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2UM GRITO DE LIBERDADE
FERNANDA VARELA
3UM GRITO DE LIBERDADE
FERNANDA VARELA
Fernanda Varela
Faculdade Social da BahiaSalvador/Bahia
2015
4UM GRITO DE LIBERDADE
FERNANDA VARELA
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FERNANDA VARELA
TEXTOS
Fernanda Varela
ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Eliezer Araújo
FOTOS
Jornal Correio, Felipe Oliveira eDadá Jaques
EDIÇÃO DE IMAGENS
Fernanda Varela
REVISÃO
Antonio Brotas
CRIAÇÃO E DIAGRAMAÇÃO
Dadá Jaques
VARELA, Fernanda Um Grito de Liberdade – O processo de democratização do Esporte Clube Bahia./Fernanda Varela. – Salvador: Faculdade Social da Bahia, 2015. 100p.; 15cm x 21cm
1. Esporte Clube Bahia 2. Política
2015 Faculdade Social da Bahia
FICHA CATALOGRÁFICA
Grafia atualizada segundo o acordo ortográfico da língua portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Faculdade Social da BahiaAvenida Oceânica, 2717 - Ondina, Salvador - BA
PARA HIDILIO (in memoriam),
meu pai e anjo da guarda,
responsável por todo esse amor
ao futebol que carrego comigo, a
Rosana e Rodrigo, minha mãe e
irmão, que sempre estiveram ao
meu lado e são a minha força para
ter chegado ao fim de mais uma
etapa na minha vida, e a Elton, meu
companheiro, porto seguro e grande
amor da minha vida,
para sempre.
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FERNANDA VARELA
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FERNANDA VARELA
AO FUTEBOL e ao Esporte Clube Bahia,
que são grandes paixões na minha vida, por
me fazerem viver momentos incríveis como
torcedora e como estagiária de jornalismo;
A todos os meus familiares, que do céu
ou da terra, sempre me fizeram acreditar
que eu posso conseguir tudo o que
desejo, desde que batalhe por isso, e estão
sempre ao meu lado para aplaudir minhas
conquistas;
A meus antigos e atuais chefes: Elton
Serra, pela primeira oportunidade dada;
Wladmir Pinheiro, por abrir as portas do
Correio para mim; Herbem Gramacho
e Miro Palma, pela compreensão neste
processo difícil e por acreditarem
diariamente no meu potencial, me ajudando
a crescer profissionalmente;
Ao jornal Correio e ao fotógrafo Felipe
Oliveira, pela liberação do uso das fotos no
meu trabalho;
A todos os amigos de infância, aos
colegas de trabalho, e, aos não menos
importantes, Bárbara Souza e meu
orientador Antônio Brotas e a coordenadora
do curso de jornalismo Bárbara Souza.
Todos estão sempre ao meu lado e me
deram grande suporte para a realização
desta obra.
AGRADECIMENTOS
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Prefácio 10Apresentação 12Esporte Clube Bahia 14O primeiro passo 18MGF ameaçado 38A gota d’água 50Os bastidores e o medo 64Assembleia e Eleições 74Referências 96
SUMÁRIO
Foto: Dadá Jaques
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Contar a história da democracia no Esporte Clube Bahia é mantê-
la viva para as próximas gerações. É entender como o processo de
reconstrução de um clube gigante, porém fragilizado e trancafiado,
nasceu a partir das arquibancadas, das ruas, das casas; enfim, do
coração e da força dos tricolores. É sentir como nada pode ser
maior do que a vontade da própria torcida.
O trabalho de conclusão de curso de Fernanda Varela mostra
seu valor desde o início, quando tem a sensibilidade de contar os
dois lados da história, incluindo a visão de quem era oprimido. A
democracia no Esporte Clube Bahia origina-se como um movimento
essencialmente popular. Nasce na Nação Tricolor e atravessa
longos anos de trevas até mobilizar já não apenas os tricolores,
mas toda a Bahia, através da Justiça, da política e da polícia. A
democracia é uma conquista social.
Os dias têm ficado mais claros após o amanhecer da nova era,
esta iniciada com a intervenção. São tempos de ensinamentos e
desafios para nós, tricolores, de como criar oportunidades dentro da
crise. Criar é muito mais difícil do que criticar os defeitos alheios.
A democracia tem muitos olhos e muitas visões para as mesmas
perguntas: como fazer o Esporte Clube Bahia voltar a ser vencedor?
Como resgatar o orgulho e a alegria? Como implementar um
modelo de gestão de sucesso?
Diferenças à parte, a paz começa com o respeito. O crescimento
do Esporte Clube Bahia depende de os diferentes pensamentos
convergirem para o bem da instituição. De cada torcedor, sócio,
PREFÁCIO
conselheiro ou diretor saber que suas ações têm limite: o espaço do
outro e também o contraditório precisam ser respeitados. Respeito
se conquista com ideias e ações.
A conquista da democracia é o início da mudança de
mentalidade que, com certeza, vai não apenas devolver ao Esporte
Clube Bahia um papel de protagonismo, mas permitirá ao clube
atingir um patamar superior. O Bahia reconstruído por sua gente
será, definitivamente, uma referência para o futebol brasileiro. Uma
inspiração para as mudanças tão cobradas e necessárias.
Os títulos, desejo incontrolável em todo torcedor, já têm
chegado. São o complemento e a consequência do sucesso desta
mudança pioneira. As taças na prateleira e as faixas no peito que
o Esporte Clube Bahia ganhará, cada vez mais, serão “filhas”,
heranças de uma nova maneira de fazer futebol. Com gestão,
profissionalismo e inovação.
Juntos, nós, tricolores, podemos muito mais. Enquanto a torcida
acreditar será sempre possível ao Esporte Clube Bahia reconstruir
a sua história, ter o tempo como aliado. Agora, torcedor tricolor,
tenha também noção da sua responsabilidade perante a democracia:
passa por sua escolha, pelo seu direito de ser sócio e de votar, ser o
futuro do Esporte Clube Bahia.
Marcelo Sant’AnaPresidente do Esporte Clube Bahia
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Muito mais que uma simples conquista judicial, o processo de
democratização ao qual o Esporte Clube Bahia foi submetido entre
2011 e 2013, através de uma intervenção judicial, mudou a história
do clube. Através da coragem dos torcedores e da Justiça, o tricolor
fez com que o torcedor tivesse voz para definir os rumos do clube
que ama. Esse processo, comandado pelo advogado Carlos Rátis,
culminou em uma ampliação significativa do número de sócios do
Bahia e, consequentemente, colocou nas mãos dos torcedores o
poder de escolher o presidente do clube.
Este livro-reportagem é um produto de Trabalho de Conclusão
de Curso da Faculdade Social da Bahia, da graduação de
Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, e tem como
objetivo narrar como se deu o processo de democratização do
Bahia, a partir da visão dos envolvidos nessa história.
Com histórias de bastidores de Marcelo Guimarães Filho
(MGF), de Carlos Rátis, dos jogadores Titi e Fahel, do ex-diretor de
APRESENTAÇÃO
futebol Anderson Barros, e declarações de envolvidos diretos nesse
momento histórico do clube, a obra tenta resgatar a história e não
permitir que ela se perca.
O livro-reportagem tem como objetivo, ainda, contar os
fatos relevantes – como o processo começou; tentativas de MGF
de retornar ao poder; mudança de Estatuto; eleição para novo
presidente, etc – sobre a história da democratização do Bahia, para
que estes sejam registrados e discutidos posteriormente.
O objetivo da realização deste livro-reportagem de tipo
instantâneo – que tem foco em um fato recém-concluído – é
documentar um dos momentos mais importantes já vividos na
democracia do Esporte Clube Bahia, e justifica-se pelo fato de a
história do futebol baiano ser muito pouco trabalhada e abordada
por jornalistas e escritores, o que faz com que muito conteúdo se
perca com o passar dos anos.
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Textos: Fernanda Varela - Desenhos: Eliezer Araújo
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ERA UMA TARDE de sexta-feira, dia 2 de dezembro de 2011,
quando o consultor de Recursos Humanos e torcedor do Bahia, Jorge
Maia, recebeu uma ligação que mudaria a história do clube. Franzi-
no, de cabelos brancos e usando seu inseparável chapéu, relaxava no
sofá branco do seu refúgio – nome que batizou carinhosamente um
dos cômodos da sua casa, onde fez uma espécie de escritório particu-
lar – quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, o engenheiro
e também tricolor apaixonado Ivan Carvalho, sócio do Bahia desde
1981, fazia uma proposta tentadora: entrar com uma ação judicial
para tirar o presidente Marcelo Guimarães Filho (MGF) do poder e
democratizar o Bahia. Engenheiro da Federação das Indústrias do Estado da Bahia
(Fieb), Ivan é torcedor do Bahia desde a infância. Tornou-se sócio do
O PRIMEIRO PASSO
clube em 1981, quando tinha apenas 17 anos, mas só começou a se
envolver com grupos de oposição em 2003, época em que Marcelo
Guimarães, pai de Marcelo Guimarães Filho, estava no poder. Presi-
dente da Associação Bahia Livre (ABL) desde 2005, deixou o cargo
em 2013, quando Jorge Maia o sucedeu.
A proposta não era animadora única e exclusivamente por ser
uma oportunidade de conseguir a retirada de Marcelo Guimarães
Filho do poder. Maia fazia oposição à diretoria do Bahia desde o
início dos anos 1990. O problema nunca foi com uma figura em
especial, mas com os vícios praticados pela gestão da época e pelas a
que antecederam.
O clube sofria com uma diretoria considerada extremamente
Jorge Maia
APOSENTADO em 2015, Jorge Maia é tor-cedor do Bahia e se tornou sócio do trico-lor em 1962. Após 18 anos de dedicação ao clube, em 1980, ganhou o título de sócio remido. Jorge militou na oposição do Bahia desde o início dos anos 1990, quando Paulo Maracajá estava à frente do clube. Foi presidente por dois anos de um grupo oposicionista, a Associação Bahia Livre (ABL), e foi o responsável por entrar com a ação judicial solicitando a interven-ção no Bahia – sem qualquer relação com o grupo do qual fazia parte. Por isso, além de ser chamado de “pai da intervenção” por parte da torcida do Bahia, também foi homenageado com o título de Grande Be-nemérito pelo tricolor em 2015.
Marcelo Guimarães
MARCELO GUIMARÃES foi presidente do Bahia entre 1997 e 2005. Pai do também ex-presidente do tricolor, Marcelo Gui-marães Filho, é um ex-deputado estadual brasileiro pelo estado da Bahia. Formou-se em Economia pela Universidade Católica do Salvador (Ucsal), em 1980, e iniciou a vida profissional como Presidente da Caixa Parlamentar da Assembleia Legislativa da Bahia, de 1995 a 1998. Na vida política, foi eleito deputado estadual pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), de 1991 a 1995, e reeleito deputado estadual pelo Partido Liberal (PL), de 1995 a 2007. Em novembro de 2007 foi preso durante a Operação Jaleco Branco, investigação de-flagrada pela Polícia Federal do Brasil que investigou pessoas especializadas em frau-des de licitações públicas na Bahia.
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ditatorial pelos torcedores tricolores, já que eles não tinham voz, nem
vez. Não tinham o direito de eleger seu próprio presidente, nem de
ter acesso ao que acontecia no Bahia, por exemplo. À época em que
Marcelo Guimarães Filho assumiu o poder, em 2008, os tricolores já
estavam desgastados com sucessivos erros por parte dos mandatários
do clube. Os mais apaixonados ficaram angustiados ao verem o clube
que amavam em crise, em 2005, quando o ex-presidente Marcelo
Guimarães, entregou a Petrônio Barradas, seu sucessor, um time que
caiu para a terceira divisão do Campeonato Brasileiro. À época, o
gestor não soube lidar com o caos financeiro que vivia o time baiano
e fez também uma desastrosa gestão.
Com Petrônio no poder, o Bahia chegou a suspender alguns
treinamentos por falta de pagamento da conta de água, que deixou
o Fazendão sem condições de lavar os uniformes do elenco. Além
disso, certa vez, faltou gelo para que os atletas fossem submetidos a
tratamentos musculares. O cenário era caótico fora de campo. Den-
tro dele, o clube sofreu, mas conseguiu o acesso à segunda divisão do
Campeonato Brasileiro.
Em dezembro de 2008, quando o clube fez novas eleições, Pe-
trônio deixou o cargo e não tentou uma reeleição. No pleito, Mar-
celo Guimarães Filho, que ficou conhecido como MGF, para ser
diferenciado do pai, disputou com dois candidatos da oposição: o
empresário Fernando Jorge Carneiro e o engenheiro Rui Cordeiro.
Na votação, dos 323 aptos a votar, 201 apareceram. Destes, 193
depositaram sua confiança em MGF, eleito, e apenas oito nos oposi-
cionistas – sete em Fernando Jorge e um em Rui Cordeiro.
Os olhares dos torcedores foram de muita desconfiança,
pela força do nome que tinha.
“No começo, algumas pessoas olhavam torto, mas
acho que o nome dele não influenciou negativamente.
Meu pai foi bicampeão do Nordeste, conquistou três
títulos do Campeonato Baiano, fez boa campanha na
Série A do Campeonato Brasileiro, onde chegou a fi-
car em 8º. Todo presidente passa por altos e baixos”,
avalia.
Ao mesmo tempo em que carregava o peso do nome de um ex
-dirigente, MGF era um jovem extremamente educado, de apenas 33
anos e com um belo discurso de mudança e evolução na ponta da
língua. Deputado Federal, ele era um político nato e tinha boa lábia,
o que fez com que parte da torcida se rendesse.
“Muita gente nessa época inventou que eu tinha sido MGF ou MGF
MARCELO GUIMARÃES FILHO, conhecido como MGF ou MGF, foi presidente do Bahia entre 2008 e 2013, quando foi reti-rado do poder através de uma intervenção judicial. Filho do também ex-presidente do Esporte Clube Bahia, Marcelo Guima-rães, MGF iniciou sua carreira política em 2000, quando foi eleito vereador em Salvador. Candidatou-se para o cargo de deputado federal pelo estado da Bahia em 2002 e foi eleito, sendo reeleito em 2006. Tentou seguir a carreira política em 2010, mas não obteve êxito nos pleitos federais. Natural de Salvador, é formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia e Pós--Graduado em Administração Pública pela Universidade da Califórnia.
