aumento do escopo de

ação da CDH dividiu os Estados ocidentais e socialistas; os países ocidentais agora

buscavam uma maior atuação da Comissão enquanto os socialistas eram contrários a

qualquer tipo de monitoramento internacional de atividades relativas à soberania

nacional. A discussão perdurou até 1970 quando o ECOSOC adotou a Resolução 1503

intitulada “Procedimentos para lidar com comunicações relativas a violações dos

direitos humanos e liberdades fundamentais”. Nesta resolução, os procedimentos, na

forma em que foram regulamentados, permitiam a consideração confidencial dos casos

25

sendo selecionados ao longo de diversas etapas; a seleção dos casos e a lentidão dos

trabalhos foram alvos de críticas ao longo dos anos.

Apesar das resoluções adotadas, as atividades da Comissão se mantiveram

limitadas aos casos de quatro Estados: África do Sul (apartheid), Chile (ditadura de

Pinochet), Israel (violações ocorridas nos territórios ocupados após a Guerra de Seis

Dias), e Rhodesia (ex-colônia britânica e atual Zimbábue). As atividades eram

caracterizadas pela criação de Grupo de Peritos, que realizavam visitas de investigação

e inspeção in situ e de Grupos de Trabalho que examinam os testemunhos recebidos. A

partir de 1980, a Comissão estabeleceu Relatores Especiais, Representantes e Enviados

Especiais para vários outros países. A partir de 1980 outros mecanismos foram criados

com o estabelecimento do Grupo de Trabalhos sobre Desaparecimentos Forçados ou

Involuntários, servindo de modelo para a criação de outros mecanismos similares na

supervisão temática dos direitos humanos.

Apesar dos diversos avanços observados pela Comissão na obtenção de

reconhecimento dos seus trabalhos, assim como no aumento do escopo de sua ação, as

críticas à CDH foram contínuas ao longo dos anos desgastando a sua legitimidade até o

ponto em que esta foi extinta em 2006. Para entender melhor esse fato, algumas

considerações mais pormenorizadas sobre a história da Comissão devem ser feitas. Jack

Donnely (DONNELY, 1988) desenvolveu um estudo quantitativo sobre a Comissão

procurando esclarecer as acusações de que a Comissão seria enviesada. Seu estudo

consistiu em estabelecer o número de reuniões da Comissão e tempo gasto com cada

área (Donnely divide em 7) concernente aos direitos humanos. Segundo esse autor,

durante todo o período analisado (1955-1985), 20% do tempo da Comissão foi gasto

com questões relativas aos direitos civis e políticos (sendo metade do tempo gasto com

26

questões de discriminação racial); em contraste, apenas 5.5% do tempo da comissão foi

gasto com questões relativas aos direitos econômicos, sociais e culturais.

No período de 1955-1965, Donnely observa que os direitos econômicos e sociais

nem eram discutidos, pois o ocidente era quem determinava as discussões nesse

período. Posteriormente com a obtenção de maioria pelo Terceiro Mundo, o enfoque

passou a ser a discriminação racial e o direito de autodeterminação, em menor ênfase.

Outra característica interessante é que, enquanto os direitos civis e políticos eram

discutidos separadamente, os direitos econômicos e sociais eram quase exclusivamente

considerados como um grupo. Donnely explica isso afirmando que provavelmente esse

tipo de agrupamento é feito porque os países do Terceiro Mundo têm muito a esconder

quanto à realização dos direitos econômicos e sociais, sendo que aqueles no poder

desses governos são justamente os beneficiários das políticas que violam esses direitos,

assim como da má distribuição da riqueza. Concluindo que a CDH é mesmo enviesada,

o autor aponta como um dos principais problemas da Comissão a questão da política de

poder existente, onde Estados Unidos e União Soviética, as duas grandes potências do

período, se encontravam entre os países mais enviesados no que tange aos direitos

humanos, enquanto os Países Baixos e a Anistia Internacional, conhecidos pelo seu

prestígio nessa área, possuíam pouco ou nenhum poder.

Com o aumento de poder da Comissão a partir de 1980 “targeted resolutions”

passaram a ser expedidas; essas resoluções apontavam Estados especificamente,

tratando das violações de direitos humanos que ocorriam ao redor do mundo. No

entanto, assim como aponta Ron Wheler (WHELER,1999), que analisou essas

resoluções no período de 1982 a 1997, apenas 22 governos foram apontados, sendo que

vários casos foram ignorados onde os países acusados conseguiam apoio de outros

Estados, evitando assim serem apontados. Regionalmente essas resoluções se focaram

27

na Ásia, África e América Latina. A completa ausência de capacidade da Comissão de

passar sequer uma avaliação sobre as condições dos direitos humanos nos países

ocidentais tira boa parte de sua credibilidade. Muitos países do bloco socialista e do

Terceiro Mundo também conseguiram evitar em sua maioria serem alvos das

resoluções. Wheler vai mais longe e afirma que a ausência de universalidade da

aplicação dos padrões internacionais e a tendência da Comissão de passar resoluções

cada vez mais “suaves” têm enfraquecido os julgamentos da Comissão e seu impacto

público.

2.2 - A questão dos direitos humanos: um retrospecto de sua afirmação

internacional

Antes de iniciar a análise propriamente dita do documento, algumas

considerações históricas para melhor expor a intertextualidade inerente à Declaração de

Viena e Programa de Ação são necessárias. Além destas, questões relativas à

espacialização (dinâmica do espaço utilizado) e actancialização (definição dos sujeitos)

precisam ser brevemente delineadas inicialmente no intuito de evitar repetições

desnecessárias.

As primeiras declarações sobre os direitos humanos remontam às Revoluções

Americana e Francesa que reconhecem todos os homens como igualmente vocacionados

na sua “busca da felicidade” (Declaração de Independência dos Estados Unidos) e na

sua igualdade em direitos e liberdades logo ao nascer (Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789, art. 1º). Fábio Konder coloca sobre isso:

“A partir das declarações de direito do final do século XVIII, porém, estabeleceu-se a distinção entre a liberdade pública, com o sentido político de autogoverno, e as liberdades privadas, como instrumento de defesa do cidadão contra as interferências governamentais. Benjamin Constant, expressando a visão burguesa do mundo, chegou a contrapor estas a aquela, mostrando que, enquanto os antigos só se preocupavam com a participação política do cidadão e desconheciam a autonomia privada, os modernos estão sempre prontos a abrir

28

mão da participação política, contanto que lhes sejam preservadas as liberdades individuais.” (KONDER, 2001, p.62-3).

Benjamin Constant era um dos principais representantes da facção

constitucionalista mais moderada da Revolução Francesa, que entrou em forte

desacordo com os sans culotes que reivindicavam uma democracia participativa direta,

ao invés de representativa, e ocasionalmente defendiam teorias comunistas de

propriedade. Constant responsabilizou Jean Jaques Rousseau pelas reivindicações “mais

radicais” dos sans culotes (VINCENT, 1986, p.37), sendo Rousseau uma das principais

inspirações pela elaboração futura de direitos econômicos e sociais dentro da tradição

liberal e dos direitos humanos. O constitucionalismo moderno se apoiou no Estado

Liberal, atribuindo somente funções de manutenção da ordem e da segurança para que

as liberdades civis pudessem ser realizadas.

A formação discursiva mais “social” da tradição liberal foi nos seus primórdios

apagada, preterida frente às liberdades individuais, sendo gradativamente retomada ao

longo dos anos devido a pressões das populações pauperizadas pelo capitalismo

(somente em 1848 se reconheceram algumas proteções para os trabalhadores na

constituição francesa). Devido à crise de 1929 e à nova reestruturação do capitalismo,

na época muito dessa perspectiva foi retomada com a ascensão do New Deal dos

Estados Unidos e do “Estado de Bem-Estar Social” na Europa. O Neoliberalismo, a

partir da década de 70 se propõe então a uma retomada do liberalismo clássico sob

novas faces e isso tem uma influência na própria aplicação dos direitos humanos, sendo

portanto fundamental a observação do desenvolvimento do liberalismo para uma melhor

compreensão de como o discurso dos direitos humanos se afirmou historicamente.

A Carta das Nações Unidas, assinada por 51 países em 26 de junho de 1945,

concebe os direitos humanos como somente as liberdades individuais, no entanto esta

afirma a intenção de promover o progresso econômico e social mundialmente, criando

29

assim o ECOSOC (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas) que em 1946

criou a Comissão de Direitos Humanos (CDH), responsável pela Declaração Universal

dos Direitos Humanos e pelos dois Pactos Internacionais de 1966. A Carta afirmava a

ordem e a égide do direito (rule of law) como pré-requisitos para a manutenção e

observância da paz e dos Direitos Humanos. Na Carta também se afirmava já o direito

de autodeterminação dos povos, mas este se limitava somente a questões relativas ao

fim do jugo colonial sobre alguns povos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi redigida logo após o fim da 2ª

Guerra Mundial, tendo se omitido quanto à União Soviética e aos abusos cometidos

pelas potências ocidentais na intenção de se apaziguarem as diferenças, sendo um texto

recheado de recursos discursivos homogeneizantes, ou seja, cheio de generalidades e

repetições, evitando, ao máximo, especificidades, buscando assim obter a aceitação de

todos os países signatários. No entanto, apesar da aprovação unânime, se abstiveram de

votar os países comunistas, a Arábia Saudita e a África do Sul. A declaração,

tecnicamente, não passa de uma recomendação, sendo incluída total ou parcialmente

nos âmbitos jurídicos de vários países. Konder afirma que “A doutrina jurídica

contemporânea (...) distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida

em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como

regras constitucionais escritas.” (KONDER, 2001, p.224). Dessa afirmação se

depreendem duas coisas, primeiro há de se definir quais são os direitos definidos como

fundamentais, ou seja, que possuem força vinculante nacionalmente e maior

reconhecimento internacionalmente. Segundo, como inexiste um poder internacional

que aplique os direitos humanos, a observância destes depende das preferências e

interesses estatais, ou seja, aqueles que cada Estado define como fundamentais.

30

A Declaração resgata os três princípios da Revolução Francesa (liberdade,

igualdade e fraternidade), princípios estes que só foram consagrados oficialmente no

ordenamento jurídico futuramente, tendo a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão francesa e a Bill of Rights norte americana (1776) se referido somente à

liberdade e à igualdade. A fraternidade, valor mais ligado à tradição de Rosseau, só foi

oficialmente adotada em 1848 na França.

A partir dos dispositivos fornecidos pela Declaração Universal dos Direitos

Humanos foram adotadas três convenções internacionais: sobre os direitos políticos das

mulheres (1952); sobre o consentimento para o casamento (1962); e sobre a eliminação

de todas as formas de discriminação racial (1965). Estendendo o sistema de proteção

universal a populações antes não contempladas, a Declaração também afirma o direito

de asilo político a vítimas de perseguição e o direito de todos a ter uma nacionalidade.

Isso remete a uma demanda histórica após a política de supressão de nacionalidade

alemã aplicada pelo Estado nazista, que retirou todos os direitos de minorias e pessoas

consideradas de origem judaica, dando assim a brecha legal para o Holocausto. Os

direitos humanos, portanto, não são protegidos independentemente da nacionalidade e

da cidadania.

Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Comissão sobre os

Direitos Humanos foi incumbida de criar mecanismos juridicamente mais vinculantes

do que uma declaração, elaborando em 1966 o Pacto Internacional sobre Direitos Civis

e Políticos, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que

pormenorizam o conteúdo dos direitos humanos. A realização de dois tratados foi feita

dentro de uma necessidade diplomática, pois as potências ocidentais buscavam o

reconhecimento somente das liberdades individuais clássicas enquanto o bloco

comunista e países africanos destacavam os direitos econômicos e sociais. Declarou-se

31

então que a fiscalização seria feita somente sobre os direitos civis e políticos enquanto

os econômicos e sociais seriam realizados progressivamente conforme os recursos de

cada Estado.

O Protocolo Facultativo, anexo ao Pacto de Direitos Civis e Políticos, que atribui

a CDH a competência de receber e processar denúncias de violações aos direitos

humanos, no entanto, é dependente do reconhecimento do Estado acusado de violar os

direitos humanos, e foi, por isso, objeto de discórdia na adoção dos Pactos de 1966. A

aprovação do Protocolo teve dois votos contrários e trinta e oito abstenções,

provenientes não só de países comunistas, mas também de países do Terceiro Mundo e

da Europa Ocidental. Os primeiros suspeitavam de ingerência internacional nos

assuntos internos do Estado enquanto a Europa se julgava já vinculada pelos órgãos

criados pela Convenção Européia de Direitos Humanos. A ausência de um mecanismo

fiscalizador quanto aos direitos econômicos e sociais foi vista como uma falha, sendo

somente suprimida vinte anos depois quando se criou, contra o voto solitário dos

Estados Unidos, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Em 1993 a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, requisitada pela

Assembléia Geral da ONU ao Secretário Geral em 1989 para que questionasse

organizações e países sobre o desejo de realizar tal conferência, teve número sem

precedentes de participantes (por volta de 7.000) sendo que 171 Estados estavam

representados, também número recorde na época de participação. Essa Conferência

produziu a Declaração de Viena, que surge como uma afirmação da indivisibilidade dos

direitos humanos procurando unir a formação discursiva dos direitos civis e políticos

com a dos direitos econômicos, sociais e culturais, somando a esta também o direito ao

desenvolvimento adotado na Assembléia Geral da ONU em 1986.

32

A Declaração do Direito ao Desenvolvimento de 1986 já reconhecia este direito

como parte dos direitos humanos, no entanto, na votação da Assembléia Geral, os

Estados Unidos votaram contra e alguns países ocidentais se abstiveram (Dinamarca,

Finlândia, República Federal da Alemanha, Islândia, Israel, Japão, Suécia e Reino

Unido) tendo essa Declaração se mostrado uma reivindicação primordialmente do

Terceiro Mundo. Ela afirmava como primordiais a cooperação e o desarmamento

internacional, este último visto como essencial tanto pelo contexto de Guerra Fria como

pelos crescentes gastos militares e o peso que isto tinha sobre os orçamentos nacionais.

O fato de esse direito ser admitido na Declaração de Viena como indivisível e

inalienável se mostrou uma vitória para os países em desenvolvimento. No entanto, essa

concessão por parte dos opositores do passado tem duas razões. Primeiramente, o fato

de a Declaração de Viena especificar que a ausência do desenvolvimento não pode ser

invocada para justificar limitações aos outros direitos humanos. O outro motivo é o

próprio objetivo da Conferência Mundial para os Direitos Humanos: a afirmação da

universalidade dos direitos humanos frente ao colapso da União Soviética.

A universalidade intencionada implicou em concessões diplomáticas por parte

dos países em uma busca por unificar os discursos. Boutros-Gali, Secretário Geral da

ONU à época, afirmou na abertura da Conferência: “Two months earlier, the Berlin

Wall had fallen, carrying away with it a certain vision of the world, and thereby opening

up new perspectives.” 2 Boutros-Gali foi além, ao clamar aos países participantes que

deixassem de lado as políticas de poder para que fosse possível a obtenção do consenso.

Apesar da crença de que essa “visão de mundo” deixara de existir e, portanto, as novas

perspectivas abertas facilitariam a obtenção de consenso, o ambiente multilateral

implica negociações, concessões diplomáticas, relações de poder, alinhamentos

2 http://193.194.138.190/html/menu5/d/statemnt/secgen.htm- visitado em 1 de julho de 2008 às 22:00h – O secretário geral da ONU se referia ao momento em que lhe haviam requisitado a observância das vontades sobre a realização de uma conferência mundial sobre direitos humanos.

