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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Um caso de “feitiçaria” na Inquisição de Pernambuco
Tatiane de Lima Trigueiro
Recife 2001
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Tatiane de Lima Trigueiro
Um caso de “feitiçaria” na Inquisição de Pernambuco
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em História, sob a orientação do Prof. Dr. Marcus Joaquim Maciel de Carvalho.
Recife 2001
3
R E S U M O
A chegada do Santo Ofício ao Brasil se deu com a união das coroas
ibéricas e com o fim dela o “espírito” da perseguição, da delação e do
confisco de bens já estava enraizado no seio da nossa sociedade.
Pe rnambuco não poderia f icar de fora desse processo inquisi torial . Por
terras duartinas passou o primeiro visi tador que esteve no Brasil e aqui
deixou plantada a semente da suspeita e da delação, apesar de ser
considerada uma terra de degredados penalizados pelo Santo Ofício, ou
de fugit ivos da inquisição portuguesa.
Por outro lado, a Capitania pernambucana era uma fonte de riqueza e
de onde saiam muitos provimentos para a metrópole européia; dessa
forma as oportunidades de comércio e bons negócios era uma constant e
na real idade da população. Contudo, os moradores da Capitania
conviviam com presença tanto de religiosos, que procuravam impor
mais as regras que praticá- las , quanto com “fei t iceiros”, “curandeiros”
e “bruxos” que procuravam para l ivrar- se de mau querenças ou
conquistar algo ou alguém. Como conseqüência dessa real idade
rel igiosa que permeava Pernambuco, se const i tuiu uma sociedade com
algumas par t icular idades.
4
A todos aqueles que um dia se sentiram
injustiçados.
5
AgradecimenAgradecimentostos
Muitas são as pessoas a agradecer pelo apoio para a realização deste trabalho. Primeiramente a Deus por tudo que ele representa na minha vida e também a meus irmãos, pai e mãe, sobrinho e cunhados. A Rogério pelo carinho ao presenciar minhas crises de choro. Algumas pessoas são diretamente responsáveis pela realização desta dissertação e muito me ajudaram. Por ordem cronológica: Prof. Dr. Carlos Miranda pela ajuda na elaboração do meu projeto e pelo incentivo a este tema; ao Prof. Dr. Marcos Joaquim M. de Carvalho por ter aceitado me orientar, não só na minha formação acadêmica, mas também como amigo compreensivo e confessor nas horas de angústias. À professora Virgínia Almoêdo de Assis pela amizade, pelas conversas e pelo apoio constante. À prof.ª Drª. Sílvia Cortez pelo carinho, pelas leituras e pela ajuda na construção do trabalho. Ao professor Severino Vicente pelas leituras e sugestões bibliográficas. Não poderia esquecer as amigas que tanto me ajudaram, não só por serem amigas, mas principalmente por serem profissionais da área extremamente competentes: Érika Simone de Almeida Carlos Dias, pela pesquisa no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, e pela decana amizade e companheirismo, mesmo estando além-mar. À Maria da Conceição Pires da Silva, pela correção deste trabalho, mas principalmente pelos esporos para a sua conclusão. Aos meus amigos de sala de aula, aos professores do mestrado, que tanto contribuíram para a minha formação. Ao CNPq pela bolsa de estudos. A Rogéria Feitosa, a Carmem Lúcia de Carvalho dos Santos, a Luciane Costa Borba. Funcionárias competentes da UFPE e amigas queridas. À Andrea Nunes F. de Barros por escaniar as imagens. Para finalizar gostaria de deixar o meu agradecimento e o meu respeito a uma pessoa que muito se esforçou para a elaboração e conclusão deste trabalho. Eu mesma.
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SumárioSumário
Introdução
Capítulo 1 : A Inquisição ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 16
1.1 – Histórico inquisitorial: períodos
Medieval e Moderno ::::::::::::::::::::::::::: ::::::: 20
1.2 – Inquisição na Península Ibérica: Questões
políticas, econômicas e religiosas ::::::::::::: 30
Capítulo 2 – Brasil Inquisitorial :::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 47
2.1 – A Inquisição chega ao Brasil :::::::::::::::::::::::::: 48
2.2 – A Primeira Visitação do Santo Ofício às
partes do Brasil – 1593 ::::::::::::::::::::::::::::::: 55
2.3 – As Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia ::::::::::::::::::::::::::::::::: 70
7
Capítulo 3 – Uma “feiticeira” em Pernambuco :::::::::::::::: 83
3.1 – Descrição do processo de Antonia Maria
3.1.1 – Beja-Évora-Portugal/1713 :::::::::::::::::::::::: 85
3.1.2 – Recife-Pernambuco-Brasil -Lisboa/1723 ::::: 89
3.2 – Análise do processo de Antonia Maria :::::::::: 99
Considerações Finais ::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 123
Bibliografia :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 127
Anexos :::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: 135
8
IntroduçãoIntrodução
Ao longo dos tempos a mulher sempre foi a responsável pela
t ransmissão das t radições culturais da sociedade. Até bem pouco
tempo atrás, era responsabil idade exclusiva da mãe a educação dos
fi lhos e a passagem dos conceitos morais e religiosos que pertenciam à
comunidade.
Nas sociedades primitivas, 1 a mulher possuía uma posição de destaque;
ela era considerada um ser sagrado, porque [podia] dar vida e (. . .)
a judar a fer t i l idade da terra e dos animais .2
A mudança desse conceito do papel feminino é evidente no período
onde se inicia a caça aos grandes animais. A partir desse momento as
comunidades passaram a necessi tar de mais al imento para abastecer a
população e de mais espaço terri torial para ocupar. Iniciaram-se as
1 Entendemos por sociedade primitiva as comunidades que antecederam o período neolítico e que sobreviviam da coleta de frutos e da caça aos pequenos animais. 2 MURARO, Rose Marie in KRAMER Heinrich e SPRENGER, James. Malleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras. Rio de Janeiro, 1993, Editora Rosa dos Tempos, p. 05.
9
guerras, momento em que a força física masculina tornou-se evidente e
dominante.
Com a sedentarização dos grupos nômades coletores e caçadores de
alimentos, as sociedades se tornaram patriarcais. A mulher passou a
exercer um papel doméstico, mas ainda sendo respeitado seu ofício
dentro da máquina funcional dessas sociedades, o de transmissora dos
padrões cul turais da comunidade.
O medo do desconhecido, do não acessível e do poder que algumas
mulheres possuíam em manipular ervas e rezas ou de gerar outro ser,
desenvolveu nos homens, nos médicos letrados e nas autoridades tanto
eclesiást icas quanto estatais , um sent imento que “just i f icou”, na Idade
Média, uma das maiores perseguições existente na História.
O medo e o receio do mistério que envolvia as rezas e os nascimentos,
associado ao delír io e a intolerância, proporcionaram uma histeria
colet iva que passou a conduzir essas perseguições.
Na Idade Moderna também essa perseguição se insti tuiu nos países
europeus, principalmente da Península Ibérica. Segundo Ani ta
Novinsky dezenas de mulheres foram perseguidas e torturadas pelos
10
Tribunais da Santa Inquisição nesse período da história, e mortas nos
Autos de Fé. 3 Além das mulheres, judeus, cristãos novos e também
muçulmanos, foram perseguidos, presos, tor turados, condenados e seus
bens foram confiscados para o Estado e a Igreja.
Quem conseguiu escapar das “garras” da Inquisição se refugiou em
terras distantes da perseguição; o Brasi l pertenceu à “rota” dos
imigrantes-fugi t ivos. Inúmeros refugiados migraram para a colônia
como alternativa de vida tranqüila. Contudo, os domínios
inquisi toriais aqui também aportaram e essas populações se viram
cercadas por suspeitas, intr igas e delações. Viram-se presas e
condenadas, t iveram seus bens confiscados e f icaram marcados por
gerações.
Pernambuco se inseriu como uma alternativa a esses grupos; por
questões particulares de sua povoação e colonização, a intolerância a
esses grupos se deu de forma amena. Além desses fatores, houve uma
maior permissividade com relação às práticas e crenças que diferiam
da difundida pela Igreja Catól ica Romana.
3 Festa realizada em praça pública durante todo o dia com uma série de atividades religiosas, entre elas a missa e a procissão, onde era lido o veredicto dos vários processos e os condenados a morte pelos Tribunais da Santa Inquisição eram executados no encerramento destas atividades. Detalharemos essas festas no capítulo 1.
11
O presente trabalho tem como proposta analisar está sociedade na
primeira metade do século XVIII tendo como referência a atuação da
Inquisição em terr i tório pernambucano no que diz respeito a
perseguição às prát icas herét icas de “fei t iceiras”.
Contudo, para se estudar as práticas mágicas desses grupos no período
moderno é necessário que entendamos como a inquisição chegou até
eles. Nessa época da história a Igreja Romana estava mais preoc upada
nos bens que pudessem ser confiscados do que nessas artes
propriamente di tas; o Estado também compactuava com esse
pensamento e pr incipalmente com essa ação.
A entrada das práticas de feit içarias foi apenas um “fio” inserido na
“rede” de intrigas, denúncias e confissões. O que interessava às
autoridades tanto seculares quanto regulares (Igreja e Estado) eram os
cristãos novos, que na sua maioria eram proprietários de r iquezas.
A palavra “bruxa” e “feiticeira” apesar de hoje terem se tornado
sinônim o, possuíam signif icados diferentes . Os bruxos possuíam
apenas certas capacidades ocultas (poderes) , que transporta
hereditariamente, é causador de efeitos maléficos sem (. . .) ter disso
12
consciência [já os feiticeiros] pratica igualmente malef ícios mas para
o fazer tem que executar r i tos , reci tar fórmulas , ou minis trar porções . 4
Dessa forma, as bruxas eram mulheres que haviam herdado das mães
suas habil idades e as usava com fins de praticar maldades; as
fei t iceiras também eram do “mal” só que necessi tavam ut i l izar a lguns
meios para realizar suas artes. Dentro desse contexto de práticas
herét icas se inseriam os curandeiros, que prat icavam o bem
manipulando ervas e rezas na real ização dos seus trabalhos, segundo
Paiva, e les prat icavam a magia com finalidades benéficas e à
semelhança do “fei t iceiro”, para o fazer tem que executar certas
operações ou apl icar “medicina”. 5
O período colonial foi selecionado por sentirmos necessidade de
compreender a atuação inquisi torial em Pernambuco, nesse momento
histórico, no que diz respeito às práticas heréticas desses grupos, já
que no final desse período houve um “relaxamento” das autoridades
eclesiásticas às artes mágicas praticadas pelas populações locais e que
antes eram reprimidas e condenadas.
4 PAIVA, José Pedro. Práticas e crenças mágicas. O medo e a necessidade dos mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740). Coimbra, Editora Livraria Minerva, 1992, p. 25. 5 PAIVA. Idem.
13
Assim nos esclarece Carl os André Cavalcante em sua dissertação de
mestrado inti tulada “A Reconstrução da Intolerância: o Regimento de
1774 e a Reforma do Santo Ofício”. Ele nos diz que:
no f inal do séc. XVIII e início do XIX os acusados de
prát icas mágicas ( . . . ) foram perdoados. Os
inquisidores alegavam que eles eram pessoas humildes
e ignorantes por acredi tarem em certas superst ições
atr ibuídas na época à prát icas mágicas que
protegeriam ou ajudariam eles e os seus . 6
Também será anal isada as Const i tuições Primeiras do Arcebispado da
Bahia, promulgadas em 1707 e organizadas pelos diocesanos com o
intuito de ditar as regras para a sociedade brasi leira nesse período.
Essas leis representaram o primeiro e o mais completo conjunto de
normas jurídico - religiosas que, apesar de serem ins piradas em outros
documentos diocesanos, foram adaptados à real idade da colônia
portuguesa na América e são fontes essenciais para compreendermos o
comportamento re l igioso e social da época es tudada.
6 CAVALCANTE, Carlos André Macedo. A Reconstrução da Intolerância: o Regimento de 1774 e a Reforma do Santo Ofício. P. 61 e 62.
14
Esta dissertação de mestrado abordará, no primeiro capítulo, o
contexto histórico da inst i tuição da Inquisição nos períodos Medieval
e Moderno, relacionando as diferenças existentes em um e outro
momento. Como a perseguição se posicionou nessas duas real idades
distintas da História Ocidental considerando as part icular idades
rel igiosas, pol í t icas e econômicas de cada época, pr incipalmente na
Península Ibér ica .
No segundo capítulo examinaremos como essa perseguição chegou e
foi instituída na Colônia brasileira e de que forma ela se adaptou à
diferente real idade de sua cultura de origem. Versaremos sobre os
porquês da primeira visi tação do Santo Ofício ao Brasil , e porque
Pernambuco se inseriu neste roteiro. Analisaremos como se encontrava
a Capitania no que se refere às práticas religiosas e ao seguimento das
regras defendidas pela Igreja Católica Apostólica Romana. Teremos,
entre outras fontes , as Const i tuições Primeiras do Arcebispado da
Bahia , de 1707.
No terceiro e úl t imo capí tulo discut i remos a sociedade pernambucana
tendo como ponto de análise a Inquisição na colônia e as “práticas
mágicas” que povoaram e amedrontaram a Capitania e os dir igentes
rel igiosos, observando o significado dessas artes e tentando
15
compreender as causas do envolvimento da população de Pernambuco
na acei tação desses r i tos considerados heresias .
Através do estudo dessas práticas tentaremos demonstrar que camadas
da sociedade se envolviam e uti l izavam estes art if ícios. Que grupos
recorriam ao emprego de rezas e simpatias para resolverem
divergências sociais , problemas econômicos e conquistar ou até
mesmo se l ivrar de homens e situações indesejadas, além de se
servirem desses mecanismos para prejudicar a lgum desafeto.
Também levantaremos que prát icas eram consideradas como sendo
“mágicas”, qual o r i tual que envolvia a realização delas e se o
resultado obtido era satisfatório, ou seja, se o efeito desejado era
a lcançado.
Capítulo 1
A InquisiçãoA Inquisição
1.1 – Histórico inquisitorial: Períodos Medieval e Moderno
1.2 – Inquisição na Península Ibérica: questões
econômicas, políticas e religiosas
17
A perseguição religiosa não é uma novidade dos tempos modernos.
Desde a Antiguidade grupos rel igiosos são atormentados por
colocarem em risco a unidade e o funcionamento polí t ico e econômico
dos seus reinos; assim ocorreu com os primeiros cristãos em Roma,
quando muitos foram executados pelos imperadores romanos
justamente por prega rem uma nova ordem social que difer ia da
existente até então.
A part ir da conversão do Imperador Constantino, em 313, e da rel igião
cristã ter se tornado a religião oficial a partir de 380, os imperadores
cr is tãos que se seguiram passaram a punir com rigor o paganismo e as
heresias 1. Segundo Novinsky, esse conceito de herege surgiu a partir
do momento em que a Igreja Romana, no final do séc. XIII passou a
receber crít icas contra os seus dogmas, esses crít icos foram chamados
de hereges. 2
1 GONZAGA, João Bernardino Garcia. A inquisição em seu mundo. São Paulo, Editora Saraiva, 1993, p. 93. 2 NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. São Paulo, Editora Brasiliense, 1982. “A palavra herege origina-se do grego hairesis e do latim haeresis e significa doutrina contrária ao que foi definido pela Igreja em matéria de fé. Em grego, hairetikis significa ‘o que escolhe’”. p. 10-11.
18
No período Medieval, os cristãos já não mais eram perseguidos, agora
assumiam o papel de perseguidores. Sabe- se que tanto a Igreja
Catól ica como outros grupos sociais acossaram, torturaram e
executaram pessoas que não se adequaram ao padrão sócio - cul tural
estabelecido pelo s grupos dominantes .
Essas perseguições se deram a partir do momento em que os interesses
da Igreja foram postos em “xeque” e as várias populações passaram a
não aceitar a “verdade absoluta” da Igreja e se rebelaram assumindo
posturas e defendendo valores que colocavam em risco a unidade da
Igre ja e o seu poder .
Já a perseguição por parte do que hoje chamamos de Estado, 3 ocorreu
sempre que este viu seus interesses prejudicados. Dessa forma se deu
com os cristãos em Roma, na Antiguidade, e também no períod o
moderno contra os cristãos - novos na Europa, pois havia a necessidade
de acumular capitais para consolidar a centralização polí t ica e a
modernização necessária para o desenvolvimento do Estado como
Nação. Alguns Estados se encontravam falidos e sem perspect iva de
3 Organismo político administrativo que, como nação soberana ou divisão territorial, ocupa um território determinado, é dirigido por governo próprio e se constitui pessoa jurídica de direito público, internacionalmente reconhecida. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua Portuguesa, Editora Nova Fronteira, 1986, p. 714.
19
concentrar forças e r iquezas para este propósi to. Neste contexto, entra
a Igreja como cúmplice e colaboradora dos monarcas na perseguição
aos infiéis cris tãos.
Dentre os perseguidos da Europa se encontravam comerciantes e
camponeses, além de memb ros do próprio clero como Giordano Bruno
que, de certa forma, passaram a questionar os valores e os dogmas da
própria Igreja. Todavia, judeus e cristãos novos que habitavam a
Península Ibérica, detentores de r iquezas e inf luências, foram os
grupos sociais que mais sofreram com a perseguição.
Veremos, neste capítulo, como se deu a inquisição no período
medieval e moderno e a instalação dela na Península Ibérica.
20
1.11.1 –– Histórico Inquisitorial:Histórico Inquisitorial:
Períodos Medieval e ModernoPeríodos Medieval e Moderno
A época medieval, até bem po uco tempo atrás, era considerada pelos
pesquisadores como um momento da história da humanidade Ocidental
em que as artes e as ciências praticamente não se desenvolveram e
onde o conhecimento e o saber foram sufocados por religiosidades e
superst ições .
Ape sar dos recentes estudos sobre o período chegarem a algumas
conclusões que desmistif icam essa realidade, esse imaginário medieval
não é de todo falso.
No início da Idade Média, as populações do imenso Império Romano
migraram – em virtude das diversas invasões dos povos bárbaros -
para o interior e se refugiaram nas propriedades rurais dos senhores
21
feudais. A partir do século IX, houve a revolução art íst ica carolíngia4
e um reflorescimento das letras e das artes. Várias escolas foram
fundadas e com elas se desenvolveram algumas áreas como as ar tes e
as ciências. Foi durante esse período que a transmissão do
conhecimento passou a se dar através de uma inst i tuição, e houve um
desenvolvimento das ciências, principalmente a médica que,
interessada no corpo huma no, nos remédios e chás, associou- se à
Igreja Católica Cristã para se contrapor à medicina popular que era
prat icada nas comunidades medievais e pr incipalmente pelas mulheres .
Segundo Michelet , a escola da fei t iceira e do pastor, s i tuada no campo
e com suas experiências que eram consideradas sacri légios (ut i l izavam
corpos e manuseavam venenos) “incentivou” a escola científ ica,
localizada nas Igrejas, a estudar e a se desenvolver para poder
eliminar a concorrente. Tudo teria f icado com a fei t iceira; ter-se -ia
dado às costas ao médico para sempre. Foi preciso que a Igreja
tolerasse e permitisse esses crimes 5 para que essa universidade
cient íf ica aprendesse com a fei t iceira e com o pastor . 6
4 Esta revolução artística se deu no governo de Carlos Magno, coroado imperador do Império Franco (ou novo Império Romano do Ocidente) no natal de 800 pelo Papa Leão III. 5 MICHELET, Jules. A Feiticeira: 500 anos de transformação na figura da mulher. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1992, p. 37. 6 MICHELET. Id em
22
Assim, a partir do século XIV, eram condenadas à morte as mulheres
que ousassem t ratar sem ter es tudado7, pois a arte de curar cabia aos
médicos ( . . .) que haviam para isso freqüentado cursos.8
Apesar das proibições, as “heresias” de praticar a medicina popular -
ut i l izando plantas e rezas nos tratamentos, eram pregadas com denodo
nos campos, transmitidas de aldeia em aldeia9 para uma população não
letrada e mística, que vivia afastada dos centros urbanos e dos
médicos cientistas e que acreditava em fadas, duendes, porções
mágicas, bruxas, s impatias , e tc , dos diversos povos que habitavam as
f lorestas e os campos inquietando, aos poucos, a Igreja e o Estado.
Alguns desses grupos, como os cátaros por exemplo, investiram contra
as autoridades eclesiást icas e as verdades de seus ensinamentos.
