Um Modelo de Negócio Para o Jornalismo Digital

download Um Modelo de Negócio Para o Jornalismo Digital

of 65

Transcript of Um Modelo de Negócio Para o Jornalismo Digital

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    1/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 51

    R E L A T R I O

    Um modelo de negc io

    para o jornal ismo dig i ta lC o m o o s j o r n a i s d e v e m a b r a a r a

    t e c n o l o g i a , a s r e d e s s o c i a i s e o s

    s e r v i o s d e v a l o r a d i c i o n a d o

    CAIO TLIO COSTA

    PETERGARBET/GETTYIMAGES

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    2/65

    52 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    n d i c e

    APRESENTAO

    1.INTRODUO A CADEIA DE VALOR NAINDSTRIA DO JORNALISMO1.1. Cadeia de valor clssica

    1.2. Nova cadeia de valor

    1.3. Nada a ver com a imprensa tradicional

    2.O PROBLEMA GERACIONAL2.1. Nativos analgicos

    2.2. Nativos digitais

    2.3. Os analgicos-digitais2.4. Disputa entre geraes

    3.O COMPONENTE DISRUPTIVO3.1. Seja o disruptor

    4.JORNALISMO PS-INDUSTRIAL4.1. O problema do subsdio

    4.2. Integrao vertical e integrao horizontal

    5.A QUESTO FACEBOOK5.1. O fator Edge Rank

    5.2. Aplicativos para todos e a moeda do Facebook

    5.3. Fan pages

    5.4. O problema comercial do Facebook

    5.5. Como o Facebook v a questo

    6.A QUESTO GOOGLE6.1. Jornais brasileiros versusGoogle

    6.2. Jornais belgas versusGoogle

    6.3. Jornais e governo francs versusGoogle

    6.4. Google versuso Parlamento e os jornais alemes

    6.5. Como o Google v a questo

    7.A QUESTO TWITTER

    8.A QUESTO TECNOLGICA8.1. Big data

    8.2. Tecnologia investimento, no despesa

    8.3. Administrao da relao com o consumidor (CRM)8.4. Sistemas de administrao de contedo (CMS)

    9.

    O NOVO MODELO DE NEGCIOCOMEA COM AS REDES SOCIAIS9.1. A superdistribuio

    9.2. O Parntese de Gutenberg

    9.3. Condenado a compartilhar

    10.O NOVO CONTEDO DAS NOTCIAS10.1. O blogueiro do Washington Postexplica tudo

    para Jeff Bezos

    10.2. A experincia do BuzzFeed

    10.3. Contedo multimdia

    10.4. O desafio do celular

    11.A SOLUOPAYWALL11.1. Histria dopaywall

    11.2. Uma projeo para o New York Timesdigital

    11.3. Pontos, milhagens

    12.A SOLUO NA PUBLICIDADE12.1. Redes de publicidade

    12.1.1. A experincia da QuadrantOne12.1.2. A experincia da Patch

    12.1.3. A experincia do Grupo de Diarios de

    Amrica

    12.2. A construo de uma rede independente

    12.3. Sobre parceria com Google, Facebook e outros

    13.A SOLUO DOS SERVIOSDE VALOR ADICIONADO13.1. Contedo patrocinado

    13.2. Lista de servios de valor adicionado

    13.3. A experincia do UOL13.4. O contedo no mais o rei

    14.CONCLUSO

    15.MTODOS USADOS NESTA PESQUISA

    16.AGRADECIMENTOS

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    3/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 53

    ESTAPESQUISA FRUTODETEMPORADApassada em 2013 na Columbia Uni-

    versity Graduate School of Journalism, em Nova York, na condio de Vi-

    siting Research Fellow, graas a uma bolsa de estudos de ps-doutorado

    financiada pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Pau-

    lo apresenta uma estratgia possvel para as empresas jornalsticas

    formatarem um modelo de negcio rentvel na era digital. A partir da

    constatao de uma disrupo nessa indstria, sugere uma modelagem

    capaz de garantir produo jornalstica de qualidade, independncia e

    vigilncia crtica dos poderes. Para tanto, descreve a cadeia de valor donegcio tradicional da imprensa e a reelabora conforme a realidade da

    comunicao no negcio digital.

    Diagnostica o problema geracional que atrapalha o desenvolvimento

    de produtos na plataforma digital (nativos analgicos versus nativos

    digitais). Situa as empresas no ambiente disruptivo do jornalismo ps

    -industrial conforme conceito desenvolvido pelo Tow Center (Colum-

    bia University). Alinha os problemas que as empresas jornalsticas

    enfrentam com gigantes como Facebook e Google, alm de sugerir

    como lidar com eles. Detalha os desafios na questo dos investimentos

    em tecnologia.

    Desenha como as empresas devem abraar as redes sociais e explica

    como esto acontecendo as mudanas na produo de contedos para

    adequ-los nova realidade digital. Com exemplos e dados de mercado,

    o estudo sugere a formulao estratgica do modelo de negcio, detalha

    como possvel funcionar a publicidade neste novo cenrio (dominadopor gigantes e o restante pulverizado entre vrias empresas carentes

    de uma larga rede de publicidade composta de publicaes de qualida-

    de), explica de que forma ospaywalls(cobrana de assinatura dos con-

    tedos) fazem parte da soluo e injeta um terceiro elemento funda-

    mental na estratgia: a produo de servios de valor adicionado esta

    ltima, uma expresso emprestada da indstria de telecomunicaes ,

    num movimento que transforma a tradicional empresa de informao

    em uma empresa de servios.

    a p r e s e n t a o

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    4/65

    54 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    i n t r o d u o

    1.A cadeia de valor naindstria do jornalismoem 2014, a inveno da imprensapor Johannes Guten-berg, um dos feitos mais importantes da Idade Moderna,completa 575 anos. Desde ento, em quase seis sculos, ummodelo de negcio se desenvolveu e se aprimorou para darao jornalismo o respaldo de uma indstria poderosa, res-peitvel e rentvel.

    Um dos melhores exemplos dessa pujana, sem dvida,pode ser o americano The New York Times, aclamadomundialmente pela qualidade do jornalismo que pra-tica. Em 2000, ltimo ano do sculo 20, a empresa que oedita faturou 3,5 bilhes de dlares. O lucro operacionalalcanou 636 milhes de dlares. O lucro lquido foi de397 milhes de dlares, ou seja, 11% em relao ao fatu-ramento. Uma margem bastante razovel quando com-

    parada com outras indstrias a mdia das 30 maio-res empresas abertas, em 2013, no passava de 8,5% noranking daFortune.1

    Esse resultado vinha de uma capacidade adquirida decompor receitas provenientes da publicidade e da vendade jornais. Elas bancavam as despesas com uma redaoque tinha mais de 1.000 editores e reprteres espalhadospelos quatro cantos do mundo.

    Doze anos depois, em 2012, essa mesma empresa viusua receita cair para 1,9 bilho de dlares. O lucro ope-racional tambm recuou para 108 milhes de dlares e olucro lquido, para 133 milhes de dlares, quase 7% de

    margem. O resultado ainda parece razovel? Caso seguissea tendncia projetvel de receitas (em queda) e de des-pesas (mesmo sob cortes), no haveria garantia de mui-tos anos de vida ao jornal.

    Esse problema, de uma forma ou de outra e de maneirageral, atinge a indstria tradicional, em especial os jor-nais. Cortes de custos, queda do faturamento com publi-cidade, perda de leitores e diminuio do tamanho vmsendo uma constante neste negcio nos ltimos anos desde a emergncia das novidades trazidas pela tecnolo-gia e pela comunicao em rede.

    No exemplo doNew York Times, o que era valor, prin-

    cipalmente em relao publicidade impressa, perdeuquase dois teros de sua fora em 12 anos. A queda das

    receitas com a publicidade foi de 64%. Os concorrentes

    da mdia digital esmagaram principalmente as receitasprovenientes dos anncios classificados. A receita comcirculao paga (venda de exemplares avulsos mais assi-naturas do jornal) cresceu alguma coisa nestes 12 anos:25%. Mas o resultado operacional da empresa despencouem 83%. Um desastre.

    O crescimento na receita de circulao melhorou em2011. Isso se deu porque a empresa conseguiu revertera tendncia de queda com a adeso de assinantes digi-tais, e ainda conseguiu retomar assinantes para sua edi-o impressa. Consequncia do fato de oNew York Timesadotar o chamadopaywall poroso, ou flexvel, aquele sis-

    tema que oferece ao leitor a chance de se tornar assinantepagante depois de degustar uma certa quantidade de tex-tos. O jornal passou a cobrar dos internautas que queriammais acesso ao seu contedo. Ou seja, algo estava sendofeito para frear a dbcletotal.

    No entanto, esse algo estava sendo feito de acordo coma antiga cadeia de valor da indstria jornalstica. Seus exe-cutores apenas transpuseram para os meios digitais a velhafrmula gutenberguiana, o mesmo modelo do negcio. Pri-meiro, publicaram em seus sites a mesmssima produode contedo jornalstico. Segundo, rechearam essa pro-duo com publicidade (ou o que restava dela) e, terceiro,

    a distribuio do produto passou a ser feita por meio dacomercializao das assinaturas digitais.

    2.505,3

    898,0952,9

    212,6

    139,0

    3.489,4

    1.990,0

    635,9 108,30

    1.000

    2.000

    3.000

    4.000

    2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

    Publicidade Circulao Outros Total Lucro Op

    761,4

    RESULTADOS DA NEW YORK TIMES CO.| EM MILHES DE DLARES

    Fonte: NYT CO Investor Site: http://investors.nytco.com/investors/default.aspx

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    5/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 55

    Por mais polmica que possa parecer a observao quese segue, esses procedimentos no vo dar conta do desa-fio da sobrevivncia dessa indstria. Nem vo dar certopara a indstria como um todo, mesmo e apesar de teremdado novo flego para oNew York Times. No o modeloeficaz tanto porque persegue uma cadeia de valor antigaquanto porque oNew York Times, dada sua abrangnciaplanetria, no pode ser tomado como exemplo nem naantiga cadeia de valor nem na nova.

    Essa indstria, se quiser se reinventar no modelo digi-tal e tornar-se um empreendimento digital de jorna-lismo, deve tomar atitudes diferentes da que vem per-seguindo na verso digital, a de um casamento comple-tamente esgotado com o modus operandida ultrapas-sada poca gutenberguiana. muito duro para essasorganizaes duplicar os seus modelos de receitas noonline, resume Bill Grueskin, um dos autores de umdos mais completos estudos sobre o negcio do jorna-lismo digital.2

    Veja o exemplo de outro gigante, The Wall Street Jour-nal. Tem uma circulao mdia de 2,4 milhes de exem-plares nos dias de semana. No ms de agosto de 2013 foivisto por 56 milhes de pessoas na internet, conformeseus dados internos. Desde que existe a imprensa,

    nunca houve tanta gente consumindo tanto o que nsfazemos quanto hoje, afirma Raju Narisetti, vice-pre-sidente snior de estratgia da News Corp, a empresaque edita o Wall Street Journal. Para mim diz ele , oproblema no que as pessoas no querem nosso con-tedo. O problema que tem sido muito difcil para agente fazer dinheiro com isso.3

    Esta concluso, os jornais no conseguem fazer dinheirocom a enorme audincia que o digital porta, dramtica.

