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A CIDADE DE ÉVORA 1 UM TEXTO ÁRABE DO SÉCULO X RELATIVO À NOVA FUNDAÇÃO DE ÉVORA E AOS MOVIMENTOS MULADI E BERBERE NO OCIDENTE ANDALUZ Por Adel Sidarus <v A produção historiográfica da Hispânia islâmica que chegou até nós, inclui muito pouco das obras de cariz regional cuja existência nos é conhecida através da transmissão ou da história literárias. Da zona hoje portuguesa, ou do antigo espaço “lusitano” que constituía a totalidade do Gharb al-Ândalus (Torres/ Macias 1992, p. 368-9,417), nada parece ter sobrevivido, apesar de sabermos terem existido alguns exemplares deste género. Sintomaticamente, diziam respeito aos períodos de autonomia ou independência (fitna) que alternaram regularmente com os momentos de hegemonia absoluta dum estado centralizado ao nível de todo o Andaluz. Quer dizer, os períodos mais interessantes do ponto de vista da história regional, pois é neles que vêm ao de cima as correntes profundas da dinâmica própria a cada espaço geo- humano. Além disso, a escrita que se nos revela nos poucos fragmentos ou textos completos conhecidos, está muito próxima da narrativa espontânea, impressionista e, amiúde, minuciosa, à maneira do género khábar da historiografia árabe (Chalmeta 1972, p. 360-1, 368). A primeira daquelas obras de história regional luso-islâmica relatava as façanhas de Ibn-Marwán al-Jillíqi e sua dinastia: os senhores de Badajoz que lideraram o movimento de autonomia muladino “Ocidente andaluz”, entre as últimas décadas do século IX e as primeiras do século imediato. Dela falaremos de seguida, porque é precisamente a ela que deve pertencer o texto que nos irá ocupar nestas páginas. A segunda crónica luso-árabe que se perdeu é a de Abu-Bakr Muhâmmad Ibn- Muzayn, filho dos “reis de taifâ’ que governaram Silves e sua região, antes da sua integração no reino abádida de Sevilha, e kátib do rei-poeta al-Mú‘tamid (1). Um outro oficial deste dinasta e autor duma história do seu reinado é Abu-Bakr Muhâmmad ibn Yúsuf Ibn-Qásim ash-Shilbi, de ascendência silvense (2). É de admitir que tenha dado uma atenção especial à terra dos seus antepassados no quadro da obra dedicada ao reinado do seu amo, tanto mais que este, como se sabe, esteve muito ligado a Silves. (,) Departamento de História, Universidade de Évora. Agradeço à Dr. a Carolina Terra a gentileza que teve em rever o meu texto. Na transliteração das palavras árabes prescindiu-se dos sinais diacríticos indicando o alongamento vocálico ou a enfatização consonântica, recorrendo a acentos gráficos para permitir ao leitor português uma acentuação tónica das palavras e dos nomes próprios que respeite tanto quanto possível a sua morfologia original. Contudo, quando se trata de aduzir, para efeitos de verificação científica, o texto original (palavras ou passagens), seguiu-se à risca a prática corrente entre os meios arabistas. O mesmo acontece na listagem das fontes nas “Referências bibliográficas”. Lembre-se que a letra s tem sempre valor surdo. O elemento onomástico ibn (filho) foi escrito em maiúsculas e ligado com um hífen ao elemento seguinte quando o conjunto constitui claramente um apelido patronímico.

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A CIDADE DE ÉVORA 1

UM TEXTO ÁRABE DO SÉCULO X RELATIVO ÀNOVA FUNDAÇÃO DE ÉVORA E AOS MOVIMENTOS

MULADI E BERBERE NO OCIDENTE ANDALUZ

Por Adel Sidarus <v

A produção historiográfica da Hispânia islâmica que chegou até nós, inclui muitopouco das obras de cariz regional cuja existência nos é conhecida através datransmissão ou da história literárias. Da zona hoje portuguesa, ou do antigo espaço“lusitano” que constituía a totalidade do Gharb al-Ândalus (Torres/ Macias 1992, p.368-9,417), nada parece ter sobrevivido, apesar de sabermos terem existido algunsexemplares deste género. Sintomaticamente, diziam respeito aos períodos deautonomia ou independência (fitna) que alternaram regularmente com os momentos dehegemonia absoluta dum estado centralizado ao nível de todo o Andaluz. Quer dizer,os períodos mais interessantes do ponto de vista da história regional, pois é neles quevêm ao de cima as correntes profundas da dinâmica própria a cada espaço geo-humano. Além disso, a escrita que se nos revela nos poucos fragmentos ou textoscompletos conhecidos, está muito próxima da narrativa espontânea, impressionista e,amiúde, minuciosa, à maneira do género khábar da historiografia árabe (Chalmeta1972, p. 360-1, 368).

A primeira daquelas obras de história regional luso-islâmica relatava asfaçanhas de Ibn-Marwán al-Jillíqi e sua dinastia: os senhores de Badajoz que lideraramo movimento de autonomia muladino “Ocidente andaluz”, entre as últimas décadas doséculo IX e as primeiras do século imediato. Dela falaremos de seguida, porque éprecisamente a ela que deve pertencer o texto que nos irá ocupar nestas páginas.

A segunda crónica luso-árabe que se perdeu é a de Abu-Bakr Muhâmmad Ibn-Muzayn, filho dos “reis de taifâ’ que governaram Silves e sua região, antes da suaintegração no reino abádida de Sevilha, e kátib do rei-poeta al-Mú‘tamid (1). Um outrooficial deste dinasta e autor duma história do seu reinado é Abu-Bakr Muhâmmad ibnYúsuf Ibn-Qásim ash-Shilbi, de ascendência silvense (2). É de admitir que tenha dadouma atenção especial à terra dos seus antepassados no quadro da obra dedicada aoreinado do seu amo, tanto mais que este, como se sabe, esteve muito ligado a Silves.

(,) Departamento de História, Universidade de Évora. Agradeço à Dr.a Carolina Terra a gentileza queteve em rever o meu texto. Na transliteração das palavras árabes prescindiu-se dos sinais diacríticos indicando oalongamento vocálico ou a enfatização consonântica, recorrendo a acentos gráficos para permitir ao leitorportuguês uma acentuação tónica das palavras e dos nomes próprios que respeite tanto quanto possível a suamorfologia original. Contudo, quando se trata de aduzir, para efeitos de verificação científica, o texto original(palavras ou passagens), seguiu-se à risca a prática corrente entre os meios arabistas. O mesmo acontece nalistagem das fontes nas “Referências bibliográficas”. Lembre-se que a letra s tem sempre valor surdo. Oelemento onomástico ibn (filho) foi escrito em maiúsculas e ligado com um hífen ao elemento seguinte quando oconjunto constitui claramente um apelido patronímico.

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2 A CIDADE DE ÉVORA

Para a época das Taifas almorávidas (meados do século XII), existiu umahistória pormenorizada do célebre movimento místico-político dos muridún lideradopor Ibn-Qasi de Silves. Era da autoria do conhecido cronista almóada ‘Abd-al-MálikIbn-Sáhib-as-Salát, nativo de Beja e, na sua juventude, testemunha dosacontecimentos. Vários autores posteriores citam-na explicitamente (3).

Temos, finalmente, da pena de al-A‘lam al-Batalyawsi (“o de Badajoz/oPacense”), uma História de Badajozquç teria sido referenciada em Fez, no final do séculopassado (Pons, n° 249). O autor morreu em 1248, quer dizer, cerca de duas décadasdepois do domínio almóada se ter desmoronado na Península. Badajoz, claro, foidurante este domínio o baluarte da presença islâmica no Ocidente peninsular. Masdepreende-se do título que a obra deveria tratar também das épocas anteriores. Ora, ésobejamente sabido que a história desta cidade do Guadiana, que substituiu Mérida noseu papel de capital da Lusitânia desde finais do século IX (Picard 1991; Sidarus 1991,p. 16), está intimamente ligada ao território hoje português, constituindo o período dataifa afitá- cida de Badajoz apenas o episódio mais significativo (Martinez 1904;Terrón 1971).

I. A FONTE E SUAS ORIGENS

Fora das histórias locais e regionais, a historiografia hispano-árabe - como tantas“histórias nacionais”, antigas e modernas... - tem-se interessado pelas províncias ouregiões apenas em função do poder central. O pulsar da sua vida, as lutas internas, asdificuldades ou os êxitos encontram um fraco eco no que se poderia qualificar de“anais palacianos”, fossem eles cordoveses ou sevilhano-magrebinos (Chalmeta 1972,p. 361-2, 368-9). Uma feliz excepção constituem alguns volumes de al-Muqtabas, aconhecida compilação cronográ- fica do grande historiador cordovês do século XI,Abu-Marwán Ibn-Hayyán (4). Encontramos assim no segundo e quinto volumes longaspassagens referentes ao Gharb na época “muladi” acima evocada.

Mas estes trechos não são da lavra do autor do Muqtabas. São tirados da obra dumoutro cronista de Córdova, já da segunda metade do século X, ‘Isa ar- Rázi (m. 989?).Não se trata do famoso Mouro Rasis (aliás Áhmad ar-Rázi, 887-955), celebrado naliteratura portuguesa por ter sido traduzida a sua Crónica- lembremos - por ordem de D. Dinís (5), mas sim do filho (6). As obras de ambosencontram-se hoje perdidas, mas foram ampla e literalmente excerpidas precisamentepor Ibn-Hayyán (Ávila 1984, p. 100-1).

Para dizer a verdade, apenas as passagens do volume II mencionamexplicitamente ‘Isa. No volume V temos, como em tantos outros lugares do Muqtabas(7), a menção “ar-Rázi” sem mais, não se podendo saber se é do pai ou do filho que setrata. Que saibamos, não se empreendeu ainda o estudo comparativo do labor deambos, para se poder determinar a origem exacta de tais passagens. Sabe-se apenas queo filho, além de continuar a obra do pai, enriqueceu-a com elementos recolhidos por si.Para o caso em apreço, e como se explicitará logo, as afinidades que existem entreambas as séries de textos raziano-hayyanos abonam a ideia duma origem única: ‘Isaibn Áhmad ar-Rázi, que é claramente identificado no caso das primeiras citações(Muqt: II, p. 346, 360, 379, 386).

De resto, um levantamento sistemático dos vários volumes publicados doMuqtabas poderia demonstrar que a maioria, senão a totalidade dos dados nele contidossobre os senhorios rebelados naquela época (taifas avant la lettre), proviriaprecisamente de ‘Isa..

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De qualquer modo, estes longos e insólitos desenvolvimentos que mereceu,numa crónica cordovesa, uma província periférica e bastante secundária como oextremo Gharb al-Ândalus, assim como a própria riqueza e o pormenor das informaçõesali fornecidas (características próprias ao género historiográfico do khábar, acimadescrito), isto tudo obriga-nos a postular o uso, senão a transcrição literal, dumacrónica local, coeva dos acontecimentos relatados. Mesmo que o autor não invoquefonte alguma para os elementos aqui fornecidos, ao contrário por exemplo da suaprática ao falar de Saragoça e toda a marca superior (Sánchez-Albomoz 1977, p. 311 e315), esta presunção impõe-se.

