Um Corpo Que Doi

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ARTIGOS ano VI, n. 1, maio/2006 21 A clínica dos fenômenos psicossomáticos, no contexto das (re)orientações do poder terapêutico na atualidade, questiona a hegemonia do olhar biomédico característica dos recortes que incidem sobre o corpo. Abordaremos, neste ensaio, aspectos do mal-estar na atualidade a partir da psicopatologia somática e suas interrogações aos saberes e práticas da clínica do psicológico na perspectiva da psicanálise. Para tanto, iniciamos com uma breve reflexão acerca do corpo na perspectiva da psicanálise e da importância das relações primordiais para a constituição do equilíbrio psicossomático. Ressaltamos, nesse sentido, autores que trouxeram contribuições ao campo das psicopatologias somáticas. Em um segundo momento, é abordado o sofrimento psíquico em pessoas com neoplasia, considerando que o processo de adoecimento é historicamente construído, isto é, os modos de padecimento encontram-se circunscritos a saberes e práticas sócio-culturais, a modalidades de experiência do corpo, da dor, do prazer e até mesmo da cura. As implicações do mal- estar na atualidade trazem à tona as resistências dos saberes e práticas psicológicas a atribuir fundamental importância ao corpo na construção das subjetividades, especialmente quando são pelas corporeidades sofrentes nos campos dos fenômenos psicossomáticos, dos estados-limite, das depressões e da hipocondria que os sujeitos se apresentam à cena analítica. O repensar dos lugares do corpo no nosso momento civilizatório é importante para que as atuais versões do sofrer que acolhemos em análise possam ser contextualizadas na cena social. Ressaltamos que abordamos o câncer a partir da interface da medicina e psicanálise, privilegiando as psicopatologias orgânicas como referencial teórico-clínico. Palavras-chave: Psicanálise, psicopatologia, corpo, psicossomática, câncer Leônia Cavalcante Teixeira Latin-American Journal of Fundamental Psychopathology on Line, VI, 1, 21-42 Um corpo que dói: considerações sobre a clínica psicanalítica dos fenômenos psicossomáticos

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    A clnica dos fenmenos psicossomticos, no contexto das(re)orientaes do poder teraputico na atualidade, questiona ahegemonia do olhar biomdico caracterstica dos recortes que incidemsobre o corpo. Abordaremos, neste ensaio, aspectos do mal-estar naatualidade a partir da psicopatologia somtica e suas interrogaesaos saberes e prticas da clnica do psicolgico na perspectiva dapsicanlise. Para tanto, iniciamos com uma breve reflexo acerca docorpo na perspectiva da psicanlise e da importncia das relaesprimordiais para a constituio do equilbrio psicossomtico.Ressaltamos, nesse sentido, autores que trouxeram contribuies aocampo das psicopatologias somticas. Em um segundo momento, abordado o sofrimento psquico em pessoas com neoplasia,considerando que o processo de adoecimento historicamenteconstrudo, isto , os modos de padecimento encontram-se circunscritosa saberes e prticas scio-culturais, a modalidades de experincia docorpo, da dor, do prazer e at mesmo da cura. As implicaes do mal-estar na atualidade trazem tona as resistncias dos saberes eprticas psicolgicas a atribuir fundamental importncia ao corpo naconstruo das subjetividades, especialmente quando so pelascorporeidades sofrentes nos campos dos fenmenos psicossomticos,dos estados-limite, das depresses e da hipocondria que os sujeitos seapresentam cena analtica. O repensar dos lugares do corpo no nossomomento civilizatrio importante para que as atuais verses do sofrerque acolhemos em anlise possam ser contextualizadas na cena social.Ressaltamos que abordamos o cncer a partir da interface da medicinae psicanlise, privilegiando as psicopatologias orgnicas comoreferencial terico-clnico.Palavras-chave: Psicanlise, psicopatologia, corpo, psicossomtica,

    cncer

    Lenia Cavalcante Teixeira

    Latin-American Journal of Fundamental Psychopathology on Line, VI, 1, 21-42

    Um corpo que di: consideraessobre a clnica psicanaltica

    dos fenmenos psicossomticos

  • L A T I N - A M E R I C A NJ O U R N A L O FF U N D A M E N T A LP S Y C H O P A T H O L O G YO N L I N Eano VI, n. 1, maio/ 2 0 06

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    Os fenmenos psicossomticos constituem uma expressosignificativa da clnica psicolgica na atualidade. A clnica mostra as atuaisfacetas dos modos de subjetivao postos em cena pela psicopatologiasomtica, evidenciando como o imaginrio da poca colore o panoramasintomtico dos sofrimentos subjetivos. Ressaltamos que os destinos daemergncia do corpo na clnica psicolgica situam-no como veculo eplataforma do sofrimento, deixando-se falar atravs das queixas somticase da ausncia de implicao do sofrente na histria do corpo doente.

    A partir do ttulo um corpo que di desabafo que toma corpo noprocesso de anlise de uma mulher mastectomizada e com metstase ,intencionamos discutir sobre o cncer luz da psicanlise, considerandoo lugar do corpo para a psicanlise e a anatomia fantasstica balizadora daexperincia de dor, a indiferenciao entre dores psquica e fsica, aprecocidade da experincia traumtica e as possibilidades de seureaparecimento, transfigurada em uma neoplasia.

    Lugares clnicos e tericos do corpo que padece

    Considerando que as somatizaes constituem uma das queixas maisfreqentes nas consultas psiquitricas e psicolgicas, a investigao sobreo tema ocupa lugar de destaque na agenda dos pesquisadores na rea dasade, sendo importante enfatizar que existem quadros de somatizaesque no se acomodam s categorizaes psiquitricas, interrogando suasexplicaes nosogrficas, bem como as conseqncias em termos dediagnstico e prognstico. Volich (2002, p. 219) enfatiza o lugar daexperincia hipocondraca na relao com o outro:

    ... moldando as representaes do corpo, oferecendo imagens para a suaexistncia, transgredindo a ordem da fisiologia e da anatomia,subvertendo o funcionamento dos rgos e sistemas vitais, a histeria, os

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    fenmenos psicossomticos e a hipocondria sempre ofereceram ao sujeito, desdeo incio de sua existncia, recursos para lanar ao outro o apelo para o alvio deseu sofrimento, muitas vezes indizvel.

    No fenmeno psicossomtico, o corpo afetado em sua realidade orgnicae funcional, sendo tal manifestao capturadas por exames clnicos, laboratoriaise imagticos. H uma leso, por exemplo, quando o caso cncer. , portanto,preciso distinguir que nem todas somatizaes so da mesma ordem, j que assomatizaes histricas no afetam o real do corpo, embora possam paralis-lo,ceg-lo, anestesi-lo...

