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1 UM EXEMPLO DE FORMAÇÃO POLÍTICA NA EXPRESSÃO FEMININA DO POVO: JOANA D’ ARC UM MODELO PARA MICHELET PEREIRA, Jacqueline Nunes (PPE/UEM/CESUMAR) OLIVEIRA, Terezinha (/DFE/PPE/UEM) 1 Introdução O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a forma como Michelet retoma a Baixa Idade Média para discutir as questões políticas de sua época a partir da representação da mulher em “Joana D Arc”, como um exemplo desta expressão. Destacamos que abordaremos a análise do autor a partir de duas figuras: trata-se da mulher expressa por Joana D’ Arc e de outras pessoas que marcaram este período como Alighieri, Brunelleschi. Para fazermos este estudo consideramos importante abordar alguns elementos que, na Europa ocidental, evidenciaram o século XIV como uma época de transição entre o feudalismo e a sociedade burguesa. Este período será estudado com base em aspectos, como a economia, a política, a cultura e a educação, uma vez que eles nos permitem compreender melhor a posição de Michelet em face das transformações sociais da educação e, em especial, do povo no século XIX. Nessa fase da Idade Média, independentemente das distintas interpretações que lhe deram os historiadores do século XIX, toda a estrutura social passava por modificações. As relações econômicas passavam a ser estabelecidas pela nova forma de produção e de trabalho. Em razão disso, o homem medieval via a necessidade de se tornar, na medida do possível, um ser social orientado pelo comércio, pelas relações burguesas. Como em outros períodos históricos, as dificuldades sociais no século XIV geravam mudanças que afetavam significativamente toda a sociedade. Os indivíduos, por meio do trabalho, dos costumes, das idéias e, ao mesmo tempo, pela necessidade de sobrevivência, transformavam as relações que tinham com a natureza e com os demais homens. Assim, as dificuldades sociais interferiam diretamente no pensar, no agir, no comportamento e na formação dos homens no século XIV. Desse modo, graças a grandes

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UM EXEMPLO DE FORMAÇÃO POLÍTICA NA EXPRESSÃO

FEMININA DO POVO: JOANA D’ ARC UM MODELO PARA

MICHELET

PEREIRA, Jacqueline Nunes (PPE/UEM/CESUMAR)

OLIVEIRA, Terezinha (/DFE/PPE/UEM)

1 Introdução

O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a forma como Michelet retoma a Baixa

Idade Média para discutir as questões políticas de sua época a partir da representação da

mulher em “Joana D Arc”, como um exemplo desta expressão. Destacamos que abordaremos

a análise do autor a partir de duas figuras: trata-se da mulher expressa por Joana D’ Arc e de

outras pessoas que marcaram este período como Alighieri, Brunelleschi.

Para fazermos este estudo consideramos importante abordar alguns elementos que, na

Europa ocidental, evidenciaram o século XIV como uma época de transição entre o

feudalismo e a sociedade burguesa. Este período será estudado com base em aspectos, como a

economia, a política, a cultura e a educação, uma vez que eles nos permitem compreender

melhor a posição de Michelet em face das transformações sociais da educação e, em especial,

do povo no século XIX.

Nessa fase da Idade Média, independentemente das distintas interpretações que lhe

deram os historiadores do século XIX, toda a estrutura social passava por modificações. As

relações econômicas passavam a ser estabelecidas pela nova forma de produção e de trabalho.

Em razão disso, o homem medieval via a necessidade de se tornar, na medida do possível, um

ser social orientado pelo comércio, pelas relações burguesas.

Como em outros períodos históricos, as dificuldades sociais no século XIV geravam

mudanças que afetavam significativamente toda a sociedade. Os indivíduos, por meio do

trabalho, dos costumes, das idéias e, ao mesmo tempo, pela necessidade de sobrevivência,

transformavam as relações que tinham com a natureza e com os demais homens.