Para se convencer disso, chegaria invocar o uso repetido de al-jamã‘a (acomunidade [política/político-religiosa]), ou também de ad-da‘wa (causa, partido), semmais indicações, para falar dos dissidentes muladis naquela região (8). Ou tambémconfrontar os trechos em apreço com a escrita genuína de ‘Isa ar-Rázi, tal como se nosapresenta nas abundantes e longas citações incorporadas na compilação de Ibn-Hayyán, com especial destaque para Muqt. VII.

Ora, como se assinalou atrás, existiu uma tal crónica. Refere-a o grande Ibn-Hazm (994-1064), no catálogo da produção literária que integra a sua Apologia do Islãoandaluz(9), e, com base nele, al-Humaydi (1020-95), na sua obra bio-bibliográficaintitulada Judhwatal-muqtabis(n,° 619). O texto deste é, por sua vez, transcrito por ad-Dabbi (m. 1203), na Bughyat al-multamis (n.° 1045; trad, apudCodera 1917, p. 24-25).

Assim, não devemos duvidar de que as longas passagens atribuídas noMuqtabasa. ‘Isa ar-Rázi são autênticos fragmentos, mesmo que retocados, dum escritohistórico, hoje perdido, que denominaremos Crónica dos Banu Marwán de Badajoz. Oselementos lexicais e idiomáticos que foram recolhidos ou comentados no presentetrabalho, e que mereceriam uma análise mais alargada, aprofundada e comparativa,poderiam servir para caracterizar um pouco a escrita desta crónica.

Como veremos logo, um destes fragmentos diz respeito à destruição de Évoraem 913. Ora, parte deste preciso texto era já conhecido por constituir o § 9 da CrónicaAnónima de al-Nasir(CAN): um escrito conciso sobre o reinado de ‘ Abd-ar-Rahmán III(912-61), quer dizer, um escrito que cobre cronologicamente o volume V de al-Muqtabas de Ibn-Hayyán recentemente descoberto. E o confronto de ambos os textos,revela a estreita dependência, mesmo literal, da Crónicasm relação a al-Muqtabas.Enquanto Chalmeta (1982, p. 333-5) propõe ver no primeiro uma versão resumida doTa ’rikhde Áhmad ar-Rázi, amplamente conservado no segundo texto, Molina (1986)inclina-se para ver nele antes um resumo da própria obra hayyana. O que já se disserelativamente à paternidade daquele fragmento, i.e., que é de atribuir a Rázi filho, ‘Isa,reforçaria esta última posição. De qualquer modo, mais que de resumo, é de “epitome”que se deveria falar, pois são acontecimentos inteiros que foram preteridos de acordocom uma perspectiva “cordovesa” redutora.

II. CONTEÚDO DOS FRAGMENTOS

Mas vejamos de que tratam em especial os fragmentos da Crónica dos BanuMarwán de Badajoz transmitidos através da obra de ‘Isa ar-Rázi a Ibn- Hayyán.

A primeira série {Muqt. II, p. 346-99) conta as peripécias da fuga e itinerância de‘Abd-ar-Rahmán Ibn-Marwán al-Jillíqi, o conhecido rebelde muladi de Mérida, nolapso de tempo que vai de 261 H/874-5 C a 267 H/880-1 C. Ocasionalmente, fala-setambém do seu aliado Sa‘dún ibn Fath as-Surunbáqi, o caudilho luso-muçulmano queguerreava nas terras a norte do Tejo. Velho (198 la, p. 279-83) deu um sumário destestrechos, em apêndice a um estudo de análise toponímica dos mesmos. Também nóstivemos o ensejo de explorar esta fonte, ainda não traduzida em língua europeiaalguma, para identificar definitivamente a bela vila de Marvão e seu epónimo, eaclarar mais algumas questões de toponímia histórica do território hoje português(Sidarus 1991). Remetemos o leitor para este estudo e um outro sobre o muladismoalentejano (Idem 1990), para mais pormenores acerca destas duas figuras, incluindo asfontes e outras referências bibliográficas que lhes dizem respeito.

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4 A CIDADE DE ÉVORA

A segunda série dos trechos razianos conservados no Muqtabas (V, p. 62- 64,67-70,76-79) -e que transcrevem, como dissemos, a crónica relativa à casa dos BanuMarwán de Badaj oz-reporta-se à segunda década do século X. Essa época viu a cidadede Évora ser destruída e ficar deserta, e em seguida reconstruída e restaurada, assimcomo um surto de movimentação político- -guerreira envolvendo os vários estados ousenhorios semi-independentes da região. Já apresentámos o essencial das informaçõescontidas nestes fragmentos, com o devido enquadramento histórico e bibliográfico, emduas comunicações apresentadas em encontros científicos decorridos em Évora(Sidarus 1985 e 1990).

Hoj e, queremos fornecer uma tradução anotada e comentada desta importantedocumentação, que constitui um caso raro, senão único, no panorama das fontes árabeshoje disponíveis sobre o período islâmico do espaço português.

Obviamente, os trechos foram vertidos em castelhano com todo o volume dacompilação cronográfica que os contém (Muqt. V, trad. p. 81-84, 88-91,97- 100).Faltava-lhes, porém, as notas e os comentários que uma perspectiva lusa impunha. Poroutro lado, a análise cuidada que para tal o texto mereceu de nossa parte, tanto doponto de vista histórico e arqueológico como filológico, permitiu corrigir muitas dasinterpretações avançadas no texto espanhol. Não julgamos oportuno assinalarregularmente estas divergências, nem justificar as opções assumidas. Chega fornecerao leitor as palavras ou expressões originais objecto de discórdia ou susceptíveis dedúvida.

III. QUESTÕES DE VOCABULÁRIO E DE TERMINOLOGIA

Fez-se o mesmo para aquelas palavras ou expressões árabes que caracterizariama terminologia ou o estilo próprios à fonte em causa, porventura extensíveis à suaépoca ou ao seu local de origem (a ponta extremo-ocidental do Andaluz...).

Assinalem-se aqui algumas destas particularidades, até para não sobrecarregardemasiado o texto da nossa tradução com repetidas referências ao original oujustificações das opções feitas.

1. Na terminologia político-guerreira, a palavra fath e derivados (lit.‘abrir/abertura’), significa em geral ‘entrada à força, conquista, tomada’. Contudo, nocaso daquelas incursões ou algaras que os reinos peninsulares rivais empreendiamregularmente, uns contra o território dos outros, sem objectivos de ocupação duradoura(Mattoso 1992, p. 475-91), e que caracterizam precisa- mente a acção de Ordonhocontra a cidade de Évora, parece-nos mais correcto falar-se simplesmente de “saque”.

2. Parece haver uma certa sinonímia entre a palavra qawm (na origem, ‘grupoagnatício, tribo’) e r//a/(‘homens [armados] ’), ao falar-se dos bandos que acompanhamos caudilhos, mais ou menos errantes, daquela época conturbada. No nosso texto,sobretudo no texto II, qawm diferencia-se claramente de ahl (‘família, familiares’) ouaA/ira-wt//</(‘família e descendentes’, §11,11,16,21); refere-se, em particular, a citadapassagem II, 21 onde se encontram agrupados quase todos estes termos, incluindo aexpressão que a seguir se comenta, e a passagem de Muqt. II, p. 377, 1. 7-8, onde temosaté ahl/ahãli qawmi-hi. Perguntámo-nos se, neste contexto, não deviamos traduzir qawmpor “mesna- da”. A falta, porém, de indicações sobre a estrutura e o modo de viverdestas “tropas/bandos” no Andaluz de então, optámos pela expressão genérica “a gente(de alguém)”.

3. Em conexão com esta terminologia, para além do termo açhãb(‘companheiros[de caminho/guerra] ’), aparece muitas vezes a expressão man ma ‘a- -hu (lit. ‘quemestá com/acompanha alguém’), introduzida às vezes pelas proposições biou fí. Em II,21 temos até sãrü [al-rijãl]ma ‘a-hu (lit. ‘andaram com ele’), no sentido de “meteram-se/regressaram ao seu serviço”. Será afinal esta a expressão que corresponde a“mesnada”?

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4. Muwãlãt, o nome de acção de um verbo que significa ‘seguir, acompanhar’,relaciona-se com o clientelismo (tribal). Em contexto de relações feudais, usa-se,claro, para exprimir a “vassalagem política”. Contudo, pelo menos uma vez no nossotexto (§ II, 18) tem o sentido apenas de “mútua fidelidade política”: ao contrário doque se escreveu, nunca existiu relações de vassalagem entre Sa‘dún ibn Fath as-Surunbáqi e ‘Abd-ar-Rahmán Ibn-Marwán al-Jillíqi; e os relatos incluídos no vol. IIdo Muqtabas, oriundos da casa do último caudilho, comprovam-no claramente. Destemodo, não se sabe bem se a relação de muwãlãt, referida em III, 9 a propósito de Sa‘idIbn-Málik e Bakr Ibn-Maslama, foi de vassalagem ou de simplescompanheirismo/fidelidade político-militar. Já no caso que ligava este último a ‘ Abd-Allah, o neto de Ibn-Marwán al-Jillíqi (§ III, 10), poderia tratar-se do primeiro tipo: defacto, vemos Ibn-Maslama participar espontaneamente nas suas campanhas contra ossenhores vizinhos, incluindo o próprio Ibn-Málik (§ III, 13 e 24); mas poderiam ser oslaços de parentesco existentes (§ III, 24) que determinaram esta solidariedade.

5. Vê-se que há todo um vocabulário ligado às relações feudais que deveráinteressar os especialistas. O mesmo se poderá dizer acerca da terminologia relativa àsfortificações e aos processos de construção.Daí que se procurou assinalar, bastanteregularmente, as palavras ou expressões árabes ligadas àquelas temáticas.

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A CIDADE DE ÉVORA 6

IV. DESTRUIÇÃO E RESTAURAÇÃO DA CIDADE DE ÉVORA

A presente publicação oferece a oportunidade de corrigir e completar,de um modo ou outro, os trabalhos acima referidos.

Começando com o tema em epígrafe, deve salientar-se que ascircunstâncias da apresentação e publicação do respectivo trabalho (Sidarus1985) ditaram também a sua forma e natureza: uma primeira notícia, para finssócio-culturais e destinada a um público não especializado (10). Assim, não éde estranhar que fosse principalmente em relação a este trabalho que hajaaditamentos, e mesmo correcções, a fazer.

Lembre-se que Yábura foi destruída e ficou deserta no verão de 913, nasequência de um saque cristão particularmente violento, e logo reconstruída erepovoada, um ano mais tarde, em moldes e circunstâncias que constituemuma verdadeira solução de continuidade na sua história já mais quemilenária.

Em relação ao que se escreveu a este respeito, cumpre observar oseguinte, para além do que se disse anteriormente acerca da fonte:

1. Para a parte relativa ao saque e destruição de Évora, a presentetradução (texto I) toma em conta, muito mais sistematicamente que a ediçãoou tradução castelhana, a versão da Crónica Anónima de al-Násir (CAN) que,como se viu atrás, é dependente do texto aqui analisado, sem por issoreproduzir o seu conteúdo na íntegra. Esta fonte foi analisada por Lévi-Provençal (1950, v. II, p. 35-36; trad. p. 279-80) e vertida para português, apartir da tradução espanhola, em PEA II, p. 163-6.

2.0 estudo anunciado sobre a inscrição lapidar do Museu da cidade, queconfirma aquela “restauração” (hãdhihi 1-madina juddidat), foi entretantopublicado nas páginas da presente revista (Goulart 1987; cfr. Torres/Macias,422, il.).