    Os episdios psicossomticos, muitas vezes, so tratados por especialidadesmdicas que terminam por no apreender as mltiplas determinaes e seuscomplexos sentidos, j que partem do olhar biomdico centrado na noo deorganismo e de patologia. O monoplio exigido por alguns setores da medicinaem relao ao encaminhamento teraputico de pacientes portadores desomatizaes tambm pode ocorrer quando tais pacientes so primeiramenteatendidos em centros de tratamento psicolgico e tm suas somatizaes tratadascomo manifestaes histricas. Como podemos ver, a abordagem dos fenmenospsicossomticos complexa e no comporta vises unilaterais, j que,especialmente, a gravidade de certos casos exige olhares plurais sobre osofrimento e as possibilidades de encaminhamento teraputico.

    Por acometerem os sujeitos em sua economia psquica, as manifestaespsicossomticas demandam alternativas de apreenso terica que no se limitem leitura do corpo como organismo. O quadro clnico de tais afeces apresenta-se de modo complexo, no se conformando facilmente s explicaes etiolgicasreducionistas e, conseqentemente, tampouco aos esquemas de tratamento nelasbaseados. Apesar da importncia do contato dos profissionais do campo mdicoe de reas afins com construes de sentido que incluem o subjetivo no fenmenodo adoecer, optamos por privilegiar as leituras das psicopatologias orgnicas apartir de campos de investigao terico-clnicos da psicanlise. Ressaltamos queos campos da Medicina Psicossomtica e da Psicologia Mdica (Mello Filho,1988; 1992) constituem espaos importantes nas abordagens das patologias, jque enfatizam os aspectos psicolgicos, ou emocionais, na etiologia, curso eprognstico. Entretanto, observamos que a viso preponderante a de que asrelaes entre o estado psicolgico e o soma se estabelecem linearmente. As idiasde psicogenicidade e de somatognese (ibid.), que correspondem ao estudo dagnese dos sintomas ou das patologias a partir de causas psicolgicas, no possui,a nosso ver, o lugar de importncia conceitual que tinha nas primeiras dcadasdo sculo XX com a Medicina Psicossomtica. Pensar no adoecer orgnico noconversivo, a partir da psicanlise, implica considerar a unidade psiqu-soma psicossoma , bem como a etiologia multifatorial das patologias.

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    com a clnica da histeria e da hipocondria que a representao subjetivado corpo considerada, em contrapartida viso hegemnica do organismo. Ocorpo em Freud (1895, 1905, 1914) corresponde quele que ele soube escutarpara alm dos rudos neuro-antomo-fisiolgicos, tornando-se, portanto, seu autore de seus destinos, bem como das possibilidades de acolhida de seu sofrimentoem termos teraputicos. A experincia do corpo como enigma foi escutada porFreud, que, com a perspiccia desenvolvida pelos ensinamentos da clnica, soubeno se contentar com a simples equivalncia do corpo ao organismo, desenhandouma cartografia na superfcie, densidade e volume corpreos que surpreenderia lgica histrica de construo sintomtica, acolhendo-a e decifrando-a. Histeriae hipocondria ressaltam a anatomia imaginria fundante de um de um estatuto decorpo distinto da leitura mdica e biolgica da anatomo-patologia.

    Acolhendo os rudos do corpo, Freud (1914[1915], p. 99) ressalta aorganizao hipocondraca como a retirada do interesse da libido do mundoexterno e dos objetos de amor, concentrando-a no rgo que lhe prende ateno.Histeria e hipocondria aproximaram a psicanlise do fenmeno psicossomtico,defrontando-a com desafios que no eram facilmente convocados palavra, expresso da vida onrica e fantasmtica, elaborao dos trabalhos de luto;enfim, montagem de uma histria nos moldes de um romance familiar.

    Freud (1895), ao abrir as portas da investigao clnica ao corpo doente,interroga as convices dualistas soma-psique, ao afirmar que os sintomaspsquicos exercem funo na economia subjetiva manifestando-se no substratocorporal. Alis, ele fez mais que isso, instituindo o conceito de pulso entre osomtico e o psquico, como operador da organizao e dinmica subjetivas.

    O fenmeno psicossomtico marcado por uma sintomatologia somticano conversiva expe modos de expresso do sofrimento psquico no corpo-organismo, por alteraes funcionais ou lesionais. O fundador da psicanlise,desde cedo, assumiu as dificuldades em tratar doenas orgnicas, admirandoFerenczi quando esse se atirava nas guas turvas do adoecer somtico desafiadordas elaboraes sobre as converses e a hipocondria. Ferenczi (1993, p. 381)escreve que foi necessrio esperar o advento do mtodo psicanaltico introduzidopor Freud para se poder explicar at uma profundidade antes insuspeitada a vidapulsional onde o corpo e o psiquismo no param de influenciar-se mutuamente.

    Embora Freud (1896, 1998) tenha comeado a lidar com o adoecimentosomtico no conversivo a partir do campo das neuroses atuais, a clnica escutade pacientes somatizadores vem assinalando o lugar dos momentos iniciais daconstituio do psiquismo nos destinos da organizao libidinal. As experinciasprecoces delineiam modos de funcionamento somtico a partir da constituio daimagem corporal. A clnica das adies, somatizaes, psicoses e estadoslimtrofes nos solicita a acentuar o lugar fundamental da relao materno-filial na

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    constituio subjetiva, possibilitando um espao de elaborao psicossomtico dobeb. Klein (1991; 1996), Winnicott (1983; 2001), Dolto (1984) e Lacan (1966)iluminam, na cena terica psicanaltica, o valor crucial das experincias precocesna estruturao da organizao pulsional, das defesas e das formaes doinconsciente.

    Com Klein (1991; 1996), as noes de supereu arcaico, conflitos edipianose das posies esquizo-paranide e depressiva acentuam o carter de precocidadedo psiquismo, enquanto que Winnicott (1983; 2001) j o ressalta pelas funesmaternas de holding, handling e apresentao de objetos. Com Lacan (1966) eDolto (1966), as respectivas proposies da constituio do eu a partir da metforaespecular na qual o corpo despedaado do beb unificado por antecipao comoefeito do olhar materno e das castraes simbolignicas necessrias s mudanasda relao com o outro e do trajeto pulsional no circuito corporal.

