Um Funeral na Grécia

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O roubo misterioso de um diamante é o fio condutor desta intrigante narrativa, a qual envolve Valéria, uma turista brasileira que viaja à paradisíaca Grécia para rever sua família. No entanto, a moça é surpreendida por algo inesperado: o funeral de sua querida avó. Em meio a esse pesaroso acontecimento, Valéria passa a ser envolvida em uma grandiosa e misteriosa trama, que atravessa os continentes e suscita emoções ao longo desta fascinante história.

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São Paulo 2014

FuneralGréciana

um

talentos da literatura brasileira

Ma r i a Lu i z a B o r t o n i N i n i s

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índice para catálogo sistemático:1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

Copyright © 2014 by Maria Luiza Bortoni Ninis

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Coordenação Editorial

Capa

Preparação

Projeto Gráfico e Diagramação

Revisão

Letícia Teófilo

Monalisa Morato

Patricia Almeida

Project Nine

Rinaldo Milesi

Novo Século

2014IMPRESSO NO BRASILPRINTED IN BRAZIL

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO ÀNOVO SÉCULO EDITORA LTDA.

CEA – Centro Empresarial Araguaia IIAlameda Araguaia 2190 – 11º Andar

Bloco A – Conjunto 1111CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SP

Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br

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Ninis, Maria Luiza BortoniFuneral na Grécia / Maria Luiza Bortoni Ninis.-- 1. ed. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. -- (Coleção talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

14-02373 CDD-869.93

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Sempre admirei a Grécia:

Seus heróis, sua História,

Seus monumentos.

Casei-me com um grego;

Passei a amar a Grécia,

Sua hospitalidade, sua alegria,

Seu calor humano.

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Algumas pessoas me ajudaram a conhecer um pouco do exótico Mato Grosso:

José Antônio Afif Cruz; Os doutores Lívia e Júnior Marin; A doutora Joana Maria Bortoni Ninis; Os autores Antonio José Ferreira da Costa, Ade-

lino Dias da Silva e Maria Lygia de Borges Garcia, com seus livros Pantanal em versos e rimas, Dados históricos e biográficos diamantinenses e... e também conto o que me contaram.

A todos esses, meu muito obrigada! Agradeço tam-bém ao simpático povo do Mato Grosso, muito bem representado pelo senhor Rubens Herói.

Agradeço ainda à minha cubara Cristina Trivisas Gomes, ao meu neto Gabriel Bortoni Ninis Ladislau, à minha filha Valéria Augusta Bortoni Ninis e aos ami-gos Patrícia e Paulo Cezar de Souza.

Um agradecimento especial à professora Rosa Maria Campos Gonçalves e ao notável escritor Fran-cisco Villela.

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Pre fác io

O primeiro romance de Maria Luiza, autora de livros de poemas e de crônicas, é uma surpresa agra-dável e interessante. Lavrado em linguagem clássica irrepreensível, sem pretensões de renovação de escritas e gêneros, vai mostrando aos poucos a ação repleta de movimento com pessoas, fatos e dados do seu segundo país-lar, a Grécia, aquisição para a vida desde que se casou e constituiu família com um imigrante grego no sul de Minas.

Sua atuação profissional de décadas como advogada deve fornecer-lhe muitas indicações a respeito do fun-cionamento do mundo do crime, exibidas com habili-dade de veterana na construção da trama vertiginosa com aparência de filme de ação. Neste livro, faz uma combinação alquímica entre os ingredientes presentes nesses casos e suas lembranças familiares da Grécia e do Brasil.

A arquitetura do romance segue, ao mesmo tempo, as exigências da trama policial e as dos acontecimentos pessoais, familiares e amorosos em que vão se enredando

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as personagens, pintadas em traços sempre rápidos com vivas tintas e nuances, a ponto de levar o leitor, mais que à leitura, a uma espécie de visão dos fatos intrincados que só aos poucos vão se desenrolando e clareando as tramas menores que se espalham pelas páginas.

À parte uma leve sensação inicial de “primeiro romance”, real, talvez, mas que não se firma com o avanço da leitura, Maria Luiza apresenta-se como vete-rana da antiga arte de contar histórias que vão se enla-çando e reforçando as feições das personagens, criando cenas e climas densos, com desfechos que favorecem o ritmo incessante da narração e abrem janelas a novos acontecimentos.

