UM MODELO EM FOCO: A LEITURA DO TEXTO … · 2 autores pelo mundo. A obra de Machado de Assis...
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UM MODELO EM FOCO: A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO PELO VIÉS DO
ESTUDO DO MITO EM MACHADO DE ASSIS
Objeto de aprendizagem colaborativa (OAC)
Professora PDE: Míriam Zafalon
Orientador: Professor Doutor Aécio Flávio de Carvalho
O presente trabalho é passível de melhoria e reformulação. Como
pesquisadora, tenho consciência de que este material apresenta lacunas.
Entretanto, as referências bibliográficas postas a serviço dos professores poderão
servir como base para que possam suprir as eventuais brechas. Sabemos que
mesmo os melhores materiais didáticos não farão um professor ser melhor.
Personalizar o material teórico é tarefa do professor e dessa forma ele poderá
trabalhar com eficiência.
Literatura é algo difícil de definir mas, pode-se afirmar que “literatura é
literatura”. Entender essa expressão, aparentemente enigmática, pressupõe ter a
clareza de que não se ensina literatura para que nosso aluno passe no vestibular,
ou para que conheça dados biográficos de alguns autores, ou ainda, para
repassar características de uma escola literária; enfim, a literatura não pode ser
vista como uma ferramenta apenas destinada a fins práticos, sejam eles quais
forem. O professor que ensina literatura pratica tal ação para que seu aluno “viva”,
para que ele próprio, professor, “viva”. Literatura é vida e nela estão concentradas
as grandes verdades humanas.
Literatura é a arte de criar uma realidade própria, transpondo para o papel
os sonhos e fantasias pessoais, tornando-os reais; é a imitação da palavra
(mimese); é a criação de uma supra-realidade. Essa imitação da vida real, essa
“realidade literária” busca, muitas vezes, no mito, uma possibilidade de reflexão
sobre a existência, o cosmos, as situações mundanas e as relações sociais. E de
que forma o mito contribui para a universalização de uma obra literária? O mito faz
parte daquele conjunto de fenômenos cujo sentido é pouco nítido, difuso. O mito
se “atualiza” geração após geração, através de sua incidência em obras de muitos
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autores pelo mundo. A obra de Machado de Assis recupera mitos antiqüíssimos,
conferindo-lhes atualidade na investigação das camadas profundas da alma
humana, ajudando a entender o homem de hoje e a desvelar a hipocrisia social; a
leitura do mito em Machado de Assis nos coloca em contato com o ser humano
naquilo que ele possui de mais nobre e mais mesquinho e, nessa aventura,
acabamos conhecendo nossas próprias misérias e virtudes.
LEIA MAIS
Este OAC se justifica pela necessidade de comprovar que a perenidade da
obra literária, aqui representada por alguns contos machadianos, pode ser o
produto da recorrência às instituições mitológicas que perduram desde as heróicas
epopéias gregas até os dias de hoje.
Machado de Assis foi sensível às angústias do ser humano e utilizou essa
matéria como conteúdo de reflexão literária. O presente trabalho explorará um
pouco mais da obra desse autor, enveredando-se, principalmente, pelo caminho
da investigação do “mito”. Para tanto, apresentaremos alguns contos
machadianos, que poderão dar sustentação à tese de que a obra desse autor é
permeada, em vários momentos, pela presença do pensar mítico como ferramenta
para a construção de uma prosa sagaz e de alta expressividade. Temos a
curiosidade de desvendar nessas narrativas outras leituras, diferentes das tantas
que já foram feitas, assim como rastrear atentamente essas histórias, que
pertencem ao século XIX, no intuito de encontrar vestígios de mitos milenares e
constantes na prosa.
Julga-se de assaz importância para os estudos literários uma focalização
especial na teoria da estética da recepção, corrente que concebe o leitor como
entidade coletiva, ou seja, o indivíduo leitor “atualiza” a obra segundo o horizonte
de expectativa que compreende suas experiências sociais acumuladas e a partir
disso constrói uma nova visão da realidade. A leitura e análise dos referidos
contos de Machado de Assis a partir da teoria recepcional possibilitará uma troca
com o texto, observando-se a experiência estética e seu efeito no leitor.
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Este OAC apresenta os seguintes objetivos:
§ Explorar a obra machadiana procurando novas leituras de alguns dos
contos mais conhecidos do autor;
§ Pesquisar as características do Machado de Assis contista através da
leitura e análise dos contos propostos;
§ Perceber a recuperação de mitos no processo formador da estrutura
semântica dos contos analisados;
§ Estudar os contos tendo em mente a literatura como forma de comunicação
e interação, conforme estabelece a “estética da recepção”.
Bibliografia consultada
AGUIAR,Vera Teixeira de; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a formação do leitor – alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. BARBOSA, Francisco de Assis. Machado de Assis em miniatura. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1997. BRAYNER, Sônia (org.). O conto de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. KLEIMAN, Ângela B. Oficina de leitura: teoria e prática. São Paulo: Pontes, 2004. LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Trad. Alfredo Veiga Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. PARANÁ/SUED/SEED,DCE – Diretrizes curriculares da rede pública de educação básica do estado do Paraná. LÍNGUA PORTUGUESA, Curitiba, 2006. ROCCO, Maria Tereza Fraga. Literatura e ensino: uma problemática. São Paulo: Ática, 1992. ROCHA, Everardo P. G. O que é mito. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
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SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. 3.ed. São Paulo: Editora 34, 1997. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura.São Paulo: Ática, 1985 RECURSOS DIDÁTICOS
SÍTIOS CONSULTADOS http://www.machadodeassis.org.br
O sítio “Espaço Machado de Assis” é um site elaborado pela Academia
Brasileira de Letras que traz muitas informações sobre esse escritor. O site
oferece biografias, bibliografias, adaptações, teses e monografias, depoimentos,
conferências, obras digitalizadas, fontes e referências entre outros materiais. É
uma boa referência para todos que quiserem saber um pouco mais sobre vida e
obra desse notável escritor brasileiro.
http://www.discoverybrasil.com/guia_conspiracao/mito/index.shtml
Este sítio mostra diversos temas relacionados aos mitos, explicando o que é
mito, mito urbano, lenda, além da exemplificação de todos esses elementos.
Apresenta textos bem escritos e riqueza de imagens. Embora não apresente
grande aprofundamento, o site é uma boa opção por sua clareza e objetividade.
Para o trabalho com a recuperação dos mitos da obra moderna de Machado de
Assis, torna-se de assaz importância pesquisar e conhecer, ao menos
basicamente, alguns dos mitos e figuras mitológicas constantes no imaginário
popular e que perduram há milênios, passados de geração a geração, através da
literatura.
SONS
“MULHERES DE ATENAS”
Intérprete: Chico Buarque
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Compositor: Chico Buarque
Nessa canção, o compositor versa sobre aspectos da sociedade ateniense
do período clássico e retoma alguns episódios e personagens da mitologia grega.
A letra faz alusão aos famosos poemas épicos Ilíada e Odisséia, ambos atribuídos
a Homero. Há uma tentativa, nos textos modernos, de substituir a autoridade da
tradição épica pela criatividade e inspiração do autor. Porém, os traços da
narrativa épica, assinalados pela permanência das características míticas, ainda
se encontram na articulação narrativa do romance. Do mítico ao ficcional, ou, por
outras palavras, da epopéia ao romance moderno, desenha-se um percurso que
passa pelo “mimético” e pelo “histórico”, construindo uma concepção realista do
indivíduo através dos padrões míticos.
