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Um estudo das dinâmicas de apropriação do jogo Portugal 1111 – A Conquista de Soure em contexto escolar
Filipe Penicheiro Joaquim Ramos de Carvalho Licínio Roque Instituto de Investigação Interdisciplinar Faculdade de Letras Departamento Engenharia Informática
Universidade de Coimbra, Portugal
Portugal 1111 – A Conquista de Soure, 2004
Abstract
Este artigo pretende analisar os resultados preliminares
de duas sessões de exploração realizadas em contexto
escolar, utilizando o jogo Portugal 1111 – A conquista
de Soure, e informar sobre as dinâmicas de
questionamento dos alunos ao professor, identificando
oportunidades de aproveitamento da experiência do
jogo para alcançar objectivos de aprendizagem
relacionados com o tema curricular da Reconquista. Os
indicadores que estas sessões de exploração
proporcionam apontam claramente para três
conclusões: a) a importância do papel do professor
como facilitador da introdução e da aprendizagem com
jogos em contexto escolar; b) que o jogo Portugal
1111 – A conquista de Soure, potenciou algumas
questões sobre o tema da Reconquista que podem
concorrer para a aprendizagem de conhecimentos
históricos sobre este período; e c) é notória uma
trajectória temporal através dos objectivos de
aprendizagem do artefacto, da dinâmica de jogo e do
domínio modelado, com implicações para o design e
para as estratégias de exploração do jogo.
Keywords: jogos em contexto escolar; aprendizagem
baseada em jogos; estratégia histórica; educação
histórica
Authors’ contact: [email protected]
1. Introdução A reflexão sobre o potencial dos jogos digitais e a
aprendizagem é uma temática que, não sendo recente,
teve um impulso significativo na última década, sendo
fácil enumerar um conjunto de autores que defendem
as vantagens desta articulação [Gee 2003; Mitchell,
Savill-Smith 2004; Van Eck 2006; Lynn 2008].
A compreensão dos mecanismos de exploração e
integração dos jogos em contextos escolares é uma das
questões de investigação que decorre da ambição sobre
a utilização pedagógica desta tecnologia. Para alcançar
essa compreensão, é necessário o reconhecimento do
papel dos diferentes stakeholders, nomeadamente
professores e alunos [Klabbers 2006]. Ainda que
grande parte da investigação realizada centre a sua
atenção sobre os últimos, e em argumentos sobre como
estes se relacionam e se apropriam do conteúdo
simbólico dos jogos, diferentes autores assinalaram a
importância do papel dos professores e do contexto
onde decorre a exploração do jogo, ao reflectirem
sobre a integração de jogos digitais em contextos
educativos [Becta 2001; Kirriemuir 2004; Mitchell,
Savill-Smith 2004; Squire 2004; Egenfeldt-Nielsen
2005; Gee 2008].
Este artigo pretende analisar os resultados
preliminares de duas sessões de exploração realizadas
em contexto escolar, utilizando o jogo Portugal 1111 –
A conquista de Soure, e informar sobre as dinâmicas de
questionamento dos alunos ao professor, identificando
oportunidades de aproveitamento da experiência do
jogo para alcançar objectivos de aprendizagem
relacionados com o tema curricular da Reconquista.
Lançado em 2004, pela Ciberbit, Portugal 1111 – A
conquista de Soure é um jogo de estratégia baseado no
período histórico da Reconquista. Desenvolvido com a
colaboração de uma equipa de historiadores da
Universidade de Coimbra, tinha como objectivo
divulgar a história local da região de Soure, no distrito
de Coimbra, assumindo-se como um produto
comercial, não focado no mercado de edutainment,
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mas almejando uma utilização pedagógica em contexto
escolar.
O jogo utiliza um modelo de simulação baseado em
agentes, onde o jogador controla unidades dando
indicações das tarefas a executar, ao estilo do Age of
Empires e outros jogos similares. Foi dada atenção à
verosimilhança histórica na representação gráfica de
estruturas e unidades e o mapa de jogo foi baseado no
perfil geográfico do terreno onde a acção se inspira.