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obrigado a me candidatar, que nunca quis ser presi-
dente. Diziam que esse era um sonho do meu pai. É
justamente o contrário. Meu pai nunca quis que eu me
envolvesse nisso, mas eu cresci nesse meio e, uns cinco
meses antes da minha primeira eleição, despertou esse
desejo. Mas depois essa história passou”.
MGF assumiu o cargo em janeiro de 2009 e arregaçou as man-
gas, mostrando que estava disposto a fazer mudanças. Inicialmente,
elas foram apenas físicas. O dirigente fechou um canal de esgoto que
existia no Centro de Treinamento do clube, o Fazendão, e garantiu
que faria reformas na academia e na sala de imprensa, cumpridas
durante o mandato, além de revitalizar um dos campos de treino
do local e construir outro, promessas também concretizadas. Foram
feitas mudanças importantes e que facilitaram o dia a dia de quase
todos os departamentos, mas o Bahia precisava de mais.
Como teve um início de gestão ruim dentro de campo, já que
o Bahia perdeu mais um título estadual para o maior rival, Vitória,
o gestor decidiu que apostar no elenco poderia ser uma boa forma
de ter o reconhecimento da torcida. MGF não teve sucesso. Após a
disputa do Campeonato Baiano, o time iniciou a disputa da Série
B – como é conhecida a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro,
maior competição de âmbito nacional do futebol.
O grande trunfo para aquele ano foi a reforma realizada em
Pituaçu, feita pelo Governo do Estado da Bahia, já que desde novem-
bro de 2007 o Bahia não podia realizar seus jogos em Salvador, já
que a Fonte Nova foi interditada após um acidente em novembro de
2007, que matou sete torcedores. A nova casa não fez bem ao time
baiano, que sofreu para não ser rebaixado novamente e só se livrou
da queda à terceira divisão na última rodada.
No ano seguinte, em 2010, Guimarães Filho se sentiu pressio-
nado pela insatisfação dos torcedores, que faziam protestos em re-
des sociais e gritavam xingamentos no estádio, e apostou em Renato
Gaúcho para treinar o time, um renomado técnico do futebol brasi-
leiro. Pouco tempo depois, anunciou o nome de Paulo Angioni como
diretor de futebol, também um profissional com passagens por gran-
des clubes, como o Vasco. O esforço não deu certo de início. O Bahia
perdeu mais um título estadual para o Vitória e apostou todas as
suas fichas na Série B. Após apenas um mês do início do Campeonato
Brasileiro da segunda divisão, os resultados preocupavam e Renato
Gaúcho trocou o Bahia pelo Grêmio.
Quem assumiu o cargo foi o modesto Márcio Araújo, treina-
dor que estava desempregado após ser demitido do Sertãozinho,
time de São Paulo que foi rebaixado para a segunda divisão esta-
dual sob o seu comando. Sob desconfiança, já que não era conheci-
do, Márcio deu início ao trabalho no tricolor após a parada para a
Copa do Mundo da África do Sul. Foi então que o Bahia finalmente
embalou. Pituaçu virou um “caldeirão” e teve arquibancadas cheias
em quase todos os jogos. Após cinco meses, o trabalho foi coroado
e, após sete anos longe da elite do futebol brasileiro, o Bahia voltou
à primeira divisão.
A lua de mel com o torcedor, no entanto, não durou muito. Os
dois anos seguintes, nos quais o Bahia esteve na elite, não foram dos
mais favoráveis, pois o clube assumiu uma política de contratações
que não agradou.
As mudanças ficaram pequenas para o anseio do torcedor, que
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queria um time forte dentro de campo e na política do clube. MGF
manteve vícios das antigas gestões e se recusava a abrir o clube para
os sócios. Era avesso às eleições diretas, não prestava contas regu-
larmente, não divulgava lista de funcionários e sócios e mantinha
o clube totalmente fechado. Além disso, se envolvia em constantes
polêmicas com torcedores através das redes sociais, onde chegou a
xingar tricolores que criticavam sua gestão.
O PROCESSO
Jorge não precisou pensar duas vezes para aceitar a proposta
feita por Ivan. Rapidamente levantou do sofá da sala e apenas per-
guntou o nome do advogado que deveria procurar e onde ficava o seu
escritório. A resposta foi direta:
“Procure Pedro Barachísio Lisbôa, o escritório dele
fica no Comércio”.
Sem perder tempo, Jorge deixou o dia de folga de lado, juntou
os documentos que comprovavam que ele era Sócio Remido do Bahia
– sem obrigação de contribuir com mensalidades – e foi ao escritório
de advocacia no mesmo dia.
A decisão de assinar um processo judicial contra o clube que
amava, não foi tomada à toa. Em um dia de reunião do Conselho
Deliberativo do Bahia, Jorge Maia e outros 57 conselheiros foram
impedidos de participar do evento e foram informados que haviam
sido excluídos da lista de sócios do clube, sem explicação e sem direi-
to de defesa. A justificativa da troca, segundo o clube, seria a morte
de alguns antigos membros, pedidos de afastamento, inadimplência
por mais de seis meses ou ausência em três reuniões consecutivas ou
cinco alternadas.
Chateado com a situação, já que não se enquadrava em nenhum
dos motivos listados, Jorge Maia então decidiu procurar mais detalhes
sobre a expulsão e foi informado pelo próprio clube que havia sido
desligado do Conselho por “falta de pagamento da mensalidade”.
A justificativa foi confirmada por MGF.
“Ele estava inadimplente e não frequentava nenhuma
reunião, assim como outros membros da oposição, até
mesmo por protesto. O Estatuto é claro em relação a
isso. Talvez juridicamente o meu único erro tenha sido
não ter seguido rigorosamente o Estatuto. Deveria ter
dado a ele a chance de se defender. Não existia isso de
intervenção ou algo assim, era só colocar de novo no
Conselho”, opina o ex-dirigente.Pedro Barachísio Lisbôa
ADVOGADO responsável pela ação judicial de Jorge Maia, que solicitou a intervenção no Esporte Clube Bahia. Nascido em Sal-vador, em 17 de maio de 1955, é Bacha-rel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1979). Iniciou sua vida na ad-vocacia como estagiário desde o primeiro ano do curso de direito, sendo admitido na sociedade Barachísio Lisbôa em 1979. Fez Pós-Graduação em Processo Civil e do Trabalho pela UFBA, em 1989, e tornou-se Mestre em Direito Civil pela PUC-SP, em dezembro de 2004. Lecionou no curso de Direito da UNIFACS (Universidade Salva-dor) entre 1989 e 1995. É árbitro E mem-bro do INAMA/BA (Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem – Bahia).
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Ora, mas como um sócio remido, que não precisa pagar mensa-
lidade, pode ser expulso por falta de pagamento? Esse foi o argumen-
to utilizado por Barachísio quando decidiu conduzir a ação contra os
mandatários do tricolor. Além de ressaltar a ilegalidade na exclusão,
que feria o Estatuto vigente do clube, queixou-se ainda da impossi-
bilidade de defesa do sócio, que sequer foi comunicado da decisão
tomada pelo presidente Marcelo Guimarães Filho.
Também torcedor do Bahia, Barachísio já havia tentado mudar
o cenário do clube outras vezes. Desde 2005, aceitou se reunir com
tricolores que faziam parte da oposição ao grupo que estava à fren-
te da direção do time baiano, e se comprometeu a tratar de toda a
parte jurídica para exigir que as regras fossem cumpridas no Bahia.
Durante esses anos, entrou com diversas ações contra os dirigentes
exigindo prestação de contas, atualização da lista de sócios e pediu,
incansavelmente, eleições diretas. Todas as tentativas sem sucesso.
A luta dos oposicionistas era árdua. O conselheiro Ivan Car-
valho, que fez o fatídico telefonema para Jorge Maia, admite que
pensava em desistir de lutar pelo clube.
“É um desgaste muito grande. Fui presidente de um
grupo de oposição, a Associação Bahia Livre (ABL)
por muitos anos e comecei a lutar judicialmente em
2005. Entramos com inúmeras ações para acabar com
o que havia de errado no clube e a maioria delas não
tinha resultado nenhum. Passei a não acreditar tanto
na justiça”, lembra ele.
Jorge, no entanto, não entrou na justiça em nome da ABL, gru-
po do qual fazia parte. Ele se uniu a alguns torcedores que queriam
mudança para tentar democratizar o clube judicialmente.
Embora tenha ficado decepcionado com o passar dos anos, Car-
valho garante que a parte mais difícil do processo foi justamente não
conseguir abrir mão da paixão que sentia.
“Nunca tivemos interesse em nada, nunca quis em-
prego ou cargo. Fui ameaçado e quase perdi o meu
emprego, tudo por amor ao clube. Não tinha como me
pedirem para deixar de lutar pelo Bahia. Foi uma luta
muito desgastante para todos. Muitas vezes víamos os
processos andando, andando e, quando chegava lá na
frente, a gente perdia e tinha que recuar para começar
do zero. Uma hora cansa, a família cobra, pede para
que a gente se afaste. Sofri com isso, assim como o
próprio Jorge também sofreu”.
As lutas foram constantes, mas, em 2011, o advogado Pedro
Barachísio percebeu uma falha de Marcelo Guimarães Filho que po-
deria tirá-lo do poder, e, finalmente, encontrou uma forma de mudar
a história do clube.
“Existia muita coisa errada no Bahia e isso me incomo-
dava. Como sou advogado, foi a forma que encontrei
para ajudar o grupo de oposição, que me pediu que
prestasse assistência jurídica. Ninguém sabia quem
eram os sócios do clube, quem estava em dia, nada. O
problema é que Marcelo Guimarães Filho tinha muita
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força na Justiça e acabamos perdendo várias ações. A
coisa só mudou de figura em 2013, quando a causa foi
abraçada pela torcida em geral”, lembra ele.
Barachísio entrou com a ação assinada por Jorge Maia no dia 5
de dezembro e colheu os primeiros frutos no dia seguinte. À frente do
processo, até tentava informar até tentava informar a Maia o passo
a passo da ação, mas o sócio admitiu que preferiu manter distância
das informações judiciais.
“Se eu me encontrei com Barachísio três vezes, foi
muito. Eu entrei com a ação e confiei totalmente no
trabalho dele. Não procurava saber nada. Quando lia
alguma coisa na imprensa, ligava para ele e confirma-
va a veracidade ou não, mas achei melhor me manter
distante. Eu sequer conheço a petição inicial do pro-
cesso. Minha luta nunca foi contra Marcelo Filho, até
porque eu faço oposição desde a época de Maracajá,
nos anos 1990”, assume.
Além do desejo de não se expor mais do que já havia se exposto,
Maia ainda contou com o alerta dos companheiros de oposição, que
temiam pela segurança e integridade física dele.
“Maia é franzino, cabelo branco, anda de ônibus. É
um alvo fácil e não sabíamos como seria a reação das
pessoas ao saber que estávamos tentando uma inter-
venção, mas ele nunca deixou de se expor na rua. Só
não queria mergulhar de cabeça no passo a passo po-
lítico porque era desgastante”, revela Ivan Carvalho.
O primeiro pedido de intervenção judicial no clube aconteceu no
dia 6 de dezembro, quando Marcelo Guimarães Filho concorria à ree-
leição para presidente do Bahia. À época, podiam votar todos os 300
conselheiros que estivessem adimplentes – sendo a maioria dos nomes
indicações do dirigente, que admitiu o cenário favorável.
“Os conselheiros eram a meu favor, sim. Eu ia montar
uma chapa com nomes de pessoas contra mim? Claro
que não”, defende-se.
O problema é que o Bahia não tinha nenhum tipo de sistema
que armazenasse os dados dos sócios, para comprovar quem estava
em dia ou não, o que tornava o processo ilegal. MGF discordava.
“Tiramos alguns nomes do Conselho e o de Jorge Maia
estava no meio. Eu errei ao não dar o direito de defesa
a ele, mas não feri o Estatuto. Ele não comparecia às
reuniões. Errei, sim, ao não procurá-lo para anunciar
o afastamento ou pedir que ele se defendesse, mas isso
é um argumento sem fundamento para um pedido de
intervenção”, analisa.
Era uma manhã ensolarada de terça-feira quando Marcelo Gui-
marães Filho chegou ao local de votação, a antiga Sede de Praia do
clube, na Boca do Rio. Sorridente, compareceu ao local com um ter-
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no claro, distribuindo sorrisos para os membros da imprensa que es-
tavam no local. Horas depois, já no fim da manhã, foi surpreendido
pela oficial de Justiça Cláudia Morais, que chegou ao pleito com uma
liminar para suspender as eleições.
O documento redigido pelo juiz Paulo Albiani, da 28ª Vara Cível de
Salvador, solicitava que o interventor Carlos Rátis assumisse o cargo ime-
diatamente, alegando ilegalidade no processo eleitoral. O ofício dizia que
“deveria ser declarada e decretada a nulidade da elei-
ção, acaso esta ocorresse em 06 de dezembro de 2011,
declarando, a partir da decisão, a vacância da presi-
dência e dos cargos da diretoria; declaração e decreta-
ção da nulidade da eleição do Conselho Deliberativo
e do Conselho Fiscal pela assembleia geral de sócios,
declarando a vacância dos órgãos; e nomeação de in-
terventor para a função de presidente da diretoria com
o encargo de estabelecer os poderes do clube, a fim
de convocar eleições para a constituição do Conselho
Deliberativo do clube, do Conselho Fiscal e após, para
presidente da diretoria para o próximo triênio”.
Não só Marcelo Guimarães Filho foi pego de surpresa pela de-
cisão. Alheio ao mundo do futebol, Rátis estava em uma aula quando
recebeu várias ligações de Paulo Albiani. Preocupado, anunciou o
intervalo da aula e retornou.