O gênero épico encontra força na narrativa homérica, sendo assim
perpetuado. Homero deu enredo a feitos heróicos extraídos da experiência e da
imaginação, marcando sua presença através dos séculos, em meio às narrativas
que o homem tem produzido. A música “Mulheres de Atenas” propõe uma
atualização do antigo mito das mulheres servis e submissas, mito esse tão
amplamente intensificado por grande parte da literatura universal, desde os
tempos antigos até a contemporaneidade. A letra de Chico Buarque ainda faz
referência a Helena de Tróia, personagem da Ilíada, que poderia, em alguns
aspectos, ser assemelhada a personagem machadiana Rita, do conto “A
cartomante”, resgatando da história homérica a tríade amorosa que é revisitada no
conto machadiano. Tanto na narrativa grega quanto no conto machadiano, a
personagem feminina é tratada como objeto de prazer, “coisa” a ser possuída,
adquirida, sendo de algum modo impelida à traição; de forma bastante efetiva na
Ilíada e um pouco mais velada em “A cartomante”, as mulheres fazem parte dos
sonhos e pensamentos, são desejadas e retiradas de sua posição de fidelidade,
para cederem aos desejos de novos parceiros.
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
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Orgulho e raça de Atenas
Quando amadas se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas, cadenas
(...)
Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas
(...)
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas
(...)
Disponível em: www.mundocultural.com.br
“AMOR PROIBIDO”
Intérprete: Cartola
Compositor: Cartola
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Essa é uma das mais belas letras do cancioneiro brasileiro e aborda a
temática da separação entre o casal que se ama por viverem o dilema do “amor
proibido”. A linda letra de Cartola poderá servir como recurso para rememorar o
antigo mito do “amor proibido”, e estabelecer a ponte com o conto “Uns braços” de
Machado de Assis, confirmando a recorrência e permanência da estrutura mítica
repassada de geração a geração a partir da literatura e também da música.
Sabes que vou partir
Com os olhos rasos d'água
E o coração ferido
Quando lembrar de ti
Me lembrarei também
Deste amor proibido
Fácil demais
Fui presa
Servi de pasto
Em tua mesa
Mas fique certa que jamais
Terás o meu amor
Porque não tens pudor
Faço tudo para evitar o mal
Sou pelo mal perseguido
Só o que faltava era esta
Fui trair meu grande amigo
Mas vou limpar a mente
Sei que errei
Errei inocente
(...)
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Disponível em: http://letras.terra.com.br/cartola/88702/
VÍDEOS
Dom
Direção: Moacyr Góes
O filme apresenta uma releitura da obra “Dom Casmurro”, de Machado de
Assis. Bento (Marcos Palmeira) é um homem cujos pais, apreciadores de
Machado de Assis, resolveram batizá-lo com esse nome em homenagem ao
personagem homônimo do livro Dom Casmurro. Tantas vezes foi justificada a
razão da homenagem que Bento cresceu com a idéia fixa de que seria o próprio
personagem e destinado a viver, exatamente aquela história. Até chamava sua
amiga de infância no Rio de Janeiro, Ana (Maria Fernanda Cândido), de Capitu.
Seus amigos, conhecedores do seu sentimento de predestinação, lhe apelidaram
de Dom. Bento e Ana separaram-se quando a família do menino mudou-se para
São Paulo. Já adulto, Bento foi trabalhar como engenheiro de produção e vinha
freqüentemente ao Rio. É lá que Dom reencontra sua Capitu e dali renasce o
romance da infância, só que, agora, avassalador.
O filme “Dom” é uma ótima opção para se mostrar aos alunos uma releitura
moderna da obra Dom Casmurro de Machado de Assis. Verifica-se na obra
fílmica uma adaptação aos tempos atuais, porém preservando a famosa questão
da dúvida sobre a traição de Capitu. Juntamente com a leitura e análise dos
contos machadianos, a obra Dom Casmurro é um dos referenciais mais
importantes da ficção de Machado, sendo, portanto imprescindível a leitura desse
romance, especialmente no ensino médio, quando o professor estiver trabalhando
as escolas Realistas. Contrapor obra escrita à obra fílmica é sempre uma
atividade de criatividade e que aguça o interesse dos alunos pelo material
artístico.
Referência: DOM. Direção de Moacyr Gões. Brasil: Warner Home Vídeo, 2003.
(120min)
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Tróia
Direção: Wolfgang Petersen
Na Grécia antiga, a paixão de um dos casais mais famosos da História,
Páris, príncipe de Tróia (Orlando Bloom), e Helena (Diane Kruger), rainha de
Esparta, gera uma guerra que destruirá toda a civilização troiana. Páris sequestra
Helena de seu marido (embora, aparentemente, ela siga Páris por vontade
própria), o rei Menelau (Brendan Gleenson), e esta afronta não pode ficar impune.
O irmão de Menelau, o poderoso rei Agamenon de Micenas (Brian Cox),
igualmente sente-se desonrado o que faz com que todos os esforços da nação
grega sejam reunidos em prol do resgate de Helena, culminando com uma guerra
sangrenta.
Na verdade, Agamenon precisa garantir a supremacia de seu reino, e sua
ganância torna-se a mola propulsora mais importante que o move em busca da
cunhada raptada. O rei de Tróia, Príamo (Peter O'toole) e sua fortaleza jamais
invadida por outras nações são defendidos pelo filho mais velho, o valente
príncipe Heitor (Eric Bana). A derrota dos troianos é atribuída à força e sagacidade
do grego Aquiles (Brad Pitt), um homem praticamente invencível.
Aquiles, embora ataque Tróia sob o comando do rei Agamenon, luta pela
sua glória individual, para ser lembrado e consagrado pelas gerações vindouras e
não tem lealdade a ninguém, pois é arrogante e rebelde. Por amor a uma mulher,
Páris inicia o processo de devastação de Tróia, fazendo padecer milhares de
inocentes e corroborando para a busca infinita de poder e honra.
O filme “Tróia” é bastante pertinente a este OAC uma vez que traduz em
linguagem fílmica os mitos eternizados pela epopéia “A Ilíada”, de Homero, e que
tão bem se vêem reconstituídos nos contos machadianos propostos para análise
nesse projeto. Os mitos do triângulo amoroso, do sonho e do amor proibido,
constantes na épica homérica e também nos contos “A cartomante”, “A chinela
turca” e “Uns braços” são mais uma vez recuperados na produção cinematográfica
Tróia. É interessante que haja esse diálogo entre a literatura moderna e a épica,
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passando pela versão produzida para o cinema, abrindo ainda mais o leque de
possibilidades de reintegração dos mitos milenares ao cotidiano humano.
Referência: TRÓIA. Direção de Wolfgang Petersen. EUA: Warner, 2004. (165min)
PROPOSTAS DE ATIVIDADES
Apresentaremos três “estratégias de leitura” que propõem trabalhar a
leitura literária centrando essa ação na experiência do leitor com a leitura,
relacionando o cognitivo com o emotivo, objetivando a fruição do texto,
construindo sentidos e relacionando-os com a realidade do leitor. Para isso o
professor deverá apresentar alguns contos de Machado de Assis, focando sua
temática, sua relação com o “mito” e seu caráter universal e atemporal. As obras
selecionadas também devem estar de acordo com a maturidade dos alunos,
causando assim, uma interação efetiva. Sobretudo, objetiva-se demonstrar aos
alunos que os mitos ainda são a melhor fonte para conhecer o percurso do
pensamento do homem, além de ser uma forma de demonstrar como a história da
humanidade era vista pelos antigos. Cercados pelas lendas que os envolvem, os
mitos trazem consigo um legado ancestral que vai sendo renovado conforme são
recontados e revisitados pelas obras da modernidade.
11.. AAnnáálliissee ddoo ccoonnttoo ““AA ccaarrttoommaannttee””
Objetivo específico: conhecer o conto “A cartomante” e analisá-lo sob o viés do
estudo do mito do triângulo amoroso.