33

estratégicos de países. Quanto à natureza da escrita do documento: “A redação confusa,

repetitiva e, às vezes, ambígua de muitos parágrafos, típica da linguagem multilateral, é

decorrência de múltiplos aportes e objeções, cujo reflexo no texto foi imprescindível”

(ALVES, 1994, p.149). Trata-se de uma característica discursiva típica da linguagem

multilateral, pois as organizações envolvidas buscam abarcar sempre os interesses de

todos os Estados envolvidos, através de um convencimento pela repetição (isotopia) e

legitimação pelos documentos produzidos no passado (discursos/argumentos de

autoridade). Uma outra questão que merece atenção, e que também é típica da

linguagem multilateral, é a constante observância da soberania estatal, um dos

principais valores (senão o principal) da teoria Realista das Relações Internacionais, que

prima pela defesa dos interesses estatais. Essa perspectiva se complementa com a

perspectiva Liberal, teórica e ideologicamente, na definição do comportamento estatal

como será observado ao longo da análise do documento a seguir.

2.3 - Uma análise discursivo-ideológica da Declaração de Viena

Primeiramente nessa análise é importante ressaltar a utilização do conceito de

liberdades fundamentais, já utilizado no preâmbulo da Declaração de Viena, sendo

constantemente retomado ao longo de todo o documento. Este conceito, no entanto, já

se encontra presente na definição dos direitos humanos da Declaração Universal de

Direitos Humanos. A ênfase no conceito de liberdades fundamentais se iniciou na

Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms (Council Of

Europe) separando três artigos específicos para as liberdades (freedom), definindo a

liberdade de pensamento, consciência, religião, expressão, assembléia e associação.

Historicamente isso foi introduzido em um ambiente de Guerra Fria (4 de novembro de

34

1950), sendo o discurso das liberdades (freedoms) uma forma de afirmar o caráter

democrático das sociedades liberais, em oposição aos malefícios do comunismo, sendo esse

discurso reiterado no ambiente da (re)construção dos Estados do Leste Europeu, antes

partes da União Soviética. A ênfase reiterada na Declaração de Viena indica quais atores

provavelmente eram os principais articuladores dessa declaração (países europeus). A

construção gradativa e isotópica do conceito de liberdades fundamentais admite a existência

de outras formas de liberdade, como a liberdade da miséria (freedom from want) por

exemplo, no entanto somente as enunciadas acima são fundamentais. É importante observar

a distinção entre ‘liberty’ e ‘freedom’, pois a primeira tem um sentido mais relativo à

sociedade e à regulamentação de suas liberdades, enquanto a segunda se refere à realização

da livre vontade dos indivíduos, à ausência de restrições. O conceito de “freedom” é muito

mais recorrente nas discussões de direitos humanos, no entanto, ao ser traduzido, não se

distingue de “liberty”, sendo importante ressaltar essa significação para as subseqüentes

considerações.

Outra questão colocada no preâmbulo da Declaração de Viena refere-se à fé,

“faith in fundamental human rights”, que é indissociável da questão de direitos

humanos, pois estes derivam dos “direitos naturais” com origens em Platão e

Aristóteles, mas são incorporados à doutrina cristã, apesar de serem proclamados como

laicos e universais. Se estes assim o fossem, a fé a eles atribuída não seria necessária,

somente a observação de seu cumprimento seria imprescindível, ou mesmo nem esta,

pois já seriam reconhecidos e defendidos por todos mundialmente. A teoria dos direitos

naturais influenciou a filosofia de John Locke, um dos ideólogos do Liberalismo,

portanto a interdiscursividade desses direitos com o Liberalismo se encontra na sua

gênese, quando Locke afirma os três direitos naturais: vida, liberdade e propriedade

(bens acumulados).

35

Ainda no preâmbulo da Declaração se reafirma o compromisso, “(...) to establish

conditions under which justice and respect for obligations arising from treaties and

other sources of international law can be maintained, to promote social progress and

better standards of life in larger freedom, to practice tolerance and good

neighbourliness(…)”.3 O conceito de justiça é constantemente evocado, no entanto a

ausência de uma definição (inclusive na Carta das Nações Unidas) do que seria essa

justiça, por omissão presume uma formação discursiva única, predominante sobre esse

conceito, dando a entender que se trata somente de uma questão legalista, pois tratados,

obrigações e Direito Internacional são evocados logo em seguida. Liberdade maior ou

mais ampla não define também os âmbitos de sua expansão; a ausência de uma

definição presume uma definição anterior, nesse caso nos fazendo remeter à formação

discursiva das liberdades (“freedom”) fundamentais presentes em declarações

anteriores. Quanto à tolerância dentro dos direitos humanos esta “(...)não exige um

envolvimento ativo com os “outros” e reforça o sentimento de superioridade de quem

fala de um autodesignado lugar de universalidade.”, como apontado por Boaventura de

Souza Santos (SANTOS, 2003, p.31), ou seja não leva necessariamente a um maior

entendimento e paz como almejados.

A Declaração “enfatiza” que a Declaração Universal dos Direitos Humanos

constitui um “(...) common standard of achievement for all peoples and all

nations(…)”4, interessante observar a escolha discursiva ao enunciar esse “padrão

comum”, pois presume, embasado nesse discurso de autoridade da Declaração de 1948,

que o estabelecimento de um padrão universal é possível. Toda sociedade tem seus

padrões e não se pode afirmar a existência de uma cultura mundial (ORTIZ, 2000).

3 (...) para estabelecer condições sob as quais a justiça e respeito às obrigações provenientes de tratados e outras formas de direito internacional possam ser mantidas, para promover progresso social e melhores padrões de vida em liberdade mais ampla, para praticar tolerância e boa vizinhança (...)” (tradução nossa)4(...) padrão comum de realização para todos os povos e todas as nações (...) (tradução nossa)

36

Ortiz coloca que apesar da ausência de uma cultura universal, o que ocorre é uma

“estandardização” de modos de vida, definidos principalmente pelo consumo. A

evocação de padrões universais dialoga com a perspectiva liberal de relações

internacionais que prevê uma sociedade internacional. Comum para a perspectiva liberal

em latto sensu é “o pressuposto da racionalidade como característica básica da

humanidade que abre as portas para o potencial de transformar as relações sociais e

realizar o progresso (lembrando que a racionalidade está, em última instância,

depositada nos indivíduos). A crença no progresso indica que é possível transcender a

política do poder ou o caráter endêmico da guerra.” (ALVES, 1994, p.51). O

estabelecimento desses padrões universais remete à racionalidade de Kant, que seria

capaz, por sua natureza auto-legisladora, de definir leis universais. A questão da crença

no poder da racionalidade para eliminar o caráter endêmico da guerra ocorre no

contexto da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi o do fim de duas

guerras de proporções nunca vistas antes.

Outro conceito de constante referência ao longo da Declaração de Viena é o da

“rule of law”5. A constante menção à “égide do direito” dialoga com a tradição

constitucionalista européia que se encontra nas raízes do liberalismo, para o qual esta

convergiu, apesar de algumas contradições, no período das Revoluções Francesa e

Americana. “Os diversos documentos constitucionais e leis de direitos humanos

começaram a se disseminar pela Europa [nessa época]. O ímpeto desse movimento

persiste até hoje. Não podemos nos esquecer de que apenas 20 anos depois da

Revolução Francesa a palavra “liberal” foi cunhada para uma facção precisa, os

liberales espanhóis, muito influenciada pelos acontecimentos na França.”(VINCENT,

1986, p. 36).

5 Tradução adotada aqui é a da “égide do direito” por ser uma tradução mais literal, apesar de J.A. Lindgreen Alves se referir ao “Estado de Direito”, adequando à linguagem jurídica brasileira.

37

Ao se referir às populações indígenas a Declaração reafirma “commitment of the

international community to ensure their enjoyment of all human rights and fundamental

freedoms and to respect the value and diversity of their cultures and identities”. Nessa

passagem percebe-se que o discurso universalista não prevê conflitos entre esses

direitos humanos e liberdades fundamentais com a diversidade das culturas indígenas. A

dificuldade posta por esse conflito já foi observada inclusive no Brasil. Sociedades onde

a definição de “cultura” ou a própria divisão entre a cultura, a política, o social e a

economia não é relevante, revela um problema na tentativa de convergir direitos

humanos e liberdades fundamentais com essas culturas. “A criação dos Estados

nacionais latino-americanos, seguindo o modelo europeu, se deu com a redação de uma

Constituição que estabelecia um rol de direitos e garantias individuais. Isso significou o

esquecimento de seus índios (...) aos índios sobrou como direito a possibilidade de

integração como indivíduo, como cidadão ou, juridicamente falando, como sujeito

individual de direitos. Se ganhava os direitos individuais, perdia o direito de ser povo.”

(SOUZA FILHO, Multiculturalismo e direitos coletivos in SANTOS, 2003, p.78).

Apesar do reconhecimento de alguns direitos como grupo por parte dos índios, a

observação destes direitos e liberdades pode ter um efeito análogo ao da formação dos

Estados nacionais ao conflitar com concepções mais coletivistas da dignidade humana

por parte desses grupos.

Ao invocar “o espírito de nossa era” a Declaração utiliza uma expressão

generalizante e, portanto, incapaz de revelar diretamente e com clareza sua natureza, sua

constituição ideológica, como se o conjunto de experiências históricas fosse algo único

para todo o mundo. Afirma-se, assim, uma “verdade” (a da necessidade dos direitos

humanos) que é legitimada por esse conjunto de experiências que é considerado

“único”. Trata-se de um discurso que busca produzir a homogeneidade da História

38

legitimando assim o conteúdo do que seria esse “espírito de nossa era”, a ser enunciado

de forma vaga posteriormente como algo em consonância com os direitos humanos.

No primeiro parágrafo da Declaração de Viena e Programa de Ação, a

Conferência Mundial dos Direitos Humanos afirma “The universal nature of these

rights and freedoms is beyond question”.6 O texto é redigido em grande parte na terceira

pessoa (buscando, assim, um caráter de objetividade e imparcialidade) com a exceção

de alguns parágrafos onde A Conferência Mundial dos Direitos Humanos figura,

representando uma entidade coletiva, uma primeira pessoa que uniria as subjetividades

individuais afirmando, assim, seu caráter universal /imparcial. Esse caráter universal é

colocado como “além de questionamentos”, ou seja, pleno em seus ideais. Esse discurso

tende ao autoritarismo, pois não admite contestação. No entanto, a história das

discussões sobre os direitos humanos e as diversas reservas feitas pelos países aos

tratados anteriores (número de reservas particularmente grande no que tange aos direitos

da mulher) revelam que estes não são inquestionáveis. Curiosamente as reservas feitas a

pactos anteriores de natureza mais vinculante não se circunscreve a um grupo específico

de Estados (ocidentais, bloco socialista ou terceiro mundo) tendo países de todos os

grupos recorrido a estes. Trata-se de um discurso de legitimação que visa atender ao

politicamente correto ato de publicação de uma lei universal para os povos e, por outro

lado, permite seu conseqüente não cumprimento velado. O recurso a reservas contesta

assim a universalidade desses direitos. A preocupação para que não haja reservas é

repetida diversas vezes ao longo do documento (parágrafo 26 p.ex.), preocupação esta

que não deveria existir se estes fossem reconhecidamente universais. Duas formações

discursivas competem ao longo do texto, a da universalidade e a da particularidade. O

texto se afirma repetidamente como universal, sendo os direitos incontestes, no entanto,

6 A natureza universal desses direitos e liberdades está além de questionamentos/ não admite dúvidas. (tradução nossa).

39

as particularidades se revelam constantemente, no “recurso a reservas” e na não clareza

do documento quanto a certos pontos, deixando para que estes direitos sejam

interpretados particularmente por cada Estado conforme seus interesses.

Ainda nesse primeiro parágrafo a Declaração afirma que “Human rights and

fundamental freedoms are the birthright of all human beings”. A questão dos direitos de

todos os seres humanos ao nascer é evocada, resgatando, mais uma vez, a tradição dos

direitos naturais. Esse processo isotópico elabora argumentos, figuras e temas,

recorrendo a esses mesmos traços semânticos, na busca de uma coerência interna ao

texto. Tal coerência caracteriza um processo argumentativo pela repetição que busca

persuadir o enunciatário quanto à idéia central do direito como algo natural e não

histórico-cultural. Por se tratar de um efeito de sentido de essencialidade, não estariam

passíveis, estas idéias, de contestação de qualquer tipo.

No segundo parágrafo se afirma “Taking into account the particular situation of

peoples under colonial or other forms of alien domination or foreign occupation, the

World Conference on Human Rights recognizes the right of peoples to take any

legitimate action (…) this shall not be construed as authorizing or encouraging any

action which would dismember or impair, totally or in part, the territorial integrity or

political unity of sovereign and independent States conducting themselves in compliance

with the principle of equal rights and self-determination of peoples and thus possessed

of a Government representing the whole people belonging to the territory without

distinction of any kind.”7 Novamente a reiteração de discursos já legitimados por outras

conferências e pela própria ONU criando assim um argumento de autoridade. Essa

7 Levando em conta a particular situação dos povos sob jugo colonial ou outras formas de dominação estrangeira ou ocupação por outros países, a Conferência Mundial reconhece o direito dos povos de tomar quaisquer ações legítimas, (...) isso não deve ser interpretado como uma autorização ou encorajamento de qualquer ação que procure desmembrar ou prejudicar, total ou parcialmente, a integridade territorial ou unidade política de Estados soberanos e independentes, que estão conduzindo a si mesmos em conformidade com o princípio de direitos iguais e autodeterminação dos povos e, portanto, são possuidores de um governo representando toda a população pertencente ao território sem distinção de qualquer tipo. (tradução nossa).

40

argumentação se constrói através do resgate de uma formação discursiva (a da Carta da

ONU) que autoriza “ações legítimas” contra o jugo colonial e outras formas de

dominação estrangeira/ estranha, em um período quando a quase totalidade das colônias

já se encontra independente. Sendo assim, a ausência de clareza no texto visa satisfazer

o desejo de países emergentes por autodeterminação econômica sem ferir os interesses

dos Estados já estabelecidos ao resgatar outra formação discursiva que põe limitações a

esse direito de autodeterminação. Identidades de grupos internos a Estados podem,

portanto, ter formalmente seu reconhecimento, mas não o direito de autodeterminação

factual, pois a representatividade democrática não é estipulada, e nem cumprida com

clareza e de forma plena, sendo observada internacionalmente somente pelo critério de

“existência de eleições regulares”. Isso é particularmente problemático uma vez que a

existência de identidades locais que buscam autonomia dentro dos seus Estados é cada

vez maior. “(...) múltiplas identidades submetem ao Estado-Nação as reivindicações,

exigências e desafios da sociedade civil. (...) [O]s governos locais e regionais podem

tomar iniciativas em nome de suas respectivas populações, e até mesmo elaborar

estratégias de desenvolvimento distintas do sistema global, o que faz com que

concorram diretamente com os seus próprios Estados centrais. Aparentemente essa é a

tendência dos anos 90 em todo o mundo” (CASTELLS, 1999, p.317). No entanto a real

preocupação desse documento é a existência de identidades étnicas, culturais e

religiosas emergentes que transpõem as fronteiras estatais, em particular aquelas

provenientes das antigas repúblicas soviéticas, ou aquelas destituídas de Estado, como é

o caso da Palestina ou da Catalunha, esta última analisada por Castells na obra já citada

(pp60-9).