“Fui pego totalmente de surpresa. Estava dando aula
e, no intervalo, vi as ligações. Retornei e fui informado
que estava sendo convocado para resolver um assun-
to que não poderia ser tratado pelo telefone. Fiquei
apreensivo, encerrei a aula e compareci ao escritório
do Dr. Paulo Albiani”.
Ao chegar ao encontro do juiz, Rátis foi bombardeado com
uma série de perguntas.
“Eu não estava entendendo nada. Ele me perguntou se
eu conhecia alguém no Bahia, para que time eu torcia,
se sabia o que se passava nas eleições do clube, essas
coisas. Não era ligado em futebol, então deixei claro
Carlos Rátis
MINEIRO, torcedor do Atlético-MG e radi-cado na Bahia desde os seis anos, Carlos Rátis é advogado formado pela Universi-dade Federal da Bahia e tornou-se o profes-sor mais jovem da história da Universidade em 2000, quando assumiu o cargo aos 20 anos. Foi diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da Bahia e conselheiro titular da OAB/BA (2007/2012). Além disso, foi diretor da Escola Livre de Direito Josaphat Marinho. Mestre e Doutorando em Ciên-cias Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa/Portugal, também é professor As-sistente de Direito Constitucional e Direito da Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e da Faculdade Baiana de Direito. É pós-graduado em Direito Administrativo pela UFBA, em Ciências Jurídico-Interna-cionais pela Universidade de Lisboa/Portu-gal, em Education Law and Policy pela Uni-versidade da Antuérpia/Bélgica, em Temas contemporâneos de Direito à Educação na USP e em Comparating Constitutional Ad-judication na Universidade de Trento/Itália. É fundador e presidente do Instituto de Di-reito Constitucional da Bahia (IDCB).
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que não estava ciente de nada disso”.
O fato de ser alheio ao futebol e já ter atuado como interventor
em empresas, associações e sindicatos, fez com que Rátis se sentisse
capaz de ajudar o Bahia durante o processo de intervenção sem ne-
nhum tipo de envolvimento emocional.
Quando informado que o pedido de intervenção havia sido ex-
pedido, MGF trocou seu sorriso por um semblante preocupado. Ime-
diatamente, o dirigente sacou o celular do bolso e usou a sua conta
pessoal no Twitter para demonstrar a insatisfação com a decisão da
Justiça.
“Eleição suspensa devido a uma liminar concedida
pela Justiça! Decisão precisa ser cumprida e será! En-
tretanto, espero dar os esclarecimentos necessários
para reverter essa decisão! Confiamos na Justiça! E
espero que essa atitude da oposição não atrapalhe
demais nosso plano para 2012! Atrapalhar, já atrapa-
lhou, mas vamos em frente!” escreveu.
Embora contrariado, MGF estava tranquilo. Contactou seu ad-
vogado, Dylson Dórea, e não demorou muito para alcançar o que
desejava. Na madrugada do dia 7 de dezembro, Dórea ingressou com
um recurso e conseguiu que a decisão do TJ-BA, de que houvesse
intervenção no clube, fosse anulada no plantão judiciário, pelo de-
sembargador Gesivaldo Britto, que cassou a liminar deferida inicial-
mente. O caso gerou revolta em alguns juristas à época, que se ma-
nifestaram alegando que o uso do plantão só é justificado para casos
de emergência inadiável, o que não era o caso.
Durante a tarde do mesmo dia, o Tribunal fez um sorteio para
nomear o profissional que seria relator do processo e o escolhido foi
o próprio Gesivaldo Britto, que futuramente seria afastado do caso
por acusações de ligação pessoal com MGF. O caso é relembrado por
Fernando Jorge Carneiro, um dos mais fortes opositores da gestão
da época.
“Já havia pedido a suspensão da eleição de 2008 por
falta de credibilidade no Conselho, que era viciado.
Eu pedia que mostrassem todos que eram aptos, se to-
dos eram sócios, tivemos uma liminar que suspendeu a
eleição, mas em questão de três horas caçaram a limi-
nar. O processo, assim como em 2011, caiu na mão de
um desembargador amigo deles”, acusa.
Passado o imbróglio judicial, já de volta ao clube e sem inter-
venção, Marcelo Guimarães Filho recebeu a notícia de que tudo ha-
via voltado ao normal. Reeleito presidente por unanimidade, com
216 votos, enfim foi anunciado e empossado oficialmente como pre-
sidente reeleito do Bahia e teria de cumprir mandato até dezembro
de 2014.
“Aconteceu o que era o justo. Muitos advogados e
juristas que conheço me falavam que o processo era
um absurdo e sem fundamento. Não tinha nenhum
motivo para suspender a eleição. O processo era vo-
tação por Conselho e foi o que aconteceu. Não burlei
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nada. Não fui reeleito pela torcida porque os moldes,
na época, não eram de eleição direta, e sim voto por
Conselho. Não havia nada de errado ou de irregular
nisso”, explica o agora ex-presidente.
À época, o cenário não era nada bom para MGF. Na temporada
de 2011, o Bahia não fez bons campeonatos e grande parte da torcida
“torcia o nariz” para a permanência dele no poder.
“Torcedor é paixão. Naquela época o Bahia não che-
gou nem à final do Campeonato Baiano e foi elimina-
do pelo Vitória. Além disso, foi eliminado nas oitavas
de final da Copa do Brasil, em casa, após sofrer uma
goleada histórica e perder de 5x0 para o Atlético-PR.
Por fim, fez um Campeonato Brasileiro pífio e brigou
até as rodadas finais para não ser rebaixado. Por outro
lado, havia um sentimento de alívio muito grande pelo
fato de o time não ter caído. Muitos se apegaram a
isso”, lembra o jornalista Elton Serra, editor de espor-
tes e comentarista esportivo da rádio CBN Salvador
Elton Serra.
De fato, o Bahia, dentro de campo, não inspirava a torcida, mas
ainda restava um pequeno reconhecimento de melhorias no clube.
“Na época, a situação era criticada, mas parte da tor-
cida dava crédito a Marcelo, porque ele prometia re-
formar o Estatuto, tornar o clube mais democrático,
além de fazer algumas reformas no Fazendão [Centro
de Treinamento do Bahia]”, pontua o jornalista.
Justamente por conta do não rebaixamento e por o clube enfim
passar por melhorias, Jorge Maia sofreu algumas retaliações por con-
ta do pedido de intervenção.
“Sofri muito naquela época, porque o time tinha subi-
do no ano anterior e conseguiu se manter na primeira
divisão. Existia um medo muito grande de o processo
desestabilizar o clube ou prejudicá-lo de alguma ma-
neira”, explica.
Já com MGF definitivamente no poder, o grupo que fazia opo-
sição ao dirigente voltou a fazer cobranças aos mandatários do clu-
be. No dia 28 de dezembro, oito conselheiros excluídos no mesmo
processo que retirou Jorge Maia - entre eles os líderes oposicionistas
Fernando Jorge Carneiro e Nestor Mendes Jr - enviaram um ofício
ao presidente do Conselho Deliberativo do Bahia, Rui Accioly, solici-
tando cópias das atas de todas as reuniões realizadas nos últimos dois
anos, além de uma lista atualizada onde constasse o nome de todos
os conselheiros titulares e suplentes. O pedido não foi atendido.
A luta dos bastidores da oposição continuava com força to-
tal. Sem nenhuma simpatia por Marcelo Guimarães Filho, os líderes
oposicionistas não declinaram e mantiveram o processo judicial soli-
citando uma intervenção judicial no clube.
O clima não era bom entre situação e oposição. Os opositores
contam que, em 2008, quando Marcelo Guimarães Filho foi eleito
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pela primeira vez, ocorreu o primeiro desgaste entre as duas partes.
Fernando Jorge admite que, à época, decidiu deixar o temperamen-
to de lado, “baixar a guarda” e se reunir com Marcelo Guimarães
Filho, para sugerir uma abertura maior do clube para os sócios. Os
dois chegaram a se reunir no escritório do empresário, na avenida
Tancredo Neves, e pareciam ter chegado a um acordo. Só pareciam.
“Eu e Marcelo nos reunimos e eu sugeri que ele fizesse
algumas mudanças no Estatuto, para democratizar o
clube. Ele tinha 33 anos na época e parecia ter ideias
novas. Eu disse que não o conhecia, não o apoiava,
mas que o ajudaria em tudo que fosse possível pelo
bem do Bahia. Decidi dar um voto de confiança, mas
ele nos enrolou por seis meses e não fez absolutamente
nada”, lembra.
Ivan Carvalho engrossa o discurso.
“Marcelo fez reuniões com a oposição e concordava
com tudo o que dizíamos. Ele teve a chance de marcar
seu nome na história do clube e jogou no lixo. Ele che-
gou a mudar o Estatuto conosco, mas não fez nenhu-
ma alteração oficialmente. Nos sentimos enganados
e rompemos ao perceber que não ocorreria nenhuma
mudança. Desde então, não temos diálogos”, admite.
MGF até aparentava tentar fazer algumas mudanças no clube,
mas não se convencia de que abri-lo para os sócios da forma propos-
ta era o melhor caminho.
“Eu nunca fui contra a democracia, mas não acredi-
to que o modelo proposto pela oposição seria de su-
cesso, seria bom para o clube. A democracia também
traz alguns ônus, poderia encher o clube de gente por
interesse, como laranjas. Não acreditava no que era
proposto. Queria democratizar mais o clube, mas não
naquele molde proposto, de escancarar totalmente.
Não fiz porque não acreditava que seria o melhor para
o Bahia”, conta.
Novamente sob os olhares de desconfiança da torcida, Marcelo
Guimarães Filho deixou as disputas políticas de lado e começou a
trabalhar focado na temporada de 2012.
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JÁ TRANQUILO e crente de que o processo jurídico não o
incomodaria mais, Marcelo Guimarães Filho parecia não se importar
com a maior fiscalização que começou a sofrer por parte da torcida.
Um dos jornalistas responsáveis por acompanhar e noticiar
tudo o que acontecia no Bahia durante o período de intervenção, An-
dré Uzêda, repórter do jornal A Tarde à época do processo judicial,
relembra que, ainda no início da temporada de 2012, MGF gastou
um dinheiro que o Bahia não tinha para trazer treinadores e jogado-
res de nome no mercado.
“Naquela época funcionários e jogadores do Bahia
estavam sem receber salário desde novembro, incluin-
do o pagamento do décimo terceiro, mas ele decidiu
apostar em nomes como o de Zé Roberto, ex-Seleção
Brasileira, pelo status”, conta.
MGF não se contentou apenas em trazer esse atleta, que já esta-
va na fase final da sua carreira, como também fez questão de anun-
ciar que o tricolor havia adquirido 50% do passe de Zé Roberto, que
tinha 31 anos e estava encostado no Internacional.
Meses antes, em setembro de 2011, o então presidente mostrou
que estava disposto a investir e contratou o técnico Joel Santana. A
notícia caiu como uma bomba para a torcida, que estava com uma
relação bastante estremecida com o técnico.
MGF AMEAÇADO
Dez meses antes de ser anunciado como novo treinador do Ba-
hia, Joel Santana foi sondado pelo clube e se envolveu em uma imen-
sa polêmica com o nome do Bahia. Recém-demitido do Botafogo, em
abril de 2011, ele foi estudado como opção pelo tricolor baiano para
assumir a vaga do também dispensado Vágner Benazzi.
Ao participar do programa “Bem, Amigos”, do canal Sportv,
foi questionado por um dos apresentadores se estaria acertado com
o clube baiano e fez um comentário que desagradou o torcedor tri-
color:
“Meu anzol está debaixo d’água, esperando peixe
grande. Sardinha não, sai daí minha filha, deixa o pei-
xe grande vir”, brincou.
Pouco depois, tentou amenizar a situação, sem sucesso.
“Ganhamos um título inédito do Campeonato Baia-
no, vencendo os dois turnos. Até hoje, o Bahia festeja
esse título. Agora o Bahia está com um problema, meu
nome foi muito cogitado, mas não houve uma coisa
concreta’’, disse orgulhoso.
Quando chegou a Salvador, Joel tentou explicar novamente que
nunca havia desrespeitado o clube, mas não adiantou. Magoado, o
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torcedor se sentiu ridicularizado e virou chacota para a torcida rival.
“O torcedor não gostou na época, por tudo que ele
tinha falado. Mexeu com o orgulho do tricolor. Eu,
particularmente, fiquei irritado com a contratação só
por se tratar de Joel Santana, um péssimo treinador”,
relembra o advogado e torcedor do Bahia, Daniel Lei-
te, que acompanha todos os jogos do tricolor desde
criança.
Para tentar se redimir, MGF demitiu Joel Santana cinco meses
após contratá-lo, e, em fevereiro de 2011, o treinador se despediu do
Fazendão para treinar o Flamengo.
“Tentei acertar. Antes, o Bahia se contentava com no-
mes como Candinho. Foi comigo que voltou a ter pres-
tígio e trazer nomes como o de Joel, Renato Gaúcho e
Falcão, por exemplo”, defende-se MGF.
Sem paciência com MGF, a torcida cobrava dentro e fora de
campo. Além de pedir nomes melhores para cuidar do futebol den-
tro de campo, os torcedores exigiam através das redes sociais que o
dirigente divulgasse a lista de conselheiros eleitos junto com ele, na
sua reeleição.
Para acalmar os ânimos entre diretoria e arquibancada, MGF
aceitou ceder aos pedidos do tricolores e, no mês de março, finalmen-
te divulgou oficialmente o nome dos conselheiros, em documento pu-
blicado no site oficial do clube.Paulo Maracajá
A divulgação voltou a mexer com os ânimos da torcida. Repleto
de sobrenomes conhecidos, como o de Rui, presidente do Conselho
Deliberativo, a lista chocou a oposição.