“A cartomante” é a história de um triângulo amoroso formado por Vilela,
Camilo e Rita. Vilela e Rita reencontram um grande amigo dele, Camilo; com o
tempo, Rita e Camilo envolvem-se amorosamente. Ela procura uma cartomante
para certificar-se de que o amante a ama e recebe uma resposta afirmativa. Mais
tarde, Camilo recebe um aviso para que vá com urgência à casa de Vilela e teme
ter sido descoberto em sua traição. O tílburi em que viaja pára em frente à casa da
cartomante e ele resolve, enquanto espera a desobstrução da rua, ir consultá-la.
Ela o tranqüiliza e ele sai confiante. Ao chegar à casa do amigo, encontra a
amante morta e é assassinado por Vilela.
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Incentivar os alunos para que leiam esse conto e, após a leitura, instigá-los
para que apresentem suas primeiras impressões: gostaram ou não? Por quê? Que
sentimentos a leitura lhes despertou? A partir dessa conversa inicial, sugerir aos
alunos que analisem cada um dos personagens do conto, incitando-os à
percepção da sagacidade do autor ao compor esses personagens, a fina ironia
com que elabora sua linguagem; através de texto escrito produzido na própria sala
de aula, os alunos caracterizarão os personagens psicologicamente, atribuindo a
importância que julgam que cada um deles tem para a formação da narrativa,
como parte inicial do processo de avaliação da atividade.
Trazer para os alunos a informação de que o tema do “triângulo amoroso”
não é novo; muito ao contrário, já é um “mito” internalizado e constante em várias
outras obras. Sugerir a pesquisa desse mito (“o triângulo amoroso”) dentro da
literatura brasileira e universal. Essa pesquisa será apresentada como prova de
que na literatura, quase tudo que se lê, já foi escrito de diferentes formas, em
diferentes tempos, por diferentes autores. Os alunos trarão para a classe as
informações que conseguiram sobre o mito do “triângulo amoroso”, contarão
sucintamente as histórias que abordam esse tema, os autores que privilegiaram
esse tema. Como mediador, o professor deve mostrar-lhes como cada uma das
obras encontradas aborda a mesma temática de maneiras diferentes,
contextualizando situações sócio-culturais diversas.
Um outro mito, muito interessante, também ocorre no texto “A cartomante”:
é a recorrência à figura enigmática da “cartomante’, que, na mitologia grega, é
incorporada pelas Pitonizas. Os gregos davam o nome de Pitonisas a todas as
mulheres que tinham a profissão de adivinhas, porque o deus da adivinhação,
Apolo, era cognominado de Pítio, quer por haver matado a serpente-dragão Píton,
quer por ter estabelecido o seu oráculo em Delfos, cidade primitivamente chamada
Pito. A Pitonisa era a sacerdotisa do oráculo de Delfos, ela divulgava seus
oráculos uma vez por ano, no começo da primavera. Mas antes de se sentar na
trípode, a Pitonisa se banhava na fonte de Castália, jejuava três dias, mascava
folha de loureiro, e com religioso recolhimento, cumpria várias cerimônias.
Terminados esses preâmbulos, Apolo prevenia a sua chegada ao Templo e ela
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era conduzida à trípode pelos sacerdotes. Assim que desvendava o oráculo caía
em uma espécie de transe, que algumas vezes durava muitos dias. A princípio
existiu uma única Pitonisa, mas com o tempo, o grande número de consultas que
eram regularmente feitas, exigiu o recrutamento de novas Pitonisas. Para atingir a
grande honra de ser sacerdotisa, isto é, Pitonisa, era necessário satisfazer
algumas condições consideradas essenciais, como ser pura, haver recebido uma
educação simples e jamais haver conhecido o luxo, vestindo-se com recato. De
preferência as Pitonisas eram recrutadas entre as famílias pobres, porque,
acreditavam os gregos que a riqueza era incompatível com a elevada missão da
Pitonisa. Essa habilidade apresentada por essa personagem mitológica aparece
em nossas vidas para dizer que o dom da profecia é inerente a todas as mulheres.
Só as mulheres trazem consigo os mistérios do sangue menstrual, da gravidez e
do parto. Esses elementos separam claramente o homem da mulher. A Pitoniza
(ou cartomante) vem ainda nos dizer que nosso futuro depende de nossas
escolhas pessoais. O padrão de energia básica de nossas vidas é
preestabelecido, mas podemos alterá-lo como nos aprouver.
A revisitação desse elemento mitológico se torna visível através da
elaboração na personagem título do conto. A “cartomante” reinterpreta o mito da
antiga função de prever o futuro que as Pitonizas exerciam nas histórias gregas. O
professor poderá apresentar informações sobre esse mito através de slides
produzidos especialmente para essa aula e até mesmo de trechos de filmes que
recuperam esse dado mitológico.
Para finalizar essa atividade, o professor poderá pedir aos alunos que
elaborem um novo final para o conto, tentando não perder de vista o elemento
surpresa, nem escapando da coerência narrativa que o texto original contempla. O
processo de avaliação dessa estratégia contará com as atividades de produção de
textos escritos e de pesquisa, sempre com conceituação individual.
22.. AAnnáálliissee ddoo ccoonnttoo ““AA cchhiinneellaa ttuurrccaa””
Objetivo específico: conhecer o conto “A chinela turca”, percebendo em sua
linguagem a atualização do mito do sonho, através da análise de sua estrutura.
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Esse conto tem algo de “fantástico” que o torna sedutor aos olhos do leitor.
Trata-se da narrativa sobre o bacharel Duarte, jovem que almeja encontrar uma
linda dama num baile, Cecília, alguém por quem ele já cultiva uma grande atração.
Quando está quase pronto para sair, recebe a visita de um amigo de seu pai, o
major Lopo Alves, a quem precisa dar atenção respeitosa. O major vem mostrar-
lhe um livro que escreveu e começa a lê-lo, enquanto Duarte está ansioso para
sair e encontrar sua pretendida. A leitura é totalmente enfadonha, além de
completamente inconveniente naquele momento. Lá pelas tantas, o major levanta-
se e vai embora de repente. Instantes depois, chega um homem que diz ser
policial e dá voz de prisão, acusando-o de ter roubado uma “chinela turca”. Duarte
é levado para um local desconhecido, onde sofre tortura psicológica. Fica sabendo
que a história da chinela é na verdade um pretexto, a chinela metaforiza o coração
de uma moça que teria sido conquistado por ele. Recebe a informação de que terá
que se casar com uma linda jovem que o aguarda, assinar a doação de seus bens
para ela e, em seguida, suicidar-se tomando veneno. O (falso) padre que faria seu
casamento, o motiva a fugir pulando a janela. Ele é perseguido pelos homens que
o prenderam mas consegue escapar e voltar para casa. E então, Duarte acorda do
pesadelo que teve enquanto o major Lopo Alves lia sua obra, ainda a tempo de
ouvir o último parágrafo.
O professor poderá fazer a leitura inicial, em voz alta para os alunos.
Quando terminar, deve questioná-los imediatamente sobre suas impressões
iniciais sobre o texto. Provavelmente eles ainda não estarão totalmente certos de
que a história se desenvolve em dois níveis: há uma história dentro da história,
correndo paralelamente à ação do texto. Questionar os alunos para que percebam
e encontrem no texto o momento em que o autor, sutilmente, sai da primeira
narrativa e vai à segunda. Após essa verificação, propor aos alunos que
escrevam sobre a importância do recurso adotado pelo autor nessa narrativa para
conferir-lhe um sentido especial, ou seja, como o expediente do “sonho” contribuiu
para que esse conto se estruturasse e se distinguisse. Pedir aos alunos para que
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exponham suas conclusões sobre o recurso utilizado por Machado de Assis (por
escrito e oralmente para os que quiserem).