Contrapondo- se ao Crist ianismo, sua doutr ina consist ia na crença de
que Jesus era mais um anjo e que seu sofrimento e morte, pregados
pela Igreja Católica como sendo algo verdadeiro e concreto,
representavam apenas uma i lusão. 10 Também defendiam que Deus,
inf ini tamente bom e perfei to, não podia ser o criador de um mundo
7 MICHELET. Op. Cit. p. 38. 8 GONZAGA. Op. Cit. p. 55. 9 GONZAGA. Op. Cit. p. 94. 10 FALBEL, Nachman. Heresias Medievais. São Paulo, Editora Perspectiva, 1976, p. 41.
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mau e corruptível . Portanto, o mundo da matéria seria a obra de um
( . . . ) deus do mal.11
À Igreja Cristã restou a responsabil idade de resgatar os vários hereges
e “fracos de espíri to” da influência maléfica e do fogo do inferno, sob
o argumento de que nenhuma outra rel igião poderia salvar as
populações das tentações do mal e conduzi- las ao “Céu”.
Os vários reinos que se formaram ou se converteram ao crist ianismo
(necessitados de se firmarem como insti tuição detentora da
organiza ção das comunidades aldeãs bem como da fel icidade material
e terrena) viram- se impossibil i tados de colocar em prática sua polí t ica
em virtude da resistência de seus povos em se submeterem a tais
governantes. A alternativa encontrada foi a associação com a Igreja
Cristã induzindo seus povos a se converterem a uma religião que, além
de impor regras e l imites tão necessários a esses objet ivos, os
conduziria à “fel icidade suprema”.
A rel igião transformou- se numa doutrina educat iva , (pois) const i tu i
um poderoso instrumento de paz social e de freio às más paixões
11 FALBEL. Op. Cit. p. 52.
24
( . . . ) .12 Contudo, a não cessão às pressões “obrigou” essas duas
insti tuições, associadas ainda à ciência médica, a se unirem e se
organizarem contra esses inf iéis , considerados le igos e contestadores.
C o nforme W. Keller essas populações que se recusavam a submeter -se
às regras e leis desses novos reinos e que, portanto, foram perseguidos
pela Inquisição Medieval, não se encontravam os judeus. Estes, ao
contrár io, eram t idos como sábios sendo esta sabedoria cons iderada
base importantíssima [para] a vida intelectual , 13 eles eram os
herdeiros da ciência árabe.14 Esses homens se destacaram na
sociedade ibérica e ocuparam lugar de destaque junto aos Reis
cul t ivando a Astronomia e a Astrologia ( . . . ) eram os médicos da corte
e ( . . . ) do país .15
Por outro lado, a mulher como detentora da transmissão da
religiosidade e da conduta moral e ética da comunidade, foi umas das
principais perseguidas nos seus atos, até então, rotineiros; a elas cabia
debelar doenças com rezas e benzeduras, pois conforme a crença do
período, a mulher estaria mais próxima da natureza e mais bem
12 GONZAGA. Op. Cit. p. 82. 13 KELLER, Wener. História del pue blo judio, Barcelona, 1987 apud GONZAGA. Op. Cit. p. 148. 14 SARAIVA, Antonio José. Inquisição e cristãos novos , Portugal, Editora Inova, 1969, p. 31. 15 SARAIVA. Idem.
25
informada de seus segredos (. . .) [com] poder não só de profetizar, mas
também de curar ou de prejudicar por meio de misteriosas recei tas .16
A Igreja e os seus associados desenvolvem uma campanha de
difamação do comportamento e dos valores repassados, de geração a
geração, pelo sexo feminino. Segundo Jean Delumeau:
da idade da pedra, que nos deixou muito mais
representações femininas do que mascul inas , a té a
época romântica a mulher foi , de uma certa maneira,
exal tada. De iníc io deusa da fer t i l idade, ‘mãe de seios
f ié is’ , e imagem da natureza inesgotável , torna-se com
Atenas a divina sabedoria, com a Virgem Maria o
canal de toda graça e o sorriso da bondade suprema. 17
Entretanto, com o período Medieval essa visão romântica da figura da
mulher foi modificada. O nascimento de uma fi lha passou a ser
considerado uma desgraça; as mulheres eram t idas como “bocas
inúteis” e apenas uma era considerada o bastante para a família. Por
t rabalharem menos que os homens, t inham tempo suficiente para se
dedicarem a pensar e fazer maldades.18 A mulher passa a ser uma
16 DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente: 1300-1800. uma cidade sitiada, São Paulo, Companhia das Letras, 1989,. P. 311. 17 DELUMEAU, Op. Cit. p. 310. 18 DELUMEAU, Op. Cit, p. 320.
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concorrente da Igreja na transmissão do conhecimento e dos valores da
sociedade e precisava, por isso, ser el iminada .
A mulher foi cr iada, segundo santo Tomás de Aquino, mais imperfei ta
que o homem, pois o corpo [masculino] reflete a alma, o que não é o
caso da mulher. O homem é (. . .) imagem de Deus, mas não a mulher
( . . . ) cujo corpo consti tui um obstáculo ( . . . ) , 19 assim, ela teria que se
submeter ao homem, pois seria inferior . 20
Para just if icar uma maior incidência da mulher em compactuar com as
forças maléficas que o homem, Brás Luís de Abreu, médico do século
XVIII , publicou em 1726 um Tratado onde afirmou que
as mulheres são <<ligeiras>> e caiem mais
faci lmente em enganos, porque são curiosas,
<<amigas da novidade>> e tudo quererem saber , ou
para sat is fazerem os <<seus segredos e apet i tes>>
ou, f inalmente , para enganarem, pois as mulheres são
os <<gri lhões do mund o>>, is to é , a fonte do
pecado. 21
19 DELUMEAU, Op. Cit, p. 317 20 DELUMEAU. Idem. 21 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e superstição num país sem “caça as bruxas” - 1600-1774 . Lisboa, Notícias Editorial, 1997, p. 37.
27
Essa visão do século XVIII é fruto de anos de destruição e
reconstrução da imagem da mulher diante das suas atr ibuições. Assim,
após toda essa distorção das funções e da importância do papel
feminino na t ransmissão dos valores, crenças e crendices da
comunidade, coube a ela esconder e omitir suas habilidades na
manipulação das ervas, das rezas e do poder da benzedura. Mesmo
assim, ela foi perseguida e acusada de fazer maldade tendo que
responder pela morte de recém nascidos, pela impotência sexual dos
homens e pela esteri l idade das mulheres, pela morte de animais e pelo
fracasso das plantações, entre outras acusações.
A curandeira se transformou em feit iceira; a parteira, em sócia do
diabo roubando as almas dos inocentes pagãos; a benzedeira, em má.
A vocação e a habil idade que até então eram consideradas dádivas dos
Céus, “as mãos da divindade operando através das mulheres”, agora
eram castigos. As mulheres que as possuíam eram tidas como
aprendizes e amantes do Diabo, bruxas e feit iceiras em favor do mal.
As que eram acusadas desse crime de heresia eram levadas aos Santos
Tribunais Eclesiást icos da Inquisição e torturadas psicologicamente e
fisicamente; tendo suas vidas e sua intimidade sexual exposta ao
28
públ ico. Nas tor turas 22 para a obtenção da confissão, as mulheres eram
abusadas sexualmente com a justificativa de procurar a marca invisível
do diabo. Isso consist ia em inserir objetos pontiagudos em todos os
locais; a vagina era minuciosamente explorada em busca de amuletos
que ju lgavam [os torturadores inquisitoriais] a l i escondidos. 23
As famílias das acusadas e condenadas eram sentenciadas a se
afastarem do convívio das outras e ainda tinham que conviver com a
desconfiança, a vigi lância e a discriminação de todos os outro s
membros da comunidade. A sentença condenatória da maioria das que,
sob tortura, declaravam- se culpadas das acusações era a morte nas
fogueiras dos autos de fé. Segundo Novinsky a coroa, nobreza e o
clero atestavam a legi t imidade da violência . 24
Apesar do “período das trevas” e da superstição terem findado e de ter
se iniciado o período da razão, essas mesmas fogueiras queimaram
também centenas de mulheres na época Moderna. As acusações eram
as mesmas - heresia, prát ica de artes mágicas, bruxaria, fei t içar ia,
22 Ruston Lemos Barros apresenta a lista de tipos de torturas aplicadas no período. BARROS, Ruston Lemos. Estado, Inquisição Moderna e a Tortura in Saeculum – Revista de História nº 2 João Pessoa, Editora Universitária/UFPB, 1996, p. 141 e 142. 23 BARROS. Op Cit. p. 139. 24 NOVINSKY, Anita. Sistema de Poder e Repressão Religiosa: para uma interpretação do fenômeno cristão novo no Brasil in Anais do Museu Paulista, tomo XXIX, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1979, p. 6.
29
curandeir ismo – todavia as razões e os objet ivos dessa nova
perseguição eram diferentes .
Com a inst i tuição da Inquisição também no período Moderno, tem-se
uma mudança do objeto da perseguição. Agora os judeus e os cristãos
novos ( judeus convert idos à religião católica cristã pela força) são os
mais perseguidos, tor turados, condenados ao degredo ou a serem
executados sob forma de decapitações e/ou através das fogueiras;
contudo, havia uma continuidade das estruturas da Inquisição
medieval , 25 bem como no recurso a todos os ar t i f íc ios empregados
anteriormente.
Os principais países a ut i l izarem a Inquisição Religiosa como art i f ício
de repressão e subterfúgio para o confisco dos bens dos acusados e
condenados foram os países da Península Ibérica. Diferente d o
restante da Europa, esses países - no período medieval - t inham como
característ ica a tolerância étnica; com a insti tuição do Tribunal do
Santo Ofício houve um abandono dessa tolerância e o desenvolvimento
de um espír i to fanát ico e retrógrado da cris tand ade medieval. 26
25 BETHENCOURT, Francisco. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália – séculos XV-XIX, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 35. 26 NOVINSKY, Anita. Uma fonte inédita para a História do Brasil in Revista de História nº 94, São Paulo, Universidade de São Paulo, 1973, p. 563.
30
1.21.2 –– Inquisição na Península Ibérica: Inquisição na Península Ibérica:
questões políticas, econômicas e religiosasquestões políticas, econômicas e religiosas
A inquisição na Península Ibérica iniciou- se na Espanha em 1478 e
quase 60 anos depois migrou para Portugal. Durante a Idade Média
coabitavam quase que harmoniosamente cristãos, judeus e muçulmanos
no terri tório onde hoje compreende a Espanha e Portugal. A partir do
século XV, com a centralização polít ica e a demarcação territorial ,
houve a necessidade de uma unidade rel igiosa sob a égide da Igreja
Catól ica Apostól ica Romana.
Os judeus, possuidores de propriedades, bens, r iquezas e influências
eram membros importantes da sociedade: médicos, professores,
astrônomos, conselheiros . . . e também possuidores da ira de uma
parcela da população cristã que se enc ontrava insatisfei ta com o poder
31
polít ico, social e econômico cada vez maior dos judeus em detrimento
às posições dos cris tãos.
Essa população cris tã , revoltada com os f i lhos de Israel , associou- se à
Igreja Católica e desenvolveu uma campanha contrária a eles. Também
os judeus convert idos ao cr is t ianismo, foram alvo dos cr is tãos já que
gozavam dos mesmos direi tos graças à l iberdade de ação que lhes
concedia o batismo, ocupavam as primeiras posições mais ainda do
que na época em que praticavam a antiga relig ião , 27 sendo acusados
de, à surdina, praticarem os ritos da gente da nação. Em virtude dessa
suspeita, vários massacres a conversos foram promovidos por cristãos.
Nessas “guerras santas” nenhum judeu foi tocado; mas vários
convert idos foram executados.
A campanha contra os conversos na Península Ibérica deu origem aos
“estatutos de pureza de sangue”, que estabeleciam que nenhum
descendente de judeu ou mouro, até a sexta ou sétima geração, poderia
pertencer às corporações profissionais, cursar universidades, ingressar
nas ordens religiosas e militares ou ocupar qualquer posto oficial . 28 O
Estado e a Igreja endossaram e legit imaram a teoria da inferioridade
27 DELUMEAU. Op. Cit. p. 303 28 NOVINSKY. A Inquisição, Op. Cit. p. 28.
32
racial desses grupos com o objet ivo de controlar as possibil idades de
competição e ascensão social 29 dos cristãos novos. Em 1449, a cidade
de Toledo e toda a área de sua jurisdição baseada no direito canônico
e no civil, foram as primeiras a considerar indignos de ocupar cargos
privados ou públ icos30 os judeus e seus descendentes.
Uma das razões para que se acredite que a Inquisição no Período
Moderno se deu por questões econômicas e polí t icas estão no fato de
que as corporações profissionais adotaram este estatuto antes da Igreja
Católica. Segundo Anita Novinsky esse fato demonstra que o problema
era mais soc ial que religioso, 31 apesar dos estrangeiros serem
proibidos de fazer parte dessas corporações antes mesmo do
estabelecimento desse estatuto: e nenhum estrangeiro trabalhará no
dito ofício se não for aprendiz, ou homem admitido à cidadania do
dito lugar. 32
A partir de 1478, após a união dos reis católicos Fernando e Isabel, foi
insti tuído na Espanha um Tribunal da Santa Inquisição. A princípio a
Igreja Romana se opôs a sua insti tuição mas após um acordo polí t ico
29 NOVINSKY, Sistema de poder e repressão religiosa, Op. Cit. p. 7. 30 DELUMEAU, Op. Cit p. 306. 31 NOVINSKY. A Inquisição, Op. Cit. p. 28. 32 HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972, p. 65.
33
com os reis acabou por concordar. O governo passou a se sustentar
também com o confisco das r iquezas dos judeus e dos conversos.
A inst i tuição de um Tribunal Inquisi torial em terr i tório espanhol
s ignif icou, segundo Bethencourt , uma ruptura com uma tradição
medieval de só a igreja nomear os clérigos inquisidores: pela primeira
vez, assis t ia-se ao estabelecimento de uma l igação formal entre a
jurisdição eclesiástica e a jurisdição civi l , 33 pois os reis católicos
conseguiram que o Papa permitisse- lhes que nomeassem os
inquisidores. Esse consentimento se deu a partir da argumentação dos
reis espanhóis de que o desenvolvimento da heresia (dos judeus
conversos) se deu com a tolerância dos bispos 34 nomeados pela Igreja.
Ent re 148035-1487, setecentas pessoas foram queimadas só em Sevilha,
enquanto que em Toledo foram duzentas as condenações à morte no
espaço de quatro anos.36 Os protestos contra a violência e as
arbi trar iedades dos inquisidores foram apresentados aos reis espanhóis
e ao Papa que nada fizeram para resolver o problema. Bethencourt
esclarece que t rês argumentos foram apresentados pelos opositores do
33 BETHENCOURT. Op. Cit. p.18. 34 BETHENCOURT. Ibide. p.17. 35 Ano da nomeação de dois inquisidores pelos reis católicos. Os dominicanos frei Juan de San Martin (bacharel em teologia) e frei Miguel de Morillo (mestre em teologia). BETHENCOURT. Ibide. p. 18. 36 DELUMEAU. Op. Cit. p. 302.
34
Santo Ofício: o caráter arbitrário do tribunal, o segredo do processo
e a injust iça do confisco dos bens, que excluía da herança os f i lhos
inocentes , reduzindo à miséria as famíl ias dos condenados.37
Com todas essas perseguições, confiscos e mortes por parte do
Governo e da Igreja na Espanha, muitos da “gente da nação”, cristãos -
novos, muçulmanos, entre outros, migraram para muitos países da
Europa, inclusive para Portugal, onde a inquisição ainda não havia
iniciado seus t rabalhos.
Durante 58 anos esses povos puderam conviver quase que
tranqüilamente em terras lusi tanas. Entretanto em 1536, após uma
longa negociação que durou 30 anos 38 entre o Estado português e
Roma sobre a divisão dos bens dos condenados, foi instituído o
Tribunal do Santo Ofício também em Portugal , tendo um funcionando
e m Lisboa, que era responsável pelas colônias do Brasil e Angola, um
em Évora e o outro em Coimbra.39 Cada tr ibunal desses possuía
organização própria . 40 Para inquisidores - gerais foram nomeados os
37 BETHENCOURT. Op. Cit. p. 20. 38 D. João III utilizou manobras políticas para conseguir a autorização definitiva de Roma que lhe concedia centralizar o poder político e religioso nas mãos da coroa. NOVINSKY. O Tribunal da Inquisição em Portugal in Revista da Universidade de São Paulo nº 5. 1987, p. 91. 39 Também foram instituídos Tribunais em Lamego, Tomar e Porto, contudo foram abolidos por causa de abusos e corrupção na administração. NOVINSKY. A Inquisição, Op. Cit. p. 36. 40 MARQUES, A. H. de Oliveira. Breve História de Portugal . Lisboa, Editorial Presença, 1996, p. 268.
35
bispos de Ceuta, o de Coimbra e o de Lamego 41. A autorização do
funcionamento do Tribunal da Santa Inquisição em Portugal foi
resul tado de um jogo de interesses da Igreja e do Estado.42
Segundo Oliveira Marques a inquis ição fora es tab elecida em Portugal
sem razões que lhe justi f icassem a existência . Afirma ainda que os reis
D. Manoel e D. João III pretendiam copiar o modelo de Espanha e
conseguirem uma nova arma de central ização régia . 43
D. João III , rei de Portugal, conseguiu também a autorização do Papa
para que pudessem funcionar sem as restrições e interferências da
Igreja. 44 No Arquivo Histórico Nacional, de Madri , encontra- se uma
carta de sua irmã, a Imperatriz Isabel, datada de 04 de setembro de
1536, em que ela o aconselha a não publicar a bula, pois continha
restr ições à at ividade inquisi tória. 45
Assim, os Tribunais de Portugal, após negociarem com Roma,
passaram a possuir absolutos poderes contra os judeus, cr is tãos novos,
41 BETHENCOURT. Op. Cit. p. 24. 42 NOVINSKY. O tribunal da inquisição em Portugal, Op. Cit. p. 91. 43 MARQUES. Op. Cit. p. 267. 44 NOVINSKY. A Inquisição, Op. Cit. p. 35. 45 AHN, Inq., livro 1254, fl.14 r-v, e livro 1276, fls. 47v -48r. in BETHENCOURT. Op. Cit. p. 417.
36
muçulmanos e contra todos aqueles que prat icassem heresias contra a
fé e a moral cr is tã . Conforme Novinsky:
O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, em
Portugal , fo i in troduzido exclus ivamente para
f i scal izar e punir os descendentes de judeus que
haviam sido convert idos à força ao catol ic ismo, e sob
suspei ta de prat icar a rel igião judaica. Foi gradat iva
a ampliação de seus objet ivos até abarcar diversos
t ipos de comportamento e crenças. Às heresias em
matér ia de fé jun taram-se fe i t içarias , bruxarias ,
sodomia, bigamia, blasfêmias, proposições, desacatos
e problemas diversos de sexual idade.46
Ainda segundo aquela autora, a inquisição lusi tana ul trapassou em
ferocidade e violência a Inquisição espanhola, 47 embora não tenha
s ido contínua. Em determinados períodos os acusados de heresia , na
sua maioria judeus e cristã os novos, eram presos, condenados,
torturados e executados, seus bens eram confiscados e sua famíl ia
degredada; em outros momentos eram concedidas condições de vida
sem perseguição, desde que se pagasse um tr ibuto. Essa al ternância de
comportamentos variava de acordo com o rei que assumia o poder .
46 NOVINSKY.O tribunal da Inquisição em Portugal. Op. Cit. p. 92. 47 NOVINSKY. A Inquisição. Op. Cit. p. 36.
37
Apesar da proteção de alguns Reis aos judeus contra os cristãos, ele, o
Rei, encarregava os judeus de funções odiosas, como a de cobrança de
impostos e direi tos , colocando-os numa posição que tem analogias
com a do carrasco 48 pois por mais profundo que fosse a fé do povo
cristão no sacramento do batismo, um usurário, ou um arrecadador de
impostos, seria sempre considerado antipático, tanto antes quanto
depois da conversão. 49
Existiram muitos casos em que os judeus e muçulmanos foram
obrigados a se converterem ao crist ianismo, mas também havia a
ameaça de terem seus bens confiscados e de serem expulsos do
terr i tór io português.
Isso se dava, segundo Novinsky, por conta da necessidade do governo
lusitano do capital , p r incipalmente judio, para sua manutenção. Os
judeus, sobretudo os cristãos novos, controlavam grande parte do
comércio, tanto interno quanto externo, tão importante para os
portugueses; eles formavam uma classe média de mercadores e
capi tal is tas .50 Esse fato também contribuiu para a fúria da burguesia
48 SARAIVA. Op Cit. p. 36. 49 BAUER, A. História crítica de los judios apud CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Preconceito racial: Portugal e Brasil-colônia. São Paulo, Editora Brasiliense, 1988, p.45. 50 MARQUES,. Op. Cit. p. 268
38
cris tã velha, invejosa do seu predomínio. 51 Além desse grupo cristão
também as massas mais pobres viam neles os herdeiros dos odiados
usurár ios judeus . 52
Assim, em alguns momentos o Rei associou-se aos judeus e cristãos
novos e em outros, aos cristãos e à Igreja Católica (perseguindo e
confiscando os bens dos não cristãos) .
