Um pensamento sobre justiça ambiental

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Gustavo Fialho (diurno) Marina Pasquetto (diurno) Pedro Dantas (noturno) Justiça ambiental: uma possibilidade No século XVIII, Rousseau apontou que a civilização e a sociedade corrompem o homem e seria necessário voltar-se à sua natureza (estado primitivo e originário), pois a vida em sociedade corrompe a sua bondade. Consequentemente as leis da natureza englobam uma totalidade em que o Homem é apenas uma parte. Antes dele, Hobbes (no século XVII) apontava a natureza humana como intrinsecamente má, perversa, onde só um bom Governo seria capaz de sanar essa sua essência perturbadora. Obviamente se mostram como filosofias opostas e divergentes. O artigo de Zanirato et al traça um panorama bastante desenvolvido dos riscos colocados frente às ameaças à humanidade gerados justamente por ela. Mediante a nova forma de ordem global “trata-se”, referindo-se a Beck, “de uma sociedade na qual a produção social de riquezas é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos”. Pior: são riscos cujas proporções não são homogêneas; eles são o reflexo de um acúmulo de desigualdades não apenas circunscritas a um determinado território, mas principalmente sociais e econômicas que implicam em uma estrutura representativa de poder. A partir de lutas de base contra iniquidades ambientais, o Movimento de Justiça Ambiental (fundado nos EUA nos anos 1980) definiu que caberia à “justiça ambiental” a luta pelos direitos civis quanto às condições inadequadas de saneamento, de contaminação química de locais de moradia e trabalho e de disposição indevida de lixo tóxico e perigoso. Para isso, foram utilizadas pesquisas multidisciplinares sobre as condições da desigualdade ambiental no país, procurando tornar evidente que forças de mercado e práticas das agências governamentais concorriam de formas perturbadoras, articuladamente, para a produção de desigualdades ambientais. Para evitar o embate e o desmanchamento dos grandes órgãos e instituições poluidoras, a exportação dessa “injustiça ambiental” em direção dos limites mais pobres e politicamente menos organizados a níveis internacionais se tornou uma prática, e como resposta, o Movimento trouxe o lema “poluição tóxica para ninguém” como um de seus principais gritos, iluminando a necessidade de maior participação e articulação internacional das comunidades de baixa renda e das minorias no processo decisório relativo às políticas ambientais (ACSERALD).

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Reflexão sobre as aplicações e conseuqencias do pensamento de justiça ambiental

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Page 1: Um pensamento sobre justiça ambiental

Gustavo Fialho (diurno) Marina Pasquetto (diurno) Pedro Dantas (noturno)

Justiça ambiental: uma possibilidade

No século XVIII, Rousseau apontou que a civilização e a sociedade corrompem

o homem e seria necessário voltar-se à sua natureza (estado primitivo e

originário), pois a vida em sociedade corrompe a sua bondade.

Consequentemente as leis da natureza englobam uma totalidade em que o

Homem é apenas uma parte. Antes dele, Hobbes (no século XVII) apontava a

natureza humana como intrinsecamente má, perversa, onde só um bom

Governo seria capaz de sanar essa sua essência perturbadora. Obviamente se

mostram como filosofias opostas e divergentes.

O artigo de Zanirato et al traça um panorama bastante desenvolvido dos riscos

colocados frente às ameaças à humanidade gerados justamente por ela.

Mediante a nova forma de ordem global “trata-se”, referindo-se a Beck, “de

uma sociedade na qual a produção social de riquezas é acompanhada

sistematicamente pela produção social de riscos”. Pior: são riscos cujas

proporções não são homogêneas; eles são o reflexo de um acúmulo de

desigualdades não apenas circunscritas a um determinado território, mas

principalmente sociais e econômicas que implicam em uma estrutura

representativa de poder.

A partir de lutas de base contra iniquidades ambientais, o Movimento de Justiça

Ambiental (fundado nos EUA nos anos 1980) definiu que caberia à “justiça

ambiental” a luta pelos direitos civis quanto às condições inadequadas de

saneamento, de contaminação química de locais de moradia e trabalho e de

disposição indevida de lixo tóxico e perigoso. Para isso, foram utilizadas

pesquisas multidisciplinares sobre as condições da desigualdade ambiental no

país, procurando tornar evidente que forças de mercado e práticas das

agências governamentais concorriam de formas perturbadoras,

articuladamente, para a produção de desigualdades ambientais.

Para evitar o embate e o desmanchamento dos grandes órgãos e instituições

poluidoras, a exportação dessa “injustiça ambiental” em direção dos limites

mais pobres e politicamente menos organizados a níveis internacionais se

tornou uma prática, e como resposta, o Movimento trouxe o lema “poluição

tóxica para ninguém” como um de seus principais gritos, iluminando a

necessidade de maior participação e articulação internacional das

comunidades de baixa renda e das minorias no processo decisório relativo às

políticas ambientais (ACSERALD).