Procuraremos com o presente estudo analisar a
adequação e as oportunidades de utilização deste jogo
no contexto da aprendizagem da História,
nomeadamente do fenómeno complexo das
reconquistas do território aos Mouros, em território que
viria a ser do Reino de Portugal, durante o século XII.
Nesse sentido colocámo-nos questões como: Será que
o Portugal 1111 potencia o surgimento de
oportunidades de aprendizagem da temática da
reconquista no contexto escolar? Que oportunidades de
intervenção poderão os professores explorar no
contexto desta actividade de jogo? Como é que se
relacionam as diferentes componentes da
aprendizagem na apropriação do jogo, desde o domínio
do artefacto à compreensão do domínio histórico
representado? No sentido de procurar respostas para
estas questões descrevem-se em seguida os
pressupostos metodológicos subjacentes ao estudo.
2. Metodologia
Ainda que existam inúmeras reflexões teóricas
sobre jogos e aprendizagem, vários investigadores tem
clamado por mais e melhores estudos empíricos que
evidenciem essa relação [Egenfeldt-Nielsen 2005;
Freitas 2006]. Os objectivos globais que presidiram à
preparação das sessões de exploração aqui
apresentadas, tiveram em conta esta urgência e
pretendem contribuir, de uma forma preliminar, quer
para a recolha de dados e indicadores sobre a relação
entre jogos e aprendizagem da história em contexto
escolar neste caso concreto, quer para o ensaio de um
modo de observação adequado ao estudo da
apropriação do meio videojogo em contexto de
aprendizagem.
Das várias opções disponíveis, em termos de
metodologia de recolha de dados, optou-se por um
levantamento sistemático das questões verbalizadas
que surgiram entre alunos [jogadores] e professor
durante as sessões de exploração.
A pertinência da recolha destas questões apoiou-se
parcialmente nos pressupostos do modelo QDI
[Question Driven Instruction], que valoriza a dinâmica
do questionamento entre professores e alunos como
parte do processo de aprendizagem [Beatty et al.
2006].
Entendemos que as mesmas assunções que
suportam o uso das questões enquanto instrumento de
intervenção para a condução do processo de
aprendizagem podem justificar que as questões
verbalizadas pelos alunos durante uma experimentação
livre serão igualmente reveladoras das actividades
cognitivas em curso durante a aprendizagem. Como tal
considerámos a hipótese de que essas mesmas questões
possam ser apreciadas como evidências textuais
relevantes para se analisar o foco de atenção do aluno e
tanto mais que este passou a ser o actor director da
experiência.
Existem variadas referências na literatura sobre
diferentes metodologias de investigação quando os
jogos são levados para o contexto escolar, abarcando
metodologias de base etnográfica, estudos de caso e
investigações quasi-experimentais [Sandford et al.
2006]. No presente caso, mais do que avaliar o sucesso
da experiência de uso do jogo, algo já muito versado na
literatura, importava identificar oportunidades de
aprendizagem concretas decorrentes da interacção
entre alunos e professores no contexto de utilização do
jogo. Em particular, interessava-nos recolher, no
contexto desta experimentação, evidências concretas
que nos permitissem iniciar uma conceptualização que
permita responder à questão de como utilizar o jogo na
definição de estratégias de uso em âmbito escolar. Esta
definição de estratégias é, por sua vez, essencial no
contexto de formação de professores quando se
problematiza a utilização de jogos em contexto escolar,
pois umas das questões mais colocadas por estes
profissionais correspondem à necessidade de
identificar boas práticas nessa utilização.
