Um Nome a Zelar - Surra Da Alemanha Na Copa2014

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Um nome a zelar CARLOS EDUARDO MANSUR09.07.2014 02h10m Há um pecado maior do que perder por 7 a 1. É tratar o desastre como apenas mais uma derrota, examiná-lo com o argumento banal da pane do primeiro tempo, da bola que poderia ter entrado no início do jogo, da ausência de Neymar. A superficialidade pode parecer conveniente e confortante, mas é o caminho para perpetuar os erros. Lembraremos por muitos anos deste dia. Mas poderemos lembrar de uma maneira menos dolorosa se, daqui a uma década, talvez, possamos enxergá-lo como marco da reforma no futebol brasileiro. Não da simples mudança de nomes, seja no comando da CBF ou da comissão técnica da seleção. Mas sim, do entendimento de que a escola brasileira de jogar futebol precisa ser reformada. Perdemos a identidade, o estilo. Em parte, porque o êxodo precoce fez a formação do jogador brasileiro se completar no exterior. Mas em grande parte, também, pelas limitações de nossos formadores, nossos professores. Falta-nos sofisticação para entender o jogo que se pratica hoje. Questão de culutra, estudo, intelecto. Paramos no tempo escorados na crença de que a individualidade do jogador brasileiro resolve tudo. De que somos melhores. De que, uma hora ou outra, vamos ganhar. O jogador brasileiro é capaz de muita coisa. Não à toa ainda é mercadoria valorizada no mercado da bola. Mas não tem sido mais capaz de, sozinho, superar o atraso que não é só tático: é de filosofia de jogo, é dos conceitos que permeiam a formação desde a base. Após 2002, quando perdeu a final justamente para o Brasil e percebeu que praticava um jogo feio e ultrpassado a quatro anos de sediar uma Copa, a Alemanha espalhou escolas de futebol, valorizou a qualidade técnica, difundiu uma filosofia arejada: mais jeito e menos força. Reformou sua escola de jogar futebol e o resultado é cristalino quando se vê jogar a seleção que massacrou os brasileiros no Mineirão. Qualidade individual, controle do jogo e uma compreensão precisa do que se passa no campo.

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Surra na Copa de 2014 Alemanha 7x1 brasil

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Um nome a zelarCARLOS EDUARDO MANSUR09.07.2014 02h10m

Há um pecado maior do que perder por 7 a 1. É tratar o desastre como apenas mais uma derrota, examiná-lo com o argumento banal da pane do primeiro tempo, da bola que poderia ter entrado no início do jogo, da ausência de Neymar. A superficialidade pode parecer conveniente e confortante, mas é o caminho para perpetuar os erros.

Lembraremos por muitos anos deste dia. Mas poderemos lembrar de uma maneira menos dolorosa se, daqui a uma década, talvez, possamos enxergá-lo como marco da reforma no futebol brasileiro. Não da simples mudança de nomes, seja no comando da CBF ou da comissão técnica da seleção. Mas sim, do entendimento de que a escola brasileira de jogar futebol precisa ser reformada. Perdemos a identidade, o estilo. Em parte, porque o êxodo precoce fez a formação do jogador brasileiro se completar no exterior. Mas em grande parte, também, pelas limitações de nossos formadores, nossos professores. Falta-nos sofisticação para entender o jogo que se pratica hoje. Questão de culutra, estudo, intelecto. Paramos no tempo escorados na crença de que a individualidade do jogador brasileiro resolve tudo. De que somos melhores. De que, uma hora ou outra, vamos ganhar.

O jogador brasileiro é capaz de muita coisa. Não à toa ainda é mercadoria valorizada no mercado da bola. Mas não tem sido mais capaz de, sozinho, superar o atraso que não é só tático: é de filosofia de jogo, é dos conceitos que permeiam a formação desde a base. Após 2002, quando perdeu a final justamente para o Brasil e percebeu que praticava um jogo feio e ultrpassado a quatro anos de sediar uma Copa, a Alemanha espalhou escolas de futebol, valorizou a qualidade técnica, difundiu uma filosofia arejada: mais jeito e menos força. Reformou sua escola de jogar futebol e o resultado é cristalino quando se vê jogar a seleção que massacrou os brasileiros no Mineirão. Qualidade individual, controle do jogo e uma compreensão precisa do que se passa no campo.

Por aqui, joga-se bola nas divisões de base, joga-se bola nos times profissionais. Mas conta-se nos dedos onde há gente capaz de criar uma escola de jogar futebol nos clubes, uma filosofia de jogo, uma identidade. A falsa valentia, a malandragem e o individualismo, estes são valores sempre presentes. Talvez não seja surpresa num país onde a educação ainda é uma tragédia.