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Na madrugada do dia 3 de dezembro de 1984, 40 toneladas de gases tóxicos

vazaram da fábrica de pesticidas da empresa norte-americana Union Carbide

na cidade de Bhopal na Índia. Cerca de 500 mil pessoas foram expostas ao

gás, três mil mortes diretas logo nos primeiros dias e mais 10 mil em

decorrência de doenças causadas pelo desastre. Atualmente aproximadamente

150 mil pessoas ainda sofrem com o efeito do acidente e destas, 50 mil estão

incapacitadas para trabalho devido a problemas de saúde. A fabrica

permanece abandonada e até apenas há poucos anos que as agencias de

saúde indianas conseguiram obter informações precisas acerca da real

composição química dos gases. A antropóloga Veena Das em um artigo ainda

acrescentou a esse desastre o maciço impacto na cultura local, onde gerações

se perderam ou foram perturbadas em razão da perda de familiares, problemas

de saúde, emprego. Enfim, a situação apresentada é apenas uma de tantas

que serviriam como exemplo da disseminação dos já referidos riscos

ressaltados pela expansão do poder capitalista da divisão territorial do trabalho.

Pois bem, a complexificação da DTT e consequente extinção simbólica dos

limites promove toda uma distribuição desigual dos riscos provenientes desse

modelo de desenvolvimento que além de dessemelhante torna-se hierárquico.

O pensamento ecológico dominante se constitui basicamente por dois

aspectos: a maior parte dos riscos ambientais socialmente induzidos, seja no

processo de extração dos recursos naturais, seja na disposição de resíduos no

ambiente incide desproporcionalmente sobre os mais pobres e os grupos

étnicos desprovidos de poder, pouco sensível às suas dimensões sociológicas.

Essa concepção dominante contribuiu para que o tema do “desperdício” ou da

“escassez” da matéria e energia se apresentasse, mundialmente, como o mais

importante impasse ecológico. De modo a erradicar esses problemas

específicos, passou-se a discutir, no meio dos governos e das grandes

corporações, o conceito de “modernização ecológica”, que visa designar

estratégias de cunho neoliberal, que propõem ênfase à adaptação tecnológica,

à crença na colaboração e no consenso, ao estímulo do crescimento

econômico de mercado, legitimando o próprio livre-mercado como melhor

instrumento para equacionar os problemas ambientais.

No Brasil onde a desigualdade é parte inquestionável da estrutura social,

agregou-se ao conceito de justiça ambiental a luta por inclusão das populações

de baixa renda em suas diversas faces. Organizações não Governamentais,

Movimentos Sociais, Universidades e Centros de Pesquisa são importantes

peças na luta contra o que chamamos de "injustiça ambiental".

O conceito de Justiça Ambiental refere-se ao tratamento justo e ao

envolvimento pleno de todos os grupos sociais, independente de sua origem ou

renda nas decisões sobre o acesso, ocupação e uso dos recursos naturais em

seus territórios. Ao menos é o que se propõe a fazer ainda que seus resultados

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não sejam propriamente efetivos em razão da contrapartida dos grandes

conglomerados empresariais e detentores de um certo poder.

Afinal há um limite para os interesses? Qual a finalidade da perpetuação de um

ciclo vicioso de reprodução de riscos? Como a justiça ambiental pode ter um

papel determinante nessas questões fundamentalmente éticas e morais? Até

que ponto o que é cunhado como justiça ambiental é capaz de promover suas

práticas nessas questões extra-territoriais? Questões como essa continuarão

permeando o debate dessa questão. A reflexão proposta permite um viés

crítico da posição do homem perante as atrocidades geradas em detrimento de

interesses particulares de uma minoria. Neste nosso contexto, Hobbes

ganharia notoriedade se adotássemos a natureza humana como perversa e

através das forças de uma justiça ambiental sua reparação. Ao mesmo tempo.

Rousseau estaria mais preciso se olhássemos sob o prisma de que sua

natureza benévola se corromperia pelo estímulo atual da apropriação

capitalista. A justiça ambiental, portanto, é um sopro que mesmo com suas

limitações e críticas possui determinação positiva como objetivo.

Textos base:

ACSERALD, Henri, Mello, Cecilia e BEZERRA, Gustavo. O que é justiça

ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009

BURNS, Thomas e LEMOYNE, Terri. Como os movimentos ambientalistas

podem ser mais eficazes [online] 2007

MORENO JÌMENEZ, Antonio. Justiça ambiental [online] 2010

ZANIRATO, RAMIRES, AMICCI, ZULIMAR e RIBEIRO [online] 2008