Do ponto de vista metodológico optar-se-ia assim
por uma experimentação livre, auto dirigida pelo aluno,
procurando-se dar resposta às suas solicitações em
contexto, deixando-se o professor e o investigador
guiar pelo contexto ao modo etnometodológico,
procurando registar as ocorrências textuais para análise
futura. Do ponto de vista da análise, não optámos por
qualquer processamento estatístico, antes procurou-se
indagar a frequência ou ritmo das interações e
interpretar o significado das questões que iam sendo
postas, do ponto de vista dos processos de apropriação
e aprendizagem do jogo e do domínio de estudo nele
representado.
3. A Condução da Experiência
Foram desenvolvidas duas sessões de exploração do
jogo Portugal 1111 – A conquista de Soure com alunos
que frequentam o 5º ano de escolaridade em duas
escolas do distrito de Coimbra, situando-se uma em
contexto citadino e outra em contexto rural.
Estas sessões de exploração ocorreram graças à
receptividade de professores e da direcção das escolas
após contacto dos investigadores. As duas sessões
ocorreram fora dos tempos lectivos prescritos para a
disciplina de história, enquadradas em actividades
complementares.
No primeiro caso a sessão foi preparada como parte
das actividades do dia do patrono da escola, onde os
alunos interessados tinham de fazer uma inscrição para
participar na actividade. No segundo caso a sessão de
exploração decorreu no âmbito de uma aula extra da
disciplina de História, sendo aberta apenas aos alunos
dessa turma. As sessões decorreram no primeiro caso
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no laboratório de informática e no segundo no espaço
multimédia da biblioteca. Face à disponibilidade do
parque informático e da disposição dos espaços, as
sessões desenvolveram-se com grupos de 2/3 alunos
por computador. No primeiro caso, sessão de
exploração A, tivemos um total de 25 alunos de várias
turmas do 5º ano de escolaridade e no segundo caso,
sessão de exploração B, uma turma de 23 alunos do 5º
ano de escolaridade.
Ambas as sessões tiveram uma duração total de 90
minutos, onde ocorreu uma introdução ao jogo e ao
porquê da sessão de exploração. O tempo disponível
para o jogo foi, no total, de 80 minutos. Nessa
introdução optou-se por visualizar o vídeo inicial do
Portugal 1111 - A conquista de Soure, de modo a que
todos os participantes tivessem oportunidade de ver
esse conteúdo, pois algumas instalações do jogo não
permitiam essa visualização. Deste modo também se
pré-definiu o ecrã inicial a que os participantes tinham
acesso.
O jogo Portugal 1111 - A conquista de Soure,
permite jogar em modo de campanha e em modo livre.
O modo de campanha exige um maior investimento de
tempo para percorrer as 8 etapas até se alcançar o
castelo rival. Consciente de que esse tempo não está
disponível num contexto de educação formal, foi
utilizado o modo de jogo livre, que permite um modo
de luta “castelo contra castelo” num único mapa, dando
ao jogador controlo sobre todas as unidades e
estruturas existentes no jogo.
Existem diferentes cenários jogáveis neste modo,
diferindo no mapa e no tipo e número de estruturas que
são disponibilizadas de início ao jogador. Optou-se
pelo cenário em que eram disponibilizados ao jogador
apenas quatro unidades de camponeses e quatro
unidades de milicianos. Isto permitia aos jogadores
desenvolverem a sua estratégia de raiz, de forma
semelhante ao modo de campanha.
Na introdução feita ao jogo, optou-se por não
abordar questões de controlo das unidades e estruturas
mas apenas explicar que o jogo foi baseado no período
histórico da reconquista e que aos jogadores se iriam
colocar alguns desafios que também se colocaram
nesse período histórico. Todos os participantes já
tinham abordado o tema da reconquista no âmbito da
disciplina de História e foi salientado que as
actividades da sessão não seriam avaliadas pelo
professor da disciplina de História, bem como se
enfatizou que sempre que surgisse uma dúvida ou
quisessem fazer um comentário que nos chamassem.