    Salientando a importncia de tais contribuies, enfatizamos a imageminconsciente do corpo como marco da incarnao do sujeito de desejo, seconstruindo por vnculos afetivos, ou seja, investimentos libidinais que se fazemna alteridade. Como lugar do desejo e dos conflitos pulsionais, a imageminconsciente do corpo e sua constituio precoce constituem conceito relavantena clnica das afeces ditas psicossomticas, j que, como explicita Nasio (1995,p. 225), tal imagem visa a dar conta da atividade psquica precoce do lactente,das figuraes corpreo-psquicas do sujeito em relao.

    Retomando autores contemporneos a Freud, destacamos a relevncia dascontribuies de Ferenczi (1992; 1993; 2002) e de Groddeck (1992; 1994; 2004)que muito expandiram a investigao psicanaltica do adoecimento somtico noconversivo. Ferenczi (1992a; 2002) props os conceitos apreendidos na suaexperincia clnica com as neuroses atuais de patoneurose e neurose de rgo,ressaltando o carter narcsico do adoecer, marcante nos rumos do tratamentoe da cura. O autor, no texto As patoneuroses (1992, p. 294) conceitua apatoneurose ou neurose de doena da seguinte forma: parece que, em numerososcasos, a libido retirada do mundo externo no investida no ego como um todomas, essencialmente, no rgo doente ou ferido, e provoca ao nvel do pontodoente ou ferido sintomas que devemos atribuir a um recrudescimento local dalibido. Ao postular o papel fundamental da dinmica do auto-erotismo e donarcisismo, Ferenczi (2002, p. 377) forja, em 1926, o conceito de neurose dergo, visando a desenvolver a classificao freudiana de neuroses atuais e depsiconeuroses, a partir de sua prtica hospitalar e de consultrio. Ele escreve:numerosas doenas correntes tm origem psquica mas manifestam-se por umadisfuno real de um ou de vrios rgos. D-se-lhes o nome de neurose dergo.Visto que comportam simultaneamente distrbios subjetivos e objetivos, foinecessrio distingui-las da histeria, mas difcil definir a fronteira que as separa

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    desta ltima ou de inmeras enfermidades orgnicas (2002, p. 377). Ferenczidesenvolve, no texto As neuroses de rgo e seu tratamento, casos deneurastenia a neurose de rgo mais conhecida, segundo o autor (2002,p. 377) , neurose de angstia e neuroses monossintomticas (asma nervosa,neuroses de estmago, distrbio intestinal grosso, neuroses cardacas,enxaqueca), ressaltando que o curso de toda enfermidade orgnica , alis,afetado favorvel ou desfavoravelmente por influncias psquicas (ibid., p. 381).

    Com Groddeck (1926, p. 21), a tese de que toda doena orgnica igualmente psquica, bem como o inverso, ganha relevncia: a doena correspondea uma soluo, apesar de problemtica, para os conflitos inconscientes. Freudenfatizou uma descrena na aplicabilidade da terapia psicanaltica a todos os casos,apresentando algumas de suas limitaes. Dentre elas, ele destacava que pessoasque recebem assistncia mdica em hospitais (1895[1894], p. 310) poderiam sebeneficiar de ajuda por mtodos suplementares, o que nos leva a pensar que elese referia aos pacientes que sofriam de doenas somticas de etiologia orgnica.Ele sublinha que seu mtodo vinha se mostrando eficaz no tratamento de casosseveros de histeria e neurose obsessiva.

    Pensar no tratamento de pacientes marcados pelo adoecimento somticocorresponde a dar clnica sua magnitude, isto , poder pensar no sofrimentofora dos esquemas de simbolizao, no qual o corpo pulsa em dor, uma dorindizvel e refratria s intervenes que visam s formaes do inconsciente.

    A psicopatologia somtica constitui um campo de desafios clnica,constituindo-se pela no implicao do sujeito em seu sofrer, sendo este figuradopelos destinos de um corpo lesionado e dolorido, assim como pelas prescriesmdicas. A construo de discursos pelo sujeito sobre sua dor de existir mostra-se suprimida, padecendo o corpo em sua concretude. nesse sentido que ofenmeno psicossomtico interroga o fazer clnico, j que constitui rduo desafiotornar legvel o sujeito-corpo-doena no jogo simblico que no se reduz aoexerccio funcional do biolgico.

    Clnica psicossomtica psicanaltica: escuta da dor do cncer...

    Os significados do cncer e dos aspectos comportamentais,desenvolvimentais e interacionais nele envolvidos despertam a ateno das clnicasmdica, psicolgica e psicanaltica. Pesquisas sobre as caractersticas do pacientecom cancer, da personalidade e da famlia com cncer iluminam fenmenosobservveis importantes: proteo excessiva da me, hipersensibilidade afetiva,conflito familiar, pouca agressividade, mudanas fugazes de vnculo, dentre outras.

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    Ao considerar esses estudos, sublinho que, apesar de serem significantes naconstituio de um campo terico-clnico til na elaborao de estratgias depreveno e tratamento, opto por caminhar em outra direo. Ou seja, a escutapsicanaltica coloca questes diferenciadas que ensaiamos responder atravs daspossibilidades tericas abertas por Freud (1895, 1900, 1914, 1915, 1920, 1923)ao problematizar a constituio do psiquismo, a organizao pulsional, onarcisismo e o romance familiar. A considerao das possibilidades e implicaesdos percursos dos membros da famlia enriquecido quando as alternativasconstrudas no campo do singular so inseridas na lgica dos laos parental,fraterno, conjugal e coletivo.

    O soma adoecido mostra-se, transferencialmente nas sesses de anlise,pelas queixas, lamentaes e narrativas dos priplos mdicos percorridos peloenfermo (Teixeira, 2002a, 2002b). As relaes com o diagnstico, com asteraputicas medicamentosas e cirrgicas, dietas, e com o prognstico constituemtemas constantes no contar dos pacientes com cncer. Os relatos,monotonamente detalhados, de sesses de radioterapia e quimioterapia preenchemo tempo e o espao das sesses. a histria da patologia que se delineia, comtodos os priplos e desvios pelas clnicas, hospitais, aparelhos, receitas emedicamentos.

    As elaboraes freudianas do narcisismo assumem lugar fundamental quandolidamos com processos de dor e mal-estar orgnicos, j que o homem enfermoretira suas catexias libidinais de volta para seu prprio ego, e as pe para foranovamente quando se recupera (Freud, 1914[1915], p. 98).

    As queixas orgnicas recorrem cincia para seu entendimento, pormapontam para o que resta, o que escapa da apreenso do corpo como carne,abrindo espaos a novos e inusitados entendimentos.