    Para obter lucratividade no ambiente digital, essa inds-tria deve se reinventar. A soluo comea pelo entendi-mento da nova cadeia de valor. Os jornais precisam cha-

    coalhar sua forma de se relacionar com as pessoas e res-peitar as novas formas de elas consumirem informaese servios relacionados. Em sntese, as empresas jorna-lsticas tm de mudar seu jeito de ser. A velha frmula seesgarou. Vale apenas e ainda para o produto impresso.No funciona para o produto digital.

    1.1.

    Cadeia de valor clssica

    O negcio do jornalismo tradicional, apesar de ser apre-sentado como um negcio de contedo, de informao,no fundo mais do que isso. Na sua ponta, um neg-cio de distribuio. E no apenas um negcio de dis-tribuio de produto, mas algo mais complexo, emboraparea simples.

    Pesquisadores da Columbia University explicam que osmeios de comunicao tradicionais no vendem contedocomo se fosse um produto. Seu negcio a prestaode servios, com a integrao vertical de contedo,reproduo e distribuio.4Essa forma de entender otradicional negcio da comunicao vital para os novostempos e as transformaes em curso.

    No h, evidentemente, servio nem contedo que fun-cionem, se o produto no for bem distribudo, no importao tamanho do pblico-alvo. Pblico geral ou segmen-tado, grande ou pequeno, perto ou distante, local, regio-nal, nacional ou global, sem a distribuio, no existe aindstria do jornalismo tradicional, no existe o negcio.

    O jornal tradicional sustentado por uma operao

    movida por quatro reas muito bem definidas.A primeira rea produtora de contedo. A empresaeditora produz o contedo por meio de redaes forma-das por reprteres, redatores, artistas grficos, diagra-madores, fotgrafos, correspondentes e editores. Essesprofissionais compem o contedo conforme a missoe o pblico-alvo do jornal.

    A segunda grande rea formada pelo conjunto dedepartamentos que cuidam da administrao, das finan-as, dos recursos humanos e da grfica. O departamentofinanceiro negocia e compra papel e tinta, faz a aquisi-o ou o aluguel da rotativa responsvel pela impresso

    dos exemplares dirios.A terceira rea aquela especializada em comer-cializar publicidade nas pginas do produto impresso.Essa rea se dividiu em dois grandes braos durante aera gutenberguiana. Uma para vender publicidade naspginas nobres. Outra especializada em vender ann-

    1Todas as informaes financeiras do New York Timesprovm do site institucional da empresa, conforme acessado em 15/11/13: . Ver o ranking da Fortuneem 2013 conforme acessado em 15/11/2013 via cnn.com: . 2Declarao dada em entrevista ao autor em 24/9/13 na Columbia University. Sobre o estudo, ver: GRUESKIN, Bill; SEAVE, Avae GRAVES, Lucas. The Story So Far: What We Know About the Business of Digital Journalism, publicado em 10/5/11 no site da Columbia Journalism Review, confor-me acessado em 6/11/13: . 3O dado de circulao impressa vem da Alliance for Audited Media (USA). Aaudincia mundial do WSJ em agosto na internet e as declaraes provm de Raju Narisetti em entrevista ao autor em Nova York, na sede da News Corp, em 19/9/13.4ANDERSON, C.W., BELL, Emily and SHIRKY, Clay. Post-Industrial Journalism Adapting to the present, publicado no site do Tow Center em novembro de 2012,

    p. 7, conforme acessado em 11/11/13: . A Revista de Jornalismo ESPMpublicou uma traduo do estudo em sua edio n 5 (abril/maio/junho de 2013)

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    6/65

    56 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    cios classificados. Criou-se um sistema to sofisticadoe competente que os jornais nos Estados Unidos, ou noBrasil, nos tempos ureos dessa indstria, imprimiamedies dominicais com peso superior a 5 quilos, a maio-ria desse volume composta por anncios classificadosde emprego, de veculos ou de domiclios. Quem preci-sasse procurar emprego, comprar um carro, adquirir oualugar uma casa, no tinha destino mais eficaz do queas pginas classificadas dos jornais.

    A quarta e ltima grande rea dessa indstria a dacirculao. Cuida dos detalhes que envolvem a distribui-o do produto. Assim como a redao e o departamentocomercial, essa rea se posicionou como mais um centronervoso da operao. Igualmente sofisticou-se com osanos. Subdividiu-se em trs grandes operaes: 1) dis-tribuio nos pontos de venda, 2) captao de assinan-tes e 3) recuperao de assinantes.

    A primeira operao da circulao cuida da entrega doproduto nos diferentes pontos de venda, em geral bancasde jornais e de revistas. a chamada venda avulsa. Anosde aperfeioamento permitem saber quantos exempla-res cada ponto consegue vender. Seus tcnicos conse-guem antecipar com certo grau de certeza quanto a vendaavulsa de uma edio pode ir bem ou mal. Administrar

    a quantidade de jornais impressos e o encalhe possvel(o chamado encalhe tcnico) virou uma especialidadedesenvolvida quase que cientificamente. Dependendoda manchete, o jornal pode vender menos ou mais emdeterminadas bancas, ou em todas as bancas. Um bomdepartamento de circulao redistribui os jornais nosdiferentes pontos de venda e regies da sua rea de cir-culao conforme a notcia do dia e o impacto que elapode ter em determinadas regies da cidade, do estadoou do pas.

    A segunda operao da circulao trata da venda deassinaturas, especificamente da conquista de novos assi-

    nantes. A terceira trata a recuperao dos desistentesda assinatura. Para ambas funcionarem bem, precisoprocessar dados histricos sobre o comportamento doconsumidor ao adquirir e ao renovar uma assinatura.

    Cada uma dessas operaes foi ganhando tecnicidadecom o tempo. Ao planejar uma campanha para anga-riar novos assinantes, por exemplo, o departamentode circulao sabe de antemo quanto tempo um assi-nante permanece em carteira, ou seja, qual a mdia detempo que algum continua assinando aquela publi-cao. Sabe quanto cada assinante produz de receitadurante esse perodo. Por consequncia, calcula facil-

    mente o quanto se pode gastar (o chamado custo per-

    missvel) para conquistar uma nova assinatura tendoem vista o tempo mdio em que o novo assinante vaificar pagando pelo produto. Com esses dados, calculainclusive a margem financeira de lucro operacional quea publicao deseja resguardar.

    Os operadores da recuperao de assinantes conhe-cem muito bem os motivos pelos quais algum deixa deassinar o produto. Existem diversas tticas para recu-perar um assinante. Promoes com brindes ou comdescontos, incentivos diversos, vendas casadas comoutros produtos iguais ou de interesse geral (enciclo-pdias, CDs de msica, fascculos) ou a continuidade daremessa do produto durante certo tempo, mesmo apsvencer a assinatura.

    Essas operaes dos jornais de venda avulsa e assi-naturas so bastante semelhantes nas revistas, sejamsemanais, sejam mensais.

    No caso do rdio e da televiso aberta, mudam algu-mas operaes mas a cadeia de valor continua a mesma:produo de contedo e distribuio. Tanto no rdiocomo na televiso o contedo, produzido por profis-sionais da casa ou por equipes terceirizadas, operadototalmente pela empresa. Os tcnicos levantam o sinalcom os contedos, as empresas pagam pela sua distri-

    buio via satlite ou via torres de transmisso terrestre,seja de forma direta, seja por intermdio de parceirosretransmissores. A publicidade (e suas variaes, comoo merchandising) paga todos os custos na TV aberta eno rdio. Algumas empresas tm receita extra com avenda de horrios de sua programao mas o grossodas receitas vem da publicidade.

    Existe ainda a TV paga (a cabo ou por satlite), cujagrande diferena em relao TV aberta ter tambmreceita de assinantes, alm da receita de publicidade. Essaoperao se aproxima da venda de assinaturas dos produ-tos impressos. Ao comercializar filmes, sries e esportes

    no estilopay-per-view,ela tambm se parece com a ope-rao de venda avulsa dos produtos impressos.Nessa cadeia de valor produo de contedo, manejo

    tcnico (mquinas impressoras ou emisso de sinais) edistribuio (seja por meios fsicos, seja por ondas ele-tromagnticas) , a empresa editora domina completa-mente seu negcio. Tem total controle sobre ele. Ela con-trata os produtores de contedo. Ela compra ou man-tm os sistemas de impresso e da emisso do sinal. Elacuida da distribuio, sem dar satisfaes a no ser aseus leitores, ouvintes e/ou telespectadores.

    Em sntese, a indstria tradicional da imprensa domina

    100% da cadeia de valor do seu negcio.

    R E L A T R I O

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    7/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 57

    1.2.

    Nova cadeia de valorNo ambiente digital, o jogo muda.

    A cadeia de valor da indstria jornalstica na nova eratrazida pela internet radicalmente distinta da cadeia devalor do negcio tradicional dos jornais. outra coisa.Fala-se inclusive em jornalismo ps-industrial, como sever mais adiante.

    Para comear, preciso situar a cadeia de valor na novarealidade. Levantamento do Boston Consulting Group5mostra que a indstria do contedo aufere apenas 7% dofaturamento do negcio digital em todo o mundo.

    A indstria de telecomunicaes domina a ponta dadistribuio, capturando 60% de todo o dinheiro circu-lante na indstria digital cujo faturamento total anual,no estudo, estava perto dos 2,5 trilhes de dlares.

    Quem domina a ponta da recepo, dos aparelhos querecebem os contedos (para fazer a funo do papel edo aparelho de rdio e de TV), a indstria produtorade computadores, laptops, tablets, smartphones, celu-lares em geral. Do faturamento digital anual, 14% vopara essa indstria.

    Alm das empresas de contedo, de telecomunicaes

    e de aparelhos receptores, existe mais um quarto seg-mento no compartilhamento das receitas digitais. Ele formado por produtores de tecnologia, criadores de soft-wares, os agregadores. Criam tecnologia prpria, agregame manipulam contedos de terceiros. Alm de empresasespecialistas em softwares, como IBM, Oracle, Micro-soft, esse segmento conta ainda com os buscadores comoo Google, sites de comrcio eletrnico como a Amazone o eBay, sites de servios como o Monster e o Craiglist,redes sociais como o Facebook, o YouTube, o Google+, oTwitter, o Instagram, o Foursquare e o Pinterest, portaiscomo a MSN, a AOL, o UOL, o G1, o Terra, o iG, servios

    financeiros como o PayPal, entre inmeros outros. Car-regam 22% do faturamento anual digital.Restou s empresas jornalsticas a produo do con-

    tedo. At agora, ela est conformada com isso. Considera-se empresa de informao e no empresa de servio. Noentende a informao como servio, mas como algo puro,que funciona por si s. Produz informao, ponto e basta.

    Essa indstria, de forma geral, tem-se preocupado emdigitalizar seu contedo analgico para oferec-lo aosinternautas de forma gratuita ou contra pagamento. Essesegmento, no entanto, com receitas de publicidade e dacobrana do contedo, repita-se, fatura somente 7% do

    total das receitas digitais do planeta. Poderia disputarreceita no segmento dos agregadores? Sim.

    Os jornais no precisavam esperar esse dado para enten-der e enfrentar a mudana brutal na cadeia de valor do seunegcio quando ele se torna digital. No fundo, eles tm, outinham, um bom negcio de distribuio. Do final do sculo20 para c, apareceram empresas de telecomunicaes, bus-cadores, portais, agregadores, desenvolvedores de softwaree fabricantes de sofisticados aparelhos tecnolgicos paravirar de ponta-cabea o velho e bom negcio da venda dainformao. Sem falar no pblico que se acostumou (ou malacostumou-se, no dizer dos jornais) a consumir informa-o de graa e se tornou ele prprio, alm de produtor, umdistribuidor. Melhor, um superdistribuidor de informao.

