Um Novo Ensaio Estrategico Argentino-brasileiro

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    Um novo ensaio estratgico Argentino-Brasileiro : possibilidades e limites Titulo

    Sombra Saraiva, Jos Flvio - Autor/a; Autor(es)

    Lugar

    FLACSO, Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, Sede Brasil Editorial/Editor

    2004 Fecha

    Coleccin

    Relaciones bilaterales; Relaciones internacionales; Argentina; Brasil; Temas

    Doc. de trabajo / Informes Tipo de documento

    http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/Brasil/flacso-br/20121129111714/flavio.pdf URL

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    UM NOVO ENSAIO ESTRATGICO ARGENTINO-BRASILEIRO:Possibilidades e Limites

    Jos Flvio Sombra Saraiva

    O presente estudo foi apoiado pela FLACSO-Brasil,nos marcos da Ctedra Vilmar Faria, o que permitiuuma visita de estudo a Argentina, em fins de 2003.

    guisa de introduo: as relaes internacionais entre a sociedade nacionale o estado

    A dimenso societria das relaes internacionais chegou tarde aosestudos atinentes s interaes entre estados, culturas e naes. As primeiras

    geraes de tericos e historiadores preferiram abordar o poder, a ordem e adesordem bem como o binmio guerra-paz como os temas nobres da nascentedisciplina. Tais conceitos permitiam conferir especificidade nova rea, queensaiava no ser encapsulada, de forma monoplica, pelos cnonestradicionais da cincia poltica, da diplomacia prtica, da histria ulica e dotratadismo jurdico.

    Em torno desses grandes temas floresceram, ao longo das dcadasposteriores Grande Guerra (1914-1918), as grandes teorias e os primeirosdebates. A obra seminal de Edward Carr sobre o entreguerra viria coroar, no

    final dos anos 1930, o primado das causalidades materiais nas relaesinternacionais.

    Disciplina infanta, as relaes internacionais como disciplinaacadmica - caminham para a sua adolescncia efervescente. A aproximaodo seu centenrio, nas dcadas que se aproximam, faz-se momento propcio

    para pensar e revisitar o peso das sociedades nacionais na vida internacional.H ainda uma forte lacuna de conhecimento e mtodo nessa rea. Foi precisoque a chamada escola inglesa das relaes internacionais inaugurasse, com a

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    proposio do conceito de sociedade internacional, a via das interaesbiunvocas entre as formas sociais internas e externas dos estados e o lastro

    cultural que viria promover um sentido mais social e cultural vidainternacional. Mas essas discusses, consolidadas nas tradies tericasadvindas dos debates realizados por autores como Martin Wight, Hedly Bull,Herbert Butterfield e Adam Watson, ainda esto abertas e merecem reviso.

    A teoria clssica do realismo poltico nas relaes desenvolveu a tesesegundo a qual o peso diferenciado dos Estados nas relaes internacionaisseria definido quase apenas pelos dados materiais. A fora do produto interno,a capacidade militar instalada, as plataformas tecnolgicas, entre outrosfatores, se imporiam na identificao dos Estados dotados de excedentes de

    poder internacional.

    Por uma nova dimenso societria das relaes Argentina-Brasil

    Cabe notar, no entanto, que a mera acumulao dos balanoseconmicos e estratgicos clssicos no so suficientes para o escrutnio do

    peso relativo de certos Estados nas relaes internacionais. A histria mais

    recente do sul do continente americano oferece um fabuloso exemplo doquanto as relaes internacionais no podem ser mensuradas apenas pelamaterialidade das armas estocadas ou pelo produto industrial posto em marchano processo econmico dos Estados.

    No se deve negar que o Brasil e a Argentina, apesar do esforo deretomada gradual da normalidade econmica nos anos de 2003 e 2004, noapresentam um perfil muito elevado nas leituras do realismo clssico dasrelaes internacionais. Basta olhar para os ltimos anos para se perceber queo panorama que se divisa no to animador. Persiste uma dinmica de

    crescimento baixo e descontnuo, instabilidade cambial, juros elevados esistemtica perda do poder aquisitivo do mercado interno. O altoendividamento pblico aprisiona ambos os pases lgica financista,deixando-os refns de movimentos especulativos e turbulncias no cenrioexterno.