“Os donos do Bahia não se emendavam mesmo. Repe-
tiam erros crassos, como fazer constar nome de vários
parentes das famílias Maracajá, Guimarães, Pernet,
Barras e Accioly; funcionários do clube e de pessoas
que publicamente declararam que nunca se candidata-
riam e, portanto, não podiam ser eleitas, como o de-
putado Nelson Pelegrino”, conta o jornalista Nestor
Mendes Jr. ao livro Nunca Mais!, escrito por ele.
Esses sobrenomes tinham ligação com antigos presidentes do
Bahia, além de funcionários do clube, todos ligados a MGF. Nesse
caso, como tinha o Conselho repleto de nomes em seu favor, seria
difícil que ele sofresse fiscalização severa por parte do Conselho, que
tem papel de fiscalizar a gestão.
PAULO VIRGÍLIO MARACAJÁ PEREIRA, mais conhecido como Paulo Maracajá, foi presidente do Bahia entre 1982 e 1994. É ex-vereador (1976/1982), ex-deputado estadual brasileiro pelo estado da Bahia (1982/1994) e atuou como conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia entre 1994 e 2014, onde também foi presidente entre 2011 e 2014.
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O caso foi um prato cheio para os militantes de oposição, como
desnecessário Jorge Maia, que passaram a reclamar publicamente de
ter seus nomes excluídos da lista do Conselho para serem substituí-
dos por pessoas ligadas diretamente a MGF.
No dia 6 de março, o dirigente concedeu entrevista à Rádio Me-
trópole e tentou explicar o porquê de os nomes constarem na lista de
conselheiros, sem sucesso. Com declarações polêmicas, ele concedeu
apenas uma nova munição para o processo movido por Jorge Maia.
“Essas pessoas, que saíram da lista, fizeram parte da
chapa em 2009, e, agora, em 2012, precisávamos
montar uma chapa nova, e essas pessoas, como esta-
vam fazendo oposição, não incluímos na nossa chapa,
e, portanto, não foram eleitos”, disse ele em entrevista
à rádio.
O advogado Pedro Barachísio levou a situação novamente à
justiça e provou, com as palavras do presidente, que os conselheiros
haviam sido excluídos única e exclusivamente por fazer oposição a
MGF. Exatamente uma semana depois da entrevista, o juiz Paulo
Albiani decretou a segunda intervenção no Bahia, que duraria apenas
quatro dias.
“Declaro e decreto a nulidade da eleição ocorrida em
06 de dezembro de 2011; declaro a vacância da pre-
sidência e dos cargos da diretoria; declaro e decreto a
nulidade das eleições do Conselho Deliberativo e do
Conselho Fiscal pela assembleia geral de sócios; decla-
ro a vacância dos órgãos; fica nomeado o advogado
Dr. Carlos Rátis, OAB/BA N.º 15.991, como admi-
nistrador/interventor para a função de presidente da
diretoria com o encargo de administrar e restaurar os
poderes do clube, a fim de convocar eleições para a
constituição do Conselho Deliberativo do clube, do
Conselho Fiscal e após, para presidente da diretoria
para o próximo triênio”, dizia a sentença redigida por
Albiani.
A decisão judicial pegou o Bahia de surpresa. Era terça-feira e o
clube disputaria um Ba-Vi no domingo. E foi a isso que MGF se ape-
gou para ter a torcida ao seu lado. O dirigente foi à mídia e alegou
que, com a decisão, o tricolor não teria condições de se concentrar
para o jogo, já que, com os bens bloqueados, o clube não poderia
pagar por uma hospedagem digna. Tudo em vão.
Na manhã do dia seguinte, 14 de março, Carlos Rátis apareceu Rui Accioly
RUI ACCIOLY - Foi diretor de futebol do Bahia, entre 2005 e 2008, e atuou como presidente do Conselho Deliberativo do clube entre 2009 e 2013. Era uma espécie de homem de confiança dos ex-presidentes Petrônio Barradas e Marcelo Guimarães Filho.
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pela primeira vez como interventor do clube. O advogado foi à Sede
de Praia do clube, acompanhado da oficial de justiça Marilene Ferrei-
ra, e solicitou a divulgação da lista de associados do clube, primeiro
passo dado para poder realizar novas eleições no Bahia.
Ao chegarem à sede, os dois foram informados por um fun-
cionário do clube, Mario Adorno, de que não poderiam ter acesso
ao material, porque o computador estava quebrado. Na mesa, havia
apenas o monitor, sem a CPU.
Em seguida, Rátis dirigiu-se ao Fazendão junto à oficial, para
que ela entregasse ao diretor de operações, Claus Dieter, a intima-
ção para obter a lista. Ele preferiu não assinar e passou a questão
para o vice-presidente jurídico do Bahia, Ademir Ismerim, que já
preparava um recurso para entrar com efeito suspensivo contra a
intervenção, contando com o apoio do desembargador Gesivaldo
Britto, o mesmo que atuou no plantão judiciário da primeira inter-
venção.
No período da tarde, por volta das 13h30, a liminar foi conce-
dida e Marcelo Guimarães Filho voltou ao poder. Durante a madru-
gada, o dirigente decidiu fazer uma brincadeira que desagradou o
Poder Judiciário. Acessou sua conta no Twitter e escreveu:
“Ôooo, a CPU voltouuuu!”,
fazendo alusão com a das músicas cantadas pela torcida nas arqui-
bancadas do estádio e ridicularizando o fato de Rátis ter se dirigido
à sede para conseguir a lista de sócios, sem sucesso.
MGF nega que tenha escondido as CPUs e garante que tudo
não passou de um mal entendido.
“Juro por tudo que é mais sagrado que não escondi
nada. Escrevi aquilo no Twitter sim, mas foi uma brin-
cadeira, só. Mal feita, mal colocada, mas uma brinca-
deira. Não houve nem tempo de esconder nada. Saiu
a decisão pela intervenção em um dia, e, na manhã
seguinte, eles já foram à sede. Não havia tempo para
uma mobilização, foi só uma piada infeliz e que não
deveria ter sido feita”, conta.
“Não tinha o que esconder, não sumiu nada. Não ti-
nha nem o que sumir”, completa.
Se, para MGF, o uso da rede social foi uma brincadeira, para
Carlos Rátis o assunto não tinha a menor graça.
“Houve a subtração de documentos que seriam indis-
pensáveis à própria realização da intervenção, o que é
descumprimento de ordem judicial. É inaceitável que
o Poder Judiciário venha a ser ridicularizado, venha a
ser menosprezado”, bradou.
O deboche custaria caro ao cartola.
Passados os quatro dias de intervenção, MGF esperava um re-
torno triunfal, mas o Bahia foi a campo e perdeu para o Vitória por
3x2, no Barradão, em 18 de março de 2012.
No mesmo mês, já novamente estabelecido no cargo, Marcelo
voltou a ser surpreendido por Paulo Albiani. O dirigente acusou o
juiz de prevaricação – ou seja, de agir de má-fé usando o poder que
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tem em benefício próprio – e, para provar sua imparcialidade no caso
e que não havia feito nenhuma acusação com leviandade, o magistra-
do autorizou quebra de sigilo bancário e fiscal de MGF.
“Ele solicitou também a imediata remessa da cópia in-
tegral dos autos à Corregedoria do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ), na pessoa da Ministra Eliana Cal-
mon”, conta Nestor Mendes Jr. em seu livro Nunca
Mais! 25 anos de luta pela liberdade no Esporte Clube
Bahia.
O processo ficou em aberto e só foi a julgamento em julho de
2013.
Em meio a tanta turbulência, MGF conseguiu um trunfo. No
dia 13 de maio, o tricolor conquistou o seu 44º título de Campeão
Baiano. O clube não era campeão estadual desde 2001 e não con-
quistava nenhum título desde 2002, quando foi campeão da Copa
do Nordeste.
A alegria, no entanto, durou pouco. De volta ao Campeonato
Brasileiro, o tricolor viveu um ano de sufocos e quase foi rebaixado
para a segunda divisão. O time baiano só conseguiu se manter na
elite do futebol brasileiro na última rodada, mais uma vez.
Aliviado com a permanência na primeira divisão e ainda em
meio a uma briga na Justiça, MGF tentou resgatar o resto de con-
fiança que alguns conselheiros e torcedores ainda poderiam ter nele
e voltou a se reunir com o Conselho. Em janeiro de 2013, ouviu
algumas pessoas da oposição – que ainda não haviam rompido com
ele – e prometeu um novo pensamento de gestão para o clube. A mu-
dança no Estatuto do clube era a principal promessa e reivindicação
da torcida do Bahia.
A fórmula anterior não agradava aos sócios. Após nova reunião
do Conselho Deliberativo, ficou definido pelo dirigente que o novo
documento, que passaria por aprovação, passaria a permitir que o
sócio tivesse o direito de votar nas eleições à presidência do Bahia,
desde que tivesse mais de 12 meses nos quadros do clube.
A fórmula da eleição era a seguinte: todos os interessados em
concorrer à presidência do Bahia teriam que ser sócios do clube e
montar uma chapa, que precisaria de pré-aprovação do Conselho
Deliberativo. Só assim, o sócio seria um candidato. No entanto, era
exigido que, para ocupar a presidência, o candidato, além disso, ti-
vesse sido conselheiro do clube por pelo menos seis anos consecuti-
vos, o que equivale a dois mandatos de presidência.
Após a conversa entre situação e oposição, o martelo foi batido
no dia 15 de janeiro. As mudanças do Estatuto foram aceitas em
Assembleia e a ata da reunião registrada em cartório. Parecia que
MGF estava, finalmente, começando a democratizar o clube, mas
uma nova descoberta criou mais conflitos entre situação e oposição,
aumentando o desgaste do dirigente com a torcida.
O novo Estatuto, votado e apresentado oficialmente através do
site do clube, não tinha nenhuma validade, já que não havia sido re-
gistrado e reconhecido em cartório. O fato gerou indignação à época.
“Foi mais uma das atitudes de Marcelo que nos deixou
bastante chateados. Ele enganou o torcedor mais uma
vez”, critica Ivan Carvalho.
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Marcelo se defende de que tenha agido de má-fé.
“Era um ato simples ir ao cartório e foi uma falha
minha. Eu esqueci, não me importei em registrar. Era
uma prática antiga no clube e eu errei ao não mudar,
mas nós registramos a ata da mudança do Estatuto. A
ata está registrada em cartório. Ele seria seguido, eu ia
cumprir tudo o que estava acordado”.
Segundo o dirigente, o mais importante era o fato de se ter registrado
a ata da reunião, que determinava a mudança do Estatuto, ao invés
do próprio documento.
“Esta ata está registrada em cartório com todas as mu-
danças que foram feitas. Nós íamos fazer o registro,
deveríamos ter feito um registro, só que ficamos de en-
viar para um revisor. Nesse ínterim, realmente caiu no
vazio, nós esquecemos”, explica MGF.
Os torcedores do Bahia continuavam irritados com o comporta-
mento da diretoria tricolor, mas agiam pouco e em pequeno número.
Apenas alguns sócios que faziam oposição à diretoria seguiam ten-
tando chamar a atenção dos demais torcedores em busca de alguma
solução para mudar o quadro político do clube. Além da insatisfação
com os gestores à frente do clube, havia uma grande insatisfação
pelo fato de que o time não correspondia às expectativas em campo,
acumulando derrotas e vexames.
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EM 2013 , o Bahia teve um péssimo início de temporada. Com
contratações pouco reconhecidas no mercado, o time baiano não
conseguiu emplacar uma boa campanha na Copa do Nordeste e foi
eliminado ainda na primeira fase, após um empate em 0x0 com o
Itabaiana, em 7 de fevereiro. O resultado, além de frustrar os torce-
dores, também fez com que o clube ficasse 41 dias sem jogos oficiais,
já que o regulamento daquele ano previa que o Bahia só entraria no
Campeonato Baiano quando o torneio estivesse na segunda fase.
No estadual, o Bahia voltou a decepcionar e não apresentou
bons resultados, mas a gota d’água veio na quarta rodada, em um dia
histórico para o futebol baiano. No dia 7 de abril, o Bahia fez o seu
primeiro clássico Ba-Vi do ano. Além de ser um jogo sagrado para
os torcedores baianos, aquela partida tinha um peso diferente: era a
reinauguração da Fonte Nova.
Com direito a 60% dos ingressos, enquanto o Vitória ficou com
40%, os tricolores assistiram a alguns shows de apresentação do es-
tádio, com direito a estrelas da música baiana, como Ivete Sangalo,
Claudia Leitte e Carlinhos Brown. Por um momento, o clima voltou a
ser de total alegria. Mal sabiam os tricolores o que vinha pela frente.
Ao todo, 37.274 pessoas garantiram presença na partida para
ver o time do Bahia - formado por Marcelo Lomba (goleiro), (...) -
ser massacrado pelo seu maior rival. O Bahia foi goleado por 5x1,
uma goleada histórica e difícil de ser esquecida até pelo mais paciente
torcedor.
A GOTA D’ÁGUA
No dia seguinte à derrota, um “estalo” de alguns tricolores, que
ainda remoíam o gosto amargo da derrota, faria com que um grande
movimento de massa surgisse na capital baiana.
Era uma segunda-feira, dia comum de trabalho na agência de publi-
cidade Leiaute, uma das mais famosas de Salvador, quando o publicitário
Sidônio Palmeira, que até então nunca havia se envolvido com questões
políticas no Bahia, tomou uma decisão: ele faria algo para o Bahia se
tornar democrático ou, pelo menos, tentaria. Influente politicamente, o
publicitário foi o responsável pela elaboração de algumas campanhas
políticas, como as duas que garantiram a Jaques Wagner a eleição e ree-
leição como governador da Bahia, em 2006 e 2010, respectivamente.
Sidônio sabia a força que tinha e decidiu ajudar o seu clube do coração.
Sidônio Palmeira
FORMADO em Engenharia pela Universi-dade Federal da Bahia, Sidônio Palmeira optou por seguir a área de Marketing e Propaganda. Dono e presidente da Leiaute, uma das maiores agências de publicidade de Salvador, prestou serviços ao Partido dos Trabalhadores (PT) na época das elei-ções e, ajudou a eleger o ex-governador Jaques Wagner e o atual governador Rui Costa.