    Surgem ento perguntas relativas a essa nova cadeia devalor e os desafios que essa realidade implica: Como uma publicao pode vencer sem fazer apenas a

    transposio do modelo tradicional para o mundo digital?Como cobrar por um contedo que os internautas con-seguem de graa, mesmo de pior qualidade?Como financiar a produo online de jornalismo dequalidade?Como enfrentar tanta informao, tanto boato, tantaopinio?

    Como garantir o jornalismo independente? Como manter a lucratividade alcanada no meio impresso? Como se inserir de forma eficiente na nova cadeia de

    valor?Esta pesquisa provavelmente no conseguir respon-

    der a contento a todas essas questes. Mas tenta abrir umcaminho possvel para as empresas jornalsticas se situa-rem satisfatoriamente no ambiente digital.

    1.3

    Nada a ver com

    a imprensa tradicional

    Veja bem: este estudo no se refere s possibilidades desalvao do jornalismo na sua plataforma tradicional.No est interessado, por exemplo, no desenvolvimentode impressoras capazes de produzir jornais e revistas dire-tamente nos domiclios ou nas bancas, como apareceu em2013 na Sucia. Nem na alternativa da distribuio de jor-nais impressos gratuitos, movidos a publicidade de varejo,em pontos de grande concentrao de pessoas. Nem tratadas investidas off line, como a criao de departamentos

    5Levantamento do qual eu participei em 2010 na condio de consultor sobre o mercado brasileiro.

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    8/65

    58 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    2.O problema geracional

    em primeiro lugar, existe um problema incrustado nocentro das operaes necessrias mudana. Trata-se doproblema geracional. Ele precisa ser atacado. No mnimo,compreendido.

    Como sempre, indivduos e organizaes jovens levamvantagem sobre os mais velhos no por saberem mais, masjustamente por saberem menos coisas que deixaram deser verdade. Sem o fardo de velhas premissas que j no sesustentam, perdem menos tempo e energia desaprenden-do coisas antes de poder encarar e reagir ao mundo atual.

    A manifestao acima vem do talvez mais abrangenteestudo j escrito sobre os problemas do jornalismo e suasuperao no ambiente digital, intitulado Post-Indus-trial Journalism Adapting to the present, ou Jorna-

    lismo Ps-Industrial Adaptao aos novos tempos, natraduo brasileira6. Foi realizado por especialistas doTow Center for Digital Journalism, e envolveu especia-listas de trs universidades: Christopher William Ander-son (da City University of New York Cuny), Emily Bell(da Columbia University Graduate School of Journalism)e Clay Shirky (da New York University NYU).7

    Passamos muito tempo colhendo o material e traba-lhamos duro porque no queramos falar do futuro do jor-nalismo e, sim, queramos descrever o que est aconte-cendo agora e em que devemos prestar ateno, explicaa professora e jornalista Emily Bell.8

    A afirmao dos especialistas do Tow Center sobre osjovens se encaixa na evidncia de que a realidade ps-

    moderna comporta a convivncia de pessoas que nas-ceram num mundo analgico e as que j nasceram nummundo digital conforme conceitos que desenvolvi numartigo para aRevista de Jornalismo ESPM e que seguem

    reproduzidos e reexaminados na sequncia.9

    2.1.

    Nativos analgicos

    Os nativos analgicos so todos aqueles que eram adul-tos nos anos 90 do sculo passado. Sua formao abso-lutamente livresca. Estudaram por meio da leitura de tex-tos durante toda a vida. Tiveram aulas na sua forma tra-dicional. Aprenderam o conhecimento basicamente pormeio dos livros. O cinema, o teatro, a msica, a televiso,

    o rdio, os jornais, as revistas e talvez at alguns videoga-mes fizeram parte de sua formao. Mas ela foi magistral-mente preenchida por leituras em livros ou apostilas nasua forma impressa.

    Os nativos analgicos so pessoas experientes, grandeparte versada na crtica. Ao buscar informao na inter-net, os nativos analgicos preferem as fontes conhecidas,as quais conquistaram credibilidade no mundo analgico.

    Muitos entre eles costumam reclamar do excesso deinformao, do excesso de opinies e do que chamam debaguna informacional que o excesso provoca. Quandovisitam um blog ou um site desconectado dos sites da

    mdia tradicional, eles se assustam e se incomodam coma maneira como as pessoas abastardam a linguagem. Irri-

    R E L A T R I O

    especializados em produzir eventos, conferncias e semi-nrios para aproveitar o poder de atrao que as marcasdos jornais ainda exercem.

    No. Este estudo tem a ver com as possibilidades queas empresas jornalsticas podem ter na esfera dos neg-cios digitais, na possibilidade de continuarem a fazerseu trabalho de qualidade e garantir lucratividade num

    ambiente multiplataforma, mas digital, que exige umnovo entendimento do negcio.

    No trata, repita-se, da salvao dos jornais na sua estru-tura clssica. Trata, sim, da reinveno dessa indstria nomundo digital. E sem perder sua capacidade de investi-gar e produzir um jornalismo independente, abrangentee crtico em relao aos centros de poder.

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    9/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 59

    tam-se com o palavreado abreviado e tosco, com os julga-mentos definitivos e com as opinies gratuitas.

    Os nativos analgicos usaram papel carbono para fazercpias de um mesmo texto. Tm guardada em algum lugarda casa, carinhosamente, uma mquina de escrever. Usamo computador tanto como mquina de escrever como paraler textos na forma de arquivos PDF ou Word. Conhece-ram celular e e-mail j na idade adulta. No dominam ouniverso digital, mas muitos deles se esforam para sevirar no mundo digital.

    2.2

    Nativos digitais

    Os nativos digitais dominam de maneira intuitiva a inter-net e os aparelhos que a manipulam. Consideram-se pro-tagonistas na internet. Tendo bastante pblico, algumpblico ou nenhum pblico, no importa, eles sempreesto vontade na rede: conversando com os amigos,coletando informaes, descobrindo aplicativos novos,jogando online ou investindo numa rede social recm-lanada. Eles esto sempre atualizados em relao ao queacontece no mundo digital.

    No Twitter, eles se sentem como se estivessem emum palco. No Facebook, eles agem entre pares. No Goo-gle+, eles tm uma porta aberta para todos os serviosdo Google. No Foursquare, eles se informam sobre qua-lidade de servios. No Skype, eles conversam com ami-gos e familiares sem pagar conta de telefone. No Insta-gram, eles se sentem artistas, fotgrafos, decoradoresou gourmets. No Snapchat, eles mandam fotos fugazes.No smartphone, eles teclam com rapidez usando os doispolegares enquanto os analgicos usam apenas um dedo,em geral o indicador.

    Os nativos digitais apreendem o conhecimento de outra

    forma. Sua formao se d com contedos digitais nas suasdiferentes formas, seja na internet, seja nos aplicativos.Eles aprendem com a internet, com as sries de televiso,cinema, histrias em quadrinhos; alm dos livros, claro.

    Os nativos digitais tambm aprendem geografia emvideogames, histria em documentrios, ingls com asmsicas, conjuntura com os amigos nas redes sociais.Fazem contas com calculadoras. Nascem praticamente

    portando endereo de e-mail ou um perfil em rede social.Usam celular desde criana e dominam, de forma intui-tiva, o manejo dos mais diversos aparelhos tecnolgicos.

    Um alentado estudo da ITU (International Telecom-munication Union) divulgado em outubro de 2013, inti-tulado Measuring the Information Society, no seu cap-tulo 4, Measuring the worlds digital native, aponta que,em 2012, 30% da populao jovem mundial (entre 15 e 24anos) era formada de nativos digitais.

    Em nmeros absolutos, os Estados Unidos, com 41,3milhes de nativos digitais, formam o segundo pas, ante-cedido pela China (75 milhes), seguido pela ndia (22milhes) e pelo Brasil (20 milhes), o quarto. Em termospercentuais, nos Estados Unidos, 95% dos jovens entre 15e 24 anos so nativos digitais. No Brasil, 60%.10

    2.3

    Analgicos digitais

    Uma terceira figura tambm pode ser detectada entre essesdois polos. a figura do analgico digital numa leituraaberta de definio cunhada pelo cientista Silvio Meira.11

    O analgico digital aquele ser nascido analgico, mas

    com os olhos, os ouvidos e a cabea voltados para o mundodigital. Ele faz o possvel e o impossvel para se adaptar aonovo mundo. Muitas vezes, no entanto, seu olho no con-segue ir alm do aceitar o mundo digital, mas sem com-preend-lo na sua totalidade. Isso no o impede de ten-tar acertar no mundo digital.

    O melhor e mais completo exemplo de um analgicodigital vencedor o de Steve Jobs, que soube dar sen-tido digital ao negcio da msica (iTunes), sem falar nodomnio digital dos computadores pessoais, dos tabletse smartphones da Apple.

    2.4

    Disputa entre geraes

    A essncia do primeiro, nativo analgico, a da solidez dosconceitos, da educao tradicional, da informao distri-buda unidirecionalmente. O professor ensina. O jorna-lista informa.

    6Como referenciado na nota nmero 4, a traduo foi publicada na edio n 5 da Revista de Jornalismo ESPM, abril/maio/junho de 2013. 7Ver p. 115 do Post-In1-dustrial Journalism, texto referenciado na nota nmero 4. 8Em entrevista ao autor em 23/9/13 na Columbia University.9Ver COSTA, Caio Tlio. Analgicos versusDigitais in Revista de Jornalismo ESPM, Jul-Ago-Set 2012. p. 12 a 23. 10Conforme acessado em 22/10/13: .11Definio explicitada em palestra do cientista Silvio Meira no Museu da Imagem e do Som em So Paulo, em eventoda Serasa-Experian em 4/6/2012.

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    10/65

    60 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    A essncia do segundo, nativo digital, a da liquidezdos conceitos. Ele sabe tanto quanto o professor. Ele noprecisa ser jornalista para informar ou opinar. Seus con-ceitos se amoldam s situaes assim como os lquidos seajustam e tomam a forma de seus receptculos, conformedefende Zygmunt Bauman.12

    No caso especfico da imprensa, a tenso entre anal-gicos e digitais se resume na incerteza de como o jorna-lismo ir sobreviver para continuar a relatar os fatos deforma independente, fiscalizar os poderes e regar o di-logo crtico.

    Da mesma maneira que nativos analgicos transfor-maram-se em analgicos-digitais, digitalizaram-se pelanecessidade de sobrevivncia, inteligncia ou capacidadede seguir o novo, o modelo de negcio da imprensa tam-bm precisa se digitalizar.

    No fundo, no h como analogizar a comunicaoem rede. Isso exatamente o que a imprensa tenta fazer,sem o perceber, quando transplanta para o ambiente digi-tal o seu modelo de negcio analgico tradicional. Comoquando tenta sobreviver no mundo digital com uma receitacomposta apenas de publicidade e cobrana de contedo.

    Esses trs tipos nativos analgicos, nativos digitaise analgicos digitais esto na base da confuso que a

    indstria do jornalismo enfrenta ante as mudanas tec-nolgicas e comportamentais que viraram seu negciode ponta-cabea. No fundo, eles protagonizam uma dis-puta geracional espraiada por toda a contemporaneidade.