    Da mesma forma, os setores empresariais nacionais de ambos os pasesvm enfrentando problemas graves como a ausncia - particularmente noscaso argentino, mas tambm no caso do Brasil de um projeto autnomo de

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    insero internacional. As vises de curto prazo desses setores, associado aofato de a base nacional do capitalismo da produo em ambos os pases est

    cada vez mais reduzida, parece valer ver que esses pases no tm condiesde encetar um projeto altivo de insero global.

    Por outro lado, deve-se reconhecer que h, no plano da polticainternacional do Brasil e da Argentina, uma mudana de qualidade comimplicaes extraordinrias nas transformaes internacionais que se

    processaram no Cone Sul das Amricas a partir de 2003. Pareceria at, aoobservador desavisado, que h uma contradio fundamental entre a economiae a poltica internacional dos dois pases. Na economia, permanece avulnerabilidade. No plano poltico, os dois pases caminham para uma

    concertao estratgica jamais ocorrida na histria da Amrica Latina.ndices de todas ordem indicam essa mudana de rumo. Exemplos de

    toda ordem demovem a idia de que as polticas exteriores do Estados soapenas a resultante matemtica do realismo vulgar que soma produto interno earmas estocadas.

    Argentina-Brasil: novo marco no relacionamento bilateral

    O que est em curso na regio austral da Amrica Latina? Um novopadro nas relaes internacionais com profundas implicaes tericas eprticas para a histria da regio. Em primeiro lugar, as inclinaes sul-americanas das polticas exteriores do Brasil e da Argentina fizeram-se

    presentes, de forma crescente, nos discursos polticos dos novos lderes sub-regionais Lula e Kirchner bem como na gesto prtica das diplomacias.

    Em segundo lugar, o Mercosul empreendeu retomada conseqente ante

    os novos interesses engendrados, social e politicamente, nas bases das duassociedades. A Argentina e o Brasil acabavam de renovar, pela viademocrtica, seus governos nacionais. No Brasil, a oposio alcanava, depoisde muito se preparar, o poder nacional. Na Argentina, o menenismo sofriagolpe duro com a chegada de Nstor Kirchner Casa Rosada.

    Em terceiro lugar, e mais importante, est o relance mais espetaculardos ventos frescos que sopraram nas relaes internacionais do Cone Sul e quemodificaria a geografia das Amricas foi a frente comum, engendrada pelo

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    Itamaraty e pelo Palcio de San Martn, contra a integrao assimtrica docontinente. A vitria argentino-brasileira nas negociaes resultantes da

    Reunio de Miami, em meados de novembro de 2003, bem como na Reuniode Buenos Aires de maro de 2004, confirmou a tese que a Alca flexvelconferia mais liberdade aos 34 pases membros em assumir diferentes nveisde compromissos. Era um sinal de derrota para a diplomacia norte-americanae para aqueles pases latino-americanos, como o Mxico e o Chile, que haviamenveredado em programas de integrao mais rgidos com os Estados Unidos.

    Os observadores da experincia histrica das relaes internacionais daAmrica Latina no nutrem muita surpresa acerca dos novos posicionamentosargentino-brasileiros em relao ao mundo que os rodeia e aos problemas

    globais. Afinal, no sequer original o arregimentar de foras sub-regionaispara o enfrentar o gigante do Norte.

    Estudos clssicos como os de Juan Carlos Puig e Jos Paradiso, naArgentina, bem como de Hlio Jaguaribe, Moniz Bandeira e Amado Cervo, noBrasil, j haviam demonstrado, para perodos histricos anteriores, omecanismo de formao de consensos no Cone Sul ante ameaas externas insero autnoma dos dois grandes Estados da Amrica meridional. Maisrecentemente, a dissertao de mestrado de Carlos Eduardo Vidigal e as tesesdoutorais de Antonio Jos Barbosa, Luiz Fernando Ligiero e Tnia Pechir

    Gomes Manzur so elucidativas acerca da construo de tais consensos sub-regionais, mesmo em tempos nos quais no havia exatamente um processo deintegrao em curso como o Mercosul.