Posteriormente, no parágrafo 8 da Declaração, democracia, desenvolvimento e

respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais são apresentados como

41

interdependentes e que se reforçam mutuamente, no entanto não é apresentada uma

clara correlação de como o desenvolvimento se liga aos dois outros conceitos, havendo

somente uma breve descrição de como a democracia é essencial para a realização dos

direitos humanos e como o desenvolvimento deve se realizar com essas duas pré-

condições. A relação entre os conceitos não é construída, somente colocada

valorativamente. A ausência de interdependência fica clara quando o desenvolvimento,

tratado na sua vertente puramente econômica, na maior parte das vezes, nas relações

internacionais, não leva necessariamente a um desenvolvimento humano, ao respeito

pelos direitos humanos e à democracia. Isso se observa na queda do IDH e aumento de

desigualdades em países com PIB crescente e, além disso, não são poucos os exemplos

de autoritarismo por parte de ditaduras ou mesmo de ‘democracias’ (concentração do

poder executivo) em nome de um desenvolvimento nacional. O desenvolvimento visto

como uma característica principalmente econômica dialoga com a perspectiva

neoliberal no sentido em que a liberdade econômica é vista como a principal das

liberdades, sendo esta preferível a uma democracia que, pela vontade da maioria, limite

essa liberdade. Curiosamente essa construção discursiva se coloca em oposição ao

desenvolvimento dos governos socialistas, como a extinta União Soviética, no entanto a

ausência de interdependência entre desenvolvimento, democracia e direitos humanos se

dá inclusive nos países que adotam uma orientação neoliberal8, como foi o caso das ex-

repúblicas soviéticas, grande parte da América Latina, mas também em países

‘centrais’.

No parágrafo 10 da Declaração de Viena, a Declaração do Direito ao

Desenvolvimento de 1986 é retomada ressaltando o fato de que a pessoa humana é o

sujeito central do desenvolvimento. A Declaração do Direito ao Desenvolvimento

8 O Neoliberalismo é localizado historicamente, como explanado nas partes anteriores desse trabalho, mas retoma muito do liberalismo clássico.

42

acontece na época da defesa dos países do Terceiro Mundo por uma Nova Ordem

Econômica Internacional, sendo esta mencionada na Declaração, no entanto os

resultados dessa reivindicação não foram positivos, como apontado anteriormente no

histórico do Neoliberalismo. A asserção da pessoa humana como sujeito central do

desenvolvimento é um recurso argumentativo buscando satisfazer as reivindicações dos

países centrais, individualizando esses direitos, justificando assim uma série de políticas

e programas assistencialistas que ‘aliviam’ a pobreza e a ausência de desenvolvimento

(ponto este levantado no parágrafo 14 da Declaração, que também ressalta a

necessidade da eventual eliminação da pobreza), enquanto políticas estruturais de

caráter estatal e/ou coletivo são postas em segundo plano. Essa ênfase no indivíduo vai

ao encontro com a “doutrina das necessidades básicas” associada a economistas liberais

do ocidente, como bem explanado por R.J Vincent na sua obra Human Rights and

International Relations, onde direitos devem ser tratados como objetivos que podem se

sujeitar à análise econômica e aos custos e benefícios associados a eles. O

desenvolvimento, nessa perspectiva, é visto com uma particular ênfase nos seus custos;

dar acesso à educação nos níveis superiores para todos pode criar não só um custo

financeiro como pode criar uma classe insatisfeita que não consegue encontrar

empregos.

Apesar das contradições presentes nessa doutrina com os modelos de mercados,

esta pode funcionar como uma forma de imperialismo, pois as necessidades básicas na

visão ocidental, que informa instituições como o Banco Mundial, ligam essas

necessidades a indivíduos, evitando o caminho do desenvolvimento de populações em

países do Terceiro Mundo. Vincent afirma que “(...) basic needs doctrine issues a

general license for western meddling in internal affairs of Third World countries, that it

allows First World countries to expand their markets in Third World countries while

43

slowing down competitive development by them, and that it legitimizes a reduction in

aid putting forward a bogus notion of self reliance.” (VINCENT, 1986, p.87).

Uma ressalva ao direito ao desenvolvimento é feita na Declaração, que afirma

que a falta de desenvolvimento não pode servir como justificativa para o preterimento

de direitos humanos reconhecidos internacionalmente. No entanto, a pobreza extrema

pode ser um impedimento grave à democracia e a outros direitos humanos (como

apontado anteriormente e, curiosamente, na própria Declaração). Este dado pode ser

analisado diversas vezes ao longo da História, quando governos totalitários e ditatoriais

se estabeleceram em situações de crise. A contradição entre essas formações discursivas

revela que a interdependência (mútua dependência) afirmada entre desenvolvimento,

democracia e direitos humanos na verdade se constrói nesse discurso como uma

dependência unilateral do desenvolvimento em relação aos direitos civis e políticos.

Logo em seguida, no parágrafo 11 da Declaração, o direito ao desenvolvimento

recebe mais uma ressalva ao ser afirmado que este deve ser realizado indo ao encontro

das necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras. Ao

longo do documento se percebe uma tendência de serem enfatizados os limites para o

desenvolvimento em âmbito nacional mais do que estabelecer condições para que este

seja alcançado pelos países. Pode-se argumentar que isso se deve ao enfraquecimento

do “discurso desenvolvimentista” defendido pelo movimento dos não-alinhados

(Terceiro Mundo) que ocorreu concomitantemente à divisão dos interesses

terceiromundistas e à ascensão do discurso neoliberal durante a década de 1980. Essa

tática discursivo-ideológica de ênfase em alguns pontos (condições ao

desenvolvimento) em detrimento de outros (condições para o desenvolvimento) faz a

defesa do desenvolvimento na Declaração de Viena ser centrada no indivíduo e,

portanto, mais alinhada com o discurso neoliberal. As limitações postas ao

44

desenvolvimento, por mais louváveis que sejam, não existiam para os países não-

periféricos no passado e também não são reconhecidas para a manutenção do

desenvolvimento já existente em alguns países centrais. Essa limitação acontece ao

mesmo tempo em que ocorre uma transferência massiva da produção (muitas vezes

poluidora) de empresas multinacionais para países subdesenvolvidos com legislações

ambientais e laborais mais frouxas, empresas estas que são recebidas de braços abertos

por muitos governos na ânsia pelo crescimento econômico e pelos lucros.

A Declaração faz, no entanto, uma recomendação à comunidade internacional

para que esta alivie o peso da dívida externa para os países em desenvolvimento. A

preocupação com a dívida externa reflete em grande parte as reivindicações dos países

em desenvolvimento. No entanto, a escolha discursiva de condicionar a ajuda (‘alívio’)

dessas dívidas e não de ajudar a eliminá-las, apazigua os ânimos dos países mais pobres

sem comprometer os interesses dos mais ricos. Há de se notar que na segunda parte da

Declaração de Viena, intitulada Programa de Ação, ocorre a completa omissão dessa

questão, deixando em aberto e ao arbítrio de cada país como a ajuda seria feita. Tal

preocupação surgiu com a crise da dívida externa que ameaçou o sistema bancário

internacional na década de 1980, como explanado anteriormente. Apesar da boa vontade

expressa, a não interferência negativa dos Estados nas instituições bancárias privadas,

donatárias de boa parte das dívidas externas dos países mais pobres, traz o perigo de tal

evocação ser meramente retórica.

No parágrafo 15, a Declaração clama pela rápida e compreensiva eliminação do

racismo, xenofobia e intolerâncias relacionadas. A questão da tolerância, como

explicado anteriormente, é retomada aqui e em outras partes do texto, pois esta não

implica em nenhum comprometimento ativo estatal em construir algo mais do que

meramente a tolerância. No Programa de Ação as medidas sugeridas quanto a essa

45

questão são de conteúdo legalista principalmente no sentido de apelar aos países pela

construção de legislações e punir os indivíduos que violam esses direitos humanos, a

manutenção da ordem e da lei como forma de ação do Estado, outras formas de ação

estatal, como a educação, devem promover a tolerância, a paz e as relações amigáveis

entre nações, grupos raciais e religiosos (Parágrafo 33 da Declaração). Quanto ao

racismo, a preocupação gira em torno da questão da “limpeza étnica” e do apartheid

ocorridos, que, devido à gravidade das violações e à pressão da opinião pública

internacional, tornaram-se temas da agenda política internacional, no entanto pouca ou

nenhuma disposição foi feita sobre violações menores. Com relação à xenofobia, apesar

desse “consenso” internacional, o surgimento de políticas imigratórias cada vez mais

restritivas por parte dos países recipientes como os Estados Unidos ou países europeus

vai de ao encontro das reivindicações de grupos nacionais de caráter xenófobo e racista.

As justificativas dadas pelos respectivos governos são geralmente de caráter econômico

por mais que esse argumento não seja inconteste.

A Declaração dispõe sobre o terrorismo da seguinte forma “The acts, methods

and practices of terrorism in all its forms and manifestations as well as linkage in some

countries to drug trafficking are activities aimed at the destruction of human rights,

fundamental freedoms and democracy, threatening territorial integrity, security of

States and destabilizing legitimately constituted Governments”.9 A construção feita

sobre o terrorismo o define nesse parágrafo como aquilo que ameaça a integridade

territorial, a segurança dos Estados e desestabiliza governos legitimamente constituídos.

Sendo ele caracterizado, indistintamente, em todas as suas formas e manifestações,

desse modo, atribui-se uma definição única, monofônica, do terrorismo, sem contar com

9 Os atos, métodos e práticas do terrorismo em todas as suas formas e manifestações assim como a ligação em alguns países com o tráfico de drogas são atividades miradas na destruição dos direitos humano, liberdades fundamentais e democracia, ameaçando a integridade territorial, segurança dos Estados e desestabilizando governos legitimamente constituídos.

46

uma avaliação histórica ao fundo. O Terrorismo é visto de maneira maniqueísta, através

de um discurso que tende ao monofônico, enquadrando toda forma de terrorismo como

objetivada à destruição dos direitos humanos, apagando as reivindicações de grupos que

estão lutando em consonância com a busca da auto-determinação em moldes não

“autorizados” pelo discurso dos direitos humanos e, portanto, vistos como ilegítimos,

muitas vezes por conta de interesses políticos e estratégicos. Colocam-se no mesmo

bojo grupos de ideologias, métodos e objetivos diferenciados como as Farc (Forças

Armadas Revolucionárias da Colômbia), o IRA (Irish Republican Army), o ETA

(Euskadi Ta Azkatasuna, que significa Pátria Basca e Liberdade), somente para

mencionar grupos que contestam a integridade e legitimidade estatal, o que não

necessariamente significa que eles têm como objetivo a destruição dos direitos

humanos, mas que não julgam seus governos legítimos, não guardam um sentimento de

pertencimento, pois não se sentem representados por estes. Como se vê, trata-se de

matéria extremamente complexa e há de se considerarem todos os ângulos da história,

da formação ideológica e dos objetivos de cada grupo para se compreender

minimamente suas razões e, é claro, atribuir-lhes o título de terroristas ou não. O que

chama a atenção é o fato de a Declaração omitir esta complexidade, procurando

generalizar e universalizar os sentidos, em consonância, é claro, com os interesses dos

Estados legitimados e centrais.

Além disso, alguns grupos são controversamente considerados terroristas por

alguns países e não por outros, não havendo consenso sobre a própria definição do que é

“terrorismo”. Com os atentados de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos, a

questão do terrorismo se tornou mais contundente no cenário internacional e a

classificação feita pelos EUA de quais grupos são terroristas se tornou mais abrangente.

47

Sendo assim, discursos monofônicos como este da Declaração abre um precedente para

a repressão a qualquer grupo que for tachado de terrorista.

No parágrafo 31, o caráter enviesado da Declaração fica mais claro, sendo a

idéia do livre comércio defendida: “The World Conference on Human Rights calls upon

States to refrain from any unilateral measure not in accordance with international law

and the Charter of the United Nations that creates obstacles to trade relations among

States and impedes the full realization of the human rights”.10 Trata-se de uma

reprovação às restrições unilaterais ao comércio, ou seja, uma afirmação contra o

discurso protecionista. Este último por sua vez pode ser utilizado como mecanismo de

proteção da economia nacional de um país visando o seu desenvolvimento econômico,

portanto este não pode ser determinado de forma autônoma. O livre-comércio é

afirmado como mecanismo promotor do desenvolvimento, não sendo contemplada

nesse discurso a possibilidade do livre-comércio poder ser prejudicial às economias

menos competitivas e à autodeterminação dos povos. Nesse parágrafo novamente se

observa a perspectiva individualista que se dá ao direito ao desenvolvimento, que

remete à idéia clássica de Adam Smith da “Mão Invisível” do mercado, onde os

indivíduos competindo livremente levariam ao melhor desenvolvimento de todos. Além

disso, nesse parágrafo cria-se uma relação direta entre o comércio sem restrições e a

questão da realização dos direitos humanos. Perspectiva esta comum nos países

ocidentais onde o livre-comércio não é somente a realização das liberdades, mas

também é visto como algo fundamentalmente bom. Argumenta-se que o comércio entre

uma nação que respeita os direitos humanos com outra que viola esses direitos pode

acarretar uma influência da primeira sobre a segunda. Este foi o argumento do governo

10 A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos chama os Estados a absterem-se de qualquer medida unilateral em desacordo com o direito internacional e com a Carta das Nações Unidas que crie obstáculos às relações de comércio entre Estados e impeça a plena realização dos direitos humanos. (tradução nossa).

48

dos Estados Unidos para não impor sanções comerciais ao governo da África do Sul no

período do apartheid sul-africano, como apontado por R.J. Vincent.(VINCENT, 1986)

Ao longo da declaração, em particular no parágrafo 34 e no Programa de Ação

principalmente, mais de uma referência é feita à necessidade de aumento das

contribuições para a promoção dos direitos humanos (incluindo o de desenvolvimento)

por parte dos Governos e do sistema das Nações Unidas, mostrando um possível não

comprometimento real da comunidade internacional com os direitos humanos. O

constante reforço da necessidade de maiores aportes financeiros para as organizações

relativas aos direitos humanos serve como uma forma argumentativa, pela repetição,

dando o efeito de sentido de um sistema dos direitos humanos falido. Faz-se o apelo à

“comunidade internacional” de tal forma que a universalidade só poderia ser cumprida

com esse compromisso financeiro. Curiosamente a mesma forma de apelo não é feita,

não com a mesma ênfase e repetição, quanto às dificuldades financeiras dos países mais

pobres (dívida externa p.ex.) que dificultam ou mesmo impedem que estes países

tornem os direitos humanos efetivos para suas populações.

