UM NOVO OLHAR SOBRE O MEIO AMBIENTE NA NATUREZA...

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Departamento de Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural Especialização em Estudos Literários Monografia UM NOVO OLHAR SOBRE O MEIO AMBIENTE NA NATUREZA POÉTICA DE JOSÉ BONIFÁCIO, O VELHO. Feira de Santana 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

Departamento de Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural

Especialização em Estudos Literários Monografia

UM NOVO OLHAR SOBRE O MEIO AMBIENTE NA NATUREZA

POÉTICA DE JOSÉ BONIFÁCIO, O VELHO.

Feira de Santana 2012

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JOÃO BOSCO DA SILVA ([email protected])

UM NOVO OLHAR SOBRE O MEIO AMBIENTE NA NATUREZA

POÉTICA DE JOSÉ BONIFÁCIO, O VELHO.

Trabalho apresentado à Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), como requisito de avaliação final da pós-graduação da Especialização em Estudos Literários, para obtenção do título de Especialista em Literatura.. Orientador: Professor Doutor Adeítalo Manoel Pinho.

Feira de Santana 2012

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Dedico este trabalho aos poetas, pois a sua mente é alguma coisa que vive num certo e eterno delírio, tentando fixar o olhar subjetivo em certas fantasias concretas e perdidas em amálgamas entre terra o céu, dando-lhes formas existenciais de si, tão importantes como coisa nenhuma.

Feira de Santana 2012

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AGRADECIMENTOS

Agradeço:

A Deus, pela dádiva de ter uma fé religiosa que me dá ainda a

esperança de acreditar na educação deste País.

Aos meus familiares, pela paciência.

Ao Professor Doutor Adeítalo Manoel Pinho, pelas orientações e

experiência transmitidas, mesmo estando com a sua vida acadêmica atribulada e

cheia de compromissos.

Aos Professores Jorge Araújo, Francisco Lima, Elvya Shirley, Idmar

Boaventura, Alana de Oliveira Freitas e Allex Leila, pelas aulas acadêmicas e

produtivas.

Aos colegas, com quem tivemos um convívio acadêmico em busca

deste objetivo.

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SUMÁRIO

RESUMO .................................................................................................... 4 ABSTRACT ................................................................................................

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INTRODUÇÃO ............................................................................................

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CAPÍTULO I – PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DO AMBIENTALISTA... 11 1.1 O ambientalista da época colonial ................................................... 11 1.2 O ambientalista no Pombalismo ...................................................... 13 1.3 O ambientalismo de José Bonifácio na Rio+20 .............................. 13 CAPÍTULO II – A AURORA DO JOVEM POETA ...................................... 14 2.1 Ode à Eulina .................................................................................... 15 2.2 Ode à mesma ................................................................................... 16 2.3 Improvisado ...................................................................................... 16 2.4 Soneto .............................................................................................. 17 2.5 Ode à poesia .................................................................................... 17 2.6 Epístola ............................................................................................ 20 2.7 Uma tarde ......................................................................................... 22 2.8 Ausência ......................................................................................... 23 2.9 À primavera ...................................................................................... 24 2.10 Cantata I .......................................................................................... 26 2.11 Cantata II ......................................................................................... 27 2.12 O inverno .......................................................................................... 28 CAPÍTULO III – O RETORNO DO POETA AO BRASIL ........................... 30 3.1 Ode .................................................................................................. 31 3.2 Cantigas Báquicas .......................................................................... 32 CAPÍTULO IV – O EXÍLIO DO ESTADISTA NA VOZ DO POETA............ 35 4.1 Cartas do exílio ............................................................................... 36 4.2 Retorno do exílio .............................................................................. 37

CAPÍTULO V – AMÉRICO ELÍSIO ............................................................ 38 5.1 O Poeta desterrado ......................................................................... 39 5.2 A criação ......................................................................................... 41 CAPÍTULO VI – O OCASO DO POETA .................................................... 44 6.1 Homenagens póstumas ................................................................... 44 CONCLUSÃO ............................................................................................. 45 REFERÊNCIAS ..........................................................................................

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RESUMO

Este trabalho visa resgatar a poesia de José Bonifácio de Andrada e Silva

(1763 - 1838), o Patriarca da Independência e um iluminista típico, na pessoa de seu

pseudônimo de Américo Elísio, que desde o século XVIII e XIX manifestou

preocupação com a natureza e meio ambiente, depois de viver 36 anos na Europa

durante o período do Brasil colonial e do Império, usando seus conhecimentos

científicos para sugerir novos métodos e substituir o uso da natureza primitiva. A

onda ambientalista que foi intensificada a partir dos anos 60 e tem vindo a crescer,

mudar os hábitos, o conhecimento do uso racional de formas sustentáveis de fazer

negócios sem agredir a natureza, chegou ao Brasil em 2012 no evento "Rio +20"

sobre os compromissos de conservação da natureza global, modernização da

linguagem com novos termos, para alterar as velhas formas de expressões

ecológicas dos versos dos poemas que Bonifácio nos deixou, através do livro

"poemas de Américo Elysium", que publicou sua primeira edição em 1825, mas este

trabalho vai examinar alguns poemas da versão de 1946, melhor completa, feita no

Rio de Janeiro pela Editora Imprensa Nacional, para mostrar o poeta lírico jovem até

a idade de velho (jovem para velho). Então, neste momento, não nos interessou em

analisar a participação eficiente e virtuosa política de Bonifácio na história, que pode

ser feito em outro momento, porque o nosso "corpus" é poesia, como um tema

recorrente dos Estudos Culturais.

Palavras-chave: Poesia, natureza, preservação.

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ABSTRACT

This work aims to rescue the poetry of Jose Bonifácio de Andrada e Silva

(1763 - 1838), the Patriarch of Independence and an typical Enlightenment, in the

person of his pseudonym Americo Elysium, which since the late eighteenth and early

nineteenth century has expressed concern for the nature and environment, after

living for 36 years in Europe during the period of colonial Brazil and Empire, using

their scientific knowledge to suggest new methods and replace the use of primitive

nature. The environmentalist wave who was intensified from the 60's and has been

growing, changing habits, knowledge the rational use of sustainable ways of doing

business without harming nature, arrived in Brazil at 2012 in the event "Rio +20" on

commitments global nature conservation, modernizing the language with new terms,

to change the old ways of ecological expressions of the verses of the poems that

Boniface has left us, through the book "Poems of Americo Elysium", has it published

its first edition in 1825, but this work will examine some poems of the 1946 version,

best complete, made in Rio de Janeiro by the National Press Publisher, to show the

young lyric poet until old man age (young to old man). So at this moment not

interested us in analyzing the efficient and virtuous political participation of Boniface

in history, what can be done at another time, because our "corpus" is poetry, as a

recurring theme of Cultural Studies.

Keywords: Poetry, nature preservation.

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INTRODUÇÃO

José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) ficou conhecido como

Patriarca da Independência, além de cientista, político brasileiro, poeta e pioneiro da

ecologia no Brasil. Nascido em 13 de junho de 1763 em Santos, estudou em São

Paulo, no Rio e, em 1783, com 20 anos, foi cursar Direito e Ciências Naturais na

Universidade de Coimbra, em Portugal, um centro iluminista, sendo influenciado por

pensadores como Voltaire e Rousseau, que inspiraram a Revolução Francesa.

Este trabalho visa recuperar o histórico poético da sua atuação como

ecologista, tendo como corpus os poemas que escreveu com o pseudônimo de

Américo Elísio, bem como os estudos do cientista político José Augusto Pádua,

ecologista que deixou de participar do Greenpeace em 1996 como militante

ambientalista para estudar a formação do Estado brasileiro, a partir das obras de

José Bonifácio, gerando o livro Um sopro de destruição – Pensamento político e

crítica ambiental no Brasil escravista (1786 – 1888), despertado pela preocupação

com a conservação do meio ambiente, numa época de plena colonização e

exploração da natureza, dentro de um projeto nacional pensado muito além do seu

tempo, sobre os problemas causados pela exploração econômica da natureza.

O Brasil colônia inicialmente passou pela formação das primeiras

comunidades, cujo processo é explicado da seguinte forma por Canclini:

Passamos de sociedades dispersas em milhares de comunidades rurais com culturas tradicionais, locais e homogêneas, em algumas regiões com fortes raízes indígenas, com pouca comunicação com o resto de cada nação, a uma trama majoritariamente urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica heterogênea, renovada por uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação. (CANCLINI 1997, p. 2)

Desde 1763 (século XVIII) até 1838 (século XIX) é destaque José Bonifácio

estudando fatores ecológicos que explicam o seu interesse e preocupação pela

preservação da natureza, ligados aos aspectos ecológicos e políticos no Brasil,

numa relação intrínseca entre os problemas ecológicos e sociais com o futuro da

sociedade brasileira. É importante ressaltar quão visionário era Bonifácio, que esses

mesmos temas ainda estão presentes em destaque na literatura e imprensa, além

de importantes trabalhos de intelectuais e cientistas brasileiros, abordando

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preocupações semelhantes e cada vez mais complexas daqueles do período pré e

pós-independência, quando ele denunciava a necessidade de preservação das

matas e possíveis alterações climáticas. Além disso, lutava também pela libertação

gradual dos negros escravos, pela cessação do tráfico negreiro e integração do índio

na cultura portuguesa desenvolvida no Brasil. Era um Iluminista convicto resistente à

democracia e acreditava no progresso da ciência. Apesar de ser um monarquista

conservador, era contrário ao poder absoluto dos monarcas e da Igreja, contra a

escravidão e a favor do uso racional da natureza.

Em 1789, entrou para a Academia de Ciências de Lisboa, onde defendeu o

trabalho Memória sobre a Pesca de Baleias e Extração de seu Azeite.

Quando chegou a Portugal para estudar, já havia ocorrido a reforma

universitária pombalina de 1772, fazendo com que a academia portuguesa aderisse

às novas ideias de filosofia natural e economia política da Europa, tendo o

naturalista italiano Domingos Vandelli (1735-1816) como gestor do processo,

influenciando definitivamente a formação de José Bonifácio, que já seguia a doutrina

econômica fisiocrata natural de Buffon, responsável pelo Systema naturae de Lineu,

corrente científica conhecida como “economia da natureza”, termo que no século

seguinte veio a se transformar em “ecologia”.

A academia possibilitou-lhe um maior tempo de permanência na Europa,

somente retornando ao Brasil em 1819, já com 56 anos, após um longo

amadurecimento como acadêmico e administrador público, além de ter tido acesso a

diversos intelectuais por cerca de dez anos em países como França, Itália,

Alemanha, Suécia e Noruega.