    Os nativos analgicos tentam salvar negcios analgi-cos adaptando-os ao digital. Os nativos digitais corrempor fora e criam negcios completamente digitais comoo Google e o Facebook.

    Os idealizadores do Google, Sergei Brin e Larry Page,nasceram em 1973 entraram com 17 anos nos anos 1990do sculo 20. Mark Zuckerberg, do Facebook, entrou com

    6 anos, nasceu em 1984. Mesmo esses jovens empreende-dores enfrentam problemas geracionais enquanto enve-lhecem. Em 2013, por exemplo, explica o professor DavidKlatell, o Facebook perdia audincia entre os jovens, enve-lhecia junto com sua base e tentava adquirir aplicativos quefaziam sucesso entre os adolescentes, como o Snapchat.13

    Num congresso de jornalistas em Atlanta, em outu-bro de 2013, o especialista em negcios de mdia RickEdmonds, do Poynter Institute, quis saber quantos edi-tores top dos jornais americanos tinham origem no mer-cado digital, numa aluso direta questo da forma-o e, ao mesmo tempo, intrinsecamente ligada ques-to geracional.

    Edmonds examinou a lista dos 1.400 jornalistas espera-dos na cidade para a edio anual da Online News Asso-ciation Conference e raciocinou: Com a transformaodigital, prioridade anunciada pelas empresas jornalsticas,voc apostaria que muitos jornais teriam dado as rdeaseditoriais para um especialista digital. Mas editores topcom slida origem digital continuam a ser raros, escre-veu ele em sua pgina no Poynter (escola voltada exce-lncia do jornalismo com sede em St. Petersburg, na Fl-rida). Fez as contas por cima, pediu desculpas pela poss-vel impreciso, mas cravou: Numa checagem rudimen-

    tar (e tenho certeza que incompleta), eu s posso imagi-nar meia dzia, ou algo assim.14

    Como fazer sucesso no digital com editores sem expe-rincia digital? Essa mais uma das questes que devemser enfrentadas pelas empresas que pretendem sobre-viver num mundo de mudanas permanentes e voca-o digital. Trabalhar com profissionais de origem digi-tal ou, no mximo, com os analgicos-digitais, tornou-seum componente-chave na nova realidade, que sobre-tudo disruptiva.

    antes de entrar em qualquerdiscusso especfica sobre

    12Ver BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Lquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 13Em conversa com o autor na Columbia University em 18/11/13. O caso do Snapchat abordado no captulo A questo tecnolgica. 14EDMONDS, Rick. How many top newspaper editors are from digital backgrounds? Still darn few, publicado em16/10/2013 no site do Poynter Institute, conforme acessado em 23/10/13: http://www.poynter.org/latest-news/business-news/the-biz-blog/225465/how-many-top--newspaper-editors-are-from-digital-backgrounds-still-darn-few/

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    11/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 61

    o modelo de negcio no jornalismo digital, mandatriofalar do componente disruptivo.

    Num estudo clssico, Clayton Christensen, professorde Harvard, trata das tecnologias disruptivas. A palavravem do latim disruptio, que significa espedaar, rom-per, destruir. Tem sido muito usada para definir a inter-rupo do curso normal de algum processo, principal-mente em tempo de constantes mudanas tecnolgicas,como o nosso.

    Conforme Christensen, a fotografia digital uma tecno-logia disruptiva em relao do papel fotogrfico normal.A telefonia mvel o em relao telefonia fixa. Redesde comunicao por pacotes (que formam a internet) oso em relao s redes de comunicao comutadas por

    circuitos (como na telefonia fixa). Smartphones tambmo so em relao aos computadores de mesa. Educaoa distncia o em relao educao clssica na sala deaula com professor, lousa e alunos. Assim como a impres-so em trs dimenses, que rapidamente vai se sobrepor aqualquer tipo de impresso j vista. A angioplastia contraa interveno cirrgica cardaca com bisturi ou o varejoonline contra o varejo tradicional. A lista maior, e quemtiver curiosidade em outros exemplos pode encontr-losno livro de Christensen.15

    A indstria do jornalismo, seja por questes geracionais,seja por questes de negcio, seja por mera incompetn-

    cia, levou muito mais tempo para entender o momentodisruptivo pelo qual passa do que levaram, por exemplo,a indstria das telecomunicaes, que soube recriar-se noambiente sem fio; a indstria da msica, que est se refa-zendo no ambiente digital; ou mesmo o varejo tradicio-nal, que est se superando no comrcio online.

    Enfim, como se diz popularmente, caiu a ficha. Na intro-duo do site Riptide, o mais completo levantamento hist-rico das relaes entre a mdia e o ambiente digital, conta-se que, na maior parte do sculo 20, qualquer lista das fam-lias mais ricas da Amrica iria incluir nomes encastelados

    no negcio de notcias. Gente como os Hearsts, Pulitzers,Sulzbergers, Grahams, Chandlers, Coxes, Knights, Ridders,Luces ou Bancrofts num tributo a um fabuloso modelode negcio fabricador de notcias.16

    Embora muitas dessas famlias permaneam ricas aindahoje, diz o site, os seus negcios, histricos, esto emdeclnio acentuado (ou em pior estado), e sua posiono topo dos amealhadores de riqueza h muito tem sidoeclipsada por pessoas com outros nomes: Gates, Page eBrin e Schmidt, Zuckerberg, Bezos, Case e Jobs. So ospioneiros de plataformas digitais que, embora no espe-cificamente orientados para o negcio da notcia, pertur-baram-no fortemente. Provocaram a disrupo.

    E essa anlise, tornada pblica em setembro de 2013,

    prossegue considerando que a queda vertiginosa daindstria que produz o chamado jornalismo de quali-dade que relata os fatos de forma independente, apura,publica, transmite e sustenta suas reportagens a despeitodas presses dos interesses comerciais ou do governo o tema da atualidade.

    De forma no surpreendente, continua o texto doRiptide, a imprensa tem tratado essa histria no ape-nas como mais uma disrupo industrial. Com 30% dequeda dos empregos nos jornais em pouco mais de umadcada, essa questo bate to perto dos jornalistas quealguns personagens da crise chegam a considerar a dis-

    rupo profunda o bastante para ameaar o futuro da pr-pria democracia.As pessoas razoveis podem questionar (e o fazem) se a

    substituio da mdia clssica por novas formas de coletae distribuio de informao como o jornalismo cida-do, o fotojornalismo via aparelhos mveis realizado porleitores, o financiamento via doaes privadas, o acessouniversal aos dados e, claro, um mundo inundado de pos-tagens no Twitter torna a democracia mais ou menosvulnervel. Este estudo no tem a resposta definitiva paraa questo da vulnerabilidade ou no da democracia. No

    3.O componente disruptivo

    15Ver CHRISTENSEN, Clayton. The Innovator Dilemma, New York: Harper Business, 2011, p. Xxix. 16Iniciativa do Joan Shorenstein Center em conjunto com o NiemanJournalism Lab, ambos da Harvard University, conforme acessado em 10/9/13: .

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    12/65

    62 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    entanto, caso seja resolvida a modelagem do negcio dojornalismo digital, essa questo, crucial, fica mais fcilde ser enfrentada.

    Joshua Benton, diretor do Nieman Journalism Lab,uma iniciativa da Harvard University no sentido deempurrar o jornalismo para o futuro, traz a questo parao seu lugar na economia num momento disruptivo: Omaior problema dos jornais que eles tm um modelode negcio que, mesmo nos Estados Unidos, ainda geradinheiro, eles ainda so rentveis. Eles cortaram seuscustos o bastante para serem rentveis. Mas, se algummontar agora uma empresa de notcias, daqui a 20 anosela no ser igual, em muitos casos, a uma companhiados anos 1950 que sofreu alguns ajustes. Vai ser algumque comeou sua empresa em 2013 e trabalhou numasada diferente.17

    Ele d como exemplos de sucesso sites que extrapola-ram o modelo de negcio clssico do jornalismo, como

    BuzzFeede Gawker, iniciativas completamente parteda mdia tradicional.

    Benton complementa seu raciocnio explicando umdos conceitos-chave da questo disruptiva: ClaytonChristensen diz que, se voc tem um negcio rent-vel e que est sendo objeto de uma disrupo por causa

    de uma mudana tecnolgica, os incumbentes vencem,mas a nica maneira de vencer quando os incumben-tes criam uma segunda operao sem nenhuma das res-tries da velha operao e que tem a permisso paramatar sua empresa-me.

    3.1.

    Seja o disruptor

    Especificamente em relao disrupo no negcio daimprensa, Clayton Christensen, com a ajuda de David

    Skok e James Allworth, produziu um dossi no outono de2012, no Nieman Lab. Nele, aborda as dificuldades pelasquais passa a imprensa e ensina como ser, ela mesma, dis-ruptiva. Intitulado na capa Seja o Disruptor e interna-mente ltimas Notcias (Breaking News, em ingls),o estudo traz um convidativo subttulo: Mastering theart of disruptive innovation in journalism, ou em por-tugus: Dominando a arte da inovao disruptiva nojornalismo.

    Ao contrrio do que faz a maioria das publicaes, quesempre considera mais importante o que ela tem a dizerpara seu pblico, Christensen d a primeira estocada: sem-

    pre considere a audincia em primeiro lugar. Ele explica:A ideia bsica que as pessoas no saem por a procura

    de produtos para comprar. Em vez disso, elas levam a vidacomo ela acontece e, quando deparam com um problema,elas procuram uma soluo e, nesse ponto, elas vo con-tratar um produto ou servio.18

    Essa ateno, por exemplo, ajudou na criao doscampees da cauda longa, como o Google e a Amazon,diga-se de passagem. Cauda longa um termo da estats-tica, popularizado pelo jornalista e empreendedor ChrisAnderson. Significa vender uma grande variedade deitens em pequenas quantidades como os anncios detextos do Google. So poucos anncios comprados poruma enorme quantidade de pessoas ou pequenas empre-sas que proporcionam uma parte importante do fatura-mento do Google. Anderson, tanto em artigo (na revistaWired, em outubro de 2004) como em livro (The LongTail, New York: Hyperion, 2006), mostra como a Ama-zon um dos grandes exemplos de empresa que lida bemcom a cauda longa, no sentido de fazer dinheiro no scom o mercado de massa, mas tambm com o mercadode nicho. A Amazon disruptiva em relao s livra-rias tradicionais.

    De volta ao dossi de Christensen, ele d exemplos deperguntas simples, mas fundamentais, que devem serfeitas. Os jornais acreditam t-las respondido para seus

    produtos impressos, mas no as fazem, ou no as refa-zem, quando entram na aventura digital: qual o traba-lho que o meu pblico quer que eu faa? Quais tipos defuncionrios e de estrutura so necessrios para cum-prir esse trabalho a ser feito? Qual a melhor forma deentregar essa informao (eu acrescento, e esse servio)para o pblico? Bem respondidas, a empresa est prontapara servir seu pblico.