Não foram indicadas regras restritivas de comunicação
entre os grupos nem foram definidos os papéis que
cada um desempenharia no grupo.
4. A Recolha de Dados Numa primeira fase, os objectivos globais foram
indagados de maneira informal entre os professores e
alunos, tendo-se recolhido testemunhos que sugerem
uma grande receptividade no último grupo. Esta
receptividade não está dissociada da percepção que
estes têm sobre os jogos como entretenimento e como
objecto de “diversão”.
Quanto aos professores, embora tenham destacado
a sua abertura em incorporar novas tecnologias no
ensino da história, especialmente os jogos,
expressaram dúvidas sobre a melhor maneira de os
integrar na sua prática docente. Esta preocupação é
comum a outros estudos que investigaram as
dificuldades de integração dos jogos em contexto
escolar, onde se indicava que a perspectiva dos
professores face ao jogo pode influenciar os resultados
de aprendizagem dos alunos [Egenfeldt-Nielsen 2004].
Houve um grande interesse por parte de professores
e alunos envolvidos em participar na experiência, ainda
que a maioria nunca tivesse tido contacto com o jogo e
só cerca de 10% dos participantes assumissem que
jogavam jogos parecidos, como o “Age of Empires” ou
“Age of Mythology” no âmbito do questionário de
perfil pré-teste.
A distribuição dos alunos por idades é bastante
homogénea por frequentarem o mesmo ano de
escolaridade e a distribuição dos participantes por
género é relativamente equitativa, não se julgando
estes factores como particularmente influentes neste
estudo.
Mais influente poderá ter sido a distribuição por
perfis de personalidade já que alguns alunos mais
extrovertidos tenderão a verbalizar mais as suas
questões do que outros mais introvertidos. No entanto
esse factor poderá ser esbatido pelo facto da
experimentação ocorrer em pequenos grupos (2 ou 3
alunos), onde é vulgar existir maior intimidade e
comunicação intragrupal, que depois tenderá a ser
exteriorizada por um dos alunos interagindo com o
professor. Ou seja, as preocupações são muitas vezes
comuns, ocorrendo com alguma frequência um efeito
de perguntas similares em cascata, assim que alguém
rompe o dique do silêncio.
Elencamos na Tabela 1 e na Tabela 2 o conjunto de
questões que foram colocadas pelos alunos durante as
duas sessões de exploração. Estas questões resultam de
um registo retrospectivo da interação entre alunos e
professor, por iniciativa do aluno, organizadas
cronologicamente, indicando ainda a frequência
registada para cada questão a intervalos regulares de 5
minutos. Não foram registadas interações entre alunos
de diferentes grupos de experimentação, embora se
possa presumir que sigam um padrão semelhante. Não
sendo o ideal, este foi o registo possível dada a
dificuldade de efectuar a recolha instantânea de tudo o
que ocorre num contexto social com este, com trocas
extremamente rápidas, e sem recorrer ao registo e
análise de vídeo que implicaria um demorado processo
burocrático de autorizações por parte de pais e
encarregados de educação.
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Tabela 1. Sessão de exploração A
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Tabela 2. Sessão de exploração B
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5. A Análise
Apesar da sua aparente simplicidade, a documentação
destas questões pelos diferentes grupos de alunos que
estavam a jogar o Portugal 1111 – A conquista de
Soure permite-nos traçar um quadro de actividade em
relação às solicitações ao professor nas duas sessões de
exploração.
Assim no gráfico 1 apresentamos o número total de
solicitações distribuídas ao longo da duração da sessão
de exploração A. O gráfico 2. Representa essa mesma
distribuição para a sessão de exploração B.
Gráfico 1. Frequência de interação durante a sessão A
Gráfico 2. Frequência de interação durante a Sessão B
Os gráficos de actividade aqui apresentados
ilustram os diferentes ritmos das duas sessões, nas
quais se assiste a um progressivo decréscimo das
solicitações dos participantes a partir do minuto 45.