Assim, as dificuldades sociais interferiam diretamente no pensar, no agir, no

comportamento e na formação dos homens no século XIV. Desse modo, graças a grandes

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mutações políticas e econômicas sofridas pela Europa ocidental, surgem novos interesses,

idéias e comportamentos que vão repercutindo, significativamente na formação da nação.

É nesse processo histórico de formação social, que Michelet vê o povo, em particular,

as mulheres como indicadoras da transformação social. A compreensão sobre a transformação

dos valores da sociedade medieval, de como o povo vai se educando, é um suporte para

identificarmos a linha de raciocínio do autor, especialmente quando se dedica a discutir a

educação e seu papel na defesa da nação.

Le Goff (1991) explica que com o desenvolvimento do comércio, a sociedade passou a

exigir do homem uma nova forma de compreensão de sociedade. Era preciso articular o poder

social, político, econômico e também o ensino, especialmente o primário, que exercia grande

influência na escrita, assim como nas línguas vivas. Na escrita, tem-se o acesso a um novo

modelo, a letra cursiva, essencial à escrita comercial. Criaram-se também instrumentos

práticos, como o ábaco, que respondiam às necessidades crescentes da contabilidade

mercantil, da escrituração dos livros de registro de atos comerciais. Nas línguas vulgares,

sobressaem-se os glossários árabe-latinos, o dicionário trilíngue de latim, cumano (língua

turca) e persa. Por fim, deve-se aos franceses a língua internacional do comércio. Assim como

o cálculo, que teve grande importância na estruturação da nova sociedade (LE GOFF, 1991).

Henri Pirenne (1968), em História econômica e social da Idade Média, atribui às

transformações e modificações no processo histórico ao crescimento do comércio e das

cidades. Menciona os exemplos da circulação do dinheiro entre os medievos e da criação de

uma organização reguladora das atividades comerciais. Outro aspecto importante neste

momento é a propagação da escrita. Vejamos:

Em princípios do século XV, o gênero humano experimentava a necessidade nova de reproduzir, de propagar o pensamento: sobreveio uma espécie de frenesi de escrever. Enriqueceram os escreventes- não as mãos mais belas, e sim as mais ágeis. A grafia, cada vez mais apressada, ameaçava torna-se ilegível.... Os manuscritos até então acorrentados às igrejas, aos conventos, quebravam os grilhões e corriam de mão em mão. Poucos sabiam ler; mas os alfabetizados liam em voz alta; os ignorantes escutavam com avidez tanto maior; guardavam n memória moça e fervorosa, livros inteiros. E bem era preciso ler, ouvir, formar idéias próprias, pois o ensino religioso, a pregação, faltavam em toda. (MICHELET, s/d, p.99)

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Joana D’Arc

No entanto, para entendermos a história de Joana D’Arc, precisamos compreender

alguns aspectos que precederam sua aparição, ela viveu no período de muitas crises

econômicas, demográficas, guerras territoriais e centralização monárquica, ou seja, era um

momento de falência social. Neste período entre 1337 a França e Inglaterra viviam um embate

de sucessão do trono da França, haviam duas possibilidades hereditárias que possuíam a

mesma legitimidade, uma inglesa e outra francesa, devido à morte dos Reis Luis X, Felipe V e

Carlos IV que não tinha herdeiros diretos. Começaram-se então campanhas entre os dois

lados, que passaram a escaramuças, até chegar à guerra. A partir daí, os dois herdeiros se

diziam reis da França e tomavam decisões sobre o destino do país em detrimento das ações do

seu rival. Na França, as duas autoridades, Igreja e Estado, encontravam-se divididas entre si.

Na Inglaterra Estado e Igreja estabelecida, tinham chegado, sob a casa de Lancester, `a união

mais completa Michelet (s/d, p. 07).

Érico Veríssimo (1981, p.19) apresenta uma breve explanação biográfica de Joana D'

Arc, na obra A Vida de Joana D’Arc, segundo o autor, ela é filha de Jacques D´Arc e Isabel.