Posteriormente, na Declaração se faz referência aos arranjos regionais, que são

vistos como fundamentais para a promoção e proteção dos direitos humanos. Os

acordos regionais possuem um papel fundamental na promoção e proteção dos direitos

humanos, na tentativa de legitimar e aumentar a eficácia da implementação desses

direitos conforme as realidades regionais. A criação desses mecanismos visa legitimar o

caráter universal da declaração ao repetir em diferentes âmbitos as suas idéias, a

universalização é buscada pela afirmação e reafirmação dessas idéias e pela

institucionalização cada vez maior das mesmas, buscando assim a construção de um

consenso e influenciar o comportamento político, construção do consenso pela

institucionalização observada por Keohane e Goldstein (1993). No entanto, ao não

49

legislar especificamente sobre esses acordos regionais, a Declaração deixa uma brecha

para que sejam definidas as prioridades de cada região, que acabam por não respeitar

estritamente a indivisibilidade dos direitos humanos dando ênfase ao que melhor

convém aos governos de cada região, onde as influências individuais de cada Estado são

maiores. O que acontece então são acordos regionais que priorizam alguns direitos

humanos e esquecem outros, caso da Europa que aplica uma clara ênfase nos direitos

humanos civis e políticos. Outro exemplo é o caso dos Estados Unidos que também

“selecionou” os direitos humanos no acordo interamericano, optando por assiná-lo

somente em um momento.

Na segunda parte do documento, intitulada Programa de Ação, as considerações

discursivas são menos relevantes por se tratarem ou de questões burocráticas e

procedimentais ou por repetirem muito do que já foi exposto na primeira parte do

documento. No entanto, alguns trechos merecem ser analisados. No parágrafo 4 do

Programa de Ação, a Conferência recomenda que um “(...) concerted effort be made to

encourage and facilitate the ratification of and accession or succession to international

human rights treaties and protocols adopted within the framework of the United

Nations system with the aim of universal acceptance.”.11 Reconhecidamente os direitos

humanos “universais” precisam contraditoriamente da adesão por parte dos Estados para

se tornarem universais, ou seja, necessitam não só do reconhecimento nacional como

também da estrutura legal interna dos países. Percebe-se, nesse discurso feito ao longo

da declaração, que os direitos tornam-se universais por serem enunciados como tais. A

enunciação se dá em duas bases, primeiramente remonta à idéia dos direitos naturais

ressonante no pensamento liberal, pois o que é natural ao ser humano é

conseqüentemente universal (comum a toda) a humanidade. A outra base desse discurso

11 (...) esforço concertado seja feito para encorajar e facilitar a ratificação da acessão ou sucessão de tratados de direitos humanos e protocolos adotados dentro da estrutura das Nações Unidas objetivando a sua aceitação universal. (tradução nossa).

50

se encontra na racionalidade kantiana que determina ser possível a criação de uma

legislação universal através da razão individual. Sendo assim, esses direitos por serem

enunciados por indivíduos/Estados que se enxergam como racionais, são, portanto,

auto-intitulados universais por si só. Esse discurso pressupõe a necessidade da aceitação

por parte dos “irracionais”, ou seja, daqueles que não se auto-legislaram conforme a

racionalidade liberal. Constrói-se assim uma alteridade em um estado de disjunção

(FIORIN, 1989), em termos simples em um estado de valor negativo, que deve passar

para o estado de conjunção, estado valorado positivamente, ao aceitar esses direitos, se

tornando, portanto, “racional” ao fazê-lo.

No parágrafo 27 do Programa de Ação a generalidade como forma de persuasão

se revela no discurso mais uma vez ao definir que medidas “quando apropriadas” devem

ser tomadas para a inclusão sociocultural e econômica das minorias presentes no

Estado. Afirmações como esta, presentes ao longo do documento, buscam justamente a

abrangência e a universalidade dos direitos e ações a serem tomadas. A generalização é

utilizada como estratégia discursiva ao longo de todo o texto buscando abarcar essa

universalidade intencionada, ou seja, buscando se direcionar a todos os Estados. No

entanto, as medidas a serem tomadas “onde adequadas” deixam livre a interpretação

sobre quais medidas e onde elas devem ser aplicadas pelos Estados nacionais, podendo

estas minorias ser objeto de desrespeito ou indiferença por não se julgar apropriada a

sua inclusão. A declaração usa a generalização como estratégia discursiva, com a

intenção de abarcar o universal, tendo na prática um efeito duplo, pois ao afirmar uma

identidade universal esse discurso atende diretamente aos interesses dos Estados

compreendidos como um conjunto, uma coletividade, mas pela ausência de clareza no

texto permite que os interesses dos Estados compreendidos como indivíduos sejam

protegidos. Os Estados como coletividade visa criar a legislação universal por esta ser

51

vantajosa politicamente (mesmo que somente na retórica estatal) e o segundo busca ser

incluso sem fazer concessões nas suas particularidades e na defesa dos seus interesses

específicos.

Duas últimas questões merecem atenção nessa análise: a questão da democracia

e a dos direitos sindicais. A democracia é constantemente evocada ao longo do texto, no

entanto, na intenção de abarcar a generalidade dos países, a observância e praticamente

únicos critérios desta é a existência de eleições e a manutenção da égide do direito

(parágrafo 67 do Programa de Ação). Como apontado acima, a questão da importância

da democracia é apresentada como sinônimo da existência de eleições. A particular

importância dada a esse direito na forma como ele é apresentado remonta novamente à

tradição constitucionalista liberal, que é acompanhada da égide do direito,

administração da justiça e liberdade de expressão, questões estas já discutidas

anteriormente. A ênfase aos direitos civis e políticos, mais ligados à tradição liberal

clássica, é construída ao longo do texto.

Quanto aos direitos sindicais, estes são mencionados pela primeira vez no

parágrafo 77 do Programa de Ação, enquanto outras questões são constantemente

repetidas ao longo do documento. Omissão esta de valor discursivo-ideológico, uma vez

que esses direitos foram sistematicamente desrespeitados e/ou a legislação trabalhista

tornada mais fraca em diversos países, a partir das décadas de 1970 até recentemente,

através de uma série de medidas adotadas por governos e empresas visando à

desmobilização dos trabalhadores para, em uma tentativa de controle da inflação e

aumento de lucros das empresas, diminuírem os salários. A busca pela maior

competitividade faz parte do discurso neoliberal, e a influência deste na Declaração de

Viena parece indicar o principal motivo desse tipo de omissão textual.

52

2.4 50th session da UN Conference on Human Rights – Uma breve

contextualização

A quinquagésima sessão da UNCHR foi a primeira seguida da Conferência Mundial,

tendo durado seis semanas e adotado 109 resoluções e decisões, a maioria por consenso.

Além disso a sessão analisou violações de direitos humanos em 30 países e criou

"special rapporteurs" sobre violência contra as mulheres e sobre independência do

judiciário.

A sessão foi marcada por difíceis negociações onde se produziu numerosos textos

politicamente dissonates e emendas, muitos dos quais produzidos por CUba. Em

diversos momentos uma divisão de interesses se produziu entre Norte e Sul. Estavam

presentes 53 delegações de membros e 81 países observadores, junto a estes mais de

150 organizações não governamentais se encontravam presentes.

Poucas análises sobre a sessão foram feitas sendo que para o propósito dessa pesquisa a

análise de John R. Crook servirá de base para uma breve contextualização do relatório

analisado subsequentemente. Crook foca seu artigo no que este considera como alguns

avanços para a universalização dos direitos humanos. A começar pela diminuição da

"rigidez política" com o fim do conflito Leste-Oeste, havendo também

desenvolvimentos no debate do Oriente Médio, em resoluções sobre a África do Sul e

no combate contra o anti-semitismo.

Em muitos sentidos as resoluções passadas apenas repetem textos passados sobre as

variadas temáticas dentro dos direitos humanos. No entanto alguns avanços foram feitos

na institucionalização dos direitos humanos, como por exemplo projetos de definição de

padrões para futuras sessões nas áreas de tortura, iniciativas privadas na defesa dos

53

direitos humanos, proteção dos direitos das crianças e defesa dos direitos de populções

indígenas.

Para Crook:

"The Human Rights Commission legislates pragmatically and piecemeal. Countries propose and seek support on resolutions on matters of concern to them. Drafters may make little effort to harmonize their resolution withothers on similar topics, or to ensure consistency with existing instruments or generally held doctrine. The demands of conscience and the pressures of the external world can override doctrine.So it was with the 1994 Commission"(CROOK, 1994, p.813)

Exemplo disso foi o desafio, segundo Crook, do paradigma da primazia dos

indivíduos sobre o Estado em que o Estado deve servir o primeiro, pois diversas

resoluções foram passadas acusando ações de indivíduos que desafiam a autoridade do

Estado como uma forma de desrespeito aos direitos humanos. Um caso disso seria a

criação de um "special rapporteur" na questão de violência contra as mulheres, uma

questão antes vista como cultural e fora do escopo da proteção internacional dos direitos

humanos. Outro caso foi o do terrorismo, em que alguns se colocaram contrários à

condenação como violação dos direitos humanos por se tratarem de grupos não-estatais.

Essas resoluções adotadas legislam sobre a conduta privada, antes considerada fora do

escopo dos direitos humanos.

No que tange os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Direito ao

Desenvolvimento, apesar dos avanços obtidos na Conferência Mundial, a Comissão

produziu poucos resultados. Nessa área foram aprovadas uma resolução proposta pelos

Estados Unidos sobre o direito de possuir propriedade, uma resolução proposta pela

Austrália legislando sobre direitos dos sindicatos, uma resolução forte de CUba sobre

dívida externa que obteve vários votos contrários (revelando uma divisão entre Norte e

Sul) e uma resolução proposta pela França sobre direitoshumanos e extrema pobreza.

Além disso, tentou-se transformar o Grupo de Trabalho sobre o Direito ao

54

Desenvolvimento em um mecanismo permanete de avalliação, essa prposta não pode ser

adotado por consenso, havendo a oposição dos Estados Unidos, Reino Unido, Japão e

mais oito países que se abstiveram.

2.5 Análise do “Report on the 50th session da UN Conference on Human Rights”

O documento produto dessa reunião uniu diversas resoluções e recomendações de

Grupos de Trabalho sendo um documento extenso onde boa parte se reduz na

reafirmação de compromissos anteriores e na descrição dos procedimentos como o

processo de votação das resoluções. O documento versa sobre diversas questões, mas

para efeito de análise procurou-se aqui abordar algumas questões chaves e questões que

geraram contendas ideológicas. A começar pela resolução 1994/11 sobre o efeito das

políticas de ajuste econômico provenientes de dívidas externas no pleno exercício dos

direitos humanos, em particular do Direito ao Desenvolvimento. A resolução inicia por

retomar documentos anteriores versando sobre o assunto e por ter em mente os países

indicados pela publicação do Banco Mundial sobre dívidas externas. Afirma-se a

questão da dívida externa como um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento, e como

os programas de ajuste estrutural repercutiram negativamente na realização dos direitos

econômicos e sociais. Essa resolução sugere algumas medidas a serem tomadas como o

alívio das dívidas, a necessidade de novos fluxos financeiros, pede aos aos países

credores que continuem a conceder assistência financeira para que os países em

desenvolvimento continuem a implementar seus programas de reforma econômica.

Além disso, no seu quarto parágrafo operativo a resolução afirma que o pagamento de

dívidas não deve ter precedência sobre os direitos básicos das populações dos países

endividados.

55

A resolução em si indica uma vitória das demandas dos países em desenvolvimento, no

entanto esta não foi livre de oposição. Essa resolução foi proposta pelo governo de Cuba

tendo o apoio de vários países, no entanto algumas mudanças foram feitas sobre o

rascunho inicial satisfazendo interesses de países desenvolvidos. No sexto parágrafo

preambular do rascunho as palavras "ao sel humano" forma substituídas por "à pessoa

humana", um detalhe aparentemente inocente, mas que revela uma intenção discursiva

de individualizar as questões pertinentes aos direitos humansoNo quinto parágrafo as

palavras "that the policies being imposed to ensure debt payment by developing

countries have and how they hinder the effective enjoyment of all human rights by the

people of those countries" foram substituidas por "of the policies adopted to face

situations of external debt on the effective enjoyment of economic, social and cultural

rights". É retirado do documento portanto o caráter acusatório inicial indicando os

programas de ajuste estrutural condicionais para o recebimento de ajuda financeira do

FMI e do BM. O sexto parágrafo que pede para o Secretário Geral requerer aos países

credores para que estes forneçam informações detalhadas sobre as ações tomadas para

aliviar o peso das dívidas sobre os países em desenvolvimento, foi deletado

completamente. Mesmo com essas alterações a resolução foi aprovada com 31 votos a

favor, 12 contra e 8 abstenções.

Já a resolução 1994/13, proposta pelos Estados Unidos, versa sobre o direito de possuir

propriedade por indivíduos ou grupos. Essa questão particularmente dialoga diretamente

com o discurso liberal que remonta à Locke, não reconhecendo formas de organização

social avessas à propriedade privada primando por questões de caráter social/público,

motivo pelo qual o governo de Cuba fez ressalvas à essa resolução, que foi adotada sem

votação. A resolução reconhece que existem diferentes formas de propriedade, mas que

essa contribui diretamente para o pleno exercício das liberdades fundamentais (que

56

também remontam a ideais liberais como já apontado anteriormente). No segundo

parágrafo operativo da resolução apoia-se as conclusões do "especialista independente"

em que este afirma que a propriedade é a base de qualquer sistema econômico de

qualquer sociedade e que a prorpriedade intelectual também deve ser defendida. O

próprio conceito de especialista independente já remonta à uma racionalidade ocidental

moderna (cujas origens se entrelaçam com as raízes do pensamento liberal) que acredita

na possibilidade de imparcialidade. Além dessa questão, as conclusões apontadas se

utilizam de uma técnica discursiva universalizante, tendendo ao monofônico, pois

afirma uma "verdade absoluta" que apaga os discursos e realidades contrárias. Exemplo

disso é a existência de sociedades indígenas que negam (ou sequer conhecem) o

conceito de propriedade, outro exemplo são as formações discursivas e experiêncais

históricas que buscam a construção de sociedades e sistemas econômicos não baseados

na propriedade. A afirmação da propriedade como conceito absoluto e basal das

sociedades foi utilizado nesse documento também para legitimar a propriedade

intelectual, de caráter menos comum e menos consesnsual, e de validação histórica mais

questionável.

A resolução 1994/15 por sua vez versa sobre a situação dos Pactos Internacionais de

Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Esta começa

por afirmar a importância desses pactos pelo seu caráter legalmente obrigatório, e a

pedir a ratificação de todos os países, pedindo inclusive que o Secretário Geral

intensifique seus esforços nesse sentido. No nono parágrafo operativo a resolução dá as

boas vindas aos esforços do Comitê de Direitos Humanos na criação de padrões

universais para a implementação das provisões do Pacto de Direitos Civis e Políticos.

Com relação ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o mesmo Comitê

prepara comentários gerais, também bem vindos pela resolução. O que se observa é uma

57

interpretação mais estrita dos Direitos Civis e Políticos a serem observados

internacionalmente, indo ao encontro de formações discursivas de cunho liberal, dando

uma interpretação mais autoritária a estes. Já no que tange os Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, estes são relativizados, sujeitos à comentários. O que pareceria em

um primeiro momento como um respeito maior às diferentes realidades e aos diferentes

interesses nacionais acaba por mostrar um compromisso menor com esses direitos,

sendo aceitável que estes sejam cumpridos de forma menos estrita, legitimando assim a

existência de diferenças socio-econômicas.

