Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI FELIPE ADAM KURSCHAT AS IMAGENS DA MÚSICA Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel Gondry SÃO PAULO 2015

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

FELIPE ADAM KURSCHAT

AS IMAGENS DA MÚSICA

Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas

Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel

Gondry

SÃO PAULO

2015

Page 2: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

FELIPE ADAM KURSCHAT

AS IMAGENS DA MÚSICA

Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas

Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel

Gondry

Dissertação de Mestrado apresentada à

Banca Examinadora, como exigência

parcial para a obtenção do título de Mestre

do Programa de Mestrado em

Comunicação, área de concentração em

Comunicação Contemporânea da

Universidade Anhembi Morumbi, sob a

orientação do Prof. Dr. Renato Pucci Jr.

SÃO PAULO

2015

Page 3: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

FELIPE ADAM KURSCHAT

AS IMAGENS DA MÚSICA

Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas

Correspondências Visuais nos Videoclipes de Michel

Gondry

Dissertação de Mestrado apresentado à

Banca Examinadora, como exigência

parcial para a obtenção do título de Mestre

do Programa de Mestrado em

Comunicação, área de concentração em

Comunicação Contemporânea da

Universidade Anhembi Morumbi, sob a

orientação do Prof. Dr. Renato Pucci Jr.

Aprovado em ----/-----/----- __________________________ Nome do orientador

__________________________

Nome do convidado __________________________

Nome do convidado

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AGRADECIMENTOS

Às primeiras mulheres da minha vida, por ordem de encontro: Regina Morro,

Elisabeth Kurschat e Anette Kurschat por doarem suas vidas a mim, suas escutas

às minhas expressões musicais e sempre me apoiarem como podem. Muito

obrigado!

Depois, à minha grande parceira e esposa Ariadne Catanzaro por estar junto a mim

nos momentos de concentração e leveza, tão necessárias. Agradeço também o

encontro com seu olhar estético sobre cinema, comunicação e arte que me

encantam e me impelem a buscar entender ainda mais o audiovisual.

À Minha filha Elis Catanzaro Kurschat que insiste a me ensinar que a vida é melhor

se a gente brincar.

Aos amigos músicos Gabriel Cantanzaro, Eduardo Berigo pelo apoio e,

especialmente Rodrigo Reis pelas conversas e reflexões tão produtivas.

Aos professores da Anhembi Morumbi, Bernadette Lyra, Laura Cánepa, Luiz

Vadico, Sheila Schvarzman e Vicente Gosciola que generosamente doaram seus

conhecimentos.

Ao professor e orientador Renato Pucci Jr pelo conhecimento, paciência, dedicação

e credibilidade que me ofereceu.

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RESUMO

Este trabalho busca compreender um tipo de relação entre imagem e som,

precisamente como as dimensões concretas do som servem de critério para a

concepção de videoclipes. Tal relação se dá de forma especial nos videoclipes

devido ao formato ter uma relação singular com a música, pois tem ela como objeto

central para sua produção. Essa relação entre imagem e som não se apresenta só

no videoclipe e pode ser encontrada no cinema e em outros produtos audiovisuais,

mas o videoclipe comporta em si uma liberdade para experimentar formas de

representar a imagem e o som de maneira peculiar. A presente pesquisa, que

procura entender como o som e a imagem se correspondem no audiovisual, tem o

foco central na produção de videoclipe do diretor Michel Gondry, que se apresenta

muito criativo em representar os fenômenos do som, e fornece elementos à

demonstração das correspondências entre o som e a imagem. Como base teórica,

foram utilizados textos de Sergei Eseinstein (1990) e Ney Carrasco (2003) ao

pensar enquanto cinema, Thiago Soares (2004) e Arlindo Machado (2005) para

entender a relevância da relação entre imagem e som no videoclipe, assim como

outros teóricos da música e das artes visuais que oferecem instrumental

metodológico para a compreensão de como se dá a correspondência de ambas

expressões. A metodologia aplicada foi a análise minuciosa de videoclipes, que

demonstram de maneira mais clara a relação (imagem e som) estudada, assim

como a identificação dos recursos utilizados para isto em cada um destes

videoclipes.

Palavras-Chave: relação imagem e som; videoclipe; Michel Gondry

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ABSTRACT

This work aims to understand a sort of relationship between image and sound,

mainly how the sound concrete dimensions help as a criterion for of video clips

design. This relation is in a special way in the clips due to this audiovisual format

have a unique relationship with the music, because video clips have music as a

central object for its production. This relationship between image and sound is not

presented only in video clips, and it can be found in cinema and other audiovisual

products. Video clips contain a freedom to experiment different aesthetic settings to

represent the image and the sound in a peculiar way. This research purposes to

understand how the sound and the image correspond in audiovisual, and our central

focus is in Michel Gondry’s production, video clip director, who appears to be very

creative in representing the sound phenomena, and provides elements for

demonstrations of connections between sound and image.As a theoretical basis,

Sergei Eseinstein (1990) and Ney Carrasco’s (2003) texts were used to think about

cinema aspects, Thiago Soares (2004)and Arlindo Machado (2005) to understand

the relevance of this relationship between image and sound in the videoclip as well

as other theorists of music and visual arts who provide methodological tools that

collaborate the understanding the correspondence of both expressions. The

methodology applied was the detailed analysis of videoclips that demonstrate more

clearly the relationship (image and sound) studied and identifying the resources

used in each of these videoclips.

Keywords: Relationship between image and sound; video clip; Michel Gondry.

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LISTA DE QUADROS

QUADRO-1 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E

IMAGEM NO VIDEOCLIPE THE HARDEST TO BUTTON TO

BUTTON................................................................................................................86

QUADRO-2 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E

IMAGEM NO VIDEOCLIPE OPEN YOUR

HEART...................................................................................................................94

QUANDRO-3 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E

IMAGEM NO VIDEOCLIPE AROUND THE

WORLD..................................................................................................................98

QUADRO-4 CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E

IMAGEM NO VIDEOCLIPE

CRYSTALLINE.....................................................................................................101

QUADRO 5. CORRESPONDÊNCIAS ENTRE AS DIMENSÕES DO SOM E

IMAGEM NO VIDEOCLIPE STAR

GUITAR................................................................................................................108

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LISTAS DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1- IMAGEM DE FONÓGRAFO.................................................................21

FIGURA 2- DIAGRAMA DE UMA SEQUÊNCIA DO FILME ALEXANDER NEVSKY

DE EISENSTEIN, 1938 CONTENDO A TRILHA DE IMAGEM SINCRONIZADA

COM A PARTITURA...............................................................................................22

FIGURA 3- FRAMES DE SYNCHROMY...............................................................24

FIGURA 4- IMAGEM DE SOUNDIES....................................................................25

FIGURA 5-IMAGEM DE UM SCOPTONE.............................................................25

FIGURA 6- FRAME DO VIDEOCLIPE TAKE ON ME DO GRUPO A-HÁ.

ANIMAÇÃO INTERAGINDO COM ATOR..............................................................29

FIGURA 7- TRECHO DA PARTITURA DA SONATA NO. 14 EM C MENOR

(SONATA AO LUAR...............................................................................................38

FIGURA 8- FRAME DO VIDEOCLIPE SALMON DANCE (PROPORÇÕES DOS

PEIXES).................................................................................................................40

FIGURA 9- FRAMES DO VIDEOCLIPE OCTOPUS..............................................44

FIGURA 10- FRAMES DO VIDEOCLIPE THE NUMBER OF THE

BEAST……………………………………………………………………………………49

FIGURA 11- FRAMES DO VIDEOCLIPE GIVE IT AWAY……….…………………51

FIGURA 12- FRAME DO VIDEOCLIPE DO I WANNA KNOW..............................53

FIGURA 13- FRAME DO VIDEOCLIPE HYPERBALLAD......................................54

FIGURA 14- FRAME DO VIDEOCLIPE BULLS ON PARADE..............................55

FIGURA 15- FRAME DO VIDEOCLIPE PAID IN FULL…………………………….59

FIGURA 16- TRECHO DE UMA PARTITURA DE MÚSICA DE VANGUARDA

ERUDITA...............................................................................................................69

FIGURA 17- FRAMES DO VIDEOCLIPE GROVES IN THE HEART....................78

FIGURA 18- FRAMES DO VIDEOCLIPE BOHEMIAM RHAPSODY.....................79

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FIGURA 19- FRAMES INICIAIS DO VIDEOCLIPE HARDEST TO BUTTON TO

BUTTON................................................................................................................82

FIGURA 20- PARTITURA DE BATERIA DA SEGUNDA PARTE DA MÚSICA

HARDEST TO BUTTON TO BUTTON..................................................................83

FIGURA 21- FRAMES DO VIDEOCLIPE HARRDEST TO BUTTON TO BUTTON

QUE CORRESPONDEM AO RITMO DE BATERIA DA PARTITURA DA

FIGURA..................................................................................................................84

FIGURA 22- IMAGEM DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR HEART COM

SOBREPOSIÇÃO DO DESENHO DO ARCORDE NA PARTITURA QUE

CORRESPONDE AO TEMPO DA IMAGEM E NOTAS COLORIDAS CONFORME

AS CORES DE CAMISETAS..................................................................................88

FIGURA 23- FRAMES DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR HEART…………..……...90

FIGURA 24- FRAME DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR HEART. ACORDE DE SETE

NOTAS E FILA COM SETE PESSOAS..................................................................91

FIGURA 25- FRAMES “IMAGENS NO CORREDOR” DO VIDEOCLIPE OPEN

YOUR HEART........................................................................................................92

FIGURA 26- FRAME DA CENA FINAL DO VIDEOCLIPE OPEN YOUR

HEART...................................................................................................................95

FIGURA 27- FRAME DO VIDEOCLIPE AROUND THE WORLD…………….….…97

FIGURA 28- FRAMES DO VIDEOCLIPE CRYSTALLINE...................................100

FIGURA 29-PARTITURA DOS SONS DE CLAPS DA MÚSICA STAR

GUITAR................................................................................................................103

FIGURA 30- FRAME DOS POSTES QUE CORRESPONDEM AO SOM DE

CLAPS NO VIDEOCLIPE STAR GUITAR...........................................................104

FIGURA 31- IMAGENS DE POSTES, CASA E VAGÃO DO VIDEOCLIPE STAR

GUITAR................................................................................................................105

FIGURA 32- IMAGENS DO ESCURO (NOITE) E CLARO (DIA) DE STAR

GUITAR................................................................................................................

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................11

CAPÍTULO I. O SOM E A IMAGEM NO VIDEOCLIPE........................................16

CAPÍTULO II- NATUREZA DO SOM E NATUREZA DA IMAGEM E SUAS

CORRESPONDÊNCIAS NO AUDIVISUAL...........................................................33

CAPÍTULO III- PROPRIEDADES DO SOM E DA IMAGEM E SUAS

CORRESPONDÊNCIAS NO VIDEOCLIPE...........................................................39

3.1 CORES E ALTURA..........................................................................................41

3.2 Intensidade e Ponto de escuta.........................................................................44

3.3 Timbre e texturas..............................................................................................51

3.4 Ritmo: duração e movimento............................................................................56

3.5 Andamento (tempo)..........................................................................................65

3.6 Melodia ............................................................................................................69

3.7 Harmonia e tom................................................................................................70

CAPÍTULO IV- A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM SONORA NO

VIDEOCLIPE..........................................................................................................72

CAPÍTULO V- ANÁLISE DAS DIMENSÕES SONORAS E SUAS

CORRESPONDÊNCIAS VISUAIS NOS VIDEOCLIPES DE MICHEL

GONDRY...............................................................................................................81

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................111

REFERÊNCIAS....................................................................................................113

GLOSSÁRIO……………………………………………………………....…………...116

ANEXO: DVD .......................................................................................................119

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INTRODUÇÃO

Este trabalho busca compreender como as dimensões concretas do som, ou

seja, sua natureza física, oferecem critérios à concepção do videoclipe,

precisamente a maneira que o som, matéria-prima da música, e a imagem se

correspondem em um tipo de relação entre imagem e som específicas do

videoclipe.

Embora esta concepção esteja no cinema e em outros produtos

audiovisuais, este trabalho debruça-se especificamente sobre o videoclipe, pois

entende-se esse formato como sendo o maior expoente da relação imagem e som,

obviamente por sua relação peculiar com a música, pois parte-se dela para sua

realização. Neste tipo de concepção destacam-se alguns diretores e, para defender

essa relação, vai-se ao encontro do trabalho do diretor francês Michel Gondry, em

que pode-se perceber essas correspondências de forma muito significativa.

Michel Gondry iniciou sua carreira no audiovisual como diretor de clipes,

realizando um trabalho importante no conceito de vídeos musicais. Revelou-se em

realizações para a cantora Björk, para o grupo de música eletrônica Chemical

Brothers e da banda The White Stripes. O diretor domina muito bem as técnicas

audiovisuais tendo como principal característica o uso de alta tecnologia com

aparência de recursos primitivos e explora essas técnicas com criatividade e

inspiração musical singular (SOARES, 2004, p. 63). Lançou-se no mercado

publicitário e, como cineasta, seus os títulos mais conhecidos são Natureza

Humana (2001) e Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004) e

Rebobine, Por Favor (2008). Outro dado importante, sobretudo para sua

característica tão musical como diretor de videoclipes, é o fato de ser músico

amador e ter se iniciado na indústria fonográfica como baterista da banda francesa

Oui Oui (1987), também realizando videoclipes para a própria banda.

No videoclipe reúnem-se técnicas da relação entre imagem e som que foram

herdadas do cinema, oriundas das tradições dramáticas do teatro e dos

espetáculos musicais. A pesquisa resgata um tanto dessa trajetória buscando

verificar especificamente as técnicas que correspondem às dimensões sonoras da

música.

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Como coloca Ney Carrasco (2003) autor cujas pesquisas contribuem

bastante ao assunto:

A linguagem complexa do cinema é herdeira de toda uma tradição dramática e musical da cultura ocidental. Nessa tradição, muitas são as manifestações nas quais a música combina-se com a fala, com a estrutura dramática, com o gesto, com a ação e o movimento (CARRASCO, 2003, p. 6)

Tais técnicas cinematográficas, uma vez incorporadas, nos permitem

entender como se concebe o tipo de videoclipes abordados nesta pesquisa. Entre

exemplos de diversas experiências artísticas visuais e sonoras, o presente trabalho

articula as ideias de alguns autores da comunicação que buscaram tratar da relação

entre música e imagem de alguma forma, sendo os mais significativos: Ney

Carrasco, Sergei Eisenstein, tanto suas contribuições práticas quanto teóricas,

Arlindo Machado e Thiago Soares, que construíram trabalhos importantes para a

compreensão do videoclipe, Michel Chion e a dissertação de Fillipe Salles, além

de passar por teorias de música e de ideias e práticas de artistas visuais e da

música, que tentaram relacionar as duas expressões. Além destes autores, esta

pesquisa utiliza teorias musicais e do som, tentando sempre demostrar suas

possíveis relações balizadas pelas dimensões sonoras.

A pesquisa volta-se à dimensão sonora da música, mais do que a ela

própria. Entende-se que este estudo se refere ao som como objeto em si mesmo,

como matéria- prima da expressão musical. A música é uma linguagem e sabe-se

que não é de fácil compreensão, mas sua complexidade, de todo modo, não impede

de atingir a todos, objetiva e subjetivamente.

Henry Baurraud (1968) ao tentar introduzir o leitor ao entendimento da

linguagem musical menciona que é unânime o reconhecimento do som como

elemento primeiro e essencial da música e que só é possível a expressão complexa

da música através da manipulação e da organização das ondas sonoras

(BAURRAUD, 1968, p 15).

Para esclarecer o tipo de concepção entre som e imagem, esta pesquisa dá

uma base a respeito dos elementos sonoros que estruturam a linguagem musical

e, propositalmente exclui qualquer conotação subjetiva que a música possa conter

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e também qualquer conotação extramusical como valores embutidos, ideologias,

gêneros, estilos, características socioculturais e os significados das letras das

canções que possam ter sido usados como critério para a produção audiovisual.

Há um foco na correspondência entre imagem e som que diz respeito às

características físicas do som e não a qualquer outro critério subjetivo. Não se

desconsidera qualquer relação de significação, mas, para que se possa

compreender a relação em questão, se faz necessário reduzir a música a sua

entidade mais objetiva, que é o som, que carrega informações em si mesmo que

são suficientes para que tal relação seja analisada.

Portanto não é necessário distanciar-se desta pesquisa se o leitor não tiver

conhecimento musical, pois parte-se do um princípio básico de que todo ser

humano possui a mesma estrutura cognitiva e que o som tem uma natureza e que

essa natureza é perceptível ao nosso corpo e cérebro, pois o som é um fenômeno

físico (PORTA NAVARRO,2007, p. 72).

Há, em todo caso, um dado da experiência auditiva: mesmo o ouvido não

exercitado percebe claramente as diferenças entre dois sons, seja por suas alturas,

intensidades ou durações. (BAURRAUD, 1968, p. 15). Portanto somos atingidos

pelos sons da música e somos dotados de uma capacidade de compreendê-los

tanto física quanto mentalmente. Acredita-se que tais relações entre a imagem e o

som são muitas vezes percebidas de forma intuitiva, não só percebidas, ou seja,

diante dessa relação intuitiva com os sons, pode-se entender que muitos

videoclipes são concebidos da mesma maneira que se dança: quase sempre

percebemos pessoas dançando sincronizadas com a música sem necessariamente

terem estudado música ou dança.

Há diversas análises musicais e, entre elas, análises baseadas na percepção

auditiva. Trata-se de uma análise musical que parte da experiência sensorial

simples, baseada na maneira com a qual os estímulos sonoros são organizados

pela mente e como estes se transformam em unidades de sentido para o ouvinte.

Reforça Bregman (1999) “que existem princípios gerais subjacentes de

organização auditiva, próprios de nosso funcionamento mental, que transcendem

qualquer estilo musical” (BREGMAN,1999 p. 457), portanto não há nenhum

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aprofundamento em teorias musicais para se compreender as análises da relação

som e imagem defendida neste trabalho.

Embora análises densas e complexas sobre o som existam, procura-se

adiantar o processo ao leitor já esclarecendo quais são as correspondências das

dimensões do som com a imagem nos recursos representativos do audiovisual.

Parte-se do critério de entendimento do som, que teóricos como Pierre Schaeffer,

Michel Chion e Trevor Wishart chamam de escuta reduzida1, que trata de atitude

de escuta para estudar o som em si mesmo, como objeto sonoro, abstraindo a sua

real proveniência ou ao que possa remeter (SCHAEFFER 2007, p 63). Recomenda-

se antes, caso não se tenha familiaridade com termos musicais, que consulte o

glossário de termos musicais desta dissertação, garantindo maior fluidez à leitura.

Daniel Levitin, autor que estuda as dimensões sonoras da música, define

que altura, ritmo (durações), tempo, contorno, timbre, volume, localização espacial

e reverberação são as dimensões audíveis numa música (LEVITIN, 2007, p.22)

Essas características são apresentadas no trabalho e algumas delas se tornam

tópicos no capítulo III, no qual se abordam as correspondências entre imagem e

som nos recursos que audiovisual dispõe, esclarecendo suas diferenças e

possibilidades de relação. No que diz respeito ao timbre, contorno, localização e

reverberação encontram-se suas correspondências visuais quase sempre

norteando a construção de cenários, que são chamados de paisagem sonora do

videoclipe, assunto que se encontra no capítulo IV. Nesses capítulos trabalham-se

as questões musicais e termos da música que um leitor pouco familiarizado poderá

sentir-se inseguro com a compreensão do texto, portanto recomenda-se a leitura

de um livro de teoria musical2 ou ele sempre à mão para pesquisa.

As diferenças e as possíveis correspondências na expressão som e imagem

serão esclarecidas, tal como a maneira como se dá a acoplagem e o

comportamento do som nos suportes audiovisuais. A dissertação baseia-se em

análises de teóricos da montagem audiovisual e na utilização de diversas

1 Escuta reduzida constitui a teoria Pierre Shaeffer sobre as quatro funções da escuta que pode ser encontrada em: SCHAEFFER, Pierre. Tratado dos Objetos Musicais. Trad. Ivo Martinazzo. Brasília: Edunb. 1993. 2 Para maiores informações sobre teoria de teoria musical. MED, Bohumil. Teoria da música. 4 ed.

rev. e ampl.Brasília, DF: Musimed, 1996.

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produções de videoclipes e outros formatos, abordando por fim no trabalho de

Michel Gondry como um grande expoente dessa forma de produzir videoclipes.

A concepção de videoclipes baseados nas dimensões do som tem também

uma outra questão curiosa que, embora o diretor tenha muito conhecimento das

técnicas audiovisuais e também algum conhecimento musical, não há como afirmar

que ele ou os diretores que produziram seus clipes sob esse critério os fizeram

calcados em teorias audiovisuais ou musicais. Os domínios desses diretores e de

Gondry no cinema, suas técnicas herdadas, os experimentos da videoarte,

publicidade e videoclipe que se vão se apresentar, acompanham-nos, mas não

necessariamente de forma consciente. Diante disso, evidencia-se que essa

concepção se dá de forma intuitiva, do mesmo modo que apreensão da música se

dá ao leigo ou, ainda, da mesma forma que um músico pode produzir algo relevante

com sua aprendizagem autodidata. Desta forma compreendemos que esta relação

com os fenômenos sonoros e a imagem se correspondem por critérios simples

resultando em um aprendizado vivencial. Claro que de forma alguma está se

colocando que essa concepção seja fácil de se realizar: sem dúvida não é, mas

verifica-se que advém de um conhecimento muito pouco formal de música e de

técnicas audiovisuais.

Encontram-se conexões entre as técnicas de Gondry e inúmeros outros

produtos que de algum modo estabeleceram relação com a imagem e os sons da

música. Contrapõem-se teorias e outras práticas, mas não se pode afirmar que o

artista bebe da fonte teórica ou prática a que a pesquisa se refere. Há uma questão

que se crê solucionada ao término do trabalho, ou seja, que tal concepção entre

som e imagem parte da capacidade humana de entender os sons e que essa

concepção de videoclipe acontece por experimentação sonora e visual de várias

ordens.

O videoclipe, como mencionado, é um formato muito expressivo no sentido

da demonstração dessa relação com os sons mas, devido à sua dinâmica de edição

e de influências que absorve, não se pode encontrar esta relação entre a imagem

e as dimensões concretas do som em todos, sendo que algumas produções contêm

essa maneira de concebê-los outras não, mesmo sendo o produto em que a relação

mais se apresenta. Há diretores que se inspiram mais nestes critérios, e a produção

Page 16: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

de Gondry é muito representativa pois parece fazer dos seus videoclipes a mágica

de fazer ver os sons. Devido à complexidade do tema, faz-se necessário, antes,

compreender a natureza do videoclipe e seus antecedentes, entender o som e o

modo em que se dá a relação entre imagem e som nos suportes e recursos de que

o audiovisual dispõe e, então, dar sequência à análise dos videoclipes do diretor,

partindo da ideia de que, ao passar por estas etapas, tem-se mais fluidez para

demostrar como se pode dar essa concordância dos fenômenos físicos da imagem

e do som em seus videoclipes. O trabalho acompanha DVD com os videoclipes de

Michel Gondry que são utilizados para a análise e no anexo os mesmos estão

especificados. Assisti-los colabora bastante com a compreensão, pois esta só pode

ser completa quando de fato, se vivencia ao mesmo tempo visão e audição,

sentidos tão bem unificados no audiovisual, como o próprio nome diz, e que

compõem a questão desta pesquisa.

CAPÍTULO I- O SOM E IMAGEM NO VIDEOCLIPE

O termo videoclipe é aplicado ao produto audiovisual que acompanha

músicas. O termo demorou um tanto para ser aplicado, pois começou a ser utilizado

na década de 1980 quando tornou-se um produto mercadológico importante para

a promoção de músicas de grupos do gênero pop. Deriva de clipping, que significa

recorte (de jornal ou revista), pinça ou grampo, que possivelmente se refere à

técnica midiática de recortar imagens e fazer colagens em forma de narrativa em

vídeo. A colagem de imagens enfocaria a tendência contemporânea do videoclipe

como um produto audiovisual em que se faz composições a partir de outros

trabalhos e imagens, em sua maioria na mídia de massa (SOARES, 2004, p. 23).

O que marca o produto videoclipe são as imagens em velocidade sem

obrigação de uma narrativa linear, que pode ser somente uma justaposição de

imagens em que há intenção promocional, ou seja, para ajudar a vender a música.

Mas na verdade é muito difícil fechar uma definição para o videoclipe, pois, ao

mesmo tempo que podemos afirmar essas características, de ser promocional e

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descompromissado com a narrativa e ter edição veloz, há outras formas de

concepção que vão na contramão dessa definição.

Para entender o videoclipe se faz necessário atribuir pluralidade à definição.

Pluralidade de referências, pluralidade de elementos que se juntam para sua

concepção, como a vontade dos músicos, a interferência dos produtores, os prazos

para a divulgação, o formato para a televisão, as ideias originais do diretor, o

experimentalismo que o formato oferece, a liberdade doada ao diretor, influências

musicais, influências de outras obras artísticas, obras cinematográficas,

audiovisuais e de outros videoclipes.

Sim, todos esses fatores podem interferir em sua concepção, mas para

melhor compreende-lo podem-se organizar os videoclipes em três grandes grupos.

Arlindo Machado (2005, p. 182) propõe essa divisão que consiste em um primeiro

tipo que diz respeito à ilustração da canção, de que há várias formas, mas se atém

à narrativa sugerida pela letra. Ainda deste primeiro grupo há uma forma mais

primitiva que é o videoclipe meramente promocional que se preocupa bastante com

a imagem dos músicos e a criação de personagens midiáticos. Um segundo

consiste em uma comunidade de realizadores advindos do cinema, vídeo arte e de

obras mais experimentais que, como põe Arlindo Machado, são obras “aliadas a

compositores e intérpretes mais ousados que logrou transformar o formato de

televisão num campo vasto e aberto para a reinvenção do audiovisual” (MACHADO,

2005, p, 182). O terceiro é uma série de clipes que mostram a tentativa de fazer

do formato o produto audiovisual que pode dar a resposta mais moderna a uma

busca de relacionar a imagem e o som. Neste terceiro é que vamos nos debruçar,

pois é devido a essa questão que o videoclipe é relevante para a análise proposta

neste trabalho. Neste último caso, usa-se de todo o arsenal tecnológico disponível

para trazer aos olhos os efeitos dos sons.

Percebe-se ao observar o videoclipe que esses critérios para a sua

concepção não são tão bem separados e que mesmo alguns videoclipes sendo

extremamente experimentais e propondo outras formas de narrativas e de técnicas

de edição, sua concepção não é arbitrária quanto ao seu aspecto promocional. O

videoclipe surgiu para vender um pacote completo: música e imagem do artista. É

uma ferramenta de apelo mercadológico, que cria personagens para influenciar

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comportamentos e ditar moda, mas mesmo assim muitos videoclipes trazem

concepções ousadas no que diz respeito às narrativas, lineares ou não. No campo

da poética, do modo de concebe-lo se explora uma rica possibilidade, tornando

também, muito significativo para a estética do audiovisual devido ao fato de ter

rompido os limites dos gêneros do vídeo e da televisão explodindo constantemente

seus próprios limites, sempre impondo novas “formas de expressão artística de

maior vitalidade de nossos tempos. Descobriu-se nele um caminho estratégico para

a revigoração do espírito inventivo no plano do audiovisual” (MACHADO, 2005,

p.172). Além disso, manteve sempre sua relação íntima com a música e sempre

teve como elemento essencial, ora mais, ora menos, a preocupação em representar

os acontecimentos musicais. E este aspecto faz o videoclipe ser um produto muito

especial no que diz respeito a essa relação entre imagem e som.

O clipe caracteriza-se por intenso hibridismo entre formatos, suportes e

técnicas e, apesar de ser um formato televisivo e comercial, agrega valores de

outros produtos audiovisuais que proporcionam a experimentação.