Para Novinsky, uma das razões para que Portugal não se
desenvolvesse economicamente e t ivesse real izado sua industr ial ização
tardiamente, co mparando-se ao resto da Europa, deu- se por conta da
expulsão do capital judeu de seu terri tório. 53 Os portugueses
investiram t imidamente e não estavam acostumados a reinvest ir de
novo, num ri tmo acelerado ( . . . ) [e ] do Estado não recebiam ajuda . 54
Com o fim da União Ibérica, em 1640, houve uma intensificação às
perseguições contra os cr is tãos novos; conseguiu-se arruinar bom
número de f irmas e de homens de negócio. 55 Segundo Sara iva :
51 MARQUES. Idem. 52 MARQUES. Idem. 53 NOVINSKY. A Inquisição. Op. Cit. p 39. 54 MARQUES. Op. Cit.. p. 271. 55 MARQUES. Op. Cit. p. 271-272.
39
o Estado português do século XVI oferece
exter iormente uma aparência <<moderna>>, na
medida em que é uma grande empresa econômica, por
outro lado, e le assegura, no interior do País , a
persis tência de uma sociedade arcaica, na medida em
que garante o domínio de uma classe tradicionalmente
dominante , cujo espír i to es tá nos ant ípodas do
burguês . 56
Concordando com essa teoria, Raimundo Faoro afirma que o português
não pensou dentro dos moldes da realidade, permaneceu encarcerado
nas idéias medievais,57 adaptando a polít ica mercantil ista moderna às
condutas medievais de moral , baseadas na religião cristã. Essa
realidade só foi modificada com a administração de Sebastião José de
Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal , a part i r de 1750.
O Santo Tribunal Eclesiást ico funcionava na seguinte forma: havia um
regimento interno, inspirado no Medie val e adaptado às exigências da
“modernidade”, onde continham as leis , os prazos e as ordens, e onde
estavam descritos os crimes contra a Fé e contra a Moral. Os primeiros
eram considerados mais sér ios e diziam respei to ao judaísmo e as
cri t icas aos dogmas da Igreja Católica. Já os contra a Moral eram
56 SARAIVA. Op. Cit. p. 54. 57 FAORO, Raimundo. Os Donos do Poder. São Paulo, Editora Globo, 1989. p. 61.
40
considerados menos graves e se referiam à bigamia, à sodomia, à
fei t içar ia . 58 Todos os inquisidores gerais per tenciam à nobreza. 59
Diferentemente da Inquisição no período medieval, o crime de
feitiçaria já não mais era considerado grave, não sendo também os
condenados sentenciados com a pena de morte; na sua maioria eram
condenados ao degredo. A bula Cum ad nihil magis de estabelecimento
do tribunal em Portugal, fazia referências ao judaísmo dos cristãos
novos, ao luteranismo, ao islamismo, às proposições heréticas e aos
sorti légios.
A feit içaria e a bigamia foram inseridas após os inquisidores gerais
publicarem um monitório, ou seja, uma advertência, onde
especif icaram e ampliaram as cerimônias judaicas e is lâmicas , as
heresias luteranas e os cr imes de fei t içar ias e bigamia. Segundo
Bethencourt talvez o único delito que não estava compreendido na
bula . 60
Tanto nos crimes contra a fé como nos contra a moral, os acusados
t inham suas casas lacradas, seus bens confiscados, a família era
58 NOVINSK. A Inquisição. Op. Cit. p. 56-58. 59 MARQUES. Op. Cit. p. 265. 60 BETHENCOURT. Op. Cit. p. 25.
41
considerada diminuta, ou seja, de menor valor que as outras e por isso
não poderiam permanecer em convívio com as famíl ias cr is tãs . Caso o
acusado não confessasse seu crime era levado à câmara da tortura.
Existia uma grande máquina b urocrát ica que envolvia milhares de
pessoas ao redor da Inquisição e que eram pagas por ela; toda cidade
importante t inha os seus comissários com autoridade para prender,
ouvir acusações, interrogar, e tc . 61 Em todos os lugares exist iam os
familiares que obs ervavam as pessoas e as denunciavam ao Tribunal
caso suspeitasse de uma má conduta. Eles ajudavam a inquisição ( . . . )
espiando, prendendo, denunciando e in formando. 62
Ser familiar representava ascensão social , pois se adquiria privilégios
importantes como não pagar impostos.63 Segundo Marques, nos portos
de mar actuavam ainda os chamados visi tadores das naus, com o
encargo de inspeccionar todos os navios entrados e de confiscar
materiais havidos por herét icos .64
Para ser um familiar era necessário apresentar t rês requisi tos básicos:
61 MARQUES. Op. Cit. p. 269. 62 MARQUES. Idem. 63 MARQUES. Idem. 64 MARQUES. Op. Cit. p.268.
42
pr imeiro, demonstrar “pureza ou l impeza de sangue”
( . . . ) [ou seja] devia estar isento de mácula na
ascendência, ( . . . ) [segundo] não podia ter contra s i
rumor de conduta moral desviante ( . . . ) , amantes, ( . . . ) e
por úl t imo [que] t ivesse posses , ( . . . ) para que resis t isse
à tentação de seqüestrar os bens dos suspei tos em
provei to próprio.65
Eles possuíam seus deveres e privi légios especi f icados nos regimentos
inquis i tor iais;66 e também tinham como função seqüestrar os bens dos
suspeit os e efetuar di l igências ( . . . ) , haviam ainda famil iares que
aval iavam a resis tência dos torturados.67
A inst i tuição de um processo inquisi torial exigia alguns procedimentos
legais que, teoricamente, deveriam ser seguidos. Ao receber a
denúncia de alguma he resia, os inquisidores em Lisboa68
encaminhavam que se f izesse uma investigação (dil igência) para que
se apurasse a denúncia .
65 VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808), Objetiva, Rio de Janeiro, 2000, p. 219. 66 VAINFAS. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808), p. 218. 67 VAINFAS. Idem. 68 Estamos considerando que o denunciado seja do Brasil.
43
Esses depoimentos eram encaminhados novamente a Lisboa e havendo
a necessidade se insti tuir ia um tribunal para que se processasse o(a)
acusado(a) . Preso em Lisboa, ele(a) era interrogado pelo inquisidor e
seu depoimento era registrado por um escrivão e ao ato deveriam estar
presentes, como garantia de seriedade, duas pessoas de confiança e
imparciais , que a tudo ass is t iam sob promessa de manter segredo.69
O interrogado permanecia preso o tempo necessár io para que
confessasse suas culpas e denunciasse outras pessoas. Caso essa
real idade não se concret izasse, ele era levado a um local onde seria
torturado; dentre as mais uti l izadas pela Inquisição em nome da
verdade e da fé, estavam o potro e a polé. O primeiro consistia em
uma cama com ripas onde o acusado era deitado e prensado contra a
cama. A polé era a suspensão do suspeito pelos pés ou mãos, a uma
determinada altura, de onde era so lto sem bater ao chão. Muitos saíam
dessa sessão de tor tura sem mais poderem andar .
A condenação era determinada na sessão do Tribunal . Após serem
condenados ao degredo, os réus não eram mais torturados - para que os
ferimentos cicatr izassem - e ass inavam um termo em que se
comprometiam a nunca relatarem o que passaram no período a qual
69 GONZAGA, Op. Cit. p. 121.
44
estiveram presos. Quando a condenação era de morte o réu também
ficava por alguns dias sem ser torturado, para que houvesse a
cicatr ização dos fer imentos.
O Santo Ofício não decretava nem executava as condenações à morte.
Havia um julgamento simulado, pois o reino punia os crimes de
heresia e o condenado era imediatamente executado.70
Um dos direitos dos condenados era o de escolher se gostaria de
morrer na Lei de Cristo ou na Lei de Moisés. Morrer na Lei de Cristo
signif icava ser morto por estrangulamento antes e ser jogado na
fogueira. Morrer na Lei de Moisés consist ia em ser queimado vivo.
Havia também a morte simbólica pela qual os acusados que
conseguiam fugir ou se suicidar eram condenados à revel ia e
executados em forma de bonecos que eram jogados nas fogueiras dos
Autos de Fé.
As sentenças eram lidas nesses autos, que eram mais ou menos
públicos, pois
havia os autos de fé que se real izavam de portas
adentro ( . . . ) dest inados exclusivamente aos
70 MARQUES. Op. Cit. p. 270.
45
<<reconci l iados>>, is to é , àqueles que eram
readmit idos no seio da Igreja e condenados a penas
que iam desde penitencias espiri tuais até à prisão e
desterro. Havia ( . . . ) os que se real izavam na praça
pública, em que f iguravam não só reconcil iados, mas
também <<relaxados>>, is to é , aqueles que eram
entregues à Just iça secular para a execução da pena
de morte . 71
Os autos realizados em praças eram grandes festas, t ra tava-se de uma
apresentação públ ica da abjuração, da reconci l iação e do cast igo.72
Nessas cerimônias coletivas estavam presentes as mais diversas
autoridades locais incluindo o Rei e a Família Real. Havia um grande
espetáculo que era l ida a sentença dos condenados e as execuções dos
que ir iam morrer queimados na fogueira. Segundo Marques, os autos
de fé entravam na categoria de espetáculos cuidadosamente
encenados, visando atrair, excitar e comover as massas além de toda a
publicidade para o evento 73 e os preparativos se iniciavam com várias
semanas de antecedência, mas o anúncio públ ico fazia-se quinze dias
71 SARAIVA. Op. Cit. p 145. 72 BETHENCOURT, Op. Cit. p. 227. 73 MARQUES. Ibid.
46
antes, a tempo de construir o cadafalso e o anfi teatro, de
confeccionar os sambeni tos .74
Com a União Ibérica em 1580, o Tribunal do Santo Oficio foi
reforçado em Portugal e a perseguição foi intensif icada nas colônias
por tuguesas. Apesar da União dos países ibéricos terminar em 1640, as
at ividades da Santa Inquisição lusi tana estenderam-se, oficialmente,
até o dia 31 de março de 1821, quando foi abolida por decreto das
Cortes Portuguesas. 75
74 SARAIVA. Op. Cit. p. 149. 75 SILVA, Leonardo Dantas in MELLO, José Antonio Gonçalves de. Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: Denunciações e Confissões de Pernambuco. Recife, FUNDARPE, 1984.
Capítulo 2
Brasil Inquisitorial
2.1 – A Inquisição chega ao Brasil
2.2 – Primeira Visitação do
Santo Ofício às partes do Brasil
2.3 – Constituições Primeira do
Arcebispado da Bahia
48
Apenas tenho o nome de esposa, porque o mais he de escrava.
Reconheço que o homem deve ser
cabeça mas não sei que a mulher deva
ser os pés. 1
2.1 2.1 -- A Inquisição chegaA Inquisição chega
ao Brasilao Brasil
A perseguição religiosa na Península Ibérica proporcionou a fuga de
grandes levas de pessoas para outras localidades onde o Tribunal Sant o
não t ivesse inst i tuído seus t rabalhos. Assim, dentre esses lugares
muitos fugit ivos se refugiaram na América.
1 NATIVIDADE, Sylvia. Conformaçam para os queixosos apud COATES, Timothy J. Degredados e órfãs: colonização dir igida pela coroa no império português. 1550- 1755. p . 225 .
49
No Brasil , a Inquisição chegou com a União Ibérica (1580) e se
intensif icou a partir do governo dos Felipes.2 Apesar do empenho de
algumas autoridades coloniais, não houve um Tribunal Santo em
terri tório brasileiro, diferentemente de Goa, capital do império
português na Ásia, onde os portugueses assassinaram muitos hindus
ricos para apropriar -se dos seus bens.3
Uma das razões para que a Inquisiç ão só chegasse com a União Ibérica
está no fato de que a colonização efetiva do Brasil além de ter sido
iniciada tardiamente (1530) , se comparada com a colonização
espanhola (1492), foi realizada e financiada também pelos judeus e
cristãos novos. Foram ele s, os comerciantes e mercadores, que
investiram seus bens e se dispuseram a formar as primeiras Capitanias
no Brasil.
Dessa forma, a administração portuguesa se viu “impossibil i tada” de
pôr em prática uma inquisição que prenderia e também confiscaria os
bens de um povo que estava investindo riquezas e mão-de - obra numa
2 NOVINSKY, Anita Waingort. Uma Fonte inédita para a História do Brasil in Revista de História, Universidade de São Paulo, 1973. p. 565. 3 PAINE. European Colonie in LIMA, N. de Oliveira. Pernambuco: seu desenvolvimento histórico, Recife, Coleção Pernambucana, Secretaria de Educação e Cultura, Governo do Estado de Pernambuco, 1975. p. 18
50
terra desconhecida repleta de incertezas quanto ao sucesso comercial e
que não proporcionava o conforto da vida na metrópole.
Na América portuguesa, os acusados eram indiciados no Brasil e os
casos mais sérios levados para Lisboa onde eram novamente ouvidos.
Muitos presos eram torturados e a grande maioria condenada; ir para
Lisboa significava a tortura e a morte, principalmente para os acusados
de prát icas judaizantes.
Em 1580, além de o Santo Ofício ter delegado poderes inquisitoriais ao
Bispo da Bahia para que enviasse os hereges a Lisboa, foram enviados
ao Brasi l agentes inquisi toriais – visi tadores, comissários e famil iares
– para investigar e prender os suspeitos de heresias. Segundo
Novinsky, isso se deu porque já havia chegado aos ouvidos dos
inquisidores as infrações rel igiosas ( . . . ) [e ] as notícias sobre as
r iquezas dos colonos . 4
Também se observa que cristãos novos e cristãos velhos gozavam de
uma situação favorável para a integr ação na sociedade, pois
4 NOVINSKY. A inquisição. Op. Cit. p. 76.
51
necessi tavam de colaboração ( . . . ) para sobreviverem às condições
geográf icas e humanas tão adversas . 5
Esse grupo de cristãos novos consti tuía, no Brasil , uma classe de
burgueses l igados à terra e ao comércio nacional e internaciona l. Dessa
forma, eles adquiriram uma si tuação econômica importante. Eram
homens que t inham o controle de considerável parte de produção e do
capital .6 Conseqüentemente, faziam parte da el i te que administrava a
colônia.
Em 1593, a população de Pernambuco era de 7.000 moradores
brancos, 7 sendo que desse total 14% seriam cristãos novos, isto é, 910
pessoas . 8 Segundo Novinsky, o próprio D. Manoel, não sabendo o que
fazer com o Brasi l arrendou-o a um grupo de mercadores cristãos
novos, que foram os primeiros a explorar o país economicamente.9
Além desse fato, há na Biblioteca da Ajuda, em Portugal , documentos
que comprovam que em 1590 o Senado da Câmara de Olinda queixava -
se que a cidade já t inha gente suficiente e os degredados exilados para
5 NOVINSKY, Anita. Sistema de poder e repressão religiosa para uma interpretação o fenômeno cristão novo no Brasil in Anais do Museu Paulista. Tomo XXIX, Universidade de São Paulo, 1979. p. 8. 6 NOVINSKY. Idem. p. 7. 7 O Barão do Rio Branco afirma ser de 8.000. MELLO. José Antonio Gonsalves de. Gente da Nação: cristão novo e judeus em Pernambuco – 1542-1654. Recife, Editora Massangana, 1990, p. 07. 8 MELLO. Idem. 9 NOVINSKY. Op. Cit. 1982. p. 75.
52
o Brasil deveriam ser mandados para as capitanias no sul ou para o
Paraíba. 10
Outro dado importante, e que justifica esse atraso na chegada da
Inquisição, diz respeito ao fato de no Brasil não terem sido
encontradas as r iquezas que foram descobertas nas colônias
espanholas , diminuindo assim a necessidade de uma maior vigilância
por parte da metrópole portuguesa.
Isso propiciou aos judeus e cristãos novos viverem em terras
brasileiras sem que a Igreja e o Estado português os incomodassem.
Contudo, a Inquis ição portuguesa nas terras do Brasi l foi contínua e
alcançou o auge da perseguição inquisi torial na segunda metade do
século XVIII, 11 período da grande exploração aurífera nas Minas
Gerais. 12 Assim, na primeira metade desse século a colônia brasi le ira
[perdeu] parte s ignif icat iv a de sua ( . . . ) burguesia nacional ,13 como
também a vinda de pessoas para o Brasil foi controlada por Portugal
como forma de impedir que aventureiros aqui aportassem para explorar
as minas recém descobertas;
10 BA, 44-XIV-4, f. 194v. Carta do senado da Câmara de Olinda para a Coroa in COATES, Timothy J. Degredados e órfãos: colonização dirigida pela Coroa no Império Português – 1550-1755. Lisboa, Comissão Nacional para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998. p. 141. 11 NOVINSKY. Op. Cit. 1979. p. 08. 12 NOVINSKY. Op. Cit. 1982. p. 79. 13 NOVINSKY. Op. Cit. 1979. p. 9.
53
a part ir de 1709, a Coroa ordenou que apenas
mar inheiros , miss ionários , ou aqueles que t ivessem
terra ou cargos no Brasi l , poderiam emigrar para esse
terri tório ( . . . ) todos deveriam part ir do Porto ou de
Viana com os seus passaportes passados pela Relação
do Porto . 14
Além desses fatores, houve uma falta d e organização eclesiástica no
Brasil nos primeiros anos da colonização. Durante muitos anos o
bispado da Bahia, criado em 1551, foi a única diocese responsável pela
vasta colônia portuguesa e somente no início do século XVIII teria a
Igreja Colonial suas próprias const i tu ições ,15 em 1707.
Dessa forma, os clérigos responsáveis pela “tranqüil idade espir i tual”
dos colonos não se encontravam nos mosteiros, templos religiosos ou
nos centros comerciais . Segundo Freire, a igreja que age na formação
brasi le ira ( . . . ) não é a catedral, 16 mas a capela do engenho.
14 PAIVA, José Pedro. Práticas e crenças mágicas. O medo e a necessidade dos mágicos na diocese de Coimbra: 1650-1740. Coimbra, Livraria Minerva, 1992. p. 143. 15 VAINFAS, Ronaldo. Tropico dos Pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1997. p.15. 16 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal . Rio de Janeiro, Record, 1998. p. 195.
54
Essa real idade se confirma quando em 1699 a metrópole portuguesa
escreve para o Bispo de Pernambuco autorizando que se facão as
igrejas nessessárias para o pasto espiritual das nossas ovelhas [pois
já se sabia m dos] dannos espiri tuais, e temporaes, que se seguem a
este estado . 17
17 Arquivo Histórico Ultramarino (a partir de agora AHU), Lisboa. Códice 257, folha 8v. 20/01/1699 in Divisão de Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco (a partir de agora DPH-UFPE).
55
2.2 2.2 -- Primeira visitação do Santo OfícioPrimeira visitação do Santo Ofício
às Partes do Brasil às Partes do Brasil –– 1593 1593
Em 1591, chegou ao Brasil o padre Heitor Furtado de Mendonça,18
enviado como inquisidor para invest igar as prát icas religiosas e a fé da
sociedade brasi leira, iniciando a perseguição aos “infiéis às Leis de
Deus” com a sua chegada. Primeiramente dir igiu-se à Bahia, capital da
colônia desde 1549 e, portanto, o seu centro polít ico e administrativo.
No dia 21 de setemb ro de 1593, chegou ao Recife partindo dois dias
depois para a vila de Olinda em um bergantim, 19 aportando no
Varadouro.
Em Olinda, o inquisidor era esperado pelas principais autoridades da
Capitania. Estavam presentes o Governador D. Felippe de Moura; o
18 Também havia estado em SãoTomé e Cabo Verde como inquisidor antes de chegar ao Brasil. 19 Bergantin: antiga embarcação à vela e remo, esguia e veloz.
56
vigário da Vara Eclesiást ica, Diogo de Couto; o Ouvidor Geral do
Brasi l , Gaspar de Figueiredo Homem; o Ouvidor da Capitania, Pedro
Homem de Castro; o Sargento- Mor do Estado, Pedro de Oliveira; o
representante da Câmara, Francisco de Barros, entre outras
autoridades, além de muitos moradores da vi la . O Inquisidor iniciou
seus trabalhos trinta dias após sua chegada, permanecendo em terras
duart inas até o f inal de julho de 1595.