3. Uma das conclusões que pensávamos poder tirar da nova documen-tação, era que Yábura “teria escapado à vaga autonomista muladique assolou oExtremo-Ocidente de al-Ândalus, entre o último quartel do séc. IX e asprimeiras décadas do século seguinte” (Sidarus 1985, p. 194). Baseávamo-nos, para tal, no facto de a cidade “ter à sua frente, na altura do ataque cristão,um ‘ãmil, i.e., um governador representando o poder central de Córdova” (loc.cit). Porém, sabemos, hoje, que o termo em apreço se aplicava também avassalos ou lugar- tenentes de senhores locais ou regionais. A título deexemplo, a nossa fonte (.infra § III, 22) fala precisamente de um certo ‘ãmil doSenhor de Badaj oz para os seus domínios (‘amai) situados nas imediações deNiebla. Deste modo, o ‘ãmil

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4.

Marwán ibn ‘ Abd-al-Málik ibn Áhmad poderia ter representado directamenteo Senhor de Badajoz em Évora, a qual faria então parte integrante do seusenhorio. Contudo, ao ouvirmos a gente de Badajoz ponderar a conveniênciade restaurar Évora e acabar com o seu ermamento, deparamo-nos com oargumento de que viria assim a integrar o senhorio pacense (infra § II, 20).Deste modo, fica-se afinal sem certezas acerca do posicionamento político deÉvora antes da sua destruição e posterior restauração...

5. Consequentemente, não é seguro que os “notáveis” (wujüh) e seusfamiliares que conseguiram escapar à chacina ou ao cativeiro, e que voltarammais tarde à sua terra, já sob a alçada do movimento muladi..., fossem“maioritariamente árabes” (Sidarus 1985, p. 194).

6. Outra conclusão prendia-se com as estruturas defensivas da cidade.Com base numa possível interpretação do texto (infra § 1,15), falava-se detorres antigas (no plural) onde se tinham entrincheirado aqueles fugitivos(Sidarus 1985, p. 192). Observava-se também que, de acordo com o relato dapeleja, estas torres “pareciam não ter tido ligação estratégica com a muralha”(p. 196). Isto parecia estranho do ponto de vista da arquitectura militar, e daprópria situação dos refugiados: divididos por vários edifícios e todos elestão inexpugnáveis?! A verdade é que o documento se deveria referir a umúnico (ba d - a palavra ambígua) edifício. E este “antigo” edifício (mabna)poderia ser então o antigo templo romano, com certeza, já emparedado etransformado em torre inexpugnável. Terá funcionado, antes, como Igreja, nasequência do fim do paganismo em Évora (11)?

7. Em relação à “cerca velha” da cidade, não se publicou, até à data,nenhum relatório relativo às escavações efectuadas junto à muralha do ladoda Alcárcova de Cima. Contudo, parece seguro que a casa romanaencontrada “de baixo da muralha, ficando uma boa parte dela fora damesma” (loc. cit.) remonta ao séc. III d.C. Isto quer dizer que pelo menos estepano da muralha dataria da mesma época, se bem que se pode observar nelenítidas intervenções posteriores. Como existem semelhanças claras com olado oriental (aparelho pouco regular e potentes contrafortes sob forma detorres quadradas e cheias), os argumentos avançados a favor do carácter“califal” deste pano da cerca (ibidem) não chegam para o datar da época dareconstrução descrita no presente texto árabe. Poderá ser o caso doutrostroços, se escavações ou simples sondagens vierem a comprová-lo. Dequalquer modo, parece reforçada a suspeita, em seu tempo lançada (ib., p.193), de que o arrasamento das muralhas pretendido no nosso texto (infra §1,27) não passara duma operação de “neutralização estratégica” das mesmas.

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8 A CIDADE DE ÉVORA

8.Nos fragmentos aqui traduzidos, aparecem dois topónimos do espaçohoje português ligados à figura do caudilho luso e restaurador de Évora,Mas‘úd Ibn-Sa‘dún as-Surunbáqi, mas cuja identificação tanto fonéticacomo topográfica não é segura. Temos, em primeiro lugar (§ II, 4), a suafortaleza “Ni/ ayáni” (?, grafia ár. NY’NY), que se situaria “a leste deSantarém”. O Dr. Martim Velho, numa nota publicada no diário lisboeta ODia, de 15/10/1983, pensa dever tratar-se de Ateanha, a sul de Conímbriga.Há contudo dificuldades em admitir esta hipótese, tanto do ponto de vista daorientação geográfica, como do da grafia árabe (12). Com aressalva sempredo problema da orientação, poder-se-ia pensar também no topónimomedieval Cirembaga, no termo, ainda mais a sul, de Alvorge. Estandorelacionado, fonética e historicamente, com a alcunha do pai do nossoMas‘úd (Velho 1981, p. 285; Sidarus 1991, p. 20), a sua grafia aproxima-seela também da de Niyáni: SRNB’QY.

9. O outro nome de lugar, Alpastoril (13), é a fortaleza “a vinte milhasa poente de Beja” que o Senhor desta cidade concedeu a Mas‘úd contra osseus serviços guerreiros visando a defesa das fronteiras meridionais do seusenhorio (§ II, 5). O mesmo Dr. Martim Velho, num outro artigo publicadoem O Dia de 12/11/1983, propõe a leitura al-Yushtaril> Aljustrel. Se asituação geográfica corresponde perfeitamente ao referido objectivo militar,ela colide com a indicação da fonte. Sem pretender excluir um possível erro,não é aceitável a argumentação aduzida pelo autor no sentido de entender“sul” por “oeste” (gharbay). De qualquer modo, assinale-se aqui a existênciade vários topónimos, a Sul e a Norte do Tejo, que se relacionamfoneticamente com o antropónimo as-Surunbáqi (Velho 1981a, p. 276, n. 14;285, n. 9; Sidarus 1990, p. 20).

V.MULADISMO NO GHARB AL-ÂNDALUS

Recolhem-se, neste parágrafo, as anotações respeitantes àspersonagens, localidades e temáticas não directamente relacionadas com otema do parágrafo anterior, mesmo que figurem, de um modo ou outro, nostextos I e II da nossa tradução. De certa maneira, constituem complementos,ou simples precisões, ao nosso estudo de 1990.

1. Como assinalado anteriormente quanto à terminologia, os presentesfragmentos, incluindo os extensos trechos integrados no vol. II do Muqtabas,merecem uma análise cuidada sob o ponto de vista das relações feudais daépoca e zona em apreço (14). Refere-se, em particular: a importantepassagem II, 26- -30; as concessões territoriais (cfr. a 2a nota ad II, 4); asvárias alusões a pactos de vassalagem ou fidelidade política entre os senhoresda região; os recrutamentos militares (§ III, 12 e 14; IV, 3); etc.

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2. Em relação às personagens e às regiões que vimos envolvidasnos jogos de alianças e contendas que marcaram a história do Gharb al-Ândalus nos anos de 302-3 H/914-6 C (textos II e III), há que notar a ausênciada gente de Lisboa e Santarém, quer dizer, da zona a Norte do Tej o. Poder-se-ia ver nisso um sintoma da falta de integração da zona na dinâmica sócio-económica do espaço luso- -islâmico em vias de formação?

3. Por outro lado, estranha-se que Évora e o seu nóvel senhor Mas ‘údIbn- Sa‘dún as-Surunbáqi não se tenham envolvido aos lados do senhor deBadajoz, nas suas campanhas contra os revoltosos (texto III), em particularcontra o senhor de Beja que liderava o movimento. Parece-nos, pois, que oalargamento da hegemonia pacense (de Badajoz), com a integração do espaçoeborense na sua dependência directa, assim como a reabilitação sócio-políticado antigo adversário, Ibn-Sa‘dún, devem ter pesado no despoletar do surto decontestação das zonas meridionais.

4. Por duas vezes, a nossa fonte menciona a expulsão dos Árabes deBeja levada a cabo pela população muladi autóctone (§ II, 4 e III, 3). Não sepode tratar mais do que da expulsão da guarnição militar, pois a históriareligioso-cultural de Bej a prova que um núcleo populacional árabe dinâmicocontinuou a viver ali, mas sem exercer qualquer hegemonia política sobre oresto da população autóctone, largamente islamizada (Aguilera 1988, p. 258-60; Alves 1992, p. 11- 12). Convém salientar este tipo de presença étnicaárabe não militar, que tem paralelo, por exemplo, em Silves, onde écelebrada a acção linguística e literária de um núcleo árabo-iemenita atémeados do século XII (PEAI, p. 62), a despeito da tomada do poder na regiãopelos autóctones, aproximadamente, na mesma altura que Beja (15).

5. Quanto à data aproximada dessa expulsão, os dados agora fornecidosvêm trazer uma certa confusão. De facto, de entre os rebeldes do últimoquartel do século IX assinalados nas crónicas, encontramos, instalado em Bejae Mértola, um certo ‘ Abd-al-Málik ibn Abi-l-Jawwád, que é um aliadomuladi de Ibn-Marwán al-Jillíqi (16). Terão os emires omíadas conseguidorecuperar a sua autoridade neste território, através da presença de tropasárabes fiéis, até à expulsão em causa? Quanto tempo terá permanecido estaocupação? Em outros termos, quando é que o também campeão da causamuladi e antigo aliado de al-Jillíqi (§ III, 9), Sa‘id Ibn-Málik, terá recuperadoo poder em nome dos muladis? Tudo isto são questões ainda em aberto.

6. Este Sa‘id, afinal, criou uma pequena dinastia bejense, os BanuMálik, até aqui não destacada, nem pelas fontes árabes, nem pelahistoriografia moderna. O provável primogénito, Málik, aparece citado numdos nossos fragmentos como pessoa sensata (§ II, 12). Não se sabe bem sechegou a suceder ao pai antes do irmão ‘Abd-ar-Rahmán, que encontramos àfrente de Beja, na primavera de 317 H/929 C, aquando da sua tomada pelo

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10 A CIDADE DE ÉVORA

califa ‘Abd-ar-Rahmán III an-Násir (Muqt. V, p. 163, 1.1; CAN, § 62, 1. 5-6).Depois de um breve interregno, exilado provavelmente em Córdova, o mesmo‘Abd-ar-Rahmán é nomeado representante do governo central (‘ãmil) para asua cidade, ainda antes do fim do mesmo ano, à semelhança, aliás, de outroschefes locais lusos, agora submetidos (Muqt. V, p. 167 fine). Não fica com ocargo mais que 1-2 anos, consoante a prática corrente de an-Násir: em finaisde 322/934, vemos Abán ibn ‘Uthmán substituir Muhâmmad ibn ‘Amr nogoverno de Beja (ib., p. 241). Há, finalmente, um irmão mais novo, de nomeÁhmad, que foi governador de Tortosa, no extremo oposto da PenínsulaIbérica, nos anos de 327-8/938-9 (ib., p. 314)...