    Mas h algo novo no ar. Basta ver os termos do Consenso de BuenosAires (2003) em relao aos esforos retricos e prticos vivenciados pelaslideranas polticas em momentos anteriores de aproximao argentino-

    brasileira. H uma indita vontade poltica dos dois presidentes no sentido dotrabalho junto, articulado, de forma cooperativa, orientando aes e tticas namesma direo.

    H, antes de tudo, uma operao diplomtica e negocial posta emmarcha nas diferentes frentes de negociao, do Conselho de Segurana das

    Naes Unidas, passando pelas tticas dos corredores da Reunio da OMC emCancun (2003) aos votos concertados de absteno na resoluo que puniuCuba na Comisso de Direitos Humanos da ONU (2004). Da mesma forma, aexpressa originalidade da Ata de Copacabana (2004), assinada pelos dois

    presidentes, evidencia esforo indito de construo de uma concertao

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    estratgica entre os dois pases, apesar dos constrangimentos internos de cadapas e da vulnerabilidade econmica a que ambos esto submetidos.

    Mais recentemente, nos marcos das negociaes multilaterais naOMC no que se refere eliminao dos subsdios agrcolas tanto quanto nasnegociaes do MERCOSUL com a Unio Europia, Argentina e Brasilestiveram atuando de forma conjunto de maneira inconteste. A carga denegociaes comerciais externas de ambos os pases vem se ampliando nosltimos dois anos, apesar das assimetrias entre as duas economias. No perodomais recente dos ltimos meses, novos e crescentes scios na mesma latitude,com a frica do Sul e a China, vm ganhando densidade na pauta poltica ecomercial de ambos os pases.

    A convergncia estratgica entre os dois parceiros ocorre pormeio da articulao de uma viso mais objetiva das relaes internacionais edo distanciamento em relao aos sonhos kantianos de uma ordeminternacional reformada pela governana global liberal, falha j nos fins dosanos 1990. Esse modelo, embora radicalizado na Argentina de Menem, estevetambm presente, em menor grau, na insero internacional do Brasil dos anos1990, como o demonstrou Cervo.1

    Em alguma medida, o governo Lula se aproxima, mas tambm o

    de Kirchner, do conceito do Estado logstico no qual o comrcio exterior,puxado por uma poltica exterior mais altiva, tem peso extraordinrio. Oconceito de Estado logstico supe a superao tanto do modelo de inseroliberal desenfreada quanto do desenvolvimentismo nacionalista de antes. Poresse novo paradigma, o repasse de responsabilidades do Estado empresriocabe mais sociedade. Essa estratgia no significa, no entanto, o rechao doempreendimento estatal, desde que este apresente capacidade de construircompetividade sistmica global. So dois os componentes da formulaologstica posta em marcha: por um lado, advoga-se a construo de meios de

    poder e, por outro, sua utilizao para fazer valer vantagens comparativas de

    natureza intangvel, como a cincia, a tecnologia e a capacidade empresarial.2

    Isso significa dizer que as negociaes comerciais multilateraislideradas pela Argentina e pelo Brasil a partir da posse dos dois novos

    1CERVO, Amado, Poltica exterior e relaes internacionais do Brasil: enfoque paradigmtico,RevistaBrasileira de Poltica Internacional, 46 (2), 2003, p. 22.2Idem, ibidem. Ver tambm meu estudo apresentado Do Federalismo Centralista ao Paradigma doFederalismo Cooperativo no Workshop sobreFederalismo y Relaciones Internacionales: Argentina, Brasily Mxico, Conselho Argentino de Relaes Internacionais (CARI) e BID-INTAL, Buenos Aires, 30 e 31 deagosto de 2004.

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    presidentes tm um sentido mais sistmico e menos conjuntural. Elas estovoltadas para a superao da dependncia estrutural em relao aos fluxos

    financeiros volteis internacionais e orientados para a superao da crise definanciamento e poupana internas.