Quanto a questão da realização dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do

estudo das dificuldades específicas de países em desenvolvimento na realização desses

direitos, presente na resolução 1994/20, poucos avanços são feitos, no entanto, algumas

causas são delineadas. No terceiro parágrafo operativo a resolução retoma duas

discussões do Comitê sobre o papel das redes de seguridade social e o papel destas na

proteção desses direitos com particular atenção a situações envolvendo programas de

ajuste estrutural e/ou transição para economias de livre-mercado. No intuito de

solucionar esse problema, no décimo quinto parágrafo operativo sugere-se a cooperação

entre as instituições financeiras e os órgãos de direitos humanos, encorajando inclusive

a participação de representantes dessas instituições em reuniões de órgãos de direitos

humanos. Curiosamente nessa resolução poucas mudanças foram sugeridas sobre o

rascunho inicial proposto por Portugal, de certa forma a ausência de inovação sobre

declarações e documentos anteriores a causa das poucas objeções, tendo essa sido

aprovada com 42 votos a favor, 3 contra (Estados Unidos, Reino Unido e Japão) e 8

abstenções. No entanto uma objeção é digna de nota que foi a da Malásia que buscou

em mais de uma resolução excluir de um dos parágrafos as palavras "and that the

promotion and protection of one category of rights should never exempt or excuse

58

States from the promotion and protection of the other rights". Em toda declaração ou

resolução tratando de direitos econômicos e sociais está presente essa ressalva

afirmando que o cumprimento desses direitos não deve em nenhum momento desculpa

um Estado a não cumprir os Direitos Civis e Políticos, preocupação que não ocorre no

sentido inverso diga-se de passagem. Esse recurso discursivo é de longa data dentro da

discussão de Direitos Humanso resquício da dinâmica de Guerra-Fria reflexo dos

interesses dos países desenvolvidos em condenar países socialistas que falhavam

justmamente no cumprimento dos Direitos Civis e Políticos. Atualmente essas ressalvas

servem como forma de preservar a preeminência dos interesses das democracias liberais

sobre países de governos autoritários (como é o caso do governo Malaio) e/ou que

enfatizam o cumprimento de questões de distribuição equitativa de riquezas.

Com relação a questão do terrorismo, a resolução 1994/46 adotada sem votação,

condena atos de terrorismo como "atos aleatórios e indiscriminados de violência que

não podem ser justificados em nenhuma circunstância", o caráter monofônico dessa

declaração já foi exposto em momentos anteriores dessa pesquisa. No entanto o

acréscimo da caracterização do terrorismo como "acts of aggression aimed at the

destruction of human rights, fundamental freedoms and democracy, threatening the

territorial integrity and security of States, destabilizing legitimately constituted

Governments, undermining pluralistic civil society and having adverse consequences on

the economic and social development of States" acrescenta a lista de acusações contra o

terrorismo até o desenvolvimento econômico e social dos Estados, essa caracterização

de caráter maniqueísta apaga o caráter político de muitos desses atos, alguns grupos

questionam governos considerados "legítimos" e as democracias que não permitem voz

para suas demandas.

59

Quanto aos direitos dos sindicatos a resolução 1994/63 prposta pela Austrália, coloca a

realização desses direitos como capazes de contribuir para a realização de efetiva

participação popular. Na discussão dessa resolução algumas mudanças dignas de nota

foram feitas no rascunho inicial. A começar pela demanda do Reino Unido de pelo

acréscimo do termo "universal" no primeiro parágrafo preambular referente aos direitos

humanos e liberdades fundamentais, essa mudança aparentemente de pouca relevância

demonstra a importâncai dada à propagação desses direitos humanos como universais, e

portanto inquestionáveis e iguais para todos os países, não aceitando concepções

diferentes. Outra mudança feita ocorreu em parte do nono parágrafo preambular que

afirma que a violação dos direitos dos sindicatos são obstáculos para o

desenvolvimento, foi deletada. Isso é reflexo do discurso neoliberal predominante, pois

este afirma os sindicatos como obstáculos ao desenvolvimento. Já no primeiro parágrafo

operativo as palavras "trade union rights freely and in full" foram substituídas por "right

to organize and to form and join trade unions for the protection of their interests". Uma

curiosa mudança onde a re4alização plena e livre dos direitos sindicais não é

considerada válida, apenas o direito de formar e se unir a sindicatos para a defesa de

seus interesses. Dá-se o direito de voz sem garantir a realização dos outros direito

sindicais já reconhecidos por outras convenções internacionais. Não permite-se assim

que a legitimidade que o discurso sobre direitos humanos possui seja estendida para o

discurso sobre direitos sindicais.

Uma última resolução merece atenção nessa análise, a resolução 1994/95, que se refere

à Conferência Mundial sobre Direitos Humanos ocorrida no ano anterior. Nenhuma

nova consideração foi feita, no entanto vale ressaltar a consonância do quarto parágrafo

operativo que afirma o papel da Comissão como fórum para o diálogo entre governos e

organizações não-governamentais, esse reconhecimento dialoga com o discurso que

60

valida o papel dessas organizações, e em alguns casos, diminui o papel do Estado. isso é

reflexo em parte da liberalização política onde questões antes de responsabilidade quase

que unicamente estatal, são cada vez mais transferidas para o âmbito privado, isso se dá

particularmente com muita força durante a década de 1990.

UNCTAD - Surgimento e Atuação da Conferência

Estabelecida em 1964, a UNCTAD se define como uma organização que visa o

desenvolvimento ajudando a dar forma aos debates e políticas voltadas para o mesmo. A

UNCTAD afirma-se como um fórum de deliberações inter-governamentais direcionada na

construção de consensos, tomando como atividades a pesquisa e análise de políticas e

coleção de dados para os debates provendo assistência técnica moldada para as necessidades

específicas dos países em desenvolvimento e economias em transição. 12 No entanto, para

melhor compreender essa organização, um breve histórico deve ser feito com a ajuda de

análises de autores que se dedicaram à temática das organizações internacionais.

Nos finas da década de 1950 e início de 1960 os países menos desenvolvidos tiveram

suas esperanças de crescimento econômico frustradas. A queda dos preços de “comodities”

primárias que estes exportavam juntamente com o não crescimento significativo de ajuda

externa, sendo esta consumida muitas vezes pelos pagamentos de dívidas (e juros) obtidas no

passado, impediu qualquer desenvolvimento significativo por parte das economias

emergentes. A insatisfação dos países subdesenvolvidos com a incapacidade de crescimento

se refletiu no descrédito dos fóruns econômicos da ONU; estes se ocupavam com debates

entre o Leste e o Oeste, irrelevantes para os países pobres. A não representação proporcional

dos países do Sul com relação aos países desenvolvidos no ECOSOC no início da década de

1960, característica similar presente em instituições como o FMI e o GATT, era produto do

período da 2ª Guerra Mundial e do pós-guerra.

12 http://www.unctad.org/Templates/Page.asp?intItemID=1530&lang=1 – acesso dia 09/10/2008.

61

Essa insatisfação dos países mais pobres levou ao surgimento da UNCTAD, e obteve

apoio dos países do Leste, que após a morte de Stalin, passaram a participar mais dos fóruns

econômicos, antes boicotados pela URSS, no intuito de questionar o controle ocidental do

comércio com os países comunistas. No entanto o fator decisivo que levou à criação da

UNCTAD foi a entrada de vários países africanos e asiáticos, incluindo alguns do Leste

Europeu, na ONU, o que minou a posição do ocidente na Assembléia Geral, pois este já não

conseguia a maioria dos votos.

A Resolução da Assembléia 1707 (XVI) de 19 de dezembro de 1961 intitulada

“International trade as the primary instrument for economic development” possuía uma

emenda que pedia ao Secretário Geral para que pesquisasse sobre o desejo de se chamar uma

Conferência internacional sobre comércio no âmbito da ONU. Os votos favoráveis obtiveram

maioria (sendo composta pelos países mais pobres e pelos países do Leste). Na conferência

denominada UNCTAD, o desejo original dos países comunistas e de alguns países do Sul era

o estabelecimento de uma Organização Internacional do Comércio, no entanto as disputas

com o ocidente, que sugeriam a realização de conferências periódicas, levaram a uma espécie

de meio termo proposto por Raúl Prebisch colocando a UNCTAD como órgão fixo da ONU

a partir de 1964 subordinado ao ECOSOC, possuindo mais poderes do que a maioria dos

países ocidentais queria, mas menos do que a OIC, proposta pelos países comunistas, teria.

Os países comunistas, assim como os países menos desenvolvidos, eram excluídos da

maior parte do comércio internacional segundo Robert M. Cutler, e mesmo que os países da

CMEA (Council for Mutual Economic Assistance), constituído por países do leste europeu,

tenham priorizado o comércio com o Ocidente durante a década de 1950, a “reaproximação

dos países [do Leste Europeu com os países do Terceiro Mundo] era não só lógica como

natural” (CUTLER, 1983, p.123). A criação da UNCTAD surge como uma resposta aos

62

anseios desses dois grupos, tendo os países comunistas aceitado esta ao invés da OIC,

segundo Cutler, pois:

Soviet specialists on foreign trade regarded the results of the Geneva Conference favorably. Several months after the end of the Geneva Conference, one such analyst [V. V. Fomin] concluded a monograph on UNCTAD (…) According to this author the institutionalized UNCTAD, including its Council, was an organ "of a transitional type"[…].(idem, p.125)A década de 1960 foi divulgada como a “Década de Desenvolvimento das Nações

Unidas” tendo como objetivo que os países menos desenvolvidos obtivessem até 1970 um

crescimento mínimo anual de 5% tendo como mecanismo para tal a ajuda direta externa dos

países desenvolvidos, que se comprometeram a transferir 1% de seus produtos internos

brutos para os países mais pobres. No entanto o volume da ajuda externa não atingiu o

patamar de 1% nem de longe tendo constantemente se tornado menor ainda. Antes mesmo da

criação da UNCTAD, e de forma mais premente após, o comércio externo era visto como a

ferramenta fundamental, para o desenvolvimento dos países mais pobres, devendo se tornar

mais forte particularmente através do aumento das exportações desses países, principalmente

constituídas de produtos primários. Já em 1962 o ECOSOC pedia, de forma pouco enfática, a

diminuição do protecionismo dos países desenvolvidos sobre os produtos primários, o

comércio internacional.

Em 1964, logo antes da conferência da UNCTAD I, muitas das medidas comerciais

em prol do desenvolvimento a serem tomadas já eram delineadas por Raúl Prebisch, sendo

que as principais propostas de medidas comerciais da conferência foram: Acordos de

Comodities; Compensações Financeiras; Preferências; e Arranjos Regionais. Historicamente

acordos sobre comodities se provaram difíceis de serem feitos devido às disputas entre os

países produtores e países consumidores, já que estes acordos constituem na definição dos

preços dos produtos, sendo que no caso dos produtos primários exportados pelos países em

desenvolvimento sugeriu-se o aumento dos preços no intuito de promover o

desenvolvimento. No entanto esse aumento de preços só seria efetivo se feito para comodities

63

produzidas principalmente ou unicamente por países em desenvolvimento não sujeitas à

competição por substitutos. Sendo assim, o escopo de efetividade da fixação de preços, como

meio para se aumentarem as exportações dos países em desenvolvimento, se torna bem

limitado.

Tendo observado as limitações das comodities o que se sugeriu foi a idéia de que

aportes financeiros fossem dados aos países em desenvolvimento para compensar as

flutuações de preços dos produtos primários. Essa idéia ganhou força na UNCTAD, pois não

interfere com as forças “normais” do mercado, deixando que este se auto-regule, evitando

assim os efeitos potencialmente nocivos de se interferir no livre-comércio. Desde o início da

década de 1960 o FMI declarou que os países que estão tomando os “passos apropriados”

para preservar a estabilidade financeira interna e mantendo suas balanças de pagamentos em

equilíbrio podem contar com o fato de que financiamento estará disponível para compensar

dificuldades nas balanças de pagamentos causadas pelas flutuações nos preços. Em 1966 o

FMI aumentou a porcentagem dos direitos de empréstimos direcionados a compensações

financeiras de 25% para 50% (METZGER, 1967, 766), no entanto isso não exauriu as

possibilidades desse mecanismo tendo a UNCTAD sugerido ao BIRD que construísse um

mecanismo similar.

O sistema sugerido de preferências de acesso aos mercados dos países desenvolvidos

pelos países em desenvolvimento provavelmente foi o tema mais debatido na UNCTAD

justamente por ir contra o princípio do livre-comércio defendido pelo GATT afetando

inclusive os lucros das exportações dos países desenvolvidos para outros países

desenvolvidos. Acordos regionais para Metzger, apesar de estimularem o comércio, no curto

prazo, principalmente na América Latina, se provaram de menor importância para os países

em desenvolvimento do que o comércio com os países desenvolvidos. Além disso, os países

maiores e mais industrializados como a Argentina, o Brasil e o México, julgam que seus

64

mercados internos são grandes o suficiente para ditarem as regras para os países menores.

Metzger argumenta que as negociações coletivas associadas com acordos regionais de países

em desenvolvimento frente aos desenvolvidos podem se provar mais efetivas para conseguir

ajuda direta do que a integração econômica obtida de tais regionalismos. O autor termina seu

artigo afirmando que as chamadas “soluções comerciais” são, na melhor das hipóteses,

marginais, carregando efeitos colaterais adversos, sendo que deveriam ser enfatizadas nas

barganhas coletivas frente ao protecionismo dos países desenvolvidos. De fato isso foi feito

principalmente na primeira década de existência da UNCTAD.

Afirma-se que a UNCTAD foi muito influenciada pelo seu Secretário Geral, Raúl

Prebisch, que ocupou esse cargo por dois mandatos, tendo este se mostrado mais favorável

aos países em desenvolvimento lançando um relatório intitulado “Towards a New Trade

Policy for development”, onde argumenta sobre a lacuna comercial “trade gap” entre a

exportação dos produtos primários pelos países em desenvolvimento e as necessidades de

importações desses países para que pudessem se desenvolver; portanto, a queda dos preços

dos produtos primários tornava essa situação insustentável. O relatório não só focava na

deterioração dos termos de troca, mas também na necessidade da redução das barreiras

comerciais dos países ricos para os países menos desenvolvidos, propondo preferências

tarifárias dos países ricos para os pobres. Essa iniciativa vai na contramão do preceito do

GATT de “most-favored-nation”, que prega o tratamento igualitário para todos os países no

que tange ao comércio.

A liderança de Prebisch e a sua “pragmatic group bargaining” (BHATTACHARYA,

1976, p.90) influenciou a forma das políticas adotadas conduzindo ao acordo do GSP

(Generalized System of Preferences), que dava tratamento tarifário preferencial para os

países em desenvolvimento. O secretariado da UNCTAD defendeu a inaplicabilidade da

liberalização indiscriminada do comércio argumentando no sentido de uma definição de

65

preferências, tendo unificado as demandas dos países em desenvolvimento incluindo uma

América Latina antes dissonante através do sistema de grupos institucionalizado13 da

UNCTAD que:

[…] facilitated the achievement of concrete agreements on a series of functionally specific issues by means of an incremental and pragmatic pattern of bargaining in which intra-group and inter-group conflicts of interest were brought into convergence by "splitting the difference" between polar positions. (idem)

Relativo a essa questão das barganhas coletivas, o artigo de Robert S. Waters, que

discorre sobre o uso da UNCTAD por países menos desenvolvidos, monta um panorama

diferenciado sobre a questão das organizações internacionais, oferecendo um ponto de vista

analítico de certa forma otimista sem deixar de ser produtivo. Waters sugere uma análise que

não se limita às realizações palpáveis dessas organizações sendo no caso da UNCTAD a

análise não do seu caráter legislativo, mas sim no seu funcionamento como uma

“articuladora, agregadora e comunicadora de interesses”(WATERS, 1971, p.819). A

UNCTAD surge então como uma organização adaptada aos esforços dos países menos

desenvolvidos para estruturar comunicações políticas entre eles e os países desenvolvidos. A

UNCTAD como uma articuladora de interesses se mostra mais claramente no abandono do

conceito tradicional de um secretariado “neutro”. Isso ocorre pelo fato de Prebisch acreditar

que são os obstáculos políticos e não técnicos que impedem a formação de relações

econômicas mais condizentes com o desenvolvimento dos países menos desenvolvidos. O

eixo Leste-Oeste das relações internacionais é preterido pelo eixo Norte-Sul.