    Essas questes ressaltam olhares diversos que podem guiar osprocedimentos teraputicos frente aos desafios endereados pelos portadores dedoenas orgnicas. As doenas reconhecidas como psicossomticas pela Medicinadenunciam as limitaes e impotncias dos referenciais mdicos e psicolgicos,quando focalizados isoladamente no processo de tratamento daqueles que padecemno real do corpo. Os processos de desencadeamento, evoluo, agravamento edesenlace das manifestaes psicossomticas interrogam os aspectos psicolgicosnelas envolvidos. A influncia das condies da dinmica familiar comopotencializadoras das causas alerggenas j era destacada como fator importantena abordagem das somatizaes graves. Mello Filho (1988; 1992) lembra que osprocessos de identificao, luto e angstia, por exemplo, quando contextualizadosna histria do paciente, possibilitam construir um quadro complexo dasmanifestaes psicossomticas, seus agenciadores e suas repercusses.

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    O sofrimento, por mais dependente de uma neoplasia, pe o sujeito face simpotncias, limites e decadncia corporais expondo-o perspectiva da morte eprecipitando defesas e estratgias de enfrentamento que excedem a dimenso doorganismo. A doena, as prescries e os medicamentos adquirem sentido nadinmica subjetiva, no dizendo respeito apenas enfermidade como objeto deinvestigao biomdica (Teixeira, 2002b).

    Assim, os campos de investigao e interveno no sofrimento orgnicoconstituem espaos frteis, porque prprios participao dos analistas. O enfoqueda psicanlise destina um olhar privilegiado s condies subjetivas singulares,familiares e sociais como aspectos importantes na organizao psquica e noprocesso do adoecer, incluindo a experincia de estar doente e no-doente, aescolha da patologia e do rgo acometido e os modos de relaes do doente comsua enfermidade e sofrimento. Enfim, as formas de morar e trabalhar, de sofrere desejar, de adoecer e cuidar e de viver e morrer (Brant, 2001, p. 228).

    Nesse sentido, vale ressaltar que as contribuies da psicanlise no selimitam ao campo de interveno somente com o doente, mas tambm se estenderao mbito da epidemiologia, com a mudana do eixo das categorias indivduo epopulaes humanas especficas para o de sujeito. No artigo O indivduo, osujeito e a epidemiologia, Brant (2001) desenvolve rica argumentao em favorda incluso da subjetividade na considerao do modelo metodolgico e aampliao de seu objetivo para alm de instrumento estatstico coadjuvante dasade pblica e da prtica clnica (ibid., p. 221). Tal argumentao mostra-seinteressante em relao ao cncer, j que ele nos confronta s questes da morte,da sexualidade, da castrao e do trauma, consistindo o diagnstico um momentoque coloca em xeque a organizao subjetiva, processo ressaltado pelo estigmado cncer como uma doena fatal (Quintana, 1999, p. 107). Essacorrespondncia linear entre cncer e morte cai sobre o sujeito, deixando-o emuma situao de desamparo, de sentimentos de solido e de falta de afeio quese assemelha situao de trauma psquico descrita por Freud (1937). Brant(2001) nos alerta sobre as implicaes da investigao epidemiolgica que noconsidera tais aspectos , mas somente dados estatsticos, contribuindo paraleituras determinsticas do processo sade-doena, bem como em relao consolidao de um perfil da doena ao qual o sujeito doente deva corresponder.A referncia identitria ocupa lugar importante no cncer que aparece na figurade um braso familiar, denunciando jogos identificatrios que, quando iluminadosna relao transferencial, cartografando a doena como metfora (Sontag,2002) na esfera geracional.

    o deslocamento da histria da doena neoplsica para a histria do doenteque a anlise busca. A construo do romance familiar pelo paciente o fazmergulhar, pela transferncia, no rduo trabalho de edificao do corpo

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    psicanaltico, corpo que s existe na alteridade, pelo olhar do outro que o desenhaeroticamente e que, na anlise, pode ser acolhido na rede do amparo subjetivo.

    A mobilizao das manifestaes orgnicas, por mais que afastem ospacientes da implicao no adoecimento, os colocam em uma posio passvel deser trabalhada transferencialmente.

    A clnica dos fenmenos psicossomticos se constitui pelos efeitos do queextrapola os objetivos vitais, porm estes evidenciam a clivagem do sujeito, osdestinos do afeto, a angstia e as possibilidades de construo de sentido. A doenasomtica, desde a poca de Freud (1895, 1896, 1898, 1908, 1910, 1914, 1915,1917) apesar de seu ceticismo em relao aplicabilidade do mtodopsicanaltico a pacientes orgnicos , ressalta a ruptura epistemolgica com adiviso corpo-mente, possibilitando a legibilidade da imagem inconsciente docorpo, como tambm da emergncia e dos destinos dos afetos. Diferentementedo quadro nosolgico em que Freud situou as neuroses atuais precursoras daspsicopatologias somticas , na clnica atual de pacientes com cncer, as relaesprecoces e os momentos primitivos de constituio do eu so enfatizados. Aimportncia do trabalho clnico visa a permitir que o sujeito se posicione frente doena sem experimentar a autocensura melanclica de aspectos regressivosexpresso na dor impossvel da iminncia de sua destruio como sujeito. Areconstruo da rede simblica pela incluso do corpo biolgico, o trabalhopsquico e a elaborao de sintomas psquicos se fazem possveis na construode uma histria suportada pela transferncia.

    A investigao das psicopatologias somticas impe-se como tema deinteresse para a clnica, exigindo re-elaboraes metapsicolgicas que contemplemas figuraes do sofrimento e dos lugares do corpo no atual momento civilizatrio.Com a nfase da psicanlise no destino pulsional do recalque, a problemtica doafeto parece ter ficado em um plano pouco iluminado pelas teorizaes, causandouma lacuna, muitas vezes, comprometedora dos rumos dos atos clnicos.Tratamos, neste breve ensaio, dos destinos do corpo nas somatizaes nopsicticas e neurticas, abordando o cncer. Pensamos que a supresso mereceateno no campo das vicissitudes do afeto, especialmente quando os processosde subjetividade hegemnicos interrogam o estatuto do corpo na sua singularidade,extravagncia e desmesura.

    Resgatar as elaboraes freudianas acerca dos destinos do afeto e dasrepresentaes palavra e coisa (Freud, 1895, 1905, 1915), por exemplo, podeabrir espao para a escuta dos rudos de dor expostos na amargura dos corposenfermos que pedem socorro.