Oscar Landi ao tentar encontrar uma forma para definir o videoclipe aponta

para esses aspectos híbridos do formato afirmando que:

através da inserção de outras naturezas de imagens (vindas, inclusive, de outros, gêneros audiovisuais) é a ‘espinha dorsal’ de onde parte a constituição da linguagem, não só do videoclipe mas do vídeo (LANDI, 1992, p. 43 ).

De fato, as técnicas e teorias encontradas no videoclipe vêm do cinema, da

publicidade e do vídeo experimental. Foi inicialmente e permaneceu por muito

tempo feito para o formato televisual e utilizado para promover a venda da música

(CD, DVD) e hoje ampliou seu espaço na internet. Devido a esses aspectos

promocionais há um distanciamento de uma análise artística, mas para

verdadeiramente entendê-lo é preciso compreender seu hibridismo com outros

produtos audiovisuais. O videoclipe é uma importante ferramenta para a circulação

dos bens simbólicos no modo de produção capitalista que é o processo de venda

e consumo, mas também traz referências de todo tipo de trabalho como artes

plásticas, documentários, filmes de ficção e outros. “Classificar e categorizar o

videoclipe é um trabalho com resultados insuficientes porque este gênero

Page 19: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

audiovisual emerge da hibridação, da contaminação, das referências e da

experimentação” (BRANDINI 2006, p. 04).

Neste trabalho propõe-se uma atenção na produção do videoclipe para

compreender sua relevante contribuição à relação entre imagem e som. Esse seu

aspecto híbrido advém das formas de representar as dimensões do som no cinema,

na videoarte e na animação. A questão é que, como os videoclipes têm uma série

de coisas que norteiam sua produção, existem trabalhos que mostram uma extrema

preocupação com a representação sonora, mas há outros que se preocupam com

aspectos diferentes, não musicais, outros ainda ora voltam-se aos sons e ora não,

frequentemente de forma rápida. Há videoclipes que se norteiam com a

representação de alguns elementos da música, quase como um fio condutor do

rítmico ou de relação corporal com o espectador e em cima dessa base várias

outras coisas acontecem que não são da ordem das dimensões sonoras.

De toda forma o videoclipe, como já mencionado, é um produto especial no

que diz respeito à música, pois a tem como objeto inicial de sua concepção, mas

mais do que isso, ao contrário de todos os produtos audiovisuais, não é composto

por uma trilha sonora, ou seja, ele não tem uma música que será aplicada à

imagem, tem a imagem que será aplicada à música. Ainda assim, talvez seja

melhor entendê-lo como um produto no qual imagem e som se acoplam, fazendo

do videoclipe uma experiência audiovisual sem hierarquias prévias da imagem em

relação ao som e vice versa.

Michel Gondry pertence a um grupo de diretores de videoclipe que domina

as técnicas do cinema, publicidade e da videoarte, sendo ele realizador de todos

esses formatos audiovisuais, mas que herda essa espécie de ânsia em tornar o

som visível, fazendo com que não se possa separar a experiência sonora do visual,

criando um audiovisual total. O diretor compõe um grupo de realizadores que em

geral são músicos ou grandes aficionados por música, e isso faz de sua produção

algo muito significativo para esse tipo de montagem.

O mérito dessa relação entre imagem e som não nasce no videoclipe. Desde

muito cedo o homem procura uma relação com a música e a imagem, como

mencionado anteriormente. Apesar de não se conseguir reproduzir e precisar

historicamente os detalhes da relação, sabe-se que desde rituais antigos se procura

Page 20: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

uma relação entre estes dois elementos e é certo que os rituais muito

provavelmente foram os precursores, num sentido prático, da formação do

paradigma música e imagem.

Arlindo Machado, em seu livro A Televisão Levada a Sério (2005), dedica

um capítulo, intitulado “Da Sinestesia, ou a Visualização da Música” onde aborda

rigorosamente este aspecto da relação da imagem e dos sons anteriormente às

técnicas cinematográficas. O autor afirma que, na verdade, ele deveria chamá-lo

"As Imagens da Música", nome que inspirou o título dessa dissertação. No capítulo

mencionado o autor questiona, na mesma proporção, a relação de naturalidade

entre som e imagem:

Sabemos que o termo grego mousiké (literalmente: a arte das musas) designava originalmente um certo tipo de espetáculo que hoje chamaríamos de multimídia, pois incluía não apenas a performance instrumental e o canto, mas também a poesia, a filosofia, a dança, a ginástica, a coreografia, a performance teatral, o trabalho das indumentárias e máscaras e até mesmo "efeitos especiais" produzidos através de jogos de luz, movimentos dos cenários e truques de prestidigitação (Machado, 2005, p. 155).

Os gregos já apresentavam um caráter estético muito sofisticado no que diz

respeito a associações entre imagem e música, mas tais questões não advêm só

deles e nem estão apenas ligadas aos rituais. PARKINSON (1995) menciona que

há registros de eventos profanos, destinados ao entretenimento, que uniam a

música a algum tipo de imagem. O teatro de sombras chinês é um bom exemplo,

aliás, por vezes, descrito em muitos compêndios sobre cinema como sendo seu

antepassado: era constituído por silhuetas com uma fonte de luz por trás e um

anteparo translúcido à frente.

As sombras projetadas das silhuetas no anteparo movimentavam-se contando uma história, e eram acompanhadas por cantores e instrumentistas. Os registros deste tipo de teatro remontam de mais de 1000 anos a.C., e não apenas na China, mas em grande parte do extremo oriente, como Java (Indonésia) e Índia, onde ainda existe esta tradição (PARKINSON 1995, p 8).

Texto, dramaturgia, artes plásticas e música formavam um único corpo, de

intenções claramente estéticas. O teatro manteve sempre esse flerte entre música,

sons, texto e composições visuais, tanto com próprios movimentos dos atores e

expressão gestual, como cenário e luz. Posteriormente a ópera desenvolveu

Page 21: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

características de unir a música e a imagem de forma bastante peculiar, da qual

muitas ideias foram adquiridas pelo cinema, que ampliou as possibilidades de

relação com o som e a música e reinventou formas de associar essas duas

dimensões.

Antes da criação dos meios audiovisuais, ainda na pintura e nas obras

musicais é possível perceber a riqueza de possibilidades visuais que têm os

poemas sinfônicos, a música de programa, músicas inspiradas em fenômenos não

sonoros, como muitos títulos revelam, como “Quadros de uma Exposição” de

Mussorgsky, “Pinidi Roma” de Respighi e a “Cathedral Submersa” de Debussy,

adaptação musical de um poema de Mallarmé. Em todas essas obras, entre outras,

há uma busca de associações com imagens, que deixam essa relação evidente.

O cinema, arte disponível segundo uma evolução tecnológica própria do final

do século XIX, vem justamente recolocar todos os experimentos da associação

entre som e imagem e desenvolver novas possiblidades devido à tecnologia que

dispunha e que a partir desse momento nunca parou de se desenvolver

tecnologicamente, fator que colabora com as possibilidades constantes de associar

imagem e som.

A música, até o final do século XIX e início de XX era necessariamente

exibida ao vivo, e as possibilidades de associação entre a imagem e som só eram

possíveis sob estas condições, portanto mantinha-se muito conectada ao gesto,

tanto dos músicos ao executar seus instrumentos como na dança. Apesar do ser

humano não poder ver o som a olho nu, sua produção se dá por um gesto corporal,

expressão comum à dança e o teatro. Com o advento das tecnologias para

reprodução da música, foi possível dimensionar um campo visual novo, como por

exemplo com o fonógrafo, aparelho que antecede o gramofone da segunda metade

do século XIX e que é um dos primeiros aparelhos a traduzir as vibrações sonoras

em uma representação gráfica analógica e já utilizando-se de um cilindro como

meio.

Figura 1- Imagem de Fonógrafo

Page 22: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Fonte: Wikipedia

A partir do século XX uma série de outros recursos disponibilizaram formas

de estocagem de sons, que foram responsáveis para a comprovação de que o som

tem relação íntima com a matéria, sendo seu efeito vibratório em forma ondulatória

possível de ser visualizado e manipulado nestes equipamentos. O desenvolvimento

constante de equipamentos sonoros possibilitou a música eletroacústica, a música

eletrônica e o encontro de novas sonoridades que hoje estão disponíveis para todo

tipo de gênero musical, inclusive a música pop, e também foram responsáveis por

técnicas de estúdio e composição e de formas de visualizar os sons e os

acontecimentos musicais.

Na escrita musical, técnica mais arcaica, já se apresentavam formas de

representação das dimensões do som. De certa forma, os aspectos gestuais são

formas gráficas, produto do gesto das mãos para se conseguir um determinado

som no instrumento. Se esses gestos propostos na escrita forem feitos ao executar

os instrumentos, as sonoridades serão parecidas. É o mesmo quando o maestro,

ao interpretar com gestos os gráficos escritos, reproduz de outro modo, o gesto que

o músico deve fazer em seu instrumento. Há uma correspondência entre o gesto

que vira gráfico na partitura, com o gesto do maestro e com o gesto do

instrumentista. Percebe-se, por exemplo, ao se deparar com as figuras de legato

ou pizzicato da partitura, que há correspondência de formas de movimento

sugerida. Isso se dá porque a partitura é a continuidade da forma ondulatória do

som, o maestro oferece uma continuidade em gesto da forma gráfica e o

instrumentista também.

Page 23: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Tentando mapear como se dão as características da concepção do

videoclipe, necessariamente se passa pela história do cinema e das tecnologias do

audiovisual que se constituem dessa vontade de associar os dois sentidos, olhos e

ouvidos. Desde o final do século XIX as projeções do cinema eram acompanhadas

por música, e rapidamente as escolhas das partituras estavam relacionadas já às

imagens apresentadas. Dessa forma, era a partir da imagem que se construía a

música, ainda o inverso do videoclipe, mas tais produções conseguiram um

casamento estético incrível e indissociável entre a imagem e os sons, realmente a

possibilidade de parecer estarmos vendo os sons.

Figura 2- Diagrama de uma sequência do filme Alexander Nevsky de

Eisenstein, de 1938, contendo a trilha de imagem sincronizada com a partitura.

Fonte: Eisenstein (1990. p 9-10).

Nessa busca somos impressionados com o cinema de montagem soviético

e sua vontade de encontrar formas de materializar a música em imagem,

produzindo uma montagem que se corresponda aos movimentos propostos na

Page 24: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

música. Dziga Vertov, com o filme O homem com uma câmera (1929), tentava

incorporar a música e correspondê-la ao movimento sincronizando o andamento da

imagem e da música. Sergei Eisenstein também amplia a relação da música e da

imagem, procurando uma correspondência com as dimensões concretas da música

em seus filmes, ideias que ele próprio reuniu e defendeu na A forma do filme (1990).

Arlindo Machado reforça colocando que o ponto de mutação do cinema “foi

a invenção de um método óptico de registros de sons, ou seja, toda trilha sonora

do filme é convertida em informações luminosa e fotográfica na película, ganhando

a propriedade de imagens” (MACHADO, 2005, p. 157). A colocação de Arlindo

Machado diz respeito ao advento da banda sonora, e que esse fator possibilitou

reproduzir a pista sonora na pista de imagem e recorda, como exemplo a animação

Fantasia (1940) de Walt Disney.

Entre as décadas de 1920 e 1930, o jazz nos Estados Unidos passou a ser

filmado e “então um gênero musical que tentava alçar sua legitimação, passou a

ser um manancial para a produção de ‘números filmados’, sobretudo com artistas

como Duke Ellington e Woody Herman” (SOARES, 2004, p. 16).O filme O Cantor

de Jazz (1927), com direção de Alan Croland e com Al Jolson no papel principal,

foi o primeiro filme cantado da história do cinema que recorreu a várias estratégias,

sobretudo a de evocar as dimensões sonoras da própria performance do cantor.

King Kong (1933), direção de Ernest B. Schoedsack e Merian C. Cooper, torna-se

uma referência de sincronia de imagem e som, inaugurando a técnica de

mickeymousing3, nome batizado posteriormente na animação da Walt Disney em

Fantasia (1940).

O cineasta alemão Oskar Fischinger é sem dúvida muito importante para a

relação entre música e imagem. O autor usou das músicas de Bach, Beethoven e

outros, para produzir uma forma inédita de arte abstrata conhecida como música

visual (Filipe Salles, 2002, p 35). Oskar Fischinger, assim como Walter Ruttman e

Viking Eggeling construíram uma forma visual inseparável do som. Imagens

pensadas nota a nota, timbre por timbre, cada evento sonoro da música ganha um

3 Técnica cinematográfica que sincroniza o acompanhamento de música com as ações na tela. O

termo refere-se ao personagem Mickey da animação da Walt Disney. A técnica foi popularizada no filme Fantasia (1940)

Page 25: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

componente de imagem abstrato. Tais técnicas são bastante relevantes para o

mundo dos videoclipes, pois nesses trabalhos está uma relação completa com as

dimensões concretas do som, no caso em animações abstratas, que em alguns

videoclipes vão se apresentar de várias formas.

Norman McLaren através de sua proposta de música sintética, que fazia

desde 1950, em sua obra Synchromy (1971), produz uma música desenhando a

onda sonora na película, ou editando os sons através de seus equivalentes visuais

(MACHADO, 2005, p. 157). O artista coloca, nas pistas de sons e de imagens,

colunas de cores diferentes para corresponder a uma voz melódica, onde essas

cores representam as diferenças de notas que vão ficando mais rápidas e dividindo-

se em quatro. A disposição disso nas duas pistas determina ao mesmo tempo a

polifonia em que se ouve uma coreografia visual sincronizada ao som.

Figura 3- Frames de Synchromy

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=UmSzc8mBJCM

Ainda na década de 1940, havia os Soundies, que eram uma espécie de

jukebox, objeto recorrente em bares, onde ao se colocar uma ficha era possível ver

números musicais em preto e branco. Tal apresentação visual precedeu a invasão

da música popular na televisão que ganhava espaço através do programa Paul

Whiteman’s Teen Club no canal BBC americano em 1949. Na década de 50 a

televisão se torna a grande responsável na disseminação de números musicais,

aquecendo um novo mercado. Números como “Rock Around the Clock” no filme

Blackboard Jungle (1955), de Richard Brooks e Jailhouse Rock (1957) de Richard

Page 26: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Thorpe, que consagrou o nome do cantor Elvis Presley, marcaram efetivamente a

divulgação de artistas e a possibilidade de ver na tela, não mais só do cinema,

números musicais (SOARES, 2004. p. 16).

Figura 4- Imagem de Soundies

Fonte: www.elettrovintage.it

Na França um aparelho chamado Scoptone, muito semelhante ao Soundies,

exibia performances de cantores em um filme de 16 milímetros. Era usado em

diversos bares como forma de entretenimento para a juventude e divulgação dos

artistas. “A tentativa não era apenas exibir performance dos cantores, mas respeitar

uma espécie de desenvolvimento autônomo entre a imagem e som” (SOARES,

2004. p 16). A autonomia dessa relação entre imagem e som vai permanecer

presente no vídeo para divulgação de músicas e compor a essência do videoclipe.

Figura 5-Imagem de um Scoptone

Page 27: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Fonte: documentsdartistes.org

O videoclipe desde então está vinculado à música pop e à imagem dos

artistas. Tem como embrião estratégias do final dos anos 1950, início de 1960, de

promover a música que a partir desse momento se inseria no que se chamou de

cultura jovem. Toda essa trajetória compõe o videoclipe, mas o que é fato é que ele

é o produto que mais está ligado à música, nele está uma tradição em buscar

recursos de aproximação com o som.

A origem do videoclipe é bastante discutível, mas há uma marca importante:

o ano de 1964 é marcado pelo lançamento do filme A Hard Day’s Night, da banda

The Beatles, dirigido por Richard Lester. Além do filme, os Beatles faziam alguns

vídeos. Os vídeos e o filme eram promocionais e há algumas discussões acerca da

definição desses vídeos como videoclipes. Alguns autores defendem o fato dos

vídeos e os filmes dos Beatles não poderem ser considerados videoclipe porque

eram formas para que a banda pudesse aparecer em mais de um programa de TV,

mas Jorge Lima Barreto afirma que o “vídeo tem conexão com a TV, mas seu

compromisso com a música foi iniciado com o experimentalismo do coreano Nam

June Paik, compositor e videasta do final da década de 60” (BARRETO, 2000, p.

27 ) O movimento a que se refere é exatamente o movimento denominado videoarte

ou vídeo experimental, que versava sobre a estética da televisão e do vídeo na arte

contemporânea. Ao assistir a esses vídeos é possível perceber uma preocupação

em sincronizar música e imagem e, independentemente de sua definição como

videoclipe, são uma referência para a sua estética.

Page 28: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O videoclipe reúne características do cinema de vanguarda e a animação e

o experimentalismo das artes visuais que procuram uma relação com a música. É

também um formato audiovisual voltado primeiramente à televisão e com a intenção

de ser uma peça promocional. Ele comporta todas essas características desde que

tenha uma relação com a música.

O videoclipe integra a pós- modernidade e o contemporâneo por ser um

produto da indústria para uma cultura de consumo, ao mesmo tempo que tem muito

de sua montagem relacionada à arte de vanguarda e às convergências

tecnológicas. Isso só aumenta o repertório representativo e as possibilidades

técnicas de visualização do som.

Nos anos 1960, há uma disseminação de um sistema portátil de captação

de imagem e de uso cada vez mais frequente: o videotape, que se tornava cada

vez mais interessante para as emissoras de televisão por conta do baixo custo e

da velocidade em produzir. Este desenvolvimento tecnológico possibilitou uma

produção de vídeos experimentais que problematizou o conceito de televisão

comercial. Segundo Leguizamón, as experimentações artísticas em vídeo serviram

também para criar um produto audiovisual que se distanciasse do cinema, pois sua

montagem é de outra natureza (LEGUIZAMÓN, 1997 p 26).

O vídeo foi utilizado como um campo de investigação, como uma forma de

romper a unicidade da narrativa, o que cabe a muitos videoclipes, e como uma

forma autorreflexiva dos produtos audiovisuais das mídias de massa, ou seja,

incorporava o recurso promocional, as tecnologias alternativas e suas estéticas

para criticar seu formato popular voltado ao consumo de massa. Tais

características foram incorporadas por alguns grupos de rock do final dos anos 60,

início de 70, e com a Pop Art de Andy Warhol, artista também importante para o

videoclipe, com seus experimentos em vídeo com os artistas da banda Velvet

Underground e iniciando uma relação com a arte experimental em vídeo e a música

pop. Tornou-se uma das fontes que os diretores de videoclipe recorrem até os dias

de hoje para inspirar suas produções.

“O vídeo exemplifica de maneira particularmente intensa a dicotomia pós-

moderna entre estratégias ruptivas de vanguarda e os processos mediante aos

quais essas estratégias são absorvidas” (CONNOR, 1993, p. 129). Devido a essa

Page 29: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

característica, de ser rico em fontes e de inspirações é que o videoclipe ganha uma

quantidade de elementos representativos muito grande, pois se tem nele a música

com todos seus elementos, aspectos ideológicos, as miméticas de outros produtos

audiovisuais, o texto da canção que sugere uma narrativa ou uma estrutura

conceitual.

André Bazin (1991, p. 85), ao tentar definir a fotografia e o cinema, afirmava

que esses meios de expressão artística são uma arte impura devido ao fato de ser

composto de técnicas de várias outras expressões artísticas. Ao pensar no

videoclipe pode-se afirmar que é ainda mais impuro, pois nele se convergem

técnicas e se tornam ainda mais híbridas as expressões artísticas. “O videoclipe vai

além dos pressupostos que ditam o fato de que há fronteiras bem definidas nos

conceitos que regem a relação entre videoclipe, cinema e publicidade” (SOARES,

2004, p. 54).

O videoclipe dispõe de um arsenal para a relação imagem e som, advindos

de inúmeros experimentos audiovisuais e que historicamente absorveu

experimentos de outras relações como pintura, teatro, dança e ópera. Pode-se

encontrar em todas essas expressões artísticas a tentativa de representação dos

sons da música. Outras expressões, sobretudo a dança, têm como objetivo a

representação dos movimentos sonoros que se dão em uma música, no caso, a

dança é incorporada ao videoclipe como mais uma das formas de representar os

acontecimentos musicais.

A quantidade de recursos técnicos e referências dá ao videoclipe

possibilidades de conversão de forma inigualável. Talvez se possa se arriscar a

dizer que tais questões fizessem dele o principal formato audiovisual responsável

pela representação da música na contemporaneidade.

O videoclipe é um produto que se situa entre outros formatos audiovisuais,

sobretudo articula dois segmentos da comunicação, o cinema e a publicidade.

Thiago Soares coloca que:

do cinema, o videoclipe irmanou-se de uma configuração de linguagem que pode partir de analogias a escolas e movimentos de vanguarda, passando por ‘ousadias’ técnicas (...) Da publicidade, o clipe bebe na fonte dos maneirismos estéticos típicos dos produtos audiovisuais feitos para o consumo (SOARES, 2004, p. 61).

Page 30: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Percebe-se que o videoclipe e o cinema estão imbricados. Desde o fim da

década de 1970 filmes musicais no cinema americano, como American Graffiti,

(Loucuras de Verão) de direção de George Lucas (1973),Saturday Night Fever (Os

Embalos de Sábado à Noite) de direção de John Badham (1977), Abba - O filme

de direção de Lasse Hallstrom (1977), Grease- Nos Tempos da Brilhantina de

direção de Randal Kleiser (1978),tiveram trechos das canções editados, com

duração de três a quatro minutos, e tornaram-se videoclipes para servir de material

de divulgação tanto do filme quanto da música.

Na década de 1980 inicia-se o canal MTV (Music Television) com programas

que foram uma espécie de FM televisiva, em que videoclipes eram exibidos. O

videoclipe se torna uma vitrine de trabalhos de candidatos a cineastas. Clipes

funcionam como uma escola e uma iniciação no mercado. Diretores como Jake

Scott, Mark Pellington começaram com vinhetas na MTV americana nos anos 80 e

isso possibilitou a sua penetração em comerciais e cinema. Esse também é o caso

de Michel Gondry, cuja carreira de diretor de clipes possibilitou a realização de

filmes. Mais do que este aspecto da promoção do artista, o videoclipe está em

constante relação estética com outros produtos audiovisuais, fazendo de sua

concepção algo sempre dinâmico, pois é feito por artistas versáteis sendo que o

mercado também estimula esta versatilidade.

No que diz respeito à edição, o videoclipe é muito complexo, nele podem-se

ver animações, inserção de computação gráfica, figurinos infantis, bonecos,

estratégias e recursos em tecnologias de vídeo obsoletas entre outras

possibilidades. A própria produção de Michel Gondry é um exemplo disso. No clipe

com música Human Behaviour (1993) de Björk, por exemplo, a cantora passeia por

uma floresta onírica, que se assemelha à de contos infantis, a paisagem é tomada

por computação gráfica e há um personagem que é um urso gigante em figurino de

pelúcia. Esses experimentos não são apenas característica do diretor, mas estão

presentes em vários outros videoclipes. A relação com a animação advém da

animação abstrata e de Walt Disney como mencionado, e o hibridismo entre

animação e live action já foram explorados, sendo o clipe da música Take On Me

(1986) do Grupo A-ha, de direção de Jeff Moore, icônico no que diz respeito a esse

tipo de montagem.

Page 31: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Figura 6- Frame do videoclipe Take on Me do grupo A-ha. Animação

interagindo com ator.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=djV11Xbc914

Diversos diretores sedimentaram a ideia de que o videoclipe não é apenas

a demonstração do artista fazendo playback da própria música, transformando o

videoclipe em um produto que abre campo para a linguagem audiovisual deixando-

o sempre pronto para inspirar os diretores de cinema e publicidade. Tomemos,

como exemplo, novamente Michel Gondry que tomou da tecnologia de Bullet Time,

o mesmo recurso usado para criar a imagem parada no ar de Matrix (1999) dirigido

pelos irmãos Wachowski. O diretor inseriu esse recurso em um comercial para

Smirnoff no ano de 1996. É claro que muitos supõem erroneamente que Gondry

copiou a cena, mas a questão é, como coloca Thiago Soares, “que não é só o

videoclipe que bebe da fonte do cinema, mas também o cinema vem sendo

inspirado no videoclipe” (SOARES, 2004, p. 63).

A forma de videoclipe vem contaminando diversos produtos. O documentário

sueco Surplus realizado por Erik Gandini, lançado em 2003, foi editado à maneira

de um videoclipe. Do mesmo modo Nós que aqui estamos por vós esperamos, filme

brasileiro de 1999 sob a direção de Marcelo Masagão, a História do século XX é

contada apenas com imagens e música. O contrário também ocorre, como em

Michael Moore, que ao realizar o documentário Tiros em Columbine (2002) foi

convidado a dirigir o clipe Boom (2003) para a banda System of a Down. No clipe,

Page 32: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

não aparecem imagens da banda, as imagens editadas são de manifestações

antibélicas de vários lugares do mundo como se fosse um documentário de

manifestações com esse tema.

Observa Laura Josane de Andrade Correa, em seu artigo sobre a história do

videoclipe, que o clipe para a música Minha Alma (1999) da banda O Rappa, que

trata de assuntos sobre violência e cultura periférica, que tem a direção Kátia Lund,

também está contaminado com a estética do documentário, que a própria diretora

trouxe do documentário, realizado por ela, Notícias de uma guerra particular (1999)

(CORREA, 2000, p. 5). Do mesmo modo pode-se perceber a linguagem de

videoclipe no filme que Katia Lund co-dirigiu junto a Fernando Meirelles, Cidade de

Deus (2002).

Esta inversão, da linguagem do videoclipe como referência incorporada pelo

cinema, vai-se tornando cada vez mais recorrente. O filme Corra Lola Corra, de

1999, dirigido pelo alemão Tom Tykwer, é um exemplo da estética do videoclipe no

cinema e como um videoclipe, justapõe a estética do videogame e da animação.

A relação com a música e sua representação das dimensões sonoras não

são específicas do videoclipe, pois vieram de todas essas outras produções e não

permaneceram fechadas nele. Sua estética transita entre um produto e outro, está

presente em publicidade e cinema e suas referências podem ser artes plásticas,

documentários, filmes de ficção e outros. Classificá-lo ou afirmar que somente nele

se encontra esta relação com o som e a música é facilmente refutável, pois sua

concepção emerge da hibridação, da contaminação, de inúmeras referências e da

experimentação. Mas pode-se definir o videoclipe, de forma mais geral, como um

produto feito para a música, enquanto outros formatos audiovisuais exploram

primeiramente a imagem e a narrativa e depois lhe a atribuem música. No

videoclipe, da música nasce a imagem, sobretudo em clipes cujo realizadores que

se preocupam com a dinâmica sonora.

Neste trabalho, as análises buscam entender especificamente a relação

entre a imagem e as dimensões sonoras, já esclarecido que essa relação advém

de outros produtos. A exploração entre a imagem e o som, quando acopladas,

culmina no videoclipe. Mesmo não sendo um videoclipe, sua característica é

perceptível, seja no cinema ou em qualquer outro produto, pois pode-se senti-lo

Page 33: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

como um videoclipe pelo fato das imagens parecerem emergir dos acontecimentos

musicais ou parecerem estar, de algum modo, conduzidos pela música.

Outro fator muito significativo para essa relação entre imagem e o mundo

sonoro ser tão harmônica é o fato de que muitos músicos da cena pop são dotados

de talento para o audiovisual. Há inúmeros nomes: John Cale, parceiro de Lou

Reed na banda Velvet Underground, fez experimentos em 8mm e 16mm, tendo

Police Car (1966) como uma referência de cinema invenção; Yoko Ono e John

Lennon embarcaram em experimentações; os músicos Jim Morrison e Ray

Mazereck do grupo The Doors se conheceram na escola de cinema; Mazereck tem

também em seu currículo alguns curtas-metragens.