    Argentina e Brasil, nesse sentido, orientam-se polliticamente no sentidode refrear, por meio da construo de novas estruturas anti-hegemnicas bemdiferentes do velho idealismo Sul-Sul, um novo patamar para a negociaodos interesses comerciais Sul-Sul.. A retomada dos contatos da Argentina coma sia, com as visitas do Chanceler Bielsa ao norte de frica e China,mostram essse esforo. A formao do G3 ou IBSA grupo de concertaocomposto pela ndia, Brasil e frica do Sul outro exemplo. O

    relanamento da chamada poltica africana do Brasil pelo governo Lula tem,evidentemente, a marca da retomada dos brao sul-atlntico do comrciointernacional do Brasil, alm da formao de novas alianas para utiliz-lasnos grande foros globais e multilaterais, apesar da retrica recursiva daafricanidade brasileira.3

    Na direo de um novo consenso Argentina-Brasil: as sociedades nacionais eas causalidades mltiplas.

    A pergunta a mais conseqente para o analista aquela que evoca asrazes em torno das quais esse novo consenso argentino-brasileiro pde serestabelecido. O esquema terico do sistema de causalidades, como lembrariaPierre Renouvin, til para averiguar esse momento auspicioso do encontroentre as duas sociedades mais complexas da sub-regio platina. Ascausalidades profundas so vrias. Record-las se faz necessrio para acompreenso do curso comum que alimenta as transformaes em curso,como tambm para o entendimento da permanncia de certos vcios e

    desconfianas do passado.

    Embora nem todas as causalidades a seguir apontadas tenham tido omesmo peso poltico na construo do consenso argentino-brasileiro, elasservem de balizadoras para o debate em curso. Ademais, no se pretendeestabelecer o peso relativo de cada uma delas uma vez que todas elas atuam

    3SARAIVA, Jos Flvio S., Poltica exterior do governo Lula: o desafio africano,Revista Brasileira dePoltica Internacional, 45 (2), 2002, pp.5-25.

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    em conjunto. Isolar variveis, nesse caso, no parece ser a melhor operaometodolgica para resolver o problema.

    A primeira causalidade incide sobre o quadro de expectativas geradaspor ambas as sociedades nacionais no processo de escolha dos seus novosmandatrios. No caso brasileiro, Lula foi eleito com apenas dois grandesargumentos que balizaram sua chegada ao Palcio do Planalto. Internamente,

    propunha-se superar o dficit social e trazer uma grande parte dos brasileiros, margem do consumo e da cidadania, para o bem-estar. O nmero arrasadordesses brasileiros, em torno de 30 milhes, era um fato que envergonhava o

    pas.

    No plano externo, o Brasil deveria, segundo Lula, atenuar avulnerabilidade estratgica e econmica por meio da posta em marcha de umapoltica exterior altiva, capaz de mudar os padres de ao servil especulao internacional que advinham do modelo anterior de inserointernacional do pas. Na Argentina, apesar de fatores prprios que justificamdinamicidade e complexidade chegada de Kirchner Casa Rosada, no sedeve descartar que os dois grandes argumentos da campanha de Lula estavatambm na proposta programtica de campanha do novo presidente argentino.O programa Fome Zero um exemplo claro. A idia de que os argentinos no

    pagariam pela crise provocada, em parte, pelos especuladores internacionais

    era outra que combinava com a proposta de Lula de rever o modelo deinsero internacional do Brasil.

    Dessa forma, os desafios maiores de ambos os novos presidentesfizeram-se muito prximos seno coincidentes. A plataforma ideolgica foi amesma, antes e depois de assumirem a presidncia. Ambos eram contra oConsenso de Washington. Foram eleitos para modificar os padres dasreformas liberais ocorridas no apenas na Argentina e no Brasil, mas naAmrica Latina no seu conjunto, nos anos 1990.