As tintas autobiográficas são delicadas, e colocam--se sempre no contexto da corrente das ações, integra-das de forma harmônica à psicologia das personagens e ao desenrolar das tramas. Deve-se perdoar à autora uma talvez permanência em certos trechos de amor e alegria, festas e encontros familiares e de amigos, por adicionarem incríveis sabores e cores aos movimentos incessantes dos fatos.

Maria Luiza certamente irá nos surpreender mais vezes, como com este Um funeral na Grécia, em que o inesperado leva o leitor por caminhos de tirar o fôlego, engenhosos e repletos de aventuras e suspense. E tudo isso se desenrola ao mesmo tempo em cenários

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de famílias e num universo de eventos típicos de um mundo à parte do cidadão comum: o mundo do crime, aqui tratado na contemplação da sua realidade, das suas eventuais e raras pausas de leveza e da imensa brutali-dade, sem falsos pressupostos de favores e censuras.

Com este primeiro romance, Maria Luiza confere relevo à milenar arte de contar histórias, e, a par se deter com precisão nas amenidades dos encontros familiares, não teme cenas de extrema crueza e violência, como a do estupro quase ao final, momento em que a trama acelera-se e ganha sólida consistência o roteiro para um futuro filme.

A linguagem do cinema opera em seus territórios próprios, mas, entre outros, o fator ritmo é compar-tilhado com a literatura. E desbordam do romance a cadência, os timings exatos, as quebras entre capítu-los “familiares” e “de crime”, que nunca separam áreas estanques, mas enlaçam seus elementos e o leitor numa rede permanente.

Certamente, Maria Luiza inicia com este seu pri-meiro romance uma série de novos escritos. É desejo dos seus leitores que as qualidades e os achados, assim como as invenções deste Um funeral na Grécia, sejam aumentados, desenvolvidos e aperfeiçoados.

Só assim manteremos o prazer de ler, acompanhar e ouvir histórias – milenar atividade tornada sempre viva

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pelas autoras que, como Maria Luiza, atrevem-se ao seu capricho.

Brasília, 13 agosto 2013. Há pessoas que temem encontros de 13 com agosto. Romancistas não prestam atenção a essas banalidades; a força do mundo e das palavras é maior.

Francisco Villela

Francisco Villela, 70, é escritor, editor, redator e designer de livros. Hoje dedica-se a temas de política internacional e também registra e edita obras de resgate de memó-rias sociais brasileiras.

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Primei ra Par t e

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O estado do Mato Grosso possui uma natureza admirável e pródiga. É nesta área que se originam os principais afl uentes de três grandes bacias hidrográfi cas do Brasil: Amazônica, Platina e Tocantins Araguaia.

Em seus rios límpidos e piscosos, centenas de car-dumes de matrinxãs, piraputangas, cacharas, tucuna-rés, pacupevas e outros tipos de peixes deslizam sob os olhares admirados de turistas e pescadores.

Em alguns desses rios, desenvolvem-se atividades de garimpo, com extração de ouro e diamante.

Nos primórdios da colonização brasileira, os fantásti-cos relatos sobre as imensas riquezas encontradas no inte-rior do continente impulsionaram bandeirantes paulistas a se lançarem em audaciosas incursões para o Centro--Oeste. Seguindo o curso dos rios, esses homens desco-briram ricas jazidas de ouro e alargaram as fronteiras bra-sileiras. Quanto ao diamante, o Brasil deteve o monopólio mundial da produção por cerca de 150 anos. Hoje, per-deu a primazia para outros países, embora ainda exista a extração da preciosa gema, ainda que em pequena escala.

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Sentados a uma mesinha, à beira da piscina no luxuoso hotel situado no pantanal mato-grossense, três pessoas conversavam enquanto degustavam um uísque escocês com gelo, acompanhado de pedaços de tamba-quis, empanados e fritos. Se alguém as olhasse repen-tinamente, pensaria tratar-se de três homens, porém, observando melhor, perceberia que um dos três indi-víduos era uma mulher. Magra, cabelos muito curtos, calças jeans, gestos masculinizados, sem nenhum ade-reço ou pintura, lembrando a fisionomia de um rapaz. Era nova ainda, talvez trinta anos. Quanto aos homens, um era brasileiro e o outro, inglês. O primeiro era bem moreno, cabelos escorridos, a face marcada por uma grande cicatriz, ombros e braços musculosos, aparen-tando uma grande força física. O outro, que acabara de se levantar para acenar ao garçom, possuía estatura elevada, cabelo loiro e traços finos. Um homem bonito, diriam as pessoas que o avistassem a certa distância, impressão esta que se desfazia ao se aproximar e deparar com dois olhos de um azul esmaecido de uma frieza tão grande que causava mal-estar.