Muitos músicos embarcaram em produzir clipes: os componentes da banda

Sonic Youth, além de David Byrne, Prince, Brian Eno, Frank Zappa, Gerald

Cassale, Tony Levin e Arnaldo Antunes, para citar alguns, mostraram-se talentosos

na arte de produzir videoclipes. Há também muitos diretores de videoclipe que são

músicos e na verdade defini-los como músicos ou diretores de clipes ficou também

difícil, sobretudo se levarmos em conta a qualidade de seus trabalhos. Os

integrantes do grupo The Residente são um bom exemplo, pois além de serem

músicos também participavam ativamente do movimento americano da videoarte

(MACHADO, 2005, p. 183). Essa relação entre o mundo da música e o mundo das

imagens desses artistas faz com que, em sua maioria, os videoclipes tenham um

casamento com as dimensões sonoras de uma forma especial.

Outro aspecto bastante relevante para essa relação entre imagem e som

que o videoclipe explorou está nos shows. Na atualidade se percebe o uso de

artifícios audiovisuais, cada vez mais sofisticados, como citados por MACHADO

(2005):

show de música pop hoje não compreende somente a música, mas coreografias , indumentária, cenografia, projeção de imagens animadas em telões e toda uma parafernália de recursos imagéticos que torna a música pop um acontecimento cada vez mais audiovisual (MACHADO, 2005, p. 183)

Tal colocação mostra que hoje os shows e todos os outros recursos

fornecem ao videoclipe várias possibilidades de representação dos acontecimentos

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sonoros, mantendo o videoclipe sempre em zona de vizinhança com diversos

acontecimentos e produtos audiovisuais.

Arlindo Machado (2005) releva que essa geração de músicos que são

também produtores de videoclipes faz com que a produção de videoclipe de algum

modo já pré-estabeleça uma concepção audiovisual, coloca que “determinadas

soluções em termos musicais podem ter sido adotadas para possibilitar efeitos

visuais preconcebidos” (MACHADO, 2005, p. 184). Essa colocação nos leva

entender que imagem e som são parte integral da concepção do videoclipe sendo

o produto em que essas duas naturezas expressivas, som e imagem, convergem e

se casam como nenhum outro produto audiovisual. O videoclipe é a forma das

imagens dançarem ou elas próprias serem performances da música.

No que diz respeito à essa performance audiovisual, Michel Gondry mostra

seu currículo: sendo músico e demostrando em seus vídeos uma relação com

várias referências do mundo do audiovisual, buscou esse casamento entre som e

imagem. Esse repertório que o artista detém faz seus videoclipes serem especiais

como formas de produzir imagens para evocar as dimensões concretas do som.

CAPITULO II. NATUREZA DO SOM E NATUREZA DA IMAGEM NO

AUDIOVISUAL

Há muitas formas de representar o som, de transpor suas dimensões à

imagem. Mesmo algumas formas sonoras sendo semelhantes ou até mesmo

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idênticas, quando representadas em imagens são feitas por uma outra matéria, de

outra natureza, diferente do som. Mesmo que se leve em consideração a presença

do som, ao tentar produzir uma forma de visualizá-lo, não será exatamente o som

em suas dimensões precisas que será visto.

O som é o elemento que se manipula para se fazer música. O som é forma

ondulatória que se propaga no ar deslocando matéria e, portanto, faz a matéria

ganhar as formas ondulatórias, mas não pode ser visto a olho nu. O que pode ser

visto do som são sempre seus efeitos em outros corpos, outros objetos dispostos

no espaço em que ele soa. Por exemplo, a caixa de som oscilando, algo próximo à

caixa que se percebe sendo empurrado, algo em cima das membranas, como

caixas acústicas ou instrumentos de percussão com pele, ou a caixa acústica dos

instrumentos de madeira, que ao se colocar algo em cima deles, como uma moeda,

ao tocar o instrumento percebe-se seu efeito colocando o objeto em movimento.

Se se colocar um balde d’água ou uma superfície de areia, também é possível

visualizar seus efeitos.

Portanto para ser visto é preciso sempre um outro suporte, uma outra

matéria que não é da mesma natureza que o som. O critério para representação

das dimensões físicas do som a imagem tem relação direta com as ferramentas

que se utilizam para representar em imagem o som. No caso, o recurso é a tela e

todos os suportes técnicos que o audiovisual disponibiliza. Cada um ao seu modo,

equivale a características comuns às dimensões sonoras. O recurso de

correspondência entre a imagem e o som é o corpo humano. É ele que decodifica

os efeitos do som e nele que se pode sentir suas dimensões. Os suportes técnicos

são as ferramentas que possibilitam a visualização do som.

Tal questão é difícil de esclarecer, faltam-nos também terminologias, pois

sendo o som um fenômeno físico, não se define pelos sentidos da linguagem. Para

compreender a relação entre imagem e som, o autor Ney Carrasco (2003, p. 13)

pega emprestado da terminologia da música o conceito de polifonia, que designa

muitas vozes melódicas que acontecem sucessivamente, para compreender o

cinema, que, do mesmo modo, em sua montagem dispõe de vários suportes

justapostos. No cinema e em produtos audiovisuais entende-se o mesmo, sendo a

Page 36: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

música e os sons alguns dos suportes, ou seja, elementos da polifonia

(CARRASCO, 2003, p. 13).

Thiago Soares (2004, p. 15) ao tentar esclarecer o videoclipe também utiliza

o termo polifonia, usado pelo filósofo Mikhail Bakhtin, no caso metafórico, para

designar as vozes ideologicamente distintas. O termo se refere à quantidade de

suportes que atuam simultaneamente em um produto audiovisual.

A polifonia em música tem origem no canto Gregoriano. Originalmente a

execução de seu canto era monofônico, ou seja, uma única voz, que posteriormente

começou a ser dividida em várias vozes. Ao se desenvolver descobriu-se a

possibilidade de combinar linhas melódicas diferentes, vozes independentes.

Não há necessidade de se aprofundar no conceito de polifonia em música

para compreender a dimensão a ela atribuída no audiovisual. Entende-se que,

quando vai-se atribuindo vozes a uma música, ela ganha uma estrutura polifônica

e esta estrutura se organiza em dois eixos: em eixo horizontal que diz respeito a

uma única voz e um outro, eixo vertical, que se dá à medida que a música ganha

outros suportes melódicos, acompanhamentos etc. Na partitura musical é possível

perceber o eixo horizontal se olharmos apenas uma voz de cada vez. Voz é o termo

dado à linha melódica de qualquer instrumento. As outras melodias ou

acompanhamentos da música vão sendo escritos um abaixo do outro,

sincronizados verticalmente, revelando a arquitetura de uma peça musical. O eixo

vertical diz respeito à essa sincronia de elementos, no caso da música, suas vozes.

No cinema a verticalidade se dá através da sincronia dos suportes e o horizontal é

o tempo. O termo é análogo à maneira que é feita a partitura. Em um filme ou vídeo

essa sincronicidade pode ser dada de vários modos, na tela não se apresenta forma

vertical, mas é uma realidade no que diz respeito ao raciocínio para sua concepção.

Na História da música ocidental, para se coordenar essa dinâmica das

vozes, a música teve que desenvolver um princípio de sincronia. “Não se trata de

uma sincronia absoluta como encontramos no cinema, mas relativa: sobre a

contagem de tempo cada voz sabe exatamente o que fazer e quando fazê-lo”

(CARRASCO, 2003, p. 17). No cinema e nos produtos audiovisuais se entende o

movimento como eixo horizontal e cada voz sincronizada a esse tempo como eixo

Page 37: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

vertical. O importante é entender que os materiais que vão se sincronizar no

audiovisual não são da mesma natureza.

A música é muito ligada ao canto, que é linguagem verbal. Estão muito

associadas, embora sejam diferentes. Elas divergem em sentidos, mas têm em

comum um elemento estrutural, que é o som. E da imagem, qual poderia ser o

elemento estrutural comum que possibilita uma associação? Esse elemento é o

espaço, pois o som e a imagem, sobretudo com a câmera, são formas em

movimento, assim como o som. A relação é espacial, portanto o que corresponde

a essa natureza comum da imagem e som é o corpo, pois esse divide o mesmo

lugar do acontecimento visual e sonoro.

Ao se entender a canção como uma união entre poema e música basta tomar

um texto em si mesmo que ter-se-á um poema, mas quando se atribuir melodia às

palavras que o compõe ter-se-á uma canção. “Quando as palavras e a música se

conjugam na canção, a música engole as palavras” (LANGER. 1980, p. 158). A

relação dos dois suportes cria um corpo só, palavras e organização rítmica se

tornam canção.

Essa propriedade polifônica permite à música associar-se consigo mesma e

a outras linguagens e manifestações. Afirmam ambos os autores, Langer (1980,

p.158) e Carrasco (2003, p. 23) que as propriedades do som e a imagem

associam-se devido às suas características comuns que são as formas e o

movimento.

As ondas sonoras ocupam espaço no ambiente e suas características físicas

se propagam e dividem o espaço com os corpos que ocupam o mesmo. Os sons

como formas ondulatórias empurram os corpos e estão sempre criando efeitos nos

objetos e corpos que compartilham o espaço com eles.

Os sistemas relevantes para música são: o emissor do som, o ar do ambiente

em que se propaga (espaço) e o ouvinte. Tem-se então Emissor-ar-ouvinte. Os

sons são uma forma de vibração e se propagam de um ponto ao outro do espaço,

aos quais nossos corpo e ouvidos são sensíveis. Os ouvidos são capazes de

encontrar a origem do som e de nos direcionar em relação ao objeto emissor, pois

o tímpano detecta os sons também de forma tátil, assim como toda nossa pele.

Todo corpo está exposto aos efeitos do som e suas formas em movimentos.

Page 38: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O receptor, no caso do audiovisual ou de obra visual, é sempre o corpo

humano, a não ser que se construa um equipamento tecnológico que faça uma

relação direta de decodificação do som. A questão é que para que se efetue uma

correspondência entre imagem e som no audiovisual é preciso sempre uma relação

entre o som, o corpo humano e os suportes que tornarão visíveis os efeitos das

ondas sonoras.

Os sons imprimem seus efeitos nos corpos que dividem esse mesmo espaço

e, se pudessem ser vistos, em cada um desses objetos, ficariam impressas suas

formas ondulatórias de algum modo. Os efeitos que supostamente pudessem ser

vistos dependeriam das características, tamanhos e distâncias que os objetos

estariam dispostos aos sons.

Observa-se que se pode substituir o corpo do ouvinte por um dispositivo de

gravação, fita magnética, vinil, cd ou uma gravação fotoelétrica em filmes, assim

como o emissor pode ser substituído por um dispositivo eletrônico. O mais

importante é entender que esses materiais são capazes de armazenar os efeitos

da onda e assim tornar-se reprodutores desses sons quando postos novamente em

contato com outro material, como é o caso da agulha do toca-discos que quando

posta em contato e movimento gera a música dos desenhos nele produzidos.

Tal relação entre o som e o suporte visual fica clara no experimento

audiovisual de Norman McLaren, Synchromy (1971), já mencionado neste trabalho.

Esse experimento foi chamado de música sintética e consiste em desenhos de

quadrados feitos diretamente na película e que ao passar pelo projetor de cinema

tanto pode ser ver os quadrados como ouvir o tempo de duração de cada um deles.

Em exemplos como este, imagens podem ser pensadas como uma única estrutura

ótica (auricular) e óptica (visual). Na obra em questão o autor desenha quadrados

na película que determinam a música que se ouve da reprodução dos próprios

desenhos, ao mesmo tempo que os quadrados apresentam uma coreografia

perfeitamente sincronizada.

O experimento revela uma espécie de vontade de uma determinada

produção audiovisual que é de criar uma relação sinestésica4. Synchromy revela

4 O termo refere-se à sensação e à percepção, precisamente quando uma sensação originária de

um sentido parece proveniente de um outro. Em comunicação, o autor Sergio Bausbaum colabora

Page 39: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

que as percepções táteis, auditivas e visuais correspondem-se umas às outras, pois

a imagem na película, com a sua forma em movimento, torna-se som que toca o

corpo e os ouvidos. Isso poderia ser feito de outro modo: da forma som para a forma

imagem.

O filme pode se tornar uma espécie de sofisticação da dança, pois a dança

também procura representar a música, utilizando as formas e o movimento do

corpo. Com a câmera e com os recursos disponíveis ao audiovisual, as

possibilidades de representar o som e a música vão mais adiante. Compreende-se

que o corpo que dança é o próprio vídeo em movimento, sendo como o gesto do

músico e do maestro ou do dançarino que ao se propagar no espaço e encontrar

um outro material deixará impressas as características do movimento do seu corpo

sendo a forma ondulatória tanto uma imagem (forma) como um som.

Entender o videoclipe ou outro produto visual, que tem sua relação com a

produção de presença do som deste modo, é bastante pertinente: o som tem uma

forma em movimento, mas essa é invisível a olho nu, porque só podemos perceber

suas formas, suas características e sua força a partir do nosso corpo, de forma tátil

e só podemos visualizar seus efeitos em outros materiais, que neles vão manter a

característica de suas formas ondulatórias. Devemos considerar que, para os sons

terem as formas e características que apresentam, eles dependem das formas e

das características dos materiais que os produzem.

Na produção de vídeo essa questão vai se dar com uma diferença: nele não

haverá o efeito do som real. Há em muitos trabalhos audiovisuais um modo de tratar

a cena e as imagens como se sofressem ação do som e conseguissem

corresponder à sua presença material. No vídeo, as possibilidades de representar

aumentam, pois nele o modo de fazer ver é virtual, ou seja, uma realidade simulada

e os materiais para representar o som são escolhidos pelo diretor, e não são

simplesmente dispostos no ambiente e nem limitados à representação que o corpo

humano pode fazer ao dançar.

Arlindo Machado menciona, a respeito da relação entre banda sonora e

banda imagem, que os acontecimentos musicais e visuais ganham um conceito

bastante com o aprofundamento do tema. Consultar em BASBAUM, Sérgio. Sinestesia, arte e tecnologia – Fundamentos da Cromossonia. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.

Page 40: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

novo: uma “experiência estética ‘sinestésica’ (vemos os sons e ouvimos imagens)”

(MACHADO, 2005, p. 158).

Nesses trabalhos de vídeo os sons ganham suas imagens correspondentes,

quase como uma espécie de partitura, na qual um músico, ao perceber os

fenômenos sonoros, procura reproduzir sua presença de forma gráfica. No grafismo

de uma partitura também se busca representar os acontecimentos físicos do som

e não os seus significados. A representação na partitura busca o fenômeno físico,

ou seja, o deslocamento da matéria e suas características. É simples, basta contar

a quantidade de notas que se ouvem em uma melodia e a quantidade de bolas e

paus (símbolos-pautas) que tem na partitura. Outro exemplo é perceber qual nota

é a mais aguda de uma sequência, depois perceba que a nota mais alta está escrita

mais acima no pentagrama do que as outras, ou seja, um sistema analógico de

notação.

Figura 7- Trecho da partitura da Sonata No. 14 em C menor (Sonata ao luar)

Fonte: Beethoven. L.V. Sonata Op. 27 No. 14. Partitura. Piano. Disponível em: http://pt.cantorion.org/music. Acesso em: 6 de Jan 2015.

A partitura é potencialmente audiovisual, pois se a escrita musical for

gravada (impressa) na película fílmica e posta em movimento torna-se um produto

audiovisual e a sua execução rítmica idêntica. Alguns videoclipes de Michel Gondry,

assim como de alguns outros autores, sobretudo esses trabalhos que buscam uma

representação do som, são uma espécie de partitura que dispõe de outro material

representativo, que é muito vasto, mas, assim como a partitura, pode representar

os acontecimentos sonoros e suas características com a película e seus suportes

Page 41: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

técnicos e suportes cênicos, e o vídeo com suas outras possibilidades criam um

universo muito rico para imprimir uma experiência sonora visual. O mais

interessante é entender que, se um músico tentasse reproduzir tais vídeos, como

se eles fossem uma partitura, sem ouvi-las, apenas tendo relação visual, produziria

uma música muito parecida com a do vídeo, no que diz respeito ao ritmo,

andamento e dinâmica.

Para compreender as possibilidades de edição nos vídeos que buscam a

representação do som, é necessário compreender a natureza do som e da imagem

no vídeo. Há, como já dito, diversas formas, sobretudo porque o vídeo não é

produto real do som, mas produzido por alguém que manipula as imagens e o

próprio som. No caso, os videoclipes que apresentam correspondências com os

sons revelam como os diretores utilizam esses recursos do audiovisual para

fazerem das formas dos sons e suas durações tornarem-se imagens na tela.

CAPÍTULO III- PROPRIEDADES DO SOM E DA IMAGEM E SUAS

CORRESPONDÊNCIAS NO VIDEOCLIPE.

Como já mencionada, a natureza do som e da imagem são diferentes e cada

recurso visual apresenta uma característica específica que corresponde a

determinadas características do som. A percepção visual é uma percepção

vibratória, tal qual o som, e faz parte do mesmo paradigma, não obstante sua

natureza eletromagnética é mais ampla, no que se refere a quantidades de

frequências, pois na música ocidental decodificamos doze frequências musicais,

sendo 7 notas e 5 acidentes, e já nas cores por exemplo, que são frequências da

luz, há uma gama bem maior que compreendemos e nomeamos.

A imagem é produto de um estímulo luminoso aos nossos órgãos visuais.

Em termos físicos, a maneira mais simples de definir o som é considerar a unidade

de frequência, o Hertz (ciclos por segundo). A luz também é medida por essa

unidade, e o número de vibrações da onda luminosa por segundo (frequência em

Hertz) determina a tonalidade da luz, ou seja, sua cor. Já a amplitude da onda se

traduz na intensidade dessa luz.

Page 42: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

No que diz respeito ao som, quanto mais ciclos, mais alta a frequência.

Esses ciclos definem a altura em música, portanto as notas, sendo as frequências

de menores ciclos, lentos e graves e os rápidos, agudos.

Altura em música diz respeito à propriedade do som ser mais grave ou

agudo. Nossa percepção física desses Hetz se dá pela nossa capacidade de

compreender a velocidade e sua oscilação, dependendo do seu volume e de sua

frequência podemos até perceber em nossa pele, e não somente no tímpano. Deve

ser lembrado que o tímpano é também uma membrana: oscila do mesmo modo

que uma caixa de som.

O humano tem da frequência a percepção dessas alturas, sendo as graves

mais baixas e as agudas mais altas. Entende-se desse modo devido às ondas

graves se propagarem mais abaixo no ambiente e mais acima as frequências

médias e altas. Isso se dá ao que se chama contorno desses sons, que é o tamanho

da onda, e que dependendo de seu tamanho sofrem a ação da gravidade.

Nos desenhos animados é recorrente usarem vozes graves para

personagens gordos e agudas para os magros. Seus movimentos são comumente

representados com registros de contornos sonoros que correspondam aos seus

tamanhos, por exemplo, os personagens gordos cujos movimentos são

representados com instrumentos graves, como tuba, tímpanos, contrabaixos,

bumbo etc.

No videoclipe da dupla de diretores Nic Goffey e Dominic Hawley, The

Salmon Dance (2007) para a banda Chemical Brothers, essa relação com as alturas

e dimensões do som são basicamente os elementos usados para construir o vídeo.

A música tem uma condução rítmica de rap bem grave e outros sons agudos de

acompanhamentos, como se fossem sons acessórios de instrumentos de

percussão, no caso todos feitos eletronicamente. Do modo tradicional do rap, canta-

se um tanto falado. O videoclipe tem como cenário um aquário e, para representar

essas alturas, as diferenças entre a vozes humanas e os instrumentos, foi dado a

cada som um peixe de tamanho que corresponda às dimensões (contorno) dos

sons presentes na música. No vídeo há um peixe gordo, que infla de acordo com a

presença rítmica dos sons graves e outros dois peixes que correspondem a

dimensões das vozes dos dois cantores da música, sendo o peixe maior para a voz

Page 43: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

grave e o menor para a mais aguda. Há também a saída de peixes bem pequenos

das pedras do interior do aquário no momento que sonoridades bem agudas

aparecem. Os peixes movimentam-se para cima, assim como o som que se

apresenta na música que soa de notas mais baixas para a mais alta.

Figura 8- Frame do videoclipe Salmon Dance (proporções dos peixes).

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=dDj7DuHVV9E

Além da tentativa de representar o tamanho das formas sonoras na tela, as

frequências musicais também são comumente associadas às cores, sendo elas

também definidas por hertz.

3.1 CORES E ALTURA.

Desde o século XIX se desenvolvem teorias a relacionar as frequências

musicais e à cor. Filipe Salles (2002. p. 48) traz essa discussão a fim de melhor

compreender a relação entre a frequência mecânica do som e a frequência

eletromagnética da luz, procurando entender possivelmente esta relação no

audiovisual.

primeiramente, a diferença de intensidade de uma cor, por mais que seja a mesma frequência é interpretada como uma nuance diferente da cor, e não como a mesma cor. Além disso, a combinação de duas ou mais cores tendem a misturar-se sem que se possa definir exatamente as cores componentes a partir de seu resultado final (SALLES. 2002, p. 48).

Page 44: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

A questão é que a totalidade das fontes de luz existentes é formada por

sobreposição de frequências. Assim como na luz, o som também pode ser

sobreposto, mas, devido à frequência da luz ser muito mais alta, não conseguimos

distinguir suas sobreposições e sim somente seu resultado. Com o som, somos

capazes de perceber suas sobreposições, às vezes com um pouco de treino, mas

são de fácil percepção.

A frequência da luz (cor) não pode ser precisada senão por aparelhagem

complexa de laboratório. Isso se dá por razões físicas, a frequência eletromagnética

da luz é muito menor e mais sutil que a mecânica do som.

Importante colocar que as frequências do som são fenômenos que

determinam os elementos da expressão musical, sendo uma das características da

matéria-prima para música. Essa relação plástica com os sons é bastante

importante para compreender sua visualidade. As frequências são as notas

musicais, elas têm determinado tipo de oscilação e essas variações de oscilação é

o que as diferem umas das outras. As notas vão estruturar a melodia, definida pelo

modo de dispor notas e organiza-las sucessivamente. A harmonia é montada por

acordes, que são notas tocadas simultaneamente. A harmonia é uma combinação

de diferentes acordes tocados ritmicamente ao longo de uma música.

As cores podem ser um modo de representar a música, mas, devido à

mecânica sonora, é possível reconhecer a simultaneidade de frequências

sobrepostas, o que com a luz não é possível. Mas se sabe que a imagem é produto

de um estímulo luminoso (frequência eletromagnética), e o som, produto de

vibrações mecânicas que se propagam num meio material, sendo, portanto, de

natureza muito diferentes, mas semelhantes enquanto manifestação.

Tais correspondências são primordialmente conseguidas em função de uma dimensão estética, e não de uma dimensão física, uma vez que não há (ou não se conhece) uma razão unificadora consensual entre as naturezas físicas e eletromagnéticas neste caso (SALLES, 2002, p. 23).

O engenheiro Paulo de Castro, em seu artigo “Vibrações de Luz e Som”

(1999), nos fornece explicações detalhadas sobre este aspecto:

Page 45: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O som e luz diferem bastante pela extensão de valores das frequências abrangidas. Na luz é percebida apenas o que em música denominamos "oitava" (Oitava é o intervalo entre duas notas sucessivas com o mesmo nome, entre dois "dós", por exemplo) (...) A frequência da cor violeta, última vista, é o dobro da do vermelho, a primeira cor vista. É nesse intervalo que se encontram todas as cores que vemos. No som, a última frequência percebida é cerca de 1000 vezes o valor da primeira, dando uma extensão de cerca de 10 oitavas (Castro, 1999, p. 12).

Importante colocar que os instrumentos musicais abrangem uma faixa de 7

oitavas, aproximadamente de 32 Hz a 4200 Hz. É nessa faixa que distinguimos

bem os sons musicais, com os quais se desenvolvem tipos de composições mais

conhecidas.

Os valores escalares do som e da luz são diferentes, assim como suas

naturezas o que faz a comparação entre o som e a imagem ser arbitrária. Sua

relação se dá teoricamente, de forma matemática, equivalendo seus valores de

frequência e não fisicamente.

A natureza de ambas se relaciona em comparação e também metafórica e

simbolicamente. Há vários estudos de psicologia e psicologia da percepção que se

preocupam em pensar nos significados das cores e esses estudos possibilitam uma

relação entre som e imagem. O próprio Fillipe Salles (2002), em seu trabalho

“Imagens musicais ou música visual. Um estudo sobre as afinidades entre o som e

a imagem, baseado no filme Fantasia (1940) de Walt Disney”, se preocupou em

falar um tanto disso e relacionar as cores na animação feita para a Sinfonia

Pastoral, de Beethoven, mas as teorias defendidas em sua dissertação orientam-

se pelas análises simbólicas, que não é a metodologia usada nesta dissertação.

A questão é que, quando essa relação entre luz e notas é feita,

independentemente de seus significados, se constrói uma correspondência. Em de

Olhos bem Fechados (1999), do diretor Stanley Kubrick, há uma relação entre as

cores e a música. As cores azul e vermelho fazem parte de todo filme, compondo

nossas sensações aos sentidos metafóricos do contexto da trama. Do mesmo

modo a sua escolha pela música Ricercata, II de György Ligeti como tema principal

no qual se trabalha a composição em cima de duas notas, a tônica e o intervalo de

segunda menor, por exemplo, dó e dó sustenido. Essas duas notas combinadas

são consideradas como as notas mais incômodas a se combinar em toda a escala

cromática musical, sendo sua combinação de ondas a mais incompatível. Sabe-se

Page 46: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

que a cor azul e a cor vermelha são as cores de espetros mais distantes e segundo

as teorias das cores, as cores que combinadas mais excitam os olhos, ou seja,

mais estressam devido à constante alteração de frequência que nosso cérebro

procura decodificar.

Há em alguns momentos do filme a constante presença dessas alterações

das duas cores e a música em questão. Embora possivelmente a combinação tenha

sido concebida pensando nos sentidos simbólicos dessas frequências musicais e

visuais, não se deixa de ter uma correspondência de materialidade, pois ambas as

frequências se apresentam como provocadoras de incômodos aos olhos e aos

ouvidos.

Na cena em que o personagem de Tom Cruise caminha pelas ruas,

desolado, e o filme procura criar uma tensão por ele estar sendo seguido, altera-se

no cenário um objeto vermelho e outro da cor azul, e a música que acompanha a

cena é justamente essa, tocando a combinação da frase com as duas notas. O

tempo em que se apresentam as cores não sincroniza com as notas da música,

mas se estabelece a presença de suas frequências de diferentes naturezas que se

correspondem uma à outra pela combinação, não harmoniosa. O que o diretor

acaba por construir é uma paisagem audiovisual incômoda, não somente pelos

sentidos, mas pela materialidade da cor (luz) e do som que ganham sua

correspondência devido ao modo pelo qual percebem as suas frequências.

Um videoclipe que apresenta do mesmo modo essa relação com a cor e a

frequência musical é o do diretor Nova Dando para a música Octopus (2012) da

banda BlocParty. A música apresenta um ritmo que se assemelha a uma falha de

CD, e o diretor edita a imagem deste mesmo modo, apresentando cores que, na

edição rítmica do clipe, se correspondem `as notas usadas para compor a música.

A escolha não corresponde às ideias teóricas e nem tampouco parecem

corresponder a possíveis simbologias. São escolhas aleatórias, mas definem a

presença das notas que compõem a frase (riff) rítmica de que a música é feita,

coordenando as cores ritmicamente à música. Neste caso evocam-se as diferentes

notas no uso das diferentes cores.