    Alis, podemos at construir hipteses psicopatolgicas variadas em relaoao adoecimento do corpo o que denota que no estamos congelados numaclnica de normas rgidas e de servido a autores e escolas de pensamento ,

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    porm no podemos esquecer que a ruptura epistemolgica que inaugura aradicalidade da clnica freudiana insere-se na tradio filosfica na qual corpo epsique no so diferentes, confundindo-se em uma unidade que denominamospsicossomtica. esse corte com a cultura da antomo-patologia (Foucault,2004) que instaura a possibilidade de uma clnica da escuta, segundo Berlinck(2000, p. 370), predominantemente visual, j que ocorre no mbito dastransferncias que produzem, primeiramente, afetos e imagens.

    Com a nova ordem corporal inaugurada por Freud em sua fico pulsional,entendemos o adoecer a partir de alteraes na distribuio da libido, tal qualnos escreve Freud (1914, p. 98). Resta-nos possibilitar que o patholgico tenhalugar, assumindo sentidos para o sujeito sofrente do corpo. Esta constituiu nossaaposta com sujeitos que sofrem, no real de seus corpos, por neoplasias.

    A forte demanda do sujeito portador de doenas orgnicas ao procurar aanlise reside na conquista de um cmplice a mais para a sua dor. O que podemosoferecer a ele so possibilidades de vida com a angstia e com o mal-estar,possibilidades de repensar a si mesmo na tentativa de no tornar insuportvel aj to irremedivel dor de existir (Lacan, 1998, p. 788).

    As implicaes da clnica com somatizadores apontam para o questionar oslugares do analista e de seus escudos transferenciais e tericos. Especialmente,elas focalizam o repensar das idias preconcebidas quanto s definies depsicanlise, na maioria das vezes, cristalizadas pela repetio como sagradas e nore-inventadas no cotidiano da clnica, j que no permitem testemunhar aextraordinria riqueza tcnica e metapsicolgica, devendo beneficiar nossaconcepo de cura psicanaltica standart.

    A clnica de pacientes portadores de doenas orgnicas retira o carter deinqestionabilidade de noes como as de sexualidade, sonho, sintoma etransferncia, por exemplo. Na mesma linha, incita-nos, ns analistas, a recorrera autores como Groddeck (1992, 1994, 2001), Ferenczi (1992, 1993, 2002), Klein(1991, 1996), Winnicott (1983, 2001), Lacan (1966), Marty (1993, 1997), Nasio(1993, 1997), McDougall (1999, 2001), Masud Khan (1984). No hesitando eminterrogar os modelos hegemnicos do fazer clnico, a escuta do sofrimento nose restringe ao campo paradigmtico do consultrio individual, mas podeconstituir outros settings - como em ambulatrios de sade, ao p-do-leito emenfermarias nos quais a experincia transferencial possa construir um espaode continncia s queixas, demandas de cura da dor que toma conta do corpo,abrindo horizontes para a passagem da fala sobre a histria da doena para ahistria do doente.

    A nfase da clnica recai sobre as possibilidades de o analista vir a suportara demanda do paciente-doente, oferecendo-lhe o holding no qual a perda, oabandono, a fuso aniquilante, a identificao primitiva ao psiquismo da me

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    possam ter lugar na ficcionalizao de sua histria, incluindo a doena e seusagiornamentos, como a transferncia do sujeito com a Medicina, os mdicos eos medicamentos precisa ser inicialmente acolhida para que a possibilidade deconstruo de uma demanda de anlise se d pela retificao subjetiva. Talmudana de lugar frente aos seus sintomas e sofrimento condio para atransferncia. A implicao, portanto, do sujeito sofrente dos males do corpo noseu padecer constitui momento crucial no delineamento do processo analtico,porm aprendemos, pela clnica, que o estado de adoecimento, tal qual Freud(1914, p. 98) j preconizara tendo sido bem influenciado por Ferenczi implicaum investimento macio de narcisismo no eu: o homem enfermo retira suascatexias libidinais de volta para seu prprio ego, e as pe para fora novamentequando se recupera. Concentrada est a sua alma, diz Wilhelm Busch a respeitodo poeta que sofre de dor de dentes, no estreito orifcio do molar.

    Lembramos Fedida (1999), ao trabalhar com o texto freudiano Tratamentopsquico (tratamento da alma) de 1898, se pergunta sobre o sentido da aoteraputica, indo buscar, no pharmakon de Plato e nas interessantes elaboraesde Derrida, a importncia da dualidade paradoxal presente em toda e qualquerinterveno teraputica, marca inclusive da figura do analista como terceiro. Estetoque de Fdida importante por justificar sua tese mais ousada na discussosobre a psicofarmacologia e a presena da substncia qumica na clnicateraputica: atravs da bifocalidade teraputica (p. 195 e 228), o medicamentos tem sua eficcia na economia psquica do sujeito, quando significado pelopaciente: a fala (transferencial) que qualifica uma molcula qumica emmedicamento (p. 185-6).

    O soma adoecido exige ser escutado pelos murmrios de dor, sendo estemomento de acolhimento pelo analista necessrio para que a implicao do doenteno seu sofrimento possa se dar, abrindo campo para a mudana de posio dosujeito em relao ao que espera do analista, podendo situar as queixas iniciais natransferncia. Abordar o adoecer orgnico como fenmeno psicossomticosignifica considerar que, juntamente com outros aspectos genticos, ambientais,fisiolgicos, estilo de vida a organizao psquica e seus modos deendereamento libidinal deve ser considerada na abordagem da leso orgnica, jque os destinos da excitao pulsional se do no organismo, denotando, comoprope Marty (1993), uma diminuio da capacidade de simbolizao dasdemandas pulsionais.

    Este momento lgico de reposicionamento do paciente frente s queixas eao analista merece ateno peculiar quando tratamos de pacientes com cncer.Geralmente, so pacientes encaminhados por mdicos ou familiares, estejam osdoentes em internamento no caso do psicanalista que atende em instituieshospitalares ou congneres, como clnicas de preveno e tratamento rdio e

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    quimioterpico ou em consultrios particulares, o que significa que, ao chegarao analista, a relao co os saberes e prticas biomdicas que colore o discursodo paciente. No defendemos aqui uma clnica diferenciada aos pacientes quepadecem por doenas somticas, porm enfatizamos que a relao psicanlise-medicina e suas vicissitudes no pode ser negligenciada pelo psicanalista, cabendoa ele problematiz-la.

    Mello Filho (1992, 2001), Teixeira (2002a, 2002b), Volich (2002) ressaltamas peculiaridades de ambos os campos e a no correspondncia entre osdiscursos, as teraputicas e os objetivos da cura, entretanto fica claro que hoque aprender com tais diferenas e, principalmente, que a onipotncia ameaa atica tanto da medicina expressa no corpus hipocraticum quanto dapsicanlise, pela assuno do sujeito de desejo.