Pernambuco, apesar do pouco tempo de colonização, era considerada
uma r ica Capitania , cuja prosperidade at trahia gente das outras
capitanias e seduzia colonos do reino, e até famill ias nobres que
fugiam à miséria progressiva da metrópole. 20
Rodolpho Garcia, af irma que tanto os homens quanto as mulheres e
seus fi lhos vestiam- se de veludos, damascos e outras sedas, e que os
jesuítas os recriminavam afirmando que praticavam excessos, que a
vaidade era maior que a existente em Lisboa 21. As casas eram de cal,
t i jolo e telha 22, ou seja, já t inham perdido a miserável apparencia das
primitivas palh oças defendidas por paliçadas e fossos.23 Segundo José
20 LIMA, N. de Oliveira. Pernambuco: seu desenvolvimento histórico. Recife, Coleção Pernambucana, Secretaria de Educação e Cultura, Governo do Estado de Pernambuco, 1975. p. 18. 21 GARCIA, Rodolpho in MELLO, José Antonio Gonsalves de. Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil: Denunciações e Confissões de Pernambuco. Recife, FUNDARPE, 1984. p. X. 22 GARCIA in MELLO Ibid. p. VIII. 23 LIMA. Pernambuco: seu desenvolvimento histórico. 1975. p. 31.
57
de Anchieta a população pernambucana em 1583 era de oito mil
brancos, dois mil índios mansos e dez mil escravos da Guiné e de
Angola 24, contabilizando mais ou menos umas 20.000 (vinte mil)
pessoas .
O jesuíta Fernão Cardim, em 1584, afirmou que a Capitania de
Pernambuco possuía 60 engenhos e uma produção de açúcar de 200 mil
arrobas e que mais de 45 navios aportavam nos arrecifes 25. Sobre esse
mesmo período, Oliveira Marques af i rma que os pernambucanos
gas tavam muito porque com faci l idade ganhavam. 26 No Tratado
Descritivo do Brasil , de 1587, Gabriel Soares de Souza 27 escreveu
sobre Pernambuco:
É tão poderosa es ta Capi tania que há nela mais de
100 homens que tem 1000, até 5000 cruzados de
renda, e alguns até 8, 10 mil cruzados. Desta terra
saíram muitos homens ricos para estes reinos que
foram a ela muito pobres, com os quais entram cada
ano desta Capitania 40 e 50 navios carregados de
açúcar e pau-brasi l , o qual é o mais f ino que se acha
em toda costa;( . . . ) E parece que será tão rica e
poderosa, de onde saem tantos provimentos para estes
reinos, que se devia ter mais em conta a fort i f icação
24 MELLO. Op. Cit. 1984, p. X. 25SILVA, Leonardo Dantas in MELLO. 1984. 26 LIMA, Op. Cit. p. 32.
58
dela, e não consent ir que este ja arriscada a um
corsário a saquear e destruir , o que se pode atalhar
com pouca despesa e m enos trabalho. 28
Este relato mostra a relevância de Pernambuco para a coroa Ibérica e
nos faz compreender o porquê do Inquisidor ter também aportado nela .
Após ser instalado na vila de Olinda, o inquisidor Heitor Furtado de
Mendonça iniciou os trabalhos da mesa inquiridora, que era
responsável pelos residentes da Capitania de Pernambuco, de I tamaracá
e da Paraíba. No dia 24 de outubro de 1593, instituiu o Tempo da
Graça de tr inta dias concedidos à vila de Olinda e às freguesias do
Salvador, de São Pedro Ma rtyr , do Corpo Santo e de Nossa Senhora da
Várzea, cujas pessoas que soubessem de alguma heresia, algum crime
contra a fé catól ica ou contra a moral cristã deveriam denunciar .
A presença do inquisidor foi a primeira investida da Congregação do
Santo Ofício para f iscalizar o comportamento dos habitantes no início
da colonização. 29 Com o término desse período para tais localidades,
foi inst i tuído novamente o Tempo da Graça, agora para outros lugares
27 Senhor de engenho da Bahia. 28 SILVA in MELLO. Op. Cit. 1984. 29 Idem.
59
e assim se seguiram os trabalhos durante os dois anos em que o
visi tador inquisi torial , Padre Heitor Furtado de Mendonça, permaneceu
nessas terras.
Desta primeira visi tação do Tribunal Eclesiást ico do Santo Ofício, 271
casos foram regis t rados em Pernambuco. 30 Dentre as denúncias do
Tempo da Graça, tanto de Pernambuco quanto da Paraíba e de
I tamaracá, encontram-se os mais variados “pecados”, tais como o
homossexualismo feminino, blasfêmia e principalmente, as prát icas
judaizantes de guardar o sábado e o de esvaziar os potes quando
ocorria o falecimento de alguém da casa. Nesta primeira visita já
foram encontrados alguns casos considerados de fei t içar ia .
Um dos processos de fei t içaria encontrado nas Denunciações e
Confissões de Pernambuco é o de um l icenciado chamado André
Magno d’Oliveira, presente na Mesa Inquiridora no dia 21 de
novembro de 1593. Ele se dizia cristão velho natural d’Oliveira do
bispado d’Elvas, de idade de 40 anos e viúvo. Segundo ele, uma
mulher que era vendedeira e mulata, chamada Brisida Lopes, era
fei t iceira. Para just if icar sua acusação, narrou que quando estava
30 174 eram reinóis, 21 eram ultramarinos, 59 eram brasileiros e 17 outros. MELLO, José Antonio Gonsalves. Gente da Nação. p. 06.
60
preso, ela – Brisida Lopes - compareceu à prisão e lhe fez algumas
previsões que, poster iormente, cumpriram- se. Relata ainda que a di ta
“feiticeira” afirmou que uma amiga havia feito as feitiçarias, mas ele
acredita ter sido a própria Br isida Lopes quem as fez e, portanto, isso
o levou a denunciá - la ao Inquisidor Heitor Furtado de Mendonça. 31
Outro caso de fei t içaria denunciado nesta primeira vis i tação do Santo
Ofício é o de Isabel Antunes contra Anna Jacome, no dia 29 de outubro
de 1593. Isabel acusa Anna de ter embruxado sua fi lha recém nascida e
por conta disto a menina veio a falecer. 32
Uma das denúncias que nos chamou a atenção é o caso de Domingas
Jorge contra Felicia Tourinha, tomado no dia 28 de janeiro de 1594.33
Domingas acusou Felicia de ser bruxa e de ter invocado o diabo para
lhe fazer perguntas e dele (o Diabo) mover uma tesoura em resposta às
perguntas de Fel ic ia . 34
Com o término do Tempo da Graça das denúncias foi inst i tuído o das
confissões, que funcionou segundo as mesmas regras; contudo, os que
31 MELLO. Op. Cit. 1984. p. 95. 32 MELLO. Ibid. 1984. p. 24. 33 Este relato se torna interessante por descrever uma prática até hoje realizada em reuniões de jovens adolescentes, onde uma caneta ou um copo fazem o que fez a tesoura no caso de Felicia Tourinho. 34 MELLO. Ibid. 1984. p. 187.
61
se confessassem culpados por algum “crime” - de fé ou de moral, ao
contrár io do que ocorr ia com as denúncias, ser iam perdoados. Dentre
os mais comuns “pecados” confessados, se encontram os de relações
homossexuais entre homens e a blasfêmia - de afirmar que o estado de
casado era melhor que o do rel igioso - além de intr igas entre inimigos.
Em 1594, após um ano de iniciado os t rabalhos inquisi toriais em
Pernambuco, o Inquisidor Geral e o Conselho do Santo Ofício de
Lisboa enviaram ao Inquisidor das terras brasileiras, o Padre Heitor
Furtado de Mendonça, uma correspondência em que eles diziam, entre
outras coisas, que tornamos a encomendar e encarregar muito que com
brevidade acabe a vis i tação e vol te ao Reino. 35 Isto se deu por conta
do Padre ter sido considerado um leviano e um precipitado em sua
atuação tanto na Bahia quanto em Pernambuco. Alguns acusados
enviados para Lisboa, lá foram soltos por as culpas não serem
bastantes . 36
Durante os quatro anos de trabalhos no Brasil , o inquisidor encheu
centenas de páginas com denúncias e confissões. Cópias delas foram
35 BAIÃO, Antônio. Correspondência inédita do Inquisidor Geral e Conselho Geral do Santo Ofício para o primeiro Visitador da Inquisição no Brasil, Brasília vol. I p 543-551 apud MELLO.Op. Cit. 1984. 36 MELLO. Idem. 1984.
62
fei tas para a elaboração dos processos que formulou contra os
principais acusados, para os remeter presos ao Tribunal em Lisboa.
Boa parte dessas delações partia de membros da própria famíl ia:
irmãos que denunciavam irmãos, pais a filhos, t ios a sobrinhos e vice-
versa, e também de amigos e vizinhos próximos. Isso se dava por conta
das torturas, f ísicas e psicológicas, que eram praticadas nos réus
presos, mas, principalmente, as torturas psicológicas a que eram
submetidas às pessoas que faziam parte da sociedade e freqüentavam
as missas, pois nelas havia os sermões do padre e a indução de não
pecarem omitindo hereges.
Apesar de algumas dessas acusações serem únicas e isoladas, ou seja ,
partirem apenas de um denunciante, o Tribunal do Santo Ofício, em
Lisboa, acei tou- as em detr imento às declarações das testemunhas de
defesa, muitas figuras ilustres da sociedade ao qual pertencia o(a)
denunciado(a) como rel igiosos, senhoras “respei táveis e respei tadas”,
prósperos negociantes e administradores que acusavam o(a)
denunciante de desequil íbrio mental , vingança, dentre outros motivos.
É o caso dos descendentes de Branca Dias e Diogo Fernandes, sendo
63
sua f i lha, Bri tes Fernandes, considerada m ulher de pouco juízo37 mas
que teve seu depoimento, no qual denunciou irmãs e sobrinhas, aceito
pelo Tribunal.
A atuação do Inquisidor em terras brasileiras foi considerada um abuso
de poder, pois o Brasil era tido como uma terra de degredo para os
penitenciados pelo Santo Ofício e nela e xerciam cargos importantes,38
além de asi lo para os cristãos novos que podiam e conseguiam fugir
das perseguições na Europa.39
Em 1595 part iu de Pernambuco, e do Brasi l , o primeiro visi tador do
Santo Oficio levando consigo inúmeros processos contra os colonos, e
deixou na capitania o “vírus” da delação. Após a sua saída inúmeras
pessoas foram denunciadas ao Tribunal da Santa Inquisição e muitas
foram levadas à Lisboa e condenadas as mais variadas sentenças.
Dentre essas pessoas, encontramos João Nunes, r ico senhor de engenho
em Pernambuco, que foi acusado de práticas judaizantes e teve todos
os seus bens confiscados pela Inquisição. 40
37 MELLO. Op. Cit. 1990, p. 136. 38 LIMA. Op. Cit. p. 18. 39 MELLO. Op. Cit 1984, p. XX. 40 Seu processo se encontra, incompleto, na Divisão de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Pernambuco.
64
Esse comportamento só abrandou quando, em fevereiro de 1630,
aportou a Pernambuco uma forte esquadra holandesa com o intui to de
invadir , conquistar e dominar Pernambuco, na época maior produtora
de açúcar. Iniciou- se um período da história em que Pernambuco,
juntamente com as terras compreendidas entre Sergipe e o Maranhão,
deixaram de ser colônia da católica Portugal e passaram a ser
administradas pelos protestantes holandeses.
Nesse período da nossa história houve um grande desenvolvimento
art ís t ico e arquitetônico do Recife. Durante a administração do Conde
João Mauríc io de Nassau-Siegen, a cid ade foi urbanizada e ruas foram
calçadas e saneadas, além das pontes que foram construídas para l igar
as ilhas. Cientistas analisaram a fauna e a flora brasileira, e médicos
estudaram as doenças t ropicais bem como a propriedade das plantas;
pintores retrat aram as paisagens e a vida no Brasil . Segundo Lima,
Nassau deixou a pequena povoação do Recife com mais de duas mil
pessoas .41 Somada a todos esses benefícios, a administração do Conde
holandês, apesar de ser protestante, não perseguiu os catól icos e
estend endo essa l iberdade aos judeus, permitindo enfim o livre
exercício dos cul tos ( . . . ) com todas as suas manifestações r i tuais . 42
41 LIMA, Op. Cit. p. 85. 42 LIMA, Ibid. p. 90.
65
Após o período de ocupação holandesa foram eles ( judeus e cr is tãos
novos) os que mais receberam acusações e condenações. Segundo
Mel lo , em Gente da Nação, isso se deu por um conjunto de fatores,
pois durante a dominação f lamenga tanto os cristãos novos quanto os
judeus, além de serem os cobradores de impostos, eram os
intermediários nas negociações entre holandeses e luso- brasileir os por
dominarem a l íngua, além de fazerem parte de uma parcela da
sociedade que se dedicava à indústria da cana - de- açúcar entre outras
at ividades. 43
Toda essa mobil idade econômica e adminis trat iva, associada às
práticas religiosas realizadas de forma livre de censura durante o
período de dominação holandesa, gerou uma série de
descontentamentos na população não judia e não cristã nova. Com a
saída holandesa do terr i tór io pernambucano reiniciaram-se as queixas,
discr iminações, perseguições, acusações e as denúncias.
43 MELLO. Op. Cit. 1984, p. 244.
66
Segundo o Cônego José do Carmo Barat ta , o período de 1654 a 1676
foi o da reconstrução. Após a expulsão dos holandeses, a comunidade
eclesiást ica, tanto os jesuítas e franciscanos quanto os carmeli tas e
benedit inos, reedificaram seus conventos e igrejas, abriram colégios e
construíram hospícios e capelas, além de retomarem seus trabalhos nas
missões indígenas. 44
Com o término da guerra modificaram- se também alguns costumes e
numerosos sacerdotes seculares e rel igiosos passaram a prestar
ass is tência rel igiosa aos f iéis espalhados pelo vasto terr i tório, que se
encontrava longe da sede do bispado (Bahia) . 45
Com a elevação do Bispado da Bahia à condição de Arcebispado, em
16 de novembro de 1676 pela Bulla Ad Sacram Beati Petri Sedem ,
foram cr iados em Olinda e no Rio de Janeiro, também pela mesma
Bula, dois outros bispados. Sendo, a Diocese de Olinda, responsável
pelas cidades de Olinda, Paraíba e Natal .
Todavia, na primeira metade do século XVIII, o “estado moral” e
religioso de Pernambuco eram contr adi tórios. Apesar da população
44 BARATTA, Cônego José do Carmo. História Ecclesiástica de Pernambuco. Recife, Imprensa Industrial, 1922. p. 40. 45 BARATTA. Ibid. p. 41.
67
confessar os seus pecados, se comover e chorar, passada a emoção,
voltavam a praticar os mesmos “vícios” e pecados confessados. Essa
ati tude se encontrava tanto entre a população menos favorecida
economicamente quanto aos mais afortunados, o próprio clero, que
deveria dar o bom exemplo e ser o mestre e o guia do povo(.. .) não
primava ( . . . ) pela santidade de vida e zelo sacerdotal ,46 pois , os
próprios ecclesiást icos eram assassinos e polygamos. 47
Os párocos pouco puderam fazer contra a rel igiosidade brasi leira 48 e
conseqüentemente pernambucana existente no seio da sociedade;
rezadores, benzedores, imagens milagrosas e objetos protetores
t inham poder suf ic iente para resolver quase todas as s i tuações . 49
Segundo o Cônego Baratta, essa “falta de moral” do clero e do povo
pernambucano se dava como conseqüência de um período em que
coincidiram lutas civis , 50 que depositaram ódios, desordens e vinganças
na sociedade; a ausência de um bispo responsável entre os anos de
1704 e 1725 durante o período de desocupação da Sé de Olinda; a falta
46 BARATTA. Op. Cit. p. 57/58. 47 LIMA. Op. Cit. p. 18. 48 Fruto da herança das crenças medievais portuguesas e da farta contribuição das culturas africanas e indígenas. História Geral da Igreja na América Latina - História da Igreja no Brasil: Segunda Época – séc. XIX. Tomo II/2. Coordenado por José Oscar Beozzo. Petrópolis, Edições Paulinas/Vozes, 1992, p. 112. 49 História Geral da Igreja na América Latina - História da Igreja no Brasil: Segunda Época – séc. XIX. Idem. 50 Guerra dos Mascates em 1710 e 1711.
68
de uma instituição responsável pela formação do clero e, ainda, a
intervenção do Governo Civil na administração eclesiástica. 51 Todos
esses fatos colaboraram para que exist isse em Pernambuco uma
comunidade, tanto eclesiást ica quanto civi l , com princípios morais
distorcidos do ponto de vista das leis da Fé Católica.
Associado a esses fatores já descritos, também é necessário que
levemos em consideração os cruzamentos das culturas que povoaram a
colônia portuguesa. Os três principais grupos que aqui se instalaram –
o português, o negro africano e o nativo brasileiro – proporcionaram
misturas , pr incipalmente dos r i tos rel igiosos, a lém dos casamentos
entre raças dist intas. Essa mestiçagem proporcionou a criação de uma
prática religiosa que era transmitida de pessoa para pessoa através da
cultura popular oral .
Tal prática religiosa consistiu em algumas orações, devoções e
benzeduras, ut i l izando imagens, f i tas , medalhas, rosários e patuás.
Segundo estudos sobre a re l igiosidade popular no Brasi l , as populações
conviviam com a misteriosa presença de almas do
outro mundo, num misto de respei to , p iedade e medo.
Protegiam-se com ri tuais que garantiam proteção(. . . ) ,
51 BARATTA. Op. Cit. p. 59.
69
contra inimigos havia orações bravas, que não eram
para ser rezadas, mas levadas ao pescoço ( . . . ) ou
pregadas atrás das portas da casa.52
Essa realidade era reflexo dos anos consecutivos de falta de condução
do clero, do ponto de vista das leis e regras da Igreja Católica, em
relação à população. Havia um excesso de l iberdade [e uma fal ta] de
lei moral (...) na conduta dos portugueses recém-chegados do reino,53
e também dos nativos, que precisavam ser catequizados. Além deles,
os clérigos seculares que chegaram após 155154 foram acusados de
serem coniventes com os “amancebamentos” dos le igos com as
escravas negras e absolviam quantos os procuravam em conf issão. 55
A falta de formação de um clero profissional na colônia e a fragilidade
da estrutura eclesiást ica montada no Brasi l desde o início da
colonização favorece u, no século XVIII, a existência de um clero
corrupto, uma população superst iciosa e uma conduta moral que não
condizia com a defendida pela Igreja de Roma a partir do Concílio de
Trento.
52 História Geral da Igreja na América Latina - História da Igreja no Brasil: Segunda Época – séc. XIX. Tomo II/2. Op. Cit. Idem. 53 VAINFAS. Op. Cit. p. 39. 54 Ano da instalação do Bispado da Bahia. 55 VAINFAS. Op. cit. p. 40.
70
2.3 2.3 -- As Constituições Primeiras doAs Constituições Primeiras do
Arcebispado da BahiaArcebispado da Bahia
No século XVI a Igreja Romana passou por uma série de mudanças
estruturais e ideológicas. Essas mudanças ocorreram a part ir da
reforma protestante iniciada na Alemanha por Martinho Lutero e que
se propagou por toda a Europa. Essa Reforma foi fruto da crise
re l igiosa do século XV que afetou os pilares que davam sustentação à
Igreja. Sua estrutura foi minada e com isso ela teve que reformular sua
doutrina.
A part ir das crí t icas e dos questionamentos fei tos pelos reformadores
protestantes e da crescente aceitação da sociedade européia por essa
nova doutrina de conduta cristã, a Igreja Católica de Roma viu-se
obrigada a repensar e reformular seus métodos e práticas. Dessa forma,
na primeira metade do século XVI, os sacerdotes iniciaram os
t rabalhos para def inirem as novas regras morais e de comportamento
71
tanto do clero quanto da população leiga. Os resultados das inúmeras
reuniões realizadas – e que duraram muitos anos, já que por várias
vezes foram interrompidos - ficaram conhecidos como o Concílio de
Trento. Segundo Vainfas, as resoluções desse Concíl io t inham como
objet ivo maior a defesa do catolicismo frente ao avanço dos
protestantes [pois] aparentemente não tomaram qualquer resolução de
afronta ao protestantismo. 56
A cr ise na Igreja Catól ica no século XV, que culminou com a Reforma
protestante, teve base nas prát icas do clero. Os cargos (. . .)
ec les iás t icos tornaram-se objeto ( . . . ) de um comércio, 57 e os benefícios
oferecidos pelo clero foram um cancro que minou a alma da Igreja até
as reformas tr ident inas .58 Associada a essa realidade, também a vida
part icular dos rel igiosos não era nada aconselhável aos seguidores
católicos, uma vez que muitos bispos, arcebispos e cônegos possuíam
esposas e amantes, além dos inúmeros f i lhos que também usufruíam os
benefícios do pai eclesiást ico; alguns chegaram a ser excomungados
por conta do escândalo de seus costumes e abuso de suas funções.59
56 VAINFAS. Op. Cit. p. 19. 57 DIAS, José Sebastião da Silva. Correntes de sentimento religioso em Portugal: século XVI a XVIII. Coimbra, Universidade de Coimbra, 1960. p 35. 58 DIAS. Ibid. p. 40. 59 DIAS. Ibid. p. 37.