Nasceu na noite de 6 de janeiro de 1412 no período da “Epifania do senhor” (nascimento de

Jesus), na vila de Domremy em Lorena. Era uma camponesa de família extremamente

religiosa, por isso era cercada de anjos, santos e tinha ema grande influência mística de Santa

Catarina, Santa Margarida e São Miguel Arcanjo.

Segundo Macedo (1989, p.87) Joana D’ Arc, vivia e respirava a sua fé, se tornou uma

expressão do povo estimulada pela missão de salvar a França. Vejamos

[...] procurou o chefe militar da região onde nasceu, “Robert Baudricourt”, pedindo-lhe que a levasse à presença do Delfim. Batista Neto ainda coloca que a fortaleza de Vaucouleurs fica localizada na Champanha oriental, numa área próxima de Lorena. A 6 de março de 1429 um pequeno grupo de cavaleiros fazia a sua entrada em Chinon. Entre eles achava-se (...) Joana D´Arc, que ia pedir audiência ao delfim. Quando, após três dias de espera, esta audiência lhe foi concedida, e ela disse ao rei que tinha sido enviada por Deus, rei do céu, para libertar Orléans, fazer coroar o delfim e expulsar os ingleses da França.

Culminando com esta idéia Grimberg (1989, p.3) assim expressa a ação de Joana D’Arc:

Pediu-lhe imediatamente, que lhe desse um exército com o qual logo partiria em socorro de Orléans. Joana foi atendida em sua solicitação, pois Delfim almejava a coroa francesa. Assim utilizou-se da fé popular para incentivar o exército já

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deficitário, e para conseguir a adesão de camponeses na luta contra os ingleses a fim de libertar e unificar o território francês.

Estes embates, entre outros, é que geravam conflitos no povo interferindo diretamente

no pensar, e nas ações que formariam um novo homem no século XIV. È importante entender

que a guerra na Idade Média era diferente, com avanços muito lentos e localizados

unicamente nas fronteiras, havia muita dificuldade em transpassar uma posição devido a dois

fatores: a simplicidade das armas e as fortalezas de defesa.

Apesar de tudo isso, com o passar dos anos, foi se notando um avanço, pequeno mais

crescente das forças inglesas em território francês, e dois eram os aspectos que determinavam

tal supremacia inglesa: Primeiro; Conforme vão se passando os anos, mais próximos

chegamos ao final do feudalismo, entrando para uma fase em que o sentimento de nação

começa a amadurecer no coração do homem. Segundo; a Inglaterra por ser pequena unida e

muito organizada processou esta mudança patriota com mais rapidez e efetividade do que a

França.

Podemos dizer que Joana D’Arc vivia um dos momentos mais frágeis que a França

passou durante toda a guerra, ou seja, nunca as forças inglesas estiveram tão avançadas em

territórios franceses, inclusive, perigosamente próxima ao Delfim Carlos VII.

Michelet explica que, mesmo que o homem tente modificar a sociedade, mesmo que

busque a liberdade de ação, é muito difícil conseguir resultados imediatos, visíveis, no próprio

momento em que vive. As respostas só serão vistas em outras gerações e o fruto que almeja

colher poderá ou não ser colhido por elas.

Com efeito, as situações históricas que o cercam explicam as mudanças de sua análise:

a cada passo, ele constrói um novo olhar sobre a sociedade. Este olhar é justamente o que o

faz diferente, ousado, peculiar em sua época. Michelet buscou também exemplos de bravura e

conseguiu pontuar a força de pessoas, intelectuais ou populares, que enfrentaram, com

tenacidade, a visão religiosa que predominou na história por mais de seis séculos.

Michelet, ao estudar as diferentes épocas medievais, consegue identificar que, no

século XIV, embora a Igreja cristã estivesse perdendo sua força política e religiosa, mantinha

grande influência no modo de ser dos homens, como exemplo, ele menciona a radicalização

da inquisição em toda Europa neste período.