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Indignado com a goleada sofrida para o Vitória, ele entrou em
uma das salas da agência, onde alguns amigos tricolores trabalha-
vam, encostou-se à parede e perguntou:
“Quem aqui é Bahia mesmo, de verdade?”.
Imediatamente, todos os presentes no local se pronunciaram, e
então o publicitário decretou:
“E a gente vai fazer alguma coisa ou não vai? Pensem
em algo e me procurem”, decretou.
O também publicitário e um dos redatores da Leiaute, Cássio
Melo, gostou do desafio proposto. Responsável por ter a ideia do
projeto, ele explica o que o motivou.
“Existia uma comoção grande depois daquela golea-
da. Eu sempre pedia por democracia em blogs e redes
sociais, mas era um apito surdo. Nunca consegui mo-
bilizar ou unir gente em prol disso. No dia seguinte
àquele jogo do 5x1, Sidônio entrou na sala da Leiau-
te parecendo um bicho, bradando, depois perguntou
quem era torcedor do Bahia de verdade e o que a gente
ia fazer para aquilo mudar”.
Cássio conta que sabia que aquele era o momento de fazer algo
pelo clube. Sidônio tinha influência econômica e política, além de
ter acesso direto à imprensa, o que facilitaria a propagação de um
possível movimento.
Com a ideia concebida, Cássio procurou Will Vieira, diretor de
arte da agência e também torcedor do Bahia. Como estava na sala da
agência no momento da abordagem de Sidônio, ele não teve dificul-
dade para assimilar a ideia planejada por Cássio e colocar o projeto
em prática. Imediatamente os dois se reuniram, definiram que fariam
um movimento popular e pensaram em uma grande campanha publi-
citária para divulgar a ideia.
Cássio explica como concebeu a ideia.
“Foi um processo rápido. Nós sentamos e futucamos
o que poderíamos fazer e definimos o nome Bahia da
Torcida. A ideia surgiu porque a coisa mais importante
do Bahia é a sua torcida, mas faltava o Bahia ser da
sua torcida também. O movimento não era um parti-
do político, mas a união de pessoas insatisfeitas e que
queriam lutar pela democracia no clube. A ideia era só
jogar luz sobre o problema”.
Após criarem a marca do movimento, para unificar e materiali-
zar a ideia de Cássio, os publicitários começaram a pensar em como
seria conduzido o Bahia da Torcida.
Para Cássio, pouco importava quem estaria no poder do clube,
desde que o presidente estivesse ali por vontade do seu torcedor.
“O Bahia era um clube fechado e a única coisa que a
gente queria era um processo democrático, poder vo-
tar, fiscalizar, ter voz. Com a criação do movimento,
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55UM GRITO DE LIBERDADE
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fizemos reuniões internas na agência e apresentamos
para Sidônio. Ele gostou de tudo e assumiu, natural-
mente, a condição de líder disso tudo”.
Sidônio nunca foi um torcedor atuante de oposição, mas estava
cansado dos recentes vexames vividos pelo tricolor.
“Eu nunca fui de oposição, nem lutei 20 anos contra
a diretoria, como muitos, mas estava cansado de ver
o Bahia fechado, sem o torcedor ter poder de decisão.
Eu não acredito em nada que é impossível de ser feito,
então levamos o projeto para frente”.
Para os publicitários da Leiaute, a pressão popular era a melhor
forma de expor o problema e conseguir, finalmente, que Marcelo Guima-
rães Filho deixasse o poder ou aceitasse abrir o clube para os seus sócios
Competitivo nato e disposto a lutar com o movimento até con-
seguir fazer com que o clube promovesse as eleições diretas, Sidonio
Palmeira então convocou um pequeno grupo de jornalistas, publici-
tários e advogados para apresentar o projeto.
A reunião aconteceu no auditório do prédio Costa Andrade,
onde fica a agência Leiaute, e contou com a presença de aproxima-
damente 30 pessoas, como o comentarista da TV Bahia Darino Sena
e o atual presidente do Bahia e repórter especial do Correio à época,
Marcelo Sant’Ana.
“Chamei algumas pessoas e apresentamos a proposta
do Bahia da Torcida. O projeto foi muito bem feito
e todos gostaram, embora uns não acreditassem que Manifesto de lançamento do movimento Bahia da Torcida
Leia
ute/
Div
ulga
ção
56UM GRITO DE LIBERDADE
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57UM GRITO DE LIBERDADE
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teria alguma eficácia de fato”.
Com o projeto apresentado, Sidônio e os demais publicitários
da Leiaute se reuniram com alguns grupos de oposição a Marcelo
Guimarães Filho – como Revolução Tricolor, ABL, Nova Ordem Tri-
color etc, – que há muito tempo agiam em pequeno número e sem
grande expressão, e voltaram a explicar o projeto, que foi aceito sem
restrições ou ressalvas.
Após a reunião, em abril, as primeiras peças publicitárias foram
espalhadas por Salvador. Faixas, cartazes e outdoors traziam a frase
“O Bahia tem dono”, mas sem revelar do que se tratava. Aos pou-
cos, a imprensa local explicou que se tratava de um movimento que
seria lançado no dia 17 de maio.
Na semana do lançamento do Bahia da Torcida, Sidônio tentou
ter uma última conversa com Marcelo Guimarães Filho para propor
uma negociação e tentar mudar a forma com que o clube era gerido
politicamente.
Sidônio, então, marcou um almoço com MGF na Leiaute e
anunciou:
“Marcelo, eu tenho duas coisas para tratar com você.
Primeiro, você precisa democratizar o Bahia. Você faz
isso em seis meses, participa de uma mudança de Es-
tatuto e propõe eleição direta. Segundo, você deveria
renunciar”.
Segundo Sidônio, a reunião foi em nome dele e de um grupo de publi-
citários da Leiaute, que são sócios do Bahia e que, dois meses depois,
decidiram se movimentar por conta própria, sem nenhuma relação
com o Governo.
Marcelo confirma que a reunião existiu, mas acusa Sidônio de
ser um porta-voz do ex-governador Jaques Wagner, que estava no
poder à época.
“Nesse almoço, em março, eu já sabia que sairia. Si-
dônio me chamou dizendo que estava me trazendo um
recado de que era para eu renunciar e, em troca, não
haveria caça às bruxas, nem olhariam o meu passado
no Bahia, essas coisas. Eu não aceitei, porque acredita-
va na Justiça. Eu não roubei, não fiz nada de errado. Já
entrei no Bahia rico, deputado. Quis continuar no meu
cargo, tenho família e filhos pequenos que dependiam
de mim”, rebate.
Ao saber da troca de acusações, o ex-governador Jaques Wag-
ner decidiu se posicionar sobre o tema.
“Não achava que Marcelo Guimarães Filho fazia bem ao
Bahia e nunca achei, mas não usei o Governo para nada
disso e nunca me envolvi. Fui a favor de democratizar
o clube e dei um depoimento para o Bahia da Torcida,
mas foi só isso. Não usei o Governo para me meter nisso,
até porque tinha coisas mais graves para me preocupar”,
disse Wagner, contestando a acusação de MGF.
Marcelo, de fato, se recusou a renunciar e continuou no cargo.
O projeto Bahia da Torcida, então, foi levado adiante.
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Antes do lançamento, Sidônio havia planejado apresentar o
Bahia da Torcida aos torcedores em um evento para 400 pessoas,
inicialmente programado para o hotel Fiesta. Ao lançar páginas do
movimento nas redes sociais, no entanto, percebeu que o local não
comportaria tantas pessoas e transferiu o evento para o Lounge da
Fonte Nova, um espaço vip utilizado em dias de jogos.
Cássio, o publicitário que concebeu a ideia do projeto, lembra
que tudo ainda era muito desconhecido para eles.
“Chovia muito no dia anterior ao lançamento e Sidô-
nio me ligou perguntando se o Lounge comportaria
todo mundo ou se era mais prudente transferir para as
arquibancadas. Não fazíamos ideia se ia muita gente
ou não, então achei melhor sobrar espaço do que as
pessoas se espremerem no local anterior”.
Sidônio concordou. Tirou R$ 27 mil do próprio bolso e acionou
toda a sua equipe para preparar o local. Equipamento de som, palco
e decoração foram montados no local, mas ele foi pego de surpre-
sa. Para desviar a atenção do movimento, Marcelo Guimarães Filho
convocou inesperadamente uma coletiva de imprensa no Fazendão
- centro de treinamento do clube, que fica localizado no bairro de
Itinga, a aproximadamente 24km de distância da Fonte Nova -, para
anunciar o novo treinador e o novo diretor de futebol do Bahia.
Marcelo admite que a estratégia foi para fazer com que a im-
prensa não comparecesse ao evento organizado por Sidônio.
“Eu lembro disso. Sinceramente, foi para tirar a im-
prensa de lá sim. Foi para tentar mudar o foco. Não
imaginava o tamanho do evento e, tirando o foco, eu
melhoraria um pouco a minha situação e seria menos
atacado. Naquele momento eu tinha a oportunidade
de ter um motivo para chamar a imprensa e uni o útil
ao agradável. São estratégias da guerra”, confessou.
A estratégia foi em vão. Parte da imprensa se deslocou até o
Fazendão, mas muitos jornalistas também compareceram ao estádio,
que reuniu cerca de 6 mil torcedores. O movimento foi bem aceito
por todos e começou a, finalmente, sair do papel e se tornar popular.
Nesse mesmo dia, foram lançados vídeos em que torcedores
apareciam com mordaças na boca, para sinalizar que, no atual mo-
delo de gestão do clube, eles não tinham voz. Esse foi o grande foco
da campanha, que reuniu não apenas torcedores insatisfeitos, como
também depoimentos de figuras influentes politicamente e de artistas.
A acusação de MGF de que o Bahia da Torcida era um movi-
mento político criado a mando do PT, partido do qual Jaques Wagner
fazia parte, ficou insustentável quando Antônio Carlos Magalhães
Neto, que pertence ao DEM, partido de direita e opositor ao PT,
também decidiu participar da campanha.
O Bahia da Torcida reuniu depoimentos de nomes como os de
ACM Neto, Jaques Wagner, Lídice da Mata, Guilherme Bellintani
(secretário do Governo, à época), os ex-jogadores Bobô, Osni, Dou-
glas e Sapatão, os jornalistas Juca Kfouri, Mário Kertész, Samuel
Celestino, além de cantores famosos, como Ricardo Chaves.
Irritado com a força do movimento e assumidamente “cabeça
-quente”, MGF estava sufocado com a pressão popular, mas seguiu
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no comando do time, sem fazer qualquer tipo de mudança solicitada
pelos tricolores.
Dois dias depois do evento na Fonte Nova, MGF procurou a
imprensa para dizer que o movimento tinha surgido a mando do Go-
verno e demonstrou insatisfação com declarações de alguns políticos
que compareceram ao evento.
“Eu fui atacado e revidei. Lídice, que foi a pior pre-
feita de Salvador, veio falar da minha gestão. Quem é
ela? Que moral tem? Eu disse que andava entre lixos
e ratos na época da gestão dela, o que é verdade. E,
nesse mesmo dia, também revidei a uma provocação
da primeira dama Fátima Mendonça, que fala demais.
Ela veio me chamar de ladrão e eu disse que sabia das
andanças dela. E sei mesmo. Não falei nada demais”,
admite MGF, que nasceu e foi criado no bairro da Ri-
beira, assim como Fátima Mendonça.
As declarações inflamaram o Governo, que se pronunciou pu-
blicamente através do seu porta-voz, o secretário Robinson Almeida,
sobre a polêmica declaração de MGF.
“É muito natural que as pessoas que gostam de seu
clube venham a manifestar o desejo de melhora. O
presidente do Bahia tem que ter a humildade de rece-
ber com tranquilidade as opiniões diferentes da dele,
algo que não vem acontecendo. Na política, o povo
tem o poder de escolher quem ele vai, ou não, votar
para representá-lo. Essa situação é bem diferente no
Bahia. Lá os torcedores não tem o direito de escolher
quem vai ser o representante do clube porque o presi-
dente não deixa”, disse em coletiva de imprensa.
A fase não era nada boa para MGF. Já sem o respeito da torcida,
ele ainda precisava lidar com uma notícia recebida três dias antes do
lançamento do Bahia da Torcida: o desembargador Gesivaldo Britto,
que concedeu a liminar em seu favor nas intervenções anteriores, se
afastou do processo após declarar-se suspeito para seguir no caso,
por motivos pessoais os quais não quis revelar.
Segundo conta o jornalista Nestor Mendes Jr. no seu livro acer-
ca do processo de democratização do Bahia, Britto pediu o seu afas-
tamento do caso por ter ligações diretas com o desembargador Car-
los Alberto Dutra Cintra, uma das figuras mais poderosas e influentes
do Tribunal de Justiça da Bahia e
“que, por coincidência ou não, era tio de Thiago Cin-
tra, um dos braços direitos de MGF”.
A terceira e última intervenção que o Bahia sofreria estava cada
vez mais perto.
Preocupado com o rumo que o processo tomaria dali em dian-
te, já que o processo de intervenção continuava correndo na justiça
e ele havia recebido uma nova determinação judicial para deixar o
comando do clube, MGF decidiu fazer um alto investimento e con-
tratou, como seu advogado pessoal, um dos maiores juristas do país:
Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay.
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63UM GRITO DE LIBERDADE
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Reconhecido nacionalmente por ganhar causas famosas e reali-
zar grandes feitos no mundo político, inclusive ligados ao Mensalão,
ele aceitou a causa e passou a atuar em defesa de Marcelo Guimarães
Filho.
Além dos problemas extra-campo, o Bahia ainda sofria com a
falta de apoio do seu torcedor nas arquibancadas. Como o time não
estava bem em campo, os tricolores decidiram criar a campanha “Pú-
blico Zero”, que afastou muita gente dos estádios em dias de jogo.