Figura 9- Frames do videoclipe Octopus

Page 47: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=TkeUFRK4i7w

3.2 Volume (intensidade) e Ponto de Escuta.

Como colocado na introdução, as dimensões sonoras estão definidas como

altura, ritmo, timbre, volume, contorno, localização espacial e reverberação. Os

tópicos deste capítulo explicam essas dimensões, porém já atreladas aos suportes

do audiovisual. No início deste capítulo foi definida e analisada, junto aos suportes

técnicos no audiovisual, a dimensão contorno. O trabalho seguirá desse modo,

agora entendendo a intensidade. Em se tratando das diferenças formais entre a

luz e o som, a intensidade é tratada pelo som de maneira bastante diversa:

enquanto que para a luz intensidades diferentes de uma mesma frequência podem

ser consideradas cores diferentes, em música não, porque a nota, até seu limite

auditivo, é reconhecida sem problemas como a mesma, qualquer que seja sua

dinâmica. A dinâmica diz respeito ao volume, ou seja, a força com que a onda é

emitida e isso não altera a sua frequência.

A intensidade é um aspecto comum a ambos os suportes. A dinâmica refere-

se espacialmente à distância, à distância do objeto sonoro ou volume que é emitido.

Tais questões referem-se ao posicionamento de quem escuta, criando uma

percepção espacial do ouvinte. Referem-se aos sons mais fracos: aqueles que se

ouvem ao fundo.

No suporte visual a câmera é o referencial da dinâmica. A correspondência

se relaciona com as perspectivas dos objetos em cena ou ao jogo dos planos,

aproximação e distância que a câmera mostra. Em música, há um complexo de

dinâmicas, a pensar que cada instrumento controla uma força a cada som que

emite. O suporte visual parece ter menos condição representativa, mas não por

isso deixa de fazê-lo.

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Michel Chion coloca que no que diz respeito à enunciação falamos de ponto

de vista, e no que se refere à imagem, podemos e devemos falar de ponto de

escuta, no que se refere ao som, já que pressupomos a imagem e o som

combinados (2008, p. 74). Os sons na tela aparecem percebidos de algum ponto

no espaço, pelo posicionamento da câmera.

Aqui se levanta novamente a questão a respeito das diferenças entre a

natureza do som e da imagem. Normalmente numa gravação de vídeo busca-se,

com os posicionamentos em relação ao objeto sonoro, uma relação de proximidade

com o som, como se o microfone estivesse posicionado no mesmo ponto que a

câmera, criando a impressão, por exemplo, de que fontes sonoras mais fracas

estão mais distantes. Isso é para produzir uma perspectiva sonora, mas que o ponto

de escuta é uma noção problemática que pressupõe a trilha sonora funcionando da

mesma forma que a imagem (CHION, 2008, p. 79). Claro que estamos falando do

som atribuído à imagem e não dos sons gravados ambientalmente que vão

corresponder a essa perspectiva espacial, enquanto os gravados posteriormente

serão mixados fazendo com que os sons ambientais sejam os mais reais possíveis.

Mesmo essa questão é problemática, pois se sabe que há uma dimensão

onidirecional do som, ou seja, ele se propaga para todos os lados.

Arlindo Machado ajuda a compreender o ponto de escuta levantado por

Chion, afirmando que:

Quando estamos colocados num ambiente real (tridimensional), o ouvido mostra-se menos orientado do que a visão: enquanto meus olhos percebem somente aquilo que está em minha frente, os ouvidos captam sons que se encontram fora do meu campo visual (MACHADO, 2007, p 108).

Diante da tela sugere-se ouvir o som que sai das caixas acústicas. O que na

realidade depende do posicionamento do sujeito no espaço em que se propaga o

som. Na tela, sobretudo no videoclipe, o som será tratado como se saísse dos

movimentos de imagem do próprio vídeo.

Ao olhar alguma coisa, sempre nos orientamos a um ponto que nos

direciona, a um lugar no espaço que é fixo. No caso do som, também procuramos

nos direcionar a partir de sua fonte, mas, embora tenha uma fonte também fixa, os

sons se propagam no espaço causando reverberações que faz em que essa noção

Page 49: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

de direção torne-se imprecisa. O som nos envolve, tornando a experiência sempre

multidimensional.

Os sons que podem ser gerados ao se produzir um filme não são exatamente

os sons que se ouvem ao serem exibidos, pois os sons no audiovisual são

manipulados de vários modos e ou pensados na forma que vão ser captados. Isso

faz com que os sons e a música reproduzidos pelas caixas de som, dispostas no

local em que se exibe o filme, sejam percebidos pelo efeito do equipamento e do

ambiente no qual eles soam. Mesmo em um filme em que se dispõe de recursos

de gravações de sons naturais à cena, a realidade sonora da cena é diferente da

experiência sonora da sala em que se ouve o som do produto audiovisual.

A experiência espacial com o som no vídeo se dá de forma visual. Ao se

ouvir algo, procura-se a origem da fonte sonora, e normalmente inclinamos nosso

corpo em direção à fonte emissora ou, naturalmente, procura-se enxergá-la. Na tela

se vive a ilusão de que os sons são gerados pelos movimentos em cena, ou que

acontecem naquela realidade. No audiovisual a experiência visual cria uma relação

espacial da audição. Do mesmo modo que quando se joga um videogame seu

corpo se direciona para onde você conduz o personagem, assim é a escuta do som

no vídeo.

Quando se tem um som muito baixo, como um sussurro, pressupõe-se que

se fala muito próximo do interlocutor para que ele possa ouvir. No videoclipe esse

interlocutor é quase sempre o espectador, que assume o ponto de vista da câmera.

Está pressuposto, no caso de um sussurro ou som muito fraco que só poderíamos

ouvi-lo se nossos ouvidos fossem nossos olhos, que se aproximam dos

acontecimentos e objetos que parecem emitir o som. Há clipes que servem de um

bom exemplo: no videoclipe do diretor Erick Arc Elliott da música Humming (1997)

para o grupo Portishead, a cantora canta sussurrando. No clipe há uma

personagem que é uma cantora que encena cantar a canção e o plano fecha no

rosto da personagem como se colocasse o espectador como seu confidente. Do

mesmo modo, no videoclipe de Michael Gondry Open Your Heart (2010) para a

cantora Mia Doi Todd: no momento que outros instrumentos baixam sua dinâmica

deixando mais evidente a linha melódica do canto, por volta do minuto 1:19 fecha-

se o plano no rosto da cantora.

Page 50: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

A música está essencialmente ligada ao espaço e é concebida nele e para

ele. Antes do século XVIII, a música não podia ser executada em qualquer lugar,

normalmente era escrita para uma ocasião e não fazia muito sentido fora desse

contexto ou lugar. A música desde período estava muito ligada à arquitetura, pois

suas audições dependiam das igrejas e de estabelecimentos que tinham uma

capacidade particular acusticamente.

No prelúdio de Bach, suíte n 6 em ré maior BWV 1.1012, para violoncelo, o

músico utiliza-se de um recurso que consiste em repetir várias sequências de notas,

alterando essa sequência na primeira repetição forte e depois fraco. Quando essa

obra é executada no interior de uma catedral a repetição das frases que se alteram

entre fracas e fortes cria um efeito de eco, quando o som reverbera no amplo

espaço criando um efeito audiovisual. Cria-se através do som a impressão sonora

retirada da impressão visual e física, do corpo no espaço de uma catedral. Sabe-

se que uma obra como essa foi feita para se executar em um espaço colossal com

abóbodas de catedrais, logo se utiliza de uma memória corporal, “imagina-se” estar

ocupando um espaço amplo onde se tem eco.

Essa questão, embora diga respeito a ser levado a uma paisagem não real,

é vivida por um repertório de memória de experiência sonora, sendo a música

capaz de transportar a sensação espacial da catedral. Também o vídeo e seus

suportes podem evocar a sensação de viver os sons.

Arlindo Machado no capítulo em que se dedica a pensar a relação música

e imagem, cita uma gravação em vídeo para essa obra de Bach, executada por

Mstislav Rostropovich no interior da Basílica de Sainte Madeleine, na França

(1991). O autor releva a força da versão em vídeo devido à visão do interior facilitar

a associação com os sons:

e porque no momento de repetições dos sons a câmera sobrevoa, através de majestosos travellings, no interior da nave, reforçando o sentido de tridimensionalidade do espaço que os sons estão justamente engendrados. (MACHADO, 2005, p. 159).

No caso, o ponto de escuta conseguiu ser alterado: para evocar a presença

espacial do som, a câmera é praticamente colocada no ponto do movimento da

onda sonora. Como se viajasse junto ao som.

Page 51: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Os posicionamentos das câmeras em relação ao objeto sonoro ou à

execução instrumental é bastante perceptível em gravações de shows ao vivo ou

para exibições ao vivo de televisão, que acompanham os gestos da interpretação

musical. É muito comum, por exemplo, ao assistir a um pianista tocar sons fracos,

a câmera se aproximar da execução do músico fazendo da câmera o ponto de

escuta do espectador, como se procurasse buscar o som que se esvai, criando

esse espaço sonoro óptico. Também é evidente em solos de guitarra de grupos de

rock, em que o instrumento ganha evidência sonora ao se fechar o plano na

execução do músico. Esse exemplo é bastante comum em exibições de orquestras

em televisão, nas quais se acompanham as melodias e os gestos dos músicos

executando a obra.

Outra questão que diz respeito ao ponto de escuta é que, se o movimento

for feito ao contrário, por exemplo, ao se diminuir a dinâmica da música quando a

câmera se afasta, entende-se que esse movimento não é arbitrário frente ao

fenômeno sonoro, mas sugere outro ponto de escuta, no caso óptico. Ao afastar o

plano com um travelling out e diminuir a intensidade do som, causará a impressão

de nos afastamos do objeto sonoro ou ele de nós.

O ponto de escuta, embora muito usado, não é o único recurso para evocar

a intensidade do som. A luz também é um recurso com o mesmo objetivo,

normalmente explorado com o corte, o que corresponde ao silêncio, pois se trata

de ausência de imagem. O escuro sempre equivale ao vazio e, portanto, à ausência

do som. Ao contrário, na aparição do som, por exemplo em ataques nos

instrumentos executados com a mesma intensidade de uma frase musical, é

comum ver-se um clarão de luz.

A luz é um recurso audiovisual dos shows. Nas iluminações de palco e em

gravações de shows é muito comum explorarem a luz como efeito da dinâmica do

som. Nos videoclipes é feito de dois modos: um é mostrando gravações de

execuções ao vivo do grupo musical sincronizando na edição do vídeo os

momentos de intensidade do som com os momentos de intensidade de luz que

acontecem durante a performance. Outra forma é a manipulação e controle da luz

feitos em estúdio. No videoclipe The Number Of The Beast produzido Kevin Shirley

para a banda Iron Maiden (1980) esses critérios foram usados em sua montagem.

Page 52: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

A música tem uma introdução que vai crescendo em intensidade. O cenário, que é

um palco, mostra os planos fechados nas guitarras e no vocalista com uma luz

baixa. À medida que os instrumentos vão sendo adicionados à música, fazem-se

planos nos músicos que o executam. Os planos ficam mais abertos de acordo com

expansão que toda a música ganha. Em um momento há um corte de som, uma

explosão, quando todos fazem juntos a frase musical, e as luzes do palco também

aumentam sua intensidade, criando clarões. Ao longo da execução da música, as

luzes do palco acompanham ritmicamente as frases musicais das cordas (guitarra

e contrabaixo), mostrando a presença e a ausência dos sons da frase musical feita

por tais instrumentos. Nos solos e em momento de passagens musicais importantes

do contrabaixo e da bateria, o enquadramento se fecha nos músicos, assim como

toda vez que o baterista ataca o prato, a câmera se aproxima do gesto trazendo a

presença do som a ocupar instantaneamente o espaço da tela.

Figura 10- Frames do videoclipe The Number Of The Beast

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=jsmcDLDw9iw

Os jogos de luz e os planos procuram evocar a intensidade dos

acontecimentos sonoros. O videoclipe de Jay C. Rees, da música Creep (1993) da

banda Radiohead é outro exemplo em que fica bem clara essa relação com a luz

para representar a quantidade de som que ocupa o ambiente, por causa dos

ataques da guitarra que sincronizam com o excesso de luz do palco que preenche

a tela.

Page 53: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Os videoclipes mencionados acima são alguns exemplos, podendo esses

recursos ser explorados de muitas formas. Nem só a luz e nem só os músicos

executando seus instrumentos são utilizados para evocar a dinâmica, mas também

objetos abstratos podem compor o espaço representacional do som na tela. É o

caso dos célebres videoclipes, da banda New Order, Blue Monday (1988), que tem

duas versões, feitas pelo artista plástico William Wegman, e também o videoclipe

para música Bizarre Love Triagle (1986) de Robert Longo, em que os artistas

exploram bastante na tela a relação espacial do som, tratando as imagens dos

artistas e qualquer outro elemento como um objeto a se apresentar posicionado de

acordo com as perspectivas do som. O videoclipe de Nova Dando, Octopus, já

mencionado, é também um bom exemplo dessa relação: a música permanece por

algum tempo saltando na mesma nota ganhando a sincronia de imagem que repete

o frame se aproximando levemente e rápido juntos às notas repetitivas da música.

Esses recursos espaciais são usados no cinema e advêm do teatro óptico

de Emilie Reinauld, ainda do final do século XIX, como uma espécie de pantomima

do som. Enfatizar um gesto com som foi uma técnica muito aplicada no cinema

mudo. Ao que consta, as partituras do teatro óptico “apresentavam marcações

minuciosas sobre a relação entre música e imagens animadas, indicando que já

existia uma preocupação com a polifonia audiovisual” (CARRASCO, 2003, p. 68).

Herdam a relação ambiental da música para teatro, pois também herdam as

técnicas dos músicos que tinham experiência nesse tipo de espetáculo para o

cinema. No caso do cinema é muito recorrente a pantomima sonora estar articulada

à narrativa, mas de toda forma ela evoca através do som o gesto que acontece no

espaço. Essas técnicas continuaram a se aperfeiçoar nos novos suportes técnicos,

e no videoclipe essa relação com espaço é bastante explorada devido à experiência

musical ser uma experiência espacial.

No videoclipe, o jogo representativo da intensidade do som ganha uma

riqueza ainda maior, pois com muita recorrência se desprende da narrativa, ou nem

tem a narrativa como princípio de montagem. Neste caso a relação espacial

normalmente é bastante explorada. Não necessariamente é feito com a

demonstração da execução dos instrumentos ou com a luz. O videoclipe de

Stéphane Sednaou, da música Give it away (1993) para a banda Red Hot Chili

Page 54: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Peppers é bastante relevante sobre esse aspecto. Nesse videoclipe as imagens do

corpo dos artistas são bastante utilizadas para representar acontecimentos

musicais, mas que por vezes são representados por músicos que tocam os

instrumentos que não são os evidenciados na música, como é o caso do timecode

00:46 do vídeo, quando a bateria é mais evidente e quem vem à frente da imagem

é o baixista. Independente do instrumento, a imagem correspondeu à presença

sonora. Em outros momentos a tela se divide mostrando o contrabaixo fazendo a

frase musical, enquanto os músicos dançam no plano inferior da tela. Isso

representa a evidência do som do instrumento na música em relação ao resto do

conjunto. Em outro momento, como o solo da guitarra, o vídeo não apresenta o

músico tocando, mas sim em uma performance com uma fita. Em quase todo

momento que o cantor canta, utiliza-se das distâncias que se tomam em relação ao

cantor para enfatizar as nuances entre a dinâmica do ritmo da melodia que canta e

em alguns momentos usando o trêmulo do canto do refrão e o representa com

movimentos trêmulos de zoom.

Figura 11- Frames do videoclipe Give it Away

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Mr_uHJPUlO8

O corpo pode ser bastante usado como representação espacial do som, já

que a performance acontece também no espaço. Sendo o corpo um objeto que

pode ser manipulado na imagem, ganha uma outra natureza no vídeo, mas tais

questões serão melhores abordadas adiante.

3.3 Timbre e texturas

Page 55: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O timbre é qualidade do som e o que possibilita identificar a diferença de um

som para o outro. As frequências (notas) podem ser as mesmas, ao passo que o

timbre permite perceber a diferença entre o som do piano e de um violoncelo, por

exemplo, quando tocam as mesmas notas. Características dos sons podem

depender dos materiais dos objetos sonoros. Usa-se o termo objeto sonoro, pois

os sons de uma música podem ser extraídos da maneira convencional de se tocar

um instrumento ou não. A última situação ocorre se o instrumento for manipulado

de outra forma ou caso se adicione outro material para friccioná-lo, por exemplo: se

utilizarmos uma moeda nas cordas de um violão, esse som ganhará outra

característica.

O timbre foi o elemento sonoro que mais foi explorado no século XX.

Segundo José Miguel Wisnik “operou-se uma reviravolta nesse campo sonoro

filtrado de ruídos, porque barulhos de todo tipo passam a ser concebidos como

integrantes efetivos da linguagem musical” (WISNIK, 1989, p. 42). A música

concreta chega a eliminar, em muitos casos, a execução ao vivo de músicos ou até

mesmo os músicos. Sua concepção e ou execução acontece com música sendo

manipulada pelo computador. Os equipamentos tecnológicos também se tornaram

geradores de sons e de música, e essa revolução técnica do século XX trouxe à

música uma amplitude que se deu pelas pesquisas e controle do timbre, dando ao

mundo sons antes impensáveis.

Esses equipamentos tecnológicos também começaram a ser utilizados pela

música popular depois da Segunda Guerra Mundial. Na música Pop, por exemplo,

os equipamentos que podem manipular e transformar os sons foram subsídios a

ampliar o universo sonoro, chegando hoje a múltiplas possibilidades de timbres.

Este recorte rápido desses aspectos históricos da música foi apresentado

para dar um pouco da dimensão que tem o timbre. Para os objetivos deste trabalho

o importante é pensar nos suportes visuais possíveis que se relacionam com a

natureza do timbre.

Tanto o timbre como as técnicas de expressão da música se conseguem

alterando a onda sonora. As expressões em músicas são técnicas de manuseios

dos instrumentos. Por exemplo, o vibrato (efeito de oscilar o som), legato (efeito de

ligar o som ao outro) entre outras técnicas para granular mais o som ou deixá-lo

Page 56: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

mais límpido. Tanto as expressividades em música como o timbre do som têm no

vídeo correspondência nas características do material disposto em cena e nos

efeitos e nuances que se podem produzir.

As texturas são nuances nas ondas sonoras no vídeo. Quase sempre se

utiliza de alterações na imagem. Temos um exemplo em videoclipe que é bem

didático: o videoclipe para a música Do I Wanna Know? (2013) do grupo Arctic

Monkeys, produzido por David Wilson, que coloca uma linha na tela oscilando de

acordo com as cordas dos instrumentos. A linha oscila junto ao som da voz e da

guitarra, transformando-se em forma sonora. A animação ganha outras formas e

também se transforma em desenhos figurativos, mas em muitos momentos se

preocupa em mostrar essa linha que se multiplica em quatro, para representar os

quatros instrumentos que compõem a banda tocando simultaneamente,

demostrando sua oscilação.

Figura 12- Frame do videoclipe Do I Wanna Know

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=bpOSxM0rNPM

As imagens abstratas são de mais fácil representação devido à liberdade

que se ganha por não se ter algo figurativo. Na animação abstrata Spook Sport

Page 57: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

(1940), produzida por Mary Ellen Bute e Norman McLaren, as formas de seus

desenhos correspondem às características das ondas. É evidente haver

correspondência rítmica, mas há também uma preocupação com as suas formas e

o modo em que oscilam, correspondendo o movimento das formas sonoras em

imagens. Outro exemplo está na introdução do clipe Humming para banda

Portshead. A música tem a introdução do instrumento Teremin, no qual se

manipulam as ondas de rádio e que tem como característica a oscilação de suas

frequências. Ao ser apresentado o som do instrumento no clipe, põe-se em primeiro

plano a imagem da chama de uma vela. Aqui mais uma vez a luz representa os

efeitos do som, no caso a sua irregularidade.

Os timbres do som podem ser representados com os efeitos de textura de

imagem. Percebe-se que o termo refere-se a uma percepção tátil e é a esse recurso

perceptivo que se recorre ao se transportar essa natureza da música à imagem. Os

timbres remetem-se mais à percepção dos materiais, pois a memória da percepção

tátil procura interpretar o material do objeto sonoro. Um exemplo ocorre quando

ouvimos uma flauta transversal, cujo som advém do metal: atribuímos a sensação

de frio em comparação a um contrabaixo acústico que soa em madeira.

O diretor Michel Gondry no videoclipe, para a cantora Björk, Hyperballad

(1996) relaciona esses dois aspectos com maestria: o clipe quase todo é feito com

o rosto da cantora, o que mostra a própria concepção da música, em que a voz é

mais presente, sendo acompanhada por ritmos muito sutis ao fundo. O diretor

explora as vozes da cantora que se sobrepõem timbristicamente dobrando a

imagem do rosto da cantora, em efeito de “fantasma” televisivo. O diretor também

se preocupa em apresentar em imagem outros sons como a imagem ao fundo que

oscila no ritmo do som da vassourinha (baquetas com hastes de metal) feito

eletronicamente. A imagem representa não só o ritmo, mas também o efeito de

fundo (dinâmica do som) e o timbre eletrônico, feito como se fossem chuviscos

(interferências) coloridos de TV. Os sons, que lembram um metalofone, são

representados com as luzes que se acendem no rosto da cantora. Um outro efeito

eletrônico apresentado no primeiro minuto é a imagem ao fundo que é alterada com

luzes vermelhas que oscilam no ritmo do efeito sonoro. Um detalhe também

importante é que essas luzes não só ficam ao fundo como perpassam o corpo

Page 58: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

(cabeça) da cantora representando a dinâmica do som que oscila seu volume. O

clipe também representa a divisão da música no refrão: quando o refrão entra, corta

para a imagem da cantora em um formato estético de videogame, quando ela corre

por uma cidade eletrônica. Esse ambiente estético é uma representação do

universo eletrônico da música (timbres). Corresponde bastante às simulações de

instrumentos orgânicos que têm a música. No final desta, quando volta o refrão,

uma série de imagens que foram usadas o tempo todo para representar elementos

sonoros é colocada. Essas imagens se sobrepõem à cabeça imóvel da cantora,

enquanto o “fantasma” - o simulacro - canta. A imagem ao fundo oscila de um lado

ao outro no mesmo ritmo que o som oscila. As imagens fantasmas vão se

sobrepondo ao eco da voz da cantora.

Figura 13- Frame do videoclipe Hyperballad

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=D0Pv-UkoRC4

Nesta análise além das características da textura e timbres representados

no vídeo percebe-se que foram interpretados outros pontos como a duração dos

fenômenos sonoros e suas intensidades. Isso se deve a que timbre, duração e

intensidade sejam as características básicas da onda sonora e é impossível separá-

las como se fossem um único fenômeno.

Percebe-se que o timbre colabora com a relação tátil da paisagem sonora,

termos que se pretendem trabalhar mais adiante. Os materiais não só

correspondem à paisagem do vídeo que pode ser evocada com os objetos de cena,

sejam representações reais do objeto sonoro ou não, mas podem parecer do

Page 59: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

próprio material que é o vídeo ou a película. No clipe, para banda Rage Against The

Machine, Bulls on Parade (1996) dirigido por Peter Christopherson, apresenta-se

uma imagem alterada, feita na própria película. Essa imagem com aspecto de

danificada corresponde ao efeito de volume na guitarra (ua ua) bem distorcido e

que o vocalista canta tentando imitar. A imagem danificada e o som da voz e da

guitarra também são alterados, portanto a imagem corresponde ao efeito do som

(timbre), como se o som se danificasse, alterando a imagem do vídeo.

Figura 14- Frame do videoclipe Bulls on Parade

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=3L4YrGaR8E4

O timbre também foi associado à cor por alguns estudiosos, mas bem

provavelmente de forma metafórica. Do mesmo modo que as alturas musicais, não

há correspondência direta de timbre e luz.

Felipe Salles (2002) aborda a questão do timbre em Fantasia da Walt Disney,

diretamente ligado ao desenho melódico, afirmando que:

Isso advém da possibilidade de visualizar, através do sistema movietone, o som 'desenhado' na película, ou a tradução vibratória do som em escala visual. Cada som é representado por um desenho diferente, que possui um caráter segundo sua forma (mais suave, mais grosso, regular ou irregular, com ângulos agudos, arredondado, etc.), e que é muito próximo do desenho obtido pelo espectrograma do som em laboratório. (SALLES, 2002, p. 26).

Page 60: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O movietone é a forma de gravar que possibilitou sincronizar imagem e som.

O equipamento possibilitou a sincronia do movimento da forma gráfica com o som.

Neste sistema, sobretudo nas animações, deixou-se evidente a relação entre as

formas vibratória da imagem e do som, pois deixava visível a sincronia do

movimento das formas vibratórias.

Exatamente no meio de Fantasia, entre as seções da Sagração da

Primavera e da Sinfonia Pastoral, há um interlúdio no qual o narrador nos apresenta

a “Banda Sonora” que é justamente a faixa movietone. Uma linha é colocada em

cena e o narrador pede para que mostre um som. Um ruído é produzido, e essa

linha se movimenta em ângulos irregulares tomando parte da imagem na tela.

Depois, outros sons são mostrados, divididos por timbres: violino, flauta, fagote,

harpa, trompete e instrumentos de percussão. Cada um é representado com um

desenho diferente, muito característico e que estabelece uma concordância com a

características do som. Há portanto uma correspondência entre os timbres e os

contornos visuais, que claro podem ser representados de muitos modos, mas se

estabelece uma relação com som, mantém características de texturas e

ondulatórias que atingem a percepção tátil da mesma forma.

3.4 Ritmo: duração e movimento

Percebe-se que ao falar de intensidade e duração entramos em um elemento

fundamental da expressão musical que é o ritmo. O ritmo é essencialmente

constituído de intensidade, duração, timbre e frequência. No que se refere à

frequência, o ritmo tem uma peculiaridade. Ritmo pode ser feito por qualquer

material sonoro. Qualquer ruído (som) terá intensidade, duração, timbre e

frequência. Pode-se fazer ritmo com qualquer objeto sonoro, basta organizar esses

elementos temporalmente, ou seja, combinando-os de formas sucessivas. Os

objetos sonoros (coisas), assim como instrumentos de percussão, têm frequências,

mas suas alturas não são definidas do mesmo modo que soa um instrumento que

gera frequências específicas, que podem ser identificadas e então reconhecidas

como notas.

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O ritmo é organização dos sons e de outros elementos da música como

melodia e harmonia, que são modos de organizar as alturas (notas). Ambos os

elementos acontecem de forma organizacional, portanto referem-se ao ritmo,

elemento que compreende o tempo em música.

O ritmo se define por sons que são tocados sucessivamente e também

simultaneamente e, embora seja ele a união desses fenômenos do som, ele como

elemento da expressão musical procura ser representado no vídeo de outra forma,

sendo as outras características mantidas na representação visual.

O ritmo está associado ao movimento e tem uma relação íntima com a

música e com o cinema, sendo uma sequência de eventos temporais justapostos

que criam uma unidade métrica qualquer, que pode ou não ser repetida.

Com o advento do cinema sonoro, Eisenstein procurou formalizar em seu

artigo “Sincronização dos sentidos” (1940), as ideias acerca da relação entre som

e imagem no contexto audiovisual. Nesse trabalho, Eisenstein retoma o conceito

de polifonia e aplica a terminologia “montagem vertical” para compreender a relação

audiovisual:

não há diferenças fundamentais quanto à abordagens dos problemas da montagem puramente visual e da montagem que liga diferentes esferas dos sentidos-particularmente a imagem visual à sonora- no processo de criação de uma imagem única, unificadora, sonoro-visual.(Eisenstein, 1990a, p. 52).

Eisenstein entende a construção audiovisual como algo similar à construção

polifônica em música, e o ponto em comum entre o visual e o sonoro é o movimento.

Coloca que “o movimento revelará todos os substratos da sincronização interna que

queremos estabelecer. O movimento nos mostrará de uma forma concreta o

significado e os métodos de fusão” (Eisenstein, 1990b, p. 58)

O filme King Kong de 1933, dos diretores Merian C. Cooper e Ernest B.