Explicar aos alunos que o sonho é um tipo de mito que explica como o
mundo funciona ou que nos transmite uma “versão” de mundo. Isso tudo acontece
porque os seres humanos têm uma mitologia pessoal (crenças, valores) que
estabelece um vínculo do indivíduo com a sociedade. Os sonhos podem
demonstrar os conflitos existentes entre essa mitologia pessoal e o mundo que
nos cerca, utilizando imagens e símbolos que exploram o impacto emocional das
experiências vividas.
O professor poderá trazer para os alunos, através de slides na tv pendrive, a
lenda de Morfeu, o deus dos sonhos. Segundo a mitologia, Morfeu era filho de
Hipnos, deus do sono. Morfeu tinha a habilidade de assumir qualquer forma
humana e aparecer nos sonhos das pessoas, como se fosse o ente amado por
elas.
Quando o indivíduo não conhece o original, o real, o genuíno, o verdadeiro,
ele acredita no falso como se fosse o verdadeiro. O mito do sonho, encarnado na
história universal na pele de Morfeu, é um novo conceito da "verdade". Quando
dormimos, podemos nos tornar semelhantes a deuses, personagens heróicos ou
nos tornarmos outras pessoas, com habilidades e forças especiais. Desta forma,
descemos ao sombrio e misterioso mundo ditado pelos deuses e retornamos na
possibilidade de resgatar uma condição mais divina de viver. Para um processo de
autoconhecimento é de assaz importância que cada um descubra o mito que está
vivendo e, com certeza, o sonho é um instrumento importantíssimo nesse
processo. Através do sonho, o inconsciente é capaz de liberar o desejo reprimido.
A partir das informações sobre mito e sonho, voltar ao conto “A chinela turca” para compreender melhor o que representa o último trecho do texto: “o melhor drama está no expectador e não no palco”. Os alunos perceberão que o personagem central, Duarte, se conscientiza do poder da imaginação e da fantasia que está em cada pessoa, tudo graças ao pesadelo que teve. A proposta final dessa atividade é a montagem de uma encenação que envolva grupos formados pelos alunos. Cada grupo preparará sua versão teatral do conto, incluindo cenário, figurino e maquiagem. Os grupos montarão seus roteiros, tendo o conto machadiano como base, mas podendo utilizar de
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criatividade, alterando espaço, tempo e outros elementos, desde que se preserve a idéia central. O professor auxiliará nesse roteiro, na elaboração das falas das personagens, na expressividade que cada personagem deve demonstrar. Serão marcados alguns ensaios, inicialmente só com leituras dramáticas evoluindo até os ensaios gerais. A apresentação das encenações poderá ser feita, inclusive, para outras turmas da escola. A avaliação contemplará a participação dos alunos nas exposições sobre o conto e sobre o mito do sonho. Ainda como parte da avaliação, verificar-se-á a responsabilidade, criatividade e espírito de equipe que os alunos mostraram durante a atividade de encenação, sendo atribuídos conceitos individuais para todas as etapas dessa estratégia.
33.. AAnnáálliissee ddoo ccoonnttoo ““UUnnss bbrraaççooss”” Objetivo específico: conhecer o conto “Uns braços”, atualizando nele o mito do “amor proibido”.
O conto retrata a história de uma paixão proibida, de um desejo muito forte.
Inácio, empregado do senhor Borges, é um garoto de quinze anos. Ele mora na casa do patrão e acaba se apaixonando pela esposa de Borges. Dona Severina, moça de vinte e sete anos, tenta fugir do entendimento de que é o objeto do amor do rapazola, mas ela própria se sente irresistivelmente atraída por ele. O jovem não a encara, mas observa com avidez os braços dela, enquanto ela o serve nas refeições. Ela percebe o interesse de Inácio e passa, então, a mostrar os braços mais desnudos. Num domingo em que o marido não está em casa, ela vai até o quarto de Inácio e, cheia de sustos e cuidados, o beija enquanto ele dorme. Ele acorda pensando que teve um sonho. Dias depois ele é dispensado de suas funções, e se afasta definitivamente daquela paixão proibida. Solicitar aos alunos que leiam o conto e em seguida ativem os seus conhecimentos prévios. Através de conversa informal, questioná-los quanto à temática do texto: pode ocorrer o fato do texto na vida real? Um jovem pode se apaixonar por uma mulher casada, mais velha, e vice-versa? Conhecem algum caso verídico? Já aconteceu com vocês? Explicar aos alunos que “amores proibidos” são uma temática bastante recorrente nas obras literárias, nos filmes, nas músicas. Enfim, a arte sempre contemplou esse assunto. Oferecer aos alunos textos que contem histórias mitológicas que possuam a temática do amor proibido, através de slides na tv pendrive, produzidos pelo próprio professor e/ou que sejam encontrados na Internet. A primeira poderia ser a história de Cupido e Psique. Vênus, a mãe de Cupido, sentia ciúme de Psique por achá-la bonita. Pediu ao filho que a flechasse para que ela se apaixonasse pelo
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homem mais feio do planeta. Quando Cupido se aproximou da moça, encantado por sua beleza, acabou ferindo a si mesmo e ficando apaixonado por Psique. Pediu a Zéfiro (o vento oeste) que a levasse para um maravilhoso palácio e passou a visitá-la todas as noites, mas em forma invisível, pois essa era a condição para que os dois pudessem ficar juntos, ela não poderia vê-lo. Ela era muito curiosa e, certa noite, quando ele estava dormindo, Psique pegou uma lamparina e o observou, vendo que era um lindo ser. Uma gota de óleo caiu no braço dele e o fez acordar e ir embora dali. Cupido rogou a Zeus que permitisse a sua união a Psique, e então o deus dos deuses mandou buscá-la e deu a ela o néctar que a tornaria imortal para poder viver com Cupido. Quando Vênus viu que seu filho estava tão feliz e apaixonado, abençoou o casal. Outro exemplo do amor proibido na mitologia, também oferecida aos alunos como parte da atividade é a história de Édipo. O professor trará em slides a história do filho de Laio e Jocasta, reis de Tebas, Édipo, que foi abandonado num bosque ao nascer, pois o oráculo de Delfos profetizou que ele mataria o pai e se casaria com a mãe. Um pastor encontrou a criança ainda viva e o levou para Corinto onde foi adotado pelo rei Políbio. Quando adolescente, Édipo ouviu também a profecia do oráculo e, desesperado, resolveu fugir para longe daqueles que ele julgava serem seus pais biológicos. Enquanto fugia encontrou um ancião, desentendeu-se com ele e matou-o. Era seu pai, Laio. Chegou a Tebas, encontrou a cidade sob o domínio de uma esfinge que deveria ser decifrada para que todos fossem libertados. Édipo decifrou o enigma e casou com a rainha viúva da cidade, como prêmio por livrar a cidade da peste. A viúva era Jocasta, sua mãe. Com ela teve quatro filhos. Uma nova peste assolou Tebas e dessa vez, Édipo descobriu que era ele o causador das tragédias profetizadas. Jocasta matou-se, todos os seus filhos tiveram destino trágico e Édipo morreu misteriosamente num bosque sagrado, depois de ter furado os próprios olhos. Lidos os textos mitológicos, o professor poderá promover um debate no qual os alunos farão a ponte de ligação entre o texto “Uns braços” e as referências mitológicas apresentadas, analisando as condições de produção do conto de Machado de Assis (dimensões de época, espaço, características daquele momento). Pedir aos alunos que tragam para uma próxima aula, outros exemplos de amores proibidos nas artes: músicas, contos, filmes. O material será apresentado e formará o corpus de uma coletânea que será devidamente catalogada, organizada e que terá como título: “O amor proibido nas artes”. Essa produção será elaborada em forma de livro, através da contribuição de todos os alunos da turma, contando com ilustrações dos mesmos e poderá ser divulgada para as demais turmas e corpo docente, servindo como avaliação final dessa
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atividade de leitura, sendo atribuídos aos alunos conceitos individuais por sua participação ativa nos debates e coleta de materiais sobre a temática proposta.