Os problemas não paravam por aí. O julgamento da terceira
intervenção no Bahia foi marcado e MGF ficou preocupado. Com
os esforços de Kakay, conseguiu mudar a data da audiência de 11 de
junho para o dia 9 de julho. Ele tinha um mês para construir uma boa
defesa e conseguir seguir no cargo. A tentativa foi em vão.
No dia 4 de julho, Marcelo recebeu a notícia de que o juiz Paulo
Albiani, a quem havia acusado de ser incapaz de julgar o caso por
agir de má fé, foi inocentado por decisão unânime e voltou ao caso.
Quatro dias depois, na véspera do julgamento, MGF tentou
uma das suas cartadas finais. Procurou Albiani, através do seu advo-
gado, e fez uma apelação pedindo a suspensão do caso. Sem sucesso.
No dia 9 de julho, o julgamento da intervenção começou. Nas-
cia ali um dos momentos mais fortes de todo o processo de democra-
tização do Bahia. Por unanimidade, os desembargadores do Tribunal
de Justiça da Bahia determinaram o retorno da intervenção.
A decisão foi lida pela desembargadora Lisbete Maria de Almei-
da, relatora do processo, que também julgou improcedente a medida
cautelar impetrada pela diretoria do Bahia, que tentava barrar a in-
tervenção anterior, em 2012.
Indignado com a decisão, Kakay foi a público e fez queixas ao
poder judiciário.
“Esse jogo está só começando. Está no 1º tempo ain-
da. Não existe destituir um presidente porque uma
única pessoa chiou e reclamou”, disse, referindo-se à
abertura do processo, feita por Jorge Maia.
Satisfeito ou não com a decisão, o fato é que naquele momento
Marcelo Guimarães Filho e todos os membros do Conselho Delibera-
tivo foram destituídos e estavam fora do Bahia. Foi então que Carlos
Rátis voltou a assumir o clube e marcou o seu nome na história do
time baiano.
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LOGO NA PRIMEIRA semana da terceira e última interven-
ção, Rátis encontrou dificuldades. Como verificou que o clube tinha
uma grande quantidade de dívidas, acessou as contas do tricolor e
descobriu que estavam negativas. Além disso, constatou que um sa-
que de R$ 2 milhões foi feito no dia em que o juiz Paulo Albiani
decretou o afastamento da diretoria comandada por Marcelo Gui-
marães Filho.
As atitudes causaram uma dor de cabeça a mais ao interventor.
“Não tinha um real nas contas do clube. Sofremos
para conseguir fazer com que o time se concentrasse,
porque assumimos em uma quarta-feira e no domin-
go já tinha jogo. Não tinha como comprar passagem
e hospedar, tivemos que resolver tudo muito rápido.
Durante todos os dias da intervenção, eu ia aos bancos
em que o Bahia tinha conta para evitar que fizessem
bloqueios ou saques. Dava plantão nas agências todos
os dias”, conta Rátis,
que lembra que o clube também não tinha condições de pagar as
taxas para a regularização do lateral-direito Angulo, contratado à
época por MGF, e precisou contar com o apoio da Federação Bahia-
na de Futebol, que aceitou receber o valor correspondente às taxas
posteriormente.
OS BASTIDORES E O MEDO
A sorte do Bahia foi o pagamento de um patrocinador. Com
o dinheiro, o clube conseguiu seguir viagem para Campinas, onde
jogou contra a Ponte Preta pelo Campeonato Brasileiro e empatou
em 0x0, em dia inspirado do goleiro Marcelo Lomba, que defendeu
dois pênaltis.
A situação do Bahia não era nada fácil. Alheio ao que acontecia
dentro das quatro linhas, Rátis fez um levantamento nas contas do
clube e descobriu que o Bahia não pagava a alimentação dos funcio-
nários e jogadores há quatro meses, além de ter um débito de três
meses com a empresa que cuidava da grama do Fazendão.
“A situação era caótica. Era a intervenção que ia re-
solver isso tudo? Não, mas nós tínhamos que resolver.
Fomos muito transparentes e conversamos com os for-
necedores e funcionários. Explicamos a situação e de-
mos uma previsão de pagamento. Muitos compreen-
deram e nos ajudaram”.
Mas nem sempre foi tão fácil assim.
O interventor conta que, assim que foi decretada a intervenção,
muitos funcionários, principalmente dos setores financeiro e de re-
cursos humanos, pararam de comparecer ao trabalho. Além disso,
muitos outros não aceitavam ceder senhas do clube, chaves de armá-
rios e se recusavam a ceder a lista de gastos do tricolor.
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“Convocamos os funcionários por editais em jornais
de grande circulação, através de e-mail institucional e
pessoal, fizemos telefonemas e nunca tivemos nenhum
tipo de retorno. Não é papel do interventor fazer juízo
de valor, e sim relatar os fatos. Eu não poderia permitir
que continuassem dificultando o acesso aos documen-
tos, então tive que tomar providências junto a outros
órgãos”, explica.
Após duas semanas no cargo e ainda com dificuldade em ter
acesso a alguns dados administrativos, já que algumas salas do Fa-
zendão e do Mundo Plaza – local em que funcionava a sede admi-
nistrativa do Bahia à época – estavam trancadas, e as que estavam
abertas tinham computadores protegidos por senha, ele solicitou o
apoio da polícia técnica no caso. A intenção de Rátis era acessar a
folha de pagamento do clube e, principalmente, conhecer a lista de
sócios adimplentes do clube, para convocar as novas assembleias e,
consequentemente, realizar as novas eleições.
No dia 27 de julho, o interventor foi com a polícia à sede ad-
ministrativa do clube e conseguiu ter acesso a toda a documentação
que precisava. A atitude, para Marcelo Guimarães Filho, foi invasiva
e possivelmente evitável.
“Para mim isso tudo foi uma palhaçada. Foi para mos-
trar quem mandava, quem tinha poder. Não tinha a
menor necessidade. Bastava solicitar a chave, que nós
entregaríamos”.
Embora não tenha agradado o ex-presidente, Rátis garante que
não teve outra alternativa.
“Solicitamos chaves, senhas e nunca obtivemos ne-
nhum retorno. Inclusive, o interessante é que, apenas
após o envolvimento da polícia nisso, os funcionários
voltaram a trabalhar. Foi exatamente no dia seguinte.
Antes, eles não queriam nem deixar a gente ver a folha
salarial, coisa que precisávamos ter acesso inclusive
para pagar os salários deles”, explica.
MGF, afastado da presidencia do Bahia, criticou o interventor Rátis, que foi com a polícia à sede administrativa do clube para ter acesso a toda a documentação que precisava
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O MEDO
Enquanto Rátis tentava organizar o clube para poder fazer a
mudança de Estatuto o mais rápido possível, os funcionários do Ba-
hia viviam um período de medo e incerteza. Assessor de imprensa do
tricolor desde 2006, Jayme Brandão conta que o ambiente não ficou
bom após o anúncio de que um interventor assumiria o clube.
“Havia muita dúvida do que realmente estava aconte-
cendo, recebíamos informações um pouco truncadas,
tinha gente que dizia que era temporário e a diretoria
anterior voltaria, muitas coisas. Os dias foram passan-
do e o interventor continuou, então os funcionários
começaram a viver um período de muita incerteza, de
muito medo de perderem seus empregos. Foi muito di-
fícil, porque era uma coisa nova para todos nós”.
Jayme foi um dos poucos funcionários que não deixou de com-
parecer diariamente ao clube após o afastamento de MGF. Preocu-
pado em como o processo político poderia atrapalhar o clube, ele
foi fundamental para evitar que a imprensa tratasse do tema com os
atletas, que também estavam muito assustados.
“Recebi a orientação de afastar os jogadores de tudo
isso. Acredito que conseguimos fazer um trabalho bem
feito nesse sentido, porque os jogadores se fecharam
muito em prol de um objetivo - mater o foco no fute-
bol - e ficaram afastados disso tudo”.
O responsável por orientar o assessor a blindar os atletas foi o
diretor de futebol do clube à época, Anderson Barros. O dirigente,
que tinha uma relação boa com os atletas, admite que teve uma con-
versa com o elenco para esclarecer o momento político vivido pelo
time baiano.
“É um processo totalmente novo no futebol e ninguém
ali havia passado por isso. A saída do Marcelo para a
entrada do Rátis foi um processo muito gradual. MGF
vinha me comunicando que havia processos judiciais,
mas eu não sabia do que se tratava. Um belo dia ele
não apareceu no Fazendão nunca mais e entendemos
do que se tratava”, relembra.
Anderson teve a missão de segurar as pontas no departamento
de futebol e fazer com que a situação judicial do clube não interferis-
se dentro das quatro linhas.
“O futebol foi o último setor que o Rátis foi. Quando
ele chegou na minha sala com polícia, ficamos assus-
tados, não sabíamos que outros setores tinham tido
resistência em ajudar. Nosso setor estava aberto, pas-
samos tudo para ele e na mesma hora o Rátis se desar-
mou”, conta.
Barros lembra ainda de uma conversa que teve com Carlos Rá-
tis, no dia em que foram apresentados.
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“O interventor foi muito inteligente. Ele conversou co-
migo e foi sincero. Ele não conhecia, não sabia nada
de futebol. Então, imediatamente, disse que nós fica-
ríamos responsáveis por isso, apenas passando as in-
formações que ele pedisse”, conta.
Rátis nunca quis ultrapassar sua função de interventor.
“Meu papel nunca foi contratar ou demitir ninguém.
Sei que existiu esse medo de demissão, mas eu esta-
va ali exclusivamente para conseguir a lista de sócios,
organizar uma Assembleia e realizar novas eleições.
Quanto menos tempo no clube, melhor”, explica o
advogado,
que também viveu momentos de tensão quando assumiu o Bahia.
“Desde que assumi na intervenção, em todos os luga-
res que eu ia, eu encontrava duas pessoas que me se-
guiam e faziam questão de se fazerem vistas por mim.
Também recebi ligações no meu escritório com amea-
ças. Não foi um processo fácil, mas sempre tive muita
tranquilidade de que estava fazendo o meu trabalho da
forma mais correta possível, sem interesse algum em
nada”, relembra Rátis.
Cientes de tudo o que estava acontecendo no clube, os atletas
confirmam que ficaram realmente muito assustados com o que estava
acontecendo no Bahia, mas o sentimento foi passageiro.
No clube desde 2011, o zagueiro Titi foi um jogadores respon-
sáveis por controlar os ânimos dos companheiros de clube.
“Quando recebemos a notícia de que Marcelo estava
afastado pela Justiça, ficamos sem rumo. Não sabíamos
como lidar, o ambiente ficou bem difícil, conturbado.
Naquele momento tínhamos perdido o nosso presiden-
te, que era a nossa referência. Se não fosse Anderson
Barros, não sei o que seria da gente. Ele foi muito mais
que um diretor para a gente nesse processo”.
Outro atleta responsável por “segurar a onda” do restante do
elenco foi o volante Fahel, que deixou o clube em dezembro de 2014,
após defender o clube por quatro anos.
“Fiz com que todos entendessem que era uma briga
política, que não era nossa. Sabia que isso poderia
abalar o grupo, porque o clube fica totalmente sem
comando, mas conseguimos contornar com reuniões
diárias, conversas entre a gente. Aprendi muito com
isso tudo, é uma coisa que vou levar para a vida toda”.
A presença desses jogadores no elenco, segundo Barros, foi fun-
damental durante todo o processo de intervenção.
“Eles foram muito homens. A gente se reunia, definia
como íamos agir e eles foram muito leais, muito fiéis
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ao que prometeram. O Bahia deve muito a eles, que
realmente não deixaram o clube se desestruturar to-
talmente”.
O clima de desconfiança só amenizou com o passar dos dias.
Aos poucos, Rátis passou a fazer parte do dia a dia dos atletas, com
quem também se predispôs a dialogar sobre qualquer tipo de dúvida.
A tranquilidade que Rátis começou a transmitir para os jogadores
passou a ser sentida também pelo torcedor, que começou a enxergar
no advogado uma espécie de salvador da pátria.
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COM A CONFIANÇA dos funcionários do clube, as coisas
começaram a fluir melhor para o interventor Carlos Rátis. Ainda em
meados do mês de julho, o advogado finalmente conseguiu um dos
seus principais objetivos: ter acesso à lista de sócios do Bahia.
A lista contava com cerca de 17 mil nomes filiados, divididos
entre adimplentes, inadimplentes e até falecidos. O interventor, por-
tanto, decidiu organizar um recadastramento de sócios, para que ape-
nas os aptos seguissem associados ao clube, tendo os inadimplentes
a chance de regularizar a situação e os falecidos o título cancelado.
O processo foi feito da seguinte forma: o sócio que quisesse se
manter filiado ao Bahia precisava apenas ir até o Edifício Atlanta
Empresarial, sala 808, no bairro do Stiep, e levar documento com
foto e o cartão de sócio. Quem não comparecesse, automaticamente
seria excluído da extensa lista.
Não deu outra. Ao fim do processo, o clube contabilizou 1322
sócios, sendo, desses, 1011 remidos, e, portanto, isentos de paga-
mento de taxa mensal. Foi um choque de realidade para Rátis, que
conseguiu ver o quão baixo era o número real de sócios que o clube
possuía. Mas o objetivo do interventor não era apenas conhecer os
sócios. Era preciso organizá-los e saber quantos eram, justamente
para poder, convocar uma Assembleia Geral para mudar o Estatuto
e, em seguida, convocar as eleições para dar fim ao processo de in-
tervenção.
Com o objetivo de abrir o clube para o torcedor e democratizá-lo,
ASSEMBLEIA GERAL E ELEIÇÕES
“Foi impressionante. Nunca na história se ouviu falar de um clube que em 24 horas conseguiu 10 mil associados” (Carlos Rátis)
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Rátis encerrou o recadastramento e deu uma cartada de mestre. Iniciou
um novo processo, o de associação em massa ao Bahia. A taxa anterior-
mente cobrada, de R$300, foi reduzida a apenas R$10. O plano de Rátis
foi um sucesso, e ele sabe disso.