    A segunda provocao tambm clara: se mudam ostempos, mude o seu negcio. exatamente o contrriodo que acontece. Mudaram os tempos, mas os capitesda velha indstria do jornalismo continuam remando

    no brao enquanto os nascidos digitais andam na velo-cidade da luz.Por exemplo, h um recado direto para aqueles que

    esto preocupados com a canibalizao e abraamseus contedos de forma a evitar que um nico linkfuja do seu controle: Se uma empresa vai canibalizaro seu negcio, voc quase sempre vai se sair melhor sea empresa canibalizadora for a sua prpria, em vez deum concorrente.19

    Na terceira e ltima parte, Christensen trata da neces-sidade de recursos para um mundo novo. Mudanas deprocessos e de prioridades sero necessrias. Mas uma

    tarefa de cada vez, alerta ele. H vrias maneiras de sefazer isso. Ele lista ao menos trs. 1) Criar internamente

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    13/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 63

    novas capacidades quando novos processos podem serdesenvolvidos. 2) Criar uma organizao independente daorganizao existente e desenvolver dentro dela os novosprocessos e prioridades. Ou 3) adquirir uma organizaodiferente com os processos e as prioridades que melhorcorrespondam s exigncias da nova tarefa.

    17Em entrevista ao autor concedida no Nieman Journalism Lab, em Cambridge, Estados Unidos, em 6/9/2013. 18Ver o dossi do Nieman Lab, o Nieman Report do

    outono de 2012 cuja capa Be the Disruptor. Conforme acessado em 20/11/2013: . 19Idem. 20Ver p. 1 do Post-Industrial Journalism, texto referenciado na nota de rodap nmero 4. 21Idem, p. 16.

    A receita de Christensen j que nada vai muitobem, seja voc mesmo um disruptivo remete neces-sariamente para o mago do problema do jornalismona contemporaneidade: o que aconteceu com essaindstria? O que ela precisa fazer para se redesenharcompletamente?

    j no h mais uma indstria jornalstica, por assimdizer, define o mais abrangente estudo realizado sobre a no-va realidade do jornalismo. As ms notcias para as empre-sas tradicionais de jornalismo no param por a porque, in-siste-se ali, o futuro j chegou.20

    Um dos efeitos mais disruptivos da internet, defineesse mesmo estudo, foi o de combinar modelos de meiose de comunicao num nico canal. O exemplo bastanteclaro: Quando algum no Twitter compartilha uma repor-tagem com um grupinho de amigos, a impresso a dovelho papo informal na sala do cafezinho. Quando essamesma pessoa divide o mesmo artigo com outras 2.000pessoas, a impresso a de que est agindo como ummeio de difuso, ainda que nos dois casos a ferramenta ea ao tenham sido as mesmas. Alm disso, cada destina-trio desses pode fazer o contedo circular ainda mais. A

    posio privilegiada da fonte original do contedo dimi-nuiu drasticamente.21

    Aquele jeito antigo de produzir informao, cujo mono-plio da distribuio pertencia a uma indstria chamadajornalstica, mudou. Ela agora pode ser produzida e dis-tribuda pelas mos de qualquer um. Combinou-se meioe comunicao. Nasceu a superdistribuio.

    Acabou-se a era industrial do jornalismo, fruto da dis-rupo no mercado da informao provocada pelo avanotecnolgico que permitiu a sociedade em rede.

    As reflexes a seguir provm do estudo que crava a expres-so jornalismo ps-industrial. Produzida pelos profes-sores do Tow Center e j citada nos dois primeiros cap-tulos, essa abordagem permeia estepaper, que pretendeavanar na discusso sobre as possibilidades de encon-

    trar uma modelagem digital para o negcio do jornalismo.Se as concluses e os exemplos de sites estrangeirosvm do estudo do Tow Center, os exemplos de sites brasi-leiros foram inseridos por mim e meus comentrios estodevidamente identificados.

    Os pesquisadores do Tow Center partem do princpiode que a emergncia das novas mdias deu a todo mundomuito mais liberdade. Dizem que basta olhar algumasiniciativas no tradicionais (como o Facebook, YouTube,Storify, trabalhos como o de Andy Carvin durante a Pri-mavera rabe na National Public Radio ou o site de finan-ciamento pelo pblico chamado Kickstarter ou mesmo

    do Mdia Ninja nas manifestaes no Brasil) para acredi-tar que somente profissionais e instituies da imprensapodem tornar a informao pblica. No mais.

    Qualquer indivduo, qualquer instituio, qualquer orga-nizao hoje tem o poder de mdia. Por mais que se queiraproteger o jornalismo, na sua forma clssica, comento, evidente que ele tomou outra configurao e o jornalistadeixou de ser o ator principal no sistema da informao ele agora um ator coadjuvante, o que no lhe retiraimportncia, mas muda a sua forma de atuar.

    4.Jornalismo ps-industrial

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    14/65

    64 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    Paradoxalmente, acrescenta a professora Emily Bell, opoder do jornalista individual agora maior. O que noimpede a sociedade de continuar precisando de institui-es fortes, no seu dizer.22

    O estudo foi buscar uma frase famosa de WilliamGibson o futuro j chegou, s no est uniforme-mente distribudo23 para sugerir a imediaticidadedo que precisa ser feito para dar sentido ao jornalismono mundo digital.

    Para as empresas jornalsticas que ainda no encon-traram o caminho, e seguramente elas formam a maio-ria, h que se buscar uma sada fora da barra da saia daempresa-me e muito alm do modelo tradicional. Umcaminho que permita realizar atividades nunca aventadasna empresa-me. Um caminho que possa apontar para asuperao da empresa-me.

    Evidentemente, alertam os pesquisadores do Tow Cen-ter, a sada que se antev para os modelos de negciospossveis nesta nova realidade tem de levar em conta queo jornalismo deve continuar a expor a corrupo, cha-mar ateno para as injustias, cobrar polticos e empre-sas pelas promessas e obrigaes assumidas, informarcidados e consumidores, ajudar a organizar a opiniopblica, elucidar temas complexos e esclarecer divergn-

    cias fundamentais ou seja, os jornalistas no so apenasnarradores de fatos.Como acrescenta David Klatell, ex-reitor da Escola de

    Jornalismo da Columbia University, nas suas aulas detica, o compromisso do jornalista com a verificaoe a transparncia, sem intimidade com a fonte (quantomais prximo o jornalista estiver da fonte, mais difcilvai ser para ele cobrir um fato). Klatell inclusive comeaseu curso de tica dizendo que pouco lhe importa o quepensam os estudantes, ou os jornalistas. Importa o queeles fazem.24

    evidente que esses princpios e esse capital humano

    precisam sobreviver no formato digital, dentro de umacadeia de valor completamente diferente. O jornalismoindependente, se nada for feito, no se sustentar.

    Em sintonia, do outro lado do Atlntico, o jornalistaGeorge Brock, da escola de ps-graduao em jornalismoda City University, em Londres, afirma no seu ltimolivro, Out of Print, que as quatro tarefas essenciais do jor-nalismo so: verificao, contexto, testemunha e investi-gao. No livro, ele traz um olhar otimista sobre o andardo jornalismo e insiste na necessidade de repens-lo. Elebusca o respaldo de tecnlogos para argumentar que asempresas jornalsticas requerem uma revoluo cultural

    interna para equip-las no sentido de conviver com a ins-tabilidade e a complexidade.25

    Na mesma esteira, os pesquisadores do Tow Cen-ter afirmam no haver como preservar ou restaurar ojornalismo no formato praticado nos ltimos 50 anos.Nem adianta adaptar-se adotando uma ou outra novi-dade digital. Incorporar um punhado de tcnicas novasno ser suficiente para a adaptao ao novo ecossis-tema; para tirar proveito do acesso a indivduos, mul-tides e mquinas, tambm ser preciso mudar radi-calmente a estrutura organizacional de veculos decomunicao.26

    4. 1.

    O problema do subsdio

    O estudo sobre o jornalismo ps-industrial parte daconvico de que o bom jornalismo sempre foi subsi-diado, uma questo polmica. H um debate nos Esta-dos Unidos que discute se a salvao do jornalismoestaria na migrao para um modelo de subsdio maisexplcito como o do financiamento via fundaes semfins lucrativos. E h reaes daqueles que acham quesomente empresas comercialmente voltadas para o lucroteriam condies de garantir recursos que a liberdade

    de imprensa exigiria.Os autores do Jornalismo Ps-industrial acham queesta seria uma falsa dicotomia porque o jornalismo sem-pre teria sido, de uma forma ou de outra, subsidiado. NosEstados Unidos, em troca do acesso gratuito ao espec-tro eletromagntico, as emissoras de rdio e TV tm quemontar uma operao jornalstica. H a insero legalde publicidade que empresas so obrigadas a fazer. Jor-nais e publicaes impressas pagam tarifas postais maisem conta. No Brasil, por exemplo, os jornais no pagamimposto pelo uso do papel jornal.

    Contudo, uma das mais polmicas afirmaes nesse

    texto do jornalismo ps-industrial a de que a maiorfonte de subsdio no meio jornalstico sempre foi indi-reta e privada, vinda de anunciantes.27

    No considero necessrio, neste momento, concor-dar nem discordar dessa afirmao para seguir na defi-nio de um modelo de negcio possvel para o jorna-lismo de qualidade sobreviver no ambiente digital, umavez que existem modelos que dependem de subsdios principalmente os que forem atrs de jornalismo finan-ciado por doaes de uma forma ou de outra e modelosque, seguramente, podem dispensar subsdios. Esse omodelo que interessa aqui neste estudo. Ou seja, como

    buscar lucratividade que garanta a independncia dojornalismo de qualidade.

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    15/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 65

    Se a publicidade vai ser vista como subsdio ou no,isso no ser problema. Suas receitas foram de tal formapulverizadas no mundo digital, multiplicaram-se emdezenas de possibilidades (que dependem de escala esegmentao) que ela, definitivamente, ser, sim, parteda maioria dos negcios jornalsticos no ambiente digi-tal. Apenas parte.

    A publicidade no ser o fiel da balana mesmo queas publicaes digitais consigam escala suficiente paraconcorrer num mercado dominado por gigantes digi-tais, especialmente porque, para ganhar escala, parte dareceita ficar no caminho, com os parceiros da escala que at podem ser esses mesmos gigantes digitais. Pri-meiro de tudo, os que tm muita lucratividade so osque tm um modelo de receita de publicidade de lar-gussima escala. Escala de massa. O Google tem. O Face-book est comeando a ter. O Twitter tambm, clari-fica Bill Grueskin.28

    A internet teria acabado com esse subsdio da publi-cidade, segundo o estudo do Tow Center. Sim, as recei-tas de publicidade dos veculos tradicionais caram nosltimos anos e as empresas de mdia no conseguiramrecuperar as receitas na operao online voc viu odramtico exemplo do desempenho da publicidade nas

    receitas doNew York Timesrelatado no incio desta pes-quisa: queda de 64% em 12 anos.No momento em que escreviam o texto sobre o jor-

    nalismo ps-industrial, publicado em 2013, a indstriahavia atingido 23 trimestres consecutivos de declnioanual das receitas de publicidade e a receita por lei-tor trazida pela publicidade online nunca chegou nemperto da tradicional.29

    Em 2012, o ltimo ano no qual a Newspaper Associa-tion of America publicou a evoluo da receita de publi-cidade nos jornais americanos, a situao se mostroucrtica. O faturamento de jornais impressos veio de 2,07

    bilhes de dlares em 1950 at o pico de 47,4 bilhes dedlares em 2005.O terror da indstria foi ter visto o faturamento da

    publicidade impressa despencar para 18,9 bilhes dedlares em 2012, uma queda de 60% em sete anos. As

    receitas de publicidade digital cresceram um pouco, vie-ram de 2 bilhes de dlares em 2005 para 3,3 bilhes dedlares em 2012. Na soma total das receitas de publici-dade (impressa mais online), a queda foi de 55%: o fatu-ramento caiu de 49,7 bilhes de dlares em 2005 para22,3 bilhes de dlares em 2012.30

    Se o total das receitas da publicidade (impressa maisonline) era subsdio ou no, outra vez, no importa.Importa que essa receita no migrou do impresso parao digital. Pior, em alguns casos evaporou, sumiu das pgi-nas, impressas ou digitais, dos veculos de comunica-o. Foi parar em outros lugares. No Google, no Face-book, no YouTube, no MSN ou no Yahoo ou no UOL,no Terra ou G1 no Brasil. Principalmente nos veculosdigitais que conseguem uma larga escala de audincia.Escala nacional em muitos casos. Escala mundial emalguns casos.