Schoedsack, já buscava correspondência entre o movimento musical e visual. Tais

recursos no filme citado, assim como no filme do próprio Eisenstein, Alexandre

Nevsky (1938), apresentam uma relação com o ritmo e nos servem como exemplo

para estabelecer duas possibilidades de construção rítmica. Uma diz respeito ao

Page 62: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

ritmo da cena, na diegese5 do filme que acontece pelo movimento dos corpos e dos

objetos em cena. (EINSENSTEIN,1990a, p. 97) Em King Kong isso pode ser

percebido na emblemática cena do grande gorila subindo no prédio, quando se

ouve a orquestra enfatizar com instrumentos de sons graves, sincronizando o gesto

de subida do gorila no prédio como se pudemos ouvir os efeitos de seus passos.

Nessa cena prevalece o gesto do macaco. Outra possibilidade é na própria edição,

usando os cortes no tempo que se apresentam os sons, de um grupo de sons

respeitando todos os cortes, ou esperando uma frase rítmica inteira. King Kong é

um modelo da técnica mickeymousing no cinema, que consiste na sincronia do

acompanhamento musical com as ações na tela. Funciona quase completamente

para acompanhar os movimentos dos personagens em cena sincronizando com

ritmo da música. No videoclipe estes aspectos são muito explorados,

principalmente em clipes que diminuem as possibilidades narrativas devido à

ausência de canção.

Videoclipes para músicas feitas eletronicamente, que são feitas basicamente

para pistas de dança, deixam mais evidente a relação com o ritmo. Nos clipes para

música Beat Dis Bomb the bass (1987) produzido pela Sony Bmg Music

Entertainment (uk) e Limited e Pump Up The Volume, (1987) do grupo Marrs,

produzido por 4AD's first, são músicas voltadas à pista de dança que exploram

bastante a edição, “pois para esses ambientes, as imagens costumam ser de outra

espécie, algo assim como padrões de estimulação retiniana muito semelhantes aos

padrões rítmicos da música” (MACHADO, 2005, p. 179).

Os clipes feitos para dançar fazem o vídeo dançar. Planet Rock (1982), remix

feito por Dan Cornuelz e Jessica Janson para a música do DJ Afrika Bambaataa e

seu grupo Soulsic Force, parecem levar às últimas consequências as sugestões de

montagem rítmica de Eisenstein e do cinema soviético. Claro que, além dessa

referência ao cinema soviético, outros videoclipes e produtos da videoarte

influenciam o trabalho. Arlindo Machado (2005, p. 179) nos lembra que esses

clipes são cópias perfeitas das ideias desenvolvidas pelo videoartista coreano Nan

June Paik no final dos anos 70.

5 Diegese é um conceito de narrativa que diz respeito à sua realidade ficcional. O termo é aplicado

em literatura, dramaturgia, cinema e outros produtos audiovisuais que tenham narrativa.

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O rítmo tem como suporte a edição e os movimentos diegéticos, sendo que

esses também podem ser os corpos das pessoas dançando. Tomemos o videoclipe

do grupo de rap Eric B. & Rakim para a música Paid In Full. (1987), produzido por

UMG Recordings, Inc. Pode-se verificar como tentativa de representar a música:

edição bem sofisticada representando o ritmo com cortes de imagem, imagens

montadas em sequência do mesmo modo que é a música feita com samplers, que

fundem universos musicais (estilos e gêneros diversos) assim com interferências

de vozes que também aparecem no vídeo. Há um sampler de voz feminina

cantando em árabe, e neste momento aparecem sobrepostas no vídeo, letras em

árabe.

Figura 15- Frame do videoclipe Paid in full

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=E7t8eoA_1jQ

Elementos já analisados em outros clipes também se apresentam, como a

ênfase na performance do vocalista, com a câmera em primeiro plano quando ele

canta, com inserção de algumas palavras cantadas no vídeo, em correspondência

ao tempo em que elas são ditas. Há também inserções sonoras no canto ou

repetição de alguns sons vocais que são editados na música.

Em uma análise mais minuciosa desses clipes para músicas feitas

eletronicamente, consegue-se identificar quando se usam elementos para

representar o ritmo, que podem ser o movimento do corpo, o movimento de

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câmeras e a edição. Mesmo em videoclipes em que se busca essa relação rítmica,

assim como é feito em alguns momentos no cinema, a representação de todos os

fenômenos rítmicos na música é demasiadamente difícil, pois em música, todos os

sons são organizados ritmicamente construindo uma complexa estrutura. No vídeo

normalmente se escolhem os sons que vão ser representados ritmicamente e

também se escolhe a maneira segundo a qual serão dispostos os elementos em

cena: se com movimento da câmera, com edição, vai-se usar todas as notas de

uma frase musical para se representar, vai-se representar uma frase fazendo

apenas um plano que dure o tempo da frase musical etc.

Esses clipes mostram as várias formas de se representar os aspectos

musicais. Embora os sons possam parecer iguais, ou seus efeitos expressivos

serem os mesmos, as maneiras em que eles são representados em imagem são

diversas. O critério para representação dos sons obedece às suas características

e como essas ondas se comportam uma relação às outras. Desta forma, os critérios

para serem representadas são muito amplos e sem dúvida um dos aspectos para

representação do ritmo é a performance dos artistas, dançarinos, pois a dança é

basicamente representação do movimento em música, portanto ritmo. No vídeo

essa performance de gesto corporais pode ser controlada e se torna mais um

elemento, entre tantos outros que os diretores podem usar para construir o ritmo

do videoclipe. No clipe Get Ready for This (1991) do grupo 2 unlimited, é bastante

evidente esse jogo na edição com o corpo dos artistas.

Quando se dança, têm-se alguns recursos, como os membros, para

representar diferentes ritmos de uma mesma música. Ritmos diferentes que

acontecem simultaneamente. Ao dançar selecionam-se alguns ritmos, não todos,

pois o corpo tem um limite em relação aos possíveis movimentos rítmicos que

acontecem em uma música. O vídeo para representar a música se comporta do

mesmo modo que o corpo que procura dançar, ou seja, selecionam-se elementos.

Cada corpo (vídeo e corpo humano) tem suas possibilidades, sendo que a

possibilidade representativa do vídeo é maior e a do corpo humano é mais um

recurso para a representação do som no videoclipe.

Quando se faz um videoclipe em que se tem o corpo humano, as

possibilidades de representação aumentam, pois, além de se mostrar os próprios

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movimentos do corpo como uma forma de representar a música, eles também

podem ser manipulados pela câmera e pela edição, fragmentando gestos que

possam melhor representar os acontecimentos musicais, como também podem ser

repetidos e manipulados de várias formas. Tratados como imagens no vídeo,

correspondem ao som como vídeo e não mais somente como dança.

Nesses clipes cujas músicas são voltadas para dança utiliza-se da

expressão corporal, de gestos e também da performance de dança muito parecidas

com as coreografias em coletivo, extraídas das danças de rua de que se originam.

No videoclipe na música pop, cujo principal expoente é Michael Jackson, há muitos

clipes que exploram bastante suas coreografias mas que se utilizam de recursos

de câmera e pós produção. Por exemplo, no clipe de Thriller (1982), explora-se a

dança, mas não se exploram planos fechados em determinados movimentos de

partes do corpo dos dançarinos ou movimentos de câmera e uma edição que possa

corresponder mais à dinâmica rítmica da música. Valoriza-se a dança que

consequentemente representa o ritmo, mas assistimos à performance dos

dançarinos, mais do que o próprio vídeo como performance. O videoclipe se

preocupa mais em mostrar a performance de dança em vez de ser, mesmo que

usando a imagem dos dançarinos, ele próprio o representante do ritmo.

Os primeiros videoclipes de música pop americana pouco utilizam da edição

com um recurso de representação rítmica. Ainda hoje mantêm mais a tradição de

mostrar as coreografias. Isso se dá também devido aos clipes de cultura de massa

serem mais voltados à promoção da imagem dos artistas. Essas questões são

evidentes em clipes para cantora Britney Spears, Shakira, Jennifer Lopez, Beyoncé

e outros. No videoclipe Single Ladies (2009) da cantora Beyoncé percebe-se que a

câmera mantém as dançarinas sempre em um enquadramento para que se possa

visualizar a performance de dança, pois através da dança é possível perceber a

representação do ritmo da música.

O ritmo é sem dúvida um ponto de concordância no audiovisual que

acontece pelo movimento, e o videoclipe procura explorá-lo tendo como referência

os experimentos cinematográficos, a videoarte, a animação, os videoclipes, as

vinhetas e todo seu arsenal de recursos técnicos de montagem. Mas “o ponto de

mutação introduzido pelo cinema foi a invenção de um método óptico de registros

Page 66: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

de sons, ou seja, toda a trilha sonora do filme é convertida em informação luminosa

e fotografada na película, ganhando propriedades de imagens” (MACHADO, 2005,

p. 156). A colocação de Arlindo Machado refere-se, sobretudo ao cinema soviético,

especificamente à obra de Dziga Vertov. E é inegável sua colaboração, mas

principalmente às técnicas de casamento com o ritmo. Nos musicais se herda

bastante das coreografias, em que os gestos são mostrados como pantomimas

rítmicas. Tal recurso também não ficou de fora nos videoclipes, tanto que há

videoclipes que o utilizam. No videoclipe de Spike Jonze, para a cantora Björk, it's

oh so quiet (1995) se explora essa herança dos musicais, na qual o corpo em

movimento dos artistas é bastante explorado para mostrar o ritmo da música, já que

o corpo representa o seu movimento, mas as coreografias escolhem momentos da

música e a câmera busca se posicionar para apenas mostrar esses gestos. Nesse

clipe é possível ver no corpo dos artistas alguns ritmos da música, sempre como

uma espécie de valorização de alguns fenômenos musicais. São como

pantomimas.

Outro recurso herdado do cinema é o uso da técnica do mickeymousing,

mencionado anteriormente, que trata as imagens ou os personagens como objetos

que se movem de acordo com o ritmo da banda sonora. Esse recurso é bastante

usado nas animações até hoje.

Hoje, o mickeymousing não é muito bem visto pelos teóricos e compositores

de cinema, mas “está na base de tudo que se fez com som e imagem a partir de

então. As relações audiovisuais, polifônicas e sincrônicas por excelência,

fundamentaram-se a partir de sua prática” (CARRASCO, 2003, p 161). No

videoclipe essa técnica se apresenta, mas, claro, com novas possibilidades,

utilizando-as de todo tipo de formas, fazendo com que o ritmo quase sempre seja

uma expressão muito significativa.

Ney Carrasco (2003, p. 98) analisa a obra Nascimento de uma Nação (1915)

de D. W. Griffith como um filme que se utiliza das técnicas de sincronia musical

fazendo do filme uma espécie de acompanhamento para música. Com uma

montagem rítmica exemplar, o filme é conhecido como um dos primeiros filmes a

ter uma trilha sonora específica para ele. O cinema ainda não dispunha do recurso

sonoro sincronizado, mas o filme tinha uma partitura para ser executada por uma

Page 67: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

orquestra em sua exibição. Tal inspiração advém da música programática e da

ópera que, em muitos momentos, sincroniza os movimentos em cena com o ritmo

da música. No caso da música programática tais cenas são imaginadas com o

auxílio do texto que indica os momentos da história e dos acontecimentos a

relacionar com os acontecimentos musicais. Essa preocupação em sincronizar

movimentos em cena e o ritmo é a gênese do mickeymousing, e até hoje é usado

no cinema, claro que com cuidado e ou inovações, pois a técnica já foi bastante

explorada. Já no videoclipe não parece haver uma preocupação com a saturação

da técnica, possivelmente por ter como objeto a música. Ao se representar a

música, a representação rítmica lhe é natural, já que na música o ritmo é elemento

que a constitui.

Todo recurso que entra em concordância com o movimento pode ser

representado no vídeo, pois se relaciona diretamente com a música. Retomando o

raciocínio de edição, representação do corpo e movimento e outros movimentos na

diegese que possam representar o ritmo, boas partes dos clipes realizados para

Undeworld são verdadeiros achados nessa direção. Neles as “imagens são puros

estímulos visuais (cor, movimento e ritmo) Everybody in the Place (1992), que

Russell Curtis fez para o Prodigy é ainda mais radical: uma edição ágil, sincopada

e rapidíssima (quase no nível do fotograma) faz as imagens dançarem no ritmo da

música” (MACHADO, 2005, p. 179). Nesse videoclipe o ritmo é o elemento que

mais se preocupa representar, o que é feito com edição e performance de dança

dos integrantes do grupo, mas também inserem outras imagens que simulam

interferências e que obedecem ao ritmo musical, sendo assim esses os aspectos

diegéticos, além da performance dos artistas. Na música há uma única frase

cantada, que é apresentada como mais um elemento rítmico. Essa frase é escrita

na tela em cima dos outros acontecimentos, do mesmo modo que na música. Outro

aspecto interessante está na entrada dos sons do teclado que mostra a imagem ao

vivo da banda junto a um quadro menor que exibe um integrante cantando. Ambos

os momentos representam os acontecimentos sonoros e também vem bastante ao

encontro da forma de compor esse tipo de música, que é feito com samplers que

se sobrepõem um ao outro. O videoclipe passa a maior parte do tempo mostrando

os integrantes dançando ao ritmo da música, mas essas performances são editadas

para corresponder mais ainda ao ritmo e andamento da música deixando evidente

Page 68: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

o corpo como um recurso a ser apropriado pelas técnicas do vídeo e praticamente

tornar-se um objeto sonoro (rítmico) no clipe.

Como já mencionado, selecionam-se alguns acontecimentos rítmicos para

serem representados e também sua representação no vídeo pode ser diversa. No

clipe Say No Go (1989), que Mark Pellington fez para o grupo De La Soul, escolhe-

se além da edição (cortes) que vai corresponder aos acontecimentos rítmicos,

imagens abstratas ao fundo que marcam o ritmo sincopado da música.

Em outros momentos os diretores escolhem um único fenômeno rítmico para

acompanhar sua montagem, por exemplo, no clipe Moon (2011) de Björk dirigido

pela própria cantora e James Merry, no qual apenas o ritmo que soa o dedilhado

em uma espécie de harpa é utilizado para ser representado. O ritmo da música

sincroniza-se com a imagem da lua que aparece em parte respeitando o tempo de

cada nota e também quando se forma um desenho onde há luas e essas luas viram

de acordo com os toques desses instrumentos, como se fossem moedas presas a

essa forma. O diretor Spike Jonze se utiliza da música para representar seus

vídeos, mas faz escolhendo quase sempre um ou poucos recursos. No videoclipe

da música Sabotage (2009) para o grupo Beastie Boys, utiliza vários aspectos

ritmos, sobretudo os da caixa da bateria, para fazer os cortes de imagem, além do

tempo de duração das frases do canto para trocar de imagem. Outro clipe que

pode relevar esse aspecto é o clipe do Titãs para música Lugar Nenhum (1987)

cujo ritmo da marcação da caixa atua para trocar as imagens. A troca de recurso

representativo do ritmo, no solo de guitarra, quando o corpo dos músicos é

manipulado (acelerado) para acompanhar o ritmo do instrumento, é outro exemplo

disso.

O uso do tempo da frase rítmica, ou do ritmo da melodia de um instrumento,

ou em sua maioria a melodia da voz, é recorrente para se demarcar o ritmo de uma

música. No videoclipe para o cantor François Coen para a música La tour de Pise

(2007), produzido por Michael Gondry, a música é calcada na letra e no clipe e

acompanha-se o andamento da canção. O diretor buscou colocar palavras inteiras

que são importantes para o sentido da letra, ou até mesmo frases criando quase

que uma espécie de mecanismo de karaokê, no qual se pode acompanhar a letra

na tela. As fotos são trocadas no tempo de quatro pulsos, que corresponde à

Page 69: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

métrica da música 4 por 4. Outro elemento representado está na imagem inicial,

que se altera conforme o ritmo do dedilhado das cordas da introdução da música,

mas é muito interessante observar esse cuidado de troca de quatros obedecendo

os quatro pulsos que organizam a métrica rítmica da música, servindo de exemplo

de mais uma forma de representar aspectos rítmicos.

Embora o ritmo tenha natural afinidade com o cinema, não somente pela

própria afinidade temporal que compartilham música e filme, ele também é

elemento presente nas imagens estáticas. Rudolf Arnheim descreve sentidos de

movimentos em formas geométricas a partir de sensações naturais que o cérebro

tem em seu arquivo de memória quanto ao peso, volume e perspectiva de um objeto

qualquer (ARNHEIM, 1989 p. 77). O cérebro, através da visão propriamente dita,

reconhece tais particularidades representadas e lhes dá valores que juntos hão de

formar um jogo de forças tendo uma resultante que descreve sensações estáticas

e dinâmicas. Essas sensações nos informam sobre as relações de tensão e

relaxamento dos elementos do quadro, que em música podem ser traduzidas pelos

elementos sonoros devido às suas dimensões e às distâncias entre um evento

sonoro e outro. A distância entre um evento sonoro e outro em movimento é

justamente aquilo que causa a impressão de ritmo. Também os sons sucessivos

desse ritmo carregam uma intensidade e uma altura, que vão corresponder à

sensação de peso e à orientação de distância.

No que se refere à imagem estática o compositor Pierre Boulez nos aponta

as relações entre música e imagem pondo em relevo o que denominou pensamento

musical ao falar do pintor Paul Klee (BOULEZ, 1989 p. 8). O compositor admite que

aprendeu a lidar com problemas de distribuição rítmica no espaço musical graças

à obra do pintor. Arlindo Machado argumenta ao encontro disso que essa relação

não se constitui simplesmente por efeitos de linguagem, e que Paul Klee tinha

relação íntima com a música e foi um dos artistas mais bem dotados de um talento

sinestésico natural, capaz de fazer música com o pincel dos tubos de tinta, como

demostrar, desta vez com eloquência de uma obra tida como referência das mais

importantes da arte contemporânea, que música é uma questão de conceitos e

estruturas (MACHADO, 2005, p. 185). Tais questões enfatizam a relação que o

Page 70: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

ritmo dá no que diz respeito à distribuição de formas e cortes no espaço em

movimento.

Murray Schafer também nos ajuda a compreender o ritmo como movimento:

Ritmo é direção. Ritmo diz: 'Eu estou aqui e quero ir para lá'. É como o traço numa pintura de Paul Klee. Ele próprio diz: 'O pai do traço é o pensamento. Como ampliar meus domínios? Acima deste rio? Deste lago? Desta montanha?'. Originalmente, ritmo e rio estavam etimologicamente relacionados, sugerindo mais o movimento de um trecho que sua divisão em articulações (SCHAFER, 1991, p 87).

Percebe-se uma conexão do ritmo com o espaço e tempo, ele é marcado

pela presença, acontecimentos sonoros no decorrer de um tempo e, portanto,

evoca a percepção do tempo de uma obra. Em uma obra audiovisual, o ritmo são

as marcas temporais, ou seja, é o modo com que se corta (duração dos planos).

Tanto no cinema quanto na música a disposição rítmica é um fator de relevância

ímpar, que acrescenta ou diminui a sensação de tempo do espectador/ouvinte.

Este é um aspecto fundamental na união entre a música e a imagem, pois

justaposição ou sobreposição de ritmo e de movimento de imagem, em ponto ou

contraponto, nos darão sensações específicas segundo os objetivos pretendidos.

3.5 Andamento (Tempo)

A distribuição de elementos sonoros no espaço determina o andamento. O

andamento em música determina a velocidade que a música vai tomar. Essa

velocidade não interfere no ritmo da música, pois a distância entre uma nota e outra

continua a mesma. De forma análoga, é pegar uma obra visual e acelerá-la. Ao se

fazer isso você não irá alterar os momentos dos cortes entre seu início e fim de

frames, mas somente sua velocidade. O mesmo com música e embora isso altere

bastante a percepção psicológica, a distância entre um fenômeno sonoro e os

cortes e gestos da imagem não são alterados. O andamento pode ser às vezes

marcado por algum ritmo, como é claro no samba, em que o bumbo marca

sonoramente seu pulso, mas não necessariamente, por exemplo: ao se cantar uma

canção ou melodia à capela (música sem acompanhamento instrumental) pode

intencionar batidas de pés ou de palmas como acompanhamento do canto, essa

Page 71: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

marcação não está sendo ouvida, mas está sendo intencionada pela velocidade

com que se organizaram o ritmo. Ele é a percepção de velocidade do movimento.

Murray Schafer escreve: “Um ritmo irregular espicha ou comprime o tempo

real, dando-nos o que podemos chamar de tempo virtual ou psicológico”

(SCHAFER, 1991, p. 75). Conforme o que já havia sido constatado por Arlindo

Machado (2005) e Pierre Schaeffer (1993). Mas isso também é verificado na

regularidade rítmica aliada ao andamento (velocidade de execução). Obras de ritmo

curto e rápido parecem-nos maiores do que realmente são ao passo que ritmos

lentos fazem parecer bem menores. São os tempos psicológicos que se alternam,

causando efeitos curiosos nos ouvintes, como por exemplo, sua inversão, ao usar

ritmos longos em andamento rápido ou ritmos rápidos em andamento lento.

O elemento representacional correspondente na imagem é feito de modo

cinético, ou seja, de movimento. A dinâmica do movimento da imagem, que é na

verdade, em música, uma fusão do ritmo com o andamento. “A sugestão de

movimento, a partir da composição de forças específicas dos elementos que

constituem a imagem, nos fornecem a sensação de andamentos rápidos ou lentos,

e estes dariam a dinâmica de uma imagem” (ARNHEIM, 1989, p. 405).

Filipe Salles (2002, p. 32) releva esse aspecto do andamento, mais uma vez

em Fantasia, mas o relaciona aos sentidos psicológicos que foram usados na

história da música, de forma descritiva, mas no que diz respeito ao movimento é a

simples relação com a velocidade. Usando como exemplo a mesma obra que autor

analisa, Fantasia, da Disney (2000), a animação feita para a peça “Pássaro de

Fogo” de Igor Stravinsk: quando se percebe a personagem (Fênix) correndo pelos

campos é também perceptível a relação da velocidade de seu movimento

correspondendo à velocidade da melodia feitas pelo conjunto de cordas orquestral.

Neste momento não há nenhum gesto ou corte e enfatiza-se o ritmo e somente

uma representação de andamento.

Eisenstein ainda nos dá uma ideia desta relação segundo a percepção de

caráter que resultará de uma união consciente entre música e imagem:

não podemos negar o fato de que a impressão mais surpreendente e imediata será obtida, é claro, a partir de uma coincidência do movimento da música com o movimento do contorno visual - com a composição

Page 72: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

gráfica do quadro (...); 'enfatizador' da própria ideia de movimento.(EISENSTEIN. 1990b, p. 106).

Tal questão completa muito bem a colocação do ritmo como evocador das

sessões temporais: o tempo em música é determinado pela velocidade com que se

ouve um som em relação a outro. Em imagem o mesmo, pois o ritmo se dá a partir

da relação tempo entre um gesto e outro, um corte e outro e o andamento à

velocidade que isso se dá.

3.6. Melodia

A melodia é a relação entre o ritmo e frequências. Não é somente

característica do som e sim elemento da expressão musical propriamente dito, pois

é composta por sons. As frequências são as definidas culturalmente e as

entendemos como notas musicais. A melodia é um conjunto de alturas tocadas

sucessivamente, ou seja, ritmicamente, e suas representações em imagem no

vídeo são muito mais representadas ritmicamente do que suas alturas,

provavelmente devido ao fato de serem mais complexas. As alturas e o ritmo de

uma melodia foram frequentemente representados na estrutura do mickeymousing:

quando nas animações a escala da música sobe ou desce (alturas) e os

personagens também sobem ou descem escadas, cenas tão comuns nas

animações que envolvem perseguição.

Tais características escalares, que dizem respeito a subir as alturas e descer

são muitas vezes utilizadas desse modo no filme Koyaanisqatsi (1982) dos

diretores Godfrey Reggio e Ron Fricke, de trilha sonora composta por Philip Glass.

O capítulo Pruit Igoe acompanha a queda dos prédios junto à descida de alturas da

escala musical a sincronizar com a imagem das quedas completas dos escombros.

Outro elemento é quando se cria um desenho melódico no vídeo, momentos

em que a melodia é feita por um instrumento ou por um grupo deles e é

representada por uma linha que percorre a tela. As maneiras de produzir essa linha

são inúmeras e levam em consideração o timbre e sua altura. As alturas

determinam a altura em que a imagem fica na tela, sua espessura é determinada

pela quantidade de instrumentos que executam a melodia e sua dinâmica é

Page 73: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

determinada pelo plano, mais próximo ou mais distante. Como exemplo tomemos

a introdução do filme citado, Koyaanisqatsi, no momento que estão mostrando as

paisagens naturais: ao mostrar as nuvens seus movimentos são acompanhados

por uma linha melódica de vários grupos de instrumento, ou seja, uma grande

massa em movimento no espaço que entra em concordância com o andamento e

espessura da melodia.

A melodia é elemento análogo à frase de um texto. Os elementos

anteriormente citados, bem como os que virão, estão presentes, em variados graus,

para compor a estrutura da melodia. Há nela, segundo a organização destes

parâmetros, uma resultante de caráter, que pode ser comparada a outras instâncias

similares, como por exemplo, nas artes plásticas. O pintor russo Wassily Kandinsky

tinha uma grande afinidade com a música e frequentemente recorria a ela para

estabelecer comparações entre esta e a pintura, bem como com outras artes. Filipe

Salles (2002) fala a respeito dessas correspondências e que elas abrangem todos

os elementos constituintes aqui mencionados: cores, timbres, contraste, ritmo, etc.

Kandinsky afirma haver duas possibilidades de construção na pintura:

construções simples são melódicas, construções complexas são sinfônicas. Mas,

em seu “Ponto e Linha sobre Plano”, Kandinsky usa a analogia com a música para

descrever características de traço, linha e ponto:

É bem sabido o que é uma melodia musical. A maioria dos instrumentos musicais tem um caráter linear. O timbre dos diferentes instrumentos corresponde à abertura de uma linha: violino, flauta e pícolo produzem uma linha muito fina; viola e clarinete já produzem uma mais grossa; e pelo meio de outros instrumentos mais graves, alcança-se linhas mais e mais largas, para além das notas mais graves do contrabaixo e da tuba (apud SALLES,2002, p.9).

Aqui se volta às dimensões do som já citadas anteriormente, mas é

interessante pensar que, por exemplo, a produção da melodia de alguns

instrumentos favorece mais linhas do que pontos, como por exemplo, que o órgão

é tanto um típico instrumento linha, pois não se é possível cortar o seu som tão

bruscamente como o piano, que favorece o ponto.

Talvez seja sugerido que na música a linha melódica oferece o maior

estoque de recursos expressivos. No audiovisual a linha opera exatamente na

Page 74: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

mesma forma temporal e espacial determinando a concordância rítmica da melodia,

sendo melodia a relação entre a frequência e o ritmo.

Na anotação musical contemporânea este tipo de representação do desenho

melódico foi levado às últimas consequências procurando um complexo gráfico que

indica ao intérprete a natureza daquele som.

Na música moderna e contemporânea erudita verifica-se que os recursos

gráficos da escrita musical fazem a partitura parecer um esboço de uma pintura

abstrata. Esse exemplo da partitura é um bom exemplo para se entender a

correspondência entre formas gráfica e as dimensões do som.

Figura 16- Trecho de uma partitura de música de vanguarda erudita

Fonte: LIGETI. G. Artikulation. Rainer Wehinge.Eletronic Music 1958. Disponível em: http://ahsmusictechnology.pbworks.com/w/file/51626699/Ligeti%20-%20Artikulation%20%5BScore%5D.pdf. Acesso em: 04 de jan 2015.