José Bonifácio viveu por 36 anos de grande agitação na Europa, e em

Portugal foi inspetor de minas, diretor de reflorestamento, professor em Coimbra e

até militar durante a invasão das tropas de Napoleão, em 1807 - que forçou a Corte

D. João VI fugir e chegar ao Brasil no início de 1808. Na França observou de perto

os excessos e entusiasmo renovador do povo parisiense, que poderia ter

ressonância em Portugal e, por conseguinte, no Brasil. Os seus estudos científicos e

conhecimento acadêmico poderiam contribuir para despertar um justificável

sentimento de orgulho nacional brasileiro, temendo as reformas que vinham da

França, com seus exércitos invadindo soberanias, inclusive a lusitana. O Brasil

poderia se fortalecer, aproveitando a aliança política e o apoio da Inglaterra.

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No Brasil chegou pensando em se aposentar, porém seu descanso foi

postergado, quando acompanhado por seus irmãos numa longa viagem pelo interior

de São Paulo se deparou com a escravidão, a perseguição aos índios, o

desmatamento e o desperdício, despertando nele a necessidade da criação de um

projeto que pensasse o Brasil como um todo, valorizando a natureza, acabando com

a escravidão e respeitando os índios. A sua preocupação com a ecologia fez com

que tentasse reverter a degradação feita com a fauna e a flora, defendendo o cultivo

de maneira útil e proveitosa das terras, pedindo o reflorestamento obrigatório e

preservação de um sexto das matas originais de todas as propriedades. Constatou

também a expansão da lavoura do café, que desmatou as terras altas do Rio de

Janeiro e entrou em São Paulo pelo vale do rio Paraíba do Sul. As queimadas para a

instalação de cafezais transformaram o noroeste de São Paulo e entraram no

Paraná, acabando com grande parte da Mata Atlântica.

Em 1820, estourou a Revolução Constitucionalista do Porto em Portugal e D.

João VI teve de voltar para Lisboa, deixando no Rio de Janeiro seu filho, D. Pedro,

como regente. José Bonifácio foi chamado para presidir a eleição em São Paulo e

indicado para vice-governador.

Na Assembleia reunida em São Paulo no dia 23 de julho (de 1821), uma comissão de eleitores foi até a sua casa para convidá-lo a presidir a reunião [...] ele mesmo ficaria como vice-presidente (do governo de São Paulo). Quando jovem, ele escrevia como cientista; na fase portuguesa, como um funcionário interessado no governo a que servia. De 1821 em diante, no entanto, José Bonifácio iria começar a escrever como um dirigente político. Escreve agora como brasileiro, convencendo outros de suas ideias políticas.(SILVA 2002, p. 25)

Em janeiro de 1822, Bonifácio foi nomeado ministro do Reino, atuando

diretamente nos acontecimentos que precederam a Independência do Brasil, em 7

de setembro. Em 1º de dezembro D. Pedro I é coroado como imperador do Brasil.

As suas preocupações com o meio ambiente geravam ações que não

deixavam dúvidas sobre o seu entendimento sobre o que falava e escrevia:

A fertilidade das terras [...] o clima que geraria menos necessidade de produtos de consumo e mais de produtos de luxo [...] a extensão territorial [...] tudo levaria a um governo despótico e à manutenção das diferenças entre raças no Brasil. (SILVA 2002, p. 37)

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Bonifácio foi ministro até julho de 1823, quando passou a enfrentar uma forte

oposição liberal e às tentativas portuguesas de retomarem o Brasil. Em novembro,

D. Pedro I fechou a Assembleia Constituinte e deportou Bonifácio e outros

deputados para a França.

A reação da elite brasileira de horror aos costumes do “vulgo” e de negação dos casamentos mistos como um valor fundamental para erigir a Nação, acabou de consubstanciando no repúdio crescente ao político (JB) que incomodava tantos os corcundas como os republicanos. Acabou também contaminando o imperador cujo poder o ministro ajudara a moldar. Em novembro de 1823, na esteira de sua guinada conservadora e do fechamento d Constituinte, José Bonifácio acabou sendo exilado de seu país [...] seis anos ficou na França, criticando seguidamente o despotismo de D. Pedro e dos governadores brasileiros; Somente em 1829, com 66 anos de idade, pôde finalmente viltar ao Rio de Janeiro, para assumir sua cadeira de Senador e assistir à derrocada do imperador. [...] D. Pedro reconheceu em José Bonifácio o homem ideal para formar seu filho e herdeiro, então com 5 anos de idade. Mas nem isso lhe foi permitido. Tano quanto os absolutistas, os liberais brasileiros tinham reservas com relação a ele, partilhando desconfiança com relação ao seu projeto. [...] Retirou-se da vida pública, passando seus derradeiros dias em sua casa na ilha de Paquetá. [...] Morrei em Niterói, à 3 da tarde do dia 6 de abril de 1838. (SILVA 2002, pp. 39 e 40)

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CAPÍTULO I - PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DO AMBIENTALISTA

A inquietação de José Bonifácio em relação ao meio ambiente pode ser vista

numa Representação que ele fez à Assembleia Geral Constituinte do Império do

Brasil sobre a Escravatura, em 1823:

"Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia, terrível e fatal, em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos".(SOUSA 1961, p.75)

O seu pensar científico possibilitou um conhecimento que

gerava crítica consciente em seus textos sobre o mau uso dos recursos naturais,

sugerindo novas metodologias de ganhos, a partir de um uso mais racional para

conservação, o que se tornou uma prática comum em nossos dias. Por exemplo,

sobre a pesca das baleias, José Augusto Pádua escreveu:

O primeiro texto publicado por Bonifácio inseriu-se exatamente nesse campo de reflexão. Trata-se da “Memória sobre a pesca da baleia e a extração do seu azeite” editada em 1790 pela Academia das Ciências de Lisboa. Esse trabalho já vai estar marcado por quatro elementos teóricos que continuarão presentes ao logo de toda a obra de Bonifácio: a visão do mundo fundada na economia da natureza; a defesa do progresso econômico como instrumento civilizatório; a apologia da racionalização das técnicas produtivas através da aplicação pragmática do conhecimento científico; e a crítica da exploração destrutiva dos recursos naturais. (PÁDUA, 2002, p. 134)

Na “Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques

em Portugal” (In: CALDEIRA, 2002) ele critica a má situação do ambiente natural de

Lisboa, pela falta de florestas, o que viria a causar problemas com a regulação do

clima e a fertilidade do solo.

1.1 O AMBIENTALISTA DA ÉPOCA COLONIAL

No período colonial os portugueses ou seus representantes brasileiros do

poder não tinham qualquer compromisso com a manutenção de atividades

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econômicas sustentáveis no Brasil, tanto é verdade, que no prefácio do livro Poesias

de Américo Elísio (27/01/1825), Sérgio Buarque de Holanda informa que o Brasil era

um local ideal para os portugueses fazerem riqueza fácil, usando e abusando das

“propriedades” repletas de escravos, terras, árvores e rios, evitando o debate de

qualquer lei florestal que viesse coibir a prática. Sobre esse processo, Said (2011, p.

53) explica que, embora as colônias, em sua maioria, tenham conquistado a

independência, muitas atitudes imperiais concomitantes à conquista colonial ainda

persistem.

No final do século XVIII começa a surgir na Europa a ciência moderna com

novos e racionais métodos de uso da natureza, com o objetivo de aumentar a

produção, produtividade e a riqueza das nações. Essa relação entre o colonizador e

o colonizado é sempre injusta, conforme explica Said (2011): “Para o colonizador, a

manutenção do aparato incorporador requer um esforço incessante. Para a vítima, o

imperialismo oferece duas alternativas: servir ou destruída”.

José Bonifácio continuava com as suas pesquisas entre 1799 e 1800 e

descobriu minérios das espécies petalita e espodumênio, aescapolita e crilolita.

Também descreveu as variedades acanticone, salita, coccolita, a apofilita, a afrigita,

a indicolita, a wernerita e a alocroita (renomada, em 1868, com o nome de andradita,

em sua homenagem).

No fim do período colonial português no Brasil, as ideias iluministas

embalavam a elite intelectual luso-brasileira, fruto das inquietações liberalistas,

racionalistas e cartesianistas1 da burguesia ascendente europeia, principalmente da

Inglaterra e França do século XVII.

As reflexões sobre a escravidão e a destruição ambiental são expressas por

Joaquim Nabuco2, como

Os sofrimentos, as maldições, as interrogações mudas a Deus, do escravo, condenado ao nascer a galés perpétuas, criança desfigurada pela ambição do dinheiro, não se extinguem de todo com ele, mas espalham nesse vale de lágrimas da escravidão, em que ele viveu, um fluido pesado, fatal ao homem e à natureza.

1 René Descartes chamou de "método cético", com o qual ele procurou demonstrar que o homem é essencialmente uma coisa pensante e que a mente é essencialmente diferente do corpo. Mesmo que os nossos sentidos corporais estejam enganados, uma coisa permanece verdadeira: o fato de estarmos pensando. “Penso, logo existo”. 2 NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Vozes. Petrópolis, 1988. In: PÁDUA, José Augusto. Um Sopro de Destruição. Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 227.

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1.2 O AMBIENTALISMO NO POMBALISMO

Para entendermos melhor esse meio de caminho de José Bonifácio, é bom

do período do discurso liberal revolucionário europeu que estava chegando a

Portugal, onde o Marquês de Pombal (1699 – 1782) aceitou o pensamento como

visão pragmática do conhecimento científico, a fim de dinamizar a produção das

colônias em benefício da Metrópole, vindo em 12 de Fevereiro de 1761, no reinado

de D. José I, a abolir a escravatura na Metrópole e na Índia, mas mantendo nas

colônias.

Em 1772, por influência de Pombal, o ensino superior português mudou o

seu sistema pedagógico, aproximando-se do pensamento econômico europeu,

criando ainda novas faculdades, nas quais os estudantes eram levados a se

preocupar mais com a realidade concreta (penso, logo existo), diminuindo as

especulações subjetivas e filosóficas, restringir a expansão desses conhecimentos

intelectuais. Na realidade o que Pombal queria mesmo era escravizar a mente

humana, sem arcar com as consequências, permitindo ideias liberais em Portugal e

no Brasil. Somente com a lei de 25 de Fevereiro de 1869 foi proclamada a abolição

da escravatura em todo o Império Português, até ao termo definitivo de 1878.