Em primeiro lugar, outorgou aos senhores leigos e eclesiásticos leis terríveis, prescrevendo a justiça de paz a perseguição dos servos e obreiros que fugiam de

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condado em condado. Organizou-se uma inquisição regular contra a heresia.O chanceler,o tesoureiro,os juízes,assumindo as suas funções,eram obrigados a jurar que fariam toda diligencia por encontrar e exterminar os hereges. Simultaneamente, o prismaz da Inglaterra intimou bispos e arcediagos a se informarem pelo menos duas vezes por ano das pessoas suspeitas de heresia, a exigiram em cada comuna que três homens respeitáveis declarassem, sob juramento, se conheciam hereges, indivíduos diferentes dos outros na vida e nos hábitos, gente que tolerasse ou recebesse os suspeitos, que possuísse livros perniciosos em idiomas inglês. et. (MICHELET, s/a, p.13).

É em meio a estes embates entre o povo e a Igreja, que Joana D’Arc. nasce, vive e

constrói a sua história. Vida que se reflete em cada pagina escrita por Michelet na obra Joana

D’ Arc. O autor busca esta realidade histórica expressando que esta mulher, acima de tudo,

luta a pedido da vontade divina pelo seu povo, ou seja, pela nação francesa. Eis aí a grande

admiração de Michelet pela força que a mulher tem sobre a formação da sociedade medieva.

A originalidade da donzela, a causa do seu sucesso não foi tanto os eu valor nem suas visões; foi o seu bom senso. através do seu entusiasmo, essa filha do povo enxergou solução.Ela cortou nó que políticos incrédulos não logravam desmanchar. Declarou em nome de Deus, que Carlos VII era o herdeiro; tranqüilizou-o, quanto à legitimidade de que ele próprio duvidava. Santificou essa legitimidade, levando o seu rei diretamente a Reims, conquistando sobre os ingleses, graças à presteza, a vantagem decisiva da sagração. (MICHELET, s/dp.119)

Segundo Michelet, o episódio de Joana D' Arc expressaria um embrião nacional.

Nesta linha, Michelet descreve as pessoas do povo como atores que também mudavam a

história da humanidade.

Inocente rebelião que dura por toda a Idade Média. Inocente, repito-o, no instinto de um coração simples e puro. Quem não sabe que a melhor alma da França, aquela em que renasceu a França, a virgem santa Joana D’ Arc, teve sua primeira inspiração nos confins da Lorena, na misteriosa clareira onde se elevava, com mil anos de idade, a árvore das fadas, árvore eloqüente que lhe falou da Pátria? (MICHELET, 1992, p, 85).

Michelet dá voz às pessoas do povo, como Joana D`Arc, porque procura realçar, para

os homens de seu século, as manifestações que moveram a civilização em tempos anteriores

e, por isso, descreve as pessoas do povo como atores que também mudaram a história.

Segundo ele, o episódio de Joana D’ Arc expressaria um embrião nacional, um elemento da

pátria que ele almeja e quer construir no século XIX.

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Talvez seja por isso que quando ele se refere à mulher da Idade Média, ele a chame de

feiticeira. Provavelmente ele proceda dessa forma porque a situa em um tempo em que este

papel era poderoso. Contudo, esclarece que isso só pode acontecer, no século XIV e XV,

quando a sociedade vivia grandes perturbações e os homens perdiam a esperança porque as

classes que então dirigiam a sociedade não tinham mais condições de conduzi-la. A seu ver, é

aí que o camponês se rebela contra o céu e contra os seus dirigentes.

Macedo (2005 p.90) complementa dizendo que Joana D’Arc, “para os franceses,

representou a França o desejo do povo, a vontade divina. Assim como se acreditava que a

Virgem Maria reparou o pecado de Eva, os franceses confiavam numa profecia popular da

época, na qual se dizia que o reino seria entregue, aos inimigos por causa de uma mulher e

libertado por uma viagem”.