RECURSOS DE INVESTIGAÇÃO INVESTIGAÇÃO DISCIPLINAR Nossa proposta de investigação disciplinar é entender como o mito é
elaborado modernamente, especificamente na obra machadiana. O homem
moderno, tanto quanto o homem da antiguidade, não é só racionalidade, é
também subjetividade, repleto de anseios e de desejos. O mito no homem
contemporâneo manifesta-se de forma abrangente, incorrendo em todos os
aspectos da vivência (economia, arte, crença). O importante é saber que o ser
humano pode escolher seus próprios modelos de vida a partir de protótipos
apresentados; sendo assim, cada um vivencia o mito da maneira que possa
vincular aos valores que julga necessários para sua vida.
A obra machadiana reflete a presença de um indivíduo integrado ao seu
tempo e ao seu espaço, através de assuntos universais e atemporais, destituindo
o ponto de vista de que o espírito nacional estaria contido apenas em obras que
retratam uma determinada temática local. A narrativa de Machado, segundo
Schwarz (1997), mostra pontos de vista que refletem o funcionamento da
sociedade brasileira, apresentando o viés histórico-social com maestria, em
detrimento do assunto de primeiro plano. Dessa forma, os textos machadianos
apresentam sempre “segundas intenções”, ou seja, a matéria local é base para
uma perspectiva universalista que particulariza uma dinâmica histórica. No que se
refere aos contos, Machado de Assis procura examinar a permanência dos valores
hipócritas em detrimento dos valores éticos, identificando o homem acomodado às
conseqüentes perdas morais a que está sujeito nesse estado de coisas.
Como contista, Machado de Assis é um narrador que prende a atenção de
seu leitor. Seus contos refletem indivíduos incapazes de uma felicidade completa,
impotentes perante a realidade que os circunda, incapazes de modificarem seus
destinos, dotados de vidas insípidas e mesquinhas. Brayner (1981) afirma que o
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Machado contista apresenta um visão distanciada e abrangente da sociedade do
Segundo Império e da Primeira República, destilando sua ironia e partilhando suas
observações com o leitor. Essa ironia aparece na reflexão sobre os hábitos sócio-
culturais da sociedade do Rio de Janeiro e também na análise da própria natureza
humana, dotada de limitações e vícios. É visível a preferência de Machado pela
descrição do psiquismo humano e pela exposição dos valores sociais que são
promotores de comportamentos equívocos.
A obra machadiana inova quando abandona a descrição, só servindo-se
desse expediente quando provoca reações psicológicas nos seus personagens.
Interessa-lhe enfatizar a intimidade dos sentimentos de seus personagens e o
conhecimento da vida social. Isso provoca a apreensão da incoerência entre o
“ser” e o “parecer”, ou seja, a oposição entre o interior do indivíduo e o que ele
aparenta diante do mundo externo, expediente que torna a narrativa de Machado
sempre atual e pertinente a outras épocas. Essa pertinência também é habilitada
porque a literatura machadiana se pauta muito na simbologia, de uma forma geral,
e um dos recursos que transmite o universalismo nos contos machadianos é a
recorrência do “mito”.
O pensamento mítico teve início na Grécia e nasceu do desejo de
dominação do mundo, para afugentar o medo e a insegurança. O mito é um tipo
de verdade gerada pela intuição, não necessitando de provas para ser aceito. A
primeira manifestação histórica é o mito que surge nas sociedades primitivas.
Como uma necessidade de explicar para si mesmo sua origem e sua vida, o mito
é sempre uma história com personagens sobrenaturais, os deuses. Nele, os
homens são objetos passivos da ação dos deuses que são os responsáveis pela
criação do mundo (cosmos), da natureza, pelo aparecimento dos homens e pelo
destino .
Vários textos reforçam que mito é uma narrativa tradicional de conteúdo
religioso, que procura explicar os principais acontecimentos da vida por meio do
sobrenatural. Na verdade, o mito é uma narrativa especial que mostra as
contradições e inquietações de uma sociedade, dando margem à reflexão sobre a
existência humana no mundo. Para Rocha (1985), o mito tem sentido múltiplo e
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abrangente e pode ser usado em variados contextos, podendo designar desde a
representação clássica da mulher amada até a interpretação de um “pop star” do
mundo midiático.
O mito aparece e funciona como mediação simbólica entre o sagrado e o
profano, condição necessária à ordem do mundo e às relações entre os seres. À
medida que é adaptado à esfera e às dimensões da vida humana, manipulado e
elaborado conscientemente pelos indivíduos, o mito se dilui em suas
características originais para tornar-se lenda, saga, epopéia, fábula, história, conto
e novela. A necessidade de emoção e afetividade fazem o homem moderno
recuperar o mito, ainda hoje, no seu cotidiano. Através do mito se narram
acontecimentos e ainda se explicam questões que a racionalidade não consegue
abarcar. O mito aplicado a uma temática manifesta um conflito existencial, a
eterna angústia que causa a reflexão sobre a condição do homem no mundo. A
mensagem trazida pelo mito é indireta, implícita, subjetiva, distante da obviedade.
Não se comprova a veracidade de um mito, no entanto, ele é eficaz e tem valor
social, pois manifesta o inconsciente coletivo.
Um mito não se esgota através de suas interpretações, ao contrário, criam-
se novos mitos a cada explicação dada. Por isso, nas palavras de Rocha (1985) “o
mito flutua” (p.95). O mito não tem alicerces firmes, não possui definições sólidas,
se pauta em interpretações e interpretar não significa ter certeza.
As artes e os meios de comunicação imortalizam e projetam os mitos. No
mundo atual, os veículos de comunicação de massa exercem um papel importante
na permanência e na criação dos mitos, sem que as formas tradicionais de
transmissão tenham sido abandonadas. Com relativa freqüência, aparecem, nos
jornais diários, notícias e reportagens relativas aos mitos. A ficção radiofônica,
televisiva e cinematográfica tem incorporado mitos tradicionais e modernos em
suas produções. Em uma época mobilizada pela indústria da propaganda e do
consumo, o cinema surge como uma indústria do mito. Personagens como Super-
Man, James Bond e Marilyn Monroe fazem parte desse grupo de seres coroados
com a “vida eterna”, convidados a adentrar o Olimpo holywoodiano. Muitos de nós
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respiramos e vivemos o mito, temos o desejo de fazer parte do mito e entender o
mundo como um palco onde não há coadjuvantes, todos são atuantes e estrelas.
Propõe-se trabalhar o mito em alguns contos de Machado de Assis, tais
como, por exemplo, “A chinela turca”, “A cartomante”, “Uns braços” e outros que
perpassam um caminho entre o clássico e a alegoria, como representação das
vicissitudes humanas, cuja simbologia reflete, entre outras coisas, a futilidade
genérica do ser humano e a profunda compreensão das estruturas sociais. Todo
texto é uma mistura de escritura/leitura, uma rede de conexões. E a partir da
noção de intertextualidade, as relações entre obras literárias são compreendidas
como um procedimento natural de reescrita dos textos. Chamando de mito “um
conjunto narrativo consagrado pela tradição e que manifestou, pelo menos na
origem, a irrupção do sagrado, ou do sobrenatural, no mundo, mas que, num
período avançado pôde tomar uma significação abstrata, pretendemos analisar
como Machado de Assis utilizou os mitos tradicionais na composição de alguns de
seus personagens e enredos, modernizando-os, adaptando-os ao seu tempo, mas
também mantendo-os na sua imortalidade.