O oposto também é verificado, ou seja, a partir de uma determinada obra

musical ou sonoridade indicada, é possível pensar em imagens gráficas ou

pictóricas e assim verbalizar a sensação que o som causa. Esse aspecto é muito

mais comum do que se imagina na elaboração crítica, poética ou ensaística da

análise musical, e não está - como seria intuitivo pensar - somente ligado à música

descritiva, pois está ligado sempre à prospecção, ou seja, à percepção física. Se

ouvir uma nota muito grave e outra nota muito aguda e se perguntar qual delas tem

Page 75: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

maiores dimensões ou qual ocupa mais espaço, responder-se-á que é a grave. Se

pedir para que represente o som grave com o rosto ou com as mãos em relação à

nota aguda, vai sempre se deparar com gestos que procurem representar a

expansão, seja aumentando o espaço entre as mãos ou enchendo de ar as

bochechas. Essas características não estão imunes de atribuição de sentidos e de

sensações psicológicas, mas é que fundamentalmente, sempre se mantém a

relação com suas dimensões físicas.

A linha melódica é frequentemente associada ao traço do desenho, que pode

ser estático ou contínuo, como no caso do cinema. O exemplo mais óbvio desta

relação é o citado por Schoenberg (1993, p. 99) comparando diferentes linhas

melódicas com gráficos de seus percursos. Constitui-se na premissa de que os

sons mais altos, agudos, situam-se no patamar mais elevado de um plano qualquer,

e os sons baixos, graves, no patamar mais baixo. Da mesma maneira, escalas

ascendentes são semelhantes a movimentos para o alto, e escalas descendentes,

a movimentos para baixo. A razão própria desta natural associação está na própria

constituição física do som.

3.7 Harmonia e Tom.

A harmonia é feita a partir de acordes, e o acorde é uma combinação entre

três ou mais notas tocadas simultaneamente ou que se harpeja (toca de forma

combinada sucessivamente). São em sua maioria formas de acompanhamentos

das frases melódicas. Os acordes são tocados de forma sucessiva, ou seja, vão se

desencadeando combinações que determinam a música e esse desenvolvimento

de combinações de acordes determinam a harmonia de uma música. A harmonia

é a combinação de alturas junto ao ritmo.

A harmonia nas artes visuais refere-se ao modo em que se distribuem as

formas e suas dimensões em um quadro. Talvez o termo seja análogo por se tratar

de um mesmo fenômeno no que diz respeito à distribuição de frequências no

espaço. Nos trabalhos audiovisuais são suas características sonoras que são

representadas, sendo elas intensidades, frequência, volume e duração, pois a

Page 76: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

harmonia é um tipo de reunião de todas essas características assim sendo também

sua representação.

Um fator importante é mencionar o tom em música. O tom é determinado

pelo acorde inicial de uma composição ou a escala que ele vai trabalhar. As escalas

são algumas notas selecionadas para se produzir uma composição. Existem dois

tipos de tonalidade a maior e a menor, que recebem esses nomes devido à

proximidade entre a segunda nota que constrói essa combinação em relação à

primeira, sendo a menor um espaço de frequências mais estreito do que a maior.

Essas combinações são percebidas fisicamente e devido a isso é que os acordes

recebem esses nomes (maior e menor).

É muito comum representar as tonalidades musicais correspondendo à luz

ou a uma espécie de fechamento e abertura da imagem o que pode ser análoga a

mais luz (abertura) ou menos luz (fechamento). Tal relação construiu algo comum

na história da música e sua representação visual o que pode ser visto em trabalhos

no teatro com manipulação da luz, no fechamento do corpo ou abertura no que diz

respeito à performance e outros recursos de imagem que vão trabalhar esses

aspectos.

Entretanto, o cientista alemão Hermann von Helmholtz, já em 1910 havia

publicado um estudo sobre a propagação de ondas sonoras descrevendo suas

equações segundo a teoria dos harmônicos. Essa obra, On The Sensations Of

Tone (1954), uma das mais completas sobre a natureza do som, explicava a

consonância e dissonância, bem como o comportamento dos timbres, pelos

eventos harmônicos de cada som, mas como já citado não é possível estabelecer

uma relação direta entre cores e frequências.

Na produção audiovisual ou em obras que buscam os sentidos da visão, ou

foram inspiradas em visualidades o conceito de luminosidade é sempre evocado e

essa relação sempre vem à tona, principalmente nas artes híbridas do século XX.

Nos videoclipes é recorrente perceber que nas músicas de tonalidade menor

sua ambiência é escura como é perceptível nos clipes da banda Portshead, por

exemplo, e nas de tonalidades maiores os clipes serem claros. Um videoclipe em

que o jogo de cores corresponde a esse jogo a tonalidade musical é Mormaço

(2009) para a banda Paralamas do Sucesso dirigido por Lírio Ferreira. Na música

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não há uma troca de tonalidade de menor para maior ou vice-versa, mas no meio

da canção troca-se a tonalidade subindo-a um tom, de ré maior para mi maior. No

clipe, a primeira parte é toda em preto e branco e na mudança de tonalidade torna-

se colorido. A mudança de cor é importante para a narrativa, na qual nordestinos

descem sentido ao Rio de Janeiro, saindo de uma vida agreste, seca e indo para

um lugar mais colorido, de clima mais aprazível e de oportunidades de trabalho. A

relação é simbólica, é claro, mas o momento de troca entre preto e branco e colorido

espera para sincronizar à tonalidade musical.

CAPÍTULO IV- A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM SONORA NO VIDEOCLIPE

Todas essas relações com a música e os suportes técnicos do audiovisual

constroem uma paisagem sonora. O termo paisagem sonora foi usado por Murray

Schafer em seu livro O Ouvido Pensante (1991) que advém do estudo e da análise

do universo sonoro que nos rodeia. Uma paisagem sonora é composta pelos

diferentes sons de um determinado ambiente, considerando os sons de origem

natural, humana, industrial ou tecnológica.

O estudo de paisagens sonoras enquadra-se no âmbito da ecologia acústica

e, portanto, refere-se aos meios em que os sons se propagam e aos objetos

sonoros que compõem esse ambiente. O estudo se articula a outros campos de

conhecimento como o da acústica e, portanto, arquitetura, saúde ao pensar na

nocividade dos sons aos quais se está exposto, pedagogia musical, ao se usar

Page 78: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

como técnica de sensibilização da escuta e de compreensão dos sons e ecologia.

O estudo também é de ordem antropológica, pois através dos sons pode-se

diagnosticar a paisagem cultural de um ambiente, entre outros estudos. No cinema

foi bastante usado para analisar e compor as ambiências culturais, as

características acústicas daquele meio e suas formas de serem representadas.

Portanto o termo diz respeito aos aspectos ambientais, ou seja, quando a

imagem é produzida de forma a criar uma sensação acústica ou que dá impressão

dos sons da música serem produzidos pelas imagens mostradas no vídeo. A

diferença entre todos os aspectos já tratados é que a paisagem sonora diz respeito

à sensação acústica dos elementos que estão em cena podem causar e que essas

sensações correspondem ao mesmo efeito dos sons, portanto aspectos ambientais

do som com ecos e reverberações são bastante explorados com os cenários no

videoclipe.

A paisagem sonora, entendida na sua relação com as dimensões sonoras,

refere-se a toda a ambiência do vídeo como o lugar capaz de produzir sons que se

ouvem ou de que a música poderia estar sendo executada naquele ambiente.

Jeder Janotti Jr. (1997, p. 4) e Arlindo Machado (2005, p 153) apontam

conceitos que levam o videoclipe para o terreno da sinestesia, ou seja, que as

sonoridades podem evocar uma determinada sensação tátil. Isso é possível, como

já mencionado, devido à onda sonora carregar as características acústicas dos

materiais que a produzem e, portanto, o corpo pode perceber a qualidade do

material que o toca, ou usar a memória tátil, evocando a sensação em relação ao

material que aquele som ressoa.

A paisagem sonora configura-se num constituinte sinestésico: é música coisificada em imagem, gerando um efeito visual de ouvir algo e ‘estar’ na música. Ou ‘estar’ no som. (SOARES, 2004, p. 33).

O autor define a paisagem sonora no videoclipe como um estado de estar

no som, como se a própria música fosse um ambiente e afirma que esse

entendimento ajuda a compreender como se constrói o cenário de alguns

videoclipes e de alguns produtos audiovisuais.

Se se tomar a maioria dos videoclipes feitos para grupo Portshead ou os

clipes do grupo Massive Attack como exemplo, fica mais evidente essa relação com

Page 79: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

o ambiente. As músicas de ambos os grupos evocam a sensação de um ambiente

soturno, pois trabalham com elementos muitos graves, lentos, normalmente em

tonalidade menor, com sonoridades repletas de reverberação (efeito ambiental)

como se soassem em um lugar vazio, com espaço rítmicos longos causando a

impressão de que os sons poderiam ter sido extraídos de um ambiente acústico

vazio, por isso escuros, onde há pouca presença de objetos, por isso os efeitos de

eco, entre uma série de outras correspondências advindas do ambiente. Conferem-

se tais aspectos evidentes nos clipes para a música Glory Box (1998) e de

Humming, esta já citada, ambas do Portshead. O clipe da música Humming se

passa em um lugar escuro e que parece ser no subsolo, o que corresponde

bastante aos efeitos das sonoridades graves, produzidas pelo contrabaixo que na

música é bem grave e de sonoridade mais abafada como se fosse ouvida de algum

lugar fechado. Do mesmo modo se apresenta a música Live with me do grupo

Massive Attack dirigido por Jonathan Glazer (2006). O clipe não explora tanto a

impressão dos objetos sonoros, mas se passa em ambientes com pouca luz e a

música apresenta a mesma produção: grave, lenta com muito espaço de entre os

sons e repleta de reverberação. O mesmo para o clipe da música Angel, também

de Massive Attack (2009), dirigido por Brian Singer, com a mesma montagem. O

videoclipe acontece em um estacionamento de ambiente fechado e noturno. Um

detalhe importante destes videoclipes é a preocupação em fazer poucos cortes,

comparados a outros videoclipes. Isso se deve ao fato das músicas terem ritmos

constantes porém lentos.

As músicas de acordes abertos, os acordes maiores, e de ritmos mais

saltados devido à sincopas, e sons de maior intensidade, ou um tratamento de som

mais seco, mais presentes, vão apresentar um universo oposto. Como clipes de um

axé music que vão normalmente apresentar confluência de paisagens sonoras mais

claras e diurnas.

É possível extrair várias relações metafóricas com essas paisagens,

associando-as aos conteúdos das letras, mas acontece que por vezes as paisagens

sonoras da música procuram evocar as paisagens sonoras culturais com que a

banda se identifica, como por exemplo os clipes de música eletrônica que procuram

o universo fechado das casas noturnas onde se ouve o mesmo tipo de música e

Page 80: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

também tendo relação com o tipo de produção musical, em que se faz música

pensando nestes ambientes.

Os clipes do grupo Prodigy, para a música Smack my bitch up do diretor

Michael Palmieri e para a música de Dj Llorca, Indigo Blue (2002), de direção de

Olivier Abbou e Bruno Merleevoca, deixam evidentes esses aspectos do ambiente

em que a música eletrônica é ouvida. No clipe para música Smack my bicht up

(1997) se pode acompanhar o percurso de um personagem sobre um plano

subjetivo que se prepara para sair para se divertir. A música parece estar sempre

na diegese das cenas: no quarto, no carro e na casa noturna. Acompanhamos a

escuta do personagem que passeia por esses ambientes e a música sofre

alterações de acordo com os sons de cada um, ficando mais distantes ou abafados

pelo fechamento de uma porta, mais abertos e agudos quando o personagem está

no carro e ao entrar na parte inferior da casa noturna, onde está a pista de dança,

estes ficam mais fortes e com sonoridades graves mais evidentes. O clipe também

tem sons naturais como o som da água da torneira, batimento de portas, sirenes

da cidade etc. A gravação original, colocada no álbum, também tem esses sons

inseridos, assim como todas essas alterações no áudio que sugerem os ambientes

em que a música possa estar tocando. Muito interessante esse tipo de

preocupação, pois a paisagem da música, ao ser ouvida, induz o ouvinte a imaginar

essas ambiências, o que no clipe é usado para nortear a narrativa do personagem

inserindo-o em espaços onde o som possa soar do modo que foram produzidos em

suas ambiências.

No clipe da música Indigo Blue de Dj Llorca (2002) funciona do mesmo

modo: todo feito em plano sequência, acompanha-se o personagem acordando,

preparando-se para chegar à casa noturna para acionar as pickups. Também se

apresentam sons naturais da diegese e o áudio da música sofre alterações de

acordo as ambiências que o personagem percorre, ficando mais aberta e presente

no momento que o personagem sai de seu apartamento, mais forte quando chega

à casa noturna, mais grave quando desce à pista e ao acionar o botão das pick-ups

a música ganha sonoridades digitais e eletrônicas.

Como já dito, toda essa relação da paisagem sonora pode-se ser muitas

vezes associada aos sentidos das canções, pois elas muitas vezes narram cenas

Page 81: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

e imagens. Mas em música é realmente complexa a relação que se dá entre o

tratamento dos sons e a letra, sendo difícil, muitas vezes, desassociar os sentidos

da letra dos da música, já que são construídas muitas vezes pensando em como

provocar as sensações com o uso desses dois recursos: dos sentidos da letra e

suas paisagens que podem ser construídas pelos sons. Como classificou Edgar

Morin: “quando o som encontra a letra, parte-se para uma nova articulação poética

e, formula-se por isso, uma cadeia mais complexa” (apud Soares, 2004, p 7).

No que se refere à letra, o terreno é ainda mais complexo. Não se pretende

neste trabalho analisar mais um aspecto da construção do videoclipe, mas parece

importante esclarecer um tanto as possíveis relações entre letra e sons como

elementos que juntos evocam as paisagens e como podem compor os cenários dos

videoclipes.

Pegando como exemplo os clipes de Prodigy, banda de música eletrônica,

que trabalha sonoridades bem graves e pesadas, com sonoridades distorcidas para

deixar a sonoridade agressiva e as fontes instrumentais confusas, é difícil saber de

que instrumentos vêm. Também têm letras interpretadas de modo agressivo e que

sugerem sempre uma perturbação psicológica cujos temas são os vícios, com

metáforas que sugerem paisagens sujas, confusão psicológica, uso de

entorpecentes e um comportamento social marginalizado. As paisagens de seus

clipes vão sugerir essas atmosferas. No clipe da música Firestarter. (1996) de

direção Walter Stern, a letra enfatiza exatamente a loucura, a sujeira como metáfora

psicológica e o comportamento do cantor, que no clipe quase sempre se apresenta

em primeiro plano enfatizando a loucura com espécie de movimentos involuntários,

e com caras de raiva e perturbação sempre procurando intimidar a câmera. A

música tem, como é característico da banda, sons bem graves e abafados, e uma

melodia de sonoridade metalizada e alguns sons vocais com trabalhos com

bastantes ecos na voz. O cenário escolhido para se fazer o vídeo foi o de canos

subterrâneos, que são relevantes ao espaço sonoro em que a música parece ser

produzida, pois os sons da música simulam serem extraídos desse ambiente e

também vêm ao encontro as paisagens metafóricas evocadas pelas letras e

performance da banda.

Page 82: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Dentro do conceito de paisagem sonora, que diz respeito às dimensões do

som, podemos entender que existem clipes que evocam uma ambiência real, em

que apresenta-se um tratamento do áudio como se ele se propagasse dentro

daquele ambiente do videoclipe; outro que é virtual, ou seja, não pode se ouvir o

som da forma que soa no ambiente mostrado, mas a imagem é tratada como se

sofresse a ação do som. Para deixar mais claro, imagine-se que se apresenta uma

imagem em uma fotografia, depois imagine-se que é possível propagar uma música

nela e que ela sofrerá alterações devido às dimensões do som.

Então podemos separar a construção da paisagem sonora no videoclipe em

três formas: primeiro é que os sons parecem estar se propagando naquele

ambiente; segundo, que imagem parece ser desenhada pelos sons; terceira em

que parecem ser possível que saim da própria cena, no sentido de que se

tocássemos os objetos da cena, produziríamos os sons da música. No primeiro

caso, podemos utilizar como exemplo o videoclipe Firestarted de Prodigy. No

segundo caso, que diz respeito à imagem sofrendo ação dos sons, o exemplo

citado, o videoclipe feito para banda Rage Against The Machine da música Bulls on

Parade, mostra a guitarra distorcida e para se corresponder ao momento dessa

distorção a imagem ganha um efeito de falha técnica antiga da “queima” da película

pelo carvão do projetor cinematográfico. O clipe do grupo The Smashing Pumpkins

para a música Cherub Rock (1993) dirigido por Kevin Kerslake é um bom exemplo:

a música tem os sons das guitarras e contrabaixo extremamente distorcidos pelos

seus recursos de alteração de sons analógicos. A música não tem nenhum outro

aspecto que faria diferença ao ser tocada sem os efeitos, sendo sua estética toda

determinada por eles. O videoclipe foi gravado em uma paisagem noturna com

luzes coloridas que piscam, e toda a paisagem do vídeo é construída com

transposição de imagens e ranhuras que poluem a paisagem evocando as

dimensões sonoras. Tanto a música quanto a imagem do clipe são feitos com

sobreposições de estruturas, no caso da música de sons (timbres) e do clipe de

imagem, dando a impressão que a estética poluída da música poluiu a imagem.

No terceiro caso, em que a música parece ter sido extraída dos objetos

sonoros da cena, este exemplo poderá ser notado em músicas de produção

eletrônica. No videoclipe de Björk, Crystalline (2011) de direção de Michael Gondry,

Page 83: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

pode -se perceber que o som rítmico é representado pela queda de uma espécie

de meteoros em crateras que têm algo que lembra vidro, o que ajuda a causar a

impressão de que essas notas estão soando em um instrumento de vidro ou metal,

sons que provavelmente são feitos em computador. Há meteoros que não caem

nas crateras, mas na terra, e esses criam um efeito no solo, como se caíssem na

água. Essas imagens sincronizam com o som grave que reverbera. O importante

a se perceber é que se constrói a imagem a passar uma sensação dos materiais

em cena, que se eles fossem percutidos se extrairiam as sonoridades que estão se

ouvindo na música. A paisagem sonora, neste caso, se refere a toda a ambiência

do vídeo como o lugar capaz de produzir esses sons acusticamente. Seu ambiente

virtual é a representação em imagem dos timbres dos possíveis objetos sonoros de

que em música eletrônica não se sabe ao certo a fonte, pois seus sons foram

construídos em computador. Neste mesmo videoclipe essas sonoridades que

parecem vidro são apresentadas com cristais que crescem no solo, e as

reverberações são, novamente, representadas como um espaço vazio, no caso do

clipe como o próprio espaço.

A paisagem sonora trata do entorno, da inserção do espectador no ambiente

do som, e é a porta de entrada para o universo do artista da música pop. As esferas

do som partem para uma noção mais detalhada, mais localizada deste ambiente

(SOARES, 2004, p. 16). O autor refere-se, primeiro, ao universo ambiental do que

os artistas fazem parte e na qual as paisagens refletem o universo da identidade

do músico, por exemplo, na música eletrônica o cenário é casa noturna, rap, as

ruas. Esse universo cultural é explorado com os cenários, figurino, recursos gráficos

e de edição que se tornaram referências para representar um determinado tipo de

música, por exemplo, uma música com uma estética das discotecas do final dos

anos 70, quando se tem o universo musical da Disco. O clipe de Bruno Mars para

a música Treasure (2013), no qual a referência musical negra americana dos anos

70 é evidente, apresenta-se um cenário idêntico aos cenários das apresentações

de televisão da música do gênero Disco. Também se pode usar como exemplo o

clipe da música Man On The Moon (1993) para a banda R.E.M em que a influência

musical do Folk e Country determinam as cenas no deserto, o figurino de cowboy

do cantor e a escolha por um bar na beira da estrada, pois evoca todos os

costumes, hábitos de um universo cultural em que a música está inserida.

Page 84: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O termo esferas do som refere-se justamente à preocupação deste trabalho,

ou seja, como as dimensões do som constroem as paisagens no vídeo. Thiago

Soares (2004, p. 34) exemplifica as esferas do som fazendo uso do videoclipe para

música Grooves is in the heart(1990) da cantora Dee Lite, que faz uma revisão da

música Disco. Neste caso, o videoclipe escolhe um repertório imagético que faz

referência à moda do período, com o figurino, com as cores do cenário e com efeitos

gráficos que reproduzem uma estética dos produtos audiovisuais que antes

apresentavam o gênero, mas as dimensões do som estão presentes: a própria

música Disco, com suas batidas espaçadas e frases musicais cíclicas determinam

uma paisagem alegre com cores vivas no chão, com a técnica de chromakey,

desenhos circulares que giram no andamento da música. Esses desenhos são as

próprias esferas do som, como se as formas da onda em movimento

determinassem os desenhos circulares no chão.

Figura 17- Frames do videoclipe Groves in The Heart

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=etviGf1uWlg

É comum assistirmos a clipes do gênero heavy metal ou de música com

dimensões sonoras bem pesadas, ambiente soturno e imagens que as vezes

tremulam ou vibram como se essas dimensões sonoras causassem um efeito na

superfície da tela ou no corpo de quem está filmando.

O clássico videoclipe Bohemiam Rhapsody, sobre a canção do Queen, já

citado no trabalho pode ser abordado pelo critério de paisagem sonora quando a

música transmite o efeito de “construção de um ambiente propício ao eco, como se

houvesse uma reverberação na própria canção que precisasse ser devidamente

Page 85: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

ambientada pelo audiovisual” (Soares, 2004, p. 21). Os efeitos ambientais do

videoclipe propõem uma experiência sinestésica para possibilitar o espectador a

experiência de estar no local onde o som se propaga.

Figura 18- Frames do videoclipe Bohemiam Rhapsody

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=fJ9rUzIMcZQ

Recursos técnicos de produção e pós produção de todo tipo são usados para

evocar as paisagens sonoras. Essas paisagens podem ser tanto determinadas

pelas cenas filmadas, advindas do cenário construído como nos exemplos dos

clipes da banda Prodigy, como podem ganhar um tratamento na pós-produção,

ganhando alterações que correspondam aos sons da música. Nesse último caso,

as dimensões do som vão sujando mais a imagem fazendo com que som e imagem

tornem-se um construto inspirado na experiência tátil das paisagens sonoras e das

esferas do som.

Page 86: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

CAPÍTULO V- ANÁLISE DAS DIMENSÕES SONORAS E SUAS

CORRESPONDÊNCIAS VISUAIS NOS VIDEOCLIPES DE MICHEL GONDRY.

Agora analisaremos os videoclipes do diretor Michel Gondry, diretor

escolhido devido a expor um trabalho bastante significativo no que diz respeito à

relação entre o som em suas dimensões concretas e a imagem. O artista por

escolher muitas vezes dispensar a narrativa das canções, ter uma atenção especial

à música e uma destreza incrível com os suportes técnicos e recursos de que

audiovisual dispõe, faz dos seus videoclipes um mundo sonoro junto à imagem,

convidando nossos sentidos a entender de qual princípio partem as suas

concepções: se dos sons ou das imagens.

Michel Gondry apresenta uma grande preocupação com as formas de fazer

os espectadores terem uma experiência musical visual e poderá agora deixar claro

como as técnicas de representação em imagem para o comportamento dos sons

das músicas são reunidas pelo diretor para a concepção de seus videoclipes.

Depois de explanar-se pelas possíveis relações que o audiovisual pode

construir entre os sons e a música, será possível compreender o comportamento

dos sons e da imagem no videoclipe com maior fluidez. Como muitos exemplos já

dados, os diretores escolhem alguns elementos sonoros para serem

representados, é bastante dinâmico, pois pode-se escolher ora um ora outros

elementos musicais, preocupar-se com alguns elementos ao mesmo tempo e, por

vezes, deixar de lado todos, mesmo que por poucos momentos. Michel Gondry

trabalha deste mesmo modo, mas a única coisa que não faz é deixar de lado os

Page 87: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

elementos musicais, sobretudo nos videoclipes que seguem as análises,

escolhidos para melhor expor essa relação entre sons e imagem.

A análise por vezes é minuciosa, tanto quanto a concepção dos videoclipes.

Até aqui, as formas de representar os sons nos suportes técnicos do audiovisual

foram divididas por itens, elemento a elemento dos sons que estão presentes nas

músicas e como ganham suas naturezas também visíveis nos suportes visuais

recheando com exemplo para melhor compreendê-los. Esses exemplos

obedeceram aos itens que estavam sendo explicados. Agora procura-se entender

esses acontecimentos sonoros juntos, simultaneamente, mas vai-se obedecer a um

critério: os videoclipes que seguem de análises vão se tornando mais complexos

gradativamente. A complexidade diz respeito à quantidade de elementos sonoros

representados.

O primeiro videoclipe analisado é o feito para a música The Hardest Button

to Button, da banda White Stripes em 2003. Neste videoclipe o diretor preocupou-

se primordialmente com ritmo, elemento mais comum de se ver representado no

videoclipe. A música da banda também estimula bastante isso, composta apenas

de dois instrumentos, guitarra e bateria, e a ênfase no ritmo é significativa para a

condução da música e também como uma espécie de guia para a concepção do

tempo do videoclipe.

Este videoclipe consiste na criação do efeito de peças de bateria e

amplificadores de guitarra se multiplicando ao ritmo da música. Cada peça de

instrumento que aparece foi posicionada no ambiente e capturada pela câmera

para posteriormente ser editada utilizando a técnica stopmotion.

Viu-se que o ritmo é no audiovisual o elemento mais explorado devido a sua

relação com o movimento. Esclarece melhor Ney Carrasco (2003) colocando que

tempo e movimento são dois conceitos intimamente relacionados: a ideia de

movimento implica desenvolvimento temporal, e o ritmo é o marcador do

movimento e, portanto, é o que nos dá a sensação psicológica do tempo

(CARRASCO, 2003, p. 145). O ritmo musical está na preocupação do cinema

desde o início, sendo as mencionadas técnicas, de mickeymousing e do cinema de

montagem soviético, exemplos que sempre se recolocam.

Page 88: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

No cinema a relação com o ritmo se dá em “acompanhar a ação filmada,

sublinhando ponto a ponto. O movimento musical é, em tais casos, um reflexo exato

do movimento visual” (CARRASCO, 2003, p. 138). No caso do videoclipe de Michel

Gondry, The Hardest Button to Button, é bastante perceptível que as imagens da

bateria que se repetem têm relação com a marcação rítmica da música e oferecem

a marcação do tempo do videoclipe. A relação com as técnicas cinematográficas já

mencionada, são intimas, mas os ritmos da música não acompanham as cenas

filmadas, como é o caso do cinema, mas sim as imagens buscam correspondência

com os acontecimentos rítmicos.

No videoclipe em questão, percebe-se que no início há a marcação de tempo

no bumbo, que o diretor obedece a sua quantidade, reproduzindo um fila de

bumbos de bateria e a baterista a executando. São dois itens sonoros fazendo o

mesmo ritmo, a guitarra reproduzindo um som grave e com distorção, parecendo

um som de contrabaixo, simultaneamente ao bumbo. Há dois itens sonoros e a

correspondência com dois itens visuais: o bumbo e a moça que o toca, que também

gesticula com a cabeça marcando o tempo do som.

Em seguida apresenta o guitarrista, Jack White, no momento em que se ouve

uma frase de guitarra. Toca essa frase a cada quatro sons do bumbo, e então

aparece ele sentado, sempre no primeiro bumbo que se dá na sequência de quatro

sons e da imagem de quatro bumbos. A frase musical da guitarra tem quatro toques,

mas o diretor representa apenas o tempo de duração dela em relação à marcação

do bumbo, colocando a imagem do guitarrista tocando guitarra e a imagem do

amplificador. Importante colocar que a música está no compasso quatro por quatro.