    A clnica nos ensina que as entrevistas preliminares, consideradas comomomento de apresentao de queixas se dirigem ao analista apresentando-se pelaconcretude partes do corpo apontadas, tocadas, acariciadas; cicatrizescirrgicas expostas; sintomas clnicos detalhadamente dramatizados; prescriese nomenclaturas mdicas minuciosamente declamadas e materialmente mostradas clamando cumplicidade a sua dor, pedindo que o analista testemunhe o que squem passa por isso! pode supor existir.

    O paciente, centrado metonimicamente na materialidade da leso do cncer,roga ao analista o que o saber biomdico parece lhe oferecer, isto , o analista buscado como mais um cmplice do que o cncer lhe causa e, como tal, podecircunscrever seu padecimento com um saber que lhe traga certezas, que balizee d forma sua dor. Cabe a ns, analistas, saber dirigir, manejar o tratamentovisando a acolher o sofrimento deste corpo que lateja, inflamado pela leso, pelaconstituio de um espao de continncia de sua angustia, bem como um espaosimblico que suporte a premncia do organismo doente e que lhe d legitimidadepara que, por doses de conta-gotas, o corpo pulsional possa se fazer presenteno discurso do paciente.

    A clnica nos defronta com os riscos de no recebermos esse corpo-organismo justificados por indicaes tericas de que quando no h implicaosubjetiva, no h anlise possvel. Sim, esta uma premissa que nos diferenciade uma viso ortopdica, corretiva e de aconselhamento. Porm, ao oferecermosescuta ao organismo que se rebela frente aos nossos olhos, consideramos que,naquele momento para aquele sujeito, sua experincia subjetiva encontra-seembotada e apostando no que escapa do pensamento operatrio (Marty, 1993;Mello Filho, 1992, 2000) que nos engajamos no processo de escuta, suportandoque o inconsciente fale pelo organismo lesionado, que transferencialmente soframosno nosso corpo o peso da materialidade da dor. preciso que possamos suportaras possibilidades pelas quais o sujeito d conta de se experimentar no processo

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    de adoecimento orgnico, investindo, concomitantemente, nas possibilidades dopaciente se surpreender com o que lhe escapa da realidade externa, de sua vidacotidiana marcada pelo desfilar de eventos, de coisas, de pessoas atravs derepresentaes carregadas de afetos, sonhos, fantasias, metforas, simbolismo,atos falhos, lapsos, chistes. No contexto transferencial, o organismo e o somtico representaes do corpo para a biologia e a medicina, respectivamente comeam a ceder s presses da lgica do erotismo, das pulses e seus destinose o sujeito-corpo-desejo irrompe pela inflamao do corpo desejante no lugar docorpo-organismo que lateja, lateja, lateja...

    Ressaltamos a importncia do manejo do tratamento pelo analista comopossibilidade do paciente que tem na doena orgnica no conversiva a sustentaode sua experincia, o alvo do investimento narcsico. Sua aposta nas surpresas mobilizadora da transferncia,surpresas que podem afetar o solipsismo doorganismo, fazendo falar o sujeito no pela lgica da anatomopatologia, porm pelalgica da representao, que subverte o corpo-organismo, possibilitando aconstruo de uma histria rumo verdade do sujeito.

    A doena luz da psicanlise ratifica o corpo em sua positividade, noreduzindo-o ao registro do biolgico, mas assumindo-o como sexual e pulsional,isto , como construdo no regime alteritrio que o retira da ordem auto-ergena,mergulhando-o nas malhas do social, do outro.

    A clnica psicanaltica pe em questo a participao do sujeito na doena,visando a operar uma interrogao em relao ao seu lugar frente a si mesmo apartir da construo de possibilidades de ressignificao do adoecer orgnico naexperincia do corpo ergeno, alm do corpo biolgico doente que se torna consis-tente atravs de uma manifestao devastadora que rompe o silncio dos rgos.

    As abordagens psicanalticas das psicopatologias orgnicas se inscrevem emum discurso que, considerando a j difcil transferncia paciente-analista,organiza, por suas possibilidades de escuta, diferentes formas de demanda dosofrimento e de seus paradoxos. Freud em Sobre o incio do tratamento: Novasrecomendaes sobre a tcnica da psicanlise I (Freud, 1913, p. 186), escreveque a fora motivadora primria da terapia o sofrimento do paciente e o desejode ser curado que deste se origina. Lacan, posteriormente, trata as vicissitudesda aderncia teraputica considerando que demanda de cura no equivale,necessariamente, ao desejo de curar (Lacan, 1966).

    A relao entre doena e subjetividade presentifica como o corpo do desejose pe merc de somatizaes, erguendo a problemtica da ecloso dosfenmenos psicossomticos na atualidade. Lidar clinicamente com corpos doentesque buscam a sade como sinnimo de vida sem se implicarem como sujeitos noadoecer presume considerar o corpo na sua amplitude semntica, nos campos dabiomedicina, dos saberes e prticas psi.

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    Como os discursos dos sujeitos com cncer evocam, quase sempre, aetiologia das doenas, crucial considerar como as idias de sade, vida e mortecirculam no imaginrio coletivo, fonte na qual bebem os sofrentes dos males docorpo ao apresentarem os padecimentos, suas contingncias familiares, culturaise sociais.

    Negar que, apesar da anlise com pacientes sofredores de enfermidadessomticas visar a retificao da posio subjetiva, so os discursos cientficos e,em especial, o da biomedicina, que delimitam espaos discursivos na rede socialnos quais os sujeitos passeiam com mais ou menos desenvoltura, no nos parecejusto. Nesse sentido, tanto as concepes j usuais e norteadoras das prticasmdicas diludas no social, como as inovaes biotecnolgicas merecemdestaque, embora essas ltimas ainda no participem, de modo massivo, dosmodos de experincia do sujeito quanto aos usos do corpo. Mesmo assim,consideramos que o campo das cincias biomdicas ocupa lugar nuclear naconstruo dos sentidos da vida, direta ou indiretamente, no podendo ser deixadode lado quando o paciente fala de sua dor e quando a apreendemos pelosreferenciais psicanalticos. Os modos pelos quais os dispositivos sociais trabalhampela produo de corpos dceis, no facilmente afetveis pela extravagncia dopathos (Berlinck, 2000; Pereira, 1998) como singularidade, passa pelas propostasda medicina ocidental moderna.

    Entender a clnica escuta das doenas orgnicas significa, antes de tudo,conceb-la como inveno do sujeito, como momento em que ele emerge, mesmoque atado s amarras do corpo sofrente e gozante. O estatuto do corpo no cncerincita considerao dos usos que o sujeito faz da corporeidade na economiasubjetiva, singular e inscritora de seu corpo em um lao social interrogador de suasposies na existncia.