Para a realização dos estudos propostos, utilizar-se-á como fundamento
teórico a estética da recepção. Conforme essa teoria, cujos principais divulgadores
foram Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, o leitor deixa de ser passivo, revela-se
um ser capaz de emitir juízos e reflexões sobre o que leu. A estética da recepção
valoriza a fruição como meio de trazer o gosto pela leitura, sem se afastar da
dimensão histórica da obra, mas podendo ser inferida pelas condições de
recepção que variam com o passar do tempo.
A estética da recepção estabelece a historicidade da literatura em 3 planos:
1. A obra pertence a uma série literária na qual ela deve ser situada. Cada obra
deixa questões que serão retomadas pela obra seguinte.
2. A obra pertence a um corte sincrônico que deve ser recuperado, coexistindo
com elementos simultâneos e não simultâneos em qualquer momento da história.
Livros produzidos na mesma data, podem não ser contemporâneos, alguns
atrasados, outros adiantados para seu tempo.
3. A história literária se liga à história geral, sendo determinada e determinante.
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A teoria de Jauss serviu para reconstruir os horizontes de expectativas dos
leitores, assim, a história literária não renunciou ao essencial: a reconstrução e a
contextualização. Permite-se dizer que a história literária é uma justaposição de
textos fragmentados, ligados a cronologias diferenciais. Segundo Aguiar e Bordini
(1988), através do processo de recepção, o leitor compara a obra lida com a
tradição da cultura em que está inserido e se prepara para novas leituras e
rupturas com os esquemas estabelecidos.
Fundamentado na estética da recepção, esse OAC buscará a manifestação
do mito nos contos machadianos, verificando na linguagem a relação com a
consciência mítica, evidenciando as questões que refletem o ser humano e sua
existência. A intenção é seguir as pistas que os contos fornecem através de uma
atitude de interação entre texto e leitor, ambos cercados pelos horizontes
históricos, comprovando a perenidade da obra machadiana, que continua e
continuará, provavelmente por muitas épocas, contribuindo para o alargamento
dos horizontes de expectativas de seus leitores.
PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
OO ccoonntteexxttoo hhiissttóórriiccoo nnooss ccoonnttooss mmaacchhaaddiiaannooss
Nesse tópico, pretende-se investigar o contexto histórico-político-cultural do
século XIX, pano de fundo para a obra de Machado de Assis. A ficção
machadiana demonstra a mentalidade peculiar que dominava o Brasil, naqueles
fins de século XIX: a tentativa de conciliar os valores da modernidade com o meio
ainda marcado pelas relações de poder patriarcais. Machado resiste ao discurso
capitalista, mas também não manifesta desejo pela volta dos tempos passados.
Volta seu olhar crítico para os poderosos procedimentos de exclusão, típicos
daquela sociedade, formada de uma restrita elite burguesa, retratando as
vivências, características e conflitos peculiares. Os textos machadianos dialogam
com a singularidade do local da cultura brasileira, respeitando as diferenças, e
criticando os discursos autoritários.
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Para a verificação desses pontos relativos à mentalidade do século XIX, a
análise dos contos “A cartomante”, “A chinela turca” e “Uns braços” poderá ser de
grande valia. Os conceitos machistas quanto à postura das pessoas na sociedade
patriarcal, sempre afirmando na submissão feminina e o castigo para o não
cumprimento de todas as regras sociais pré-estabelecidas; o prazer pela vida na
corte, festas, aparência e conquistas volúveis são tópicos que afloram na leitura
da obra de Machado de Assis, e sobretudo dos contos ora citados, constituindo
um exercício de aprendizagem da criatividade e sagacidade que o autor tão bem
soube utilizar. Através de recursos estilísticos e da fina ironia que lhe é peculiar,
Machado desvela em seus contos as misérias do homem de seu tempo, e, mais
do que isso, universaliza uma linguagem que está muito acima da realidade.
Através dos quadros que expõe, mostra um mundo degradado cujos heróis são
fragmentados, embora se possa reconhecer neles, em vários momentos,
rememorações dos antigos heróis que constituíam o mundo da totalidade.
CONTEXTUALIZAÇÃO Aqui apresentaremos a proposta de observar como a figura feminina
emerge no contexto do estudo do mito. Como o mito se manifesta na figura da
mulher? Qual seria o roteiro de atualização do mito feminino? A partir da obra
machadiana entramos em contato com várias personagens femininas de destaque
para a elaboração das tramas. Uma delas é a Rita, personagem que compõe o
triângulo amoroso do conto “A cartomante”. Olhando para essa personagem mais
atentamente, consegue-se verificar que ela apresenta muitos pontos em comum
com a célebre Helena de Tróia, personagem da Ilíada que tornou-se um mito até
hoje recorrente na composição de vários outros personagens femininos da
literatura. Essa personagem é sinônimo de perfeição especialmente por causa da
sua inigualável beleza física. Na Rita, do conto “A cartomante” temos, sem
sombra de dúvida, um exemplo concreto da manifestação do mito de Helena,
numa versão moderna, mas com o fascínio de uma bela mulher.
Rita e Helena são duas mulheres sedutoras, cada qual a seu modo, e que
são apreciadas pela sua beleza. Quanto à Helena, deusa entre as mulheres,
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considerada a mulher mais linda do mundo, detentora do coração de Páris, sua
beleza encanta a todos. Mas a sedução vai além da beleza, e tanto o Camilo do
conto de Machado quanto Páris da épica homérica apaixonam-se completamente,
arrebatadoramente, cada qual por sua encantadora mulher.
Deve-se levar em conta também que Helena seria, segundo os desígnios
divinos, a eleita como recompensa de Páris. Apesar de levar uma vida feliz com
Menelau, sob a influência e feitiço de Afrodite, Helena ter-se-ia apaixonado pelo
príncipe troiano, que a persuadiu a fugir com ele, levando-a para Tróia. Helena é
uma peça, como outras personagens épicas, no jogo desenhado pelos deuses, e
move-se segundo os desígnios destes. Ela é um instrumento de um Destino
transcendente à sua vontade mas que também a diviniza. Quanto à Rita, ela tem o
livre arbítrio, toma suas decisões independentemente da vontade de entidades
supremas, como os deuses mitológicos, o que confere a ela uma relativa e
aparente independência.
A beleza de Rita, de certa forma como a beleza de Helena, torna-se
responsável pela paixão que cega Camilo; vê-se aí o retorno à raiz lendária e
épica, revisitando o mito universal da beleza feminina como motivadora do
rompimento dos valores e instituições pré-estabelecidos. Helena é julgada
“culpada” por ser tão bonita, pois por essa razão, Páris não pensa racionalmente,
põe sua vida e seu país em perigo em nome da paixão que ela desperta em seu
coração. Rita é julgada “culpada” por ser tão bela e agradável, obrigando Camilo a
trair a confiança do próprio amigo para viver essa paixão.
Quando um conto moderno revisita temas, situações ou personagens da
antiguidade, transpondo a tradição para uma situação moderna, isso não significa
a modernização do passado, mas a busca de uma imagem autêntica dele. É
justamente aí que reside a legitimidade do encontro entre a bela Helena e a
sedutora Rita.
RECURSOS DE INFORMAÇÃO SUGESTÕES DE LEITURA
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MMuurrmmúúrriiooss nnoo eessppeellhhoo
Flávio Aguiar
“Murmúrios no espelho” é uma obra que apresenta os contos de Machado
de Assis, diferenciando-os do romance. Mostra que o romance representa toda a
sociedade, enquanto que o conto representa uma pequena parte desse todo, uma
parte especialmente peculiar, de onde se pode extrair grande significado. Nessa
obra, Flávio Aguiar procura mostrar a volubilidade dos valores éticos e morais,
sagazmente criticada por Machado de Assis.