7. De entre as figuras “algarvias” que vemos protagonizarem os aconte-cimentos aqui relatados, Bakr Ibn-Maslama, senhor de Aroche, surge comopessoa íntegra e fiel para com os seus amigos e aliados. O seu patronímicovaria duma passagem a outra: Maslama em § II, 14 e Muqt. III, p. 120; Salamaem § III, 9,13,24 e Muqt. II, p. 4. Há outros exemplos de confusão entre estesdois nomes, cujas grafias, de facto, são facilmente confundíveis (cfr. Muqt. V,trad., índice, p. 3 98,401). Nanossa opinião, é mais fácil pensar numa máinterpretação do mim inicial ou sua simples queda, que o contrário. Dequalquer modo, para além dos dados fornecidos pelos textos aqui traduzidos,temos duas precisões acerca da personagem nas supra-citadas passagens doMuqtabas. A primeira informa-nos que “Ibn-Maslama al-Arüs[h]I” terásocorrido, na primavera de 284/897, os muladis de Monte-Maior, da provínciade Niebla, cercados pelas tropas do emir de Córdova. A segunda passagemavança que “Bakr Ibn-Salama, rebelde na região do Gharb” era descendente(min wuld) de um certo Faraj ibn Khayr at-Tutáliqi (17), que se rebelara, em234/848-9, contra o emir ‘Abd-ar- Rahmán II, a partir dos castelos (bi$ri) deAroche e de “DNHKt” (?). Vencido pelas suas tropas, coloca-se ao serviço doemir, que o nomeia para vários cargos, incluindo o de governador de Beja.Contudo, volta a sublevar-se nesta cidade, pensamos que sem sucesso, vistoque não se ouve mais falar nesta curiosa personagem.

8. Ao contrário dos tradutores espanhóis, não temos nenhuma dúvidaem fazer corresponder o topónimo transcrito em árabe Arüsh à actual Aroche,na província espanhola de Huelva, mas, nos tempos romanos e árabes,integrada no distrito de Beja (18). Chegariam as passagens III, 24 e Muqt. V,p. 330,1.4 - e indirectamente II, 15 - para situar o lugar precisamente onde sesitua Aroche, e não na província de Ossónoba, e sob a curiosa forma Aros,como aqueles colegas fazem (cfr. Muqt. V, trad. p. 423).

9. Em relação a Ibn- ‘Ufayr de Niebla (§ III, 6 e 22 segs.), ele vemreferido em Muqt. Ill, p. 67 - num texto de ‘Isa ar-Rázi para o ano de 276/889-90 - entre os rebeldes da província de Niebla, tendo a sua base em Gibraleón(Jabal al- ‘Uyüri).

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10. O episódio relativo aos Berberes (texto IV), assim como a passa-gem que refere o receio da gente de Badajoz de os verem instalar-se nacidade deserta de Évora (§ 1,27; cfr. II, 20), mereceu já alguns comentáriospor nossa parte (Sidarus 1990, p. 37-38). Em resumo, é óbvio o antagonismoacentuado entre muladis e berberes, na região, depois da fase de aliançapontual contra a supremacia árabe. Com certeza é por desconhecer este textoque Picard (1991, p. 220-2) pôde pretender que a população berbere eramaioritária na cidade de Badajoz. Caso contrário, teria tentado interpretardoutra maneira a passagem do geógrafo al-Bakri (séc. XI), que serviu de basepara a sua afirmação. Nesta passagem (19), o autor transcreve uma carta deIbn-Marwán al-Jillíqi ao emir ‘ Abd-Allah, onde é solicitado o apoio técnicode Córdova para a construção da mesquita de Badajoz e dos seus banhos. Arazão invocada é que os seus companheiros ou súbditos, há pouco aliassentados (tahatjçlarü), são, na origem, bãdiya. Como este termo significa emgeral nómadas, Picard pensou logo em Berberes. Contudo, no texto dogeógrafo hispano-árabe, o sujeito de bãdiya é claramente “a sua [de I.-M.]gente/súbditos muladis” (qawmu-hu al- -muwalladüri), e todo o contexto giraem tomo deles, não havendo nenhuma referência a Berberes. Na nossaopinião, deve-se entender e traduzir bãdiya por ‘errantes’ (20). De facto,como o monstra inequivocamente a epopeia de al-Jillíqi, ou de as-Surunbáqi,pai e filho, muitos dos revoltosos daquela época erraram, com os seus bandos(21), por toda a parte, até conseguirem assentar numa localidade que sepudesse tomar a sede de um domínio senhorial (22).

11. Neste contexto de hegemonia muladi e de hostilidade entreautóctones e Berberes, merece destaque a situação de toda a costa atlântica asul do Tejo, que se encontra nas mãos de Mas‘úd Ibn-Adánis (§ II, 16, 22),da importante casa luso-berbere dos Masmuda. Não nos podemos demorarsobre esta dinastia que dava o seu nome não apenas a Alcácer do Sal, como ésabido (§ II, 19; Mirzal, n.° 163), mas também a toda a serra circundante(jábal) (23). Para além do trecho aqui traduzido, o vol. V do Muqtabas, no seuconjunto,

12. fornece elementos importantes sobre os Banu Adánis durante ocalifado de ‘Abd-ar-Rahmán III (24). O vol. II, por seu lado (p. 3 69), vemconfirmar a informação de Ibn-Hazm (.Jamhara, p. 501) que liga esta casa aCoimbra. A notícia relata como este clã berbere, que não rejeitava aautoridade dos emires de Córdova, teria sido vencido às portas da cidade porSa‘dún as-Surunbáqi, no mesmo ano em que este faz prisioneiro o generalomíada Háshim ibn ‘Abd-al-‘Aziz, entregando-o a Afonso III, o Magno, naprimavera de 262 H/876 C (25).

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12 A CIDADE DE ÉVORA

NOTAS

(1) Pons, n.° 134; Domingues 1956a, p. 21, 1956b, p. 18-19 (cfr. p. 11-13), 1972, p. 39-42;Sánchez-Albomoz 1977, p. 210-1. Sobre as origens da família, ver agora EOBA I, p. 82-83.

(2) Pons, n.° 137; Domingues 1956a, p. 21. Ibn-al-Abbar (Hulla II, passim) designa-ocorrentemente por Ibn-Qásim ou Ibn-Qásim ash-Shilbi, e uma vez até por Ibn-ash-Shilbi (ib., p. 176). Istoindicaria que é o seu bisavô quem é oriundo de Silves, “O Silvense”.

(3) Ver as introduções do editor e do tradutor de al-Mann bil-Imama, p. 29-33 e 5-6respectivamente. Breve menção em Pons, p. 505a, ad p. 246. Sobre Ibn-Qasi e sua época, pode- -seconsultar agora: Goulart 1992; Sidarus 1993b.

(4) 987/8-1076; Pons, n.° 114; Chalmeta 1972, p. 373-92; Sánchez-Albomoz 1977, p. 200-8 e317-320; Jamal-ad-Din 1979. Ver também a introdução de Makki à ed. do Muqt. II (1973), que éconsiderada a melhor e mais completa monografia sobre I.-H. (159 págs.). Depois da publicação doMuqt. V, vários estudos focaram novos aspectos relativos às fontes e à consequente datação da obra, quese deveria colocar depois de 1058/9 (Ávila 1984, p. 104). Ver também Molina 1980 e 1986; Chalmeta1982.

(5) Veja-se o recente trabalho de Lavajo (1991), que desconhece contudo a bibliografiaposterior ao estudo e edição standard de D. Catalán (Madrid, 1974), nomeadamente: Sánchez- Albomoz1977, p. 307-30 (Addenda) e 1978; Molina 1982/3.

(6) Pons, n°41; Sánchez-Albomoz 1977, p. 178-84 e 314-6.(7) Só no vol. V, o caso se repete mais que 20 vezes, contra 8-9 claras indentifícações para cada

um dos historiadores: Molina 1980, p. 440; Ávila 1984, p. 100-1. Para o conjunto da obra, Ávilacontabilizou mais 16 casos de imprecisão.

(8) Ver a nossa tradução § II, 23; III, 4, 9, 19, 22.(9) Ibn Hazm, Risala, trad. p. 85, § 26. Referência em: Pons, p. 396; Sánchez-Albomoz 1977, p.

184.(10) Deve-se lamentar o facto de os intervenientes que não acataram as regras impostas pelos

organizadores do congresso, nomeadamente no que diz respeito à entrega antecipada do texto dascomunicações e ao seu reduzido tamanho (6 págs.), terem afinal sido beneficiados. Muitos textos ocupamentre o dobro e o quádruplo destes limites, e há vários que atingem ou ultrapassam as 30 págs.!

(11) Sobre o Templo na Idade Média em geral: Pereira 1947, p. 34-39; Espanca 1965, p. 14-15.(12) Ateanha (<A(n)theania, Antiensam) vem transcrita nas fontes árabes deste modo: ’NT’NYt

É possível admitir-se uma variante sem enfatizaçâo do U mais próxima então da grafia inicial de Niyáni.Sobre a localidade e sua relação com o movimento muladi da altura, ver Velho 1981b, com as indicaçõessuplementares de Amault (1957) e, para o ali citado topónimo “Fazalamir”, Velho 1978.

(13) Grafia ár. al-BSHTRYL, interpretada na tradução espanhola como Pastoril. Preferimos aforma híbrida, com o artigo árabe, mais fiel ao original e muito corrente na toponímia luso-árabe.

(14) Breve e genérica referência em Chalmeta 1973, p. 97; Guichard 1977, p. 308-9. Não pudeconsultar o estudo do primeiro autor sobre as concessões territoriais em especial, nos

Cuad. deHist. Jerónimo Zurita, 6 (1975), p. 1-90, citado in Muqt. V, trad. p. 450. Tratamentomais desenvolvido, se bem que algo unilateral e ainda sem exploração dos nossos textos,em Picard 1991, p. 222-5.

(15) Muqt. III, p. 15-16; Ibn-Tdhári, Bayán, v. I, p. 137 (trad, in PEA II, p. 160-1); cfr.Domingues 1972, p. 34-36.

(16) Muqt. Ill, p. 15; Ibn-Tdhári, Bayán, v. I, p. 135 (trad, in PEA II, p. 159).(17) Quer dizer, originário de Tütãliqa: uma localidade do espaço actualmente português,

sobre a qual se pode consultar Sidarus 1990, p. 42, n. 11; Muqt. II, n. 21.(18) Muqt. II, n. 23; Mirzal,n.° 188; Torres/Macias 1992, p. 368. Os limites do trabalho

impedem-nos de desenvolver aqui todo o problema da forma corrompida Arün, que figura em algumasfontes.

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(19) Bakri, Masãlik, p. 122-3, tr. esp. p. 35-36, tr. franc., p. 30-3 (cit. in Picard 1991,p. 219).

(20) O trecho dos Masalik, editado a partir de um único manuscrito..., parece difícil do ponto devista estilístico e os tradutores não o souberam ler á luz da prática administrativa e do contexto histórico daépoca. Não é o lugar aqui para desenvolvermos a nossa perspectiva a este respeito.

(21) Ver o que se disse mais atrás (III, 2) acerca de qawm.(22) Ver, entre outros, Sidarus 1991, p. 16, a propósito da diferença de estatuto sócio- político

entre as duas bases territoriais de Ibn-Marwán al-Jillíqi: Badajoz e Marvão.(23) Muqt. V, p. 167 fine e 329 fine, CAN, § 65 fine.(24) Ver s. v. o índice antroponomástico do vol. da tradução.(25) Sobre este célebre episódio, além dos dados pouco conhecidos do Muqt. II, p. 360- 79,

386-92, ver: PEA II, 149,151-2; Codera 1917, p. 40-41; Lévi-Provençal 1950, v. I, p. 297- 98, trad. p. 194-5.