    Tentar dar conta, pela anlise, do sofrimento que se manifesta na concretudecorprea exige do analista uma sintonia com os lugares do corpo, com suasexperimentaes, vivncias. Restabelecer a sade perfeita constitui um dos ideaisda biomedicina, para a qual o Bem almejado a sade. Question-lo parece sera via mais lcida pela qual podemos acolher o sofrimento expresso pelasmanifestaes orgnicas, sofrimento que demanda o reconhecimento dos afetose da construo subjetiva da imagem corporal.

    O ethos que suporta as experincias mdica e psicanaltica em seus enfoquesdos fenmenos psicossomticos deve residir na no excluso do doloroso e doinsuportvel da vivncia subjetiva, da experimentao do corpo em suaspossibilidades nos campos da sade e da doena, da instalao de enigmas queimpliquem o sujeito na fico de sua histria.

    Como mxima da prtica teraputica, seja mdica ou analtica, entendemosque o pathos precede o logos. a experincia tica consigo e com os outros que

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    deve nortear o exerccio clnico. O sofrimento manifesto na polissemia dasexpresses subjetivas deve constituir o ponto de partida dos saberes e das atuaesno campo da clnica.

    Acolher o corpo doente organizado fora dos esquemas de simbolizaosignifica percorrer um rduo caminho no qual, inicialmente, no h espaos deinterrogao sobre a relao da vida com o mal-estar corporal. A construo dosetting teraputico se d sobre o reconhecimento que h algo que fala pelo corpoator e paciente que se relaciona a um saber prprio do sujeito que se irrompe,rompendo o corpo e seu equilbrio psicossomtico, um saber que se inscreve nocorpo que resiste a ser confrontado com a dvida, com o contraditrio e o afetivodo discurso.

    A partir das possibilidades de subjetivao na cultura contempornea, vemosque a corporeidade ocupa lugares tericos e clnicos plurais e que as polticas docorpo, embora apontem prioritariamente para a equivalncia entre o estado desade e a vida, tambm apontam para saberes que no se enquadram nos rigoresdas racionalidades mdicas ocidentais presentes no modelo biomdico. Atentarpara as relaes de poder/saber constituintes das configuraes dos campos deexperincia subjetiva, nos quais as idias de vida, morte, sade e doena seatualizam constitui um dos pressupostos do exerccio clnico.

    A enfermidade implica uma certa condio de vida que interroga a sade. Vidae sade no so campos que se eqivalem. O processo da vida inclui a doena ea presena iminente da morte, embora o imaginrio moderno rechace asexperincias de sofrimento como longevidade, o sentido de patolgico merece serevocado como operador de questionamentos de vises maniquestas do processosde sade e doena, sendo o adoecer entendido como desaventurana, infelicidade,como desestabilizador do processo vital. Entender o pathos no que ele apresentade originrio parece ser uma arma terico-clnica de enfrentamento de pontos devista que expulsam o mal-estar, autntica manifestao do sofrimento e de suasvicissitudes do existir humano. O pathos se situa no campo do excesso, dadesmesura, do sofrimento e da paixo que se apossam do homem exigindo delepassividade, alterando sua natureza, transformando-o em um ator que experimentaalgo da ordem da exuberncia, da falta de medida (Berlinck, 2000).

    Nesse contexto, a relao tipicamente moderna sade/doena perde fora emdetrimento de uma questo tica na qual o construir-se como sujeito inclui asnoes de vida e de morte como valores. A considerao do corpo nas relaescom outros corpos se desvia da concepo de doena como incapacidade,estendendo-a como uma prtica de si que se constri no registro poltico, dasdemandas, do entrecruzamento de subjetividades. As relaes entre doente, doenae medicina se instituem, portanto, na trama histrica das concretudes do existirhumano.

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    A clnica com pacientes marcados pelo cncer constitui terrenoparadigmtico de investigao do psquico. Os modos contemporneos do adoecerpem em xeque posturas tcnicas e postulados tericos cristalizados nas prticasda medicina e da psicanlise. O problema da dor crnica, por exemplo, coloca emcena uma espcie de experincialimite (Rey, 2000, p. 386) que interroga ossaberes/poderes de ambos os campos. Como escreve Rey (2000, p. 388): oproblema da dor toca em tudo o que se relaciona ao ato mdico com o doente,sendo esta determinada pelo nvel de certeza que est em jogo na medicina.Quanto emergncia dos apelos expostos pelas mazelas orgnicas e a aura desofrimento que as acompanha exigem o acolhimento, por parte do analista.

    A considerao do estranho, do bizarro e mesmo do grotesco no conceitode vida se d pela possibilidade de pens-la pela experincia da finitude comodoadora de sentido. Abordar as vicissitudes das modalidades possveis deconstruo subjetiva no espao clnico constitui tarefa tica. Alis, todo processode anlise deveria s-la!

    Consideraes finais

    O atendimento de pacientes com patologias graves instaurou muitasinterrogaes, especialmente quanto potncia da clnica e ao fundamentalmovimento clnica-teoria-clnica. Com eles, pude mergulhar na beleza de umaclnica instigante e deflagradora de interrogaes. A possibilidade de lidar comtrabalhos de lapidao terica de conceitos como circuito pulsional, desejo,identificao, simbolizao, fantasia, luto e constituio egica nos autores citados,abriu caminhos inusitados de escuta e interesse investigativo acerca dosmecanismos primrios na constituio psquica e nos lugares do corpo na clnicae na teoria psicanalticas.

    As psicopatologias somticas implicam carncias de pensamento - carnciasa serem postas em palavras , que no se conformam aos enquadres sugeridospelo paradigma do recalque, encaminhando-nos a, de fato, termos que noscolocar na posio de artfices da psicanlise. A partir da no nfase nas questesetiopatognicas, a verdade da patologia do paciente pode ser construda natransferncia, pela fico do mito e do romance familiar no trabalho psquico deconstruo da histria do doente e de seu sofrimento.

    A clnica dos fenmenos psicossomticos atualiza a problemtica dacorporeidade na contemporaneidade, exigindo que a psicanlise se questioneacerca de seus postulados metapsicolgicos e de sua tcnica quando fracassa naconstituio de um espao transferencial no qual o romance do sintoma, sobre o

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    qual se apoia, pode ser ficcionado. Tomamos esses fracassos em sua positividade,j que constitutivos da tica psicanaltica, atualizando em termos clnicos emetapsicolgicos, a inventividade que marcou Freud e que ilumina a escuta dosque se dispem a acolher o saber inconsciente, o desejo, o afeto, ao assumir otrabalho analtico como espao de co-inveno de subjetividades.