Nas duas sessões é evidente que o número de
solicitações ao professor se concentrou nos primeiros
30 minutos de jogo, com especial foco em questões
relacionadas com o controlo da interface do jogo. Não
será estranho a isto o facto de 90% dos participantes
afirmar que não joga habitualmente jogos deste tipo e
de que a instalação do jogo Portugal 1111 – A
conquista de Soure em sistemas operativos que não o
Windows XP condiciona o uso do rato na
movimentação do ecrã.
Estes resultados apontam para a necessidade de se
estar preparado para assistir a um grande volume de
solicitações na fase inicial de contacto com o jogo. Nas
duas sessões assistiu-se a um conjunto de questões que
incidiam sobre o mesmo tema e que se concentraram
nos primeiros 10 minutos entre as quais destacamos:
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“O que é que é preciso fazer?”; “Como se
controlam os camponeses?”; “Porque é que está tudo
preto?”; “Como é que se constroem coisas?” A
interpretação que fazemos destes dados é a de que
durante os primeiros minutos o foco da aprendizagem
centrou-se na compreensão do objectivo do jogo e da
forma de interagir com o jogo enquanto artefacto.
Da análise dos gráficos é perceptível a existência de
diferentes picos de actividade. No caso da sessão A
assistiu-se a um grande número de solicitações dos 5
aos 10 minutos de jogo sendo a maior parte das
questões relacionadas com o domínio do interface.
Existem contudo questões que revelam uma tentativa
de interpretação da representação gráfica do jogo e a
associação ou confrontação com ideias prévias sobre o
fenómeno, por exemplo: “Os camponeses não vão para
o castelo?”
Na sessão B há uma sobreposição do mesmo tipo
de questões concentradas no mesmo período temporal,
salientando-se a existência de dois grupos que
questionam se o jogo não tem modo multiplayer
(“Estou a jogar contra os meus colegas?”). Este aspecto
da observação é possivelmente denunciante de uma
mudança cultural na qual uma geração mais nova, que
conviveu sempre com um mundo ligado, com Internet
e jogos online, cria imediatamente expectativas de
interação mediada, colocando muito naturalmente a
hipótese de se tratar de um jogo multiplayer online.
O minuto 30 apresenta na sessão A, um outro pico
de solicitações dos participantes face ao professor com
questões que indiciam uma maior exploração do jogo:
“Posso construir pontes?”; “Onde estão os outros?”;
“Como é que eu faço para descobrir os mouros?”
“Porque é que os soldados não sobem às muralhas para
atirar flechas?”. Na sessão B existem também ao
minuto 30 questões semelhantes e um pico de
actividade. Surgem questões como “Como é que eu
faço para descobrir os mouros?”;”Os mouros andam
mais depressa que os meus militares! Porquê?” Este é
um período de experimentação no qual os alunos
parecem dirigir a sua atenção para o domínio prático
de conceitos e actividades do domínio representado.
De um modo global, nas duas sessões, verificou-se
que a partir dos 55/60 minutos de jogo houve um fim
das solicitações o que pode criar a oportunidade para o
professor intervir, questionando os alunos no sentido
de estimular reflexões mais profundas sobre as
actividades no jogo.
Com o decorrer do tempo, pese embora o número
de solicitações diminuir, surgem questões mais
complexas por parte de alguns grupos que claramente
indiciam uma exploração e tentativa de compreensão
do modelo do jogo de forma mais aprofundada e uma
tentativa de compreensão além do mero controlo da
interface. Estas questões, além de permitirem um ciclo
de realimentação do interesse no jogo, informam sobre
oportunidades de aproveitamento da experiência do
jogo para alcançar objectivos de aprendizagem
relacionados com o tema curricular da Reconquista.