    Esses elementos comuns facilitaram a aproximao dos dois pases. Asociedade argentina olhava o exemplo brasileiro, uma vez que a eleio foraanterior no tempo (ainda em fins de 2002), e vice-versa. No Brasil, o grupo

    poltico que chegou ao governo em janeiro de 2003 viu na hiptese de eleiode Menem uma ameaa ao avano das novas projees externas do Brasil.Temia o Brasil uma norte-americanizao intensa da Argentina e um forteretrocesso na dimenso estratgica do Mercosul.

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    A desconfiana em relao a Menem levou a que o grupo do PT noncleo duro do governo Lula trabalhasse abertamente pela eleio de

    Kirchner. Mesmo com as reservas do Itamaraty e o receio de certos setorespolticos com o alto risco de apoiar um candidato com chances no muitoclaras de chegar ao poder, Lula convidou o ento candidato Kirchner para umavisita que j tinha conotaes de visita de novo chefe de Estado, em momentono qual a prpria sociedade argentina demonstrava nutrir certas dvidas acercado eventual ganhador de um eventual segundo-turno nas eleies presidenciaisde 2003.

    Mais do que isso. A visita do presidente Nstor Kirchner ao Brasil emjunho de 2003 foi prova elucidativa da sinergia existente entre os dois novos

    governos e seus gestores. A declarao imprensa do presidente Lula fala porsi mesmo, em termos alm da linguagem clssica da diplomacia brasileira:

    uma honra e uma grande alegria receber, em Braslia, oPresidente da Nao Argentina, Nstor Kirchner, na

    primeira viagem que faz ao exterior aps sua posse....OPresidente Kirchner e eu pretendemos valorizar ao mximoas iniciativas que resultem em benefcio concreto paranossas duas sociedades. Por isso, determinamos a nossos

    Ministros que examinem as possibilidades de cooperaoem polticas pblicas na rea social e a promoo deparcerias nas reas educacional, cultural, cientfica etecnolgica...4

    Uma segunda causalidade advm da sinergia pessoal que foirapidamente construda entre os dois lderes e desses lderes com as massas

    populares. Mesmo sem querer apenas reproduzir as noes de carisma polticoou de simples apologia do messianisno, Lula e Kirchner tm alguns dessestraos e fizeram com que a vontade poltica pessoal se tornasse objetivo de

    Estado. Produziram iluses redentoras comuns sobre as possibilidadesexternas dos dois pases. Mas ambos os presidentes compartilharam acapacidade de fazer dessa vontade uma agenda viva, permanente e estratgica.

    A dimenso simblica dessa sinergia no pode ser subestimada, emmomento de bonana e de crises conjunturais, como aquelas que na metade de2004 apareceu em torno das barreiras levantadas pela Argentina a produtos

    4BRASIL, Ministrio das Relaes Exteriores,Resenha de Poltica Exterior do Brasil, 92, primeiro semestrede 2003, pp.133-134.

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    industrializados do Brasil tais como geladeiras, foges, calados e automveis.Kirchner sempre poupou Lula, mesmo ao insistir que o Brasil no pode ser

    instrumento da infantilizao da argentina e de regresso da mesma a padresantigos e obsoletos da agro-exportao.

    A noo de devir histrico e oportunidade excepcional, do ponto devista poltico, para reinventar a parceria estratgica entre os dois pases vemsendo tnica do discurso de Lula, acompanhando as vises de Kirchner:

    Penso que o Presidente da Argentina e o Presidente doBrasil tm, possivelmente, a mais extraordinriaoportunidade, desde que a Argentina existe e desde que o

    Brasil existe, de tornar essa integrao uma coisa efetiva emuito real.5

    As diplomacias profissionais, de forma obediente e hierrquica,cumpriram as novas misses. Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimares eMarco Aurlio Garcia passaram a operar a formulao da estratgica externado Brasil. Na Argentina, tm-se a noo de que no h um grupo orgnicocomo o que se v em Braslia. Mas percebe-se que h um grau de coordenaonessa matria que claramente mantida por Kirchner e poucos assessores.Apesar de pequenas resistncias de servidores diplomticos mais vinculados

    ideologicamente aos governos anteriores, especialmente administraoCardoso, a gesto diplomtica ganhou os contornos polticos sugeridos pelascampanhas dos dois presidentes eleitos.