1.3 O AMBIENTALISMO DE JOSÉ BONIFÁCIO NA RIO+20

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, foi

realizada de 13 a 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro, marcando os vinte anos

de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (Rio-92), definindo nova agenda do desenvolvimento sustentável

para as próximas décadas. Se pensarmos nas preocupações de José Bonifácio,

esses eventos já estão atrasados, pois os compromissos políticos com o

desenvolvimento sustentável já foram expostos por ele desde o Século XVIII.

Os objetivos do evento até parecem que foram retirados das literaturas do

Patriarca, como por exemplo, “A economia verde no contexto do desenvolvimento

sustentável e da erradicação da pobreza; e A estrutura institucional para o

desenvolvimento sustentável”.

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CAPÍTULO II - A AURORA DO JOVEM POETA

José Bonifácio foi um jovem que traduziu em poesias seus delírios de

paixões fortuitas e passageiras, mostrando na adolescência exuberante vigor e

excelência de dotes, geradas por sentimentos sinceros desenvolvidos dentro do

coração, dedicando à suas musas um lirismo cheio das vibrações, afetividade

pessoal e gosto pela vida. No contexto emotivo e idealizado por suas linhas

caprichosamente enternecidas pela graça das letras, tinha o desejo de expor a sua

alma apaixonada.

Na dedicatória de Poesias de Américo Elisio, o poeta previne o leitor sobre o

que vai encontrar nas páginas do seu livro, quebrando paradigmas da estética

barroca, caracterizada pelo rebuscamento da forma e exageros retóricos, que na

Itália recebeu o nome de Marinismo; em Portugal, o Cultismo; na Espanha

o Gongorismo; e na França, o Preciosismo.

“Leitor brasileiro (...) Que eu seja teu amigo, algumas provas já tenho disto dado; e para tas continuar a dar no meu desterro, onde as circunstâncias me não permitem mãos por ora, ouso oferecer-te estes poucos e desvairados versos. (...) Quem folgar de Marinismos e Gongorismos, ou de Pedrinhas no fundo do ribeiro, dos versistas nacionais de freiras e casquilhos, fuja desta minguada rapsódia, como de febre amarela. Deus te ajude.” (SILVA, 1946, pp. XXVII- XXVIII).

A Poesia pode ser considerada a mais geral das artes, e tudo que o poeta

puder fazer para popularizá-la, facilitará a transmissão e o acesso dos leitores, sem

a necessidade de regras técnicas rígidas para a sua comunicação, podendo abordar

de temas simples, até as mais altas complexidades de sentimentos íntimos e

preocupações de natureza cívica e social.

A sua alma de pensador é justa e sabe das imensas dificuldades na

elaboração de uma boa poesia, sobretudo porque ele não queria seguir as formas

românticas. Tanto que na dedicatória aos brasileiros no livro Poesias de Américo

Elísio, ele escrevera:

Fui neles assaz parco em rimas, porque a nossa língua, bem como a inglesa, espanhola e italiana, não precisa, absolutamente falando, do zunzum dos consoantes para fixar a atenção e deleitar o ouvido; basta-lhe o metro e ritmo: e quanto à monotônica regularidade das estâncias, que seguem à risca franceses e italianos, dela às vezes me apartei de propósito, usando da mesma soltura e liberdade, que vi novamente praticadas por um Scott e um Byron, cisnes da Inglaterra. (SILVA, 1946, p. 27)

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Apreciando a beleza feminina, a sensualidade, os prazeres, a liberdade, os

sentimentos, o amor e a natureza, desabrocha um poeta ainda cheio de ilusões

juvenis, exaltando a musa Eulina em 1779, aos 16 anos, dedicando-lhe poemas.

(Ode à Eulina já teve o título de A natureza. Como afirma José Veríssimo:

“A sua ode A Natureza, no seu sincretismo do pseudoclássico com o que se chamava romântico nas terras por onde José Bonifácio peregrinou, é exemplo e testemunho de que nele a nova corrente literária começava ainda a despeito seu, a influir. Lembre-se que José Bonifácio traduziu para nova língua, em verso, o pseudo Ossian, um dos ídolos do Romantismo” (VERÍSSIMO, 1915, pp. 81 e 82).

Por coincidência, o poeta mineiro do Século XVIII, Cláudio Manuel da Costa

(1729-1789) também produziu poemas com temáticas pastoris em estrutura de

soneto, além de trazer reflexões sobre a vida, a moral e amor, tendo Eulina como

uma das suas musas (Eulina é nome de origem grega - pessoa de boa família).

2.1 ODE À EULINA

Vem minha Eulina, vem, corramos presto As colmadas choupanas, que convidam Com retirado asilo. [...] Nutre-se Amor com mil prazeres livres, [...] Amar entre Pastores não é crime: Todos sentem os mesmos movimentos Que sentimos, Eulina! [...] Goza de amores francos e singelos Pastos ao gado ervosos, gradas ceifas Afortunam seus dias. [...] Onde marmóreos alisares brilham. Co'a Natureza mora. [...] À sombra dos copados arvoredos [...] Assim, Eulina, correrão teus dias: Assim nos colherá velhice tarda Entre amores constantes. Sim, minha Eulina, vem: corramos presto Às colmadas choupanas, que convidam Com retirado asilo.

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No próximo poema, o “eu” lírico passa a descrever os dotes físicos da

amada Eulina, desde as suas maminhas, mãos, o corpo inteiro, as faces, os olhos,

os ouvidos e coração, pedindo-lhe a união, para que morram juntos nessa paixão

intensa.

2.2 ODE Á MESMA

As nítidas maminhas vacilantes Da sobre-humana Eulina, Se com fervidas mãos ousado toco, Ah! que me imprimem súbito Elétrico tremor, que o corpo inteiro Em convulsões me abala! [...] Os ouvidos me zunem! Fugir me quer o coração do peito... Morro de todo, amada! Fraqueja o corpo, balbucia a fala! Deleites mil me acabam! Mas ah! que impulso novo, ó minha Eulina! Resistir-lhe não posso... Deixa com beijos abrasar teu peito: Une-te a mim... morramos. Ainda apreciando a beleza do corpo feminino, a sua lírica exigia a criação de

outra musa, e aos 16 anos, em 1779, e por isso aparece Derminda como musa do

seu amor platônico, “És mais que tigre [...]”, dedicando-lhe esse poema:

2.3 IMPROVISADO

Derminda, esses teus olhos soberanos Têm cativado a minha liberdade; Mas tu cheia, cruel, de impiedade Não deixas os teus modos desumanos. Porque gostas causar dores e danos? Basta o que eu sofro: tem de mim piedade! Faze a minha total felicidade, Volvendo-me esses olhos mais humanos. Já tenho feito a ultima fineza Para ameigar-te a rija condição; És mais que tigre, foi baldada empresa. Podem meus ais mover a compaixão

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Das pedras e dos troncos a dureza, E não podem abrandar um coração? Este poema reflete sentimentos apaixonados de um estudante com 16 anos

no Brasil, exaltando sua musa, cuja lírica vai continuar na Europa posteriormente.

Em 1783, então com 20 anos, Bonifácio encerra os estudos no Rio de

Janeiro e segue para estudar na Universidade de Coimbra. Na despedida, escreve e

Soneto (Improvisado na partida para Portugal), despedindo-se de sua amada pátria,

que poeticamente dá o nome lírico de Alcina3:

2.4 SONETO

Improvisado na partida para Portugal em 1783 – ainda jovem. Adeus, fica-te em paz, Alcina amada, Ah! sem mim sê feliz, vive ditosa; Que contra meus prazeres invejosa A fortuna cruel se mostra irada. Tão cedo não verei a delicada, A linda face de jasmins e rosa, O branco peito, a boca graciosa Onde os amores têm gentil morada. Pode, meu bem, o fado impiamente, Pode negar de te gozar a dita, Pode da tua vista ter-me ausente: Mas apesar da misera desdita De tão cruel partida, eternamente Nesta minha alma viverás escrita. Em 1785 o poeta mostra inspirações poéticas com um lirismo clássico,

invocando as nove irmãs musas, filhas de Zeus, o senhor do Olimpo, e

de Mnemósine. São elas: Calíope; Clio; Érato; Euterpe; Melpômene; Políminia; Tália;

Urania e Terpsícore. Haroldo Paranhos destaca a poesia pedagógica de Bonifácio:

Declaração que um clássico assinaria com todas as letras, revela o quanto José Bonifácio conferia à poesia função pedagógica. Decerto punha-se frontalmente contra o Barroco [...]. (PARANHOS, 1937, p. 291)

2.5 ODE À POESIA

Não os que enchendo vão pomposos nomes Da Adulação a boca;

3 Alcina é um nome teutônico (popular) que traduz a ideia de pessoa inteligente

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Nem canto tigres, nem ensino a feras As garras afiar, e o agudo dente: Minha Musa orgulhosa Nunca aprendeu a envernizar horrores. Gênio da inculta Pátria, se me inspiras Aceso estro divino, [...] Graças ás nove irmãs! meus livres cantos São filhos meus e seus! [...] Divina Poesia, os alvos dias, Em que pura reinavas, [...] Que sobre o Velho Mundo derramaras. À sede d'oiro, e à vil cobiça dados Os filhos teus (ingratos ! ) [...] Então que densos bosques e cavernas Os homens acoitavam, [...] Do seio da mãe terra Nascentes muros levantar fazia. Então pulsando o vate as cordas d'oiro, A populosa Tebas [...] Assim Orfeu, se a doce voz soltava, Os Euros suspendidos, [...] O selvagem que então paixões pintava Com uivos e com roncos, [...] Duráveis impressões grava na mente. [...] Corações bronzeados ameigavam. [...] Entre os frios, e os celtas duros Reinaram as Camenas. [...] No dia da vitória, hercúleo Fingal,

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Teus bardos celebravam, E a testa sobrançuda desfranzias. Soberbos templos teve, teve altares Na Grécia a Poesia. [...] A frente levantar não se atrevia [...] Dos próprios filhos não vertia a terra. Nem absurda calúnia perseguia A razão e a virtude.... [...] Maldição sobre ti, monstro execrando, Que a humanidade aviltas! [...] Os filhos açoitar da Liberdade! Então a fome de oiro, mãe de crimes, Negra filha do Inferno! [...] Seus versos inocentes entoavam. Vós lhes ditáveis, helicônias deusas, [...] Então nascendo altíloqua epopéia Celebra os semideuses: [...] Que depois imitaste, augusta Roma! Não mil estátuas de fundido bronze, Nem mármores de Paros [...] Resta uma llíada, e uma Eneida resta? [...] Se a cítara divina me emprestarem Entre os vates também terei assento. Em Coimbra, aos 22 anos, José Bonifácio escreve Epístola, no começo da

primavera de 1785, já manifestando a mistura do seu gosto pela natureza

exuberante do Brasil e as suas inquietações políticas. Para o poeta, a natureza é

como a deusa Vênus, do amor e da beleza, na qual o amigo Armindo deve terminar

os seus dias contemplando, com o fez Voltaire e Rousseau:

