Um Chefe à Moda Antiga

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Um chefe à moda antiga São Paulo - O suíço-americano Bob Lutz, de 82 anos, vice-presidente global da General Motors de 2001 a 2010, transitou pela cúpula de Ford, Chrysler e BMW em mais de 50 anos de carreira. Teve como chefes presidentes icônicos da indústria automotiva, como Lee Iacocca, que salvou a Chrysler da falência nos anos 80, e Rick Wagoner, que levou a GM à derrocada em 2009. Independente, no livro Meus Tiranos Favoritos (Saraiva, 34,90 reais), recém-lançado no Brasil, ele analisa o estilo desses líderes e crava: falta encontrar um meio-termo entre o chefe durão do passado e o bonzinho do presente. VOCÊ S/A - O senhor chama seus ex-chefes de “tiranos favoritos”. É um jeito de associar um comportamento autoritário a um sentimento de admiração? Bob Lutz - Tive chefes tirânicos e outros que não eram tirânicos o suficiente. Alguns eram muito inteligentes, mas não se mostraram líderes tão bons. E outros eram menos sábios, porém excelentes gestores. A habilidade para a liderança não está diretamente relacionada ao intelecto. Mais do que inteligente, o bom gestor deve ser focado em resultados, sem tolerância à preguiça. VOCÊ S/A - O que as pessoas deveriam observar na hora de escolher uma empresa para trabalhar? Bob Lutz - Uma boa empresa é liderada com o equilíbrio correto. Por exemplo, uma agência de publicidade tem uma cultura muito mais descontraída do que uma indústria de manufatura, porque demanda um ambiente criativo. Nas linhas de montagem, é preciso respeitar os prazos e ter produtos impecáveis e preços competitivos. Nesses lugares, rigor se torna fundamental. Se a companhia está cheia de pessoas felizes, mas não vai bem financeiramente, eu não a escolheria. Isso não é sustentável. Prefiro sempre uma entidade bem-sucedida, em que seja preciso trabalhar duro e fazer as coisas certas. VOCÊ S/A - Empresas como Google, Apple e Facebook, de estilo participativo e liberal, estão no caminho errado?

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Um chefe à moda antiga

São Paulo - O suíço-americano Bob Lutz, de 82 anos, vice-presidente global da General Motors de 2001 a 2010, transitou pela cúpula de Ford, Chrysler e BMW em mais de 50 anos de carreira.

Teve como chefes presidentes icônicos da indústria automotiva, como Lee Iacocca, que salvou a Chrysler da falência nos anos 80, e Rick Wagoner, que levou a GM à derrocada em 2009. Independente, no livro Meus Tiranos Favoritos (Saraiva, 34,90 reais), recém-lançado no Brasil, ele analisa o estilo desses líderes e crava: falta encontrar um meio-termo entre o chefe durão do passado e o bonzinho do presente.

VOCÊ S/A - O senhor chama seus ex-chefes de “tiranos favoritos”. É um jeito de associar um comportamento autoritário a um sentimento de admiração?

Bob Lutz - Tive chefes tirânicos e outros que não eram tirânicos o suficiente. Alguns eram muito inteligentes, mas não se mostraram líderes tão bons. E outros eram menos sábios, porém excelentes gestores. A habilidade para a liderança não está diretamente relacionada ao intelecto. Mais do que inteligente, o bom gestor deve ser focado em resultados, sem tolerância à preguiça.

VOCÊ S/A - O que as pessoas deveriam observar na hora de escolher uma empresa para trabalhar?

Bob Lutz - Uma boa empresa é liderada com o equilíbrio correto. Por exemplo, uma agência de publicidade tem uma cultura muito mais descontraída do que uma indústria de manufatura, porque demanda um ambiente criativo. Nas linhas de montagem, é preciso respeitar os prazos e ter produtos impecáveis e preços competitivos. Nesses lugares, rigor se torna fundamental.

Se a companhia está cheia de pessoas felizes, mas não vai bem financeiramente, eu não a escolheria. Isso não é sustentável. Prefiro sempre uma entidade bem-sucedida, em que seja preciso trabalhar duro e fazer as coisas certas.

VOCÊ S/A - Empresas como Google, Apple e Facebook, de estilo participativo e liberal, estão no caminho errado?

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Bob Lutz - Empresas de software são ambientes altamente criativos, tocados por especialistas e intelectuais. Se houver disciplina suficiente para aplicar as boas ideias na criação de um produto, esse estilo mais informal pode funcionar. Os custos de produção de tecnologia são relativamente baixos, com preços de venda extremamente altos.

Quando você nada em dinheiro assim, é fácil dar almoços de graça, ter um café aberto 24 horas por dia e permitir que as pessoas desperdicem tempo sem fazer nada em uma sala de estar com móveis confortáveis. O erro é achar que ser permissivo significa ser bem-sucedido. Deve ocorrer o oposto. Só uma empresa bem-sucedida pode se permitir fazer concessões.

VOCÊ S/A - O estilo de liderança varia entre as gerações?

Bob Lutz - As pessoas que fizeram carreira nos anos 50, 60 e 70 foram criadas com um estilo de comando bem tradicional, de cima para baixo. Felizmente, muito já mudou. E, na era do politicamente correto, que prega a quebra da hierarquia do pensamento, surge o chefe legal, compreensivo e delicado — o que é bom, se não for exagerado.

Autoridades que evitam tomar decisões para não impor suas vontades são incompetentes, pois é responsabilidade delas decidir no momento certo e, assim, manter o crescimento da organização.

VOCÊ S/A - Mulheres e homens lideram de maneiras diferentes?

Bob Lutz - Sem dúvida. Culturalmente, há uma expectativa de que os homens sejam mais durões do que as mulheres. Percebo que eles têm demonstrado insegurança quando precisam ser assertivos ou mostrar controle. Estão se esforçando para ser pessoas bacanas. Vejo que as mulheres de hoje têm menos dificuldade de ser duronas, porque não têm os mesmos complexos.

VOCÊ S/A - Qual seria a receita de liderança equilibrada?

Bob Lutz - Se no passado fomos durões demais, eu acho que agora somos moles demais. Essa é uma tendência geral no mercado corporativo americano. O caminho é desenvolver líderes fortes, que consigam ser populares, ouvir as equipes e, ao mesmo tempo, aplicar disciplina. Em companhias onde as pessoas são muito legais umas com as outras, em geral, não se realiza nada.

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VOCÊ S/A - O exercício da liderança não estaria mais relacionado à habilidade de inspirar pessoas?

Bob Lutz - A capacidade de inspirar, que vem com a habilidade de se comunicar verbalmente, é uma parte extremamente importante da chefia, mas não é garantia de qualidade. Frequentemente, essas figuras muito carismáticas causam prejuízo. O presidente americano Barack Obama, em minha opinião, é um exímio orador, mas não faz as coisas acontecer.

Tiranos muito entusiasmados correm o risco de levar as pessoas para a direção errada. Deve haver certa assertividade e dureza por parte do líder, mesmo comprometendo a simpatia. O que não significa intimidar os funcionários. Assim como um bom pai, um chefe deve punir as pessoas quando se comportam mal, podendo até demiti-las.

http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/197/noticias/um-chefe-a-moda-antiga