Nogueira (1992) pontua que estas reflexões contidas na Agonia da Idade Média, assim

como na obra Joana D’ Arc, não podem estar dissociadas da grande obra que Michelet

publica em 1863: A Feiticeira. Para ele, esta obra significaria a transição de uma visão idílica

para a sua maturidade. Por fim, representaria a obra de peso de Michelet.

Avançado pelos silêncios da história Michelet é um precursor, um homem de arquivos que trocava a serenidade e aridez “científicas”, pela prosa colorida e apaixonada. Desenganado por uma Idade Média, decantado pelo romantismo, vai ao fundo do abismo para encontrar o estranho, a marginalidade, a periferia de um mundo ordenado, em suma, os grandes temas dos medievalistas atuais. Se em A Agonia, quase tudo é trevas, estas não representam o fim, mas o purgatório necessário para o encontro da luz, da luz do povo, da liberdade dos simples, que nos remete à outra dimensão da história, como um guia na descoberta de uma Idade média total (NOGUEIRA, 1992, p.13).

O que Michelet essencialmente deplora é a condição espiritual que cria uma sociedade

dividida e alucinada, sem espírito de união, de totalidade.

Neste sentido, Oliveira (1996) ao analisar aspectos da Idade Média, situa o

pensamento deste autor no contexto de luta contra o clero e a nobreza, o que explicaria uma

analogia com “a época das bruxas”.

Assim, ainda que se atribua à emergência das camadas populares no cenário político da segunda metade do século XIX como um fator decisivo para que Michelet escrevesse A Feiticeira, entendemos que nesta obra podemos vislumbrar mais sua posição anticlerical e contraria as classes dominantes de então do que uma exaltação do povo. Ao contrário, a acusação de Michelet dirige-se ao clero e à nobreza por terem conduzido a situação a um ponto em que as camadas populares foram obrigadas a buscar no diabo justamente a esperança que, até então, haviam buscado em Deus. (OLIVEIRA, 1996, p.143).

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Desta forma, entendemos que as transformações vividas durante o século XIV não

diziam respeito apenas às mulheres, aos padres, artistas, arquitetos, bispos, papas, magos ou

bruxas, mas estavam relacionados com o processo de transformação do modo de produção

feudal para o capitalismo, que arrastava todos os segmentos sociais e se manifestava pelas

mais diversas vias, inclusive a educacional.

Michelet afirma que as agitações e perseguições ocorreram em todos os períodos

históricos.

Quanto caminho ele percorreu desde o tempo do Evangelho, quando estava muito feliz por se alojar em porcos, até a época de Dante, em que, teólogos e jurista, argumentam com os santos, pleiteia e, para concluir um silogismo, arrebatando a alma disputada com riso triunfante: “Não sabias que estava versado em lógica” (MICHELET, 1992, b, p. 98).

Ao mesmo tempo não consegue disfarçar o seu desapontamento com alguns homens

que, mesmo sendo intelectuais, torturaram o povo com seus martírios e dogmas.

Aí começa uma época de terrores crescentes, em que o homem confia cada vez menos na proteção divina. O demônio não é mais um espírito furtivo, um ladrão de noite que se desloca nas trevas; é o intrépido adversário, o audacioso imitador de Deus, que, sob sol, em pleno dia, falsifica sua criação. Quem disse isso? A legenda? Não, Alberto, o Grande. Santo Tomás vai mais longe. “Todas as mudanças que podem ser feitas pela natureza e pelos germes” diz ele, O diabo pode imitar (MICHELET, 1992, b, p. 99).

Em suma, na nova ordem que o mundo vai assumindo, novos e velhos hábitos,

costumes e atitudes de comportamento coexistem, expressando momentos de crise de uma

sociedade e do nascimento de outra.

Segundo Huizinga (1996), a igreja tinha um papel importante para a construção do

pensamento medievo e modificava seus paradigmas, de acordo com os conflitos sociais,

A igreja na Idade Média tolerava muitas extravagâncias religiosas desde que não conduzissem a novidades de espécie revolucionária em pontos de moral e de doutrina. Enquanto se confinasse dentro dos limites das fantasias hiperbólicas e dos êxtases a emoção superabundante não constituía perigo (HUIZINGA, 1996, p. 202).