    A prtica psicanaltica que expurga o corpo em sua positividade inviabilizaa superao do dualismo corpo, soma, carne/alma, psique, esprito. Entendercorpo e aparelho psquico como indistintos tarefa do analista que trata dopadecer da materialidade corprea. Berlinck (2000, p. 189-90), no belo textoInsuficincia imunolgica psquica, chama a ateno, por meio de interessantesmetforas blicas, para o fato dos riscos de tal perspectiva. Ele escreve:

    Esse desconhecimento (do corpo) campo frtil para fantasias melanclicasque enfraquecem sobremaneira as defesas a ataques virulentos externos.Fantasias que produzem representaes frgeis e pobres do prprio corpo soequivalentes a fantasias manacas que contm uma concepo onipotente docorpo. Essas fantasias inconscientes que revelam um desconhecimento, uma faltade intimidade com o corpo e, at mesmo, uma recusa do reconhecimento daexistncia do corpo so, muitas vezes, responsveis pela insuficinciaimunolgica a ataques virulentos externos.

    Ratificando as opinies ora expostas, concordamos com Debray (2001,p. 9) quando afirma que separar nos indivduos humanos o que atua na cenapsquica do que se vive ao nvel do corpo injustificado. De fato a antigadicotomia psique/soma no resiste a esta evidncia: somos todos serespsicossomticos.

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    Resumos

    La clnica de los fenmenos psicosomticos, en el marco de las (re) orientacionesdel poder teraputico en la actualidad, interroga la hegemona de la mirada biomdicaque incide sobre el cuerpo. Destacamos en este ensayo aspectos del malestar en laactualidad desde la psicopatologa somtica y sus indagaciones hacia las prcticasde la clnica de lo psicolgico en la perspectiva del psicoanlisis. Iniciamos con unabreve reflexin en torno al cuerpo en la perspectiva del psicoanlisis y sobre laimportancia de las relaciones primordiales para la constitucin de lo equilibriopsicosomtico, destacndose los autores que contribuyeron para el campo de laspsicopatologas psicosomticas. En un segundo momento abordamos el sufrimientopsquico en personas con neoplasias, por una perspectiva de la construccin histricade las enfermedades circunscritas a las prcticas socioculturales, a las modalidadesde experiencia del cuerpo, del dolor, del placer e incluso de la cura. En la actualidad,el malestar en la cultura induce a las resistencias de las ciencias y de las prcticaspsicolgicas en la tarea de atribuir la importancia fundamental al cuerpo en laconstruccin de las subjetividades, en especial cuando el sujeto se presenta en la escenaanaltica a travs del sufrimiento que emana del cuerpo, en funcin de los fenmenospsicosomticos, de los estados lmites, de las depresiones y de la hipocondra. El actode reflexionar sobre los lugares del cuerpo en el marco actual de la civilizacin esimportante para que las formas del sufrimiento que acogemos en anlisis puedan serubicadas en la escena social. En este trabajo abordamos el cncer desde el encuentroformado por la medicina y el psicoanlisis, con especial relieve a las psicopatologasorgnicas como una referencia terica y clnica.Palabras claves: Psicoanlisis, psicopatologa, cuerpo, psicosomtica, cncer

    La clinique des phnomnes psychosomatiques dans le contexte des (re)orientations du pouvoir thrapeutique dans lactualit met en question lhgemonie duregard biomedical caracteristique des divisions du corps. Ce travail portera sur lesaspects du malaise dans lactualit partir de la psychopathologie somatique et leurs

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    questionnerments aux savoirs et pratiques de la clinique du psychologique danslapproche de la psychanalyse. Pour cela, nous commenons par une petite rflexion propos du corps dans lapproche de la psychanalyse et de limportance des rapportsprimordiaux pour la constitution de lquilibre psychosomatique. Nous mettons enrelief, dans ce sens, les auteurs qui ont apport des contributions au domaine despsychopathologies somatiques. Dans un deuxime moment, nous traitons de lasouffrance psychique chez les gens atteints daffection noplasique en considrant quele processus de tomber malade est historiquement construit, cest dire, les moyens detomber malade sont circonscrits des savoirs et des pratiques socioculturelles, desmodalits dexprience du corps, de la douleur, du plaisir voire de la gurison. Lesimplications du malaise dans lactualit font emerger les rsistances des savoirs et despratiques psychologiques au moment o elles attribuent une fondamentale importanceau corps dans la construction des subjectivits, surtout quand elles subissent des effetsde matrialisation dans les domaines de phnomnes psychosomatiques des tats limitesdes dpression et de lhyponcondrie prsente chez les gens analyss. La nouvellemanire de penser les parties du corps dans notre moment de la civilisation estimportant pour que les actuelles versions de la souffrance qui sont analyses puissenttre mises en contexte dans la scne sociale.Nous soulignons que notre approche ducancer est faite partir de linterface de la medecine e de la psychanalyse, enprivilgiant les psychopathologies organiques comme rfrentiel thorique et clinique.Mots cls: Psychanalyse, psychopathologie, corps, psychosomatique, cancer

    The clinic of the psychosomatic phenomena, in the context of the currenttherapeutic power (re)orientation, questions the hegemony of the biomedical approachcharacteristic of the ideas on what happens to the body. We will approach, in this essay,aspects of the current discomfort in society starting from the somatic psychopathologyand its questioning on the knowledge and practices of the psychological clinic from apsychoanalytic perspective. In order to do so, we began with a brief reflectionconcerning the body in the psychoanalytic perspective and the importance of theprimordial relationships for the constitution of the psychosomatic balance. Weemphasize, in that sense, authors that brought contributions to the field of the somaticpsychopathology. In a second moment, the psychic suffering of people with neoplasmdisease is approached, considering that the sickness process is built historically, thatis, the suffering patterns are bounded by socio-cultural knowledge and practices, bymodalities of experience of the body, of the pain, of the pleasure and even of the cure.The implications of the current discomfort in society bring to the surface the resistancesof the psychological practices and knowledge to attribute fundamental importance tothe body in the construction of the subjectivities, especially when the subjects come tothe analytical scene with suffering corporeal entities in the field of the psychosomaticphenomena, or state-limit, depressions and hypochondria. Rethinking the place of thebody in our civilization is important so that the current versions of suffering that we

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    receive in analysis can be contextualized in the social scene. We emphasize that weapproach the cancer from the interface of medicine and psychoanalysis, privileging theorganic psychopathologies as the theoretical-clinical referential.Key words: Psychoanalysis, psychopathology, body, psychosomatic, cancer