Um ritual português de sucesso

2
Setembro/Outubro de 2012 19 STORE MAGAZINE Empreendedores Ritual português de sucesso São três amigos com carreiras muito diferentes até decidirem lançar-se num projecto comum: o Prego Gourmet, cadeia que se orgulha de ser 100% nacional e que até final do ano deve contar oito lojas e facturar dois milhões de euros. Receita? Analisar bem o mercado, ser cauteloso nas decisões, crescer sustentadamente. E trabalhar. Porque um negócio próprio é como um filho. Que o digam André Simões de Almeida, João Cota Dias e David Igrejas André Simões de Almeida, 34 anos, era o responsável pelo marketing do negócio da família, o grupo ho- teleiro Albatroz. João Cota Dias, 32 anos, desempenhava funções na área financeira da cimenteira Se- cil. David Igrejas, também 32, era chef do seu próprio restaurante, o Foral da Vila, em Cascais. Une-os uma amizade já antiga. E um pro- jecto em que se lançaram em 2010 muito embora nunca tenham “so- nhado” aventurar-se em conjunto no mundo empresarial. Hoje são empresários de sucesso, donos de uma cadeia que até final do ano deverá somar oito lojas e facturar mais de dois milhões de euros. Assim pode ser resumida a histó- ria do Prego Gourmet, um projec- to bem-sucedido em tempo de crise. Os seus fundadores fazem, aliás, questão de sublinhar que o negócio nasceu para a crise: “Nas- cemos no meio da crise, pelo que foi todo pensado para a crise”. Como? Teve em conta que, embo- ra exista uma redução do número de pessoas que frequentava os food courts dos centros comerciais – e que, por exemplo, passou a co- mer no próprio local de trabalho -, essa quebra é compensada pelo aumento de consumidores que tro- caram os restaurantes tradicionais pelos espaços de fast food, mais acessíveis. E o que os três fizeram foi pensar numa oferta suficientemente aces- sível para o fast food mas com qualidade garantida. Porquê o pre- go como eixo de todo um negó- cio? Porque no restaurante de Da- vid já se confeccionava um prego gourmet – com rúcula e parmesão -, um verdadeiro sucesso de ven- das que, a dada altura – e a culpa é da crise – retirou o protagonismo a pratos mais formais. A ideia de alavancar o projecto empresarial a três no prego foi, por isso mesmo, ideia de David, que os outros dois amigos acolheram. “Um ritual português aperfeiçoado” é o conceito por trás do negócio, que os sócios explicam: “O prego já tem um posicionamento muito bem definido no mercado portu- guês, é talvez dos pratos mais co- nhecidos. Mas a sua simplicidade acabou por torná-lo quase banal. Ora nós notámos neste produto um enorme potencial e decidimos posicioná-lo de um modo bastante diferente”. Daí o gourmet. O que oferecem nas várias lojas já abertas na Grande Lisboa não é um prego simples: são oito tipos no pão e cinco no prato, desde o “clássico” Gourmet herdado do restaurante de David, “feito com o melhor lombo do mercado”, ao invulgar prego asiático feito com salmão fresco (“as pessoas ini- cialmente escolhem um pouco a medo, mas, depois de provarem, ficam viciadas”). Foi em Setembro de 2010 que deram os primeiros passos mais sérios na direcção de um negócio que se propunha incorporar uma proposta de valor para o fast food (“Só é fast porque é rápido…”, co- mentam). Valor pela qualidade do produto, mas também pela portu- galidade: “Dá um gozo diferente, porque nos food courts a maioria dos conceitos são importados, quer sejam franchisings ou não”. O Prego Gourmet nasceu para a crise e pela crise, mas como ar- ranjar investidor neste contexto económico? André, João e Da- vid foram bem-sucedidos nes- ta demanda. A primeira porta a que bateram abriu-se-lhes: Pedro >>>

description

Um ritual português de sucesso

Transcript of Um ritual português de sucesso

Page 1: Um ritual português de sucesso

Setembro/Outubro de 2012 19STORE MAGAZINE

Empreendedores

Ritual português de sucesso

São três amigos com carreiras muito diferentes até decidirem lançar-se num projecto comum: o Prego Gourmet, cadeia que se orgulha de ser 100% nacional e que até final do ano deve contar oito lojas e facturar dois milhões de euros. Receita? Analisar bem o mercado, ser cauteloso nas decisões, crescer sustentadamente. E trabalhar. Porque um negócio próprio é como um filho. Que o digam André Simões de Almeida, João Cota Dias e David igrejas