72
Esses rel igiosos acreditavam ter direi tos sobre o patr imônio das Igrejas
e dos mosteiros.
Muito dessa realidade se dava por conta dos memb ros eclesiást icos não
se tornarem rel igiosos por vocação espir i tual ou por revelação divina,
mas sim por pertencerem a uma classe social que os induzia, havia uma
total ausência de vocação sacerdotal . 60
A partir da segunda metade do século XV, algumas cons ti tuições foram
publicadas como uma tentativa de disciplinar os costumes do clero e a
prática dos fieis, 61 a de 1477 possuía esse propósito. Todavia os
resultados não foram suficientes para impedir que a Reforma
protestante surgisse e se propagasse pela Eur opa conquistando reinos e
f iéis . A realidade do clero romano só mudaria a part ir do Concíl io de
Trento, 62 que passou a defender e preocupar - se com a família e as
relações que a envolviam, dando a ela um dos lugares privi legiados da
vida cristã,63 além de um maior preparo dos sacerdotes, entre outras
resoluções.
60 VAINFAS. Op. Cit. p. 21. 61 DIAS. Op. Cit. p. 73. 62 Convocado pelo papa Paulo III, durou 18 anos, de 1545 a 1563. 63 VAINFAS. Op. Cit. p. 23.
73
No Brasil do século XVIII a realidade eclesiástica não foi muito
diferente da vista na Europa no século XV. A conduta moral do nosso
clero havia sido importada da Europa e apesar dos jesuítas serem ma is
preparados e estudados, aqui no Brasil se desvirtuaram dos votos
religiosos que haviam feito quando consagrados sacerdotes e dos
longos anos de estudos.
A documentação da época demonstra que os rel igiosos, tanto jesuítas
como franciscanos e benedit inos , v iviam em grande deserviço de
Deos. 64 Uma carta do Governador de Pernambuco, Sebastião de Castro
e Caldas, ao Rei em Portugal , datada de 1711, denuncia que os
religiosos que moravam na província causavam grande escandallo ( . . . )
com as suas vidas e costumes [pois viviam] os rel igiosos do Estado do
Brasil sem respeito ao estado que pelo off icio e ao exemplo que devem
dar com a sua vida e costumes.65 Assim, diante dessa
rel laxação com que se portão sem temor de Deos ,
[aconselha o governador da província que] Vossa
Magestade deve mandar reprezentar a sua sant idade
os procedimentos das Rel l igioens que tem conventos
nas conquistas; [que ao Bispo] faça guardar os uzos e
cos tumes ant igos das Igrejas [como também deverá
64 AHU, códice 265, folhas 258v in DPH da UFPE. 65 AHU, códice 265, folhas 258v-259 in DPH da UFPE.
74
ser usada a] jurisdição diocezana contra aquel es
Rel l igiozos que t iverem a seu cargo a cura das Almas
e adminis tração dos sacramentos, cometendo erro nos
taes of f icios .66
Esse documento demonstra que havia uma preocupação com a vida dos
religiosos que viviam no Brasil , e que também havia uma penalidad e
para os que não se portassem dentro das normas e leis rel igiosas.
Todavia acredita- se que essas punições surtiram um efeito pouco
prático na realidade do dia a dia desses religiosos, pois o mesmo
governador afirma no inicio desse documento que por varias vezes
requerera 67 que se tomasse providências com a vida dos rel igiosos. 68
Também a população leiga se viu envolvida com as crendices que se
desenvolveram com a convivência dos mais variados grupos religiosos
e raciais . Além do convívio de cris tãos e judeus, e dos degredados por
práticas mágicas, as práticas religiosas dos negros e dos aborígines
terminaram por se fundirem com os ri tos católicos, formando uma nova
prática religiosa carregada de superstições e simpatias e que ocupava
lugar de des taque na v ida famil iar e individual .69
66 AHU, códice 265, folhas 259-259v in DPH da UFPE. 67 AHU, códice 265, folhas 258v in DPH da UFPE. 68 AHU, códice 265, folhas 258v in DPH da UFPE 69 História Geral da Igreja na América Latina - História da Igreja no Brasil: Segunda Época – séc. XIX. Tomo II/2. Op. Cit. .p. 112.
75
Esses rituais mágicos que tanto fascinavam, mas ao mesmo tempo
incomodavam e amedrontavam esses grupos sociais eram, geralmente,
encomendados e/ou prat icados por amantes repudiados, esposas
abandonadas, brigas de vizinhos ou aind a rezas de purif icação ou
benzeduras contra mal olhado, entre outros.
Segundo Alfredo de Carvalho, as receitas para determinar ou
concretizar casamentos, ou abrandar corações eram as mais procuradas.
Os processos usados, ou aconselhados pelos ( . . . ) fei t iceiros consistem
em ‘orações’( . . . ) acompanhadas de manipulações com objetos de uso
pessoal das pessoas a af fectar ou fragmentos de plantas ou animais .70
A vida real da mulher no Brasi l colônia permit ia que ela se dispusesse
a esses art if ícios para conquistar ou mesmo se livrar de um homem. A
repressão e a dependência inst igavam nela sent imentos que variavam
desde o desejo de casar- se, uma cobrança da sociedade da época, até o
de se l ivrar dos maridos. A decepção com os casamentos, e com os
maridos, propiciava para que as mulheres desejassem divorciar - se ou
70 CARVALHO, Alfredo de. A Magia Sexual no Brasil in Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, vol. XXI, Imprensa Industrial, Recife, 1919. p. 414.
76
ainda uti l izarem de art if ícios como porções e beberagens ( . . . ) para
conquistar o afeto dos maridos . 71
As várias camadas da sociedade, direta ou indiretamente, part iciparam
e contribuíram para a permanência e manutenção dessas práticas. As
feit iceiras eram invocadas tanto para preservar a integridade f ís ica
[quanto] para provocar malef íc ios a eventuais inimigos,72 exercendo
um papel duplo: ora de feiticeira malvada e diabólica, ora de iluminada
por Deus.
D iante de todo esse contexto, em 1707, após alguns anos de discussões
e reuniões, a Igreja Católica promulgou as Consti tuições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. Essa decisão não foi uma iniciat iva da diocese
da Bahia, durante todo o século XVI e XVII, Constit uições diocesanas
foram promulgadas em Portugal 73 como forma de conduzir tanto a
população leiga quanto o clero, principalmente no que diz respeito à
vida part icular e social dessas pessoas.
71 VAINFAS. Op. Cit. p. 143. 72 SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz . Companhia das Letras. p. 194. 73 PAIVA. Op. Cit. 1992. p. 45 e seg.
77
Aqui no Brasi l , este documento foi organizado pelos Diocesanos e
coordenada por Dom Sebast ião Monteiro da Vide 74 e representa um dos
mais completos documentos da Igreja católica no Brasil para conduzir
os colonos. Em sua parte introdutória o documento se apresenta do
seguinte modo:
Const i tuições Primeiras do Arcebispado da Bahia
fei tas , e ordenadas pelo i lustr íss imo, e reverendíssimo
senhor D. Sebast ião Monteiro da Vide, 5º Arcebispo
do di to Arcebispado, e do Conselho de Sua
Magestade: propostas, e acei tas em o Synodo
Diocesano, que o di to Senhor celebrou em 12 de junho
do anno de 1707. 75
O intui to dos diocesanos era organizar uma legislação eclesiást ica de
forma que os cristãos pudessem seguir a doutrina e conduzir como
católicos seus familiares. Essa legislação não só serviria à população
catól ica, como também aos governadores, juristas e aos próprios
eclesiást icos que seriam obrigados a possuírem e a seguirem tais leis .
Conforme consta na própria Const i tuição:
74 Arcebispo de sólida formação jurídica, planejou inicialmente a realização de um concílio provincial. Dada porém a ausência do bispo do Rio de Janeiro, contentou-se com um sínodo diocesano. História Geral da Igreja na América Latina - História da Igreja no Brasil. Tomo II/1. Coordenado por Eduardo Hoornaert. p. 177. 75 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Capa
78
Por tanto auctori ta te ordinaria mandamos em vir tude
de santa obediencia a todas, e a cada uma das
sobredi tas pessoas, que ora são, e ao diante forem, as
cumprão, e guarde: e ao nosso Provisor , Vigário
Geral , Desembargadores , Vis i tadores , e Vigarios da
Comarca, e da Vara, e a todos os mais Minis tros de
nossa Just iça Eccles iást ica, as fação inte iramente
cumprir , e guardar, como nel las se contém, e por el las
julguem, e determinem as causas, e se governem em
toda a adminis tração da just iça.76
Assim também como os advogados que advogarem perante nossos
Ministros, e sem o terem não serão admitidos ao tal oficio. Também o
terão o Meirinho geral , e o Escrivão da Camara . 77
Da mesma forma que na apresentação desse conjunto de Leis, há em
seu interior Títulos em que são especificados e determinados os termos
do seu uso e quais as pessoas que seriam obrigadas a tê- las além de
ar t igos referentes à obrigatoriedade da apresentação em público: ( . . . ) e
assim ordenamos, e mandamos a todos ( . . . ) que em voz alta, e
intel l igivel leião a seus freguezes ( . . . ) . 78
76 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. p. XXII 77 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. p. 432, título LXXIII, cânone 1311 78 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. p. 432, título LXXIV, cânone 1312
79
A falta da lei tura por parte da população eclesiást ica encarregada do
mesmo acarretaria uma pena de duzentos réis por cada vez que
faltarem para a Sé ( . . . ) .79 E as Consti tuições deveriam ser l idas em
alguns momentos especiais como os domingos, sendo esta lei tura
iniciada pelos responsáveis assim que o volume destas Const i tuições
vier a seu poder, no primeiro Domingo logo seguinte lerão, e
publ icarão o Prologo del las , e o Tí tulo primeiro da Fé Catól ica.80
Dom Sebast ião Monteiro da Vide procurou adaptar a legislação
eclesiást ica à real idade brasi leira de sua época. O Arcebispo compôs
uma colcha de retalhos, pois acoplou diversas deliberações de
Concíl ios Ecumênicos, Bulas Papais, de Sínodos Provinciais e de
pesquisas dos pr incipais teólogos contemporâneos para e laborá- la.
As Consti tuições Primeiras do Arcebispado da Bahia é dividida em 5
livros, sendo que cada livro é dividido em Títulos, ao todo são 74.
Estes por sua vez são subdivididos em art igos compondo um total de
1318, distribuídos em 411 páginas. O conjunto possui 729 páginas e
apresenta dois índices: um por ordem alfabét ica, outro por ordem
crescente dos Títulos; além do Prólogo, do termo de como se
79 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. 80 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. p. 433, título LXXIV, cânone 1313.
80
conferirão as Const i tuições, do Regimento do Auditór io Eclesiást ico,
do Índice dos dias Feriados, entre outros .
Dessa Consti tuição alguns art igos espalhados pelos quatro primeiros
livr os se referem a algumas heresias, contudo o quinto livro é referente
às mais diversas prát icas herét icas e , principalmente, às punições que
deveriam incorrer aos que as praticarem. Segundo Paiva, algumas
Consti tuições diocesanas como a de Coimbra não espec ificam as
punições aos que se consultarem com fei t iceiros, diferentemente das
Consti tuições de Lamengo, Lisboa, Braga, Algarve 81 e Brasil. Na
colônia americana se considerava prática herética a leitura de l ivros
que contivessem doutrinas não católicas; heré t icos também eram
pessoas que não fossem batizadas. Na Consti tuição era ensinada a
forma de rezar a Deus, a Virgem Maria e aos Santos.
Apesar de toda a vigilância, este documento reserva aos superiores
eclesiásticos o poder de absolvição de pecados mais graves. Dentre
esses se encontram os de homicídio voluntário ( . . . ) , os fe i t iceiros ( . . . ) ,
[os que] furtam alguma coisa pertencente à Igreja ( . . . ) , [os que juram]
81 PAIVA. Op. Cit. 1992. p. 47.
81
falso em juízo (. . .) , [os que incendeiam] de propósito para fazer damno
( . . . ) , d íz imos não pagos às Igrejas 82 entre outros .
Esta Consti tuição diocesana representou a chegada na colônia
portuguesa de um documento organizado de acordo com a vivência e a
real idade dos moradores coloniais , apesar de ter s ido elaborado de
acordo com as resoluções de outras reuniões rel igiosas – s ínodos,
concíl ios, etc. Até então as regras seguidas pelo clero e pela sociedade
eram importadas da Metrópole, inclusive os Tridentinos não se
preocuparam em determinar regras e condutas aos países que possuíam
terras no além mar , entre as resoluções do Concílio de Trento, nenhum
destaque fora dado à expansão catól ica ( . . . ) , a composição
majori tariamente i tal iana dos concil iados di f ici lmente o levariam a
formular ( . . . ) uma pol í t ica global para o Novo Mundo.83
Dessa forma, verific amos a importância desse documento para a
sociedade eclesiást ica e c ivi l que estava vivendo, como vimos no
início deste capítulo, uma real idade totalmente distorcida dos
82 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. p. 74-76. 83 VAINFAS. Op. Cit. p. 25.
82
princípios morais e ét icos defendidos pela Igreja Católica Apostólica
Romana.
O Bras il , e principalmente Pernambuco com todas as suas r iquezas e
luxos part iculares, necessi tavam de regras e normas que conduzissem
como bons cris tãos catól icos os súditos do Rei e os orientassem diante
de si tuações adversas, como as denúncias contra hereges. Por detrás
dessa moralização religiosa havia a necessidade de fiscalizar e
controlar a sociedade.
Antonia Maria foi contemporânea de toda essa real idade rel igiosa e do
desenvolvimento em que Pernambuco vivia. É com ela que o nosso
próximo capítulo irá se desenrolar .
Capítulo 3
Uma “feiticeira” em Pernambuco
3.1 – Descrição do processo de
Antonia Maria
3.2 – Análise do processo de
Antonia Maria
84
Antonia Maria, degredada por práticas de feitiçaria, habitou em Pernambuco na
primeira metade do século XVIII. Tempo este em que a Capitania vivia os reflexos
da Guerra dos Mascates, da falta de uma presença religiosa por conta da ausência do
bispado além de uma firmação do modo de vida da burguesia comercial recifense
em detrimento ao da aristocracia açucareira que se encontrava mergulhada em
dívidas.
O presente capítulo tem como objetivo responder a algumas questões levantadas
quando na armação do problema que norteia nossa pesquisa. Essas questões são
basicamente referentes ao que a Inquisição considerava artes e práticas mágicas na
primeira metade do século XVIII e quais as causas do incomodo com esses rituais,
além da curiosidade de se registrar que camada da sociedade se consultava com
feiticeiras. Após a leitura, transcrição e análise dos processos de Antonia Maria
outras questões surgiram e procuraremos responde- las ao longo deste capítulo.
Contudo, antes de iniciarmos a análise dessas questões e do processo de Antonia
Maria, faz-se necessário descrevermos os processos de Beja e de Pernambuco para
assim facilitar o entendimento das questões que serão discutidas mais adiante.1
1 Na leitura paleográfica do documento optamos pela transcrição atualizada do processo de Antonia Maria e das artes praticadas po r ela de forma a facilitar a compreensão do texto.
85
3.13.1-- Descrição dos Processos de Antonia Maria Descrição dos Processos de Antonia Maria
3.1.1 - Beja – Évora – Portugal/1713
Antonia Maria, casada com Vasco Janeiro, de idade de 30 anos, mais ou menos, foi
denunciada ao Tribunal do Santo Ofício por praticar artes mágicas e sortilégios.
Suas denunciantes foram os membros de uma mesma família, todas filhas de João
Rodrigues e de Brites Fernandes, já defuntos, natural e moradoras na rua Nova da
cidade de Beja, a saber:
Natália Maria, moça donzela, de idade de 30 anos, mais ou menos.
Caetana de Jesus, moça donzela, de idade de 33 anos, mais ou menos.
Aquimar da Rosa , moça solteira, de idade de 20 anos, mais ou menos.
Mariana Josepha, casada com Antonio da Silva, de idade de 17 anos, mais ou
menos.
Maria de Deus, moça solteira e doente, de idade de 38 anos, mais ou menos.
Antonio da Silva , casado com Mariana Josepha, de idade de 20 anos, mais ou
menos, tendo como profissão oficial de ourives.
86
Estes foram os denunciantes de Antonia Maria. As irmãs a procuraram para que ela
realizasse um sortilégio com o objetivo de que o padrasto e a mãe de Antonio da
Silva o perdoassem por ter roubado umas moedas de ouro do padrasto. Este, o havia
denunciado as autoridades judiciais e ele seria preso pelo furto. Antonia Maria, em
concordância com o pedido das irmãs realizou o seguinte sortilégio:
Primeiro mandou que se rezasse um rosário as almas dos fieis por nove dias: dez
Ave-Marias em pé e os Padre-Nossos de joelhos, e que o fizesse a noite e na porta
da casa com os olhos voltados para o Céu e dissesse estas palavras:
Deus vos salve, santos fieis de Deus, Deus vos salve, salvemos Deus
os da quem e os dalém os que andais pelos adros e pelos sagrados e
os batizados e por batizar todos se queiram ajuntar e incorporar no
coração de Manoel Rodrigues e de Ana Maria [padrasto e mãe de
Antonio da Silva] queiram entrar e o perdão do furto das moedas de
ouro lhe dar.
Segundo as irmãs essa reza não surtiu o efeito desejado e novamente procuraram
Antonia Maria para que ela realizasse algum outro sortilégio. Sendo assim, Antonia
Maria pediu 9 vinténs para comprar uns ingredientes e fez um fervedouro na casa
delas em que pôs numa panelinha os seguintes ingredientes: um coração de lebre
espetado com agulhas e alfinetes depois de ter lhes tirado as cabeças, sangue de leão
suco de lobo, alfazema, erva de barbasco e outras, um pedaço de pedra de ara, tudo
87
ferveu com vinagre e nesse momento dizia as seguintes palavras batendo com três
varinhas de marmeleiro no chão:
Manoel Rodrigues e Ana Maria aqui te fervo o teu coração com
quantos nervos em teu coração estão barrabás, califas, satanás,
Maria Padilha com toda a sua quadrilha, Maria da Calha com
toda a sua canalha e cavalo Marinho que os traga pelos caminhos
depressa e todos se queiram ajuntar e no coração de Manoel
Rodrigues e de Ana Maria se queiram entrar para que este perdão
queiram dar.
No momento da realização do fervedouro chegou o marido de uma delas, Antonio
da Silva, que nada sabia. Novamente esse sortilé gio não surtiu efeito e ela ensinou
ao casal que eles deveriam ir a uma encruzilhada às onze para a meia noite para que
o perdão fosse alcançado. O ritual consistia no seguinte: colocar uma mesa forrada
com um pano velho e nela cinco bolinhos, cinco azeitonas, cinco pedacinhos de
queijo, cinco figos e cinco pedrinhas tiradas do local. Cada ingrediente desse em um
canto da mesa. E que se rezasse a seguinte oração sem que ninguém visse ou
ouvisse:
O primeiro bolinho, queijo, azeitona e figo sejam para barrabás, o
seguindo bolinho com o mesmo para califas, o terceiro bolinho
com o mesmo para satanás, o quarto bolinho com o mesmo para
Maria Padilha, o quinto bolinho com o mesmo para Maria da
Calha e havia de dizer mais estas palavras: esta mesa venho
plantar para meu bem não para meu mau.
88
Contudo, tanto Antonio da Silva quanto sua esposa, tiveram medo e largaram a mesa
na encruzilhada e novamente o sortilégio não surtiu efeito. Antonia Maria, desejosa
do pagamento da moeda de ouro que as irmãs lhes havia prometido e não haviam
pagado, as ameaçou de denunciá- las ao Santo Ofício e de fazer sortilégios para as
atingir. Elas, receosas do que poderia acontecer, anteciparam-se denunciado Antonia
Maria ao Santo Ofício.
Antonia Maria foi presa em 27 de agosto de 1712 pelas seguintes culpas: ações vans
e supersticiosas, invocação do demônio, pacto expresso com o diabo e erro no
entendimento contra nossa Santa Fé Católica .