    O grfico a seguir, revelado pela Business Insider ,expe como, nos Estados Unidos, o Google conseguiusuperar, em 2012, tanto os jornais como as revistas emtermos de receita de publicidade alm de desenhar aimpressionante queda nas receitas dos produtos impres-sos desde 2005.

    22 Em entrevista ao autor em 23/9/13 na Columbia University. 23 As Ive said many times, the future is already here. Its just not very evenly distributed., frase dopai do movimento ciberpunk, William Gibson, enunciada em entrevista para a NPR (National Public Radio) em 30/11/1999. 24Curso de tica do prof. David Klatell, naColumbia University Graduate School of Journalism, acompanhado pelo autor no outono de 2013. 25BROCK, George. Out of Print. Londres: Kogan Page, 2013, pp. 109e 201. 26Ver p. 2 do Post-Industrial Journalism, texto referenciado na nota de rodap nmero 4. 27Idem, p. 5. 28Em entrevista ao autor em 24/9/13 na ColumbiaUniversity. 29 Ver p. 11 do Post-Industrial Journalism, texto referenciado na nota de rodap nmero 4.30Ver JEFFERY, Terence P. Newspaper Ad Revenue Down 55%

    Since Historic Peak in 2005, publicado pela CNSNews em 5/8/13 e conforme acessado em 27/10/13: .

    0

    5.000

    10.000

    15.000

    20.000

    25.000

    30.000

    35.000

    40.000

    45.000

    50.000

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 IH2013Milhes

    de dlares

    Google Revistas Jornais

    RECEITA DE PUBLICIDADE (EUA)GOOGLE VS. REVISTA VS. JORNAL| 2004 - 2013

    Fonte: Google, NAA, PIB - Via Business Insider

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    16/65

    66 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    4.2.

    Integrao vertical eintegrao horizontal

    H mais um ponto-chave no relatrio do Tow Center.Refere-se ao fato de que a internet acaba, na indstria dacomunicao, com a integrao vertical e horizontal donegcio da comunicao.

    A integrao vertical do negcio analgico (produode contedo + impresso ou emisso + distribuio), defato, foi para as calendas no mundo digital. Apesar de opblico seguir disposto a pagar pela reproduo e distri-buio, ele decidiu pagar Dell ou Apple pelos com-putadores, Apple e Samsung pelos smartphones, Canon ou HP pela impressora e Verizon ou Vivo

    pela entrega dos pacotes de dados, em vez de pagar paraa Cond Nast, para oNew York Timesou, no Brasil, paraO Globoou para a Veja.31

    Ela teria acabado tambm com a integrao horizon-tal, aquela proporcionada pelos produtos impressos queconseguiam reunir num mesmo exemplar as notcias dodia, informao, textos relevantes, opinio, o horscopo,as colunas sociais, as receitas de comida e os esportes. Etodos liam o que mais houvesse nesse pacote [impresso]por pura inrcia.32

    Ou seja, no negcio da internet, os jornais no devemcontar necessariamente com a integrao horizontal, oque discutvel, como se ver mais adiante. No entanto,no devem contar mesmo com a integrao vertical essa acabou de vez.

    existem dois grandes obstculosno caminho dos jor-nais ou duas solues, dependendo do ponto de vista.Um se chama Facebook e outro Google. Neste e no pr-ximo captulo se examina como os veculos jornalsticosperdem fora, em especial a publicitria, numa realidadecapaz de fazer brotar empresas jamais imaginadas pela fic-o cientfica, como o Facebook ou o Google.

    Em uma apresentao realizada para meus alunos naEscola Superior de Propaganda e Marketing de So Paulo(ESPM-SP), Juarez Queiroz, CEO da Globo.com e espe-cialista em marketing, explicitou sua viso do funciona-mento editorial e comercial do Facebook. Tinha por obje-tivo justificar a atitude tomada pelo portal, em abril de2013, de diminuir sua presena naquele canal e retirardele todos os links que levavam para o seu contedo33 deciso revista nove meses depois, quando os links vol-taram ao Facebook.

    Independentemente da reviso da deciso, que durounove meses, os argumentos de Queiroz jogam uma p de

    cal nas pretenses dos jornais no que toca possibilidadede manter independncia de contedo no Facebook e de

    explorar, com exclusividade, a publicidade no meio digi-tal como um todo. A identificao e a matriz do problemavm da apresentao de Queiroz.

    A misso do Facebook dar poder s pessoas para com-partilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado, comodiz a prpria empresa. S no explicita que esse poder milimetricamente administrado pelo Facebook e que este

    mundo ser menos ou mais aberto em funo da disposi-o de pagar dinheiro por essa concesso.Como? Isso vem sendo minuciosamente planejado e exe-

    cutado por meio de quatro movimentos principais, base daarquitetura do modelo de negcio da rede. Apesar de iden-tificveis no tempo, os movimentos se sobrepem e noforam tomados um depois do outro, numa sequncia lgica.

    O primeiro movimento o desenvolvimento contnuo doalgoritmo de distribuio dos posts de cada integrantedo Facebook entre seus amigos e curtidores, o famosoEdge Rank, como conhecido no mercado, mas interna-mente chamado de Algoritmo do News Feed.

    O segundo a deciso de trazer para dentro do Face-book desenvolvedores independentes de aplicativos.

    5.

    A questo Facebook

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    17/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 67

    O terceiro a criao da sua prpria moeda, o Face-book Credits.

    E o quarto movimento o da abertura de suas pginaspara as marcas.

    5.1.

    O fator Edge Rank

    O funcionamento do Edge Rank (ou Algoritmo do NewsFeed) complexo. Esse algoritmo trabalha mais de 100 milmedidas de peso utilizadas na operao de compartilha-mento dos assuntos abordados no sistema.34

    Cada movimento de algum no Facebook consideradouma ao em potencial. Esses movimentos, essas aes,so chamados de edge. A ao pode ser na forma de umpost novo, uma foto, uma legenda na foto, uma chamadapara um evento qualquer, um parabns de aniversrio.

    Se voc faz parte do Facebook vai entender melhor.Caso ele mostrasse para todos os seus amigos todas asaes que voc realiza, ele ficaria asfixiado por bilhesde aes de mais de 1 bilho de integrantes do sistema. Arede viu crescer exponencialmente a quantidade de inte-grantes. Precisa dar conta de servir a todos sem congestio-

    namento de trfego. Estaria esmagada em menos de ummilsimo de segundo caso no tomasse alguma providn-cia. E tambm precisava tirar alguma vantagem disso. Arede precisava ento de um algoritmo, que classificasseessas aes pelas bordas. A palavra edge, em ingls,quer dizer borda, beirada, gume, crista...

    O Edge Rank quem decide, por meio de uma combi-nao aritmtica, qual e quantas histrias de algum voaparecer para quais amigos. Nada garante que todos irover tudo o que algum ou alguma marca publica no Face-book. A rigor, todos veem um percentual do que publi-cado. E esse percentual pode variar conforme a necessi-

    dade dos administradores do sistema. O Edge Rank fil-tra histrias para cada usurio e somente os tcnicos doFacebook sabem como isso funciona.

    Muito pouco foi divulgado sobre o algoritmo. Do quese sabe, em tese, ele trabalha com trs fontes de alimen-tao: Affinity Score, Edge Weight e Time Decay.

    OAffinity Scoreavalia quo conectado algum e, ento,analisa a afinidade entre as pessoas prximas umas dasoutras. Calcula isso pela quantidade de vezes que voc fala

    com algum, pela proximidade da relao e pelos inter-valos de tempo na conversao.

    A pontuao de afinidade calculada em funo dasaes explcitas tomadas pelos usurios. Tem por basetrs elementos: 1) a fora da ao, 2) quo perto a pessoaque tomou a iniciativa est de voc e 3) h quanto tempofoi tomada a ao.

    Quais seriam as aes explcitas tomadas pelos usu-rios? Elas so formadas pelo ato de clicar em algum link,de curtir, de comentar, de marcar, de compartilhar, deaceitar amizades, de produzir uma histria... Cada umadas interaes tem um peso diferente, medido em fun-o do esforo necessrio para realiz-la. Gasta-se muitomenos esforo, por exemplo, para clicar o boto de cur-tir do que para escrever um comentrio.

    OEdge Weight, como diz a palavra weight, peso, medeo peso de cada ao. Um comentrio tem mais peso doque um simples curtir. O Facebook muda os pesos emfuno do que o usurio considera mais interessante.Vdeos e fotos tm um peso maior do que links. Se vocse torna f de uma pgina por meio de um anncio publi-citrio, isso vai ter menos peso do que se voc se tornar fde uma pgina procurando por ela e encontrando-a porsua prpria conta.

    O TimeDecay(a palavra decay quer dizer decadn-cia) mede a atualidade de uma histria. Com o passar dotempo, uma histria perde pontos porque virou histriavelha. Quanto mais recente, mais pontos.

    Como o Facebook tira vantagem disso? O algoritmopermite que o Facebook diminua o alcance dos comen-trios para ento cobrar para que eles sejam exibidospara quem deveria ter acesso automtico a todos eles,ou acha que tem.

    Por isso o Facebook introduziu a possibilidade de ousurio patrocinar seus prprios comentrios. Paguealgum dinheiro e, em troca, o Facebook amplia o alcance

    dos seus comentrios.O relato de um blogueiro do New York Times,o colu-nista Nick Bilton, explcito na explicao do funciona-mento do algoritmo. Em maro de 2013, ele afirmou que nocomeo do ano anterior uma de suas colunas alcanou at535 likese 53 compartilhamentos. Na poca, tinha 25 milseguidores. Isso foi antes de o algoritmo ser modificado.

    Com o passar do tempo, mesmo tendo conquistado 400mil seguidores, ele mal conseguia ultrapassar 30 likespor

    31Ver p. 8 do Post-Industrial Journalism, texto referenciado na nota de rodap nmero 4. 32 Idem, ibidem. 33Em 7/6/2013, durante aula do curso Informao eComunicao na Era Digital na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em So Paulo, Brasil. 34Ver McGREE, Matt. EdgeRank Is Dead: Facebooks News

    Feed Algorithm Now Has Close To 100K Weight Factors, publicado em 16/8/13 na Marketing Land conforme acessado em 13/9/2013: .

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    18/65

    68 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    comentrio. A partir de janeiro, as quatro colunas que eucompartilhei tm uma mdia de 30 likese dois comparti-lhamentos. Algumas atraram somente 11 likes. A intera-o com as fotos caiu tambm. Um ano atrs, as imagensrecebiam milhares de likes; agora, recebem em mdia 100.Eu verifiquei os contedos de outros blogueiros de tecno-logia, incluindo MG Siegler do TechCrunche reprteresdoNew York Times, e ocorreu a mesma queda.