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2.6 EPÍSTOLA …Nor ye wo live In luxury and ease, in pomp and pride, Think these lost themes unworthy of your ear. THOMPSON, Seasons. Tu, em quem liberal a natureza Uniu uma alma grande a um peito humano, [...] E pois que a primavera deixa a nuvem, E fresca desce sobre os nossos campos, Companheiro vem ser da natureza. [...] Gastá-la co'a amizade. — Verdes freixos, Que a casa me rodeiam, sombra amena Copados guardam para ti. - As ninfas Colhem as novas flores, que do seio Da terra o almo sol resplandecente [...] Amor não quer atletas furiosos, [...] Tudo precisa amor; muito lhe servem. De pâmpanos frondosos coroando Nossas cabeças, rubicunda a face, Sentados com Delmira em brando musgo À sombra da floresta, rodeados [...] Lá quando a tarde foge amedrontada Do inverno irado, que seus ventos junta, [...] Do político Mévio barrigudo, Dignas do grande Pope irás fazendo. Desmiolada cabeça, em cujo ôco Podem melhor girar trezentos mundos [...] Eu não desejo, nem deseja Armindo No altar da razão queimar-te incenso. Vem pois, amado amigo, e a natureza Contemplemos uma hora. Solitária Nos campos mora, longe das cidades. Já sentados à sombra de altos freixos, Depois que o sol do seu doirado trono Aclara os céus, e os zéfiros4 lascivos

4 Zéfiro é filho de Urano (céu) e Gaia (terra), casado com Íris (mensageira dos deuses e a personificação do

arco-íris) ou Flora (uma prostituta que personaliza o reino vegetal - floração, flores) e vivia na caverna da Trácia. Na mitologia grega é o vento mais ameno e suave do oeste (ocidente) e um dos filhos de Aurora e Astreu, tendo Bóreas, Nótus e Favônio como irmãos. É o pai de Xantos e Bálios (dois cavalos imortais que podiam falar).

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[...] Tu, amável verdura, que atavias Os campos geniais na primavera, Ah! faze com que Armindo solitário Entre a vária paisagem matizada [...] No bosque verdejante filomela [...] Vênus aquenta do noturno frio. Ela mesma destila orvalho puro, E com líquidas pérolas borrifa Os tenrinhos botões das novas rosas! Ó alma do universo, ó Vênus bela I Por ti respira tudo o que tem vida. [...] Na terra e mar, nas regiões do vento, Obedecem teus mandos, grande deusa! [...] Sim, meu Armindo, vem passar teus dias Nos ternos braços da fiel Delmira. Tu e mais ela, eu e mais Almena, [...] Ah! escapa ao naufrágio! ah! busca o porto! Assim Voltaire, o vate dos filósofos, Cansado de lutar com vis intrigas, As cortes desprezando, retirado Na aprazível Ferney, viveu contente: Assim o pensador Rousseau sublime Herborizando terminou seus dias: Imitemo-los também, meu caro Armindo! Em 1790, ano em que José Bonifácio se casa em Portugal com Dona

Narcisa Emília O’Leary e em Paris escreve os poemas Uma tarde e Ausência,

transformando linhas em melancolias e nostalgias, num ambiente lúgubre,

contrastando com o entusiasmo que vivia o povo francês com a Revolução do ano

anterior (1789), porque o seu corpo está saudoso pela lembrança do seu país, mas

a alma deve entender a necessidade de seguir em frente com seus projetos

acadêmicos e políticos. “Uma tarde” é, basicamente, uma contemplação negativa da

natureza dentro da alma.

Existia o mito de que do vento Zéfiro fecundava as éguas de certa região da Lusitânia, tornando os cavalos extremamente velozes. (http://www.anos-luz.pro.br/mitos.htm)

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2.7 UMA TARDE No sítio de Santo Amaro, perto da vila de Santos, da província de São Paulo.

Como esta mata escura está medonha! Não é tão feia a habitação dos Manes! Este ribeiro triste como soa Por entre o pardo emaranhado bosque; E como corre vagaroso e pobre! O sol, que já se esconde no horizonte, O quadro afeia mais. – O vento surdo De quando em quando só as folhas move! A rouca voz pararam temerosos Os esquivos jacus(1) nos bastos galhos Cheios de Caranguataes(2), das Upiubas(3). Das asas vai lançando a fusca noite Terror gelado; o grito agudo e triste Nos velhos sapezais(4) dos verdes grilos Somente soa; e o ar cheio de trevas, Que as árvores aumentam, vem cortando Do agoureiro morcego as tênues asas. É este da tristeza o negro alvergue! Tudo é medonho e triste! Só minha alma Não farta o triste peito de tristeza! Notas de rodapé do poema: 1. Os Jacus são espécies do gênero Penelope de Lineu; 2. Pertencem ao

gênero bromélia. 3. São árvores das matas virgens, cuja espécie presentemente não posso determinar. 4. É uma das gramíneas, que se apoderam dos terrenos estéreis, por cansados.

A melancolia do poema revela as inquietações vividas entre os anos de 1822

e 1825, que o abalaram profundamente a sua disposição de continuar enfrentando,

com otimismo, as reformas nacionais que seriam guiadas pelas forças da razão de

natureza e ações transformadoras, por ter causado muitas vezes o dessabor e a

desilusão na luta incansável contra opositores durante o processo de

Independência, e que poderiam fracassar, caso não tivesse pulso e determinação

junto a D. Pedro I, o que vem a ser evidenciado no poema, com o uso de palavras

como “escura”, “medonha”, “triste”, “afeia”, “surdo”, “rouca”, “fusca”, “terror”, “grito”,

“trevas”, “tristeza”, “medonho”, e firma a posição quando repete o adjetivo “triste”

quatro vezes, além de “tristeza” duas vezes. É, sem sombra de dúvidas, um poema

triste.

Ainda em 1790 em Paris, Bonifácio é nomeado membro da Sociedade

Filomática de Paris e da Sociedade de História Natural, e escreve o poema

Ausência, lembrando novamente da sua amada pátria Eulina, mostrando que nem

Portugal (o fado) pode apagar o amor que o poeta tem no coração, mesmo sendo a

ausência uma fera, solidão e deserto da alma, mas ele faz um apelo e dá certeza a

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ela que, se as almas estiverem unidas, esse amor será eterno, porque “as almas

nunca morrem”.

2.8 AUSÊNCIA Pode o Fado cruel com mão ferrenha, Eulina amada, meu encanto e vida, Abafar este peito e sufocar-me! Que pretende o Destino? Em vão presume Rasgar do meu o coração de Eulina, Pois fazem sós um coração inteiro! [...] Conspirem-se até mesmo os Céus tiranos. Sim, os Céus! Ah! parece que nem sempre Neles mora a bondade! Escuro Fado Os homens bandeando, como o vento Os grãos de areia sobre a praia infinda [...] A despeito de mil milhões de males, Da mesma morte. E contra nós que vale Do sangrento punhal, que o fado vibre, Quebrar a ponta? Podem ver os Mundos Errar sem ordem pelo espaço imenso; Toda a matéria reduzir-se em nada, E podem ainda nossas almas juntas, Em amores nadar de eterno gozo! As suas preocupações com a natureza são percebidas e criticadas em outro

poema com o nome de A Primavera (1799), de Francisco Vilela Barbosa (futuro

Marquês de Paranaguá):

“E Tu, que a natureza estudas e amas, Andrada, escuta o canto: ser-te-ão gratos Os sons da pátria Musa, e o nobre assunto”. “Porém quem como Tu, Ilustre Andrada, Na malfadada, ingrata Idade nossa, Há que assim possa sempre estudioso, E proveitoso despender a vida.” [...] “Lê pois, Andrada ditoso, No grande livro do mundo, Enquanto o sono profundo Cerca o leito do ocioso”

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Seu idílio intitulado “A Primavera” é publicado em 1816, no mesmo ano que

sai a Memória mineralógica sobre o distrito metalífero entre os rios Alve e Zézere.

(SILVA, 1946, p. 7). A primavera para o poeta é uma fase boa da sua vida, assim

como o outono é o fim. A musa Nise é a mesma que inspirava o pastor Glauceste

Satúrnio (pseudônimo árcade de Cláudio Manuel da Costa) poeta mineiro do século

XVIII. José Bonifácio já estava se preparando para voltar ao Brasil e sonhava com o

que iria ver brevemente, por isso nos versos as comemorações são seguidas de

palavras e expressões como “novas rosas”; “novo aroma” e “renovar”, deixando um

alerta no final: Os que hoje vivem, amanhã morrerão: Amemos hoje.

2.9 À PRIMAVERA Moço, bebamos; enche o copo, bebe; Já novas rosas novo aroma espargem. Eia! ligeiros ao jardim desçamos De Nise asilo. Outra vez quero renovar amores, [...] Brinde aos amores, que co’as rosas voltam, E com elas brincam. A vida acaba; muda-se a Fortuna, Que bens e males sem juízo espalha: Os que hoje vivem, amanhã morrerão: Amemos hoje. De 1800 a 1818, José Bonifácio tem intensa vida científica, política e militar

(durante as invasões francesas a Portugal) porém, mesmo com a mente direcionada

num projeto de vida específico, percebe que a poesia poderia ser um instrumento

capaz de produzir imagens e registrar sentimentos de um povo, apesar de que no

plano da realidade ela fosse apenas uma mistura difícil de amalgamar, e por isso

transformou as suas previsões sobre o futuro do Brasil desertificado em versos

densos, mitológicos, gregos e romanos, quebrando os paradigmas dos padrões

métricos da poesia da época, mostrando com ardor e rigor o seu jeito de amar o seu

país, escrevendo a sua própria passagem pela história.