Dia 27 de setembro de 1712 iniciaram-se os depoimentos de Antonia Maria, que
além desse crime, confessou outro, dentre eles rezas para que pessoas se casassem,
para amansar seu marido, que a impedia de sair de casa, simpatias para que
comerciantes se dessem bem nas compras e vendas, rezas para que mulheres
adúlteras não fossem descobertas pelos maridos. Segundo sua confissão, Antonia
Maria afirma que suas rezas, simpatias e sortilégios não deram certo, com raras
exceções, e que nem sempre era paga pelos serviços. E que só os fazia por ser muito
pobre e necessitar de algum recurso para sobreviver.
89
Em seu depoimento Antonia afirma que se iniciou nas artes mágicas com a mãe,
mas que aprendeu com uma amiga chamada Joana de Andrade, que também foi
presa e condenada pelo Santo Ofício.
No dia 13 de julho de 1713 Antonia Maria compareceu ao auto de fé que se realizou
em Évora e abjurou publicamente e recebeu como sentença a confiscação de seus
bens, cárcere e hábito penitencial perpétuo, açoites, excomunhão, degredo por toda a
vida da cidade de Beja e por três anos para o reino de Angola. Dia 10 do mesmo mês
e ano ela assinou o termo de segredo e de ida e penitencia.
3.1.2 - Recife – Lisboa/1723
Não estão claros os motivos que levaram Antonia Maria a aportar e fixar residência
em Recife, contudo ela aqui chegou por volta de 1714.
Em Pernambuco Antonia Maria morou em algumas casas alugadas sendo todas na
ilha de Santo Antonio. Segundo seu depoimento logo que chegou houve uma
publicação, na Gazeta, em que afirmaram que ela havia sido degredada por
feitiçarias e por conta deste fato as pessoas passaram a procura- la para que ela lhes
fizesse alguma reza ou adivinhação do futuro. Negando-se, ela foi pressionada para
que atendesse aos pedidos, o que fez, já que era só numa terra desconhecida.
90
Dentre as pessoas que denunciaram Antonia Maria em Pernambuco em 1718,
encontram-se:
Pe. Francisco Xavier de Viveiros, 32 anos de idade, mais ou menos, morador na Vila
de Santo Antonio do Arrecife de Pernambuco, vizinho de Antonia Maria e a
procurou para que adivinhasse o futuro para ele. Seu pedido consistia em descobrir
se seria ordenado padre e se esta ordenação aconteceria antes ou depois da viagem
do Bispo ao Reino. Antonia fez as adivinhações utilizando os seguintes recursos: em
um alquidar com água colocou quatro vinténs, uma folha de papel dobrada e
desdobrada. Também foram necessárias uma peneira e uma tesoura.
Segundo o padre Francisco Xavier, Antonia Maria utilizou-se dos seguintes
procedimentos: pegou a peneira e abrindo a tesoura colocou as pontas no arco da
peneira suspendendo, no ar, de uma parte com o dedo por baixo do arco e ele, o
padre, de outra parte também com o dedo por baixo do outro arco. E ela mandou que
ele repetisse as seguintes palavras:
por São Pedro e por São Paulo e pela porta de Santiago em como
Francisco Xavier não há de ser clérigo.
E a peneira permanecia imóvel. Quando Antonia Maria dizia
por São Pedro e por São Paulo e pela porta de Santiago em como
Francisco Xavier há de ser clérigo
91
a peneira se mexeu por várias vezes como resposta positiva de que ele iria ser
ordenado padre antes do Bispo viajar para o Reino.
João Pimentel, 40 anos de idade, mais ou menos, casado com Bárbara de Melo,
cristão velho, tendo como profissão a de pedreiro, também foi vizinho de Antonia
Maria. A denunciou por ela ter feito um sortilégio contra sua mulher. Segundo seu
depoimento, ele e Antonia haviam tido uma “amizade ilícita” e a esposa havia
descoberto e ele terminara o romance. Antonia Maria não satisfeita com o fim da
relação fez com que ele, sua esposa e uma escrava doméstica caíssem doentes. Em
seu depoimento ele narra o exorcismo feito por dois padres de onde ele e sua esposa
“por via do curso natural” expeliram vários objetos, dentre eles dentes de gente,
ervas, farelos de madeira, ossos, carvão, arvorezinhas com galhos, espinhas de
peixe, pedaços de pedra, cabelos de gente e areia da praia, entre outras coisas.
Todavia não ficaram curados e procuraram um negro curandeiro de nome
Domingos João que com purgas, ervas e raízes os curou.
Bárbara de Melo, 50 anos de idade, mais ou menos, casada com João Pimentel, faz
pão. Em seu depoimento ela narra os mesmos acontecimentos que seu marido e
acrescenta que Joana de Andrade, amiga de Antonia Maria, foi quem confirmou
para ela que a ré havia feitos os feitiços por conta da proibição que deu a seu marido
de freqüentar a casa dela. E que Antonia havia se aperfeiçoado nas artes mágicas
com uma mulher parda de nome Páscoa Maria que era conhecida como feiticeira.
92
Isabel da Silva, 60 anos de idade, mais ou menos, viúva de Antonio Bayão, cristã
velha, mãe do Pe. Francisco Xavier e presenciou toda a cerimônia feita por Antonia
Maria. Declara os mesmos fatos que contidos no depoimento do filho e acrescenta
que a casa de Antonia Maria era muito visitada tanto de dia quanto de noite.
Ignácia Maria, 35 anos, mais ou menos, solteira, cristã velha, irmã do Pe. Francisco
Xavier. Além do deposto pelo irmão e pela mãe, ela acrescenta que na casa de
Antonia Maria iam muitas mulheres, principalmente meretrizes.
Domingos de Almeida Lobato , 33 para 34 anos, mais ou menos, cristão velho,
casado com Maria Crisostoma, tendo como profissão a de pedreiro. Ele narra que
estando doente de soluços procurou Antonia Maria para que ela lhe fizesse algo que
o curasse. Ela fez o seguinte sortilégio: apanhou cinco ramos de ervas e pediu que
ele tirasse o pé esquerdo da chinela e o pusesse sobre a terra e lhe trouxesse o meio
do rastro. Em uma panela nova de barro colocou 2 vinténs de água ardente da terra e
o rastro de seu pé esquerdo.
Pegando o primeiro ramo o meteu entre o dedo polegar e o
indicador e puxando por ele para baixo sem o desfolhar dizia,
satanás e o metia na mão direita e fazendo o mesmo ao segundo
ramo dizia barrabás, o mesmo com o terceiro dizia califas, e ao
quarto disse diabo coxo e ao quinto sua mulher.
93
Depois pegou os ramos e os colocou na panela dizendo a cada ramo que jogava
satanás, barrabás, califas, diabo coxo e sua mulher. Após ferver tudo mandou que
ele se defumasse com a água do fervedouro e depois a jogasse na porta da casa de
uma mulher chamada Basília Pessoa, que havia feito um trabalho de feitiçaria para
ele.
Contudo, os soluços pioraram e ele descobriu que esse sortilégio feito por Antonia
para o curar o fez piorar. Assim, ele procurou Domingos João, negro curador, que
lhe deu um pó para inspirar pelo nariz e pela boca e uma raiz para enterrar. Depois
ele voltou a casa do negro com sua esposa e este lhe deu uma bebida feita com ervas
pisadas e assim que ele bebeu vomitou um bicho que se parecia com um cavalo e
este estava seco da metade para baixo. O negro informou que quando o bicho
secasse totalmente ele morreria. Nesse momento entrou uma galinha que pegou o
bicho pelo bico e saiu voando. Segundo Domingos João ela era a dona do bicho.
Joseph Pereira, 33 para 34 anos, cristão velho, vive de sua agência, viúvo de Joana
de Andrade. Ele denuncia que se casou com a degredada por acreditar que ela havia
se redimido das culpas que havia sido condenada em Portugal e por se sentir
obrigado a celebrar matrimônio com ela. E que após se casar continuou a freqüentar
a casa de sua mãe e irmã e por muitas vezes sua irmã lhe tirou do casaco alfinetes.
Também narra que depois de casado ia a sua casa e de sua esposa muitas mulheres
dentre elas Isabel de Avelar, que havia sido também degredada pelo Santo Ofício e
94
D. Garcia, que queria que o marido voltasse a ter com ela vida conjugal. Após a
morte de Joana de Andrade, ele encontrou várias orações escondidas e muitos
alfinetes no travesseiro dele. Também narra que perto da morte de Joana, Antonia
Maria a veio visitar e lhe disse que queria vê- la morta por ela ter tirado o seu ganho
e que era sabido que esta Antonia era feiticeira e que fazia malefícios às pessoas.
Maria Crisostoma , 23 para 24 anos, casada com Domingos de Almeida. Declara que
foi ela quem procurou Antonia Maria para que curasse seu marido. Todavia, por ele
não ter melhorado uma amiga chamada Francisca, casada com Joseph Pereira, a
indicou o negro Domingos João. Seu relato sobre os procedimentos deste curador se
assemelha com o de seu marido.
Estes depoimentos foram encaminhados para Lisboa e a prisão de Antonia Maria foi
autorizada pelo Tribunal do Santo Ofício. Ela foi presa em Alagoas, para onde havia
fugido e enviada para o Reino pagando sua viagem.
Em Lisboa Antonia Maria iniciou sua confissão no dia 06 de março de 1720. Foi
ouvida e denunciou Joana de Andrade como responsável por todos os trabalhos de
feitiçaria que ela havia praticado. Declarou que Joana a obrigou com ameaças a
realizar os sortilégios e sem poder se negar ela os fez. Os inquisidores não aceitaram
sua confissão e a encaminharam para sua cela. Esse procedimento se repetiu por
inúmeros meses, durante esses meses ela confessou que inúmeras pessoas a
95
procuraram para que ela realizasse adivinhações e rezas para as mais variadas
causas. Os inquisidores não se sentindo satisfeitos ofereceram a ré, e ela aceitou, um
procurador para que este encaminhasse novo depoimento aos denunciantes de
Pernambuco, o que se fez em fevereiro de 1721. O procurador Brás de Carvalho
encaminhou ao reitor do Colégio da Companhia de Jesus da cidade de Olinda as
perguntas que deveriam ser feitas às testemunhas que depuseram contra Antonia
Maria e também a novas testemunhas que, segundo Antonia, sabiam que ela possuía
inimigos no Recife. São eles:
João da Mota, 55 anos, mais ou menos, sarge nto mor, casado com Brites de
Almeida. Declara que Bárbara de Melo já estava doente quando Antonia Maria
chegou ao Recife e que ela e seu marido, João Pimentel, eram inimigos de Antonia
Maria, não sabe o porque. E que ambos eram de fora de Recife.
Luis de Siqueira Pacheco, 50 anos, mais ou menos, ajudante de pedreiro, natural de
Recife, casado com Maria Frajoia. Declara que Antonia Maria e Bárbara de Melo
eram inimigas e que ouvira várias vezes Bárbara tratar Antonia por feiticeira e
ameaça-la de mandar degreda- la para Angola.
Maria Frajoia, 50 anos, mais ou menos, casada com Luis de Siqueira. Declara que
Bárbara e Antonia eram inimigas e que Bárbara fazia ofensas públicas contra
96
Antonia e que a causa dessa inimizade era que Bárbara desconfiara que seu marido,
João Pimentel e Antonia haviam tido um romance.
Agostinha Carneira, 24 anos, mais ou menos, solteira, filha de Luis da Siqueira
Pacheco. Declara que havia ódio entre Bárbara de Melo e Antonia Maria e que este
sentimento se originara da desconfiança que Bárbara tinha de Antonia com seu
marido e que Bárbara fazia ameaças públicas contra Antonia.
Brites de Almeida, 57 anos, mais ou menos, esposa de João da Mota. Declara que
foi Bárbara de Melo quem denunciou Antonia Maria ao comissário do Santo Ofício,
frei Bartolomeu do Pilar, bispo do Grão Pará. E que Bárbara de Melo sempre disse
que havia de se vingar de Antonia Maria por ela ter lhe dado feitiços.
Luciano de Siqueira, 29 anos, mais ou menos, solteiro, filho de Luis de Siqueira
Pacheco, cabo de esquadra da Companhia do capitão Agostinho Moreira. Declara
que não tem conhecimento de nada pois vivia viajando em cumprimento do seu
trabalho.
Pe. Frei Bernardo da Nápolis, 55 anos, mais ou menos, capuchinho do convento de
Nossa Senhora da Penha, superior e prefeito das missões dos capuchinhos. Declara
que só tem conhecimento que Bárbara de Melo se queixava de Antonia Maria ter
lhe dado feitiço.
97
Pe. Miguel Ângelo, religioso capuchinho que realizou o exorcismo de Bárbara de
Melo e seu marido João Pimentel e a persuadiu a denunciar ao Santo Ofício Antonia
Maria.
Francisco Rodrigues Chaves, 29 para 30 anos, mais ou menos, capitão, casado com
Maria Rodrigues de Aguiar, natural do arcebispado de Braga. Declara que procurara
Antonia Maria para que ela realizasse uma adivinhação para ele saber quem lhe
havia furtado mercadorias de sua casa. Antonia se recusou a realizar a adivinhação
por ele ser português e não queria engana- lo e caso ele fosse brasileiro o enganaria,
pois ela não sabia fazer adivinhações.
Com relação aos antigos depoentes, todos foram ouvidos e nada de novo
acrescentaram aos seus depoimentos a não ser o fato de declararem não conhecer
Joana de Andrade e de serem obrigados a denunciarem Antonia Maria pelos padres
confessores e pelo frei Bartolomeu do Pilar, bispo do Grão Pará e inquisidor que
tomou o depoimento das testemunhas em 1718. Também de novo acrescentou
Bárbara de Melo declarando que primeiro tentou denunciar Antonia Maria ao
ouvidor da província e pediu a ele para que a encaminhasse para a ilha do Príncipe,
para onde a princípio ela havia sido degredada segundo Bárbara de Melo, mais que
nenhuma providência havia sido tomada.
98
Quando esses depoimentos chegam a Lisboa de nada serviram, pois os inquisidores
responsáveis optaram por torturar Ant onia Maria para que ela confessasse suas
culpas. Dessa forma ela foi levada, no dia 26 de agosto de 1723, para a casa
deputada para que se realizasse o tormento que se deu da seguinte forma: chamaram
os médicos cirurgiões e os Ministros da execução para que procedessem com o
tormento. Ela foi despida para ser torturada no potro. Nesse momento ela foi
advertida que se morresse, quebrasse algum membro ou perdesse algum sentido a
responsabilidade seria dela, por não ter confessado, e não dos senhores inquisidores.
Após algum tempo de sofrimento e por clamar várias vezes pela Virgem se encerrou
o tormento e ela foi encaminhada a sua cela.
No dia 09 de setembro de 1723 o escrivão Fabian Bernardes concluiu o processo de
Antonia Maria e declarou que ela iria ao auto público e que teria cárcere e hábito
perpétuo sem remissão e que seria degredada por 5 anos para a cidade de Miranda,
que teria penitência espiritual e pagaria as custas. Assinam este documento o
inquisidor João Álvares Soares e João Paes do Amaral. O auto público se celebrou
em 10 de outubro de 1723 na cidade de Lisboa e estavam presente o Rei D. João V,
os infantes D. Francisco, D. Antonio e D.Manoel, os senhores inquisidores e
ministros da mesa, nobres e o povo. E assina o escrivão Manoel de Figueiredo. Em
outubro do mesmo ano ela assina o termo de segredo, e o de ida e penitência.
99
3.2 3.2 –– Análise do processo de Antonia MariaAnálise do processo de Antonia Maria
No dia 09 de junho de 1713 compareceu ao Auto Público da Fé na forma
costumada2 Antonia Maria levando carocha na cabeça com o rótulo de feiticeira.
Estavam presentes o Excelentíssimo Senhor Cardeal da Cunha inquisidor geral e o
seu conselho e a mesa. El Rei, e os senhores infantes Dom Francisco, Dom Antonio,
Dom Manoel o núncio, Bispos de Angola e de Sagoste(SIC).3 Nesta cerimônia
Antonio Maria 4 Abjurou5 publicamente seus erros e ouviu sua sentença. Além de ser
excomungada, teve os seus bens confiscados para o fisco e câmara real, todavia por
ter tido confessado seus crimes, ela recebeu ao grêmio e união da santa madre
igreja (...) e em pena e penitencia deles [os crimes] lhe [assinaram] cárcere e hábito
penitencial perpétuo e [seria] açoitada pelas mas públicas denacidades (...) e a
2 Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa (a partir deste momento ANTT) maço 120, processo 1377, microfilme 14067, p. 96. 1713 3 ANTT, maço 120, processo. 1377, microfilme 14067, p. 96v. 1713. 4 Antonia Maria, que tem ¼ de cristã nova por veia paterna, casada com Vasco Janeiro[...] natural e moradora na cidade de Beja (bispado de Évora-Portugal), de 30 anos de idade. Que seus pais se chamam Bartolomeu de Moraes e Luiza de Carvalho já defuntos, naturais e moradores da cidade de Beja. Que ela tem uma irmã chamada Leomar Mendes, casada com Manoel ___ natural e moradora de Beja. (...) somente tem um filho chamado Estevão de menor de idade. Que ela e cristã batizada e foi na Igreja do Salvador da mesma cidade pelo cura Pedro Cordeiro, não sabe quem foi seu padrinho. ANTT, p. 46v-47. 1713 5 Abjuração em anexos.
100
[degradaram] por toda a vida da cidade de Beja, e por tempo de 3 anos para o reino
de Angola.6
A penalidade de ser degredada por toda a vida da cidade de origem, no caso de
Antonia Maria, de Beja, se insere no contexto das penalidades instituídas pelos
tribunais no período estudado. Ser exilado de sua cidade representava que o
sentenciado seria privado do convívio social com a família e amigos, e dos negócios
econômicos; o exílio ou degredo era uma punição terrível e temida.7 A qualidade do
degredo variava de acordo com o crime cometido. Havia uma listagem desses
crimes que eram divididos em três grupos:
QUALIDADE CRIME
Sérios Blasfêmia, homicídio, cometer uma ofensa, rapto,
violação, feitiçaria, agressão a carcereiros, entrar para
um convento com intenções desonrosas, provocar
danos por dinheiro, ofender alguém numa procissão,
ofender um juiz.
Imperdoáveis Heresia, traição (lesa-majestade), contratação e
sodomia
Menores Crimes sempre perdoados pelos tribunais
Fonte: Timothy J. Coates, p. 60
6 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067, p. 96. 1713 7 COATES, Timothy J. Degredados e Órfãos: colonização dirigida pela coroa no império por tuguês: 1550-1755. Lisboa, 1998, p. 43.
101
Segundo Coates, esses quatro crimes imperdoáveis eram assim chamados por porem
em risco os fundamentos teológicos, políticos, econômicos e sociais do Estado
português8 do período que ele denomina de moderno emergente; ou seja, esses
crimes representavam tanto um desrespeito às leis cristãs que a Igreja Católica
Apostólica Romana não poderia permitir, quanto uma traição ao Rei, que deveria ser
punido com rigor para que outros não o fizessem.
As punições para esses crimes eram o degredo, sendo que este variava de acordo
com o local - que a sentença seria cumprida - e também dos interesses do tribunal
que o condenou; havia diferentes tipos de exílios: para toda a vida, durante o
período de tempo que ao Rei aprouver, para as galés, ou para um local específico
durante um determinado período de tempo, ou para fora da localidade onde se vive
ou das suas terras adjacentes.9
No caso específico de Antonia Maria ela foi degredada10 por toda vida da sua cidade
natal, Beja, e por três anos para Angola, depois de passado esse período poderia
8 COATES. Op. Cit. p. 60. 9 SOUZA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras Linhas sobre o Processo Criminal in COATES, p.56. 10 Havia todo um procedimento após a condenação ao degredo. Teoricamente o degredado não poderia passar mais de 3 meses encarcerado depois da sua sentença. Todos os sentenciados eram encaminhados para a cadeia de Limoeiro, em Lisboa, de onde eram encaminhados para os navios; estes eram de particulares que tinham a obrigação de leva-los ao seu local de degredo. Os capitães desses navios eram os encarregados de os conduzir e de encaminha-los as autoridades competentes da cidade escolhida. Sobre os procedimentos legais de condução de degredados veja-se Timothy J. Coates, Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português: 1550-1755.
102
voltar para Portugal, desde que se fixasse em outra localidade que não fosse Beja.
Uma das questões que nos chamou a atenção durante a leitura e transcrição dos dois
processos desta ré foi que apesar de ter sido degredada para Angola ela aportou no
Recife de Pernambuco estado do Brasil11, onde fixou residência na vila de Santo
Antonio. O que poderia ter acontecido para que o Tribunal mudasse o lugar do
degredo? E se isso realmente aconteceu, porque não há uma descrição em seu
processo informando desse ocorrido? Quais os motivos que a fizeram permanecer
em Pernambuco? Porque escolhera viver no Recife?