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(3)

TRADUÇÃO

Ibn-Hayyán, al-Muqtabas, vol. V, p. 62-64, 67-70, 76-79

Siglas e símbolos

CAN : Crónica Anónima de al-Nasir

(ver “Referências bibliográficas” e a Introdução, fim do § sobre a fonte).

< > : Reconstituição, mormente através do texto de CAN

[ ]: Aditamento necessário.

(): Aditamento estilístico ou elucidativo.// : Indicação do início da página do ms. original, o qual é regularmenteassinalado nas margens quer da edição quer da tradução.

* : Consoante o número, remete à primeira, segunda ou terceira das notas--comentários ao texto da tradução que se encontram agrupadas debaixodo número da respectiva divisão editorial do texto.

Nota: Como se assinalou, a maior parte das personagens e das terras que figuram no texto aqui traduzidosão devidamente identificadas quer na nossa Introdução, quer nos estudos anteriormente publicados.

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A CIDADE DE ÉVORA 15

/62/ NOTÍCIA DO SAQUE PELO INIMIGO (CRISTÃO)DA CIDADE DE ÉVORA, NO OCIDENTE ANDALUZ,

DA ESPANTOSA CATÁSTROFE QUE SOBRE ELA SE ABATEU E DOSEU ABANDONO POR ALGUM TEMPO.

2. Relata [‘Isa] ar-Rázi:Nos começos deste ano (de 301),* o tirano Ordonho, filho de Afonso, rei dos

galegos** - que Deus os humilie (çlammara) -, reuniu as suas tropas e saiu (emcampanha) com um grande exército de cavaleiros, infantes e arqueiros, calculado emtrinta mil homens.*** 3. Marchou em direcção à cidade de Évora, governada* entãopor Marwán ibn ‘Abd-al-Málik (ibn Áhmad), a qual veio a assediar (nazala ‘alay-ha)na quarta-feira, 13 de Muhárram daquele ano.**

4. Avançando com um grupo da sua escolta (humãf) até próximo da cidade,deu volta à muralha para examiná-la. Verificou que era baixa (mutatam- min) e nãotinha, no topo, parapeito (sitãra)* nem ameias.** 5. Havia, numa zona do exterior,um elevado montão de lixo. Os habitantes da cidade costumavam atirá-lo para ali, apartir do interior da muralha. Com o tempo, tinha alcançado quase a altura dela emalguns pontos. 6. Deu-se conta Ordonho deste ponto vulnerável da cidade e sentiuassim o desejo de saqueá-la.

7. Mandou cercá-la por todos os lados, suj eitando os seus habitantes a umduro assédio (munãzala). Para combater, fez apear os cavaleiros todos, incluindocondes e patrícios,* não ficando junto dele mais cavaleiros <do que uns quantosanciãos da sua casa,** cerca de cinco. Iniciaram-se então as hostilidades>.

8. Do cimo da muralha, os eborenses bem procuravam, com grande esforço,repelir os assaltantes, mas os arqueiros inimigos fustigavam-nos com as setas(nab/), não estando eles protegidos por qualquer parapeito (sutra).9. Extenuados pelas setas (sihãm) que lhes haviam provocado inúmeras baixas, nãoconseguiram manter as suas posições e retiraram-se do cimo da muralha, deixando-a a descoberto. 10. Logo se aproximou dela o inimigo, escalando-a /63/ graças aostais montões de lixo, e abriram nela uma brecha (thulma), num ponto de construçãorecente. Em pouco tempo, os eborenses viram-se invadidos por todos os lados,encontrando-se o inimigo no meio deles, dentro do próprio burgo.

11. Chegados a este ponto (crucial), os muçulmanos encamiçaram-se natentativa de repelir os invasores, atacando-os como um só homem, até conseguiremexpulsá-los do recinto. Voltaram à muralha e ocuparam o topo, matandonumerososinimigos. 12. Estes (por sua vez), encorajando-se mutuamente, voltaram à cargacomo um só homem,’ vencendo os muçulmanos e entrando (de novo) na cidade. Ocombate e a matança alcançaram o paroxismo, sendo numerosas as baixas deambos os lados. 13. Mas o inimigo impôs-se pelo número, subjugando (osdefensores) e obrigando-os a refugiarem-se num sítio a leste da cidade, junto àmuralha, onde ficaram muito apertados, sem se poderem movimentar em razão daestreiteza do local e por se encontrarem ali apinhados.*

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16 A CIDADE DE ÉVORA

12.

14. Foram então todos chacinados - que Deus tenha piedade deles - e osinfiéis levaram cativas as suas mulheres e os seus filhos e (pilharam todos) <osseus bens>. 15. (Escaparam-se no entanto) uma dezena de notáveis* que serefugiaram com as suas famílias num daqueles edifícios antigos,** entricheiran-do-se no topo dele. Nesta posição inacessível, não conseguiu (o inimigo) alcançá-los, apesar de os ter combatido, a partir de baixo, o resto do dia até ao cair da noite.16. Naquele momento, retirados aqueles que os combatiam e aproveitando atreva, desceram do refugio e fugiram pela calada da noite para Beja. Assim,de todos os habitantes de Evora, não se terá escapado mais do que essa gente,que fazia parte da nobreza local (kãnü min wujühi-him).

17. Nesta batalha (waqVá) encontrou o martírio (istash/hadà) Marwán ibn ‘Abd-al-Málik, o governador (‘ãmil) de Évora, tendo sido morto na sua (própria)mesquita. 18. As suas mulheres, filhos e familiares foram todos feitos cativos,passando de quatro mil o total de mulheres e crianças levadas para o cativeiro,(enquanto que) o número de homens mortos dentro da cidade foi de setecentos.

19. Diz a gente do Ocidente (al-Gharb) que não havia memória de terem osmuçulmanos no Andaluz, desde que se haviam estabelecido ali,* sofrido às mãosdo inimigo (cristão) derrota mais espantosa e horrível. 20. De facto, quem entravana cidade, pouco depois da partida do inimigo, e chegava àquele lugar apertado(ma‘zaq) para onde foram empurrados /64/ os muçulmanos e ali encurralados semencontrarem saída, via cadáveres amontoados uns sobre os outros, homens emulheres misturados, empilhados em filas sucessivas, da largura de uma ou duasbraças (qãma), atingindo a altura da muralha - o que constituía um espectáculodeveras aterrador. 21. Chama-se a este lugar (ainda hoje) “alafretos”, que significaem romance (‘ajamiyya) “estreiteza”.*

22. Quanto ao tirano Ordonho filho de Afonso - amaldiçoado seja ele -,partiu precipitadamente com o seu exército na manhã da quinta-feira, no diaseguinte ao saque da cidade, regressando vitorioso à Galiza.

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A CIDADE DE ÉVORA 17

[Repercussões no Ocidente andaluz]

23. Toda a gente do Ocidente e de outros (sítios) ficou profundamenteabalada com o que aconteceu aos eborenses e ficou a recear fortemente o inimigo(cristão). Começaram então, com grande afa, a reparar e melhorar as muralhas, aproteger as localidades sem defesa própria e a consolidar as fortalezas.*

24. Foram os habitantes de Badajoz, a maior entre as cidades (do Ocidente),os que melhor fizeram, isso mercê da sua força e riqueza. A muralha da suaalcáçova (al-qa?aba) era construída, naquela altura,* de betão de taipa (feito deaglomerado de “calcado”) e de adobe**: obra do primeiro emir deles, ‘Abd-ar-Rahmán Ibn-Marwán al-Jillíqi, o primeiro que se estabeleceu ali, juntamente comeles.*** 25. Falaram ao seu emir (de então), ‘Abd-Allah ibn Muhâmmmadibn‘Abd-ar-Rahmán [ibn Marwán] ibn Yúnus [al-Jillíqi],* acerca da sua intenção defortificar (tahfm) a localidade toda (balada-hurrí), apavorados como estavam com oque tinha acontecido aos seus irmãos eborenses. 26. Este apoiou a determinaçãodeles e superintendeu os trabalhos em pessoa, juntamente com os notáveis doburgo (.mashyakhatu-hum). 27. Mobilizou* um grande número de operários para aconstrução da (nova) muralha, (dando-lhe) um corpo especialmente resistente,**com blocos (de betão) da largura de dez palmos.*** 28. Os trabalhos prosseguiramsem interrupção até ficar acabada (a muralha) ainda dentro do mesmo ano.*

[Destruição da muralha de Évora]

29. Receando o senhor (çãhib) de Badajoz, ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad, quese juntassem sob a mesma bandeira (.intjawâ), na cidade de Évora deserta, algunsdos berberes das imediações, constituindo uma ameaça para ele, * marchou com osseus homens (bi-man ma ‘a-hü) até lá, destruiu as torres (abrãj) e deitou abaixo oresto das muralhas, até ficarem rente ao chão,** regressando logo depois (aBadajoz).

30. Ficou assim (Évora) deserta o resto do ano de 301,* (até que) estemesmo ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad [Ibn-]al-Jillíqi a reconstruiu para o seu amigo-aliado (çãhib), Mas‘úd Ibn-Sa‘dún as-Surunbáqi, no ano seguinte de 302 (comoveremos de seguida).**

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18 A CIDADE DE ÉVORA

-II-

1611 NOTÍCIA DO POVOAMENTO DA CIDADE DE ÉVORA 2. Relata [‘Isa]

ar-Rázi:Neste ano (de 302),* ‘Abd-Allah ibn Muhâmmnad ibn ‘Abd-ar-Rahmán - o

conhecido por Ibn-al-Jillíqi -,** senhor de Badajoz e dependências (a‘mãl),instalou (anzalafi ) o seu aliado (haltfâ) Mas‘úd Ibn-Sa‘dún - o conhecido por as-Surunbáqi - com a sua gente dissidente da Comunidade,*** na cidade de Évora,recentemente destruída às mãos dos infiéis (kafara), no ano de 3 01.3. Tinha-lhes(re-)construído, antes, a muralha e restaurado os edifícios da cidade, de modo queesta (voltou) a ser habitada depois de ter estado (um tempo) abandonada.* O factotem a sua origem (na história que se segue).**

4. Sa‘id Ibn-Málik, que se tinha apoderado (taghallaba) de Beja, por aquelaaltura, após a retirada (jalã‘) dos Árabes, chamou aquele Mas‘úd Ibn- Sa‘dún /68/da sua fortaleza, (sita) a leste da cidade de Santarém e conhecida por Ni/ayáni,’para vir ajudá-lo na luta contra o seu adversário, Yahya Ibn-Bakr, o (senhor)dissidente (al-muntazl bi-) de Ossónoba, prometendo-lhe uma concessão no seuterritório.* 5. Mas‘úd foi ter com ele, juntamente com a sua gente (bi-man ma ‘a-hü), e (Sa‘id) instalou-os a vinte milhas a poente de Beja, na fortaleza conhecidapor Alpastoril,* e (assim), com a sua ajuda, combateu impetuosamente Yahya Ibn-Bakr e seus partidários (man zãhara-hu).

6. (De facto), Mas‘úd lançava contínuos ataques contra (os domínios deste),apertando cada vez mais o cerco, até que (Yahya) se viu obrigado a fazer as pazescom o seu adversário, Sa‘ id Ibn-Málik, e a tomar o seu partido (çãhara- -hú).Terminou assim a rivalidade (munãfara) entre ambos.