Conforme afirma Tarquínio de Souza (1961), enquanto jovem e em

formação, José Bonifácio lia Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Descartes, Locke,

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Leibnitz e outros, fazendo grandes descobertas, e sendo diretamente influenciado

pelos vestígios do amor à natureza, à racionalidade das leis e os direitos humanos

naturais, porém mantendo uma postura cética quanto ao dualismo de Rousseau, no

qual o estado de natureza não caracteriza um período da história humana marcado

por inconveniências a serem superadas pela sociedade civil, para que a humanidade

pudesse estabelecer formas de convivência mais adequadas. Por conta dessas

influências, as aptidões teóricas, filosóficas e científicas de Bonifácio desembocaram

numa vocação poética desde quatorze anos até o fim da sua vida dedicada à

ciência, filosofia e à política, por amor ao seu País, dentro do processo que levaria o

Brasil a proclamar a sua independência de Portugal em 1822.

Sérgio Buarque de Holanda, no prefácio do livro Poesias de Américo Elísio,

afirma que a vocação poética de Bonifácio foi a primeira a se manifestar e o

acompanhou por toda a vida, admirando o clássico e resistindo à avalanche e ao

subjetivismo romântico. Disse Bonifácio:

“Não sou feliz e falo a verdade, porque nunca amei a falsa sentimentabilidade [sic] dos Romances modernos”. Mesmo assim, ele ainda sabia ser amável e obsequioso, “Ao lado dessa atividade incessante, que se exercitava como vimos, nos mais diversos setores, Bonifácio nunca deixou de cultivar boas letras”.

Seus primeiros estudos foram acompanhados pelo bispo d. Manuel da

Ressurreição, a quem dedicou elogio em versos, manifestados pelo seu gênio

natural dotado de talento até mesmo pela poesia.

Sérgio Buarque de Holanda informa que José Bonifácio

Escreveu numerosas “peças de circunstância”, posto que nem todas tenham sido incluídas entre as poesias de Américo Elísio. De algumas conhecemos trechos reproduzidos nas Anotações de Antônio de Menezes Vasconcelos de Drummond. Há motivos, aliás para duvidar da fidelidade absoluta dessas reproduções, ditadas de memória e sem o próprio Drummond pudesse ao menos conferir as cópias. (SILVA 1946, p. 11)

Mesmo com toda a sua cultura, o poeta José Bonifácio também sofreu

influências do meio, afirmando em seus Pensamento e Notas do livro José Bonifácio

de Andrade e Silva (2002, p. 236) organizado por Jorge Caldeira, que “para ser

poeta é preciso ser namorado ou infeliz”, expressando sentimentos verdadeiros,

nascidos num coração impregnado de caráter e inspirado na virtude.

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Os poetas, como os demais artistas – diz-nos ele em uma dessas notas (...) “se opõe à simplicidade e ordem poética em vez de subministrar o proporcionado alimento à curiosidade, mãe do gosto, mata-a com imaginações e vem a não conseguir seu devido fim”. (ANDRADE E SILVA 1946, p. 14)

A Cantata I é uma declaração à sua musa Eulina, a partir de elementos da

natureza, mostrando o poeta naquela oportunidade em Portugal a sua preferência

por temas campestres para fazer as suas odes à suas musas. Encerra o poema com

uma melodia vocal (ária)

2.10 CANTATA I Vós me nutris os ternos pensamentos, Quando á sombra das arvores copadas, Sombrios vales frescos, A rédea inteira solto à fantasia! De beleza em beleza divagando [...] Tudo o que vejo então me pinta Eulina. Eis aquela violeta, que goteja Das folhas frio orvalho, [...] Os recentes jasmins vivo debuxam Os dentinhos de Eulina, que sorria [...] Ah I que eram duas rosas orvalhadas! E há quem possa, ó minha Eulina, ver-te, Inda que seja um mármore, [...] Veja-se àquela fonte. Solte o riso, Que me rouba a mim mesmo, Verá sorrir com ela a natureza! [...] Lábios da minha Eulina, Lábios, favos de mel, mas venenosos! De vós depende dos mortais a dita, Se meigo vos abris... ah! nunca irosos! [...] Quando entre as flores nova flor passeia I Eulina, Eulina minha! Ah! não vendas tão cara a formosura: Se a natureza a deu, deu para dar-se. O peito às leis de amor não encrueças: Quem dura lhe resiste Vai contra o céu, a natureza ofende.

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Sim, crê-me, ó cara Eulina, [...] ÁRIA Se a natureza Te fez tão bela, Porque és cruel? Aprende dela; Sê-lhe fiel. [...] Na Cantata II o tema campestre volta a ser enfocado com precisão de quem

conhece e dá prioridade às paisagens e elementos da natureza. O poeta segue a

mesma musa Nise que inspirava o pastor Glauceste Satúrnio (pseudônimo árcade

de Cláudio Manuel da Costa) poeta mineiro do século XVIII. Encerra o poema com

uma melodia vocal (ária):

2.11 CANTATA II

Que alegre madrugada! os passarinhos Do sono despertando A aurora estão saudando. Salve, ó bela manhã! Feliz quem pôde Respirar o teu ar, que o sangue esperta; ... [...] Salve outra vez, ó bela natureza, Que os homens desconhecem! Mas não: Nise gentil, a minha Nise, Da ingênua natureza os dons prezando, [...] Aqui está a natureza contemplando! E que cheiro suave A matutina viração me envia I Talvez, ó Nise, o hálito divino, Recostada na relva, ao fresco espalhes. Eu não me engano, ó cara: Se as árvores meneia Buliçoso Favônio, manda aos ares O cheiro de mil pomos, de mil flores: Azul regato, que os jardins retalha, Embebe róseo aroma: [...] Oh! que quadro gentil alma natura Aos olhos apresenta! Ao longe alcantilada penedia, Aqui e ali orlada De arbustos verde-negros, vário musgo A cena fecha! O' Nise,

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[...] De novas graças a natura enfeita. Sim, teus beiços deleites mil gotejam, Nise minha divina! [...] Te presentem, ó Nise; enternecidas De raminho em raminho andam saltando, E parece te dizem gorjeando: ÁRIA Nise tirana, Tem dó de Armindo; Torna, inconstante, Torna ao querido A consolar. Ele te jura Por esses olhos, Onde os amores Fervem a molhos, Sempre te amar. No poema O inverno, escrito em 1788, o poeta se mostra melancólico, estando

olhando Lisboa do outro lado do rio Tejo, em Almada, uma cidade do Distrito de Setúbal.

Basta que observemos palavras como feio, gelado, triste, medonhos, negras, negrume,

raivosa, fúria etc. em versos carregados de elementos da natureza. Seria a metáfora do

inverno da sua alma. O poeta chega até a ter pena dele mesmo: Triste de Elísio misero,

cansado!, porque ele está longe da sua musa Eulina.

2.12 O INVERNO

Ora que o feio sobrançudo inverno As grutas deixa do gelado norte; E em triste majestade De medonhos tufões arrebanhado, [...] Triste de Elísio misero, cansado! Longe da cara, da gentil Eulina, Ou geie, ou chova, ou vente, [...] Os ventos berrão, ferve o Tejo inteiro! [...] Debalde enlutada a natureza Meu peito quer tingir de cores pretas; Mas pode em ti pensando, Cara Eulina, deixar de derreter-se [...] O vento furioso, Levanta-te, ó lua. - Sobre o Tejo

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[...] Ei-lo lá está da minha deusa o templo, Se os olhos não se enganam! [...] A divinal alcova! Ali contemplaria arrebatado Mil tesouros da pródiga natura. [...] Mas ai de mim! que faço! a fantasia De onda em onda de fictícios gozos Erra mesquinha! Basta já de sonhos! E na lapa musgosa reclinemos O fadigado corpo: Inda talvez que brilhe um alvo dia, Dia cheio de amor, e de alegria! Enquanto em 1817 ele admitia o livre comércio, cabendo ao Estado somente

garantir a sua liberdade, em 1789 ele defende intervenção do governo na economia.

Era para agradar a rainha D. Maria. Foi uma mudança de posição, como assinala

José Caldeira, na introdução do Livro José Bonifácio de Andrada e Silva

(organização e introdução de José Caldeira):

O José Bonifácio de 1817 não escreve mais como um estudioso, mas como um homem de Estado. No lugar de dirigir a sociedade de acordo com as leis naturais, como propunha em 1789, o bom governo seria aquele que a dirigisse com intervenção. (SILVA 2007, p. 21)

No ano de 1789 morre Bonifácio José Ribeiro de Andrada, o pai de José

Bonifácio. Nesse mesmo ano Bonifácio foi convidado a fazer parte da Academia de

Ciências de Lisboa e autorizado pelo governo português para viajar por 10 anos

pela Europa, chegando a Paris em 1790.

Em 1791 seguiu para a Alemanha, onde fez amizade com o naturalista

Alexander von Humboldt e adquiriu a fama de cientista. Tornou-se membro de

academias científicas em Berlim, Viena, Estocolmo, Londres e Edimburgo.

Em 1808, quando Napoleão invadiu Portugal, a família real retirou-se para o

Brasil. Quando os franceses se retiraram, Bonifácio ligou-se à Maçonaria e retornou

às suas atividades.

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CAPÍTULO III - O RETORNO DO POETA AO BRASIL

Junto com alguns parentes e criados, no dia 19 de agosto de 1819, José

Bonifácio recebe o seu passaporte e viaja de Portugal para o Brasil, desembarcando

em Santos, após breve passagem pelo Rio de Janeiro. Sobre essa volta, Pádua

(2002) diz que

A verdade é que ele conhecia relativamente pouco o país onde havia nascido. [...] foi na Europa que ocorreu o seu desabrochar intelectual. [...] seus amigos Rodrigo e Domingo se Sousa Coutinho [...] compartilhavam suas teses sobre a necessidade de fazer progredir o Brasil para bem do império lusitano.

Essa é a sua fase orgânica da afetividade social, emergindo no poeta as

recordações passadas, juntamente com a preocupação de servir à sua Pátria, mais

ativamente, sincero e espontâneo, escrevendo poemas mais eloquentes, que

emocionam e agradam, assumindo corajosamente atitudes revolucionárias

destacadas entre os demais poetas, sem a preocupação com um padrão de rima ou

geometria dos versos. O importante daquele momento em diante é sobrepor o

sentimento com a razão, subordinando a inspiração à estrofes com motivos políticos,

em desafio às situações dominantes no Império, principalmente depois da

dissolução da Assembleia Constituinte, em 1823.