Essa é uma obra que poderá ser amplamente utilizada pelo professor de
literatura do ensino médio quando trabalhar com as escolas Romântica e Realista
e com as obras de Machado de Assis. É um apoio teórico para a introdução dos
contos machadianos nas aulas de literatura, que dará ao professor um referencial
mais consistente quanto à obra machadiana.
Referência: AGUIAR, Flávio. Murmúrios no espelho: breve discussão do conto machadiano. In: Contos. 11. ed. São Paulo: Ática, 1985.
LLiinngguuaaggeemm ee mmiittoo
Ernst Cassirer
“Linguagem e Mito” de Ernst Cassirer é uma análise da moderna pesquisa
sobre as conexões entre linguagem e mito. Sua atualidade insuperada decorre
não só do rico material etnológico, do rigor científico do processo de indagação,
como do modo de ser das formas simbólicas, no plano do mito e da linguagem. Do
ponto de vista do autor, um dos maiores representantes do pensamento kantiano,
a arte, a linguagem e a ciência se tornam símbolos, não de um real existente, mas
cada uma delas gera e parteja o seu próprio mundo significativo.
A literatura moderna não tem se privado do fascínio pelo elementar e
arcaico, numa tentativa de readquirir uma unidade sintética. Para tanto, a
revalorização, a recorrência ao mito é ponto fundamental, pois através do mito a
arte literária encontra sua síntese.
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Os mitos, como as lendas, não podem ser compreendidos fora de seu
contexto geral; o contexto tem caráter decisivo para a compreensão do mito,
através de sua referência sociológica e também do próprio ato de narrar. O mito é
uma força cultural totalmente ativa nas sociedades e na literatura.
A obra de Machado de Assis é rica na recorrência a mitos e esse é um
ponto instigante para iniciar um trabalho em sala de aula com os contos e
romances machadianos. A recuperação da trajetória de personagens e histórias
mitológicas na elaboração da ficção de Machado, pode ser um artifício bastante
eficiente para despertar nos alunos o interesse pela obra de nosso mais célebre
escritor. O livro “Linguagem e mito”, de Cassirer, auxiliará o professor de literatura
a entender melhor como o mito e a linguagem estão fraternalmente ligados e
como isso se revela e se atualiza na escritura dos clássicos da nossa literatura.
Referência:
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo: Perspectiva,1972.
AA eessccoollaarriizzaaççããoo ddaa lleeiittuurraa lliitteerráárriiaa –– oo jjooggoo ddoo lliivvrroo iinnffaannttiill ee jjuuvveenniill
Organização: Aracy Alves Martins Evangelista
Heliana Maria Brina Brandão
Maria Zélia Versiani Machado
Nesta obra encontram-se aspectos que interessam à formação dos
professores no que diz respeito à interação com os processos de produção,
circulação e recepção da obra literária. Trata-se de um material que tem objetivo
de subsidiar a prática dos professores de Português, que lidam com a leitura
literária para crianças e jovens; enfatiza que o indivíduo que se descobre “cidadão”
é conduzido ao exercício ativo da leitura.
Um dos objetivos básicos da escola é a formação de um leitor crítico da
cultura, seja ela verbal e/ou não verbal. O que se tem visto é que o professor,
muitas vezes, atrapalha essa interação, ditando as regras que considera as mais
convenientes, utilizando as estratégias mais maçantes, com estudos intermináveis
de características de escolas literárias e de biografias de autores que não tem tido
outro objetivo além da informação em si mesma. A obra “A escolarização da
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leitura literária – o jogo do livro infantil e juvenil” reflete sobre essas práticas
fossilizadas e sugere aos professores repensar maneiras que exijam uma
participação ativa e interessante dos alunos, durante as aulas de literatura. É um
texto de importância capital para um desempenho consciente dos professores de
literatura.
Referência:
EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana Maria Brina;
MACHADO, Maria Zélia Versiani (Org.). A escolarização da leitura literária – o jogo
do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
NOTÍCIAS
Série brasileira – Capitu
Em homenagem ao centenário de morte de Machado de Assis, o maior
expoente literário brasileiro, a Rede Globo apresenta de 9 a 13 de dezembro a
série Capitu, uma releitura da obra Dom Casmurro, a qual eternizou a dúvida
sobre uma suposta traição da esposa de Bento Santiago.
Essa superprodução contará com a presença de atrizes já consagradas na
TV, como Maria Fernanda Cândido e Eliane Giardini, mas também contará com
caras novas na televisão brasileira: Michel Melamed, atuando como Bento
Santiago, Pierre Baitelli como Escobar e Letícia Persiles, como Capitu, entre
outros.
Será uma oportunidade de reler uma das obras machadianas mais
importantes, dessa vez sob o viés da produção televisiva, analisando as
semelhanças e diferenças com a obra original e, sobretudo, verificando como a
linguagem da dramaturgia adaptou o texto publicado em 1899 e se houve uma
preocupação em manter a magia da dúvida, da reflexão que a imortalizaram.
Dom Casmurro é uma obra trabalhada nas escolas de ensino médio, pela
maioria dos professores de literatura. É um texto que oportuniza um estudo
intenso sobre os recursos lingüísticos empregados na escrita, em especial
demonstrando a fina ironia machadiana; além disso pode ser visto como um
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panorama legítimo da realidade social do século XIX. Machado de Assis
desempenhou conscienciosamente sua tarefa, sua função de escrever, acreditou
na literatura brasileira, foi genial e exemplar em sua atuação literária.
Notícia na íntegra disponível em:
http://comercial.redeglobo.com.br/prog_mini/capitu_intro.php
Acessado em 05/12/2008
DESTAQUES
TTrriiâânngguulloo aammoorroossoo
O conto moderno, mais especificamente, a narrativa de Machado de Assis,
pode ser, em muitos momentos, prova viva da presença do clássico, através de
mitos, temáticas, caracterização de personagens e outras especificidades que
recuperam a tradição épica. O triângulo amoroso é um mito amplamente utilizado
na literatura e também nas comunicações midiáticas. O tema do “triângulo
amoroso” não é novo; muito ao contrário, já é um “mito” internalizado e constante
em várias outras obras. Podemos encontrar o tema do triângulo amoroso em
outras obras do próprio Machado, por exemplo em Sofia, Cristiano Palha e
Rubião, do romance Quincas Borba; Bento Santiago, Capitu e Escobar, do
romance Dom Casmurro e Virgília, Lobo Neves e Brás Cubas do romance
Memórias Póstumas de Brás Cubas. Mas esse tema vem de muito mais longe. Na
mitologia grega, o triângulo amoroso já era representado através das figuras de
Zeus, Hera e Sêmele. Conta a mitologia que Zeus se apaixonou pela bela Sêmele
e prometeu atender a qualquer desejo seu. Ela engravidou e foi instigada pela
esposa do amante, Hera, a dizer a ele que desejava vê-lo em seu aspecto normal.
Zeus atendeu ao seu pedido e, ao mostrar-se em todo o seu esplendor divino,
Sêmele morreu carbonizada pelos raios que dele emanavam. O pai dos deuses
conseguiu, entretanto, salvar o filho e guardá-lo em sua própria coxa, onde ele
completou seu desenvolvimento.
Um triângulo amoroso não implica necessariamente relacionamento sexual,
podendo ser de caráter amigável. Se contarmos com relacionamentos
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homossexuais ou bissexuais, as combinações possíveis são várias. Na maior
parte das vezes, ao envolver sentimentos de traição, ciúme ou amor não
correspondido, ou num contexto monogâmico, o triângulo amoroso é considerado
de forma negativa por uma das partes. Não se deve confundir, contudo, este
conceito com ménage à trois, que se refere a uma relação sexual envolvendo três
pessoas. O triângulo amoroso é um dos temas mais explorados pelo universo
ficcional em óperas, romances, canções e persiste desde os modelos épicos até
os dias de hoje.