O papel agregador da organização se mostra na combinação das diversas demandas dos

países do Sul mantendo a coesão dos interesses do Grupo dos 77, mantendo uma posição

comum entre eles e votando em bloco. Essa coesão do Sul forçou os países do Norte a

buscarem a mesma articulação de interesses muitas vezes através da OCDE. Waters

13 Dividido em quatro grupos mas que funcionava com um sistema de três partidos: Grupo B que engloba os países industrializados membros da OCDE; o Grupo dos 77 que é uma fusão dos Grupos A e C que compreendem países em desenvolvimento de diferentes regiões; e o Grupo D, cujos membros são os países socialistas do Leste Europeu. Existindo também membros independentes como China e Israel que se posicionam de forma variável.

66

argumenta que esse tipo de coesão de ambos os lados combate o imobilismo característico de

organizações internacionais, aumentando sua eficácia e eficiência.

No que tange ao caráter comunicador de interesses da organização, Waters afirma que

esta oferece uma alternativa ideológica à clássica teoria liberal embasada em grande parte

pelos dados estatísticos e analíticos fornecidos pela CEPAL. No entanto o autor adverte que

o cerne dos trabalhos reais em termos operacionais do desenvolvimento multilateral ainda se

encontra nas organizações internacionais anteriores à UNCTAD, nas quais os países em

desenvolvimento têm menor poder de voz como, por exemplo, o BIRD, GATT, FMI e o

UNDP. Como conseqüência, ou coincidência, da criação da UNCTAD várias organizações

passaram a ser mais sensíveis às demandas dos países menos desenvolvidos, tendo a

UNCTAD sido provavelmente em grande parte responsável por mudanças nas posições

adotadas pelos Estados Unidos quanto a reformas comerciais requeridas pelo Sul.

No final de seu artigo Waters deixa o tom otimista e afirma que o sistema de grupos se

mostra mais condutivo ao confronto do que a sérias negociações, pois a oposição de

interesses generalizados de ambos os lados acaba por não levar a resultados concretos.

Robert Ramsay desenvolve uma crítica mais contundente sobre o sistema de grupos:

Unlike most national political parties, these international parties lack any coherent political philosophy. Logically, the Group of 77 might be expected to produce a body of proposals, but interests within the group are so divergent that the member countries can usually reach a uniform position only by phrasing their proposals in terms so general that they could not be used as a basis for serious negotiations. In fact, it is no secret that many of the 77 speakers who made "demands" at UNCTAD VI were aiming to produce press reports for domestic consumption rather than to provoke international discussion. (RAMSAY, 1984, p.388)

Em termos gerais, segundo Ramsay, a filosofia adotada pelo secretariado é a de

“mudança na estrutura da economia” no sentido do desenvolvimento, a “Nova Ordem

Internacional”, no entanto as estratégias propostas são geralmente vagas, abarcando coisas

demais sem discutir as vantagens e desvantagens de diferentes ações. Além disso, muito

dinheiro é desperdiçado em “trabalhos desnecessários” e pouco dinheiro é direcionado onde

este é imprescindível. Muitos relatórios são produzidos, sendo estes de baixa qualidade e

67

obscuros, por isso Ramsay chega ao ponto de sugerir que a falta de clareza dos relatórios

pode ser intencional, pois assim não se sabe exatamente o que se quer dizer ficando mais

difícil de afirmar que os resultados apresentados estão errados. O tamanho dos documentos e

os atrasos na entrega destes para os delegados tornam também improváveis que estes os

leiam e critiquem seus autores ou que se preparem devidamente antes das reuniões e

conferências.

Fora das conferências, países do grupo B são conhecidos por enviar reclamações para

os delegados mais ativos do grupo dos 77, sendo que os países em desenvolvimento muitas

vezes evitam ser mais militantes, especialmente os maiores que realmente têm algum poder

de barganha, para evitar conflitos com os mais ricos na esperança de conseguirem, ou pelo

menos não prejudicarem, negociações com os países desenvolvidos, passando a tomar

atitudes unilaterais. Para Ramsay nenhum dos países, inclusive os ricos, gostaria de ver a

UNCTAD extinta, pois isso significaria que a pressão feita pelos mais pobres na UNCTAD

seria realizada em outras organizações, onde essa pressão poderia ser efetiva. Pressão esta

também presente no âmbito doméstico; nos países ricos os líderes satisfazem parte da pressão

de grupos “de esquerda”, e nos países pobres os líderes satisfazem a pressão da população

empobrecida afirmando que estão lutando por uma maior parcela da riqueza mundial.

Um último fato levantado por Ramsay que define sua conclusão é o de que quando se

levanta a questão das pessoas ricas e pobres presentes em todos os países, ela é

automaticamente rejeitada sob o argumento de que interfere, injustificavelmente, demais na

soberania doméstica dos países. Um questionamento não feito pelo autor, pelo menos não

diretamente, mas válido de ser levantado aqui é o seguinte: até que ponto o argumento da

soberania não serve como uma defesa externa aos interesses individuais presente

internamente nos países? Outro fato que pode substanciar essa argumentação é a esparsa e até

mesmo completa ausência de regulamentação internacional na área de investimentos diretos

68

e indiretos privados (incluindo o estabelecimento de empresas multinacionais) e práticas de

negócios. Walter Krause inclusive questiona o porquê da inexistência de uma agência

internacional com funções específicas nessa área (KRAUSE, 1973, 52).

3.2 - Análise do documento “Resolutions Adopted Without a Reference to a

Committee” da “NINETEENTH SESSION OF THE GENERAL ASSEMBLY”

No documento emitido pela Assembléia Geral onde se decide pela transformação da

UNCTAD em um órgão permanente da ONU, se afirma na sua introdução uma preocupação

com o padrão de vida em todos os países, preocupação esta que não se refletiu em ações

práticas, pois o padrão de vida de um país não se limita à quantidade de riqueza que ele

produz ou quanto ele comercia. O comércio é visto como um instrumento fundamental para o

desenvolvimento, sendo a UNCTAD criada no intuito de acelerar o crescimento econômico

dos países em desenvolvimento. A Conferência, por omissão a outras estratégias de

desenvolvimento além das comerciais, afirma o caráter privado que esse desenvolvimento

deve tomar. Questões como a redistribuição da riqueza ou mesmo da transformação de

grandes grupos populacionais miseráveis em populações minimante auto-sustentáveis não

são discutidas em momento algum. A Formação Discursiva desse documento prima mais

pela omissão do que pela afirmação, pois apaga a possibilidade de outras formas de

desenvolvimento que não através do comércio ao não menciona-las.

O discurso do desenvolvimento através do comércio é legitimado por sua

“preocupação” com o padrão de vida de todos os países, e ao afirmar logo em seguida a

importância do comércio como instrumento de desenvolvimento, aponta como única

alternativa para a melhora do padrão de vida o aumento do comércio mundial. Cria-se

discursivamente uma relação direta entre o comércio e o padrão de vida das populações como

uma verdade, sem, no entanto sequer fornecer evidências empíricas nesse sentido.

69

Nesse documento afirma-se que a operação das instituições internacionais existentes

naquele momento foi examinada pela Conferência observando tanto suas contribuições

quanto suas limitações em lidar com problemas do comércio e problemas de

desenvolvimento relacionados, sendo necessária uma revisão mais profunda dos arranjos

institucionais presentes e das propostas existentes (p.1). A afirmação do reconhecimento dos

aspectos negativos e positivos das instituições existentes cria uma construção discursiva de

aparente imparcialidade do exame da UNCTAD. No entanto, logo em seguida se afirma que

os países devem fazer o melhor uso das instituições que eles são ou serão membros. Além

disso, mesmo observando essas “limitações”, a Assembléia Geral se preocupa em afirmar

posteriormente a necessidade de se observar para que a UNCTAD não interfira ou replique

funções de outras organizações. A crítica, portanto legitima a não-ação, pois dá à UNCTAD

uma aparência de imparcialidade ao mesmo tempo que prega a não interferência.

A motivação para a criação da UNCTAD, segundo o documento, surge justamente de

um desejo por parte dos países em desenvolvimento de que existisse uma “organização

comercial compreensiva”. Esse desejo, compartilhado pelos países socialistas, se dá

justamente porque as organizações existentes não abrangiam os interesses dos países em

desenvolvimento tendo historicamente privilegiado os interesses dos países desenvolvidos,

como é o caso do FMI, cujo poder de voto é definido pela renda dos países, e foi o caso do

GATT, com o histórico de rodadas que fracassaram em combater o protecionismo dos países

desenvolvidos, mas que afirmava sua busca pelo livre-comércio. A UNCTAD se propõe a

incumbência de promover o comércio entre países em diferentes estágios de

desenvolvimento, e entre países de sistemas econômicos e de organização social diferentes,

no entanto, sempre levando em conta as instituições já existentes. A ressalva feita sugere a

reivindicação dos Estados mais beneficiados pelas outras instituições existentes, como por

exemplo o Gatt cujo histórico de negociações mais beneficiou os países desenvolvidos.

70

O tom generalizante do documento aponta uma série de atribuições para a UNCTAD,

como: a promoção do comércio internacional; formulação de princípios e políticas e

propostas para sua efetivação; coordenação das atividades de outras instituições nas áreas de

comércio e desenvolvimento; tomada de ação quando apropriado; harmonização de políticas

nacionais com acordos regionais; e lidar com outras questões dentro do escopo de sua

competência. A tomada de ação quando apropriado com o devido cuidado com a adequação

com os órgãos de negociação já existentes demonstra uma formação discursiva mais

preocupada com a possível interferência nas organizações já existentes do que a proposição

de ações para alcançar a mudança proposta, no caso a do padrão de vida dos países. Todas

essas funções atribuídas à UNCTAD falham em clareza sobre suas atividades e, na tentativa

de abranger tudo, acaba-se por não ser definida nenhuma atividade real. O risco de ausência

de deliberações reais depreendido desse documento é confirmado pelos autores apresentados

anteriormente.

Posteriormente no documento são feitas considerações meramente procedimentais,

tornando esse documento de pouca riqueza para a análise. No entanto dentre os princípios

definidos pela organização se encontram questões prementes entre os países em

desenvolvimento, mas como observado nesse documento pela definição de suas funções,

estas questões ganham pouco poder pragmático. Ao incluir dentro das discussões

multilaterais a crítica às instituições existentes, o saldo político acabou por ser a legitimação

do trabalho dessas (GATT, FMI, BM), pois satisfaz as pressões dos países em

desenvolvimento sem procurar combater as limitações presentes nessas instituições, sendo

que estas possuem competências de caráter mais pragmático ao tempo que a UNCTAD

funciona como um fórum intergovernamental de parcas negociações.

3.3 Antecedentes à Declaração de Midrand

71

Uma interessante e críticas análise dos desenvolvimentos ocorridos na

UNCTAD foi feita por Boutros Boutros-Ghali, ex-Secretário Geral das Nações Unidas,

que submeteu ao “Panel of Eminent Persons on Enhancing UNCTAD’s Impact” de

2006 um relatório em que analisa o declínio da UNCTAD nas últimas décadas, em

particular o efeito das conferências UNCTAD VIII em Cartagena e UNCTAD IX em

Midrand. Segundo ele, um esforço orquestrado foi feito a partir da década de 1980, que

teve como resultado uma mudança nas funções, agenda e discurso dentro do sistema

ONU e muitas competências dos secretariados foram eliminadas, sendo a UNCTAD o

principal alvo desse ataque.

Nas conferências de Cartagena e Midrand o mandato e funções da UNCTAD

foram drasticamente podados. Boutros-Ghali aponta sete principais aspectos da

transformação da UNCTAD: perda do poder de negociação tendo seu papel se reduzido

na tentativa de construção de consenso; erosão de sua capacidade de pesquisa e análise

“(...) research has to be carried out with drastically reduced resources and within a pre-

determined ideological framework and orientation.” (BOUTROS-GALI, p.5, 2006),

sendo seus projetos principais meramente tolerados; não se permite mais apresentar uma

abordagem compreensiva e integrada sobre o desenvolvimento; requer-se a

conformidade com as visões adotadas pelo FMI e pelo BM sobre a globalização,

liberalização e desenvolvimento, no intuito de se manter coerência com visão

predominante; o papel da UNCTAD se reduziu a ajudar os países em desenvolvimento a

se integrarem com a economia mundial. Um corolário sobre a globalização,

liberalização e desenvolvimento se concentra em prescrições para políticas domésticas

de países em desenvolvimento. A Assistência Técnica adquiriu função proeminente,

pois é orientada para satisfazerem os países doadores, sendo usada como forma dos

países desenvolvidos manterem controle sobre as políticas adotadas pelos países em

72

desenvolvimento; a UNCTAD retirou sua função de oferecer direto apoio ao Grupo dos

77, que mantinha sua unidade e coesão.

Boutros-Gali aponta, como uma das causas dessa mudança, as conferências de

Cartagena e Midrand da seguinte forma:

UNCTAD VIII in Cartagena opened the door to the ideological and organizational transformation of UNCTAD.(...) Its work of analysis and research was refocused to emphasize national polices and domestic issues. Its subsidiary bodies were given new mandates to move away from criticising the existing order and suggesting new paradigms, towards assisting developing countries in integrating into the international economic system. The ideological shift was taken to its logical conclusion in Midrand. Here, UNCTADentirely gave up its opposition to the international system and redefined its objectives in the context of liberalization and globalization. The argument given in favour of this shift which several developing countries must have found attractive in the short-term view of their interest, was that UNCTAD should give up its ideological stance and remodel itself as an action-oriented and pragmatic institution and that it was very much in the interest of developing countries if UNCTAD rendered them practical assistance to develop capacity to take advantage of the existing economic order, rather than indulging in the seemingly futile exercise of contesting this order. (Idem, p.6)

Uma inovação dessas conferências foi o conceito de “Partnership for

Development”, que para Boutros-Gali, de uma maneira insidiosa tirou a ênfase no papel

dos governos e deu ênfase nos atores não estatais ou organizações da sociedade civil, e

sob essa nomenclatura a primazia foi dada para o setor privado, em particular, as

organizações transnacionais. Vários conclaves da “Partnership for Development” foram

organizados pela UNCTAD onde foi feita uma seleção de setores como comércio de

eletrônicos, biotecnologia de alimentos, microfinanças, movimento global de bens e

administração de riscos, nos quais os parceiros privados provavelmente se interessariam

e fariam contribuições.

Pela primeira vez é trazido para a agenda da UNCTAD pela Declaração de

Midrand o papel das empresas na promoção do desenvolvimento, estando inclusive no

título de uma das novas comissões criadas.

73

Além dessa virada ideológica, a Conferência reestruturou a UNCTAD mudando

seu funcionamento, reduzindo o número de reuniões e de publicações, diminuindo seu

orçamento e coordenação com as outras organizações (OMC, FMI e BM).