Coates nos sugere algumas evidências de tais acontecimentos. Ele nos informa que
em 1662 alguns condenados exilados para Angola e São Tomé foram enviados para
o Brasil por não haver navios no porto prontos para a partida para essas duas
localidades. Por conta dessa espera, estavam a gastar um ror de dinheiro para
[alimentar e vestir] estes prisioneiros [e que os] navios para o Brasil [estavam] de
partida e daí os prisioneiros [poderiam] seguir para os seus locais de degredo.12
Sendo assim, a Coroa concordou em enviar para o Brasil esse grupo de degredados
de onde partiriam para cumprir seu exílio nas terras para onde foram sentenciados.
Todavia não se sabe se realmente esse grupo transportado para o Brasil foi depois
para Angola e São Tomé.
11 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 130. 1723. 12 BA, 51-VI-11, f. 125 (número 226), Regimento da Caza da Supplicação, 12 de setembro de 1662 in COATES, Timothy J. p. 142.
103
Diante dessa possibilidade do Brasil servir de posto de paragem para degredados,
acredita-se que provavelmente o mesmo poderia ter acontecido com Antonia Maria,
apesar de não haver nenhum vestígio dessa ocorrência nos seus dois processos, e
dela não ter seguido para Angola, como havia sido determinado pelo Tribunal na sua
condenação, e sim permanecido em Pernambuco.
Outro motivo que levaria Antonia a ser degredada no Brasil está nas Leis
Extravagantes de 1535 e 1549; nelas consta que os condenados a cumprir degredo
na Ilha do Príncipe deveriam ser enviados para o Brasil.13 O mesmo servia para os
condenados para São Tomé.14 Essas leis nos fazem perceber que além das
autoridades determinarem a mudança do local de degredo dos condenados de um
lugar para outro através de leis, o Brasil estava em pleno processo de colonização,
ou seja, havia uma grande necessidade de se enviar pessoas para habitarem nas
terras americanas de Portugal, o mesmo poderia ter acontecido com Antonia Maria.
Com relação à não constar nenhuma referência no seu primeiro processo sobre a sua
vinda para o Brasil, entende-se que isso tenha ocorrido por conta do tribunal já não
possuir nenhuma jurisdição sobre os condenados. Após o auto de fé eles eram
entregues a justiça para que fossem encaminhados para o cumprimento das suas
13Quarta parte dos delictos, e do accessorio a elles, título XVII de leis penaes sobre diversas cousas, Lei VIII que se não degrade para a Ilha do Príncipe in Leis Extravagantes e Repertório das Ordenações de Duarte Nunes do Lião, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987. p. 176. 14 Idem, Lei IX que o degredo para São Tomé se mude para o Brasil.
104
condenações, sendo assim a Inquisição não saberia se por questões práticas e/ou
financeiras, ela, Antonia Maria, haveria de primeiro aportar em Pernambuco, para
depois seguir para Angola.
No segundo processo também não consta nenhuma referência à mudança do local de
exílio. No início dele, quando ela é presa e entregue à justiça, em 1720, consta que
Antonia Maria re conciliada que foi por esta inquisição no auto público da fé que se
celebrou nesta cidade em 9 de julho de 1713 no qual abjurou culpas de feitiçarias,
sendo degradada para Pernambuco se acha relapsa nas mesmas culpas.15
Ou seja, a Inquisição tinha o conhecimento de que Antonia Maria havia sido
degredada para Pernambuco, ou pelo menos que estava degredada em Pernambuc o.
Todavia nenhum documento foi encontrado que possa nos esclarecer essa mudança
da localidade do exílio. Acredita-se que ela possa ter aportado aqui e que não tenha
seguido para Angola fixando-se nessas terras com o conhecimento e autorização das
autoridades competentes. 16
Não se sabe ao certo em que ano Antonia Maria chegou a Pernambuco, mas é
possível sugerir uma data aproximada. O auto de fé em que ela foi condenada e
15 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067, p.108. 1723. 16 Entendemos por autoridades competentes os encarregados de receber os degredados: juizes da localidade de exílio, a Câmara da cidade, etc. As localidades estipulavam quem seria a pessoa ou qual seria o órgão encarregado de os receber e fiscalizar. Sobre esse assunto ver Timothy J. Coates. Capítulo II (A base legal do exílio como pena).
105
abjurou suas culpas celebrou-se em 09 de junho de 1713. No dia 10 de julho de 1713
ela “assinou”17 um termo de segredo18 onde se comprometia a nunca relatar o que se
passara nesse período em que estivera presa, e no dia 17 do mesmo mês e ano ela
“assinou” o termo de ida e penitência 19. Sendo assim e levando em consideração que
não havia navios para Angola e que ela não poderia permanecer mais que três meses
encarcerada depois da leitura da sentença, e que ela teve que vir para Pernambuco e
essa viagem levava mais de um mês, ela aportou em Recife no final do ano de 1713.
Outro dado que nos faz acreditar nessa hipótese está no depoimento das primeiras
testemunhas que a acusaram em Pernambuco em julho de 1718. Os depoimentos dos
oito denunciantes afirmam que tudo aconteceu de tres para quatro anos, pouco mais
ou menos,20 ou seja, se o ano é o de 1718 e estão denunciando que as magias
praticadas por Antonia Maria se deram três para quatro anos antes do depoimento,
essa conta nos remonta ao ano de 1714-1715.
Com relação à última indagação: quais os motivos que a levaram a permanecer em
Pernambuco, e principalmente no Recife e não em Olinda, por exemplo? Como foi
dito no segundo capítulo deste trabalho, Pernambuco era uma rica capitania e com
prósperos negócios. Acredita-se que Antonia Maria tenha sabido, ou percebido, esse
17 Antonia Maria não assinou esses documentos por não saber escrever. Eles foram lidos e ouvidos por ela e assinados pelo escrivão com o consentimento da ré. 18 Termo de Segredo em anexos 19 Termo de ida e penitência em anexos. 20 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067, p. 120. 1723.
106
desenvolvimento, e durante o período em que ficou aportada em Recife esperando
seu navio para Angola, optou por permanecer degredada numa terra rica e com
possibilidades de ganhos para ela - como trabalho, casamento - do que se transferir
para Angola, terra mais distante de Portugal que Pernambuco e nem tão rica quanto
o Brasil. Nesse período Angola representava um dos lugares mais indesejáveis para
ser exilado, pois era um dos locais mais remotos e insalubres.21
Recife acabara de ser elevada à categoria de Vila e passara pela Guerra dos
Mascates (1710-1711) de onde havia saído vitoriosa e fortalecida como grande
centro comercial e econômico. Somando-se a esses dados, Olinda era a morada da
aristocracia açucareira endividada e preconceituosa, da elite política e das famílias
tradicionais, ao contrário de Recife, centro comercial e onde se encontrava o porto,
passagem obrigatória para quem chegava à Capitania.
Essa guerra representou, segundo Evaldo Cabral de Mello, uma confrontação entre
a loja e o engenho (...) entre um Recife florescente que aspirava a emancipação e
uma Olinda decadente que procura mantê-lo numa sujeição irrealista.22 Esse grupo
de comerciantes era impossibilitado de pertencer, ou aspirar a pertencer, à ‘nobreza
da terra’23 assim, o antagonismo econômico, político e social24 que circundava esses
21 COATES. Op. Cit. p.182. 22 MELLO, Evaldo Cabral de. A Fronda dos Mazombos nobres contra mascates: Pernambuco 1666-1715 . São Paulo, Companhia das Letras, 1995. p123. 23 MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: o imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro, Topbooks, 1997.p. 118. 24 MELLO.Idem.
107
dois grupos pertencentes a “elite” da sociedade pernambucana no início do século
XVIII, proporcionaram uma realidade distinta de outras regiões da colônia
brasileira.
Em 23 de dezembro de 1718, o escrivão João Cardoso enviou ao Tribunal da Santa
Inquisição de Lisboa, responsável pela colônia do Brasil, os depoimentos tomados
nos dias 21, 28 e 29 de julho contra Antonia Maria, informando a mesa do Santo
Ofício que ela re tinha reincidido nas mesmas culpas fazendo sortilégios, malef ícios
e curas supersticiosas usando nelas de invocação do demonio.25 No dia 08 de
fevereiro de 1719 a inquisição responde afirmando que as culpas eram bastantes
para a delata ser presa nos cárceres do santo oficio e que com efeito o26 fosse. No
dia 23 de janeiro de 1720 é entregue pelo meirinho (...) João Botelho de Andrade ao
alcaide (...) Fernando Coutinho a presa Antonia Maria que [vinha] de
Pernambuco. 27
A partir desse momento Antonia Maria foi mais uma vez encarcerada e submetida a
três anos de depoimentos e a torturas psicológicas e físicas, culminando com a
condenação lida no auto de fé que se celebrou no dia 10 de outubro de 1723 tendo
como
25 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 249. 1723. 26 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 109. 1723. 27 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 107. 1723.
108
pena e penitencia de suas culpas [...] cárcere e hábito penitencial
perpetuo sem remissão e a degradam por tempo de 5 anos para a
cidade de Miranda. Será instruída nas causas da fé necessárias
para salvação da sua alma, e cumpra as mais penas e penitencias
espirituais que lhe forem impostas, e pague as custas.28
Na condenação deste segundo processo, percebe-se que Antonia foi instruída a pagar
as custas do processo. Isso indica que possuía meios para tal, já que na condenação
do primeiro processo não é relatado esse fato; percebe-se também a posse de algum
bem quando de sua prisão e translado para Portugal, no auto de entrega o escrivão
afirma que Antonia Maria vem de Pernambuco na não caridade,29 ou seja, sem
precisar que custeie a sua ida para a metrópole. Outro dado importante é que ela foi
novamente degredada só que desta vez para a cidade de Miranda, situada no
nordeste de Portugal, divisa com a Espanha, pelo tempo de cinco anos, diferente da
primeira condenação que foi por tempo de três anos para fora de Portugal.
Esse fato nos leva a perceber que além do degredo externo, ou seja, para as colônias
portuguesas na América, na África e na Ásia, também havia o degredo interno, ou
seja, algumas regiões de Portugal pouco povoadas como Castro Marim, ao sul e
Miranda, ao norte, eram localidades escolhidas para habitarem degredados. Havia
uma tabela onde se estabelecia que um ano de degredo no Brasil representava dois
28 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 254. 1723.
109
anos na África, dois anos no Brasil significava um ano nas galés. Toda a vida no
Brasil era o mesmo de 10 anos nas galés. O degredo passou a representar uma
necessidade do Estado português em acomodar os indesejáveis do Reino em locais
de pouca população, como essas localidades dentro do país, ou de baixa mão de
obra, como as colônias.
Algumas questões nos surgem quando analisamos os processos de Antonia Maria.
Segundo alguns historiadores, destacando-se Anita Novinsky, defendem que a
inquisição se estabeleceu no período moderno na Península Ibérica por questões
econômicas, afirmam que tanto a Espanha quanto Portugal necessitavam do capital
judaico e cristão-novo para financiar e manter suas ambições expansionistas e suas
colônias. Encontravam-se vazios [os] cofres do Tesouro (...) [e] os meios (...)
conseguidos (...) [são o] confisco dos bens dos condenados pela Inquisição. 30
Partindo do princípio econômico da perseguição com a finalidade do confisco dos
bens e sabendo-se que a maioria dos condenados por práticas heréticas,
principalmente a bruxaria, a feitiçaria e o curandeirismo, nada possuíam de valor
para que o fisco pudesse se apoderar, porque então eram eles perseguidos e
condenados? Os mágicos perseguidos em Portugal eram (...) quase todos de origem
29 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 107. 1723. 30 NOVINSKY. Anita Waingort. A Inquisição. São Paulo, Editora Brasiliense, 1982. p. 30.
110
social humilde, sem qualquer formação literária,31 situação semelhante se observa
em Pernambuco. O negro curador citado do processo de Antonia Maria, Domingos
João, era forro e não tinha emprego, o mesmo Páscoa Maria que era parda32. No
Arquivo da Torre do Tombo, em Portugal, constam alguns registros, que não se
tornaram processos, dentre eles o de uma negra escrava de nome Tereza, moradora
em Goiana,33 de outra negra escrava de nome Lourença, moradora na Vila do
Recife,34 e de uma mulher parda de nome Maria de Araújo, moradora na freguesia
de Varge do Capibaribe, 35 todos negros ou pardos, escravos ou forros, e que
portanto, não possuíam bens suficientes para que a Inquisição os confiscasse.
Portanto, com qual objetivo seriam esses curandeiros e mágicos presos por meses e
até anos, condenados ao degredo ou executados, sabendo-se que todo o ritual desde
a prisão até a condenação era custoso para a Inquisição e que não haveria confisco
satisfatório para suprir os gastos?
Antonia Maria foi condenada tanto no primeiro quanto no segundo processo ao
degredo. Apesar de no segundo ela ser obrigada a pagar as custas, não teve bens
confiscados o que sugere que ela estava de posse de algum bem adquirido em
Pernambuco. Ou seja, o bem que possuía só dava a garantia das custas do processo.
31 PAIVA, José Pedro. Bruxaria e supertição num pais sem “caça as bruxas”: 1600-1774 . Lisboa, Notícias Editorial, 1997. p. 163. 32 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p 108v. 1723. 33 ANTT, livro 279, caderno 86. p. 238. 238v. 34 ANTT, livro 277, caderno 84. p. 149. 35 ANTT, livro 262, caderno 68. p. 210, 210 v, 211.
111
Já em seu primeiro processo ela teve seus bens confiscados, contudo acredita-se que
não tenha sido algo de muito valor, uma vez que confessa que fazia os sortilégio
pelo interesse de lhe darem alguma coisa 36 [e] por ser mui pobre.37
Essa realidade financeira da ré é confirmada por uma das suas denunciantes
chamada Maria de Deus;38 em seu depoimento afirma que a ré era cristã nova pouco
temente a Deus e mulher que [fazia] tudo por arte do diabo só por comer.39 Já no
segundo processo a ré declara que fazia os sortilégios por razão da notícia que
houve naquelas partes de ela ter saído nesta inquisição,40 ou seja, por ser procurada
pelos moradores que sabiam que ela havia sido degredada por prática de feitiçarias.
Diante de toda essa realidade financeira que não justificava a perseguição às bruxas,
feiticeiras e curandeiros em Portugal e no Brasil, partindo-se da premissa que esta se
deu por questões econômicas, questionou-se qual o sentido deste fato, uma vez que
não possuíam bens de valor que pudessem servir de garantias para o fisco. Segundo
alguns historiadores como Paiva 41 e Coates42 não só de confisco de bens a inquisição
e o Estado português sobreviveu, de acordo com seus estudos o degredo como pena
era de muito valor para Portugal.
36 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 54v. 1713. 37 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 56. 1713. 38 Moça solteira, órfã de pai e mãe, natural e moradora na cidade de Beja em casa de sua irmã, de idade de 38 anos, mais ou menos. ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 23v. 1713. 39 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 24. 1713. 40 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 142. 1723. 41 PAIVA. Op. Cit. 42 COATES. Op Cit.
112
Um país como este, que possuía poucos habitantes e um pequeno território, não
tinha condições de colonizar as possessões da América, da África e da Ásia sem
utilizar o artifício da ocupação através da força. Ou seja, a teoria de que a instituição
da inquisição na Península Ibérica tenha se dado por questões meramente
econômicas para o Estado não é de todo completa. Pode-se dizer, portanto, que com
a necessidade de se colonizar as terras de além- mar, essa mesma inquisição - criada
para confiscar bens de judeus conversos - passou também a degredar homens e
mulheres com o intuito de habitarem regiões pouco povoadas tanto em Portugal
quanto nas terras conquistadas.
Essa teoria se torna mais forte quando se percebe que a introdução das heresias da
prática de artes mágicas foi inserida no contexto das perseguições depois da
instituição da inquisição em Portugal. 43 Como já citado: foi gradativa a ampliação
de seus objetivos até abarcar diversos tipos de comportamento e crenças [...]
feitiçarias, bruxarias, sodomia, bigamia, blasfêmias.44
Dessa forma, compreende-se que os degredados serviram de mão-de-obra forçada
para os contingentes de “exércitos” que guardavam as colônias, além de uma
população masculina e feminina de hábitos portugueses (apesar de serem exilados)
43 Assunto já debatido no primeiro capítulo deste trabalho. 44 NOVINSKY, Anita.O tribunal da Inquisição em Portugal , São Paulo, Revista da Universidade de São Paulo, 1987. p. 92.
113
para povoarem, habitarem e se fixarem nas terras conquistadas, repassando assim os
valores europeus para essas localidades colonizadas e reproduzindo-se por essas
terras.
Em Recife, Antonia Maria fixou-se na vila de Santo Antonio morando em casas
alugadas em companhia, por algum tempo de Joana de Andrade,45 amiga da cidade
de Beja que também foi degredada por práticas de feitiçarias. Em Pernambuco,
declarou Antonia, logo se publicou o crime por que fora o dito degredo e
começaram a concorrer as casas dela re muitas pessoas, umas que lhes aplicasse
algum remédio aos ataques que padeciam outras que lhes adivinhassem algumas
coisas futuras46 e que por conta dessa publicação ela foi induzida a iniciar os
trabalhos porque fora degredada, pois essas pessoas passaram a ter má vontade a ela
re argüindo-lhe de que ela lhes não queria fazer as merinhas só porque eles
padecessem os males nem lhes queria dizer o que lhe perguntavam só por lhes não
fazer este bem.47 Em seu depoimento ela queixa-se que era uma mulher estrangeira
que foi para a dita cidade sem ter nela parentes alguns que lhe acudissem e
defendessem de tantos aleives quantos lhes levantavam os seus inimigos.48
45 Antonia Maria e Joana de Andrade brigaram por questões pouco esclarecidas no processo. Joana se casou com Joseph Pereira, cristão velho natural da vila, ela morreu de enfermidade não esclarecida; os denunciantes de Antonia Maria declararam que ela morrera por feitiços feitos por Antonia Maria. 46 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p.208v. 1723. 47 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067, p. 208v- 209. 1723. 48 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067, p. 208v. 1723.
114
Percebe-se ainda que em nenhum momento ela se reporta a algum páro co ou amigo
que tenha lhe assistido ou dado apoio, abrigo, emprego, amizade ou conforto
espiritual, como lhe era cabido pela sua condenação em Portugal que afirmava que
ela seria instruída nas causas da fé necessárias para salvação de sua alma e
[cumpriria] as mais penas e penitencias espirituais que lhe [fossem] impostas.49 Em
momento algum se percebe no processo que ela tenha tido aulas de catecismo ou um
acompanhamento por parte da Igreja ou das autoridades de Recife.
Em contra partida, percebe-se a influência que os padres confessores possuíam sobre
os denunciantes de Antonia Maria em Pernambuco. Alguns confessaram que só a
estavam denunciando por desencargo de sua consciência50 e principalmente por
orientação dos seus padres confessores. 51 Nenhum deles ad mite estar denunciando
por questões particulares ou por ódio e mau vontade,52 mas sim por serem obrigados
pelos confessores.
No primeiro processo, de Évora em 1713, os motivos que houve para que
denunciassem Antonia Maria não foi por orientação dos confessores, mas sim por
medo que Antonia Maria as denunciasse ao Santo Ofício, pois a delata (...)
49 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 96v. 1713. 50 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 119v, 121, 121v, 127v, 193v, 195, 195v, 196v, 197. 1723. 51 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 117v; 192v; 194; 195v; 197. 1723. 52 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 113v. 1723.
115
ameaçava (...) com a Santa Inquisição.53 Outro motivo que as fizeram denunciá- la
foi o receio que ela fizesse algum sortilégio contra elas. Caetana de Jesus 54 em seu
depoimento assume que Antonia Maria as ameaçou que já que ele [Antonio da
Silva] não pagava (...) elas lhe pagariam pois tinha arte para tudo.55
As denunciantes de Évora também se confessavam, mas em nenhum momento
admitem que seus confessores as orientaram para que denunciasse ao Santo Ofício o
ocorrido, diferente do procedimento dos confessores de Pernambuco. Estes
aconselharam os delatores para que procurassem o Tribunal Eclesiástico para
denunciá- la. João Pimentel56 afirma que na ocasião em que veio del atar da
sobredita Antonia Maria a fizer pelos confessores assim o mandarem.57 Assim como
Bárbara de Melo 58 que só denunciara Antonia Maria por ser obrigada de seus
confessores um dos quais era um religioso do Carmo 59 e ainda Maria Crisostoma 60
que declara ter denunciado Antonia Maria por assim o obrigar o dito comissário D.