SSoobbrree MMaacchhaaddoo ddee AAssssiiss
Falar sobre Machado de Assis é fazer considerações sobre um homem que
teve uma vida simples, toda ela dedicada ao ofício de escrever. Ele tornou-se um
exemplo para os jovens de hoje, por seu intenso amor ao trabalho, o que mais
marca a sua existência.
Machado de Assis viveu por e para sua obra literária, foi profissional
honesto, preocupando-se em ser exemplar. Seus pais eram paupérrimos. O pai,
Francisco José de Assis, era pintor e dourador de profissão. A mãe, Maria
Leopoldina Machado de Assis, era portuguesa, e, segundo alguns biógrafos,
possivelmente branca, de olhos azuis, como a maioria das mulheres da ilha de
São Miguel. Ela ajudava na cozinha, lavava e engomava na casa da comadre,
madrinha de Machado, Dona Maria José de Mendonça Barroso, viúva do
Brigadeiro Barroso, casal rico dos quais os pais de Machado eram agregados.
Após a morte de sua esposa, quando Machado ainda era bem pequeno,
Francisco casa-se novamente, com uma mulata de nome Maria Inês, que trata o
menino com a bondade de uma verdadeira mãe. Machado teve uma infância feliz,
ajudou sua madrasta em pequenos trabalhos, sobretudo após a morte do pai,
nunca foi um peso para ela. Aliás, as mulheres foram de capital importância para a
vida de Machado, cada uma delas de seu modo especial, todas tiveram uma
parcela de contribuição para sua formação como pessoa e como escritor. Talvez
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por isso, elas estejam tão presentes e tão atuantes como personagens em suas
obras, formando uma rica galeria de tipos femininos.
Sem nunca ter freqüentado uma universidade ou ter ido à Europa, Machado
tornou-se o maior literato de seu tempo e hoje é festejado e homenageado por sua
contribuição ímpar à literatura brasileira e mundial. Ele compôs uma obra que foi
muito além da inspiração: precisou de muita labuta, de muita “transpiração”, indo
na contramão da cultura do espontâneo e do improviso que hoje dominam grande
parte da literatura brasileira.
Trata-se de um autor que não se encaixa na pauta nacionalista, apesar de
dar atenção à tradição local, uma vez que sua produção dialoga com grandes
nomes da literatura universal, como Dostoievski, Freud e Jorge Luis Borges
tornando-se ele também autor de uma literatura universalizante, totalmente
desprovincializada.
Foi um escritor precoce, uma vez que aos quinze anos já publicava
poeminhas na imprensa, mas ao mesmo tempo foi tardio, pois somente após os
quarenta anos de idade, sua obra realmente ganhou relevância. Machado era um
jovem pobre e de grandes ambições intelectuais, tendo consciência de seu valor e
por isso se esforçando para se afirmar como escritor valorizado pelo cânone de
sua época.
Encontra-se na ficção machadiana uma profunda dimensão histórica que
deixa claro que o autor não pretende se alienar ou se omitir dos problemas de seu
tempo, fazendo uma obra coerente com suas posições políticas, sempre
atentando para a responsabilidade individual em seu intrínseco esquema moral.
Seus personagens não se isentam das escolhas, nem da culpa pelo que fazem.
Machado de Assis compõe o clássico da literatura brasileira por excelência,
um clássico sempre mesclado pela atualidade. Mas um dos críticos literários mais
austeros do panorama brasileiro, Eduardo Frieiro sobrepõe o homem ao escritor:
A obra-prima de Machado de Assis não foi Dom Casmurro, nem Brás Cubas, nem Quincas Borba. A grande obra do mestiço Joaquim Maria, filho do povo, proletário cem por cento, mas de gostos aristocráticos (no melhor sentido), a sua proeza hercúlea foi transformar-se no cidadão bem qualificado, no funcionário modelar, no marido de Carolina, no escritor de nome, no presidente da Academia, na maior figura literária de seu tempo.
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Grandíssima façanha moral e intelectual. O homem Machado de Assis vale mais, é muito mais interessante como obra de arte, do que os livros admiráveis que deixou. (BARBOSA, 1957, p. 56)
PARANÁ
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Em 2008 homenageia-se Machado de Assis, o mulato de origem humilde
que é o mais universal dos escritores brasileiros, lembrando o centenário de sua
morte. Várias atividades artísticas e culturais têm ocorrido por todo o Brasil
durante este ano, pois, o governo brasileiro decretou o Ano Nacional de Machado
de Assis.
Em 2007, já aconteceram alguns eventos que compuseram a intensa
programação de homenagens ao nosso maior expoente literário. No mês de maio,
o Grupo Delírio Cia. de Teatro, paranaense, apresentou o espetáculo “Capitu -
Memória Editada”, no Sesc Arsenal, uma adaptação feita por Edson Bueno a partir
da obra Dom Casmurro. Na peça de 90 minutos, Bentinho, já na velhice, relata a
história de amor que viveu com Capitu. O espetáculo é bastante interativo, através
de um diálogo instigante com a própria obra literária, com os personagens e com o
público.
Assim como no romance, o espetáculo mistura verdades e mentiras,
protegendo a inesgotabilidade das interpretações mais diversas, numa clara
amostragem de que a obra machadiana está no potencial de inspirar batalhas
entre os intérpretes. Ainda é importante ressaltar que o foco do diretor centrou-se
na ótica da personagem feminina, Capitu, trazendo uma nova releitura para esse
clássico já consagrado. No elenco: Janja, Regina Bastos, Luiz Carlos Pazello,
Elder Gattely e Marcelo Rodrigues.
A leitura da obra de Machado de Assis constitui-se num exercício de
aprendizagem da criatividade e sagacidade que o autor tão bem soube utilizar.
Através de recursos estilísticos e da fina ironia que lhe é peculiar, Machado
desvela em seus contos e romances as misérias do homem de seu tempo, e, mais
do que isso, universaliza uma linguagem que está muito acima da realidade.
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Através dos quadros que expõe, mostra um mundo degradado cujos heróis são
fragmentados, embora se possa reconhecer neles, em vários momentos,
rememorações dos antigos heróis que constituíam o mundo da totalidade.
Na adaptação feita por Edson Bueno, os atores convidam a platéia a
discutir pontos essenciais do texto escrito em simultaneidade com a apresentação
das cenas, motivando os que não conhecem ainda a obra original a lerem e os
que já leram, discutirem sobre a validade dessa adaptação para o teatro.
“Capitu – Memória Editada” conquistou os prêmios de melhor peça adulta,
melhor direção e melhor texto/roteiro, no 15º Festival de Teatro de Curitiba (FTC),
que aconteceu recentemente. Os atores e espetáculos paranaenses foram
reconhecidos com o Troféu Gralha Azul, uma promoção do Centro Cultural Teatro
Guaíra (CCTG).
Também as faculdades e universidades paranaenses promoveram durante
o ano de 2008 debates, comunicações e palestras acerca da obra machadiana,
como homenagem ao centenário de morte de Machado de Assis, mas
principalmente, como forma de enaltecer a grandeza e originalidade de sua obra.
A maioria das Semanas de Letras e eventos sobre literatura propuseram a análise
de textos machadianos e sua contribuição para a formação da literatura brasileira.
Assim ocorreu durante o CONALI (Congresso Nacional de Linguagens em
Interação), evento promovido pela Universidade Estadual de Maringá e durante o
Seminário de Estudos Lingüísticos e Literários, estruturado pela Faculdade de
Filosofia e Letras de Jandaia do Sul, entre tantos outros eventos.