André Simões de Almeida, 34 anos, era o responsável pelo marketing do negócio da família, o grupo ho-teleiro Albatroz. João Cota Dias, 32 anos, desempenhava funções na área financeira da cimenteira Se-cil. David Igrejas, também 32, era chef do seu próprio restaurante, o Foral da Vila, em Cascais. Une-os uma amizade já antiga. E um pro-jecto em que se lançaram em 2010 muito embora nunca tenham “so-nhado” aventurar-se em conjunto no mundo empresarial. Hoje são empresários de sucesso, donos de uma cadeia que até final do ano deverá somar oito lojas e facturar mais de dois milhões de euros.Assim pode ser resumida a histó-ria do Prego Gourmet, um projec-to bem-sucedido em tempo de crise. Os seus fundadores fazem, aliás, questão de sublinhar que o negócio nasceu para a crise: “Nas-

cemos no meio da crise, pelo que foi todo pensado para a crise”. Como? Teve em conta que, embo-ra exista uma redução do número de pessoas que frequentava os food courts dos centros comerciais – e que, por exemplo, passou a co-mer no próprio local de trabalho -, essa quebra é compensada pelo aumento de consumidores que tro-caram os restaurantes tradicionais pelos espaços de fast food, mais acessíveis. E o que os três fizeram foi pensar numa oferta suficientemente aces-sível para o fast food mas com qualidade garantida. Porquê o pre-go como eixo de todo um negó-cio? Porque no restaurante de Da-vid já se confeccionava um prego gourmet – com rúcula e parmesão -, um verdadeiro sucesso de ven-das que, a dada altura – e a culpa é da crise – retirou o protagonismo

a pratos mais formais. A ideia de alavancar o projecto empresarial a três no prego foi, por isso mesmo, ideia de David, que os outros dois amigos acolheram.“Um ritual português aperfeiçoado” é o conceito por trás do negócio, que os sócios explicam: “O prego já tem um posicionamento muito bem definido no mercado portu-guês, é talvez dos pratos mais co-nhecidos. Mas a sua simplicidade acabou por torná-lo quase banal. Ora nós notámos neste produto um enorme potencial e decidimos posicioná-lo de um modo bastante diferente”. Daí o gourmet. O que oferecem nas várias lojas já abertas na Grande Lisboa não é um prego simples: são oito tipos no pão e cinco no prato, desde o “clássico” Gourmet herdado do restaurante de David, “feito com o melhor lombo do mercado”, ao

invulgar prego asiático feito com salmão fresco (“as pessoas ini-cialmente escolhem um pouco a medo, mas, depois de provarem, ficam viciadas”).Foi em Setembro de 2010 que deram os primeiros passos mais sérios na direcção de um negócio que se propunha incorporar uma proposta de valor para o fast food (“Só é fast porque é rápido…”, co-mentam). Valor pela qualidade do produto, mas também pela portu-galidade: “Dá um gozo diferente, porque nos food courts a maioria dos conceitos são importados, quer sejam franchisings ou não”. O Prego Gourmet nasceu para a crise e pela crise, mas como ar-ranjar investidor neste contexto económico? André, João e Da-vid foram bem-sucedidos nes-ta demanda. A primeira porta a que bateram abriu-se-lhes: Pedro