O número de comitês foi reduzido pela metade e estes foram rebatizados de

comissões sendo que O Comitê "Commodities,Manufactures, Financing & Invisibles,

Shipping, and Economic Cooperation among Developing countries" foi abolido, e uma

comissão específica para o comércio criada. Além dessa, uma das comissões criadas foi

a de “Enterprise, Business Facilitation and Development”, direcionada especificamente

para o setor privado. Manufacturing (produção industrial) e shipping (transporte

marinho de mercadorias) foram anuladas do vocabulário da UNCTAD.

O desafio enxergado pelo Grupo dos 77 e pelo secretariado da UNCTAD na

Conferência de Midrand foi o de garantir a sobrevivência da UNCTAD, visto que os

países desenvolvidos ameaçaram sair e retirar seu financiamento caso a UNCTAD não

fosse transformada nas linhas de seus interesses. Boutros-Gali, concluindo sobre o

declínio da UNCTAD, afirma que "The decline of UNCTAD has coincided with and is

a part of the general erosion of the Charter role of the United Nations in the economic

field and the transfer of the responsibility of the UN in this field, to the Bretton Woods

Institutions and WTO.” (idem, p.8)

3.4 Análise da "MIDRAND DECLARATION and A PARTNERSHIP FOR

GROWTH AND DEVELOPMENT"

Na introdução da Declaração de Midrand A UNCTAD IX se posiciona

claramente como uma continuação do “Espírito de Cartagena”, ou seja, o reforço das

iniciativas de reestruturação da UNCTAD e sua adaptação com o novo corolário. “In

1992, UNCTAD VIII heralded The Spirit of Cartagena, a partnership for development.

74

This was a clear recognition of the need for a new approach to assisting development.”.

Esse claro reconhecimento aborda a realidade como já posta, esperando ser reconhecida,

onde a necessidade é clara, óbvia e, portanto, incontestável. Onde as novas abordagens

liberalizantes para o desenvolvimento são necessárias e não opcionais, ao contrário do

cumprimento dos compromissos anteriores pelos países desenvolvidos e das

reivindicações dos países em desenvolvimento. Sendo assim, o discurso, por remeter

aos interesses dos países desenvolvidos, se torna paternalista, autoritário, não

reconhecendo as abordagens propostas no passado como válidas.

Ainda na introdução do documento afirma-se que: “(…) the creation of the

World Trade Organization (WTO) has strengthened the rules-based trading system and

furthered the process of liberalization, opening new opportunities for sustainable

development and growth.” (p.3). Nesse contexto da criação da OMC, coloca-se que o

processo de liberalização se aprofundou, o que em termos estatísticos está correto, no

entanto, este processo é diretamente associado com oportunidades para o

desenvolvimento sustentável e o crescimento. Cria-se uma relação direta entre a

liberalização e o desenvolvimento sustentável, como se fossem causa e efeito

necessariamente, sem nem sequer embasar essa afirmação com algum dado concreto.

Além disso, o número de experiências de liberalização, muitas das quais capitaneadas

pela OMC, se mostraram de extrema desvantagem para os países em desenvolvimento,

sem falar das experiências desastrosas das economias do Leste-Europeu ao adotarem a

cartilha liberalizante no pós Guerra-Fria.

Logo em seguida o documento reconhece que os países entram no sistema a

partir de pontos de partidas bem diferentes, sendo o impacto da globalização e da

liberalização desigual. Sendo que “There are notable developing country successes

where domestic reforms have provided increased dynamism to international trade and

75

investment. Yet there remain problems of access to markets, capital and technology, and

many grapple with the institutional transformation necessary for meaningful integration

into the world economy.” Os notáveis países em desenvolvimento são aqueles que

fizeram reformas domésticas e aumentaram o dinamismo para o comércio internacional

e investimentos, e portanto conseguiram se integrar à economia mundial. Essa

integração à economia mundial através das reformas domésticas liberalizantes é

colocada como uma compensação para esse “ponto de partida” diferente, como se a

liberalização em si apagasse as diferenças entre os níveis de desenvolvimento. Enquanto

isso, os países que restringem o acesso aos seus mercados são colocados como

problemas, necessitando da “transformação institucional” para se integrarem à

economia mundial. O reconhecimento das diferenças entre os países é colocado

justamente no intuito de apagar essas diferenças com uma solução unívoca, monofônica.

A fórmula, mais comércio é igual a mais desenvolvimento, é constantemente afirmada,

por mais que as reformas liberalizantes ocorridas em diversos países nas décadas de

1970 e 1980 tenham aumentado os fluxos de comércio sem aumentar a produtividade na

mesma monta, e até em alguns casos na contramão desta, sendo as taxas de crescimento

do PIB da maioria dos países nessas décadas muito pequena, até mesmo negativa.

Posteriormente, na introdução, é colocada a intenção do Secretário-Geral de se

reunir com atores do desenvolvimento (não especificados quais) que lhe aconselharão

em como aumentar a participação da sociedade civil na UNCTAD para a construção de

parcerias para o desenvolvimento (p.5). Dado o que foi exposto anteriormente e a ênfase

posterior sobre a importância do Investimento Externo Direto, pode-se presumir que

esses atores para o desenvolvimento constituem parcerias do setor privado, em

particular as empresas transnacionais, sendo a sociedade civil apontada no texto

constituída principalmente por esses atores privados. No entanto, devido à amplitude

76

que o termo 'sociedade civil' pode tomar, sem entrar no mérito da discussão

gramisciana, deve-se considerar como parte deste as Organizações Não-Governamentais

que prestam serviços de caráter público. Na década de 1990 ocorreu um aumento no

número de Organizações da Sociedade Civil de forma muito intensa, sendo que muitas

dessas surgiram para compensar o Estado Mínimo pregado pelas reformas "neoliberais"

adotadas nas décadas anteriores. Sendo assim a parceria com a sociedade civil toma um

caráter diferente do que aparenta o discurso da Declaração, pois, ao invés de juntarem

os esforços com os governos, estas organizações tomam para si o encargo de governos,

cada vez mais ausentes nas áreas de educação, saúde, habitação, alimentação dentre

outros serviços públicos.

No primeiro parágrafo da Declaração há a afirmação de que a globalização da

produção e a liberalização do comércio oferecem oportunidades para TODOS os países,

permitindo que aqueles em desenvolvimento tenham um "papel mais ativo na economia

mundial". Supondo que empiricamente seja verdade essa afirmação absoluta de

"oportunidades para todos", a alternativa de não se integrar à economia mundial nem

sequer é considerada como viável, muito menos é analisado se a não integração pode ser

vantajosa em alguns casos, como por exemplo, países cuja capacidade competitiva no

comércio mundial é muito baixa. Esse "papel mais ativo" na economia mundial

possibilitado para os países em desenvolvimento toma uma conotação positiva no

documento, mas não necessariamente condiz com a realidade. A valorização do

aumento do comércio (liberalização) é feita em detrimento do desenvolvimento

doméstico autônomo (de caráter mais protecionista), criando uma dicotomia em que

uma ideologia (neoliberal) se afirma ao antagonizar qualquer alternativa a ela. Logo em

seguida, no mesmo parágrafo, os avanços tecnológicos e a mobilidade dos fatores de

produção, e em alguns casos arranjos comerciais regionais, são ressaltados por terem

77

aberto o caminho para possibilidades de aumento de produtividade e de riqueza. Esse

recurso discursivo de constante reafirmação das possibilidades positivas futuras serve o

intuito de apagar as vozes contrárias, ou seja, para omitir as possibilidades negativas. A

possibilidade do surgimento de novos problemas com essa liberalização só é

considerada no décimo terceiro parágrafo e mesmo assim é diminuída pelo papel crucial

dado para a cooperação internacional e para as parcerias (com a sociedade civil). Dentre

essas possibilidades negativas cabe ressaltar que o aumento da produtividade dos países

em desenvolvimento pode ser acompanhado por um alto endividamento, como foi o

caso dos países da América Latina durante a década de 1990. Além disso, esse aumento

de riqueza realmente ocorreu, eventualmente, em vários casos, no entanto nada se

menciona nesse documento do aumento exponencial da desigualdade na repartição

dessa riqueza com a liberalização da economia, fato este não exclusivo dos países em

desenvolvimento, sendo muito acentuado nos Estados Unidos e na Inglaterra.

Interessante notar que, somente com relação aos arranjos comerciais regionais, o

discurso deixa de ser absoluto e faz uma ressalva. O caráter dessa ressalva é omitido; no

entanto, considerando a dicotomia criada pelo documento, pode-se deduzir que essa

ressalva se refere a alguns acordos regionais que passaram a funcionar como novas

formas de protecionismo frente à competitividade do mercado mundial, ou seja, países

que se unem para protegerem suas indústrias nacionais. No décimo parágrafo essa

intenção fica explícita quando se afirma que acordos regionais devem ser voltados para

o exterior e consistentes com as regras multilaterais de comércio, ou seja, obedecendo

as regras da OMC.

No quinto parágrafo da Declaração há uma descrição de como o conceito de

desenvolvimento evoluiu ao longo dos anos, deixando de ser apenas centrado nos

aspectos econômicos para acrescentar fatores humanos e sociais além de se preocupar

78

com as gerações futuras, criando assim o conceito de desenvolvimento sustentável. Esse

conceito já foi utilizado no início do documento, no entanto as reformas recomendadas

para alcançar esse desenvolvimento, assim como os resultados prometidos, têm um

caráter primordialmente, para não dizer unicamente, econômico. A idéia de

desenvolvimento humano, social e sustentável parece contraditória com o

desenvolvimento alcançado pelas reformas liberalizantes, considerando que os índices

de pobreza, desigualdade, acesso a serviços públicos e preservação da natureza, em

geral, pioraram até o momento da Declaração. Frente a tais fatos a Declaração toma um

caráter um tanto quanto demagógico, se afirmando os interesses dos países e populações

mais pobres sem na prática defendê-los. No oitavo parágrafo, a Declaração requer a

participação de atores não governamentais para lidar com o desafio do desenvolvimento

sustentável. Companhias pequenas ou grandes, domésticas ou transnacionais,

organizações não-governamentais, universidades e centros de pesquisa, todos têm um

papel promovendo o desenvolvimento sustentável. Essa transferência das

responsabilidades para este setor acaba por funcionar, intencionalmente ou não, como

uma promoção indireta do Estado Mínimo, pois o setor privado deve encarregar-se de

funções antes atribuídas ao Estado.

Já no nono parágrafo a Declaração coloca que, para haver crescimento

sustentado, deve-se criar um "(...) enabling environment for the private/business sector.

To create this environment, countries must ensure the efficient functioning of domestic

markets, facilitate sufficient access to international markets, and create the best possible

conditions for the competitiveness of their firms, particularly the micro, small and

medium-sized enterprises which characterize developing countries. Further necessary

conditions include sound macroeconomic policies; encouragement of entrepreneurship

and competition; and efforts to promote domestic savings and attract foreign capital,

79

technology and know-how, as well as mobilizing capabilities towards sustainable

development". Mais uma vez reitera-se a ênfase no setor privado e como os governos

devem trabalhar em prol deste setor. Além disso, os governos devem fornecer acesso

para os mercados internacionais, direcionando o desenvolvimento doméstico para o

exterior deixando suas economias cada vez mais interdependentes. As sólidas políticas

macroeconômicas, considerando o alinhamento intencional com o FMI, entende-se por

serem as reformas propostas pelo Fundo, como por exemplo, a cartilha do Consenso de

Washington. Quanto a atração de investimento estrangeiro, essa atração é feita da

mesma forma que os países em desenvolvimento fizeram durante os Choques do

Petróleo, diminuição ou eliminação de barreiras e tarifas para esses investimentos.

Nos parágrafos 15 e 16 fazem-se referências aos programas de ajuste estrutural

(P.15) e reformas estruturais acompanhadas de sólidas políticas macroeconômicas,

sendo que estas devem ser condições para que medidas para reduzir o peso das dívidas

sejam tomadas (P.16). Apesar de não haver referência direta ao FMI ou BM, tanto o

vocabulário ("structural adjustment programmes") quanto a condicionalidade para o

alívio das dívidas, remetem aos programas e condições sugeridos/impostos pelo FMI e

BM para boa parte dos países em desenvolvimento.

A Declaração como um todo é bem repetitiva em muitas das suas prescrições e

apoios à globalização e liberalização, com breves, raros e isolados apoios ao alívio da

dívida externa (apontado anteriormente) e à cooperação entre países em

desenvolvimento para fortalecerem suas economias (P.20). No entanto vale a pena

comentar o vigésimo primeiro parágrafo onde se afirma: "Globalization and

liberalization have increased the potential for international trade to become an

unprecedented engine of growth and an important mechanism for integrating countries

into the global economy." Não há nenhuma informação nova nesse parágrafo, mas o

80

comentário referente ao comércio se tornar uma ferramenta "sem precedentes" não só

revela um otimismo ideológico exacerbado como também aponta para uma

reivindicação ahistórica dessa premissa, ou mesmo, da reivindicação da globalização

como um marco histórico de importância única. Dessa forma, em termos discursivo-

ideológicos, essa Declaração toma um tom quase profético, legitimando suas demandas

pela importância desse desenvolvimento histórico e pelas benesses, dadas como certas,

que estariam por vir.

No parágrafo 32 da declaração é colocada a importância da produção de

commodities para fazendeiros (em geral, pobres) e mineradores. Países em

desenvolvimento, por serem particularmente dependentes da exportação de

commodities, enfrentam desafios para a promoção do desenvolvimento através do

comércio. Isso, segundo a declaração, se deve ao declínio dos termos de troca e às

dificuldades de diversificação do setor causadas pela ausência de investimento externo

direto e pelas dificuldades de se adotarem políticas voltadas para o mercado por alguns

países. Esse parágrafo merece particular atenção, pois evoca a imagem de populações

pobres vitimizadas pela desvalorização das commodities (reivindicação do Terceiro

Mundo desde os primeiros anos da UNCTAD) e pela ausência de investimento externo

e políticas para o mercado. Ao evocar uma preocupação com os pobres e dar voz ao

argumento terceiro-mundista, se legitima a adição de uma causa para as dificuldades, de

uma condição para o desenvolvimento dos países pobres. A liberalização, que inclui o

aumento de investimento externo possível, surge então como solução para a pobreza

desses trabalhadores e para o desenvolvimento doméstico. O investimento externo é

enaltecido durante todo o documento, no entanto o mesmo investimento poderia ser

feito pelos governos domésticos, o que constituiria em subsídios que, por irem contra as

regras da OMC, limitam o escopo de opções desses governos, tendo estes que se

81

submeter ao investimento externo. Vale ressaltar que o investimento externo direto

geralmente inclui a eventual transferência de divisas para o exterior, diminuindo assim o

montante que poderia ser reinjetado na economia nacional.

Parágrafos 30 e 34 expressam o receio de que novas políticas ambientais possam

funcionar para objetivos protecionistas impedindo o livre-comércio, o parágrafo 34

especificamente fala sobre as preocupações de países em desenvolvimento sobre

“condicionalidades” ambientais na área de commodities. As limitações ambientais são

colocadas como legítimas, devido, em parte, à Eco-92, no entanto, nesses parágrafos é

deixado claro que elas não podem impedir a liberalização, estando submetidas aos

objetivos comerciais.

O papel governamental só é ressaltado quando se trata de reafirmar a

necessidade de "políticas macroeconômicas sólidas" e na garantia da égide do direito,

em particular na defesa dos direitos de propriedade como apontado no parágrafo 35.