Acerca do que ocorre em toda colonização imperial, relacionando com o

Brasil colonial durante o processo de dominação e poder pelo império português,

encontramos em Said uma explicação:

É verdade que se debatia a forma de governar as colônias, e discutia-se se deveriam abrir mão de algumas delas. Mas ninguém com alguma capacidade de influir na política ou no debate público contestava a superioridade básica do homem branco europeu, que sempre devia manter tal primazia. (SAID 2011, p. 245)

O Brasil oferecia um lindo e exuberante esplendor de natureza na região de

Santos, São Paulo, nas lindas praias e rios que vinham com as cachoeiras dos

morros cobertos de matas, desaguando num mar azul e limpo, onde também era

possível assistir os voos das gaivotas, tudo emoldurado pelo espetáculo do sol,

desde as manhãs até o por do sol. O lírico captado por um poeta bucólico é exalado

do perfume da mata virgem, dos sons e zumbidos de insetos, dos cantos das

cigarras e das arapongas que agitam e animam um cenário.

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Esse retorno acendeu a necessidade de agir em defesa do país, conforme

opina Augusto Pádua:

O reencontro com a realidade brasileira, dessa forma, renovou em Bonifácio a antiga percepção quanto à necessidade de elaborar e implementar um projeto sistemático de reforma geral para o Brasil. (PÁDUA 2002, p. 146)

Bonifácio é conscientemente inspirado pela natureza, contemplando as

grandes belezas naturais da pátria, ao mesmo tempo em que vai se dedicando ao

projeto político de independência, continuando com o culto à natureza e à ciência,

até outubro de 1823, época do seu exílio.

A sua preocupação com o poder do Estado interferindo no meio ambiente

está caracterizada nas “Notas sobre a administração e agricultura”:

O governo deriva da propriedade e não vice-versa, e é contra a natureza que o princípio dependa do seu derivado, assim as leis de título, ou fundamentais, não podem depender do governo. (SILVA, 2002, p. 259)

Na Ode (1820) a D. João VI, por exemplo, Bonifácio mostra com êxito o seu

respeito à ordem social e ecológica, ao se preocupar com a triste sorte dos índios e

a terrível condição dos escravos, invocando a benevolência e piedade do rei, porque

ele pode amansar aquela “fera” esfaimada, transformando-a em tímido cordeiro;

fazendo chover dons celestes em lugar dos ventos furiosos do norte, os Bóreas; que

os campos cheios de ervas possam se tornar jardins do Éden; mas que seja rigoroso

com as provocações dos inimigos; e que o Deus da guerra Mavorte, que ensopa as

faces de sangue, faça de tigres apenas famintos corvos.

3.1 ODE

No gosto oriental (1820) Ao Senhor Dom João VI

Co’a santa paz, com ter benigno mando A fera esfaimada, mansa ameiga O tímido cordeiro. [...] Faz chover tua mão celestes dons, E vasa mil venturas, qual chuveiro Por Bóreas sacudido. [...] Mas se o colono ibero nos provoca, Nossos ginetes beberão com gosto De sangue as águas tintas.

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[...] E Mavorte, que em sangue ensopa as fauces, Fará seus membros vis pasto de tigres, De famintos corvos.

Com o passar dos anos as letras vão encorpando a agitação política e o

desejo inarredável do poeta na consolidação da Independência do Brasil, em pleno

período do reinado de 1808 a 1821 de D. João VI, alertando sempre sobre os

perigos da má utilização da natureza para produção agrícola:

Se a agricultura não se anima com cuidado e atenção, cairão em longos abismos estas artes e ofícios tão estimados. Da fartura do lavrador virá a numerosa povoação, o seu supérfluo virá para as cidades, e não vice-versa. (SILVA 2007, p. 262)

Vasconcellos de Drummond teria redigido ainda outras poesias de José

Bonifácio, satirizando a política do Brasil, porém esses originais se extraviaram das

suas mãos e o seu estado físico senil não deram condições de recuperá-los.

Um exemplo dessas sátiras é “Cantigas Báquicas”, poema de 1820, quando

o poeta provoca os corcundas (segundo Bonifácio, eram os que queriam a

separação, mas não a liberdade), ao mesmo tempo em que exalta o seu amor pela

pátria, pede para que se esqueça os remorsos cruéis, é contra o despotismo, clama

por liberdade, lutando, se for preciso, vingando-se dos portugueses.

3.2 CANTIGAS BÁQUICAS (aparentemente de 1820)

A Baco brindemos, Brindemos a Amor: Embora aos corcundas Se dobre o furor. [...]

Que a nós não nos minam Remorsos cruéis. [...] De ser como dantes A pátria fieis. A Baccho brindemos, etc.

[...] Jamais humilhados Ao vil despotismo, [...]

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Gritemos unidos Em santa amizade: Salve, ó liberdade! E viva o Brasil! [...] Se a pátria nos ama, Amá-la sabemos: Por ela estivemos O sangue a verter. Se a pátria nos chama, Iremos contentes Com peitos ardentes Por ela a morrer. [...]

A Baco brindemos, Brindemos a Amor: Embora aos corcundas Se dobre o furor.

No poema, o poeta tem a sensibilidade de perceber as injustiças nas

entranhas dos que são contra e deprimem as causas da independência, o que

certamente agravariam profundamente e colocava em risco as perspectivas do

futuro do Brasil. Ao mesmo tempo em que exalta o deus romano Baco, do vinho e

das festas, ele expressa a sua fúria sobre os corcundas, e acrescenta que:

“Os corcundas que perderam pela revolução a antiga reputação e influência creem que a recobrarão pele contra-revolução – enganam-se, acabou-se o seu tempo”. (SILVA 2002, P. 249)

É preciso que todos sejam fiéis e exaltem a Pátria que nos ama, e se preciso

for, devemos lutar e até verter o sangue para vingar de possíveis inimigos. Portanto,

suas investidas pessoais mostram uma alma comprometida com atitudes

enobrecedoras na carreira pública e atividades privadas.

Em 1821 Francisco de Melo Franco, um estudante brasileiro (talvez ajudado

pelo colega José Bonifácio) escreveu e divulgou anonimamente o poema satírico

“No Reino da Estupidez”, exaltando a deusa Estupidez, que é recebida com honras

num período de decadência acadêmica pelo sucessor do Reitor Reformador (o

Principal Mendonça5, que foi Patriarca de Lisboa), defendendo a Teologia e

atacando a Astronomia. Trata-se de poesia satírica que lembrava os tempos da

5 D. José Francisco Miguel Antônio de Mendonça (1725-1818), foi nomeado em 1788 como o Patriarca de Lisboa pelo Papa Pio VI, e foi também Capelão mor da rainha D. Maria I.

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escola em Coimbra, circulando inicialmente em cópias manuscritas, mas depois

foram impressas em quatro edições muito procuradas, cuja autoria ficou

desconhecida do público e anônima durante muitos anos, pelo ataque que o autor

fazia ao Reitor e outras autoridades da universidade. O autor diz: “Tanto reina ainda

aqui mesmo a Estupidez!” (ALBUQUERQUE 1975, p. 3).

Em 6 de agosto de 1822 foi assinado um manifesto dirigido pela regência do

Rio de Janeiro aos governos e nações amigas, esperando continuar merecendo a

aprovação e estima de que se faz credor o caráter brasileiro, como se denunciasse a

política tirânica de Portugal com o Brasil colônia, firmada em "leis de sangue ditadas

por paixões, e sórdidos interesses", como definiu Tarquínio de Souza, que se trata

de:

Documento que, sem exagero pode ser chamado de notável, e feito ao mesmo tempo com o coração e com o cérebro, é o manifesto de 06 de agosto de 1822. Assinou-o D. Pedro, mas não há dúvida quanto à autoria de José Bonifácio. (SOUZA, 1961, p. 20)

Warren Dean, em seu livro A ferro e fogo - A história e a devastação da mata

atlântica brasileira, expressa como o Brasil agiu em relação à escravidão:

Em 1822, todos os outros países ocidentais haviam abjurado o tráfico; apenas Portugal não se convertera. O Brasil poderia ter começado sua vida enquanto nação sem ter maculado essa desonra. (DEAN 2007, p. 162).

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CAPÍTULO IV - O EXÍLIO DO ESTADISTA NA VOZ DO POETA

No dia 07 de setembro de 1822, em São Paulo, D. Pedro I proclama a

Independência do Brasil, com a frase “Independência ou Morte”, que por

coincidência era o nome de uma das “palestras ou lojas” do Apostolado fundado por

José Bonifácio. Era uma versão azul da maçonaria vermelha, chefiada por ele

mesmo, como Arconte-rei, detendo o comando formal dos dois ramos, sendo que

diferença estava apenas no juramento.

Nos seus discursos, po exemplo em 1823, Bonifácio não deixava dúvidas

sobre as suas posições e amor à pátria:

No discurso A independência e os partidos, José Bonifácio exalta seu amor pela pátria; Dá a sua opinião sobre a Lei de represália como justa e que praticamente todos os países já teriam utilizado daquela medida, para prevenir erros e crimes, prevenir os incautos e assustar os perversos com a certeza do castigo. Bonifácio nunca dobrou o joelho ao despotismo (poder nas mãos de apenas um governante). (SILVA 2007, p. 179)

Com certeza, Portugal não aceitou a nossa independência de bom grado. Na

Europa, a França foi o primeiro país a reconhecer em agosto de 1825. Na realidade,

o primeiro país que reconheceu foi os Estados Unidos, em 1824. Portugal exigiu do

Brasil 2 milhões de libras para pagar uma dívida à Inglaterra, vindo D. João VI

reconhecer tardiamente a independência do Brasil, com o decreto de 29 de Agosto

de 1825, conservando para si o tratamento de “Imperador titular do Brasil”.

No dia 14 de abril de 1823, no Rio de Janeiro, o Imperador D. Pedro I

expede decreto designando a data da reunião dos Deputados da Assembleia Geral,

Constituinte e Legislativa do Império do Brasil.

Quando aconteceu a 1ª Assembleia Legislativa do Brasil, em sessão

permanente, foi chamada de A noite da agonia, a madrugada decorrida entre os dias

11 e 12 de novembro de 1823 (ANDRADA E SILVA, 2002, p. 244). Houve a escolha

de uma comissão para dialogar com o rei, composta por José Bonifácio, Nicolau

Vergueiro, Pedro de Araújo Lima e Felizberto Caldeira Brant.

Em 12 de novembro de 1823 um grupo de deputado, inclusive José

Bonifácio, é expulso por D. Pedro I, após o fechamento da Constituinte.