>>>

Page 2: Um ritual português de sucesso

20 Setembro/Outubro de 2012 STORE MAGAZINE

Empreendedores

Almeida, empresário que cons-truiu carreira na Suíça e que criou uma holding para fazer in-vestimentos em Portugal, acre-ditou no projecto. “O projecto era válido na nossa opinião e na de quem decidiu investir”, sintetizam. Terá ajuda-do o facto de o empresário já conhecer o produto e de já ter sido parceiro de David no res-taurante de Cascais. Terá ajuda-do também o facto de não ser necessário empatar muito di-nheiro inicialmente, pois o plano de investimento era faseado, à exacta medida do crescimento do negócio – isto é, loja a loja.Foi no Amoreiras Plaza que o verdadeiro teste começou. Esta-va-se a 9 de Junho de 2011, sá-bado. O dia (da semana) foi es-colhido estrategicamente para permitir afinar “a máquina” e tê--la bem oleada para a segunda--feira seguinte, dia de maior mo-vimento já que o centro se situa numa zona de escritórios.“Foi muito bem aceite desde o primeiro dia”. Mas, se não fosse, havia um plano B: “Tínhamos a vantagem de ter um cozinhei-ro… No dia seguinte, estávamos a fazer ervilhas com ovos escal-fados para rentabilizar o espa-ço com pratos do dia e, pelo menos, pagar o investimento”, brincam.Não foi preciso. O plano inicial de abrir cinco a sete lojas até final de 2012 já sofre um upgra-de e, neste momento, oito lojas é a meta. Reconhecem que es-tão mais ambiciosos mas não abandonaram a cautela inicial. “Estudamos muito bem o mer-cado antes de abrir uma loja para ter a certeza de que ali vai funcionar. Quando pensamos num centro comercial sabemos exactamente quantas refeições ali se vendem por dia”. Em mé-dia, o Prego Gourmet vende 250 diárias, com o Alegro Alfragide e o Oeiras Parque no topo do ranking, pela razão de que têm maior afluência à noite e ao fim--de-semana por oposição às lojas do Plaza e do Atrium Sal-danha, em que a procura é mais concentrada ao almoço e du-rante a semana.Janeiro marcará a expansão da

marca para outras geografias, ain-da que o investimento na Grande Lisboa esteja longe de esgotado. Mas o território nacional é o hori-zonte, tendo já sido identificadas cidades com potencial como Por-to, Braga, Coimbra, Faro e Leiria. Mas o crescimento será – garan-tem – sempre gradual, sem preci-pitações. Exportar também está na forja das ideias, até porque o Prego Gour-met foi concebido como um pro-duto global. Mas é “um produto difícil”, que exige “um controlo di-ário” para que a qualidade sejam 100 por cento garantida. Daí que os passos além-fronteiras só ve-nham a ser dados depois de con-solidada a operação em Portugal.

“Ter um projecto próprio é como um filho, exige 24 horas de de-dicação e causa 24 horas de preocupação”. A frase resume o que os três jovens empresários sentem em relação ao Prego Gourmet – sabem do que falam pois são os três casados e com filhos (André dois, João outros dois e David três). E recordam os tempos de germinação do negócio, quando acordavam a meio da noite para trocar emails. Muitas foram as horas de sono perdidas na montagem do ne-gócio, na preocupação com a qualidade. Ainda hoje, já com as lojas em velocidade de cruzeiro, há sempre imprevistos e por-menores a afinar, quantas vezes fora das horas de “expediente”.É por isso que desiludem aque-les que pensam que ter um negócio próprio é ter uma vida mais flexível, sair mais cedo, tempo para ir ao ginásio… “É exactamente o contrário, temos de estar disponíveis 24 horas por dia”. O benefício em quali-

“Se fôssemos muito ambiciosos no início se calhar era mais fácil vender a ideia, mas depois não era fácil manter as expectativas. A luta foi maior, mas estamos tranquilos”

André Simões de Almeida, 34 anos, trabalhava no grupo hoteleiro da família, agora gere o marketing do Prego Gourmet

João Cota Dias, 32 anos, trabalhava na área financeira da Secil, agora gere as contas do negócio

David Igrejas,32 anos, era chef do seu próprio restaurante, agora zela pela qualidade da sua receita

Como um filho

negÓCio

dade de vida chegará mais tar-de: para já fica a “satisfação de um negócio com potencial”.Os números confirmam: o ano de 2012 deverá encerrar com dois milhões de euros factura-dos, acima das expectativas. Mas – ressalvam – eram expec-tativas conservadoras. Mas os resultados consolidam a con-fiança do investidor no projecto. “Se fôssemos muito ambiciosos no início se calhar era mais fácil vender a ideia, mas depois não era fácil manter as expectativas. A luta foi maior, mas estamos tranquilos”. A três anos ou três anos e meio é esperado o retor-no do investimento.Aos que pretendam seguir-lhes na esteira, recomendam que analisem o assunto friamente, estudem muito bem o mercado, criem uma estrutura equilibrada e cresçam sustentadamente. E que trabalhem. Mas também deixam a convicção de que “em tempos de crise se criam gran-des negócios”.

>>>