    Dois exemplos podem ser oferecidos no sentido da verificao do altode convergncia poltico-diplomtico entre os dois pases. No primeiro,resultante da estratgia comum de defesa e ampliao do espao do agro-negcio argentino-brasileiro ante as regras excepcionais que ainda vinhamregendo o comrcio internacional, Argentina e Brasil atuaram e seguematuando em coordenao elevada. Redrado, na Casa de San Martn, e

    Amorim, na Casa de Rio Branco, atuaram de forma modelar, nas ltimasnegociaes da OMC em Genebra, em agosto de 2004, no sentido da reduogradual e eliminao mesma de subsdios agrcolas no mundo. O acordofirmado em Genebra vai significar aumento de aproximadamente US$ 10

    bilhes nas vendas de produtos brasileiros no exterior, segundo estimativas doministro das relaes exteriores Celso Amorim. E como lembro o chefe damisso brasileira na OMC, o Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corra:

    5BRASIL, Ministrio das Relaes Exteriores,Resenha ....., idem, p. 134.

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    No basta mais o consenso entre americanos e europeus.H uma nova matriz, o G20. Essa coalizo no se limita a

    criticar ou obstruir. Tem propostas concretas. Espero que amudana seja permanente.6

    O segundo exemplo est nas relaes bilaterais argentino-brasileiras.Mesmo na crise gerada pela ameaa argentina de reduo das importaesadvindas do Brasil, o governo daquele pas - especialmente sob a batutacompetente do Ministro Lavagna, cuja marca nas relaes com o Brasil vemsendo de forte prudncia ttica, mas ntido engajamento estratgico mantevecanais permanentes de negociao. A criao de negociaes voltadas para otema da formao das cadeias produtivas no MERCOSUL, por exemplo,

    emergiu a partir dessa mesma crise. O novo nas relaes argentino-brasileiras, em certa medida, a desdramatizao das crises inerentes construo daaliana. Alis, como lembrou o presidente Lula na mesma ocasio da visita deKirchner ao Brasil:

    A integrao no pode ser vista apenas do ponto de vistacomercial. Ela tem de ser poltica, tem de ser econmica,tem de ser comercial. Tem de ser social e ao mesmo tempocomercial. Mas, para que haja integrao, to sonhada por

    Vossa Excelncia, por mim e por outros governantes daAmrica do Sul, necessrio que tenhamos em conta anecessidade da integrao fsica do nosso continente. Nohaver integrao sem estradas. No haver integrao sem

    pontes. No haver integrao sem a convico poltica dosdois governos.7

    Uma terceira relevante causalidade relaciona-se situao do Mercosul.Sem uma estratgica comum externa bem definida nos anos anteriores possedos dois novos presidentes, passando por mais uma das suas crises endmicas,

    o Mercosul reencontrou sua identidade com Lula e Kirchner.

    A reanimao do Mercosul certamente um dos elementos maisvisveis da nova concertao argentino-brasileira. Voltou a ser um eixorelevante para a estratgia comum dois pases. Preencheu um vazio ideolgicoque existia no final do mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando oMercosul ficou uma forma sem contedo, por razes mltiplas e no apenas

    6Negociaes de US10 bilhes, Correio Braziliense, 8 de agosto de 2004.7BRASIL, Ministrio das Relaes Exteriores,Resenha..., idem, p. 134.

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    geradas pelo desinteresse brasileiro em dar mais institucionalizao aoprocesso de integrao platina.

    A instrumentalizao do Mercosul como uma plataforma do agir juntosno cenrio internacional j trouxe frutos para as duas vrias iniciativas comunsdos governos Lula e Kirchner. Resolveram, Argentina e Brasil, atuar maisdiretamente nas possibilidades de formar um amplo mercado comum naAmrica do Sul envolvendo o Mercosul com a Comunidade Andina.Aceleraram os dois pases suas lideranas no Mercosul de forma a tentargarantir, particularmente a partir dos incios de 2004, a possibilidade de porem marcha, dez anos depois das primeiras tratativas, o acordo de livre-comrcio entre o Mercosul e a Unio Europia. Agiram os dois pases, de

    forma clara, na superao dos impasses polticos na Bolvia, garantido a possedo presidente Mesa e descartando um banho de sangue no vizinho sul-americano. O Brasil, com o apoio argentino, monitorou a crise venezuelanaem sua fase mais aguda, evitando intervenes norte-americanas noencaminhamento do imbrglio poltico em que se meteu o presidenteChavez.