Em 20 de novembro de 1823, José Bonifácio, família e alguns amigos são

exilados, partindo do Rio de Janeiro rumo à França, a bordo do pequeno navio

(charrua) português Lucônia. Entre eles estão os seus irmãos Antônio Carlos Ribeiro

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de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, e também os amigos

José Joaquim da Rocha, Antônio de Menezes Vasconcelos de Drummond,

Francisco Gê de Acaiaba Montezuma e o padre Belchior Pinheiro de Oliveira.

Chegaram em Talence, subúrbio a quatro quilômetros de Bordeaux, na França, em

junho de 1825, recebendo apoio, inclusive da maçonaria. Além de morar em

Talence, Bordeaux, José Bonifácio e seus irmãos passam dias em Caudéran e

Mussidan. O exílio durou dos 61 a 66 anos e foi de lá que escreveu cartas aos

amigos com diversos temas, principalmente os problemas financeiros.

No exílio traduziu obras de Virgílio e Píndaro, e começou a escrever em

1825, sob o pseudônimo arcádico de Américo Elísio, as Poesias avulsas, gastando

nisso 500 francos. Não era tido como um bom e original poeta, mas era um homem

que sabia o que estava sendo marcado pela história da segunda metade do século

XVIII. Do Brasil vinham notícias que não o podiam deixar contente, pois D. Pedro I

outorgou a Constituição em 25 de março de 1824, a fim de abafar o movimento

revolucionário do Nordeste conhecido como Confederação do Equador.

Naquele período José Bonifácio ativou a sua produção literária com muitas

poesias e cartas politicas. Traduziu ainda o Livro XXXII da Historia Natural de Plinio6

(composto de trinta e sete livros, especialmente dedicados à história e divulgação da

medicina aos povos antigos de Roma, no século I d.C.)

4.1 CARTAS DO EXÍLIO

As Cartas Andralinas foram escritas aos seus amigos e companheiros de

exilio em Paris, Vasconcelos Drumond e José Joaquim da Rocha entre os anos de

1824 a 1829, e publicadas no Volume XIV dos Anais da Biblioteca Nacional.

As escritas das suas cartas estão carregadas de palavras grosseiras e

desrespeitosas, destratando homens ilustres do primeiro reinado, usando de

alcunhas deprimentes, por exemplo, afirmando que o Brasil é Império dos

Tatambos7; tratando D. João VI como João Burro, D. Pedro I como Imperador de

Mata-Porcos (alusão à aristocrata Domitila de Castro Canto e Melo - Marquesa de

Santos, a mais famosa amante de D. Pedro I), e Pedro Malasartes (mentiroso sem

escrúpulos – folclore brasileiro), dentre outros.

6 Romano (Caio Plínio, o velho) 23 – 79 d.C. foi escritor, historiador e naturalista. 7 índios servis habitantes da cidade Tatambo, na Colômbia.

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4.2 RETORNO DO EXÍLIO

Autorizado pelo Imperador, o exílio de José Bonifácio termina em 25 de maio

de 1829, devendo embarcar de volta ao Brasil e fazer a travessia oceânica. Na

viagem morre a esposa Narcisa Emília O’Leary.

Em 23 de Julho de 1829 desembarcou no Rio de Janeiro, um velho

alquebrado e sem esposa, depois de seis anos de exilio.

Ocorre uma reaproximação dele com a Corte portuguesa,

Em 1831 o Imperador abdica ao trono nomeando-o como tutor do futuro D.

Pedro II, mas em 1832 Bonifácio é destituído da tutoria, acusado de tentar ajudar a

reconquista do Brasil por Portugal, processado e posteriormente absolvido por

unanimidade.

Nas memórias científicas de José Bonifácio, o principal objeto de estudo é a

natureza, que para conhecê-la esteve sempre fazendo viagens de observações e

experimentações, tendo-a como sua grande aliada na luta de revelar o

conhecimento do reino natural em relação aos princípios que regiam o

relacionamento humano no mundo, dentro da sensibilidade e da razão iluminista.

Nas suas destacadas produções, Bonifácio seguiu os preceitos da escola filintista

(Filinto Elysio), que aderiu a uma doutrina ou uma ideia.

Sabe-se que em Talence o poeta escreveu poemas em versos soltos, como

preferia, versando sobre a dissolução, em 12/11/1823 da Assembleia Constituinte,

quando vários deputados foram presos, inclusive José Bonifácio, levado para o Arsenal da Marinha, com Antônio Carlos, Martim Francisco, o padre Belchior (sobrinho de José Bonifácio), Francisco Montezuma, José Joaquim da Rocha e os seus dois filhos, onde ficaram sob os cuidados do general Morais. (SOUSA 1988, p. 221)

Para mostrar que a legislação já começava a facilitar a vida de quem estava utilizando de

forma errada os bens naturais, Warren Dean (2007) informa:

Uma lei de 1829 reiterou a proibição de derrubada em terras públicas, mas permitiu que os conselhos municipais concedessem licença. Em 1831, os hortos florestais foram extintos, encerrando assim a supervisão imperial das flores litorânea sobrevivente. (DEAN, 2007, p. 176)

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CAPÍTULO V - AMÉRICO ELÍSIO

José Bonifácio entendia que as contingências da vida e as vicissitudes

sociais são inevitáveis e podem desviar qualquer indivíduo do seu rumo

precipuamente estabelecido, numa conduta moral construída socialmente, dentro de

rigorosa observância dos conceitos da razão e virtude. Tendo consciência desse

conjunto de atributos intelectuais construído afetivamente dentro de rígidos

princípios, ele não se desviou, construindo a verdade no seio de uma biografia

composta por arte, atitudes, coragem e determinação, transportadas em certo

momento nas escritas poéticas de Américo Elísio.

O pseudônimo de Américo Elísio transparece uma série de fatores que

nascem no exílio de José Bonifácio na França, em 1823 e que vai até 1829, e tem

tudo a ver com o desejo do Poeta impor um selo, uma marca do período injusto que

estava vivendo longe da sua pátria, adotando um nome e um sobrenome que

pudessem lembrar a origem, no caso a América do Sul (daí vem Américo). O

sobrenome “Elisio” teve influência da escola de Filinto Elysio (Padre Francisco

Manuel do Nascimento, 1734 – 1819), poeta português do Neoclassicismo (final do

século XVIII - início do século XIX), numa época em que as letras portuguesas

agonizavam com a própria Nação, necessitando de uma reação dos seus vultos

mais notáveis, procurando os meios de revitalizar a cultura portuguesa como

organismo de afirmação e superação nacionais. Era tudo o que Bonifácio queria com

o seu Brasil. O pseudônimo Filinto Elysio foi atribuído a Francisco Manuel pela

Marquesa de Alorna (a quem ensinou latim), por ter pertencido à sociedade literária

Grupo da Ribeira das Naus, e por tradição os seus membros adotavam

pseudônimos. A escola filintista pregava a necessidade da modernização da língua

vernácula, retirando neologismos inúteis e galicismos espúrios, suprimindo a rima,

pois o verso rimado às vezes disfarça o objetivo.

O local do seu desterro, no caso a França, dos jardins Champs Elysées

(Campos Elísios) – que significa “reino dos mortos”, na mitologia grega, também

pode ter influenciado o sobrenome Elísio, que para o poeta, o exílio também é um

reino de mortos, por representar o sentimento de estar morto.

Talvez conservando o seu próprio nome na autoria dos seus escritos

naquela oportunidade, não tivesse a audiência e os efeitos por ele desejados.

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O domínio de seis idiomas por Bonifácio deu-lhe acesso a diversas obras e

fez com que a sua cultura literária fosse rica, acessando a autores clássicos

prediletos, como Hesíodo, Píndaro e Virgílio, além do seu respeito pela Bíblia, pelos

seus escritos de beleza e de moral.

Alguns poemas de Américo Elísio exortam o amor, o desejo e a

sensualidade que o poeta vê em sua mulher.

O seu único livro "Poesias de Américo Elísio" foi publicado durante o exílio,

em Bordéus, França, abordando a sua preocupação com temas recorrentes ao seu

amor à sua Pátria, e a natureza, por ser um profundo estudioso das causas

ecológicas e das ciências naturais. Com nostalgia, entrelaçava versos com

sentimentos de revolta da política e saudade do Brasil, em palavras impregnadas de

mágoas e ressentimentos, tristeza e contrariedades, de revolta contra injustiças e

perfídias. Esses seus escritos não deixam dúvidas de que é um Poeta panteísta,

admitindo que Deus é todo o universo, desde a mente humana, as estações e todas

as coisas e ideias que existem.

Na introdução do Livro Poesia de Américo Elísio, Sérgio Buarque de Holanda

afirma que

Triunfante na Europa, o romantismo ainda não metrificava no Brasil ao tempo em que o santista (Bonifácio) escreveu suas poesias. E se alguém poderia talvez preceder a Gonçalves de Magalhães na glória de trazê-lo para nossa terra, foi sem dúvida aquele que se assinou academicamente, arcadicamente, Américo Elísio.(SILVA, 1946, p. 8)

As fortes inspirações patrióticas e políticas do nacionalista e antilusitana são

constatadas nos versos de O poeta desterrado (1825) de Bonifácio (Américo Elísio)

que exprimem o seu rancor pelos desdobramentos dos acontecimentos políticos

decorrentes dos atos de covardia de D. Pedro I, além da subserviência política

portuguesa e da pressão sofrida exercida pelos conservadores do Brasil e,

principalmente os comerciantes que faziam o tráfico de escravos, e os demais

brasileiros que não queriam perder os privilégios adquiridos com a condição colonial

do país, e mesmo após os seus serviços, que levaram o Brasil à sua independência,

tiraram-no o poder e o obrigaram ao exílio, vivendo o seu triste desterro na França. É

um adeus à sua Pátria amada, em direção ao desterro:

5.1 O POETA DESTERRADO

Ó lira brasileira, que inspiravas, Com teus hinos, no peito amor de glórias;

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Tu que o pranto da esposa suspendias, Quando ausente o guerreiro; Ora do triste vate no desterro [...] Fica pois, lira inútil, pendurada [...] Ah! não digas, ó zoilo, mal do vate, [...] Mas a causa, que a alma ora lhe agita, É também de Narcinda a santa causa: Da terna lira os sons enchem-lhe o peito De dor e de saudade. [...] Ah! não digas, ó zoilo, mal do vate, Se ainda se acolhe de Narcinda ao seio; Pois no meio do sonho dos amores, Também co'a pátria sonha. Para a moleza não nasceu o vate: Em ditosos dias chamejava Sua alma ardente, do heroísmo cheia, Quando uma pátria tinha! [...] Os lábios, que ora movem moles versos, Já levantar souberam da vingança Grito tremendo, a despertar a pátria Do sono amadornado. Mas de todo acabou da pátria a glória! Da liberdade o brado, que troava Pelo inteiro Brasil, hoje emudece Entre grilhões e mortes! [...] Acusa-os de traição, porque a amavam, Servil, infame bando. Ah! não digas, ó zoilo, mal do vate, [...] Das falsas honras, ascendeis no fogo Que abrasa o Brasil todo? [...]