“Foi impressionante. Nunca na história se ouviu fa-
lar de um clube que em 24 horas conseguiu 10 mil
associados. Foi um trabalho muito bem feito”, conta,
orgulhoso.
A nova campanha para captar novos sócios contou com o apoio
da equipe da agência Leiaute que, espontaneamente, abraçou a causa
e divulgou várias peças publicitárias pela cidade incentivando o tor-
cedor a se filiar.
Em um único dia, o Bahia conseguiu 10 mil novos sócios e arreca-
dou R$ 500 mil - incluindo novos associados e quitações de dívidas de
antigos sócios, o que ajudou o interventor a cumprir sua palavra e quitar
o salário de funcionários e jogadores, que estava há três meses atrasado.
O sucesso de Rátis, que a essa altura já era visto como um herói
pelo torcedor tricolor, deixou MGF assustado. Ainda buscando for-
ças para reagir e voltar ao poder, o dirigente acionou o seu advogado
e, no fim de julho, o advogado Kakay agiu mais uma vez.
“Ele tentou um agravo de instrumento (recurso de se-
gundo grau, aquele que se dá entrada no Tribunal de
Justiça) no TJ-BA com catorze dos 300 conselheiros
afastados, a maioria deles ligados a MGF, mas não deu
certo”, conta o jornalista Nestor Mendes Jr.
A resposta veio no dia 2 de agosto, como um banho de água fria
para MGF. Era noite de sexta-feira quando o Superior Tribunal de
Justiça, em Brasília, julgou extinta a medida cautelar que pedia o fim
da intervenção no Bahia.
MGF não recebeu bem a notícia. Ainda crendo que voltaria à
presidência, ele ligou para as redações dos principais jornais de Sal-
vador e anunciou que retornaria em breve para o clube. Sem sucesso.
No dia 15 de agosto, MGF recebeu ainda a notícia de que o Superior
Tribunal de Justiça havia arquivado o processo.
Acusado de tentar tumultuar o processo de intervenção, MGF
se defende.
“Nunca acionei meus advogados com o intuito de tu-
multuar nada. Era um processo que estava correndo e
eu precisava tomar as medidas que o meu advogado
achava correta. Eu estava no meu direito”, se defende.
MGF nunca foi a favor da intervenção. Ele admite que deveria
ter sido mais democrático, mas, mesmo após o fim do processo, se
declara terminantemente contra essa forma de entregar o clube nas
mãos do torcedor.
“Eu errei em não ser mais político, mais demagogo.
Eu não fiz algumas coisas pelo Bahia porque não
acreditava que seria o melhor para o clube. E conti-
nuo não achando. Eu deveria ter feito o que o torce-
dor queria e deixar eles lidarem com as consequên-
cias”, analisa ele,
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79UM GRITO DE LIBERDADE
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que destaca os pontos negativos de uma democratização.
“Com todo o respeito que eu tenho a Binha [torcedor
símbolo do Bahia, que concorreu à presidência do clu-
be em 2014], ele é um cara que não tem capacitação
para ser presidente de um clube de futebol. Qualquer
pessoa com a sanidade mental plena sabe disso. Seria
suicídio deixar o clube nas mãos dele e ele poderia ser
eleito. São essas coisas, esses riscos, que a democracia
traz. E eu não concordo com isso de que qualquer um
pode chegar lá e ser presidente”, pontua o ex-presi-
dente.
Sem se intimidar com uma possível reação de MGF, Rátis conti-
nuou o trabalho como interventor. No dia 5 de agosto, o interventor
divulgou a lista dos 360 funcionários que faziam parte da folha de
pagamento do clube, incluindo jogadores e ex-jogadores.
Segundo Rátis, o objetivo da divulgação era seguir com uma
política de transparência no clube como ‘instituição pública’. Até en-
tão, tudo bem. O que mais chocou foi o fato de que, entre os 360 no-
mes da lista de funcionários, dez eram conselheiros do clube: Bruno
Brizeno de Araújo, Claus Dieter Ahringsmann, Diego Torres Pinto,
Elizeu Antonio V. Ferreira de Godoy (ex-jogador e gerente de fute-
bol até meados de 2010), Jorge Miranda Copello Júnior, José Hil-
don Brandão Lobão, Leandro de Mello Bahiense, Maurício Castro
de Carvalho, Roberto Vieira Passos e Rui Oliveira Accioly Lins (à
época, presidente do Conselho e com o cargo de superintendente na
relação). Pelo Estatuto, era proibido que um conselheiro fosse fun-
cionário do clube e recebesse remuneração por isso.
Além disso, a lista mostrou que duas irmãs do presidente afasta-
do Marcelo Guimarães Filho, Luciana de Medeiros Guimarães e Re-
nata de Medeiros Guimarães, também eram funcionárias do Bahia,
com cargos de diretoria e gerência, respectivamente.
Quando o documento foi divulgado, Rátis apenas listou os no-
mes, sem nenhum tipo de análise e sem apontar as irregularidades.
Esse trabalho ficou por conta da imprensa.
“Quem elaborou a lista foi o RH [Recursos Huma-
nos]. Não fizemos juízo de valor. A lista ainda vai ser
objeto de análise pela comissão”, garantiu o interven-
tor à época.
Após a divulgação, Rátis convocou uma reunião com os 1322
sócios, remidos e adimplentes. Inconformados, os Guimarães, pai e
filho, além do ex-conselheiro Rui Accioly, tentaram participar, mas
foram vetados. Segundo Rátis, eles chegaram ao local sem apresentar
nenhum tipo de documentação comprobatória.
MGF ficou revoltado.
“Eu sempre fui sócio do clube, foi um presente do meu
pai. Eu não tinha a carteirinha, tem muitos anos isso e
eu acabei perdendo. Foi uma situação ridícula e sem o
menor sentido”, conta.
Para a justiça, Rátis agiu dentro da lei porque, durante o reca-
dastramento, e, consequentemente, a divulgação da lista de associa-
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dos, ficou comprovado que, dos 300 conselheiros destituídos, 156
jamais haviam sido sócios do tricolor, o que os impediria de fazer
parte do quadro do Conselho Deliberativo.
Com mais esse respaldo judicial, Rátis partiu para a convoca-
ção da Assembleia Geral de sócios, dessa vez com todos os antigos
e novos filiados. A reunião foi realizada no dia 17 de agosto, nas
arquibancadas da Fonte Nova. O objetivo era, finalmente, mudar o
Estatuto do Bahia.
Um dos pontos mais exigidos pelo torcedor era o direito de
votar. No documento anterior, eles só teriam direito a exercer a de-
mocracia após uma carência de doze meses. A ideia era eliminar a
carência.
O clima na madrugada anterior à Assembleia não foi nada ame-
no. Às 6h da manhã, o advogado e torcedor do Bahia, Vitor Ferraz,
que à época, por amor ao clube, se predispôs a dar plantão na porta
do fórum para acompanhar se haveria alguma liminar para atrapa-
lhar a Assembleia, ligou para Rátis e anunciou que a reunião havia
sido suspensa.
“No dia anterior às eleições, Rátis e eu fomos ao plan-
tão judiciário com medo de que tentassem impedir a
Assembleia. Ele explicou ao juiz todo o processo de in-
tervenção, o papel dele, o respaldo que tinha para mu-
dar o Estatuto, já que estava autorizado judicialmente.
O juiz, então, disse que poderíamos ir para casa e dor-
mir tranquilos, mas preferi ficar”, relembra ele,
que auxiliava Rátis de forma voluntária, assim como outros torce-
dores.
Por volta das 23h, um dos conselheiros destituídos, André
Americano, entrou com uma ação para tentar impedir a Assembleia
Geral.
“Na mesma hora liguei para Rátis e avisei. Uma das
servidoras de lá me chamou e avisou que as decisões só
seriam anunciadas entre 5h e 6h, então decidi ir para
casa e aguardar”, conta Vitor Ferraz.
Por volta das 5h30, ele ligou para essa mesma servidora, que
anunciou já haver um parecer sobre a ação, mas que não seria infor-
mado por telefone. Rátis e Vitor Ferraz, então, voltaram ao fórum,
onde foram informados de que poderia haver a Assembleia, desde
que não houvesse nenhuma mudança no Estatuto.
Rátis agiu rápido. Entrou em contato com a desembargadora
responsável pelo caso que, de imediato, enviou um fax com a libera-
ção para o interventor realizar a reunião de sócios.
Preocupados com os ruídos de comunicação, os torcedores ain-
da não sabiam se haveria ou não a Assembleia. Ansiosos, viram Rátis
adentrar a Fonte Nova por volta das 12h, sorridente e exibindo um
papel na mão. Os tricolores rapidamente entenderam que se tratava
de uma liberação para que o processo pudesse ser realizado e fizeram
a festa.
O clima no estádio era de Ba-Vi, mas todos em uma só torci-
da. Torcedores sorriam, gritavam e faziam a festa nas arquibancadas
quando, por volta de meio-dia, Rátis apareceu no palco para fazer
um pronunciamento. Após ser ovacionado com gritos de
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“Olê olê olê olê, Rátis, Rátis”,
o advogado retribuiu e declarou publicamente que estava encantado
com o torcedor. Sem pestanejar, pegou o microfone e cantou um dos
gritos mais famosos da torcida tricolor:
“Bahêa, Bahêa Minha Vida,
Bahêa Meu Orgulho,
Bahêa Meu Amor.”.
O torcedor foi ao delírio.
Recomposto, o advogado confirmou: a liminar que suspendia
a Assembleia Geral, que foi interposta durante a madrugada pelo
conselheiro destituído André Luís Americano da Costa, havia sido
oficialmente derrubada. A notícia deixou o torcedor eufórico, como
se o tricolor tivesse acabado de marcar um gol.
Foi então que os torcedores começaram a mudar a história do
Bahia. Estava aberta a votação que definiria se o Estatuto seria alte-
rado ou não.
As mudanças propostas eram as seguintes:
- Ficha-limpa: ninguém poderia ser candidato à presi-
dência ou a cargo de conselheiro se possuísse conde-
nação judicial.
- Eleição direta: sócios elegem diretamente o presiden-
te, que teria de se dedicar integralmente ao cargo e
teria salário estipulado pelo Conselho Deliberativo.
- Redução do Conselho: de 300 para 100 componen-
tes, e sua eleição seria proporcional aos votos recebi-
dos por cada chapa.
- Maioridade eleitoral: a idade mínima para votar seria
reduzida de 18 para 16 anos. A idade mínima para as-
sociação também seria reduzida de 18 para zero ano.
- Mandato-tampão: o presidente eleito durante a in-
tervenção comandaria o clube até dezembro de 2014 e
não poderia se reeleger.
As mudanças não propunham apenas que o clube se tornasse
democrático por conta do voto do torcedor, mas também tinham
como objetivo permitir apenas a eleição de pessoas sem condenações
Advogado Carlos Rátis comandou a Assembleia Geral na Fonte Nova
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judiciais, além de promover uma maior diversificação do Conselho,
o que garantia ao clube uma fiscalização maior e, consequentemente,
uma maior participação de diferentes grupos nas decisões da agre-
miação. Além disso, evitariam que o novo presidente usasse o clube
para fins pessoais, já que teria seus passos acompanhados de perto
por situação e oposição.
Ao lado do palco, urnas com as palavras “Sim” e “Não”
aguardavam as cédulas dos sócios, que pareciam bem decididos.
Às 17h, a votação foi encerrada e começou a apuração, sob super-
visão de três profissionais da imprensa esportiva: Fernanda Varela
(Correio), Bruno Queiroz (CBN) e Antônio Silva (Rádio Socieda-
de), que receberam a incumbência de analisar se as cédulas haviam
sido contadas corretamente, sem nenhum tipo de ação fraudulenta
no resultado final.
O clima era de ansiedade. Os torcedores acompanhavam esse
momento como uma disputa de pênaltis. Pouco menos de uma hora
após o fim da votação, o resultado: dos sócios antigos, 347 (97,5%)
escolheram “sim”, em favor da mudança estatutária, enquanto oito
votos foram nulos e apenas cinco foram contra. Já entre os sócios
novatos, 2.742 (99,2%) também escolheram “sim”, enquanto cin-
co foram contra, e 17 preferiram votar nulo. O Bahia finalmente
mostrava os primeiros sinais de democracia, já que o seu torcedor
escolheu os rumos do clube.
O jornalista, comentarista esportivo da TV Bahia e colunista do
jornal Correio, Darino Sena, retratou o sentimento do torcedor em
sua coluna publicada no Correio do dia 20 de agosto de 2013.
“Marcelo Filho sofreu sua maior derrota - 99% apro-
varam as reformas de verdade. A torcida conquistou
uma vitória definitiva. Mesmo que, numa manobra
jurídica, o ex-presidente consiga anular a assembleia,
o que é bem improvável, o recado já foi dado. O torce-
dor exige transparência, respeito, alternância de poder
e não abre mão de participar da vida política do clube.
Não há Kakay ou juiz neste mundo que possa mais
calar um anseio popular tão forte e legítimo. O Bahia
se fortaleceu como nunca enquanto instituição demo-
crática e transparente”.
Condutor do processo, Carlos Rátis, que nunca havia vestido
uma camisa do Bahia em toda a sua vida, virou ídolo pelo simples
fato de cumprir o seu dever de democratizar o clube e fazer valer a
vontade dos torcedores.
Após as mudanças anunciadas, ficou definido que a eleição
para definir o novo presidente do clube seria em um dia simbólico:
7 de setembro, dia da Independência do Brasil, e agora, também,
dia da Independência do Bahia. Seria a primeira vez que o torcedor
teria a chance de votar e eleger democraticamente quem ocuparia o
mais alto cargo político do tricolor e seu vice-presidente, além dos
100 nomes que formariam o novo Conselho, o que seria definido de
acordo com o percentual obtido na votação por cada candidato (ex:
Candidato A teve 30% e candidato B, 12%. Os 30 primeiros nomes
da lista de conselheiros apresentados pelo Candidato A serão eleitos,
enquanto o Candidato B terá os 12 primeiros da sua lista eleitos).