    Trs problemas na concertao societria argentino-brasileira

    Os trs fatores anteriores, ao animarem a nova pgina das relaesargentino-brasileiras, so acompanhados por outros fatores menos otimistas

    para a parceria estratgica que est em formao entre os dois pases. Algunsdesses problemas j se manifestam e devem ser observados pelo processodecisrio na Argentina e no Brasil, tendo e vista o adequado equacionamentoantes que se avolumem no tempo.

    Em primeiro lugar, h um sentimento que se amplia na sociedadebrasileira, em especial em setores mais esclarecidos da opinio pblicafavorveis ao governo Lula, de que a Argentina vem sendo mais ousada nosentido da articulao da sua poltica exterior com a poltica econmica. Aausncia de semelhante equilbrio entre as duas polticas estariacomprometendo os xitos da poltica externa brasileira. As negociaes com oFMI, especialmente no captulo do supervit fiscal, vm preocupando setores

    preocupados com o crescimento econmico no Brasil.

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    Crescimento negativo e supervit fiscal da ordem de cerca de 5%,praticamente o dobro do argentino, associado a nveis crescentes de

    desemprego, vulnerabilizam a poltica externa do Brasil. O esforo denegociao de interesses comuns na formao de coalizes internacionaiscomo aquelas que deram origem ao G20, no qual ambos os pases jogaram

    papel protagnico, padece diante dos baixos ndices de crescimento do Brasil.A tendncia, ademais, ser de crescimento econmico no Brasil no toelevado, apesar do renascimento do PIB do Brasil a partir do segundotrimestre de 2004, seguindo relativamente inferior ao crescimento mundial

    previsto e mesmo em relao a muitos pases do continente latino-americano.

    Os negociadores internacionais e os adversrios da poltica

    internacional do Brasil e da Argentina esto bem informados dessavulnerabilidade e j a exploram politicamente. Crtica recente de analistabrasileiro das relaes econmicas do Brasil explcita, ao se referir aoencontro entre Lula e Kirchner no contexto da Assemblia Geral das NaesUnidas em 21 de setembro de 2004:

    Ao comemorar o encontro entre Lula e Kirchner em NovaYork, Amorim disse que, em vez de brigar por umageladeira mais competitiva no Brasil ou menos competitivana Argentina, deveria haver uma geladeira do Mercosul,

    que seria a mais competitiva do mundo. Para tanto, propsque o BNDES financie importaes argentinas e aintegrao das cadeias produtivas. A fala do ministrocontm duas impropriedades. A primeira que aincorporao dos setores industriais deciso voluntriadas empresas.... A segunda impropriedade est em oferecero BNDES para fazer o que seu estatuto impede: financiarimportaes... Traar um futuro conjunto aos dois pases melhor que cada um por si, como concluram EUA, Mxicoe Canad, na Nafta, e os europeus na EU, mas cada pas s

    se deu as mos depois que j haviam resolvido problemasinternos que ningum de fora saberia fazer melhor.8

    A concluso de Antnio Machado, em sua crtica ao que ele chama deexcesso de reverncia e tolerncia em relao s presses argentinas sobreas exportaes brasileiras, so diretas e certamente expressa um setor, queainda que minoritrio no Brasil, articulado politicamente:

    8MACHADO, Antnio, Reverncia demais, Correio Braziliense, 22 de setebro de 2004, p. 10.