7. Quanto a Mas‘úd, permaneceu no seu lugar, impondo respeito a ambos ecuidando da defesa da sua zona (jiha), ao mesmo tempo que vigiava os seushomens no sentido de refrear a sua actividade devastadora. 8. Começou então aacolher-se junto dele muita gente, por causa da sua justiça, conduta exemplar econtenção nas exigências (de amo),* de maneira que chegou a ter muitos súbditos(ra ‘iyyá) e conheceu, ele e seus seguidores (rijãl), uma certa prosperidade.**

10. Mas isto suscitou a inveja de Sa‘id e Yahya, a quem começava adesagradar a vizinhança (de Mas‘úd). Procuraram então pô-lo fora da fortalezaonde se tinha estabelecido e isolá-lo em relação aos seus homens.*

11. Escreveram-lhe a informar que precisavam encontrar-se com ele,marcando encontro para um certo dia, algures entre Beja e Ossónoba. Ali foram tercom todos os seus homens, de modo que quando chegou Mas‘úd, rodeado (apenas)pelos seus companheiros mais chegados,* sem suspeita das intenções deles,prenderam-no à traição. 11. Acorrentaram-no e mandaram encarcerá-lo e expulsarda fortaleza (de Alpartoril) a sua família e seus descendentes (ahl wa- -wuld),apropriando-se de todos os bens e riquezas que tinha acumulado ali e agregando a

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A CIDADE DE ÉVORA 19

si os seus homens (armados), assim como os seus súbditos (ra ‘iyyá).13. (Yahya) Ibn-Bakr estava resolvido a matá-lo, livrando-se dele para

sempre. Mas (Sa‘id) Ibn-Málik opôs-se, a instâncias do seu filho, Málik Ibn-Sa‘id,que era de facto mais sensato e prudente do que o seu pai. 13. Disse-lhe este: “Quenão venham dizer aqueles Omíadas que o matámos, (depois de) o ter prendido àtraição,* ele que veio ter connosco confiante, acorrendo em nosso auxílio. Basta aexpulsão da sua fortaleza e o isolamento em relação aos seus homens. Deixai-o irpara onde quizer, pois se lhe acontecer alguma coisa estando em vosso poder,sofrereis uma vergonha de que não conseguireis livrar-vos”. Então soltaram-no,dizendo-lhe: “Vai para onde quizeres!”

14. Foi ter com o senhor de Aroche, Bakr Ibn-Maslama, com quem tinhacriado laços de parentesco pouco antes do sucedido, casando a sua filha /69/ com ofilho daquele. Permaneceu lá algum tempo, bem tratado e a salvo, até que seenfastiou de estar junto de Bakr e desejou aproximar-se dos seus homens.

15. Disse então a Bakr: “Acolheste-me e foste bom comigo; assististe-me edeste-me o necessário asilo; cumpriste o teu dever e honraste os compromissos deamizade e lealdade. Porém, aqui me encontro longe dos meus homens, sem ternotícias ou receber visitas deles. Isso não aconteceria se me encontrasse maispróximo.’”

16. Partiu então, com a permissão de Bakr, e foi ter junto de Mas‘úd Ibn-Adánis ao castelo que tem o seu nome,* na companhia de todos os filhos efamiliares (wuld wa-ahl), sendo bem acolhido por aqueles.

17. Dali, Mas‘úd ibn Sa‘dún enviou mensagem ao seu aliado (fralifa) ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad (Ibn-Marwán al-Jillíqi), senhor de Badajoz, e sua gente,pedindo auxílio e informando-os da sua triste e precária situação, em consequênciado procedimento de Ibn-Málik (de Beja). 18. Invocava a causa (da ‘wa) que osunia,* assim como os laços de aliança, fidelidade e pacto,” que, em tempos,existiram entre os seus ascendentes, nomeadamente o auxílio que o seu (próprio)pai Sa‘dún prestara, em pessoa ou por intermédio de seus homens (qawm), ao avôde ‘Abd-Allah contra todos os que o combatiam. Vinha pois solicitar que oajudassem no sentido de dar dignidade e prosperidade à sua existência. 19. ‘Abd-Allah e sua gente, impressionados e condoídos com a sorte de Ibn-Sa‘dún,decidiram unanimemente prestar-lhe auxílio e apoio, reconhecendo as suasobrigações para com ele, (em virtude sobretudo) dos méritos do pai.

20. Pensaram assim: “Próximo de nós está a cidade de Évora que, desde quea deixou (devastada) o inimigo (cristão), se tomou fonte de dano para as nossasfronteiras (afrâf )*! Repovoemo-la com este homem e sua gente, ajudando- os apovoá-la e reconstruí-la, pois que uma vez habitada, ficaremos aliviados dapreocupação que nos causa e tomar-se-á parte dos nossos domínios (a‘mãl)."Estiveram todos de acordo com esta (estratégia), a qual mereceu a concordância doseu senhor ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad. 21. Este comunicou então a Mas‘úd Ibn-Sa‘dún que se fosse estabelecer a (rahala ilã) Évora, com a família e osdescendentes (ahl wa-wuld), e quem a ele se tivesse juntado, de entre os seus(antigos) homens (qawm). - De facto, cerca de cinquenta deles (rijãl ), vindos de

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20 A CIDADE DE ÉVORA

Beja e Ossónoba, tinham ido ter com ele (em Alcácer de Ibn-Adánis), regressandoao seu serviço (sãrüma ‘a-hü). -22. ‘Abd-Allah fazia-lhe também saber que iria aoseu encontro (em Évora). E, receando que lhe acontecesse alguma coisa por partedos seus inimigos,* escrevia a Mas‘úd Ibn-Adánis, parente por casamento ($ihr) deIbn-Sa‘dún, pedindo-lhe que o escoltasse para ali, ele e os seus homens (a$hãb), atéque ele, ‘Abd-Allah, chegasse com a sua gente (jam‘)eos apetrechos (‘udda).

23. Assim se fez,* sendo (afinal) o primeiro a chegar /70/ a Évora ‘Abd-Allah Ibn-Marwán, com os seus homens e apetrechos. Trazia operários e diversomaterial. Iniciou-se (logo) a (re-)construção da muralha derrubada: tapou-se abrecha, consolidaram-se os contrafortes (arkãrí) e colocaram-se portas pesa- das.*’24. Vieram, a seguir, os (nossos) dois Mas‘úd: Ibn-Sa‘dún e, com ele, o seuanfitrião-protector (mujãwir) e parente, Ibn-Adánis. 25. Ibn-Marwán entregou acidade de Évora a (Mas‘úd) Ibn-Sa‘dún, uma vez concluída a sua reconstrução,incluindo a fortificação dos pontos vulneráveis (‘awrà).

26. Disse-lhe: “Esta é para ti e tua gente! Estabelece-te nela com os que estãocontigo (man ma‘a-ká), em nome de Deus! 27. Escreve àqueles da tua gente quechegaram a abandonar-te e reconcilia-te com eles.* Incita-os a virem e ajuntarem-se todos de novo (à tua volta), prometendo-lhes, da minha parte, ajuda para umavida próspera e folgada.** 28. (Prometo-te) a ti, e àqueles que voltarem ao teuserviço (fa ‘a), cumprir a minha promessa, até que Deus melhore as coisas em teufavor, fazendo regressar para o teu lado (todos) os teus homens e devolvendo-teforça e prosperidade. Tomar-vos-eis assim no nosso baluarte”.*

29. Mas‘úd agradeceu-lhe penhoradamente e louvou a sua benemérita acção,garantindo-lhe fidelidade e total lealdade (wafa ‘). Instalou-se {nazala) na cidade,calma e serenamente, confiante na assistência e cooperação (mushãraka) de (Ibn-Marwán). 30. Ibn-Marwán permaneceu ali com ele, (mais) uns dias. Mandou vir(de Badajoz) grandes quantidades de víveres e mantimentos, cavalos e mulas, eofereceu a Mas‘úd ricas vestes e outras roupas. Partiu finalmente, deixando-oremediado e honrado.

31. Correu a notícia de que (Mas‘úd) Ibn-Sa‘dún se tinha fixado (halla) emÉvora, de novo repovoada. Como era estimado e benquisto, regressaram a Évoramuitos dos que tinham escapado à desgraça (ma‘arra) causada pelo inimigoaquando do saque (da cidade) e que tinham (conseguido) escapar ao cativeiro*, etambém muita gente das redondezas. 32. Do mesmo modo, voltaram ajuntar-se aosenhor dela (amira-hã), Ibn-Sa‘dún, a maioria dos companheiros (a?bãb) que sehaviam separado (ihtabasü) dele em Ossónoba, Beja e outras terras. E os territóriosintegrando o seu senhorio alargaram-se e a população dos seus domíniosaumentou.* Ele manteve-se sempre justo para com os seus súbditos (ra‘iyya).

33. Évora tomou-se próspera e a sua produção agrícola abundou.* E Mas‘úd,e os habitantes (da cidade) com ele, prosperaram e enriqueceram. Assim se explicaa sua numerosa população (suknã-hã) e a sua prosperidade (‘imãratu- -ha) até hojeem dia.

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A CIDADE DE ÉVORA 21

- III -

1761 NOTÍCIA DE [‘ABD-ALLAH] IBN-MARWÁN AL-JILLÍQI COM OSEU RIVAL SATD IBN-MÁLIK

2. Relata [‘Isa] ar-Rázi:Neste (ano de 303)*, houve [a contenda entre]** ‘Abd-Allah ibn Muhâm-

mad Ibn-Marwán al-Jillíqi, senhor de Badajoz e suas dependências (‘amai), e Sa‘idIbn-Málik, senhor de Beja, que o tinha atacado de improviso (bil-ghirra). As coisaspassaram-se da seguinte maneira.*"

3. Quando Sa‘id Ibn-Málik 1111 se apoderou de Beja, (tendo) os seushabitantes expulsado os Árabes, e tomou partido para a causa muladi que eravitoriosa em (todo) o Gharb' encheu-se de soberba e presunção. 4. Hostilizou ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad, procurando causar-lhe prejuízos, e pretendeu arrebatar-lhe aprimazia na causa muladi, ocupando a posição que detivera o (bis)avô dele, ‘Abd-ar-Rahmán Ibn-Marwán,* na chefia e supremacia da comunidade (muladi).**

5. Para tal, tomou o partido (zãhara) do seu (antigo) inimigo Yahya Ibn-Bakr*, senhor de Ossónoba, criou com ele laços de parentesco (a$hara ilay-hi) esanou as causas da discórdia entre ambos. 6. Serviu também de mediador entre elee Ibn-‘Ufayr, o rebelde (al-muntazl) da província (küra) de Niebla, até que sereconciliaram ambos. 7. Ficaram (os três a constituir) assim uma única comunidade{kalimat jamã‘ati-hini), cessando os rancores (que existiram) entre todos.

8. (Começaram) então a guerrear, juntos, ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad e suagente, e invadiram os domínios deles.* 9. Convidaram para isso Bakr Ibn-Maslama, senhor de Aroche, a quem uniam antigos (laços de) companheirismo(muwãlãt) para com Ibn-Málik, do tempo das suas andanças aos lados de ‘Abd- ar-Rahmán Ibn-Marwán, chefe supremo (nãzim) da comunidade (muladi). 10. Ele,contudo, recusou-se a aceder à vontade deles, mantendo-se (antes) firme nafidelidade a ‘Abd-Allah ibn Muhâmmad,* o (bis)neto deste (mesmo) ‘Abd-ar-Rahmán, e em paz com ele.