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Maldição sobre vós, almas danadas! [...] Ah! não digas, ó zoilo, mal do vate, Se à páfia deusa algum consolo pede; Se a aguda dor, que pela pátria sente, Sonha abrandar um pouco! [...] Que o seu Brasil envolvem, nesse instante Em pé se alçará forte! [...] Mas enquanto o Brasil adormecido Brilhantes dias renovar não sabe, [...] Da lira, que através dos mares voam, Façam chorar a pátria. Adeus, ó lira; basta; já se embruscam [...] Adeus enfim, adeus, lira piedosa! [...] Se tantos males suportou constante, A ti o deve, ó lira - já não podes Ora mais consolar dobradas mágoas Adeus, em paz descansa!

Seguindo o périplo existencial, no poema A criação percebe-se novamente a

sua postura clássica, com estruturas ortodoxas consagradas pelos árcades e de

inspiração cristã, no qual o poeta continua a se servir das alusões mitológicas para

manifestar a sua inquietação com a política da Corte portuguesa no Brasil,

especialmente pelo tratamento que D. Pedro lhe dispensou. Ele culpa Deus pela

criação que depois despreza, apelando para a religiosidade, expressando também o

seu saudosismo pelo Brasil, utilizando palavras e expressões vinculadas à natureza.

5.2 A CRIAÇÃO Lá sobre um alto do nascente mundo, Donde as águas tremendo recuaram, Quando ouviram a voz do Deus do raio, [...] Viçosas plantas, de que o Globo pasma!

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Pelos ventos aromas mil espalham Os verdejantes ramos seus difusos, Que do ar expansivo a vida tiram: Os Zéfiros brincões dependurados [...] As une todas. Laços que Natura [...] Eis pelo novo campo vem saltando Animais de cem formas, cem figuras! [...] Que Natureza liberal derrama; Nem austera Razão, - injusta e fraca! [...] Nos campos geniais do Éden formoso, Gentil morada, que nos destinaras, Ligeiro sono apenas encetaram Nossos primeiros pais, a quem o Fado - Invejoso! segou em flor os gozos. [...] O filho infame, bravejando de ira, No sangue maternal ensopa os braços; E pensa, ó meu bom Deus, que assim lh'o manda! Eis lá da costa d'Aulide saudosa [...] Ao altar se avizinha. O sacerdote, Em alto alçando o bárbaro cutelo, O golpe lhe prepara. Ternas gotas A Dor espreme dos vizinhos olhos. Cruel, suspende o golpe: e de que serve Para ventos domar sangue inocente: Triste Efigênia, mísera donzela! Em vez dos laços de Himeneu suaves, [...] A terra ensopa, e amolenta as patas Dos soberbos ginetes Andaluzes Deus do Universo! A Natureza freme, [...] Deus piedoso, Deus que nos criaste, Porque cruentas mãos livres lhes deixas? Devias antes seus nefandos feitos Manso atalhar, do que punir irado! [...] Ah! se a obra de tuas mãos benignas Rebelde havia ser a teus preceitos, Antes, ó Deus, antes a não formasses: Criar folgaste eternos infelizes? Que perspectiva horrenda! Densas nuvens O horizonte da Razão me embruscam! Imenso abismo me rodeia todo! Fraca Razão humana, caos vasto

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De orgulho e de cegueira, ah! não presumas Mistérios penetrar a ti vedados: Ama os homens, e a Deus: isto te basta.

Na Ode aos Baianos e na Ode aos Gregos, o poeta faz culto à liberdade e o

amor da Pátria, moldurados em imagens de precisão vocabular e cadência dos

esplêndidos versos que evolui na importância, quando mostra uma reciprocidade

contínua nas relações de trabalho, entre a sua concepção e a respectiva execução.

Mas isso poderá ser objeto de um novo estudo.

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CAPÍTULO VI - O OCASO DO POETA Na introdução do livro José Bonifácio de Andrada e Silva (Organização e

introdução de José Caldeira) está previsto um fim, que na realidade é apenas outro

começo:

[...] em 1819 José Bonifácio viu finalmente chegar a hora de sua aposentadoria – e de voltar ao Brasil, para uma nova etapa de vida. [...] ele desembarcou em Santos no final do ano de 1819 depois de 37 anos de ausência, com 56 anos de idade. Veio com a mulher Narcisa, três filhas (uma delas de uma relação extraconjugal) 6 mil livros e uma das maiores coleções de minerais da época.

Porém, a partir de 1829 o patriarca da independência retorna do exílio já

debilitado e perde a motivação e o desejo de continuar dando “murro em ponta de

faca”. A sua alma está perdida e o seu coração está ferido. Enfim, aos 68 anos ele

pretendia pelo menos continuar até o fim dos seus dias em pesquisas científicas,

mas recolhe-se por sete anos na Ilha de Paquetá8, morrendo em 6 de abril de 1838.

6.1 HOMENAGENS PÓSTUMAS

O seu cadáver foi embalsamado e encontra-se sepultado no Convento da

Ordem do Carmo em Santos.

No ano de 1922, a Câmara Municipal de Santos ergueu um Panteão e

depositou as cinzas de José Bonifácio e dos irmãos Antônio Carlos e Martim

Francisco.

8 Ilha de Paquetá, em Niterói – Rio de Janeiro, Brasil. É a mesma ilha do romance “A moreninha”, de Joaquim

Manuel de Macedo (Século XIX), publicado em 1844.

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CONCLUSÃO

Este trabalho teve o objetivo de mostrar a poética de José Bonifácio (o

velho) nos poemas que escreveu com o pseudônimo de Américo Elísio,

principalmente na época antes e durante o exílio, dentro da sua preocupação com a

conservação do meio ambiente, numa época de plena colonização e exploração da

natureza, cuja preocupação ligada aos aspectos ecológicos e políticos no Brasil,

numa relação intrínseca entre os problemas ecológicos e sociais, com o futuro da

sociedade brasileira, conforme deixou escrito em Pádua (2002, p. 75): “Que defesa

produziremos no tribunal da razão, quando os nossos netos nos acusarem de fatos

tão culposos?”.

Os poemas mostram o quão visionário era Bonifácio, deixando um cabedal

de importantes trabalhos intelectuais e científicos, abordando as preocupações no

período pré e pós-independência, quanto a necessidade de preservação das matas

e possíveis alterações climáticas, além da luta pela libertação gradual dos negros

escravos, sendo um Iluminista convicto resistente à democracia, apesar de

monarquista conservador.

Socialmente era um incansável defensor da natureza, como a salvação

contra a fome e a falta de empregos, pois segundo o próprio Bonifácio (in Pádua

2002, p 152): “Os brasileiros para viverem não tem quase necessidade de

trabalharem. A natureza dá-lhes tudo de graça”.

Nos seus trinta e seis anos na Europa ele teve um longo amadurecimento

acadêmico e científico, além de administrador público, defendendo sempre a

abolição da escravatura, conforme ele mesmo expressou:

“Os sofrimentos, as maldições, as interrogações mudas a Deus, do escravo, condenado ao nascer a galés perpétuas, criança desfigurada pela ambição do dinheiro, não se extinguem de todo com ele, mas espalham nesse vale de lágrimas da escravidão, em que ele viveu, um fluido pesado, fatal ao homem e à natureza”. (in PÁDUA 2002, p. 227)

A escravidão, a perseguição aos índios, o desmatamento e o desperdício,

despertaram nele a necessidade da criação de um projeto que pensasse o Brasil

como um todo, valorizando a natureza, utilizando os seus conhecimentos científicos

e acadêmicos, a fim de reverter a degradação feita com a fauna e a flora,

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defendendo o cultivo de manejo proveitoso das terras e o reflorestamento do que foi

retirado da Mata Atlântica, como Pádua (2002) explica:

Com o desflorestamento, além de tudo que já foi dito, os ventos tomavam uma direção prejudicial, as fontes secavam, as águas baixavam de nível e não podiam mais fertilizar as terras altas, os rios perdiam sua força, o peixes deixavam de ser abundantes, as terras se erodiam e desertificavam. (PÁDUA 2002, p. 154) .

O poeta Américo Elísio deu voz e vez a José Bonifácio para gritar, protestar,

chorar, mandar recados, sofrer e amar, sem que precisasse ser o Patriarca da

Independência, por isso usou a poesia com mais independência.

Nos dias de hoje a comunicação possibilita que os países se comprometam

mais com o tema ecologia, de maneira mais formal, como ocorreu na “Rio+20”, que

além de ser um prolongamento ou uma nova etapa de Rio/92, também foi uma

retomada das preocupações de José Bonifácio com a natureza, mesmo numa época

em que todos os recursos naturais de água, árvores, ar e terra, eram mais

disponível. Portanto, nada mais justo do que nomeá-lo como o “eterno defensor da

natureza”.

Temas ecológicos do Século XXI, como Ciclo da vida; Desenvolvimento

sustentável; Efeito estufa; Externalidades positivas e negativas; Agricultura orgânica;

Passivo ambiental; Terra desperdiçada; Pecuária; Pegada ecológica; Reciclagem;

Meio ambiente; Responsabilidade Social e Cultura verde, são exemplos de palavras

ou expressões que se modernizaram para tratar de problemas que já preocupavam

José Bonifácio (Américo Elísio) no final do Século XVIII e início do Século XIX.

São tantos os trilhos que o trem dessa história tem ainda de percorrer, que

pretendemos brevemente voltar a outras estações em busca de novos passageiros,

com temas relacionados ao Patriarca, quer seja para acréscimo, revisão ou

deslocamentos deste trabalho inicial.

O exílio de brasileiros intelectuais e políticos que lutaram para preservar a

natureza, a democracia, a cultura, os direitos sociais e políticos no período da

ditadura militar no Brasil (1964 a 1985), também não foi uma injustiça com

perseguições e mortes a outros “Bonifácios”, na segunda metade do século XX?

Portanto, senhores, a viagem não para por aqui. Gostaria de seguir com a

pesquisa acadêmica, por isso, ficarei aguardando o contato da Universidade.

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