Estava aberto o período de inscrição de candidatos no clube.
Ao todo, quatro candidatos se apresentaram: Antônio Tillemont,
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Fernando Schmidt, Ruy Cordeiro e Euvaldo Jorge, que desistiu da
candidatura uma semana antes do pleito, deixando a disputa entre os
três primeiros citados.
Empresário e produtor rural, Ruy Cordeiro já havia se candida-
tado à presidência do Bahia anteriormente. Oposicionista declarado
dos Guimarães, pai e filho, ele chegou a concorrer com ambos nas
eleições de 1996 e 2008.
“Já havia me candidatado antes da intervenção, ape-
nas para protestar contra a situação desmoralizante
vivida pelo Bahia, tão mal gerido pelos antigos diri-
gentes. Sempre estive presente em todos os momentos
do meu time”,
conta ele, que acredita que a intervenção foi o fato gerador que resul-
tou na implantação da democracia no Bahia.
Aberta a temporada de campanhas políticas e debates nos veí-
culos de rádio e televisão, os candidatos apresentaram suas propostas
e conseguiram aliados e apoiadores. Nessa história, quem se deu me-
lhor foi o candidato Fernando Schmidt.
Advogado, ele tinha experiência política. Já atuou como mi-
nistro interino do Trabalho e Emprego no governo Luiz Inácio Lula
da Silva, em 2003, foi vereador de Salvador e secretário do Governo
da Bahia, além de também já ter sido presidente do próprio Esporte
Clube Bahia, de 1975 a 1979.
“Embora as duas eleições tivessem ocorrido em con-
textos diferentes, o balanço positivo do meu primeiro
mandato, lá no passado, dentro e fora de campo, aju-
dou sim a transmitir esperança e confiança ao torcedor
tricolor em 2013. Foi fundamental para mim naquele
momento”, avalia.
A segurança que Schmidt oferecia agradava a boa parte dos
torcedores, que decidiu apoiá-lo no pleito. O candidato, que já tinha
a seu favor vários grupos de oposição aos Guimarães, contou ainda
com um grande apoio: o da Leiaute, de Sidônio Palmeira.
“Eu queria ter encerrado meu vínculo com isso tudo
quando começou a intervenção, mas houve uma co-
brança grande de que, se eu ajudei a dar início a isso
tudo, eu não poderia pular fora. Dentre os candida-
tos, decidimos apoiar Schmidt porque já conhecíamos
o passado dele e era alguém em quem confiávamos.
Sabíamos da seriedade e decidimos fazer as peças da
campanha dele, com o slogan Novo Bahia”, relembra
o publicitário,
que chegou a ser acusado pelo torcedor de apoiar a campanha por
conta de interesses políticos, o que foi negado por ele.
Enquanto a disputa acontecia entre os candidatos, MGF seguia
tentando retomar o poder. O ex-presidente, que falava constante-
mente pelo telefone com o então treinador Cristóvão Borges, tam-
bém tinha acesso ao extrato bancário das contas do tricolor. Ele,
inclusive, chegou a distribuir para a imprensa uma cópia de um dos
extratos do mês de agosto, quando já estava afastado, para justificar
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os trâmites da negociação do meia Gabriel, vendido para o Flamengo
em janeiro de 2013.
Entre os candidatos, a preocupação era escolher os 100 nomes
para formar a chapa do Conselho Deliberativo, já que esses nomes só
poderiam ser escolhidos dentre os 311 sócios antigos e que estavam
aptos, por conta de carência exigida em Estatuto.
Apenas Schmidt conseguiu unir os 100 nomes, enquanto Tille-
mont e Cordeiro precisaram se unir, com 50 nomes cada, e dividir as
vagas no Conselho.
“Só existiam cerca de 300 sócios habilitados a serem
candidatos ao Conselho Deliberativo, sendo que mais
de 100 estavam comprometidos com a chapa de Sch-
midt. Assim só nos restou compor uma chapa com 50
nomes. Além de que procuramos sempre zelar pela
qualidade dos nossos conselheiros”, explica Ruy Cor-
deiro.
Empresário de futebol e comentarista esportivo desde 1976, Ti-
llemont preferiu ceder à união. O desejo de ser presidente do Bahia
no momento mais democrático do clube era grande.
“Me candidatei não simplesmente para participar de
um momento histórico, mas consolidá-lo. Nos bas-
tidores do Bahia cogitavam a candidatura única, o
que impediria a realização do sonho da torcida, que
há mais de 20 anos ansiava pelas eleições diretas. Eu
não sabia se Ruy optaria por desistência, mas eu tinha
certeza de que se mantivesse a minha candidatura, a
eleição direta se concretizaria”, explica.
A ELEIÇÃO
Com as chapas formadas e o fim da campanha decretado, es-
tava na hora do sócio ter voz no Bahia. Mas não foi tão fácil assim.
Na véspera das eleições, MGF agiu em busca da sua última chance
de reassumir o cargo e poder encerrar seu mandato, que iria até o fim
de 2014.
“Na quinta-feira, dia 5 de setembro de 2013, eles en-
traram com uma ação para suspender as eleições. Na
sexta, Rátis me pediu para ir ao TJ-BA. Cheguei lá
com um dos advogados da comissão de intervenção,
Jaime Barreto, e pedimos para falar com o juiz sobre
o processo. Fomos informados de que outra pessoa
também estava lá para isso. Era Luciana Guimarães,
irmã de MGF, que é advogada também”, relembra Vi-
tor Ferraz.
Ao encontro do juiz, Luciana – que era funcionária do Bahia
– alegou que as eleições não poderiam ser realizadas, sob alegação
de que o clube não havia publicado três editais nas datas previstas.
Calados, Vitor e Jaime aguardaram que ela se retirasse do local e con-
versaram com o juiz, para explicar todo o processo de intervenção.
Enquanto conversavam, Rátis chegou ao local com todos os
editais publicados em pelo menos três jornais de grande circulação de
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Salvador, fazendo com que o argumento de Luciana não fosse levado
em consideração. O pedido foi, então, indeferido.
MGF não se contentou com a decisão e acionou Leonardo
Ranña, um dos advogados que trabalhava com o escritório contra-
tado pelo ex-presidente. O advogado, então, assinou uma liminar
e encaminhou ao desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia,
Augusto de Lima Bispo. O pedido de mandado de segurança, por
sorteio, foi designado para decisão do desembargador, que tinha o
poder de acatar ou não os argumentos que poderiam mudar os ru-
mos do tricolor.
O desembargador indeferiu o pedido e extinguiu o processo,
alegando que
“um mandado de segurança somente deve ser permi-
tido em situações excepcionais, tais como decisões de
natureza teratológica (absurda), de manifesta ilegali-
dade ou abuso de poder, e capazes de produzir danos
irreparáveis ou de difícil reparação à parte”.
As eleições estavam liberadas para acontecer, por enquanto.
Com medo de nova ação de Marcelo Guimarães Filho, cerca de 50
torcedores que atuavam na área do Direito, com conhecimento de
Carlos Rátis, fizeram um plantão na porta do Fórum Rui Barbosa,
no bairro de Nazaré, para alertar o interventor caso houvesse alguma
novidade no plantão da madrugada do TJ-BA.
“Eu e mais oito advogados estivemos no plantão ju-
diciário [nesta madrugada]. Ficaram sabendo disso na
internet, e mais de 50 torcedores foram lá, levaram co-
mida e bebida. Algo típico de torcedor do Bahia, uma
torcida diferenciada”, comentou o interventor.
Se os torcedores estavam aflitos, os candidatos se mostraram
muito tranquilos. Tillemont não temeu que MGF teria sucesso ao
tentar barrar as eleições.
“Em nenhum momento fiquei preocupado. Tinha con-
vicção de que Rátis tinha o controle total da situação.
Ele conduziu o processo de forma brilhante, além do
fato de ser pessoa de confiança do Judiciário”, garante.
O sentimento era o mesmo de Ruy Cordeiro e Fernando Sch-
midt.
“Sabíamos que ele já estava derrotado”, contam.
MGF se defende.
“Eu não fiz nada para acabar com as eleições, a mi-
nha ação foi apenas a continuidade de um processo
que estava correndo. Eu queria apenas terminar o meu
mandato e tinha esse direito. Muita gente da área sabe
que esse processo todo foi um absurdo”, garante ele,
que depois do afastamento nunca mais tentou se candidatar a cargos
políticos no futebol.
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“Eu não posso dizer que nunca voltaria a ser presiden-
te do Bahia, porque ainda sou muito novo, mas eu não
tenho interesse nenhum de voltar a esse universo por
agora. Nenhum. Se me ligassem e oferecessem o cargo
agora, eu recusaria. Entrei por amor, nunca precisei do
Bahia para me sustentar, nem nada do tipo”, admite.
Amanheceu e as eleições estavam confirmadas. Para facilitar o
processo, que aconteceu das 9h às 17h, o Tribunal Eleitoral cedeu
urnas eletrônicas.
O processo eleitoral do Esporte Clube Bahia foi acompanhado
por uma comissão formada por cinco advogados: Jaime Barreiros
Neto (presidente); Rafael Menezes Trindade Barrêtto; Milton Jor-
dão de Freitas Pinheiro Gomes; Joseph Rodrigues dos Santos; Danilo
Pessoa de Souza Tavares e Cyrano Vianna Neto (suplente), além do
interventor Carlos Rátis.
Nos corredores da Arena Fonte Nova, sócios aguardavam an-
siosamente o anúncio de Carlos Rátis. O burburinho dava conta de
que Schmidt havia vencido com larga vantagem, mas era necessário
ter a confirmação, que veio após uma hora de apuração.
Rátis chegou lentamente a uma espécie de palanque montado
no estádio, com um papel branco em mãos. Antes de anunciar, voltou
a cantar músicas do tricolor.
“Eu não vejo mal algum em ter me envolvido com o
torcedor, porque isso em momento algum influenciou
no trabalho feito pela intervenção, nem tinha objetivo
de lutar contra nenhum ex-presidente. Nunca tive esse
envolvimento, até porque virei torcedor do Bahia de-
pois do processo de intervenção. Agora não perco um
jogo, me apaixonei”, conta Rátis.
O que antes era especulação foi confirmado. Na primeira eleição
direta da história do Bahia, Fernando Schmidt foi aclamado como
novo presidente do clube tricolor com 3.300 votos (67% dos votos
válidos) - Antônio Tillemont teve 1.164 dos votos válidos (23,6%), e
Ruy Cordeiro, 468 (9,4%). De volta ao comando do clube, Schmidt
teria um mandato-tampão, sem direito a reeleição, até o fim de 2014.
Jorge Maia, que foi o responsável por entrar com a ação judicial solicitando a intervenção no Bahia, além de ser aplaudido, foi chamado de “pai da intervenção”
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Já na eleição proporcional do Conselho Deliberativo, a chapa
‘Diga Sim ao Novo Esquadrão’, de Fernando Schmidt, teve a maioria
dos votos válidos. Foram 3.460, o que corresponde a 72%. A chapa
‘Virada com Transparência’, dos candidatos Antônio Tillemont e Rui
Cordeiro, teve 1.358 votos válidos, o que equivale aos outros 28%.
Com o resultado, ficou determinado que a chapa de Schmidt
teria 72 conselheiros no grupo, enquanto a dos outros dois candida-
tos teria 28.
A notícia foi recebida com muita emoção por eleitores, que cho-
ravam compulsivamente nos corredores do estádio. Um deles chegou
a confessar a um amigo ao lado.
“Nem votei em Schmidt, mas é impossível não chorar.
Finalmente estamos livres”.
O choro era de desabafo.
Quem também não conteve a euforia foi Schmidt.
“É uma alegria muito grande voltar a presidir um time
grande como o Bahia. Não só alegria, mas emoção
muito grande. Estou muito emocionado. Mas temos
que lembrar que é outro tempo, outro momento. Mas
a emoção é muito grande”, disse, pouco antes de ser
abraçado por centenas de tricolores.
Com a eleição, Rátis concluiu o seu trabalho e ajudou o Bahia
a entrar nos trilhos da democracia. O interventor assumiu que con-
tinuaria acompanhando o clube, como torcedor, mas fez questão de
avisar que não iria aproveitar o momento para se candidatar a uma
próxima eleição.
“Não, não aceitaria, jamais. Eu entrei no Bahia com
um único propósito, que era realizar a intervenção e
as eleições. Não iria me aproveitar nunca do momento
para isso. Agora, com o fim do processo, vou retornar
às minhas atividades normais. Nem com propostas, eu
não aceitaria”, garantiu o advogado.
Visivelmente cansado, o interventor esperou os momentos finais
dos festejos dos torcedores e sentou em um canto do estádio. Satisfei-
to, ele assistiu às comemorações, aos choros e ao alívio do torcedor.
“Eu vou sentir saudades. Isso aqui não foi um peso
para mim. Claro que foi um trabalho intenso e que eu
me doei muito, mas eu também amadureci demais em
todo esse processo. Evoluí como profissional, conheci
pessoas extraordinárias e pude conhecer ainda mais
um pouco de futebol. Foi um processo gratificante”,
confessou a jornalista Fernanda Varela.
Chegava ao fim uma longa jornada para Rátis e, principalmen-
te, para o torcedor, que pela primeira vez pôde fazer a diferença por
algo que amava desde pequeno.
96UM GRITO DE LIBERDADE
FERNANDA VARELA
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FERNANDA VARELA
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FERNANDA VARELA
Um Grito de Liberdade – O processo de democratização do Esporte Clube Bahia é um livro-reportagem que narra o período
de intervenção judicial a qual o time baiano foi submetido. A história relembra as três intervenções sofridas pelo tricolor, em 2011, 2012 e 2013, conta histórias de bastidores dos
personagens envolvidos no processo, os movimentos realizados para conseguir democratizar o clube e, por fim, relembra o dia
da primeira eleição democrática da história do Bahia.