Um grande alvoroço se formou na piscina. Uma pes-soa que estava no mirante do hotel, a poucos passos dali, disse que avistara duas grandes aves pernaltas, na mar-gem oposta do rio Cuiabá, que contornava o complexo turístico. Todos os hóspedes que se encontravam na pis-cina correram para tomar o elevador e atingir o mirante

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a fim de não perder a visão encantadora do lado oposto do Cuiabá: dois tuiuiús, a ave símbolo do Pantanal, com suas plumagens pretas e seus bicos vermelhos, cercados de dezenas de garças. Enquanto os demais hóspedes se deslumbravam com a visão privilegiada dos belos pássa-ros, as três pessoas descritas nem se moveram. Apreciar a natureza com suas nuances coloridas, suas paisagens variadas, flores e animais desperta a atenção de pessoas sensíveis, no entanto, sensibilidade era algo que aqueles indivíduos nem imaginavam que existisse.

O Pantanal é constituído por extensos campos inundáveis. Sua flora, com características singulares, e a rica fauna têm atraído, principalmente nos últimos anos, centenas de turistas, os quais vêm dos mais dis-tantes lugares do Brasil e de outros países do mundo para apreciar a grande variedade de plantas, peixes, aves, além de outros animais, como capivaras, onças pintadas e jacarés que cochilam nas lagoas.

Para chegar a hotéis na região pantaneira, os turistas precisam enfrentar estradas precárias em meio ao cer-rado ou rios cheios de jacarés e piranhas. Para isso, é pre-ciso que estejam movidos pelo desejo de conhecer lugares paradisíacos com uma flora e fauna peculiares e que se harmonizem com a natureza. Entretanto, os três com-panheiros que degustavam o malte escocês não haviam viajado até ali para apreciar a paisagem. Após um pro-longado silêncio, a moça falou para o homem moreno:

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– Você entendeu, Clodô, por que viemos para cá? Estamos registrados, Mike e eu, como turistas america-nos, e você como nosso guia.

– Tudo bem, dona Eva. Só não entendi para que vim para esse fim de mundo. Nóis podia ter ficado em Cuiabá mesmo.

– Preste atenção, Clodô. Turistas não ficam em Cuiabá. Turistas vêm para cá. E, além disso, o Mike tem um assunto para resolver aqui. Aquele do jacaré, você sabe.

– Esse negócio de exportação de jacaré não é ilegal? – Fale baixo, Clodô. Quer que o garçom escute? É

claro que não é legal!Mike falou em inglês para Eva:– Esse cara é um “besta”. Mas é forte e nós precisa-

mos dele.– O que foi que o Mike falou, dona Eva? – pergun-

tou Clodô.– Disse para você verificar se está tudo certo com a

caminhonete, porque vamos sair amanhã bem cedo.– Rumo a Cuiabá?– É. E de lá para Diamantino.

Já passava do meio-dia quando Mike e seus com-panheiros deixaram Cuiabá. Embora sendo inverno, o calor na capital do Mato Grosso era intenso.

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– Eva, mande este estafermo ligar o ar-condicionado deste carro. O calor desta porcaria de país é insuportá-vel! – gritou Mike, em inglês.

“Se é uma porcaria de país, o que você está fazendo aqui?”, pensou Eva, porém não respondeu nada a Mike e mandou Clodô, que estava na direção, ligar o ar-refrige-rado. Ela poderia ter dito isso em voz alta, afinal Mike não iria mesmo entender, embora já tivesse vindo ao Brasil algumas vezes.

Procurado pela polícia londrina, Mike fora um ladrão comum até poucos anos atrás. Vivia perambu-lando pelas ruas de Londres, sempre escondido dos policiais, até o dia em que conheceu um grupo de con-trabandistas. Ligando-se a eles, especializou-se no con-trabando internacional de pedras preciosas. Conhecera Eva em São Paulo, após ela lhe ter sido indicada por um companheiro de trapaças como uma intérprete de confiança. Com a ajuda da tradutora, descobrira Clodo-mildes, vulgo Clodô, ali mesmo no Mato Grosso.

Alto Paraguai é um vilarejo que se situa próximo à nascente do grande rio Paraguai e a poucos quilô-metros da cidade de Diamantino, no estado do Mato Grosso. É um lugar muito pobre, cidade de garimpei-ros, gente que vive de esperança, que vai arrastando os dias, enganando a fome, trabalhando duro no garimpo,

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sempre acalentando o sonho de encontrar um diamante puro, uma pedra valiosa, uma gema encantada que os tire daquela vida miserável e transforme suas ilusões em realidade.