12. (Mas) o bando (dos três) (al-qawm) persistiu na hostilização de ‘Abd-Allah e no ataque às suas terras* limítrofes. 12. Aborreceu-se este com tudo isso etomou a iniciativa de marchar contra eles, com os seus homens e as levasrecrutadas (/lashd) no seu território.* 13. Foi ter com ele Bakr Ibn-Maslama, senhorde Aroche, com os seus homens. 14. Ao saber do avanço deles, foi Sa‘id Ibn-Málikao seu encontro, com os seus homens, e foi-se juntar a ele Yahya Ibn-Bakr, o seualiado, juntamente com os companheiros (a$tiãb) e suas (próprias) levas.

17. ‘Abd-Allah avançou com a sua tropa (jam ‘) até a uma aldeia (qarya)chamada at-Timal,* a cinco milhas de Bej a, onde assentou arraiais. 16. Começouentão a destruir as plantações (zar‘), a atear incêndios, a cortar árvores e a lançaralgaras (al-ghãra). 17. Ibn-Málik desistiu (da ideia) de o enfrentar (directamente),pois a sua gente tinha-o abandonado. Preferiu (antes) pactuar com ele.18. Disse a Ibn-Bakr: “Se hoje formos derrotados por Ibn-Marwán, nãoconseguiremos que ele nos perdoe. Nunca ficará satisfeito com a nossa merasubmissão. Por isso, negociemos, evitando o recontro com ele.”

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22 A CIDADE DE ÉVORA

19. Concordou Ibn-Bakr e enviaram os seus mensageiros a pedir clemência: “Tués (deveras) o senhor (sayyid) dos partidários desta Causa e o (digno) filho do seu(primeiro) mentor (shayktí)\ E nós somos os primeiros a reconhecer este teu direito(haqq) e os mais ciosos em te obedecer (muwãfaqa).” /78/ 20. Desculparam-se porse terem (atrevido) a apoderar-se das suas terras (imtadda nah wa-hu) e deram-lhegarantias para o futuro, solicitando a sua benevolência (rida) e a reconciliação(çu/fr). 21. Ibn-Marwán acedeu ao pedido deles e concluiu a paz como pretendiam,voltando de seguida para o seu território (makãn).

22. Contudo, Ibn- ‘Ufayr, senhor de Niebla, que tinha concluído a paz com(Ibn-Marwán), juntamente com o resto da Comunidade, não tardou em violá-la.Entrou em guerra com este, por conta própria, atacando as (terras) limítrofespertencentes ao seu senhorio (a ‘mãl) e maltratando o seu lugar-tenente (‘ãmil)nelas. 23. Ibn-Marwán escreveu-lhe (khãtaba-hu), dissuadindo-o daquelas acções elembrando-lhe o pacto que os ligava. Mas Ibn-‘Ufayr não se importou com isso eprosseguiu com os seus ataques.

24. Saiu então Ibn-Marwán em campanha contra ele, com os seuscavaleiros, homens e arqueiros, e mandou pedir a ajuda de Bakr Ibn-Maslama, seusogro/cunhado ($ihr), que foi juntar-se a ele, no caminho, com todos os seushomens (man ma ‘a-hü). 25. Sitiaram juntos, com as suas tropas (jam‘), umafortaleza (hi$n) pertencente a Ibn-‘Ufayr, chamada “Almonte” (aJ-Munt), (situada)no meio do seu território. Atacaram-na até conseguirem penetrá-la (fattia-hã),levando Ibn-Marwán o que pudera como despojo, matando alguns dos homens elevando como cativos os outros. 26. Seguiu depois para a fortaleza de Velillos,*que Ibn-‘Ufayr fizera ocupar com os melhores dos seus homens (tiumãt rijãli-hi). 27.Atacou-os Ibn-Marwán durante o dia e a noite, à vista de Ibn-‘Ufayr (impotente).*E a cavalaria (dele) andou pela planície (em redor) desta fortaleza, saqueando-a epilhando as suas riquezas. 28. A fortaleza, porém, conseguiu resistir a Ibn-Marwán,que permaneceu ali a noite inteira (bãta ‘alay- hã). 29. No dia seguinte, (levantou ocerco e) voltou para Badajoz, sua capital,* depois de ter (assim) derrotado ehumilhado Ibn-‘Ufayr.

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A CIDADE DE ÉVORA 23

-IV-

118/ [NOTÍCIA DE ‘ABD-ALLAH IBN-MARWÁN AL-JILLÍQICOM OS BERBERES DO GHARB]

2. (Prossegue ar-Rázi:)Os [berberes] Miknasa [estabelecidos em] al-Asnám* tinham quantidade de

cavaleiros e infantes. Atacavam as [populações] vizinhas e lançavam algaras[contínuas] contra os domínios de (‘Abd-Allah ibn Muhâmmad) Ibn-Marwán,** na[região] de Badajoz. 3. Assim este, depois de ter deixado Niebla, marchou contraeles, com os seus homens e as levas recrutadas (üashd) no seu território.* Avançoumuito dentro do território deles, e começou a lançar algaras e a saquear (tudo). 4.Chegou a tomar a aldeia de Cazorla, que era uma das suas aldeias maisimportantes* e a mais bem guarnecida em cavaleiros, infantes e engenhos deguerra (‘udda). Era também um antro para salteadores de estrada e um refugio paracriminosos (de todo o tipo). 5. Matou um (bom) número dos seus homens, pôs asaque tudo o que encontrou, destruiu (o sítio), reduzindo-o a nada, e partiu.6. Foi seguido pelos cavaleiros dos Miknasa, que acordaram em enfrentá-lo e lutarpara recuperarem os despojos do saque. Atacaram a retaguarda, 1191 mas Ibn-Marwán dirigiu-se contra eles, com a sua escolta (humãt a$hãbi-hi). 1. A batalha foiviolenta e grande foi a mortandade. Os Miknasa foram vencidos e os (guerreiros)de Badajoz cairam-lhes em cima, matando grande quantidade de cavaleiros e denotáveis (wujüh al-rijãl), até que a noite veio separar (os beligerantes). 8. Partiuentão Ibn-Marwán e os seus, regressando ao seu território vitoriosos, após os seusinimigos se terem convencido da sua força e ficarem a respeitá-los.

9. Mais tarde (porém), Ibn-al-Fáraj, o chefe (shaykh) dos Miknasa, reuniu asua cavalaria (khayl) e prosseguiu as algaras contra ‘Abd-Allah ibn MuhâmmadIbn-Marwán, invadindo os confins do seu território, na esperança de compensar oque este lhe tomara.* 10. Ibn-Marwán voltou então a invadir o território de (Ibn-al-Fáraj) e marchou contra ele com a sua tropa (jam‘), apanhando-o numa suapousada (manzil), para onde saíra com os companheiros mais chegados (khã$$a),com o fim de conviverem (shurb). 11. Mas aconteceu que um dos trânsfugas dosMiknasa (minmusta ‘minatM) junto de (‘Abd-Allah) Ibn-Marwán se adiantou e foiter com Ibn-al-Fáraj, advertindo-o acerca da sua chegada. Este interrompeu oconvívio e apressou-se a subir à sua fortaleza, tendo escapado (à justa). 12. Quandoa cavalaria (de Ibn-Marwán) chegou ao sítio acabado de ser abandonado,encontrou as esteiras estendidas e a mesa posta, com os pratos e os copos (ainda)cheios.* 13. Lamentou Ibn-Marwán que (o seu adversário) tenha escapado, peloque mandou a cavalaria devastar e saquear a planície. E depois de ter arrecadadomuitos despojos, voltou ao seu território.

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24 A CIDADE DE ÉVORA

14. Mas Ibn-al-Fáraj teve a ideia de o perseguir, pelo que reuniu a cavalariados Miknasa e saiu atrás dele. Seguiram de perto ($ãbarü) a retaguarda e as tropas(de Ibn-Marwán), sem se deixarem notar, porque receavam atacá-lo de frente. 15.Ficaram assim a marchar no seu encalço pelos caminhos ásperos por onde elepassava, com toda a calma, (pois não desconfiava de nada), até ser barrado por umrio cheio, cujas gargantas eram estreitas e que era necessário atravessar. 16.Quando iniciou a passagem, convenceram-se os Miknasa (de que chegara omomento favorável para agir). Atacaram-no e começou a luta. (Ibn- Marwán)enfrentou-os e contra-atacou, vencendo-os e causando grande mortandade entreeles. 17. De seguida, seguiu caminho, vitorioso e triunfante, tendo submetido(dãsa) os seus inimigos por toda a parte. (Estes), intimidados e humilhados,passaram a temê-lo por toda a parte e a reconhecer-lhe a posição que detinha o seu(bis)avô, ‘Abd-ar-Rahmán Ibn-Marwán, na chefia dos muladis (ri‘ãsat al-muwalladirí), tendo agido deste modo (apenas) para apaziguá-lo.*

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(3)

NOTAS À TRADUÇÃO

(os números referem-se às divisões editoriais do texto)

I

2. * Este ano da Hégira começou a 6 ou 7 de Agosto de 913 da era cristã ( v. infra nota 3 do §2).** Ár. jalaliqa. CAN tem Jilliqiya, como noutros lugares do Muqtabas. Não se deve encontrar nesta

indicação qualquer referência ao reinado sobre a Galiza de Ordonho (910-914: Muqt. V, trad., p. 85, n. 19;Mattoso 1992, p. 536). Na obra hayyana, qualificações deste tipo indicam antes o rei asturo-leonês. Emais à frente no mesmo volume do Muqtabas (p. 65), e ainda para o verão de 913, diz-se explicitamenteque a campanha contra Évora deu-se depois de Ordonho ter sucedido ao seu irmão Sancho naquele trono.Sabemos, contudo, que esta sucessão se deu apenas em 914. - É interessante notar que, segundo a CrónicaSilense, cap. 42 (apud Dozy 1881, vol I, p. 150), Ordonho residia naquela altura em Viseu. Seria dali que orei saíra em campanha contra as terras meridionais?

* * * A reduzir obviamente para três mil, de acordo com as práticas guerreiras e a logísticamilitar da época. Note-se, contudo, que a mesma inflação dos números repete-se mais adiante na nossafonte, numa passagem que se segue de imediato aos trechos aqui traduzidos: numa campanha similar deOrdonho, para a região de Mérida, no verão de 915, o número sobe para sessenta mil.

3. * Ár. wa- ‘alay-hã. CAN tem wa-'ãmilu-hã, como mais tarde o nosso texto § 17. Sobre o alcancepreciso da expressão, ver o que se disse na Introdução, § IV, 3.

** Corresponde a 18 de Agosto. De acordo com as várias tabelas de concordância entre erasislâmica e cristã, deveria ser 19, mas a indicação do dia da semana - confirmado inequivocamente no § 22- obriga-nos a corrigir. Existem outras divergências deste tipo no volume do Muqtabas em causa, comop.ex. a pág. 161,1. 6-7.

4. * Este facto vem confirmado no § 8, usando contudo uma palavra ligeiramente diferente.** Ár. sh.r.fàt> shur(a/u)fat ou shurrãfat.7. * Ár. qawãmis (p\. de qümis < lat. comes) e abãfira. Esta última palavra, que falta em CAN e

tem também a forma plural, deve estar relacionada, duma forma ou outra, com patricius/patrius. Oseditores propõem ver nela uma corrupção de batãrika.