A diferença entre o futebol brasileiro e o alemão não é do tamanho de um 7 a 1, convenhamos. Esta é daquelas catástrofes que dependem da convergência de uma série de erros. Mas tais erros existem. Um dia, a casa cai. E que tal recuar no tempo e notar o quanto estes desastres têm se tornado mais frequentes?

Foi mais cômodo desdenhar quando, há três anos, Mano Menezes deu o alerta. O Brasil perdera por apenas 3 a 2 para a Alemanha, vejam só. Visto hoje, nem parece derrota. Ao fim do jogo, disse que por estas bandas se jogava um futebol diferente do resto do mundo. Outros termos para falar de

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atraso tático. Preferiram dizer que o atrasado era apenas Mano. O caso é que ele não está sozinho.

Rios de dinheiro circulam no futebol brasileiro. Dezenas de vezes mais do que nos vizinhos da América Latina. Mas o Brasil fez uma Copa América pífia em 2011 e, na última Libertadores, viu seus principais clubes levaram nós táticos de equatorianos, mexicanos, uruguaios, chilenos, bolivianos e de quem mais aparecesse pela frente. Times organizados, com um mínimo de cultura tática e compreensão do jogo, mas com elencos infinitamente mais pobres financeira e tecnicamente, batiam os brasileiros. Mas do alto de nossa arrogância, tratamos como coincidência.

De 2011 para cá, o Barcelona fez 4 a 0 e 8 a 0 no Santos. Achamos que eram fatos isolados, problema do Santos. Os rivais até riram. Guradiola, então técnico dos catalães, argumentou que o toque de bola do seu time era algo que crescera vendo o futebol brasileiro fazer.

A seleção ficou três anos sem bater rivais de ponta e não levamos a sério o alerta. Preferimos considerar verdade absoluta os 3 a 0 sobre a Espanha na final da Copa das Confederações. Sequer fizemos a ressalva de que ninguém se esforçou tanto quanto o Brasil por aquele título.

E veio a Alemanha. Organizada, com um entendimento preciso do jogo, controle do campo e, acima de tudo, uma geração que une qualidade técnica e inteligência. Um jogo concentrado num meio-campo onde todos jogam. Pois Felipão julgou ter a fórmula.

Talvez tenha visto Alemanha x Argélia ou mesmo Alemanha x Gana. Nas duas ocasiões, lançamentos longos para velocistas haviam causado danos à defesa. E tirou Bernard da cartola. Sem treinar. Fez pior: deixou seu meio-campo deserto. Justamente o setor de onde a Alemanha dita o jogo. Algo que o mundo inteiro sabe.

Apostou no tosco, no simplório. No terceiro lançamento longo para Hulk ou Bernard, a Alemanha já decifrara o jogo brasileiro. Só que a seleção não tinha mais nada a oferecer. Porque taticamente, foi sempre pobre. Enquanto isso, o time brasileiro entrava na roda. Uma ciranda sem fim. Passes de um lado a outro, circulando por todo o campo até chegar diante de Júlio César. Onde havia espaço, havia um alemão a preencher.

Onde isso vai parar? Era o que perguntavam, atônitos, todos no Mineirão. Parou quando a Alemanha achou por bem amenizar o constrangimento nacional.

Somos arrogantes. A seleção levou um gol, dois, três, quatro, mas a comissão técnica não deu o braço a torcer. Preferiu não passar o recibo do erro a proteger a história do futebol brasileiro de um massacre antológico. O time continuou aberto, oferecido.

Encerra-se uma Copa em que todos os recursos usados por esta comissão técnica remetem ao passado, a uma fase vencida do futebol. Jornalistas foram convocados para um patético pedido de ajuda para divulgar um inverossímil

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complô contra o Brasil; apelos patrióticos moldaram um time desequilibrado emocionalmente, como se jogássemos no Mundial o futuro do país; na véspera da semifinal da Copa do Mundo, um treino com um time que não jogaria foi propositalmente realizado para enganar a opinião pública, enquanto o time que jogou, não treinou; a estratégia de bolas longas e aposta no talento individual deu o tom numa era em que o futebol valoriza a técnica.

E a conta de tantos erros foi apresentada. Talvez de uma forma dura demais. Porque no mesmo dia, o Brasil que já era pior do que a Alemanha, que já era menos organizado do que a Alemanha, ainda perdeu seu craque e viu o rival fazer seu melhor jogo. Tudo isso junto. Talvez nunca aconteça de novo. Mas fingir que não aconteceu, ou que foi um acaso, será o caminho mais fácil para um