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    Brasil est nesta situao. Cobrir de carinho o parceiro uma coisa, outra encher a bola de quem procura o

    Mercosul antdoto para problemas internos que os sciosdo bloco no criaram nem por eles so responsveis.9

    Em segundo lugar, aparecem pequenas diferenas conceituais napoltica exterior argentina em relao a brasileira no que tange reforma dosistema das Naes Unidas. No que se refere ao assento que o Brasil julganatural no Conselho de Segurana dessa instituio, as percepes argentinassobre esse lugar natural no so as mesmas do Brasil. Ao contrrio, o Palciode San Martn insiste que o tema dever ser melhor discutido e que o lugar daArgentina naquele Conselho, como membro-permanente, no est descartado.

    Mesmo o gesto brasileiro de convidar um diplomata argentino para serincludo na delegao do Brasil nos trabalhos como membro no-permanentedo Conselho de Segurana, pelo binio 2004-2005, no surtiu o efeitoesperado pelo Itamaraty. H indcios de que a manobra foi vista por vriossetores esclarecidos da Argentina como uma forma de cooptao de valorduvidoso. A ttica brasileira de incluir um delegado argentino poderia serentendida, como de fato o foi por setores diplomticos daquele pas, comouma forma de aliviar as divergncias nessa matria.

    Last but nos least, emergem crticas na Argentina utilizao poltica,no governo Lula, do instrumento dos financiamentos do BNDES para o apoio constituio da infra-estrutura sul-americana. O descompasso entre o gestoretrico e a prtica dos financiamentos desse grande bando dedesenvolvimento brasileiro estaria criando mais embaraos que cooperao naformao da rea sul-americana de pases.

    No fundo, esse problema leva diretamente ao tema da relao entre aboa imagem do Brasil de Lula na regio sul-americana e suas reaispossibilidades de meios em fazer dessa imagem ao prtica cooperativa. Essa

    uma tenso que no tem um encaminhamento satisfatrio por parte desetores diplomticos argentinos que vem no gesto brasileiro uma pretensoarriscada de liderana sul-americana sem meios. Uma incipiente irritao dediplomatas e empresrios de pases vizinhos do Brasil na Amrica do Sul jhaveria chegado aos ouvidos de lideranas polticas em Buenos Aires e

    passaram a ser utilizadas na chancelaria argentina como uma arma diplomticacontra o Brasil.

    9Idem, ibidem.

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    guisa de concluso: para alm de um mero ensaio estratgico

    Apesar dos elementos de preocupao anteriormente citados, vale apena seguir o compasso da cooperao em alto nvel entre Braslia e BuenosAires. As sinergias so elevadas no seio das sociedades e nas lideranas

    polticas. tambm certo lembrar que a nova concertao Lula-Kirchnerpermitiu alguma consistncia prpria ao projeto estratgico do Mercosul. Isso original em relao aos ensaios de construo de uma estrutura mais

    permanente de concertao entre os dois pases no passado.O capital poltico ainda persiste e est a favor dos consensos e no dos

    dissensos. Oxal as diplomacias e as lideranas polticas saibam preservar eampliar o que j se fez. Seria lamentvel ter de recomear, depois de umensaio de concertao, um novo ciclo de desconfianas mtuas e competioimprodutiva na Amrica meridional.

    As universidades, particularmente nos cursos de graduao e ps-graduao em Relaes Internacionais, no Brasil e na Argentina, devem ser

    parte importante na retro-alimentao da concertao que foi iniciada nasnovas relaes Argentina-Brasil. Instituies com honorabilidade latino-americana com a FLACSO, ao lado de tantas outras, devem dar suacontribuio, quando chamadas ou no, ao redesenhar desse novo captulo dasrelaes argentino-brasileiras.

    Ao envolver setores mais ricos e diversificados das sociedadesnacionais, o ensaio estratgico argentino-brasileiro tem todas as condies deir alm do ensaio para se tornar uma estrutura duradoura nas relaesinternacionais da Amrica Latina.

    Se isso vier a acontecer, os rumos da histria do Cone Sul sero outros.E tambm se ter derrubada a mitologia realista clssica das relaesinternacionais referida nos primerios pargrafos desse caotulo. Nesse caso,estaria sendo inaugura tambm uma maneira mais rica de ver e analisar asrelaes internacionais, em torno da qual a fora das sociedades domsticasocupam, com toda sua complexidade, um lugar de destaque.

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