** Ár. na far min mashyakhat ahl bayti-hi.13.* Ár. karrü karratrajul wãhid.14.* O autor volta mais adiante (§ 20-21) sobre as características deste local.15.* Ár. rijãlmin-hum ma‘rufun. CANXtm wujüh em vez de rijãl. O termo aparece algumas linhas

mais à frente (fim do § 16) em ambos os textos.

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** Ár. ba‘d tilka ai-mabãnl al-awwaiiyya (CAN = qadima). Ver a discussão na Introdução, § IV, 5.20.* Esta frase não se encontra em CAN, como também a menção específica da gente do Gharb.21. * Ár. al-afrãtu/as. Considerando o fenónmeno da imãla, pode considerar-se esta

transcrição árabe como reproduzindo fielmente uma palavra romance arabizada que corresponderia a“apertos”. Simonet (1888, p. 216) regista as formas fírtháse ferthás(às referências por ele aduzidas, há queacrescentar “R. Mart.”).

23. * Ár. i$lãb aswãri-him wa-bifç ‘awrati-him (CAN, desinet) wa-sadd (Muqt. = shadd) ma ‘ãqili-him.A palavra ‘awra no sentido aqui registado não é rara; ver p.ex. Muqt. II, p. 398,1.3.

24. * Ár. ilã dhãlika I- waqt, CAN= idh dhãka. Ambas as expressões dão a entender que o processode construção era diferente aquando da redação da crónica.

** Ár. bi-ta/urbat-fãbiya, al-marzüm bil-madãwis, wa-bit-tübal-mushammas. CAN tem apenas bit-tüb wat-fãbiya. Ver adiante § 26 ad n. 2.

*** Picard 1991; Sidarus 1991, p. 16.25. * M. 923. Sobre a genealogia dos Banu Marwán, ver a nota 577 do editor de Muqt. II (p. 630-

1). Acrescente-se o último descendente, ‘Abd-ar-Rahmán, filho deste ‘Abd-Allah (Muqt V, p. 246, 271,tr. p. 187, 205; CAN § 62).

27. * Lemos, com CAN, wa-jama‘a, em vez de wa-jami’.**kx. wa-taqwiyyatmatna-hu. Este período falta em CAN, assim como a palavrasür

(muralha), antes. Sobre a correcta interpretação da palavra matn, e toda esta passagem, verSidarus 1993a.

*** Ár. fa-sayyara-hufí ‘ar<j(CAN=sa'at) 10ashbãrlawhan wãhidan. Sobre aqueles blocos deargamassa betonada, ver Lévi-Provençal 1931, p. 102-3. Desta antiga muralha parece não existir hojevestígios, segundo Torres Balbás (1941, p. 172). Não sei se as mais recentes escavações deram resultadosdiferentes.

28. * Aqui acabam em CAN as informações relativas à toda a ocorrência.29. * Ár. fa-yata ’azza bi-him. Leia-se: ameaçando a sua autoridade e hegemonia na região. Mais

adiante (II, 20), o texto faz eco da concretização desta ameaça. Sobre os desentendimentos entre muladise berberes na região, ver a Introdução, § IV, e Sidarus 1990, p. 37-38; veja-se também Idem 1991, p. 21-22.

**Ár. ba(fa baqiyyat aswãri-hã, frattã al$aqa-hã bil-ard- Ver a Introdução, IV, 6.30. * Que acaba a 25 ou 26 de Julho de 914 da era cristã. Ver atrás n. 2 do § 3.** Entre ambos os trechos da crónica antiga, encontram-se inseridos outros dados referentes aos

anais do ano de 301.

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(5)

II

2. * Vai de 26/27 de Julho de 914 a 15/16 de Julho de 915; ver n. 2 do § I, 3.** Sabe-se que este sobrenome assim como o de “as-Surunbáqi “, a seguir, se aplicam aos

ascendentes das personagens e não a eles próprios.*** Ár. wa-man ma‘a-hu min qawmi-hi al-shãridün ‘anaI-Jamã‘a. Por “Comunidade” deve entender-

se: a comunidade político-religiosa submissa à autoridade suprema dos emires de Córdova. Ver as nossasobservações na Introdução, § I. Estas passagens introdutórias são obviamente da lavra do compilador ar-Rázi, como atrás em 1,30, em III, 2 e talvez também em II, 33.

3. * O texto parece algo corrupto: ibtanãIa-humsüra-hã wa-‘ammara bi-himma[kã]na- -hã fa-uhhilat bi-him bada iqwã‘i-hã. Em vez de bi-him ma[kã]na-hã, propomos ler ou corrigir Ia-hum ma< bã>ni-hã.

** Ár. wa-kãna al-sabab fídhãlika anna... Ver § III, 2.4. * Ver a nossa Introdução, § IV, 7.** Ár. ai-taw[si‘a]la-hu fíbaladi-hi. Para esta expressão, cfr. mais exemplos em Muqt. V, texto p.

50,1. 2; p. 246,1. 5; Muqt. II, p. 382,1. 8 (onde aparece ao lado de iqtã4, enquanto nome de acção). Trêslinhas antes, no mesmo passo, emcontramos exactamente a mesma formulação que aqui, mas com overbo: wassa 'a la-hu fíbaladi-hi(ver tb. ib., p. 377,1. 1 e 2). Quer parecer-nos que se trata de concessãosenhorial/feudal.

5. * Ver a nossa Introdução, § IV, 8.8. * Ár. qillat tabãmuli-hi.* * Encontraremos adiante a mesma apreciação, a propósito da restauração de Évora sob a

égide da mesma personagem.9. *Ár. a/-fru‘ü/ bayna-hu wa-bayna qawmi-hi. Mais adiante (§ 13), temos a mesma expressão

(algo rara) com rijãl em vez de qawm. E, de facto, o que se passou diz respeito mesmo aos seus homensarmados.

10. * Ar. khã$$at affiãbi-hi, em oposição a jumlat rijãli-him, no caso dos outros.14. * O texto editado tem awmakkanna min-hu ba‘d. Propomos corrigir: [ba‘da]an [tajmakkanna

min-hu bi-ghadr. O interlocutor faz referência directa ao acto desonroso que se efectuou concretamente.15. * Ver adiante § 21.16. * Isto é Qasr Ibn-Adánis, ou seja, Alcácer do Sal; ver a Introdução, § V, 11.18. * Entenda-se, a causa da dissidência muladi; ver a Introdução, § I.** Ár. hilf, muwãlãt, ‘aqd. Para muwãlãt, ver a Introdução, § III, 4.21. * Relacione-se esta afirmação com o que já se disse ad I, 2.22. * O texto parece-nos corrompido neste sítio. O editor leu: ... wa-anna-hu muwãfí- -hi bi-hã li-ajal

daraba-hu la-hu la ya ‘dü-hu wa-kataba... (tr. esp. “... que allí se reuniria con él sin falta en el plazo fijado, altiempo que escrevia...”). O período não está correcto do ponto de vista sintáctico, nem se coaduna bemcom os resto do relato. Propomos reconstituir a passagem aproximadamente assim: wa-anna-hu muwãfí-hibi-hã. [Wa-]U-ajl darar qadyalbaqu-hu min ‘aduwwi-hi, kataba... Obviamente, o inimigo em questão é o senhorde Beja.

23. * Ár. fa-‘amilatal-jamã‘a ‘ala dhãlikÇ?).** Há que ler ‘allaqa, como fazemos, e não ghallaqa^fechar’), como o editor o fez. Para a brecha

(thalm), ver § I, 10.27. *Ár. man qa‘ada ‘anka min qawmi-ka, wa-stabdil (?) bi-him. Vide supra §§ 9, 11 ,13 etc.** Segue uma frase algo incompreensível: wal-humiãn min al-rujla (tr. esp. «que es propio de

hombres aguantar» ?).28. * Ár. fa-takun lana ?u/ihra. Vide supra s. § 20.31. * O texto parece-nos aqui também algo corrupto.32. * Ár. fa-kathurat hawzatu-hu wa-‘amirat khufíatu-hu.33. * Ár. fa-tazayyadat (recte?: tazãyadaí) ‘imãrat Yãbura wa-namat fíghallãti-hã.

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28 A CIDADE DE ÉVORA

III

2. * Vai de 16/17 de Julho de 915 a 4/5 de Julho de 916; ver n. 2 do § I, 3.** No texto, manifestamente corrompido, falta a palavra chave que desse sentido a todo

o período. Enquanto os editores acrescentam $ulh (‘reconciliação’), os tradutores espanhóis optam antespor um vocábulo que exprime a situação negativa que antecedeu esta reconciliação: “choque”.

*** Ár. wa-kãna al-sabab fídhãlika anna... Ver § II, 2, n. 3.3. * Ár. qãma bi-da ‘wat al-muwalladln, al-?ãhira fí 1-Gharb. O ms. traz erradamente al-waqt('o

tempo’).4. * O original tem inadvertidamente ibn Muhâmmad no meio. Sobre a genealogia da dinastia

marwânida de Badajoz, ver a referência assinalada para o § I, 25.** Ár. fí mashyakhati-him wa-ri‘ãsat-him alã I-Jamã‘a. Ver mais adiante § IV, 17.5. * Concordamos com os tradutores espanhóis em se corrigir o original (ou a leitura dos

editores), substituindo ‘alay-hi por ‘aduwwa-hu.8. * Ár. al-bast ilã mã fí aydl-him. Ver mais adiante §11 .10. * Ár. tamssaka bi-muwãlãt... Sobre este último termo, aqui e no período anterior, ver o que se

disse na Introdução, § III, 4.11. *Ár. mã kãna fíyadi-hi. Esta expressão, que encontramos no § 8 relacionada com um colectivo,

corresponde na terminologia administrativa à “concessão senhorial/ feudal”; ver Chalmeta 1973, p. 97.12. * Cfr. § IV, 3.15. * Lugar não identificado. A vocal da primeira sílaba é conjectural.26. * Proposta de leitura dos editores e dos tradutores.27. * O texto parece corrumpido neste sítio: wa-I-‘U. bi-haythuyarã-hu (!?).29. * Lemos qã‘ida em vez de (ã‘a.

IV

2. * Localidade a Norte de Badajoz, que passou a chamar-se - como vemos no próprio al-Muqtabas, na passagem que se segue ao nosso e que relata mais uma campanha de OrdonhoII no Noroeste andaluz (al-Jawf) - Miknasa de al-Asnám, mais tarde, Miknasa simplesmente (Muqt. V,trad. p. 423 e 434; Mirzal, n° 206). A sintaxe do texto que aqui se traduz obriga a manter, neste últimoonomástico, o seu valor original de nome de tribo, em consonância, aliás, com o uso da palavra no restodo texto.

** Ver mais adiante § 9.3. * Çfr. §111, 12.4. * Ár. Qaryat Qasüla, wa-kãnat umman min ummahãt qurã-hum. A identificação da localidade é

dos tradutores espanhóis (cfr. o índice geogográfico, p. 426).9. * Ár. tafarrafa atrãfa-hu, fama ‘an fí dark al-nayl laday-hi.13. * Ár. al-majlis munaddad al-fiirsh, mu‘abba’ al-naql, mufra‘ al-ku’üs, jibba taswiyati-hi.17. * Ár. fa-ataw-hu min bãb al-mudãrãt (?).

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