    Nick Bilton decidiu ento pagar 7 dlares para promo-ver o seu contedo. Ele viu o nmero de likessubir para130, mas nunca o viu voltar ao patamar original acima dos500. Consultou a rede, e contou como foi a resposta: OFacebook orgulhosamente me informou que um post meufoi visto 5,2 vezes mais porque eu tinha pago a empresapara mostrar isso a eles.35

    5.2.

    Aplicativos para todos e amoeda do Facebook

    O segundo movimento importante na modelagem finan-ceira do Facebook foi a abertura da rede para os desenvol-

    vedores de aplicativos. A rede abriu os cdigos e convidoupara trabalhar nas suas pginas quem quisesse implantaraplicativos de qualquer natureza para os seus integrantes.Os desenvolvedores poderiam cobrar pelos aplicativos oupor tudo aquilo que quisessem comercializar por meio deles.

    Um grande exemplo foi o do enorme sucesso do gameonline FarmVille, construdo especialmente para o Face-book pela Zynga, uma empresa fundada em 2007 comsede em San Francisco, na Califrnia.

    O FarmVille foi lanado em junho de 2009. Em seissemanas, atingiu 10 milhes de usurios ativos por dia.Em janeiro de 2013, os jogos da Zynga, liderados de longe

    pelo FarmVille, alcanavam mais de 265 milhes de usu-rios ativos mensais dentro da rede.Impulsionada pelo enorme sucesso no Facebook, a

    Zynga fez sua oferta pblica de aes em dezembro de2011 e viu o preo de sua ao, lanada a 10 dlares, chegarperto dos 15 dlares em maro de 2012. Conforme not-cia da BBC, os nmeros sugeriam que 80% da receita daZynga vinha de usurios do Facebook.36

    No entanto, a relao da Zynga com o Facebook estavacomplicada desde 2010 quando este ltimo optou, no ter-ceiro movimento, por no mais permitir cobrana dos desen-volvedores de aplicativos diretamente dos usurios. Todos

    deveriam usar a moeda da rede social, o Facebook Credits,e repassar a devida comisso para o Facebook, de 30%.

    Alm disso, a rede comeou a restringir o comparti-lhamento do aviso sobre quais amigos de quem estivessejogando tambm estava no jogo. Se, antes, 100% dos ami-gos de algum sabiam via mensagem do prprio site queum amigo estava ativo no FarmVille, ento s um percen-tual desse todo passou a ter conhecimento disso umarestrio parecida com a sofrida pelo colunista do NewYork Times. O Facebook passou a editar a quantidade degente que poderia receber a informao de que um amigoestava online no FarmVille. Ou seja, ele estava usando asfacilidades do algoritmo para limitar compartilhamen-tos, para limitar informaes entre as pessoas conectadas.

    Em resumo, a Zynga sofreu um corte de audincia eum corte de receita ao mesmo tempo. Tudo por causadas novas regras do Facebook, o hospedeiro, administra-das pelo algoritmo.

    Em dezembro de 2012, a Zynga anunciou que sua rela-o com o Facebook terminaria em 31 de maro de 2013.Em nove meses, o preo da ao veio ao cho, a quase 2dlares. Em dezembro de 2013, no havia se recuperado obastante. O preo da ao estava na casa dos 4,11 dlares.Considerada a desenvolvedora de aplicativos nmero 1do Facebook, a Zynga viu seu imprio crescer e minguarpor obra e graa do algoritmo da rede social.

    O fato de ter trazido tanto a Zynga quanto inmerosoutros desenvolvedores de aplicativos, grandes ou peque-nos, ajudou sobremaneira na construo da audinciada rede. Mas no era o bastante. Esse passo se somava aoutro, dado dois anos antes, no rumo da consolidao daaudincia massiva e de um modelo de negcio confivelpara o mercado.

    5.3.

    Fan Pages

    O quarto movimento acontece desde 2007. Naquele ano,o Facebook alcanou uma audincia mundial de apenas58 milhes de pessoas ativas no ms. Uso a palavra ape-nas porque, na poca, essa audincia era 17 vezes menordo que o 1 bilho de usurios ativos atingido pela rede emoutubro de 2012.

    O quarto movimento o da abertura de suas pginaspara as marcas. Tambm ajudou, sobremaneira, a impul-sionar sua audincia. O Facebook criou a possibilidadede empresas hospedarem na rede suas pginas de mar-cas, produtos e servios. Tratava-se das Facebook Pages,que acabaram ficando mais conhecidas comofan pages.

    Em pouco tempo, celebridades, empresas, polticos, ins-tituies e rgos de comunicao comearam a publi-

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    19/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 69

    car suasfan pagesna rede social. Passaram a editar seuscontedos naquele novo espao e a levar para dentro doFacebook sua prpria audincia.

    Diferentes marcas integram o plantel defan pagesdoFacebook. Entre as mais acessadas esto Coca-Cola, Dis-ney, Starbucks, Red Bull, Converse, PlayStation, Walmart,iTunes, McDonalds, Pringles, Samsung, Subway, Victo-rias Secret, Intel, Adidas, Amazon, Levis, Zara, Kit Kat,Dove... Diferentes celebridades, sries de TV, times espor-tivos, atletas, polticos com mandato ou em campanha,uma quantidade enorme de companhias e instituies,alm de empresas de comunicao, esto l. Um sucessoque s faz crescer a quantidade de empresas e instituiesque a cada dia aderem rede, como os jornais.

    Em dezembro de 2013, por exemplo, oNew York Timestinha 4,6 milhes de seguidores no Facebook. The WallStreet Journal,1,7 milho. The Washington Post,1,1 milho.Folha de S.Paulo,2,4 milhes. O Estado de S. Paulo,1 milho.

    Jornais e revistas inseriram generosos espaos em seussites e nas suas homepagescom links para a rede convi-dando leitores internautas a curtirem as respectivas pgi-nas no Facebook. Evidentemente, ajudaram muito o Face-book na ampliao exponencial de sua audincia, o qualatingiu 1,15 bilho de usurios ativos em todo o mundo

    em meados de 2013.H dois problemas fundamentais, no entanto, em relaos pginas editoriais de rgos de comunicao no Face-book. Um de sentido editorial e outro de sentido comercial.

    O problema editorial est diretamente relacionandocom a atuao do algoritmo redutor de compartilhamen-tos. Nenhum jornal tem garantida ali dentro, na distribui-o de seus contedos para seus seguidores, a sua decisoeditorial, a sua liberdade de editar. No so todas as not-cias publicadas nafan pageque todos os seguidores veem.Eles as veem em funo dos pesos e medidas que o Face-book d para cada uma e para cada integrante da rede. Se

    os seus cruzamentos de informao decidem que algumgosta da celebridade Madonna, por exemplo, ele vai pri-vilegiar no envio para a pgina desse algum as notciasda Madonna em detrimento daquelas que o jornal deci-diu que eram notcia.

    O Facebook distribui a notcia em funo do que aspessoas gostam mais de ler e no em funo da deciso

    editorial por trs de uma pgina prpria de jornal den-tro do Facebook. Evidente, trata-se de uma ao cons-titutiva do momento disruptivo. E, ainda assim, mesmoque o jornal publique uma notcia sobre a Madonna,nada garante que 100% de seus seguidores vo receberaquela notcia.

    Ao mesmo tempo que um algoritmo decide quem vaiver o qu, o Facebook tambm censura informaes dejornais que no estejam de acordo com sua poltica edi-torial, no importa quo confivel e responsvel pelo quepublica for esse jornal.

    Veja o exemplo de uma notcia com foto postada pelojornal brasileiroFolha de S.Pauloem 19 de julho de 2013.Ela se referia a uma manifestao ocorrida na CmaraMunicipal da cidade de Porto Alegre, no sul do pas,feita por um grupo que pedia o passe livre no transportepblico da cidade. Os manifestantes, que estavam acam-pados havia oito dias, deixaram o recinto da Cmara, masantes da desocupao tiraram a roupa e se deixaram foto-grafar nus no local. A notcia, com a foto dos manifestan-tes nus, foi removida pelo Facebook da pgina daFolhaum dia depois. O jornalista autor do post teve a conta narede social suspensa por 24 horas. Procurado, o Facebookinformou que no comentaria casos especficos e que a

    postagem permaneceria excluda.37

    Alm de no ter garan-tida a distribuio de seu contedo para 100% de seusseguidores, aFolha, um jornal com 92 anos de vida, viu-se sob censura da rede e sem possibilidade de conversa.

    Por causa de no ter o completo domnio de seu con-tedo na pgina no Facebook, o jornal ingls The Guar-diandecidiu retirar da rede um aplicativo construdoespecialmente para ela. Guardian mata seu aplicativo deleitura social e recupera o controle sobre seu contedo,diz o ttulo da notcia publicada no site GigaOn. Depoisde um ano de experincia na qual viu seu aplicativo deleitura social no Facebook ganhar mais de 6 milhes de

    usurios mensais e, em seguida, perder mais da metadedas pessoas, depois que a rede mudou a forma como tra-balha os aplicativos, The Guardiandecidiu retomar o con-trole de seu contedo, era a sntese da notcia, na esteiradas mudanas de regras de funcionamento tutoradas pelofamoso algoritmo, o vilo das questes editoriais que osjornais enfrentam com a rede.38

    35BILTON, Nick. Disruptions: As User Interaction on Facebook Drops, Sharing Comes at a Cost, publicado em 3/3/13 conforme acessado em 4/11/13: . 36Ver notcia da BBC, Facebook and Zynga to end close rela-tionship, de 30/12/12, conforme acessado em 13/9/13: . 37Conforme notcia, Facebook censura post da Folhacom manifestantes nus, publicada em 19/7/2013 e acessada em 23/9/13: . 38Ver INGRAM, Mathew. Guardian kills its Facebook social reader, regains control over its contente, publicado no GigaOn em 13/12/2012 e acessadoem 23/9/13: .

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    20/65

    70 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    5.4.

    O problema comercialdo Facebook

    O problema comercial que o Facebook coloca para os jor-nais, contudo, de outra monta. E muito mais complexo.

    Imagine quanto de esforo, investimento financeiroe tempo que um jornal leva para conquistar uma baseslida de leitores, seja no produto impresso, seja no pro-duto digital. Ao abrir uma pgina no Facebook, entre-tanto, ele perde essa exclusividade conquistada. Trans-fere imediatamente para o hospedeiro a base de leitoresque interage com ele na rede social.

    O Facebook, de modo absolutamente legal e sem nenhumconstrangimento tico, passa a conhecer e trabalhar essabase, tanto no relacionamento interpares como na explo-rao da publicidade. Passa a vender essa base, em leilesonline de publicidade, para qualquer um que queira teracesso a ela, seja um anunciante tradicional do mesmo jor-nal, seja um anunciante novo ou um concorrente do jor-nal, no importa. E por um preo menor, ou muito menor,do que o jornal pratica no seu prprio site ou mesmo nassuas pginas impressas.

    Depois que um jornal entrou para o Facebook, e con-quistou audincia l, nenhum anunciante precisa anun-ciar diretamente no jornal para falar com seus leitores.Pode faz-lo via Facebook. Qualquer empresa ou pes-soa que queira falar com essa base pode localiz-la napgina de anncios do Facebook, comprar anncio paraaquela base e ver seus anncios serem distribudos paraela, pagos por clique.