Os compassos são formas de dividir a música quantitativamente, organizando

grupos de sons dentro de um espaço-tempo determinado pela quantidade de

pulsos. Há várias formas e geralmente o ritmo do rock, está dividido em quatro por

quatro. Fica evidente se contarmos os sons dos bumbos (pulsos) que visualmente

estão sendo representados pela a imagem do bumbo da bateria. Percebe-se que

tudo acontece na métrica de quatro pulsos, portanto esta lógica organizacional da

música está evidenciada também na edição das imagens dos instrumentos

Figura 19- Frames iniciais do videoclipe Hardest to Button to Button

Page 89: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=K4dx42YzQCE

No timecode 00:25 os membros da banda descem as escadas seguindo o

mesmo princípio anterior. Agora, ouve-se mais um som grave marcando o pulso e

mais uma peça da bateria é acrescentada imagens do stopmotion. Um pouco antes

do canto o diretor brinca com a reprodução dessas imagens, apagando a sequência

de imagens da bateria que ficam para trás, em fila, e coloca a imagem da bateria

que representa o próximo som em um degrau atrás do sentido que seguia. Tais

movimentos de imagem não são alterados devido a algum acontecimento musical

novo, mas mantém o ritmo e as imagens sincronizados. O diretor explora as

possíveis formas de representar o ritmo, como se a imagem pudesse ser uma

coreografia que se move para outros lados, ou faz outros movimentos, mas que

está balizada pelo tempo de marcação rítmica da música. Isso será apresentado

de outros modos no clipe. Ainda, pouco antes do canto começar, no timecode

00:38, há uma sequência rápida de imagens da bateria, que sobem e descem a

escada, que não tem correspondência com os acontecimentos da música, embora

o diretor os faça no tempo de quatro pulsos que antecedem o canto.

Segue com a ideia: marca-se a música com os sons do bumbo e do surdo e

se explora visualmente esta repetição. As frases musicais do canto duram o tempo

da frase da guitarra, elas se sobrepõem e o guitarrista é mostrado com o mesmo

critério que estava sendo feito anteriormente, em cada quatro tempos, só que agora

também cantando ao microfone, já que esse elemento (voz) compõe a música.

Outras cenas são montadas para a mesma situação musical: o casal de

músicos aparece um ao lado do outro, o guitarrista aparece em cima de um muro

e a baterista embaixo e são feitas montagens em outras escadas. Todas estas

Page 90: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

mudanças continuam tendo como critério as marcações musicais já feitas,

mostrando as possibilidades de se brincar com as mesmas imagens e a marcação

de tempo da música.

Nas imagens dentro do metrô (1:09) a intensidade da música aumenta

devido ao uso do prato da bateria que também começa aparecer no videoclipe.

Neste momento, o diretor divide as peças de bateria, como se fosse uma partitura

para o instrumento. Toca-se uma vez um bumbo e uma vez a caixa e, na sequência,

duas vezes o bumbo e uma na caixa, mantendo a condução no prato. Nesta mesma

quantidade e sequência apresentam-se as imagens das peças da bateria.

Figura 20- Partitura de bateria da segunda parte da música Hardest to Button to

Button

Fonte: do próprio autor

Figura 21- Frames do videoclipe Hardest to Button to Button que corresponde ao

ritmo de bateria da partitura da figura 20

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=K4dx42YzQCE

Page 91: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

A música apresenta uma parada rítmica de quatro sons (1:23) que a guitarra

e a bateria fazem juntos. Neste momento o critério do diretor é obedecer à

quantidade de tempo e usa várias imagens para isso: usa uma sequência de quatro

imagens da bateria completa, quatro amplificadores que preenchem a imagem ao

fundo do guitarrista, depois faz ao contrário, os amplificadores escondem-no e

também reproduz uma fila de baterias que se adiantam na direção da tela e faz o

inverso, recuando. Ao final dessa sequência quando as frases de guitarra são feitas

na mesma rítmica da bateria, descem as notas na escala musical, e o diretor opta

por fazer uma sequência de quatro desaparições, ao contrário de quando o

guitarrista tocava as notas mais baixas para a mais altas. Mantém-se a

representação do tempo, mas encontra uma forma de também representar as notas

que sobem fazendo aparecer imagens (instrumentos, caixas amplificadoras ou dos

músicos) e o faz retirando as imagens quando as notas descem na escala.

Corresponde-se à subida das alturas das notas a aparição e à descida a

desaparição, escolhendo mais um item para representar: as alturas. No caso,

apenas neste momento da música o diretor se preocupa com as alturas, mas

visualmente não a separa, faz junto com o ritmo, do mesmo modo que acontece na

música, pois as melodias são compostas por ritmo.

A música retorna ao início e exploram-se ainda mais as possibilidades

repetindo a imagem do bumbo e a baterista no tempo de marcação e em quatro em

quatro pulsos apresenta a imagem do guitarrista. Criou-se uma nova fila de bumbos

e de amplificadores com os dois músicos se cruzando nas portas do metrô. No

timecode 2:00, quando volta o canto, mantém-se o cantor em primeiro plano e a

marcação da bateria produz uma imagem em sequência de um único som, um

efeito de cascata para a marcação do pulso no bumbo, a imagem se assemelha a

imagens de luzes de equalizadores que mostram a dinâmica do som dos

instrumentos. A imagem tem perspectiva, vem do fundo do plano para frente e o

diretor parece querer representar o próprio comportamento da onda sonora, que

tem seu pico (momento mais forte do som) e volta ao repouso (mais fraco). Neste

momento mantém-se também o tempo das frases da guitarra que são

representadas no vídeo com a presença dos amplificadores.

Page 92: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Percebe-se neste efeito de cascata da imagem da bateria que há a

representação da dinâmica do som, o que vem ao encontro das ideias de Michel

Chion sobre ponto de escuta, já mencionadas neste trabalho. Outro aspecto que se

evidencia ao analisar esse videoclipe é a quantidade de recursos visuais que fazem

parte do mundo da música, como as luzes dos equalizadores, a divisão de

compassos da partitura e a partitura para bateria. Esses elementos denunciam a

relação íntima que diretor tem com a música e como se preocupa em fazer de seus

trabalhos eventos visuais sonoros usando de outros suportes que representam

efeitos do som como inspiração.

A música segue a mesma ideia, e o diretor a mantém ao apresentar os sons

da bateria mostrando as peças que correspondem a esses sons, mas continua

jogando com as possibilidades de representar que o vídeo possibilita: a baterista

aparece em lugares diferentes dos espaços filmados; faz uma imagem de várias

baterias girarem no tempo da música; ou nesta mesma imagem com movimento

circular, gira a baterista; faz a baterista aparecer em vários lugares diferentes e

assim segue variando as possibilidades de representar o ritmo.

No final da música a bateria continua e o som da guitarra fica ausente,

somente cantando o refrão. Neste momento para representar a repetição, o diretor

mantém os músicos em único espaço com a câmera girando. Segue representando

as sequências de sons da bateria dentro de um túnel, com essa imagem da bateria

ao fundo. A frase do refrão é cantada uma vez com a guitarra e outra não e, assim,

também são representados: uma vez só com o microfone e outra segurando a

guitarra. A voz do vocalista é alterada, tendo mais eco. Percebe-se mais um

elemento, que não é o ritmo, mas um efeito acústico, o eco, que na música foi

manipulado em estúdio e no videoclipe é representado com imagem do túnel. Aqui

temos um exemplo da construção de uma paisagem sonora para criar a sensação

de estar ouvindo o som naquele espaço.

Mesmo que o ritmo seja o principal elemento representado neste videoclipe,

outros elementos também são representados, como a característica do som, no

caso a intensidade, que é representada trabalhando a distância que acontece no

plano e também um pouco de efeito acústico no final.

Page 93: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Outro aspecto relevante é a grande gama de representação de ritmo que

tem. Mesmo o diretor trabalhando com a imagem dos dois músicos tocando seus

instrumentos, o faz ampliando a capacidade que o vídeo tem de usar a performance

dos músicos, que através do gesto já representam um tanto a música, e estrutura

o vídeo, com sua edição uma coreografia. Neste clipe é possível deixar evidente as

possibilidades de representação que se oferecem, pois mesmo com poucos

elementos visuais (os dois músicos e seus instrumentos) as possibilidades de editá-

las e organizá-las no espaço da tela são muito grandes.

Segue o quadro em que é possível ter um esquema de como dimensões

sonoras são expressadas pela música e quais elementos sonoro e musicais que se

escolhe para serem representados no videoclipe para música Hardest to Button to

Button e como ganharam suas correspondências em imagem.

Quadro-1 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no

videoclipe The Hardest to Button to Button

Dimensões do

som/elementos da

música representados

no videoclipe

Instrumentos que

executam

Representação dada no

videoclipe

Duração

Bateria e guitarra

Edição em stopmotion das peças

da bateria, do guitarrista e dos

amplificadores

Alturas

Guitarra

Aparição e desaparição do

amplificadores e perspectiva do

músico do quadro

Dinâmicas

Bateria

Imagem da bateria em cascata

Reverberação Voz do vocalista Imagem do vocalista cantando no

túnel

Page 94: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Indo mais adiante nestas possibilidades representativas nos videoclipes de

Michel Gondry, pode-se se entender como um passo a mais em direção à

complexidade, o videoclipe da cantora Mia Doi Todd para a música Open your heart

(2009). Nessa música a condução rítmica não é tão evidente quanto a música do

videoclipe anterior e portanto favorece a observação de outros aspectos, embora o

ritmo não deixe de ser representado. Quando refere-se ao ritmo, no caso, quer se

dizer da condução rítmica que normalmente se repete ao longo da música servindo

como base para todos outros instrumentos melódicos e harmônicos

complementarem. Neste videoclipe é representado o ritmo de alguns sons que

parecem percussão, sons específicos que marcam a rítmica e também de alguns

instrumentos, muitas vezes de corda, sobretudo o som de uma harpa feita em

sintetizador, o que deixa sua sonoridade mais eletrônica.

No que diz respeito ao som de alguns ritmos acessórios dessa música,

Gondry vai se preocupar com a representatividade do timbre, mas as notas e a

troca delas vão ser o principal fio condutor, portanto as frequências. Outra

curiosidade e também motivo da escolha desse clipe é que recapitula a discussão

da relação entre cores e notas musicais. No clipe, o diretor trabalha com uma

performance de cerca de 100 pessoas em cena que atuam de forma sincronizada

à música e organizadas em ordem de cor. Acontece em lugares públicos e as

pessoas estão vestidas com camisetas de várias cores, sendo a frente uma cor e

de atrás outra e essas cores servem para representar as notas. Outro aspecto

relevante é que esse clipe deixa evidente o quanto a representação da música

estabelece relação com outras artes: o clipe é uma performance e funcionaria,

embora seria um tanto diferente, representando os acontecimentos musicais ao

vivo, como um teatro, da mesma forma que também parece um flash mob. Esta

menção ao flash mob, traz à luz o fato do videoclipe ser um produto que sempre

flerta com outras artes e ter em sua história uma abertura à experimentação.

Importante deixar claro que é uma referência ao flash mob e não um evento desses

filmado, pois no videoclipe não há ninguém ocupando as ruas que não sejam as

pessoas contratadas para fazer a coreografia.

Os elementos importantes na concepção deste videoclipe são a cor como

representação de alturas (notas) e o timbre de alguns sons percutidos que são

Page 95: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

representados com toques de outros objetos que não são os instrumentos, mas

que se assemelham ao material que reproduz esses sons. Tais questões, mais uma

vez, referem-se à paisagem sonora, pois os sons dos materiais vistos em cena

parecem ser os mesmo que se apresentam na canção.

No videoclipe, logo no início, veem-se quatro pessoas, duas vestidas de

camisetas de cor amarela e duas de cor azul, sendo uma azul com a tonalidade de

cor mais escura, quase roxa. Estas quatro pessoas percutem uma barra de metal,

um parapeito, no mesmo ritmo do som de claps (som de palmas eletrônicas) e soa

no mesmo ritmo, quatro sons do piano elétrico, sendo três notas, repetindo uma,

por isso quatro pessoas e três cores. O diretor buscou relação com as frequências.

Figura 22- Imagem do videoclipe Open Your Heart com sobreposição do

desenho do acorde na partitura que corresponde ao tempo da imagem e notas

coloridas conforme as cores de camisetas.

Fonte: do próprio autor

Como já mencionado, as cores não têm relação direta com as notas, mas

foram usadas como recursos correspondentes em outros videoclipes e em cinema.

No artigo de Eisenstein sobre seu filme Alexandre Nevsky (1938) o autor fala da

montagem e da sincronia entre música e imagem ele não se preocupa somente

Page 96: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

com o ritmo, mas também menciona a cor. Ney Carrasco (2003, p. 144) afirma

que, em seu texto, Eisenstein busca entender um correspondente visual do

movimento melódico e o encontra na cor. Mais adiante o autor também releva outro

aspecto importante, colocando que no terceiro artigo da série o autor procura

explorar um equivalente sonoro do movimento visual também no movimento interno

do quadro.”(CARRASCO, 2003, p. 145). Tais preocupações de Eisenstein parecem

fazer parte do videoclipe em questão que será entendido seguindo-se a análise.

Ainda outra tentativa de representação no clipe é o timbre e esse é mais um fator

que se relaciona com as técnicas de montagem colocadas no trabalho. Também

em Alexandre Nevsky, no momento em que se vai dar um procedimento de

execuções, os soldados tocam estranhas trombetas. Segundo os estudos, o som

desses instrumentos foi forjado por Prokofiev a critério do diretor. Afirma-se que

Eisenstein pensou nesses sons a partir dos adereços filmados, o que chamou de

equivalente musical da imagem (CARRASCO, 2003, p. 145). Percebe-se portanto

a relação do som com as texturas que ganham formas no figurino, ou seja, temos

mais um elemento que contribui à compreensão da construção da paisagem

sonora.

No videoclipe Open your heart, para Mia Doi Todd, logo em sua primeira

sequência, percebemos as correspondências entre as notas com as cores, do

timbre com os materiais na cena, familiares em relação aos materiais que

supostamente produziriam os sons da música, e também se faz o movimento da

cena para representar o ritmo, mas desta vez não é feito com os cortes de edição

e sim com a própria performance das pessoas que os planos de câmera procuram

mostrar. Aqui há mais um encontro com a herança cinematográfica, no uso da

encenação para representar os acontecimentos sonoros, tão usados no teatro. O

diretor trabalha o movimento das cenas organizando os planos de câmera, mas os

acontecimentos musicais estão presentes na encenação.

Retomando o início do videoclipe: revelou-se a quantidade de pessoas, suas

cores de camiseta com as notas, sua atuação tocando a barra de ferro sincronizada

com o ritmo e o timbre da percussão da música. Logo depois, o plano de câmera

se move para mostrar uma pessoa espremendo laranjas. O tempo do gesto e o

movimento para baixo que a pessoa faz com o espremedor sincronizam-se com o

Page 97: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

tempo dos sons que parecem de carrilhão, mas meio híbrido com sons de cordas,

difícil de precisar a fonte devido ao fato de ser produzido eletronicamente, mas

correspondem-se ao da imagem no gesto que não só sincroniza com a duração do

som, mas também ao movimento das notas, que vem de cima para baixo.

Segue mostrando os pés de pessoas subindo a escada no ritmo das notas

de um teclado elétrico, que sobe a escala musical. A câmera acompanha esse

movimento chegando a um outro espaço, superior, uma espécie de sacada de uma

casa onde se repetem os teclados do início da música, ritmo igual, mas agora em

outra tonalidade o que é apresentado com uma combinação diferente de cores de

camisetas.

Figura 23- Frames do videoclipe Open Your Heart

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA

O canto começa, e a cantora sai para a sacada no mesmo momento. Todos

os sons acessórios de percussão procuram ser representados ritmicamente. Os

sons de estacas ou palmas podem ser vistos na coreografia das pessoas que

batem na palma da mão uma das outras, três vezes de frente e uma de costas,

mostrando a diferente cor do lado de suas camisetas e mostrando o movimento

simultâneo que a música tem na cena. Segue para as pessoas percutindo o

aparelho de telefone público e de gestos de um grupo que acompanha a cantora

sempre sincronizando com os sons da música.

No timecode (00:49) começa-se evidenciar a relação das cores das

camisetas com as notas musicais. No mesmo momento em que se ouve um

dedilhado na escala musical, pessoas entram em cena com diversas cores de

Page 98: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

camisetas. A escala sobe e um grupo de pessoas sincroniza seus movimentos

subindo as escadas para um muro, um nível acima. Essa passagem é feita com os

passos dessas pessoas no ritmo da música. Em seguida, há quatro trocas de

acordes neste instrumento que parecem simular um som de harpa, e as pessoas

executam quatro gestos descendo desse muro, sendo recepcionadas pelos que

estavam embaixo. A nota é a mesma, um acorde feito com sete notas. Percebe-se

que para representar isso organizou-se um grupo de sete pessoas. Seguindo: a

câmera para novamente para mostrar a coreografia das pessoas que batem palma

e trocam de lado com movimento de rotação. Além das palmas sincronizarem com

o som das palmas eletrônicas (claps) há um som de uma matraca de rosca que

corresponde ao gesto rotatório dos quadris no momento de trocar o lado da cor da

camiseta. No mesmo plano há pessoas que entram em cena pelas laterais e entram

atrás de um grande lenço e o fazem no andamento do dedilhado e as diferentes

cores causam a impressão de representarem as diferentes notas desse dedilhado.

Figura 24- Frame do videoclipe Open Your Heart. Acorde de sete notas e

fila com sete pessoas.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA

Atrás de um grande lenço, todos os acompanhamentos da música continuam

e os da imagem também, mas sonoramente reduzem a dinâmica, e, para evocar

essa percepção espacial que o volume provoca, há close na cantora enfatizando o

Page 99: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

maior volume de sua voz e também como se buscássemos o som pela perspectiva

da câmera, como se os sons saíssem dos gestos da cena. O desfecho se dá com

as pessoas saindo de trás deste espaço no andamento do dedilhado, indo várias

pessoas para uma escada para enfatizar a subida e descida na escala musical que

o dedilhado segue fazendo, junto ao colorido das camisetas que representam essas

várias notas. O diretor também nunca deixa passar os sons das palmas que há na

música, sempre fazendo com que os personagens batam palmas também.

No timecode 1:49 há um plano em um corredor com a cantora caminhando

na direção da câmera, dando importância a ela e portanto à voz. Acompanha a

música uma troca de notas bem marcadas, do som que lembra harpa, e o grupo de

pessoas aparecem, giram e desaparecem no ritmo em que esse instrumento troca

de notas.

Figura 25- Frames “imagens no corredor” do videoclipe Open Your Heart.

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA

A música não vai apresentar em seguida grandes mudanças, mas o diretor

continua explorando bastante os sons desses ritmos, entrando um novo som e

portanto um novo gesto para enfatizá-lo, que no caso é também o toque nos pés

que a coreografia ganha. O que vai ser bastante representado são as subidas e

descidas desse dedilhado de harpa que tem na música usando bastante a imagem

de escadas para representá-la. Mantêm-se todas mudanças rítmicas que já se

representou, mas sempre explorando novas formas visuais para o mesmo

fenômeno musical. Por ora abandona a coreografia do ritmo e explora bastante o

Page 100: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

dedilhado criando filas de pessoas com as camisetas coloridas subindo as escadas

e segue com essas possibilidades de sincronizá-las até o momento final, quando

várias pessoas sobem as escadas no ritmo de um dedilhado ascende e depois

começam a girar, uma a uma, no ritmo de um som no teclado que também parece

girar. Todo o grupo faz esses giros criando um movimento cadenciado até o

término do clipe.

Figura 26- Frame da cena final do videoclipe Open Your Heart

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=M8QgeESiPZA

A partir desse videoclipe, podemos compreender mais algumas das relações

entre as dimensões do som e acontecimentos sonoros. Michel Gondry não se

preocupou apenas com o ritmo da percussão, mas também com o ritmo da

harmonia e de alguns momentos da melodia e também relaciona alguns materiais

dispostos nas cenas aos timbres usados para alguns sons. Usou das cores da

camiseta e dos movimentos de descida e subida nas escadas para nos evocar as

sensações de trocas de frequências (notas) e a subidas e descidas das escalas,

utilizando-se da técnica de mickeymounsing. Fez isso explorando os movimentos

dos corpos, e este clipe é um bom exemplo para demonstrar o como os movimentos

dos artistas, dançarinos ou das pessoas que são filmadas dançando, podem ser

usados e manipulados em cena ou junto com os movimentos de câmera como mais

Page 101: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

um recurso de representação da música. Tais técnicas herdadas do teatro e da

dança, quando filmadas, ampliam suas possibilidades, pois têm também o

movimento da câmera o controle do plano, edição e outras possibilidades gráficas,

pois no videoclipe, sobretudo neste, há um controle sobre esta coreografia para a

gravação.

Para melhor esquematizar a dinâmica dessas representações no videoclipe

segue um quadro, assim como foi no videoclipe Hardest to Button to Button,

analisado anteriormente.

Quadro-2 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no

videoclipe Open Your Heart.

Dimensões do

som/elementos da

música representados

no videoclipe

Instrumentos que

executam

Representação dada no videoclipe

Duração

Ritmos dos arpejos

em sintetizador e

sons de percussão

Movimentos da coreografia com

cores diferentes nas camisetas,

movimentos na escadas e

coreografia com as cores das

camisetas.

Alturas

Sintetizador

(dedilhado e notas

dos arpejos)

Movimento de subida e descida de

escadas e cores de camisetas.

Dinâmicas

Voz da cantora em

relação ao conjunto

instrumental

Primeiro plano no rosto da cantora e

outros acontecimentos ao fundo.

Timbre Som metalizado da

percussão e agogô.

Barra de ferro e telefones público.

Page 102: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

O diretor mostra muita competência no que diz respeito à utilização de

recursos visuais disponíveis ao vídeo para representação do som e o faz com

muitos recursos. No videoclipe Around The World (1997), que fez para a dupla de

música eletrônica Daft Punk, trabalha usando do mesmo princípio, mas conseguiu

ainda mais no que diz respeito à representação de eventos sonoros. Cada grupo

de pessoas fantasiadas representam um instrumento musical (timbre) e dançam no

ritmo de cada um deles, mas consegue adicionar ainda outros elementos, o que

Gondry não fez para o clipe da música Open Your Heart para Mia Doi Todd.

O videoclipe Around the World consiste na filmagem de uma coreografia, no

qual cada grupo de dançarinos fantasiados representa um instrumento musical. O

grupo dos fantasiados de bonecos gigantes que fazem a performance nas escadas

correspondem ao contrabaixo. Percebe-se que logo no início do clipe estão subindo

e descendo essa escada, do mesmo modo que faz a frase melódica do instrumento,

mas não é só isso. Entre todos os outros personagens, esses são os maiores e se

relacionam diretamente com a dimensão do som grave, pois a onda dos sons

graves, ao se propagar no ar, ocupa mais espaço.

O som dos teclados logo se faz presente, no início imitando a frase musical

do contrabaixo, e o diretor corre a câmera para o lado esquerdo do espaço do

cenário onde acontece a performance para demostrar que grupo corresponde a

esse instrumento. As banhistas representam os sons dos teclados e também

descem as escadas. Percebe-se que mesmo se isso fosse uma apresentação de

dança, que essas correspondências entre música e imagens seriam passadas, mas

no clipe os enquadramentos enfatizam a relação.

Quando na música se faz evidente o pulso ele é representado pelas garotas

fantasiadas de múmias. No timecode 00:24, a música cria um jogo de pergunta e

resposta. É assim o modo falado em música, quando um instrumento faz uma frase

musical e depois outro, pois é análogo a uma conversa. O contrabaixo faz uma

frase musical que é coreografada na escada pelos bonecos gigantes e logo corta-

se para mostrar a frase musical (resposta), que é feito pelos teclados pela a

coreografia das banhistas, que também o representam dançando na escada. A

subida e a descida da escala são representadas usando o ritmo e as alturas da

melodia, pois percebe-se que, quando as banhistas descem a escada, depois dão

Page 103: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

dois passos para trás, que têm relação direta com a frase musical que sobe e desce

a escala musical que no caso não é feita apenas com a escada, mas se posiciona

a câmera de forma que tenha a perspectiva de aproximação. Quando a escala volta

a suas notas iniciais e depois se distancia com mais duas notas, há dois passos

para trás na coreografia das banhistas, elemento melhor percebido pela perspectiva

em que o diretor põe a câmera.

Para o som de guitarras selecionou-se a fantasia de caveiras, possivelmente

pelo fato desse som ser agudo e o esqueleto ser de dimensões menores em relação

aos outros instrumentos, seguindo a regra de correspondência do contrabaixo em

relação às dimensões de suas ondas. Logo em seguida entram as vozes

eletrônicas que cantam a frase Around the World (timecode 00:59) e pessoas

fantasiadas de robôs giram lentamente em torno do cenário. O ato dos personagens

robôs girarem não é musical e sim um modo de representar literalmente a frase que

é cantada. Mas um componente musical a mais é representado, que é o timbre: as

vozes na música têm som metalizados e correspondem aos robôs, ou seja, ao

material metálico. O diretor segue a mesma lógica que preocupou Eisenstein, pois

procura corresponder o timbre utilizando-se do figurino para causar a mesma

impressão visual que o som, que diz respeito a sua fonte, o material que o emite.

No videoclipe Around the World a roupa não é de metal, mas é de robô e prateada,

o que sugere o material. Além disso foi mais longe, usando de um recurso de

desenhos animados no qual os sons graves e agudos representam personagens

com proporções maiores, no caso do grave e menores (fino) no caso do agudo. A

diferença entre a animação e o videoclipe é que no videoclipe a música não

acompanha a imagem, pois nele a correspondência é maior, criando a impressão

de que a música pode sair dos materiais e dos gestos das cenas, no caso do gesto

e dos aspectos de cada corpo.

De outro modo, mas com o mesmo critério, faz o cinema. É comum perceber

que, quando se aumenta a quantidade de instrumentos de uma orquestra em uma

música para cinema, normalmente se abre o plano ou mostrou-se uma quantidade

de pessoas ainda maior a, mostrar o volume das formas que ocupam o quadro. Em

Sygkhronos; A formação da poética musical do cinema, de Ney Carrasco, ao

analisar uma cena de Alexandre Nevsky, chamada de adesão dos camponeses, lê-

Page 104: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

se que: “há um coro grandioso, cuja letra conclama o povo à luta: ‘Avante Russia.

As armas, às armas’. Enquanto é cantado, vemos os camponeses, em grande

número, unindo-se para enfrentar o inimigo” (CARRASCO, 2003, p. 148).

Percebe-se que no cinema este recurso não é mais imagético, uma vez que

demostrado visualmente no plano e tornou-se um recurso frequentemente usado

no cinema e que é usado no videoclipe como forma de evocar a quantidade. No

caso, pode-se perceber com clareza no videoclipe em questão quando, depois da

música apresentar todos os instrumentos e desenvolver suas ideias em cada um

dos personagens, ganha uma unidade, todos fazem a mesma coreografia com um

plano aberto de câmera para que o espectador perceba as dimensões que a música

ganhou.

Muitas vezes, o cinema faz de outro modo: ao invés de abrir o plano

enquanto aumenta o volume e ou a quantidade de instrumentos, o cinema o fecha.

Tal recurso valoriza a sensação psicológica, pois nossos ouvidos são tomados de

volume instrumental, mas o plano fecha, o que pode evocar a entrada ou

aproximação à fonte musical na diegese ou nosso envolvimento com as emoções

dos personagens.

Voltando à análise do videoclipe, a música retorna, mas de outro jeito: a

frase do contrabaixo muda, fica mais junta à base rítmica e na coreografia se

percebe isso pelo fato dos bonecos que representam o contrabaixo fazerem a

mesma coreografia que as garotas fantasiadas de múmias. Na sequência,

retomam-se a pergunta e a resposta, só que agora entre a guitarra e o teclado e

portanto na coreografia o processo se dá com as fantasias que correspondem a

esses instrumentos: banhistas e esqueletos.