Porém, nem sempre fora assim. A cidade já conhe-cera dias de glória. O garimpo ali teve início por volta dos anos 1930. No início era um pequeno arraial, conhecido por Gatinho – nome de um córrego à mar-gem esquerda do rio Paraguai. Com o crescimento do garimpo, o arraial se transformou em uma vila com escola pública, igreja, posto de saúde e até cinema. Em 1953, a vila passou à categoria de cidade com o nome de Alto Paraguai. Entrementes, com a exploração depre-dadora, a riqueza foi se esgotando, dando a impressão de ter sido sugada. Tornou-se muito difícil encontrar uma pedra de valor garimpando com bateia. Começa-ram, então, a usar equipamentos mais pesados em busca do diamante e, consequentemente, avolumou-se o pro-cesso de destruição da natureza, do meio ambiente e o esgotamento das minas. Surgiram muitos indivíduos com retardo mental, conhecidos como bobós, doença provavelmente provocada pelo uso indiscriminado do mercúrio na exploração mineral. Todos esses proble-mas geraram um quadro de crise social, decadência e intensa emigração.

A devassidão moral trazida com o dinheiro fácil, com a implantação de cabarés e bares como o “Quebra

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Cabaço” e “Tira Sentido”, continuou existindo, agora impulsionada pela miséria, que empurra meninas para a prostituição. Com as crateras em torno da cidade, dei-xadas pelas minas, ficou a lembrança de um tempo de riqueza fácil e prosperidade.

Sentado à porta de seu casebre, Nazaré fazia pla-nos para o futuro. Falava consigo mesmo e, às vezes, um sorriso de felicidade assomava seus lábios. Devia ter, no máximo, quarenta anos, porém a aparência era de um homem bem mais velho, o rosto gretado pelo sol escaldante de uma das regiões mais quentes do Bra-sil. Sua felicidade era evidente e se estampava no sor-riso que mostrava dentes falhos e descuidados. “Agora poderei sair desta vida de miséria e dar um futuro bom para as crianças”, pensava consigo. Eram três: o menino que fazia o dever escolar, sentado em um banco tosco à pequena mesa da cozinha, a menina de dois anos e o que ainda estava no bucho da mãe. A mulher passou por ele, levando a pequena pela mão.

– Vô comprá farinha p’ra engrossá o escaldado p’ra janta.

– Tudo bem, mulher.A esposa de Nazaré se afastou lentamente, os chine-

los levantando poeira na rua sem calçamento, enquanto o sol descambava no horizonte.

Nazaré retornou aos seus planos. Partiria na manhã seguinte para Cuiabá. Pegaria uma jardineira

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até Diamantino e, de lá, um ônibus para a capital do estado. Conhecia um capangueiro de confiança. Levaria a pedra para ele e, fechando negócio, sua vida muda-ria completamente. Tencionava montar uma pequena loja em Cuiabá, comprar uma casa e educar os filhos. “Meus filhos vão sê dotô, vão istudá, vão sê dotô!” Uma lágrima correu pela face morena de Nazaré. Chorava de felicidade, mas já chorara muito de tristeza e de fome. Mas isso ficaria para trás. Quantas vezes invejara a sorte dos companheiros mais afortunados que possuíam uma draga. Como era difícil trabalhar com bateias e pica-retas! Separar o cascalho das pedras de valor, mesmo das de pequeno valor. Quantas vezes sonhara encontrar um diamante de verdade, uma pedra realmente pre-ciosa, dessas que enfeitam o colo de rainhas e estrelas de cinema. Quantas vezes sonhara em sair do casebre de dois cômodos em que vivia com a família para um lugar mais confortável. Sonhara, sonhara muito. Pedira a Deus, pedira demais! E Ele o havia atendido. Levantou-se e foi até o tosco armário no quarto. Abriu a gaveta e desenrolou a flanela. O diamante brilhou diante de dois olhos deslumbrados. Era realmente uma pedra linda e devia pesar mais de cinquenta quilates. E era dele, ele a achara na véspera, às margens do rio Paraguai. Não era o primeiro a ter essa sorte. Era muito raro acontecer, mas, de vez em quando, algum garimpeiro afortunado encontrava uma pedra de valor. Entretanto, geralmente,