Frei Bartolomeu do Pilar. 61
53 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 26v. 1713. 54 Moça donzela, órfã, 33 anos, moradora na cidade de Beja, depoimento em 22 de agosto de 1712. 55 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 26v. 1713. 56 Cristão velho, casado natural da Ilha de São Miguel e morador na Vila do Arrecife, de idade entre 40 e 43 anos. Depoimento dado em 21 de julho de 1718. 57 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 117v. 1723. 58 Casada com João Pimentel, natural da Ilha de São Miguel e moradora na vila do Recife, de idade de 50 anos. Depoimento dado em 28 de julho de 1718. 59 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 194. 1723. 60 Casada com Domingos Lobato de Almeida, de idade entre 23 e 24 anos. Depoimento dado em 01 de agosto de 1718. 61 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 197. 1723.
116
Dessa forma percebe-se a presença dos religiosos das mais variadas ordens no
acompanhamento da vida espiritual dos moradores do Recife na primeira metade do
século XVIII, mas não se observa esse mesmo acompanhamento com Antonia
Maria, degredada.
Em Pernambuco havia inúmeros funcionários do Santo Ofício, dentre eles, os
familiares62 que em geral eram leigos que, sem abdicar das suas actividades
profissionais, ajudava a Inquisição nas suas investigações, prisões e outras acções
pedidas nas instruções dos comissários ou directamente de Lisboa,63 além de
fiscalizarem a sociedade e denunciarem os hereges a Câmara da cidade, este era o
órgão encarregado de receber as denúncias e de as encaminhar ao Tribunal em
Lisboa, para de lá, caso necessário, se instituir uma diligência, ou seja, tomar o
depoimento dos denunciantes.
Estes depoimentos eram enviados para o Tribunal na Metrópole, onde eram
analisados e caso se comprovasse a necessidade, o(a) denunciado(a) seria preso(a) e
encaminhado(a) para Lisboa. Caso os inquisidores não aceitassem, as denúncias
seriam arquivadas e não se transformariam em processo.
62 Já nos referimos a essa categoria de funcionários do Santo Ofício no capítulo 1. 63 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1994. p. 332.
117
Dessa forma se deu com Antonia Maria. Ela foi denunciada a Câmara da Vila do
Recife e sua denúncia foi encaminhada pela Câmara para o Tribunal em Lisboa e de
lá se mandou fazer uma investigação e tomar o depoimento das testemunhas de
acusação.64 Esses depoimentos foram encaminhados novamente para Lisboa e de lá
se autorizou à prisão de Antonia Maria e o início do seu processo que culminou com
o seu julgamento e condenação.
Não podemos deixar de mencionar que Bárbara de Melo tentou denunciar Antonia
Maria ao ouvidor de Pernambuco e que este não aceitou suas acusações. Seu
confessor a aconselhou que [ela] fosse ter com o ouvidor para que a fizesse [Antonia
Maria] ir cumprir o seu degredo para onde ela tinha saído o que ela testemunha
ainda que sem efeito pediu (...) ao ouvidor que a fizesse cumprir o seu degredo.65
Algumas questões nos surgem com este fato. Porque o ouvidor se recusou a aceitar a
denúncia de Bárbara de Melo? Diante dessa recusa levantam-se algumas questões:
primeiro: prática de feitiçaria na província era uma constante e por esse fato o
ouvidor não deu importância às acusações de Bárbara de Melo; segundo: ele não se
sentiu responsável por receber denúncias desta natureza, sabido que o órgão
encarregado de as receber era a Câmara; e terceiro: o fato do romance de Antonia
com o marido de Bárbara já ter se tornado algo público, e portanto, o ouvidor não
64 Já relacionadas no início desde capítulo. 65 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 194. 1723.
118
levar em consideração as acusações contra Antonia Maria de práticas de feitiçarias,
acreditando se tratar de denúncias com propósito de vingança.
Pernambuco era uma terra onde se encontravam muitas denúncias de feitiçarias. Em
1671 a Câmara escreveu para Lisboa denunciando as inúmeras mortes de negros
escravos que assolavam o Estado por obra dos feiticeiros. O Príncipe respondeu em
6 de novembro de 1672 autorizando o governador Geral do Brasil Afonso Furtado
de Mendonça66 para que realizasse uma diligência pelo recôncavo desta cidade para
que se averigúem estes damnos tirando se para isso devassa e avendo culpados
ordenareis que sejão castigados como dispõem as leys e ordenações do Reyno.67
Além de autorizar a instituição da investigação para levantar os culpados, ele
autorizou o Governador para que ele se encarregasse de castigar os culpados, não
havendo a necessidade de os encaminhar a Lisboa para que se processasse os
encaminhamentos habituais.
Outras acusações de feitiçarias e artes mágicas denunciadas à Câmara em
Pernambuco e encaminhadas a Lisboa não se transformaram em processos. Dentre
eles estão os casos, já citados, das negras escravas Teresa e Lourença, e da parda
66 Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça, também conhecido como o Visconde de Barbacena, governou de 1671 a 1675. Colonial Governors from the fifteenth century to the present. The University of Wisconsin Press Madison, Milwaukee and London, 1970. 67 AHU, códice 276, folha 74 in DPH da UFPE.
119
Maria de Araújo, além da parda Páscoa Maria e do negro forro Domingos João,
citados no processo de Antonia Maria.
Esse fato nos faz perceber que boa parte dos condenados por práticas mágicas em
Pernambuco era branca, diferente dos negros e pardos citados nesse período. Parece-
nos que a feitiçaria era “permitida” aos negros e pardos e não aos brancos. Em
Pernambuco tanto homens quanto mulheres, negras ou pardas, escravos ou forros,
eram consultados e denunciados, mas essas denúncias não se transformavam em
processo, diferente do caso de Antonia Maria, que aqui também foi denunciada e
processada, ao contrário de Páscoa Maria e Domingos João, entre outros, que por
serem parda e negro, respectivamente, coincidentemente não tiveram suas denúncias
transformadas em processo.
Outro dado que nos aguçou a curiosidade quando da análise destes processos,
principalmente em Pernambuco, é que nenhum dos denunciantes de Antonia Maria
que a procuraram para que ela realizasse algum tipo de reza, adivinhação ou
simpatia recebeu punição por parte do Santo Ofício; ao contrário, eles foram tidos
como vítimas. De acordo com as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia68
havia punições para os que se consultassem com feiticeiros ou que participassem de
artes mágica,69 contudo apenas Antonia Maria recebeu as penalidades cabidas nesses
68 Já citada e discutida no capítulo 2. 69 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. p. 313, 314, 315, título IV, livro 5, cânone 894 a 898.
120
crimes, ao contrário dos que se consultaram com ela. Ou seja, as regras e leis
punitivas eram relevantes e postas em prática quando interessavam, assim aconteceu
com Antonia Maria, sua presença já não mais era de serventia para Pernambuco,
pois ela estava criando casos com moradores cristãos e seguidores da Igreja.
É relevante considerarmos que houve mistura dos ritos mágicos entre Antonia Maria
e Páscoa Maria. Em seu processo há denúncias de que ela teria se aperfeiçoado nas
artes mágicas com uma mulher parda de nome Páscoa Maria, também chamada de
Pascoazinha. Antonia Maria teria aprendido outras rezas e simpatias com o convívio
de Páscoa que era feiticeira conhecida na região.70
Essa denúncia se comprova quando comparamos as simpatias, rezas e sortilégios
realizados por Antonia Maria em Beja, no primeiro processo, com as do Recife, no
segundo processo. A variedade de simpatias e rezas realizadas por ela em Recife é
notória.
A análise do contexto político e econômico de Pernambuco na primeira me tade do
século XVIII nos faz reconstruir uma sociedade recifense com características
próprias e bem distintas. Nas terras duartinas havia uma grande permissividade com
os ritos não católicos. Isso se observa quando João Pimentel, Bárbara de Melo,
70 ANTT, maço 120, processo 1377, microfilme 14067. p. 119v. 1723.
121
Maria Crisostoma e Domingos de Almeida Lobato procuram um curandeiro para
realizar a quebra do “feitiço” de Antonia Maria. As rezas e chás desse curandeiro
fizeram mais efeito que o exorcismo do padre, feito em João Pimentel e sua esposa
Bárbara de Melo, além deles os inúmeros habitantes que procuraram Antonia para
os mais variados serviços.
Recife era uma terra de paragem para outras localidades, além de moradia para
estrangeiros. Não só Antonia, mais João Pimentel e Bárbara de Melo, além de
Francisco Rodrigues Chaves e sua esposa Maria Rodriguez de Aguiar, também eram
de fora. Somando a esses moradores, inúmeros comerciantes que circulavam
diariamente pela cidade trazendo consigo histórias e aventuras, além de mercadorias
e novos hábitos e costumes vividos em outras localidades. Toda essa circulação de
pessoas e culturas proporcionou à população, tanto leiga quanto eclesiástica,
coabitar com a presença de cristãos novos, judeus, feiticeiras e curandeiros, negros e
pardos livres e escravos, num misto de preconceito e respeito.
Após a leitura, transcrição e análise dos processos de Antonia Maria, além dos
documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e do Arquivo Histórico
Ultramarino, podemos observar que as práticas ritualísticas invocadas pelos
moradores, leigos ou clérigos, na Capitania de Pernambuco na primeira metade do
século XVIII, diziam respeito às necessidades primeiras desses moradores. Havia
uma precisão de respostas imediatas, o contrário do que a Igreja oferecia; as pessoas
122
que necessitavam desses “mágicos” eram freqüentadores das missas e dos rituais
católicos, comungavam e confessavam-se. Os rituais que tanto fascinavam, e
também amedrontavam a comunidade, dizia respeito a rezas, muitas aos santos
católicos, a simpatias e versos invocando deuses, do Céu e do inferno. O que tanto
fascinava era o espírito mágico e ritualístico que envolvia essas rezas, além do
anseio de se alcançar o desejado.
Essa realidade sócio-religiosa atingia os mais variados setores da sociedade.
Aspirante a padre necessitava saber com brevidade se seria ordenado; doentes
careciam de cura, sem se consultar com um médico letrado, o que nos faz crer que
os médicos eram de pouco número ou de pouca confiança. Maridos precisavam ser
acalmados pois as esposas necessitavam de fidelidade; comerciantes recorriam a
simpatias para poderem fazer bons negócios; ...
Essa era a realidade pernambucana no século XVIII. Uma capitania ao mesmo
tempo supersticiosa e devota. Onde os mais variados segmentos da sociedade se
refugiavam nos curandeiros, mágicos e feiticeiros para se assegurarem de seus
futuros, de seus negócios e de sua saúde. A eles era guardado todo o respeito, desde
que correspondessem as expectativas. A partir do momento em que punham em
risco os que se consultavam, todo o respeito a eles era substituído e passavam a ser
vistos como invasores de um espaço destinado aos seguidores e fieis católicos
cristãos.
123
Considerações FinaisConsiderações Finais
Iniciamos este trabalho dissertando sobre a Inquisição nos períodos
Medieval e Moderno e a diferenciação da implantação em um e outro
período. Ao contextual izarmos o período Moderno da perseguição nos
det ivemos nos países da Península Ibérica e as “razões” econômicas,
polít icas e religiosas que possuíram para estabelecê - la em seus
respectivos terri tórios, justamente num momento histórico de
descobertas no além- mar.
Percebemos que a inst i tuição da Inquisição, principalmente em
Portugal , deu- se por questões econômicas e não religiosas, como já nos
havia esclarecido Anita Novinsky; todavia, avaliamos que com o
passar dos anos também foram somados, aos crimes heréticos de
judaísmo, o de fei t içarias e ar tes mágicas.
A inserção desses crimes demonstra que houve uma al teração no que
era considerado práticas mágicas, visto que elas existiam antes da
124
inst i tuição da Inquisição mas que não eram observadas como perigosas
a ponto de porem em risco a unidade da Igreja Católica. Ou ainda por
elas não serem praticadas por membros da sociedade que possuíam
bens a serem confiscados.
Também nos detivemos a examinar os motivos da chegada desta
Inquisição em terr i tório brasi leiro, part icularmente à Capitania de
Pernambuco, e quais as razões que a fizer am ficar bandeira numa terra
considerada propícia para acolher refugiados de outros países e
condenados ao degredo em suas sociedades. A partir desse ponto
anal isamos a economia e a pol í t ica pernambucana.
Fez- se necessário avaliar o desenvolvimento da religião Católica
Apostólica Romana e dos clérigos que habitavam a Capitania, tendo em
vista as práticas eclesiásticas e também leigas da sociedade do final do
século XVII e início do século XVIII, principalmente no que diz
respei to ao cumprimento das le is que os regiam.
Esse corte temporal se fez necessário para podermos entender e avaliar
como se encontrava a Capitania às vésperas da chegada da condenada
ao degredo, por práticas de fei t içaria, Antonia Maria.
125
Finalizamos nosso trabalho descrevendo as “prát icas mágicas” e os
sort i légios efetuados por Antonia nos, aproximadamente, 6 anos em
que viveu em Recife. Também discorremos sobre sua cl ientela e os
pedidos ao qual a “fei t iceira” era sol ici tada a efetuar .
Ao findar a análise dos processos desta mulher, chegamos a algumas
conclusões. Primeiro: a punição a quem praticasse “artes mágicas” era
o degredo, e não mais a fogueira, como no período Medieval. Ou seja,
o degredo passou a servir como punição a partir do momento em que
era usado como forma de colonizaç ão das novas terras descobertas .
Segundo: o número de pardos e negros “feit iceiros” e “curandeiro” em
Pernambuco era bastante s ignif icat ivo. Associado a esse dado,
percebemos uma maior permissividade aos fei t iceiros descendentes de
negros e índios (e não aos brancos) sabido que a eles não incorria
nenhum t ipo de repressão por seus “atos mágicos”.
Terceiro: as mais diferentes e variadas camadas sociais se consultavam
com “curandeiros” e “fei t iceiros”. Desde prost i tutas ansiosas por um
casamento, passando por comerciantes desejosos que seus negócios
prosperassem, até mães preocupadas com os casamentos das f i lhas
126
solteiras e esposas querendo amansar seus maridos, até clérigos
desejosos de conhecer os futuros de suas carreiras rel igiosas.
Sendo assim, não faltavam cl ientes para proporcionar o sustento
necessário para uma mulher que habitava uma vila como Santo Antônio
no início do século XVIII. Mulher esta que não possuía nenhum
parente ou ajuda de amigos ou religiosos para se suster na terra ao qual
estava de gredada.
127
Documentos primários consultadosDocumentos primários consultados
1- Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) in Divisão de Pesquisa
Histórica(DPH)
Códice 257, folha 8v.
Códice 265, folhas 258v, 259, 259v.
Códice 276, folha 74.
2- Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)
Livro 262, caderno 68, folhas 210, 210v-211.
Livro 277, caderno 84, página 238-238v.
Livro 279, caderno 86, página 149.
Maço 120, documento 1377, microfilme 14067.
128
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140
Cena de tortura da polé
Execução da fogueira
Vista externa do cárcere
Vista interna do cárcere
141
Desenho de Goya: cena do garrote, uma das formas de execução dos condenados da Inquisição, usada para aqueles que “queriam morrer
como cristãos” antes de serem queimados.
142
Execução dos condenados pelo tribunal da Inquisição de Lisboa. Percebe -se a quantidade de pessoas assistindo a execução dos
condenados a morte.
AnexosAnexos
136
Este texto está impresso no processo de Antonia Maria, as partes
sublinhadas significam a escrita do escrivão e das testemunhas.
Abjuração em forma
Eu Antonia Maria perante vós senhores inquisidores, juro
nestes santos evangelhos em que tenho minhas mãos, que de
minha própria e livre vontade anathematizo e apartio de mim
toda espécie de heresia que for ou se levantar contra nossa
Santa Fé Católica e Sé Apostólica especialmente estas em que
cai, e que agora em minha sentença me foram lidas, as quais hei
por repetidas aqui, e declaradas. E juro de sempre ter e guardar
a Santa Fé Católica que tem e ensina Santa Madre Igreja de
Roma e que farei sempre muito obediente ao nosso mui Santo
Padre Papa Clemente Undécimo , nosso senhor presidente na
Igreja de Deus, e a seus sucessores e confesso que todos os que
contra esta Santa Fé Católica vierem são dignos de condenação
e juro de nunca com eles me ajuntar e de os perseguir e
descobrir as heresias que deles souber aos inquisidores ou
prelados da Santa Madre Igreja e juro e prometo quanto em
mim for de cumprir a penitência que me é ou for imposta e se
tornar a cair nestes erros ou em outra qualquer espécie de
heresia quero e me praz que seja havido por relapso e castigado
137
conforme o direito, e se em alg um tempo constar o contrário do
que tenho confessado ante vossas mercês por meu juramento a
severidade e correição dos sagrados cânones. E requeiro aos
notários do Santo Ofício que disto passem instrumentos e aos que
estão presentes sejam testemunhas e ass inem aqui comigo e de
consentimento da re por dizer não sabia escrever assinei por ela
e mais testemunha abaixo assinados Fabiam Bernardês o sob-
escrevi.
João Souza de Carvalho
Fabiam Bernardes
138
Este texto está impresso no processo de Antonia Maria, as par tes
sublinhadas significam a escrita do escrivão e das testemunhas e as partes
não preenchidas representam que não foram completadas pelo escrivão.
Termo de Segredo
Aos ___ dias do mês de outubro de mil setecentos e vinte e
três anos em Lisboa nos estaos e casa do despacho da Santa
Inquisição estando ali em audiência da manhã os senhores
inquisidores mandaram vir perante si do cárcere da penitencia
a Antonia Maria re presa contenda neste processo e sendo
presente lhe foi dado o juramento dos santos evangelhos em que
pôs a mão sob-cargo dele lhe foi mandado que tenha muito
segredo em tudo o que viu e ouviu nestes cárceres e com ela se
passou a cerca de seu processo e nem por palavras nem escrito
se descubra, nem por outra qualquer via que seja sob pena de
ser gravemente castigada o que tudo ela prometeu cumprir e
sob -cargo do dito juramento de que se fez este termo de
mandado dos ditos senhores que assinei pela ré de seu
consentimento. Manoel de Figueiredo.
139
Este texto foi escrito de próprio punho do escrivão. As partes não
preenchidas representam que o escrivão não as completou.
Termo de ida e penitência
Aos ____ dias do mês de outubro de mil setecentos e vinte e
três anos. Em Lisboa nos estaos e casa de despacho da Santa
Inquisição estando ai em audiência de ________ os senhores
inquisidores mandaram vir perante si a Antonia Maria re
contenda nestes autos por constar estava instruída e confessada.
E sendo presente lhe foi dito que ela não torne a cometer as
culpas por que foi presa e processada neste Sa nto oficio nem
outras semelhantes porque será castigada com todo o rigor de
pública e que trate em sua vida e exemplo de dar mostra e boa
fé católica cristã e cumpra o degredo em que foi condenada e o
mais que se contém em uma carta que lhe será dada o que
prometeu fazer sob cargo do juramento dos Santos Evangelhos
de que fiz este termo e assinei pela re de seu consentimento.
Rogo João Cardoso o escrevi.
140
Mapa de Portugal
Fonte: Joel Serrão e António Henrique de Oliveira Marques in Timothy J. Coates. p. 291.
Miranda
Lisboa
Évora
Castro Marim
Beja
141
Todas as imagens que se seguem foram retiradas do livro História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália. Séculos XV- XIX. Do autor Francisco Bethencourt .
Cena de tortura da polé.
142
Cenas de Tortura: a primeira se refere a do Potro ao qual Antonia Maria foi submetida.
144
Representação de um auto de fé. No primeiro plano vê -se os condenados em cima de mulas, sendo conduzidos pelas autoridades civis e acompanhados por religiosos para o local de execução. Em
cima do palco, a cena central corresponde ao rito de degradação de um clérigo pelo bispo da respectiva diocese. À esquerda, a escadaria
dos funcionários do tribunal e dos convidados, diante da qual, em cima de um púlpito, um clérigo lê a sentença de um condenado, que
está sentado com uma vela na mão. Os sentenciados estão do lado direito do palco, enquanto ao fundo se vê um altar com a cruz,
rodeado de dois baldaquinos, sob os quais se encontram os inquisidores e a família real.
145
Hábitos penitenciais dos sentenciados chamados de “sambenitos”. Eram feitos de linho cru pitado de amarelo. No caso dos reconciliados era pintada uma cruz de Santo André (gravura do meio); no caso dos
condenados que tinham se salvado nos últimos dias com uma confissão, eram pintadas chamas viradas para baixo (gravura da esquerda); no caso dos relaxados, tinham o retrato pintado entre
chamas e grifos, com o nome e as “culpas” inscritas embaixo (gravura da direita). Os reconciliados eram obrigado s a usar o sambenito
durante um certo período.
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