    Para que um anunciante vai precisar ir atrs das edi-es digitais de cada jornal se ele pode atingir essa mesmabase online, conjunta, por um preo mais convidativo ede forma muito mais simples? Est armada uma situao

    de enorme seriedade.Foi exatamente essa situao desconfortvel que nor-teou a deciso das organizaes Globo de retirar seuslinks do Facebook em abril de 2013.

    Em entrevista, Juarez Queiroz explicou que a decisofoi provocada por razes editoriais e comerciais. Pesouo fato de que nem tudo que os veculos da Globo publi-cam chega ao news feeddos usurios. A edio feitapelo Facebook foi considerada ponto negativo do pontode vista editorial. So dois ambientes distintos: o newsfeede a pgina do usurio. O comportamento das pessoas de uma superutilizao do news feed. Da mesma forma,

    elas no vo sfan pages, consomem o que foi publicado

    nelas medida que aquilo vai saindo em seu news feed. Eno necessariamente tudo que foi publicado nafan pagesai ali. H uma edio, por meio de um algoritmo do Face-book, que faz a seleo do que vai para sua pgina, expli-cou Queiroz aoMeio&Mensagem.

    Queiroz detalhou tambm o problema comercial, cujadescrio mais acima reforada por sua declarao:Quando voc quer fazer uma ao comercial no Face-book, tem uma pgina desenhada especificamente paraisso. Nela o anunciante diz, por exemplo, que quer man-dar uma publicidade para jovens, do sexo masculino, epode classificar por interesses que so filtros, segmen-tados pelasfan pages. Com isso, meu concorrente podemandar uma comunicao para minha base. Para ele,aquilo que construmos com cuidado e mantemos pro-tegido torna-se pblico. Mais ainda: uma empresa queno fez uma fan page, no construiu uma base grandede fs, pode entrar l e mandar uma publicidade para omeu pblico.39

    Assim, a Globo retirou os links de seus textos noFacebook e manteve apenas uma pgina, quase quepara constar a presena, sem nenhuma atividade narede social que no a de levar audincia para seus pro-dutos, mas sem links. Essa operao durou de abril a

    dezembro de 2013, quando a empresa voltou a postarlinks no Facebook. muito fcil ver esse problema para entend-lo. Ao

    acessar a pgina www.facebook.com/advertising, qual-quer pessoa pode criar um anncio de publicidade noFacebook. Na mesma pgina, ele decide onde anun-ciar. Para examinar o problema, use a Globo.com comoexemplo. Na seo Create Your Audience, basta digitarglobo.com. Imediatamente, o Facebook vai mostrar queo seu anncio pode atingir 860 mil pessoas, conformedados de 4 de novembro de 2013 obtidos com as pessoasque moram no Brasil, que gostam do globo.com. Isso

    vai custar algo entre 7 centavos e 13 centavos de dlarpor clique, dependendo do seu lance. Pelo menor preo,pode-se atingir toda a base ao custo de 60 mil dlares,ou seja, algo perto de 138 mil reais. Pelo maior preo,paga-se quase o dobro disso.

    Caso se queira comprar um megabanner na capa doglobo.com, isso vai custar 207 mil reais por dia. Por dia,repita-se, conforme a tabela de publicidade da Globo.com, vlida em novembro e dezembro de 2013.40Noh como atingir toda a audincia da Globo.com em seusite, em um nico dia. Contudo, no Facebook pode-secomprar quantos cliques forem necessrios por preo

    mais em conta.

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    21/65

    REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 71

    5.5.

    Como o Facebookv a questo

    Dentro do Facebook considera-se que h um mal-enten-dido em relao poltica de publicidade da rede apesarde reafirmar que a empresa no tem nenhum modelo denegcio que permita dividir receita de publicidade com aspublicaes editoriais. Funcionrios da plataforma evitamtratar do assunto do percentual de usurios atingido porcada post. O Facebook no deseja que esse tema deva serexplorado, muito menos divulgado. Considera essa infor-mao no pblica. No quer incentivar essa contagem.

    Mesmo assim, em dezembro de 2013, a empresa teveque explicar a diminuio orgnica da visibilidade dosposts quando um comunicado comercial vazou e foi publi-cado pelaAd Age. A revista, especializada em propaganda,teve acesso a um plano enviado pelo Facebook a parceiroscomerciais, nos quais detalhava que a distribuio org-nica das mensagens iria diminuir gradualmente ao longodo tempo enquanto ns continuamos trabalhando a fimde garantir uma experincia significativa com o site.41

    Em outras palavras: a empresa reconhecia que estava

    reduzindo o alcance das mensagens postadas pelas pgi-nas das marcas.Republicada no Brasil, a informao foi comentada

    por Camila Fusco, gerente de comunicao do Facebook.Ela reconheceu em entrevista ao semanrioMeio&Men-sagem, tambm especializado em propaganda, que, defato, a distribuio orgnica das postagens na rede socialvem diminuindo com o passar do tempo. No entanto, issono seria motivado por estratgia ou poltica da rede paraampliar as vendas.

    Ofeedde notcias cada vez mais concorrido, as pes-soas curtem e compartilham a cada dia um nmero maior

    de coisas. Como essa distribuio orientada pelo com-portamento social de cada usurio, natural que nosejam todas as mensagens que apaream em cada time-line, disse ela.42

    Ainda conforme oMeio&Mensagem, a rede social pro-cura filtrar o contedo das postagens de acordo com ointeresse e hbitos de navegao de cada um dos usu-

    rios mecanismo largamente explicitado acima quandose examina o algoritmo da rede. Camila Fusco explicouque quanto mais contedo distribudo na timeline, maiso gargalo da propagao dessas postagens vai apertando.

    ela quem afirma: Em julho de 2013, por exemplo,um usurio mdio poderia receber 1.500 postagens (sejamlinks, textos, fotos) em sua timeline. No entanto, dessaspotenciais mensagens, apenas 300 eram includas em seufeed. Essa filtragem acontece no apenas com o contedopostado porfan pages, mas tambm entre a prpria redede amigos. Cada usurio recebe mais atualizaes das pes-soas com quem mais interage ou aquelas cujo contedo,de alguma forma, relacionado a alguma atividade oupreferncia pessoal.43

    Ou seja, nenhuma novidade sobre o que j foi explici-tado antes, agora com um percentual oficial: um usu-rio v apenas 20% das mensagens que deveria ver.

    Com o compromisso de no revelar identidades, con-segui respostas sobre como o Facebook v algumas dasquestes colocadas neste captulo, a comear pelo EdgeRank. A expresso nunca teria sido o nome oficial do algo-ritmo. Foi dada por pessoas de fora da empresa. Interna-mente, a referncia ao algoritmo sempre a mesma: news

    feed algorithm, o algoritmo do news feed.

    Apesar disso, o mercado continua usando a expressoEdge Rank. Existem sites que continuamente trazem novi-dades sobre as modificaes no algoritmo mexido 62vezes por ms, em mdia, conforme informa o pessoal doFacebook. Um desses sites, o edgerankchecker.com, porexemplo, dizia em outubro de 2013 que as imagens maislargas adotadas pelo Facebook no seu news feedestavamrecebendo 69% a mais de cliques. O venturebeat.com,outro exemplo, dizia em dezembro de 2013 que a oti-mizao do Edge Rank para notcias de alta qualidadelevava as pessoas a clicarem trs vezes mais em notcias.44

    A ao dita de canibalizao, descrita em detalhes

    nos itens anteriores, conforme apurado pela Globo.com,no existiria. Essa interpretao, considerada errnea,surgiria do no entendimento correto de como a plata-forma funciona.

    A histria de que o Facebook trabalharia comercial-mente, venderia a base dos usurios das publicaes paraoutras marcas, considerada um mito. No seria assim

    39Ver notcia Globo explica sada do Facebook, publicada no Meio&Mensagem em 20/5/13, conforme acessado em 4/11/2013: . 40Conforme acessado em 4/11/13: .41Conforme acessado em 9/12/13: .42 Conforme acessado em 9/12/13: .43Idem, ibidem. 44Conforme acessado em 3/12/13: .

  • 5/20/2018 Um Modelo de Negcio Para o Jornalismo Digital

    22/65

    72 ABRIL | MAIO | JUNHO 2014

    RELATR IO

    que a coisa funcionaria. Ela precisaria ser entendida a par-tir da realidade dos grupos de interesse. Quando realizauma campanha no Facebook, o anunciante pode escolhercomo alvo determinados grupos de interesse, ou pessoasque gostam de determinados assuntos, mas no exata-mente os fs de uma pgina. No Facebook, se diz que oanunciante no conseguiria determinar como alvo os fsde uma determinada pgina.

    O caso da Globo.com, na viso do Facebook, foi algo que seamplificou exageradamente. Quando a Globo divulgou queiria parar de postar links na rede social, espalhou-se a notciade que a Globo teria declarado guerra ao Facebook, o que,na viso interna da empresa, jamais aconteceu a guerra.

    Num exemplo concreto, explica um interlocutor doFacebook, existe o interesse noEstado(como conhe-cido o jornal brasileiro O Estado de S. Paulo). Segundo oFacebook, isso no significa que aquelas pessoas com inte-resse noEstadosejam as pessoas que curtiram a pginadoEstado. Podem ser pessoas que comentaram algo ou sereferiram a algo sobre oEstadono Facebook e no neces-sariamente curtiram a sua pgina, entre outras atividades.

    Conforme dados internos do Facebook, cada usuriocurte, em mdia, 40 pginas. So 40 pginas de marcasou de nomes diferentes. Alm da pgina de uma publica-

    o qualquer, o usurio curte mais 39 pginas, sejam deoutras publicaes, sejam de outras marcas. Quem curteoEstadopode curtir tambm outro jornal, como aFolha,a Coca-Cola, a revista Veja, o UOL.

    Ento, para o Facebook, a venda da base do Estadoseria um mito e a ferramenta nem permitiria isso. H umassentimento por parte de interlocutores do Facebook deque, em alguns momentos, essa operao pode produzircerto desconforto. Sim, porque, de fato e contrariamentea todas as explicaes, a base da publicao est sendoobjeto de comercializao. Ou melhor (ou pior, para aspublicaes), a sua base expandida.

    Evidentemente, as explicaes dadas pelo Facebook,ao menos dessa forma, no convencem. Se o anunciantepode escolher grupos de interesse como alvo, ento todomundo que clicou ou curtiu notcias de uma determi-nada publicao pode ser alvo. E esse grupo formadopor todas as pessoas que de uma forma ou de outra inte-ragiram com a publicao em questo, no importa comquais marcas ou publicaes a mais ela se relacione. Defato, o Facebook vende publicidade para toda a base quetem interesse em um determinado assunto ou marca.

    Ou seja, todo mundo que passou pela marca Estado,alm dos curtidores da sua prpria pgina, pode estar na

    mira precisa do Facebook. Mas a publicao continuarsem poder sequer insinuar uma diviso de receitas com

    a publicidade oferecida ao grupo de interesse no qual elase encaixa. No h nada de ilegal nisso, repita-se.

    Preocupado em demonstrar que um gerador de tr-fego e no um canibalizador de bases, o Facebook criouuma apresentao para ensinar s publicaes parceirasquais as melhores maneiras de elas transformarem eleprprio num amplificador de audincia.45

    Nessa apresentao, o Facebook explica, com baseem pesquisa realizada pela SimpleReac