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perdiam todo o dinheiro que custara tanto a vir! Não sabia por que, mas achava que era uma sina maldita do garimpo. Lembrou-se do Tião Ernesto. Nos tempos de pobreza, ele só pensava em poder comer pão com manteiga, era louco por manteiga. Um dia achou uma pedra valiosa. Fechou o bordel da cidade a suas expen-sas, ficou nu e mandou que as moças o lambuzassem de manteiga, quilos e quilos do creme. Coitado, aca-bou pondo toda sua fortuna fora, com as raparigas. E o Mané? Ficou conhecido como Mané do saco. Achara uma pedra linda, um diamante meio rosa. Acho que o coitado enlouqueceu de alegria. Vendeu a gema, colocou um montão de dinheiro num saco e saiu pelo mundo arrastando o fardo. De vez em quando parava, olhava para trás e falava com o dinheiro: “Corri a vida toda atrás de você, mas agora é você que corre atrás de mim”. Ficou com pena dos companheiros. Tornou a embru-lhar o diamante e o recolocou no mesmo lugar.

Retornando à cozinha, viu que a mulher já voltara e estava terminando o jantar. Olhou-a com ternura, sua companheira, uma mulher de valor. Nunca reclamava da sorte. Duas vezes por semana ia até Diamantino tra-balhar como faxineira e seu ganho garantia a comida da família quando ele nada conseguia no garimpo. O menino ainda fazia o dever de casa. Era um bom menino. A menina segurava a saia da mãe, ainda tão pequena! Fitou-os por alguns instantes e foi se sentar

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novamente na soleira da porta. A noite não tardava a cair e, na manhã seguinte bem cedo, ele partiria, parti-ria rumo a uma vida melhor.

Ainda estava assentado à porta quando avistou uma caminhonete no início da rua. O que será que um carro tão caro está fazendo aqui em nossa cidade? Assustou--se quando o veículo estacionou em frente à sua casa e dele saíram três pessoas.

– É aqui que mora o Nazaré? – perguntou uma moça, com aparência de rapaz.

– Sou eu. O que ocês querem?Um homem louro falou alguma coisa para a moça

em uma língua que Nazaré não entendeu. Ela traduziu:– Nós precisamos ter uma conversinha lá dentro

da casa. O homem estrangeiro tinha um olhar esquisito. O

garimpeiro sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo.– Podem dizer o que querem aqui memo.O outro homem, que descera da caminhonete,

olhou para Nazaré e colocou a mão em um revólver que trazia na cintura.

– Não escutô a moça? Dentro de casa!Nazaré entrou e fez sinal para a mulher ir para o quarto

com as crianças. A voz tremia quando voltou a perguntar:– O que ocês querem?– Nós viemos lhe propor um negócio! – O homem

louro falava e a moça traduzia.

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Nazaré empalideceu.– Que negócio?– Você tem uma coisa que nos interessa. Abra a

maleta, Clodô. O homem moreno obedeceu e abriu sobre a mesa

uma maleta cheia de dinheiro.– Aqui tem cem mil reais. Você fica com o dinheiro

e nós vamos levar o diamante. – Que diamante? Aqui não tem diamante nenhum.– Ora, seu Nazaré, não nos faça perder tempo. Vá

pegar a pedra.– Já disse que não tenho pedra.O estrangeiro olhou para o homem moreno, que

encostou a arma na cabeça do garimpeiro. – É um bom negócio. Entregue a pedra.Nazaré tremia e chorava.– Cem mil reais é muito pouco. Ela vale muito mais

que isto.– Então existe um diamante mesmo, hein, Nazaré?

Estava querendo nos passar para trás – disse a moça.– Já disse que não tenho nenhum diamante – bal-

buciou o garimpeiro.– Dê um fim neste homem, Clodô, e depois procure

a pedra. Não vai ser difícil achá-la neste casebre.Clodô encostou a arma na testa de Nazaré e armou

o gatilho. Neste instante, a esposa de Nazaré apareceu na porta do quarto com um embrulho de flanela na mão.

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– Por favor, seu moço, num atira. O qui ocês tão pro-curando tá aqui.

Eva pegou o embrulho e o abriu sobre a mesa. O brilho da pedra iluminou a semipenumbra da cozinha. Os olhos dos três bandidos faiscaram de cobiça. Pega-ram o diamante e a valise com o dinheiro.

– Vamos embora, rápido. Mas antes, dê um tiro nele, Clodô, só para aprender a não ser teimoso! – O homem mirou o peito de Nazaré. Neste instante um grito ecoou na porta do quarto. Clodô baixou a arma e atirou na perna do garimpeiro.

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