Questões como: “As moedas eram escudos?”; “Porque
é que os militares não recolhem trigo?”; “O que é que
eles dizem (mouros)?”; “Porque é que o castelo dos
mouros é tão forte?”; podem ser interpretadas como
reveladoras da intenção de compreender o modelo do
domínio que subjaz ao jogo para assim dar sentido às
representações gráficas do jogo.
Destas questões podemos diferenciar aquelas que
constituem um claro empenho por parte dos jogadores
em dar sentido às representações no jogo mesmo que
estas não condicionem a sua jogabilidade. Ou seja,
verificou-se um interesse em conhecer mais
detalhadamente o contexto histórico da acção que era
possível jogar. A associação dos recursos à moeda
“escudo” e a indagação sobre qual o nome da moeda
usada durante o período da reconquista são
exemplificativas dessa intencionalidade.
No conjunto das duas sessões é assim notório um
padrão de progressiva mudança de foco de atenção nas
questões que vão sendo colocadas, possivelmente
reveladora de uma ordem consistente no contexto de
exploração autónoma do jogo, e que percorre uma
trajectória através de três objectivos e competências
associadas:
a) Compreensão da interação com o jogo enquanto
artefacto;
b) Compreensão do jogo na sua representação e
dinâmica;
c) Compreensão do modelo do domínio
representado no jogo;
A actual contribuição reforça a ideia da necessidade
de aprofundar o conhecimento das interdependências
nesta trajectória de aprendizagem, quer para poder
desenhar com confiança estratégias de intervenção do
professor na exploração dos jogos em contexto escolar,
quer como conhecimento útil ao design dos próprios
jogos.
6. Conclusões e trabalho futuro
Os indicadores que estas sessões de exploração
proporcionam apontam claramente para três
conclusões: a) a importância do papel do professor
como facilitador da introdução e da aprendizagem com
jogos em contexto escolar; b) que o jogo Portugal 1111
– A conquista de Soure, potenciou algumas questões
sobre o tema da Reconquista que podem concorrer para
a aprendizagem de conhecimentos históricos sobre este
período; e c) é notória uma trajectória temporal através
dos objectivos de aprendizagem do artefacto, da
dinâmica de jogo e do domínio modelado, com
implicações para o design e para as estratégias de
exploração do jogo.
Estes dados, ainda que preliminares, permitem uma
ampla base de discussão quando se procuram boas
práticas na exploração de jogos em contexto escolar e
na estruturação dos papéis que professores e alunos
podem desempenhar neste contexto.
Obviamente que estamos conscientes das omissões
da presente abordagem ao não referenciarmos questões
como a dinâmica entre grupos de alunos ou nos
referirmos a outras demonstrações de interesse que não
as questões. Contudo, e tendo presente que se tratam de
sessões de exploração sobre uma temática abrangente e
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complexa, apresentamos, com base num caso concreto,
algum material empírico passível de ser sujeito à
apreciação crítica por parte dos stakeholders do
processo de aprendizagem com jogos em contexto
escolar, bem como de outros investigadores.
Deste conjunto de indicadores também poderíamos
assumir algumas questões pertinentes do ponto de vista
de design de jogos de estratégia históricos para uso em
contexto escolar. As inúmeras questões sobre o
domínio da interface concentradas nos primeiros dez
minutos de exploração sugerem que será interessante
equacionar um sistema de tutoria no início do jogo, de
maneira a revelar estes mecanismos de controlo de
uma forma mais eficaz. Por outro lado, é razoável
concluir que embora sujeito a alguma pressão, o
professor pode eficazmente resolver as demandas dos
alunos, sendo estas relativamente previsíveis. Parece-
nos agora ainda mais plausível e merecedor de trabalho
futuro o estudo das possibilidades de concepção de
estratégias de exploração utilizando questões para
acelerar ou acentuar a aprendizagem sobre o domínio
com base em reflexão. Como trabalho futuro e ainda
no âmbito do seu trabalho de Doutoramento o autor
principal pretende estudar a influência do contexto de
exploração escolar na concepção de jogos digitais de
base histórica.
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