No timecode 2:47 todos os instrumentos param ficando apenas a marcação

das palmas e a frase na voz, cantando Around The World. Então, todos os

personagens começam a girar pelo cenário. Percebe-se que é um jogo, que estas

representações nos suportes do vídeo não são fixas. Tais representatividades de

um elemento sonoro podem ser temporariamente trocadas por outras, e ainda em

outra ocasião, a mesma figura pode ser exibida e não ter correspondência com o

fenômeno sonoro da música. Como exemplo, basta perceber que, a partir deste

momento no videoclipe, o diretor desiste de dividir a coreografia para cada

Page 105: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

instrumento musical e mostra todos dançando juntos e, como é comum na dança,

respeitando os ritmos da música. O fim desse clipe ilustra o que acabou de se

afirmar: o diretor aproveita a continuidade da frase cantada, Around the world, e

põe todos os personagens a girar, ao mesmo tempo que obedecem a certas

rítmicas da música, modulando a representatividade visual dos elementos ou

trocando os elementos da música a ser representados, mas o faz com os mesmos

elementos visuais desde o início, como fez também nos outros clipes que foram

analisados.

Figura 27- Frame do videoclipe Around The World

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=s9MszVE7aR4

As análises dos videoclipes já mostraram bastante representação rítmica de

duas formas, uma explorando bastante a edição e outra explorando os movimentos

em cena. Também pode-se observar a questão do corpo em movimento no

videoclipe como um recurso dessa representatividade. Embora o ritmo seja o

elemento mais explorado no videoclipe, também acredita-se ter ficado claro que

não é apenas o ritmo do acompanhamento dos instrumentos de percussão que é

incorporado, mas também o ritmo presente na melodia e na harmonia, já que o

ritmo estrutura também estes elementos. A dinâmica também foi analisada e, assim

como colocado, diz respeito ao ponto de escuta, como se nossos ouvidos tivessem

como referência o ponto de visão, que é a câmera. O timbre, mais difícil de

Page 106: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

demostrar, revela-se sempre nos materiais em cena sendo o principal elemento que

determina a paisagem do videoclipe. Segue o quadro para melhor demonstração:

Quandro-3 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no

videoclipe Around The World

Dimensões do

som/elementos da

música representados

na música do

videoclipe

Instrumentos que

executam

Representação dada no

vídeoclipe

Duração

De cada instrumento

(contrabaixo, teclados,

guitarras, bateria e voz)

Coreografia de cada grupo de

fantasiados à corresponder com o

ritmos que dançam.

Contorno Contrabaixo, teclados

e guitarras

Roupas para deixar os sons mais

graves representados por corpos

maiores e o uso de corpos mais

magros para representar os sons

mais agudos

Alturas

Contrabaixo e teclados

Movimento de descida e subida das

escadas e perspectiva dos

movimentos corpos no

enquadramento.

Timbre Cada instrumento,

mas sobretudo a voz.

Instrumentos divididos por grupo de

fantasiados e a a fantasia de robô

para representar o som metalizado

da voz.

A paisagem sonora foi pouco apresentada nos videoclipes analisados.

Apareceu sutilmente no efeito acústico do clipe The Hardest Button to Button, na

escolha pela cena do túnel para evocar a sonoridade de eco, nos sons da

percussão que determinam um equivalente material parecido com o que pode soar

Page 107: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

o som no clipe Open Your Heart e no figurino de robô de Around the World para

equivaler à impressão tátil que o som evoca.

Há videoclipes de Gondry nos quais o timbre e os efeitos de som são

bastante explorados e que em suas concepções deixam evidente o uso da

construção de paisagem sonora. Dois clipes do diretor já foram citados: um para

música Crystalline (2011), para Bjork, no capítulo sobre paisagem sonora, e outro,

também para cantora, Hiperballad (1996), no item sobre timbre, no capítulo sobre

as correspondências entre som e imagem. Coincidir a mesma artista para o

mesmo elemento não é uma escolha, pois na música da cantora trabalha-se

bastante com os ruídos, e as alterações dos sons analógicos, entre diversos sons

eletrônicos que são incorporados, efeitos de microfone ou de pós- produção, ou

seja, diferentes texturas e de material sonoro.

Retomando o videoclipe para música Crystaline, mas agora podendo

aprofundando na análise. A música tem um acompanhamento rítmico em um

metalofone, instrumento de som metalizado e de ressonância de pouca

sustentação. O clipe começa em uma paisagem bastante escura, na verdade o

vídeo sugere o espaço, onde há um planeta que lembra bastante a imagem da lua

devido a crateras. Desenhos de cometas caem dentro delas e dentro dessas forma-

se uma imagem de um material que se assemelha a vidro, onde estes cometas

caem como chuva no ritmo do toque do metalofone. Há dois elementos que dizem

respeito à paisagem: um diz respeito a escuridão. A música é vazia de

acompanhamentos, ou seja, pouca coisa é ouvida e assim ganha seu

correspondente visual que é a ausência da imagem, portanto escuro. Tal recurso

da escuridão foram mencionados no trabalho em outros clipes para a banda

Portshead e Massive Attack. O outro elemento é o timbre seco e cristalino do som

do metalofone, quando o diretor dá às crateras uma aparência de vidro para

correspondê-lo.

O brilho das crateras com base de vidro, que ascendem quando os cometas

as atingem, e as luzes dos cometas, que saem da esfera onde está a imagem do

rosto da cantora, e que, quando começa a cantar, brilham no ritmo do metalofone,

correspondem à impressão do timbre e vão construindo a paisagem do clipe.

Page 108: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Percebem-se então dois elementos (timbre e ritmo) sendo constantemente

representados, o ritmo com duração e cortes e o timbre equivalendo ao brilho.

O clipe segue com cometas caindo no solo deste planeta e criam um efeito

visual sonoro como se ressoassem na superfície líquida. O chão mostra o efeito da

onda que ao cair soa agudo e termina grave. A correspondência é bastante

pertinente, pois ao cair o agudo faz brilhar o solo e ao ficar grave parece penetrar

nele. Importante lembrar sobre o contorno da onda sonora e que os sons mais

graves criam contornos maiores. Tais efeitos visuais correspondem às ondas

sonoras nos materiais, sendo o agudo mais chapado, e o grave, penetrando e se

espalhando na superfície, diz respeito ao comportamento da onda sonora desta

natureza.

Estas imagens de cristais são mantidas no clipe e crescem no cenário

quando a música ganha um ritmo bastante frenético, feito justamente com esses

timbres cristalinos no momento em que os meteoros tocam o solo. Quando o ritmo

se intensifica aparece a imagem desses cristais quebrando e preenchendo a tela.

Os sons parecem quebrados e é deste modo que o diretor apresenta a imagens

dos cristais, todos quebrados vibrando com se fossem partículas de vidro sob uma

caixa de som.

Figura 28- Frames do videoclipe Crystalline

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=MvaEmPQnbWk

Page 109: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Segue um quadro para o videoclipe Crystalline. Nele se pode obter um

melhor esquema de como se dá construção da paisagem sonora, tendo como

critérios timbre e as relações espaciais do som.

Quadro-4 Correspondências entre as dimensões do som e imagem no

videoclipe Crystalline

Dimensões do

som/elementos da

música representados

no videoclipe

Execução dessas

dimensões na música

Representações dadas no

videoclipe

Duração

Metalofone e

sonoridades graves.

Movimento de luzes, formas

ondulatórias no solo e movimento

dos desenhos.

Contorno

Sons de caixas

eletrônicas e os graves

Tamanho das oscilações do solo e

das dimensões dos cometas.

Alturas

Sonoridades graves

Imagens da onda no solo (chão)

Timbre

Metalofone e

granulações nos sons

Luzes, vidro e cristais e ranhuras

na imagem.

Acústica (ambiente

sonoro)

Ausência de quantidade

de instrumentos sendo

executados

Ambiente escuro

Em Hypperballad (1996) as texturas do som também são recursos da

construção do cenário do clipe do diretor: a imagem do fantasma da cantora

correspondendo a efeitos de reverberação de sua voz; os chuviscos de luzes que

oscilam junto ao som da rítmica feita na vassourinha (baqueta com hastes de metal)

e as luzes para os pequenos sons eletrônicos são os recursos visuais escolhidos

para representar o timbre na música e podem já foram melhor analisados na página

54.

Page 110: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Nesses dois clipes, deixa-se evidente que o timbre e as dimensões da onda

são um dos principais elementos da construção do cenário do clipe, a paisagem

sonora. No clipe Army Of Me (1996), que o diretor também fez para a cantora,

percebe-se a construção de um cenário pesado. A palavra “pesado”, para referir-

se ao cenário do clipe, não está somente em seu sentido metafórico, pois os sons

da música são bastante graves e além disso todos são feitos eletronicamente ou

com instrumentos elétricos, ou seja, de metal. Esses sons são alterados para que

fiquem mais pesados (grave). A paisagem do clipe é construída com formas

grandes e metalizadas sendo a alegoria dessa sonoridade um caminhão gigante,

de metal, que a cantora dirige no videoclipe. Esse caminhão revela a construção

da música, que é feita com arranjo muito grandioso comparado à voz da cantora,

mais sutil, feminina e que tem um corpo pequeno sugerindo a fragilidade dela em

meio aos sons. Além disso o cenário tem tonalidades mais escuras (frequência de

luz, baixa).

Colocou-se luz sobre vários elementos musicais e suas correspondências

visuais até aqui e pode-se, portanto, aprofundar a observação da concepção de

outros videoclipes que trazem essa correspondência com imagem. Assegura-se ter

entendimento cada vez maior das sobreposições dos elementos musicais tanto

quanto a sobreposição e dinamismo das suas correspondências com as imagens.

Partiremos para uma análise ainda mais completa, em que mais elementos sonoros

podem ser vistos representados e assim concluir a análise.

O videoclipe para a música Star Guitar (2002), que Michel Gondry fez para

o grupo de música eletrônica Chemical Brothers, é o maior “expoente” dessa busca

pela visualização do som já produzido pelo diretor e pode-se se perceber a tentativa

de um único elemento visual corresponder a mais aspectos do som.

O videoclipe Star Guitar mostra uma sequência de imagens do que seria um

passeio de trem. É editado inteiramente a partir de imagens feitas de dentro de um

vagão de trem, muitas vezes mostrando em loop as fotos. Os postes, prédios e

construções aparecem na tela acompanhando exatamente o tempo da batida da

música. Para que o diretor conseguisse organizar a ideia rítmica da música e

sincronizar os sons com as imagens teve que mapear toda a música no papel

milimetrado antes de criar o vídeo, e construindo o cenário com diversos objetos,

Page 111: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

laranjas, garfos, fitas, livros, óculos e tênis, como é possível ver no vídeo making of

star guitar6 (2003)

No videoclipe acompanhamos uma paisagem ferroviária, nos trilhos em

movimento na tela sob a perspectiva do interior do trem. À medida que o trem

caminha, acrescentam-se elementos na paisagem construindo quase como uma

espécie de partitura. Pode-se afirmar isso, pois se se colocar esse vídeo para um

músico pedindo para que ele reproduza os gestos dos objetos em movimento do

vídeo produzir-se-á, pelo menos ritmicamente, o mesmo que a música.

Os postes da linha de trem são os primeiros elementos visuais que

correspondem aos acontecimentos musicais. Evidencia-se o ritmo das palmas

eletrônicas e ouvem-se dois sons mais próximos e um isolado.

Figura 29-Partitura dos sons de claps da música Star Guitar.

Fonte: do próprio autor

Depois muda para três sons em sequência e a sequência das imagens dos

postes obedecem à música.

Figura 30- Frame dos postes que correspondem ao som de claps no videoclipe

Star Guitar

6 Video onde o diretor mostra o modo que concebeu o videoclipe Star Guitar. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=GF0-wGbRqEs. Acesso: 10 de fev 2015.

Page 112: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc

Outros sons logo começam a acompanhar e pode-se se sentir o andamento

da música junto ao movimento da imagem que acelera. Outro elemento importante

e que é determinante para a escolha dos objetos de cena, na verdade o cenário

todo, é o timbre. A música é produzida eletronicamente, sendo suas sonoridades

quase todas metalizadas e, portanto, seu universo visual não poderia ser outro

senão o de que uma estrutura de ferro, ou seja, metal.

Um som mais grave ao fundo da música, repetitivo, começa acompanhar os

sons da marcação de palmas e percebe-se a introdução de um cenário de prédios

ao fundo que oscilam em altura (frequência) de acordo com a música. Essa

oscilação não diz respeito apenas às frequências mais graves e agudas dessa

base, mas oscila também seu volume, ficando mais presente e sutil quando o

volume abaixa. Percebe-se a correspondência visual dessa dinâmica com a

oscilação da imagem, que se aproxima e se distância.

O recurso de aproximação e distanciamento de acordo com o volume do som

é bastante usado no clipe. Dando sequência, no timecode 00:45, um som, de

repetição melódica, com sonoridade de teclado aumenta sua presença deixando os

outros elementos mais baixos. O diretor introduz um muro, cuja presença cresce

de acordo com o som, quase como uma cortina, uma barragem para nossos olhos

de espectador que vê essa parede, mas também imagina qual é a paisagem que

continua por trás dela. Essa paisagem continua sendo a dos postes e dos prédios,

e os elementos musicais que eles estavam personalizando em imagem continuam,

mas em volume mais fraco. Esse mesmo som, de teclado, logo em seguida ganha

Page 113: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

um andamento mais lento e pode-se perceber o seu pulso, fazendo parte dos

elementos rítmicos da música e então sua imagem também divide-se, com a parede

tendo um vão entre uma e outra, dando a percepção de sua rítmica.

Um novo elemento é acrescentado (timecode 00:53), que são sons bem

graves e que correspondem ao seu ritmo e à dimensão sonora uma sequência de

imagens de casas iguais. Em seguida o som de uma única palma, portanto um

único poste. A oscilação da imagem também continua de acordo com a oscilação

do som do teclado. Em seguida um som é acrescentado: um pouco mais agudo

que o grave representado pela imagem da casa, esse som aparece sempre como

se fosse uma resposta ao som grave, representado por um outro trem no sentido

inverso. Seu som é mais alto que o representado pela casa, portanto a imagem é

montada não só obedecendo o ritmo, mas também a sua dinâmica colocando a

casa mais atrás do que a imagem do trem.

Percebe-se que outro elemento importante na construção da paisagem

desse clipe também é o tamanho das formas (contorno) que estão de acordo com

as esferas de som: sendo graves elementos mais pesados e agudos mais leves e

finos, por exemplo os sons que simulam tambores na música no clipe ganham

imagem que ocupam mais espaço do que outros sons mais agudos. Comparando

a casa para o som mais agudo, portanto a mais robusta ao vagão, de proporções

mais finas até os postes que são um dos sons mais agudos.

Figura 31- Imagens de postes, casa e vagão do videoclipe Star Guitar

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc

Page 114: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Voltando ao clipe, no timecode 1:25, há na música uma alteração de tom e

os elementos rítmicos diminuem de dinâmica, então o diretor opta por representar

essa mudança de tom escurecendo a imagem no momento da troca da tonalidade.

Importante observar que ao mesmo tempo que os acordes mudam, ao fundo

da música continua a rítmica das palmas e as imagens que representam elas, que

são os postes, não somem, permanecem ao fundo nos postes de luz, basta

compararar a quantidade de luzes no poste e de palmas.

Figura 32 -Imagens do escuro (noite) e claro (dia) de Star Guitar

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc

Depois dessa leve modulação de tonalidade há uma sequência rítmica que

é representada por várias pilastras que obedecem ao ritmo para então ausentar os

instrumentos de percussão e ficar apenas a voz. A paisagem desacelera,

obedecendo ao andamento da música e há também vozes humanas que cantam

uma frase e neste momento, a imagem fica em câmera lenta e se podem ver

pessoas.

Page 115: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Figura 33- Imagem de “pessoas” no videoclipe Star Guitar

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wOx0ATXQdNc

O andamento vai voltando ao anterior e, aos poucos, um som bastante

metalizado é introduzido em períodos de quatro pulsos. No vídeo esse som

metalizado é a imagem de outro vagão que passa bem perto da tela, rapidamente,

correspondendo à dinâmica, ao ritmo e também ao timbre.

A música começa a voltar ao início, mas com algumas diferenças. O vídeo

também, e principalmente nele, pois o som, que antes era representado com o trem

no sentido contrário, soa de novo, mas agora correspondendo-o ao movimento de

câmera que se aproxima e se distancia, de acordo com a dinâmica e o tempo desse

som. O coral continua até o fim da música praticamente, mas não há mais nenhum

elemento visual que a ele corresponda, ficando apenas os graves do bumbo e o

som das palmas com os seus correspondentes visuais. Para os sons graves se

encontram outras imagens, outras casas, depois vagões de trem colocados na

quantidade exata que soam na música e segue assim até o fim.

Uma observação importante também é a forma musical que tem a música

eletrônica. Ela é linear não sendo dividida entre parte um, dois ou três, que às vezes

é repetida em alguma parte. A música eletrônica tem normalmente ideias rítmicas

que seguem ao longo da música, com outros sons sobrepondo ou acompanhando

essas ideias iniciais fazendo uma música que funciona por camadas de timbres,

Page 116: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

ora um elemento sobrepondo o outro, entrando para o acompanhar, ora elementos

são retirados, e assim por diante. Esse clipe assim como a música funcionam do

mesmo modo: a música é linear, assim como os trilhos de trem e a paisagem no

clipe que vai ganhando elementos novos, desaparecendo outros e pode se ver

também as ideias rítmicas que se repetem visualmente.

Segue o Quadro em que se pode esquematizar os elementos que foram

representados no clipe e como ganharam formas no videoclipe.

Quadro 5. Correspondências entre as dimensões do som e imagem no

videoclipe Star Guitar

Dimensões do

som/elementos da

música no

videoclipe

Execução dessas

dimensões na música

Representação dada no

videoclipe

Duração

Sons eletrônicos (palmas

ou estacas, sons de

bumbos, caixas e outras)

Postes, casas, vagões de trem,

pilastras de concreto e muros

Contorno Sons graves dos bumbos

e agudos das estacas

Casas, vagões e postes

Dinâmica

Oscilação de volume dos

acordes e volume de outros

sons eletrônicos

percussivos de

sonoridades graves

Oscilação do som grave da tela,

perpctiva dos objetos, ex: som

grave do vagão (mais intenso)

mais próximo do que o grave da

marcação

Timbre

Estacas (palmas) sons

eletrônicos (interferências

elétricas) voz humana

A linha férrea e os vagões que

passa próximo (metal) e postes

para os sons de estacas e imagem

de pessoas

Andamento Velocidade da música Aceleração da imagem e câmera

lenta

Page 117: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Acordes

Acordes de Bb7+ (Si bemol

com sétima aumentada) e

F7+ (Fá com sétima

aumentada)

Escurecimento da imagem (noite)

e clareamento da imagem (dia)

No quadro para o videoclipe de Star Guitar é perceptível a maior quantidade

de elementos. Como mencionado, organizar-se-ia de acordo com sua

complexidade, complexidade que diz respeito justamente à quantidade elementos

representados.

Page 118: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que ferramentas básicas foram estruturadas neste trabalho para

que se possa observar a relação do som e da imagem determinada pelo

comportamento da onda sonora e suas dimensões físicas. Revisitou-se a música

convidando a consciência à percepção sonora objetiva, o que teóricos da música

chamam de escuta reduzida, como mencionado no início, e também artistas e

pensadores da comunicação que refletiram sobre a construção poética do som e

da imagem no cinema em outros produtos audiovisuais, sobretudo no videoclipe,

que reuniu as formas sob uma ótica particular complexa.

No cinema e em outros formatos do audiovisual é difícil isolar a música, o

que em tese parece ajudar a compreensão. Mas sabe-se da complexidade da

música e também da gama de possibilidades de associar a música, som e imagem,

contudo, nesta busca de compreender como se dá a relação entre música e

imagem no audiovisual encontra-se, em um momento e outro, uma relação com

aspectos estruturais da música, que são os sons. Ao reunir reflexões e diversos

exemplos de concepções, percebe-se uma correspondência com os sons, que

pouco se procurou analisar a partir do seu aspecto mais elementar.

Ao se tratar de videoclipe tal relação entre som e imagem é evidenciada

devido ao formato ter a própria música como ponto inicial à sua concepção e,

possivelmente, por se tratar de música pop, buscar maior conexão com o corpo. A

colocação ganha força se pensarmos que o videoclipe é feito para o

entretenimento, que inclui a dança e se preocupa menos com sentidos mais

intelectuais, ou não somente com eles. A ideia é reforçada quando se percebe que

o formato busca experimentar outras montagens, reduzindo a importância da

narrativa.

Como colocado, tais questões partem de um conhecimento intuitivo, mas

não por isso menos importante ou simples. Trata-se de um fato que instiga pela sua

possibilidade de estabelecer conexões com teorias da música e visuais, que inclui

cinema, comunicações, estética, cognição, dança e cultura pop. Pode vir a somar

com outras análises das relações imagem e música e que não exatamente exclui

seus sentidos subjetivos. Como colocado no trabalho, não se reduziu a observação

Page 119: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

ao tipo de concepção a fim de fechar a análise, mas sim de explorar as suas

possibilidades, na verdade, de trazer mais importância a ela. Entende-se do

mesmo modo a análise de escuta reduzida: é intuitiva, mas sua redução releva a

complexidade. Tal análise abriu novos campos em música e acredita-se no seu

potencial para o audiovisual.

Ocorre que o videoclipe, que explora bastante a questão do som, converge

em vários outros produtos- da televisão ao cinema- e do mesmo modo que ele foi

um desdobramento dessa busca, hoje suas formas vêm contaminando a linguagem

que se convencionou de chamar de multimídia. Os sons e suas correspondências

visuais vão ganhando diversas formas em videogames, CD ROM`S, aplicativos e

em diversas produções amadoras, possivelmente pelo seu aspecto intuitivo e pela

mimética, mesmo que vulgar do videoclipe feita para internet, com recursos de

edição e equipamentos que vão, cada vez mais tornando-se disponíveis às

pessoas.

Os shows e os espetáculos vêm ganhando uma aparelhagem visual intensa

tornando-se, cada vez mais, espetáculos audiovisuais. A maioria dos exemplos

citados, que se desenvolvem na contemporaneidade estabelece uma conexão com

o corpo, ocupando cada vez mais os sentidos.

Tais especulações justificariam a correspondência do som e da imagem tão

ligada ao gesto e ao físico. Diante dessas afirmações temos ainda como exemplo

as casas noturnas, especializadas em música eletrônica que vêm explorando cada

vez mais inserção de imagens em telão, com pessoas especializadas, chamadas

de VJs, que preparam vídeos ou dispõem de software que pode manipular a

imagem simultaneamente à música.

Os caminhos dessa perspectiva do relacionamento entre o som e a imagem

parecem ser amplos e os objetos promissores. Portanto espera-se ter servido até

aqui, como uma forma de abrir os ouvidos e os olhos a mais um aspecto dessa

relação tão fértil do som e a imagem.

Page 120: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

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Page 123: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

GLOSSÁRIO DE TERMOS MUSICAIS

Acorde- Conjunto de três ou mais notas executadas simultaneamente.

Andamento- Andamento é a velocidade que a música é tocada. Refere-se a ideia

de tempo em música. Tempo em música é determinado pela pulsação subjacente

de uma música. Os tempos se agrupam em valores iguais e fixam-se dentro de

divisões das pautas musicais conhecidas como compassos.

Altura- Característica dos sons que diz respeito às suas frequências. São

classificados em sons agudos e sons graves. Os sons graves, também chamados

baixos, são sons com maior comprimento de onda (menor frequência) e os sons

agudos, ou altos, tem um menor comprimento de onda (maior frequência).

Canto Gregoriano- Gênero de música vocal feita por uma única melodia, não

acompanhada, ou acompanhada apenas pela repetição da voz principal. Gregório

Magno adaptou a música Grega para serem utilizados nas celebrações religiosas

da Igreja Católica no século XI.

Compassos- Compasso é uma forma de dividir quantitativamente o tempo de

duração de grupos de sons de uma composição musical com base em pulsação.

Está organizado na anotação da partitura por barras verticais no pentagrama

Contorno -O termo não é muito usado como um parâmetro do som, mas quando

usado refere-se ao desenho de uma melodia e ou o espaço que as frequências do

som ocupam.

Escala- Um grupo de notas musicais que formam a base necessária para a

formação de acordes e tonalidades de uma música.

Frase musical- Diz respeito ao período de duração de uma melodia.

Frequentemente as frases têm quatro ou oito compassos de duração

Hertz- Unidade de medida derivada de frequência usadas para ondas como luz,

rádio ou sonoras.

Intensidade- Diz respeito a força que o som é emitido. O mesmo que volume

Page 124: Uma Análise das Dimensões Concretas do Som e suas ...

Legato- Termo musical que designa em ligar as notas sucessivas, de modo que

não haja nenhum silêncio entre elas.

Melodia- Sucessão de sons (notas) que obedecem a um sentido lógico musical.

Metalofone- Instrumento de metal que consistem em várias lâminas de metal

dispostas da mesma forma que um piano tocado de forma percussiva com auxílio

de baquetas.

Monofonia- Música com uma única melodia.

Notas- São sons que tem um modo único de vibração do ar (frequência). Cada nota

musical corresponde a uma frequência.

Música visual- Nome dado ao experimento Oskar Fischinger que consiste em

converter a música ou o som diretamente em formas visuais, tais como

cinema,vídeo ou gráficos de computador.

Ópera- Gênero artístico teatral que consiste em um drama encenado acompanhada

de música. Combina-se música instrumental e canto, com diálogo falado.

Partitura- Representação de escrita de música padronizada mundialmente.

Pizzicato- Modo de se tocar instrumentos de cordas, pinçando-os com os dedos.

Playback- Utilização de sonorização ao fundo gravada previamente. Pode ser

diálogos, música, acompanhamentos musicais e sons ambientais. Costuma ser

usado em programa de televisão ou shows onde comumente os artistas simulam

estar executando ao vivo a música. Em estúdios de gravação de música usa-se

bastante como guia para gravação de uma outra parte da música.

Poema sinfônico- Obra de caráter musical baseada em um poema ou texto

literário executado por uma orquestra.

Polifonia- Diz respeito a uma música que é composta por duas ou várias vozes

melódicas que acontecem simultaneamente.

Sampler- Equipamento que armazena sons, ou trechos de músicas em uma

memória digital e os reproduz posteriormente, um a um ou de forma conjunta. O

termo significa amostra em inglês.

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Reverberação- é um efeito físico gerado pelo som, reverberação é provocada pela

distância entre a fonte sonora e o receptor, comumente chamada de eco. Acontece

devido ao som refletir nas paredes tornando sua audição mais duradoura. A

reverberação natural acontece devido ao fenômeno físico, mas o efeito foi bastante

explorado em amplificadores analógicos e na reprodução de sons em formas

digitais.

Riff-. Progressão de acordes ou notas que se repetem em uma música servindo de

acompanhamento.

Ritmo- É a organização da duração dos sons no tempo.

Teremim- instrumento completamente eletrônico controlado por duas antenas de

metal, que percebem a posição das mãos. Em uma das antenas se controla as

oscilações de frequência, e com outra, o volume.

Timbre- é características da onda sonora. Diz respeito à combinação de vibrações

determinadas pela espécie do agente (objeto sonoro) que as produz. É o que

possibilita distinguir o som da voz de alguém o de um instrumento, mesmo que

esses estejam sendo executados na mesma duração, intensidade e altura.

Voz/ Voz melódica- Refere-se a qualquer timbre que componha a música. Voz

melódica refere a frase musical feita em qualquer instrumento com capacidade

melódica.

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ANEXO

ANEXO A- VIDEOCLIPE HARDEST TO BUTTON TO BUTTO PARA O GRUPO

WHITE STRIPES

ANEXO B- VIDEOCLIPE OPENYOURHEART PARA A CANTORA MIA DOI TODD

ANEXO C-VIDEOCLIPE AROUND THE WORLD PARA O GRUPO DAFT PUNK

ANEXO D- VIDEOCLIPE CRYSTALLINE PARA A CANTORA BJORK

ANEXO E-VIDEOCLIPE STAR GUITAR PARA O GRUPO CHEMICAL BROTHERS