Procurando evidenciar aspectos reveladores de discordâncias produzidas no interior

da Idade Média, Michelet se detêm no século XIV, quando se instalava a sociedade

burguesa e os comportamentos sociais já indicavam mudanças significativas na história. Ele

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aponta a produção de uma literatura, cujo viés era diferente daquele e sustentava o período

medievo. Demonstra sua indignação com a sociedade que esquecia homens como Dante.

Vede vós mesmos. Em 1300, a obra mais inspirada, mais calculada, esse mortal esforço de ciência e de paixão concentrada, a Divina Comédia passa e não tem nenhuma influência. Florença, que nesse momento sucede em toda a parte aos judeus, no banco e na agiotagem, tem outra coisa a fazer. A Itália, antidantesca, só lê Decamerom. O grande poema teológico é restituído a Santo Tomás, à escola e à Igreja, às prédicas do domingo (MICHELET, 1992, p. 60).

Dessa forma, Michelet vai, notoriamente, dando força a homens que, entre um

processo e outro, fizeram valer a história. Aponta, nesse homem, uma tentativa de mudança

na Idade média, um novo olhar que, a seu ver, era triunfante, de uma construção que se

apoiava em si mesma, no cálculo e na autoridade da razão. No entanto, do mesmo modo como

aconteceu com Alighieri, Brunelleschi também foi ignorado pela maior parte dos homens de

seu tempo.

Conclusão

Podemos refletir ao final desta exposição que Joana D’Arc, foi uma personagem

feminina que rompeu todos os modelos de conduta, haja vista que as mulheres viviam numa

sociedade patriarcal, onde tudo lhe era negado. Ela tinha o espírito político em suas veias,

liderou o exército francês, mudou sua imagem, cortou o seu cabelo, não se importou em vestir

roupas masculinas, porque sabia que o que a conduzia era muito mais que sua imagem, era a

sua alma, era obedecer à voz de Deus, em prol de sua missão, “libertar a França”.

Diante de sua história, podemos dizer que Michelet, encontra nas ações de Joana D’

Arc, um exemplo de mulher para ao seu tempo, um exemplo de formação política, pois se

tratava de uma “mulher” que tinha um ideal; que não tinha medo de lutar pelo seu povo.

És justamente isso que Michelet valoriza e apresenta como exemplo de mulher. Ele

buscava este espírito de luta, pois tinha como meta a reunificação do povo francês, especialmente o

Terceiro Estado, em nome da formação da nação.

Por fim, podemos dizer que, ele procura reconstituir não só os acontecimentos, mas também

dar vida a história de “pessoas” como Joana D’Arc, empenhadas na luta pela liberdade e que poderiam

servir de modelo para os homens do século XIX.

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REFERÊNCIAS

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Europa América, 1989.

HUIZINGA, Johan, O Declínio da Idade Média. Braga: Ulisseia. 1996.

LE GOFF, Jacques. Os Intelectuais na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média. 4. ed., São Paulo: Contexto, 1999.

MICHELET. Jules. O Povo. São Paulo, Martins Fontes, 1988.

__________. A Agonia da Idade Média. São Paulo, EDUC/ Imaginário, 1992.

__________ . A Feiticeira. 3ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992.

__________ . A Mulher. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

__________. Joana D’Arc. Casa Editora Vechchi Ltda. RJ. S/A.

OLIVEIRA, Terezinha. Guizot e a Idade Média. 1996.

HIRENNE, Henri. História Econômica e Social da Idade Média. 4. ed. são Paulo: Mestre

Jou, 1968.

TAVARES, Juliana. A Santa Guerreira. Revista Aventuras na História. São Paulo, nº. 8,

2005.

VERÍSSIMO, Érico. A Vida de Joana D’Arc. Rio de Janeiro/Porto Alegre: Globo, 1981.