Nesse mesmo parágrafo afirma-se: "the economic importance of the enterprise as one of

the main engines of growth and of development is now universally acknowledged: the

enterprise is the economic unit that organizes production, creates employment, enhances

skills, absorbs and promotes technological change and harnesses it for production, and

invests for the future. In undertaking these functions, enterprises also contribute to

broader social and economic objectives, such as reducing poverty and accelerating

structural adjustment." O setor privado é apresentado como uma solução absoluta,

universal, para todos os problemas desde o econômico até o social. Esse discurso de

caráter monofônico coloca a iniciativa estatal como subordinada diretamente aos

interesses empresariais, devendo o Estado promover uma "cultura empreendedora".

Nesse caso o Estado funcionaria diretamente como um mecanismo legitimador da

82

identidade do setor empresarial, sendo que uma cultura especificamente empresária

deve ser apoiada e divulgada pelo Estado.

Parágrafo 36 mais uma vez reforça a importância do investimento externo direto

como ferramenta para o desenvolvimento e integração na economia mundial. O

aumento da dependência dos países em desenvolvimento quanto a estes investimentos,

além de outros possíveis problemas acarretados, nem sequer são considerados,

seleciona-se os elementos discursivos para que o Discurso (Neo)liberal propagado

aparente uma infalibilidade e univocidade. No parágrafo 37 novamente sua importância

é reforçada enfatizando a necessidade de uma estrutura legal transparente que proteja os

direitos de propriedade intelectual, sendo esta um ambiente condutivo para a criação e

transferência internacional de tecnologia. No entanto, a proteção do direito de

propriedade intelectual muitas vezes causa justamente o contrário, a impossibilidade de

acesso a tecnologias por parte dos países em desenvolvimento. A égide do direito,

ressaltada em vários momentos do texto (e recorrente no discurso intergovernamental),

como valor universal, acaba por legitimar as patentes (muitas vezes obstáculos para o

acesso de novas tecnologias por parte dos países em desenvolvimento).

As privatizações são consideradas de extrema importância e ressaltadas como de

especial relevância para os países em desenvolvimento (P.38-9), esse discurso omite as

experiências sofríveis de privatizações ocorridas nas décadas anteriores que

favoreceram a criação de oligopólios internacionais, corrupção da burocracia estatal e

sub-aproveitamento dos recursos nacionais.

Globalização e liberalização mais uma vez são ressaltadas (P.42), sendo

necessárias políticas nacionais para estabilidade macroeconômica, que inclui o

“monetarismo” neoliberal. Internacionalmente mais uma menção é feita ao

83

favorecimento dos Structural Adjustment Programmes, com a ênfase aqui no

desenvolvimento empresarial.

No parágrafo 45 faz-se menção a um “diálogo” entre o setor governamental e o

privado, provavelmente uma demanda dos países menos desenvolvidos, no entanto, o

caráter desse diálogo é omitido para evitar conflitos com as demandas dos países

desenvolvidos. Esta estratégia discursiva é típica de uma declaração intergovernamental

que faz de generalizações uma regra, na esperança de consenso; não especificando as

ações, dá margem para os países interpretarem como quiserem. Cria-se uma imagem de

consenso quando na verdade os conflitos estão longe de serem resolvidos. Fato esse já

observado na análise da UNCTAD apresentada anteriormente.

Segundo o parágrafo 50, governos devem: ter um sistema macroeconômico

estável, fazer ajustes estruturais, sólidas práticas orçamentárias (diminuição dos gastos

públicos), promover investimentos – Práticas de caráter neoliberal. Além disso, devem

aliviar a pobreza (não eliminá-la) e promover igualdades de oportunidades, canalizar

recursos de forma produtiva e satisfazer as necessidades humanas básicas, e prover para

democracia e transparente administração e governança. Objetivos estes historicamente

negligenciados em função dos ajustes macroeconômicos e balanços orçamentários.

Enunciam-se os objetivos de caráter social dando um encargo excessivo para a maioria

dos Estados em desenvolvimento se estes desejam continuar recebendo ajuda externa e

empréstimos das instituições financeiras.

Uma reivindicação em favor dos países menos desenvolvidos é feita no

parágrafo 53 revelando o contexto de queda da ajuda oficial para o desenvolvimento

após o fim da Guerra-Fria, apontando os interesses geopolíticos na ajuda fornecida

anteriormente. A UNCTAD apela para que os países doadores cumpram seus

compromissos anteriores na área de ajuda para o desenvolvimento; sabe-se que esses

84

compromissos não foram cumpridos mesmo depois desse apelo, o caráter não

vinculante dessa declaração fica claro, assim como o caráter de válvula de escape para

as demandas dos países menos desenvolvidos que a organização possui, sem

comprometer os interesses dos países desenvolvidos.

Parágrafos 62 a 68 dão ênfase na importância dos compromissos adotados na

Rodada do Uruguai e na criação da OMC devendo os países se ajudar para alcançar

esses compromissos, e ajudar novos membros a entrarem. Mais uma vez afirma-se que a

liberalização do comércio deve continuar. Já nos parágrafos 75 a 78 reafirma-se a

importância dos investimentos externos diretos para o desenvolvimento e as medidas a

serem adotadas pelos países em desenvolvimento para facilitar o acesso destes

investimentos a eles. Curiosamente o parágrafo 78 faz uma menção a populações

locais: “An appropriate enabling framework allows firms to utilize their dynamism,

global resources and vast capabilities towards indigenous technological capacity

building in developing countries and for the expansion of export opportunities and

access to competitive structures and tools, such as information and transport networks

and distribution and marketing channels. – O parágrafo refere-se a capacity-building

dessas populações e maior acesso destas ao mercado graças às vastas capacidades das

firmas internacionais. Tal estratégia discursiva é utilizada durante toda a Declaração

onde são colocados apenas benefícios para os países recebedores desses investimentos,

não apontando nenhuma possível desvantagem proveniente destes, como por exemplo

seu impacto na indústria nacional. Não há menção também às vantagens em

comparação e lucros obtidos por essas empresas nos países recipientes em comparação

ao país de origem (vantagens oferecidas pelos países recipientes como forma de

atraírem o investimento externo), dando um caráter quase filantrópico às firmas

internacionais. Legitima-se assim sua inserção em qualquer região.

85

Na declaração se faz menção à necessidade de cumprir os compromissos do

"Programme of Action for the Least Developed Countries for the 1990s", esse programa

no seu início já aponta como causas das dificuldades passadas pelos países em

desenvolvimento durante a década de 1980 as políticas domésticas adotadas durante o

período, que causavam "rigidez" nas suas economias, e que em alguns países os

distúrbios internos foram agravados pelos distúrbios externos. Essa perspectiva não

elimina como causa os choques externos, mas diminui a sua importância ao relegar a

apenas alguns países que já possuíam distúrbios internos, sendo que, na realidade, a

crise afetou a grande maioria dos países, inclusive os países desenvolvidos.

Posteriormente nesse documento os países em desenvolvimento são acusados de

causarem as falhas ocorridas nos Programas de Ajustes Estruturais propostos pelo FMI,

pois não implementaram esses programas corretamente. Dentre os princípios desse

programa de ação vale apontar o reforço das "parcerias para o desenvolvimento" e que

os países pobres têm a principal responsabilidade pela implementação das políticas

apropriadas para seu crescimento. Faz-se menção nesse documento à necessidade de

uma estrutura internacional apropriada para ajudar os países em desenvolvimento, no

entanto o tom inicial do documento é bem similar ao tom da Midrand Declaration,

enfatizando a importância do setor privado e da necessidade dos países emergentes em

adotarem os Programas de Ajuste Estrutural.

No parágrafo 88 reitera-se o compromisso de manter a UNCTAD como um

fórum intergovernamental com a participação de representantes do setor privado nas

áreas de privatizações, fluxos de investimentos, e desenvolvimento empresarial. A

participação deste setor, e o compromisso da UNCTAD de que este vai participar, serve

para mostrar como as Conferências insistem em dar voz aos interesses do setor privado

em áreas importantes da economia dos países emergentes. Este compromisso na

86

participação do setor privado não daria evidências da primazia dos interesses privados

sobre o dos países emergentes, mas unindo esse fato com o teor do documento, as

evidências apontam nessa direção.

No restante do documento apenas delineia-se como se devem constituir as ações

da UNCTAD e de seus programas de Assistência Técnica na realização dos objetivos

expostos anteriormente.

Análise dos Resultados e Conclusão

Os resultados obtidos nessa pesquisa apontam na direção dos resultados esperados, no

entanto, a complexidade da afirmação da construção discursiva Liberal, ou mesmo mais

especificamente do que se convencionou como Neoliberalismo, está longe de ser esgotada. O

que se buscou nesse trabalho foi justamente demonstrar a maneira com que essa afirmação

foi feita em âmbitos pouco analisados. Esses espaços multilaterais muitas vezes foram vistos

como âmbitos em que era possível a busca da afirmação de outros interesses e discursos que

não os das instituiçõeos financeiras e dos países desenvolvido, como por exemplo a tentativa

da formação do conceito e identidade do Terceiro Mundo. A pesquisa nesse sentido se serviu

da análise histórica e discursiva da UNCTAD e da UNCHR conseguindo determinar

conflitos discursivos e a predominância de vários discursos que se incluem na cultura

política liberal. David Harvey coloca que : Nenhum modo de pensamento se torna

predominante sem propor um aparato conceitual que mobilize nossas sensações e nossos

instintos, nossos valores e nossos desejos. Se bem sucedido, esse aparato conceitual se

incorpora a tal ponto ao senso comum que passa a ser tido como certo e livre de

questionamentos"(HARVEY, 2008, p.15). O Neoliberalismo para Harvey foi um projeto de

classes dirigentes, tanto nas grandes potências quanto nos países em desenvolvimento. Esse

foi um movimento de caráter econômico e ideológico que remonta ao surgimento da

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Sociedade de Mont Pelerin, que através de experimentações em países em desenvolvimento,

como foi o caso do Chile sob o comando dos Chicago Boys (economistas vinculados a

doutrina de Milton Friedman), conseguiu aos poucos convencer as classes dirigentes dos

países desenvolvidos aproveitando-se das crises durante a década de 1970. Posteriormente,

sob os auspícios de organizações como o FMI e o Banco Mundial, a doutrina neoliberal foi

difundida para os países em desenvolvimento através das condicionalidades presentes nas

negociações de dívidas e na concessão de empréstimos. O movimento intelectual de Mont

Pelerin, que teve financiamento de corporações, se expandiu para a política internacional

através de elites políticas dentro de países, mas também através das organizações

internacionais. Boutros-Gali afirma esse movimento de reestruturação das organizações

internacionais sob a égide do pensamento neoliberal, apontando algumas evidências ao

dissertar sobre a UNCTAD. Os resultados aqui obtidos através da Análise do Discurso, vão

em concordância com essa afirmação. Consegue-se assim dar mais validade a um argumento

pouco valorizado no âmbito da política internacional.

Tratando de temáticas bem diferenciadas ambas as organizações dão um panorama,

longe de ser completo, sobre as questões que têm definido a cultura política internacional nas

últimas décadas. A observação dos princípios norteadores da UNCHR serve como uma

janela para as promessas liberais e para a própria concepção liberal do que é “ser humano”. A

tentativa de criação de uma identidade universal revela um discurso monofônico que remete

a interesses particulares, reflexos de um desenvolvimento histórico ligado ao próprio

surgimento do Liberalismo. No caso dos direitos humanos é interessante observar que este

discurso teve um movimento contrário ao que se observou na UNCTAD. Nos seus

primórdios a definição de direitos humanso era mais estrita e representava mais claramente

os interesses de uma classe, e posteriormente, de um grupo pequeno de nações, sendo uma

consepção mais individualista. Com o passar dos anos o discurso dos direitos humanos

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ganhou maior abrangência e passou inclusive a representar interesses coletivos, no entanto, o

que se observou com a análise dos documentos da década de 1990, é que essas reivindicações

de caráter mais coletivista e de países mais pobres ainda são abafadas pela predominância da

concepção individualista dos direitos humanos. Autores como Boaventura de Souza Santos

apontam a possibilidade da transformação do discurso dos direitos humanos se tornar um

discurso emancipatório que não apague as diferenças culturais sob um discurso

pretensamente universalista. No entanto se observam alguns passos tomados nesse sentido,

mas a dinâmica de interesses presente no âmbito das relações internacionais impede maiores

avanços. A cultura política liberal ainda se encontra marcadamente predominante nessa àrea

no entanto de uma forma mais ampla, ao contrário do que se observou no caso da UNCTAD.

No caso da UNCTAD, seu surgimento e atuação serviram como um contraponto até

certo ponto à tradição liberal. No entanto as relações de poder e circunstâncias que rodearam

a história dessa organização mostram que esta serviu mais como uma válvula de escape à

idéias contra-hegemônicas sem lhes dar uma força real de transformação, permitindo assim a

prevalência dos interesses dos países desenvolvidos, justificados e legitimados no que se

convencionou como “neoliberalismo”. A “alter-ideologia” (para se utilizar de um termo de

Althusser) criada no âmbito da UNCTAD serve para abarcar interesses dissonantes no

sistema internacional contendo o conflito desses interesses com a ideologia predominante.

Consegue-se assim manter o status quo atual das relações de poder inter-estatais mantendo a

hegemonia ideológica de um Liberalimo revisitado e dinâmico. Observando o documento

constitutivo da UNCTAD, sua história, e analisando o documento da Declaração de Midrand,

percebe-se claramente um movimento no sentido de minar as reivindicações dos países em

desenvolvimento sob um discurso de promessas neoliberais de desenvolvimento econômico e

de uma globalização de infinitas oportunidades.

Milton Santos coloca de forma contundente a existência de duas globalizações,

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uma como fábula, e outra como perversidade. Ele discorre sobre o papel da ideologia

neoliberal na disseminação de promessas e omitindo os enormes prejuízos sociais. A

produção da globalização é analisada no segundo capítulo da obra tendo em vista do o

estado das técnicas e o estado da política, importantes para se entender qualquer fase da

história, sendo importante a análise conjunta destes. Essa necessidade se dá pois “a cada

evolução técnica, uma nova etapa histórica é possível” (p.24). A evolução das técnicas

levou a criação de um sistema de informações que funciona como um elo entre os

diferentes sistemas de técnicas dando a estes uma presença global. Esse comércio

permitido entre os diversos sistemas técnicos é acompanhado de uma nova

determinação do uso tempo dando a este uma simultaneidade que acelera o processo

histórico. Esse surgimento de novas técnicas também vem acompanhado de um

elemento de desigualdade, pois, somente os atores hegemônicos têm acesso a estas,

enquanto outros sem condições de possuir estas continuam a utilizar as técnicas antigas,

se tornando menos importantes dentro do sistema. Isso revela um princípio de

hierarquia novo na história segundo Santos. Essa hierarquia no entanto, que se infere

pela análise dos resultados dessa pesquisa, se mostrou não só em termos materiais mas

também em termos discursivo-ideológicos.

Longe de serem resultados definitivos, esse trabalho só reflete parte de uma

indagação maior que busca abordagens analíticas nas Relações Internacionais pouco

exploradas. Essas perspectivas exploram a idéia de um mundo discursivo e ideologicamente

construído, cuja construção legitima as atuais relações de poder e mostra uma realidade de

tão difícil mudança quando interesses e construções discursivas se afirmam como verdades

absolutas.

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