Uma Análise dos Afrodescendentes nas Propagandas de ... · Numa revisão da produção brasileira...

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1 Uma Análise dos Afrodescendentes nas Propagandas de Jornais Paulistas Autoria: Sibele Gomes de Santana Faria, Jouliana Jordan Nohara, Evandro Luiz Lopes Resumo A análise das peças de propaganda para elucidar a modificação das representações dos afrodescendentes, em número e agregação de prestígio social, constitui o propósito central deste trabalho. As fontes de dados foram jornais paulistas de grande circulação. A pesquisa utilizou a abordagem de Clark, de acordo com a qual as atitudes sociais, em permanente evolução em função de pressões socioeconômicas dos seus principais atores, resultam na aceitação e no respeito às minorias. A apreciação crítica dos dados segue a análise de conteúdo de Kassarjian. Os resultados apontam para a inadequação do modelo de Clark ao universo abordado pela pesquisa.

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Uma Análise dos Afrodescendentes nas Propagandas de Jornais Paulistas

Autoria: Sibele Gomes de Santana Faria, Jouliana Jordan Nohara, Evandro Luiz Lopes

Resumo A análise das peças de propaganda para elucidar a modificação das representações dos afrodescendentes, em número e agregação de prestígio social, constitui o propósito central deste trabalho. As fontes de dados foram jornais paulistas de grande circulação. A pesquisa utilizou a abordagem de Clark, de acordo com a qual as atitudes sociais, em permanente evolução em função de pressões socioeconômicas dos seus principais atores, resultam na aceitação e no respeito às minorias. A apreciação crítica dos dados segue a análise de conteúdo de Kassarjian. Os resultados apontam para a inadequação do modelo de Clark ao universo abordado pela pesquisa.

 

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1. Introdução

Enquanto nos Estados Unidos a preocupação com a questão da equidade entre os consumidores tem sido objeto de reflexão acadêmica constante, essa temática não tem preocupado muito a área de marketing no Brasil. Entre os autores norte-americanos, com artigos na área do Comportamento do Consumidor e especificamente com a representação dos afrodescendentes, podem-se mencionar, entre inúmeros trabalhos, os artigos de Kassarjian (1969, 1971, 1976), Cox, 1970, Dominick e Greenberg (1970); Bush, Solomon e Hair (1977); Bush, Resnik e Stern (1980); Humphrey e Schuman (1984); Ortizano (1989) Taylor e Ju (1994), Bowern e Schmid (1997); Mastro e Stern (2003); Taylor, Landreth e Hae (2005) e Ball, J. et al, (2009). A Association for Consumer Research, desde a sua gênese há quatro décadas, tem demonstrado interesse no tema e, mais ainda, tem eleito Kassarjian, que com o seu trabalho "The Black and American Advertising", publicado no Journal of Marketing Research em 1969, foi um dos pioneiros no assunto da imagem do consumidor negro na propaganda. “O retrato dos Afro-americanos na publicidade tem sido de interesse para os profissionais de marketing há mais de meio século” (STEVENSON, 2009, p. 23).

Na mídia brasileira, a sub-representação do afrodescendente verificada em pesquisas gera polêmicas. Presença invariável de papeis subalternos em peças, novelas, entre outros, aponta para estigmas, estereótipos negativos e a transmissão da ideologia racista presente na propaganda brasileira. Santos e Silva (2010, p.161) apontam que “as desigualdades raciais no Brasil são importantes a ponto de serem consideradas ‘estruturais e estruturantes’ da sociedade”. Diferentes formas de discriminação racial refletidas nos meios de comunicação de massa têm o poder de manter segregados, subordinados os afrodescendentes, perpetuando as desigualdades sociais enraizadas no cotidiano. A questão levanta inquietação acadêmica na área de marketing, especialmente no segmento do comportamento do consumidor. Além disso, constata-se uma lacuna sobre o padrão evolutivo das representações dos afrodescendentes na mídia impressa, particularmente considerando a representação demográfica desse segmento de consumidores.

Os elementos constitutivos das mensagens na propaganda se originam do imaginário social e a ele retornam. A combinação de signos imbuída na exposição dos produtos e das personagens relacionada aos objetos apresentados nas peças de propaganda, ao envolverem características socialmente desejáveis e criar sentido, instigam o imaginário social a fim de despertar os desejos de posse do objeto. O imaginário social, por sua vez, constitui-se de sistemas simbólicos que ao cumprirem o papel de instrumentos voltados à criação e/ou à manutenção de relações de dominação são sempre impregnados de ideologia – na concepção de Thompson (2000). Na cultura midiática atual, os publicitários, na difusão e na modificação dos gostos, ideias, crenças e valores, moldam as atitudes em relação ao meio social. Neste sentido, a análise das peças de propaganda conseguirá elucidar a modificação ou não das representações dos afrodescendentes em número e agregação de prestígio social – o que constitui o propósito central deste trabalho. Como fontes da pesquisa, optou-se pelas propagandas nos jornais O Estado de S.Paulo e a Folha de S.Paulo, no decorrer de três décadas. Como modelo escolheu-se a abordagem de Clark (1969), utilizada até a atualidade para pesquisa das representações cronológicas de minorias, tais como a de homossexuais nos Estados Unidos conduzida por Branchik (2007). De acordo com Clark, a aceitação das minorias nas propagandas compreende quatro fases bem determinadas: (1) não reconhecimento; (2) ridicularização; (3) regulação; e (4) respeito e, obviamente, aceitação. A presente pesquisa busca a compatibilidade da abordagem com a propaganda, envolvendo afrodescendentes na imprensa escrita de jornais de grande circulação no país.

A seguir, será apresentada uma revisão da literatura concernente nas representações das minorias na mídia e uma explicação do modelo cronológico de Clark nos Meios de

 

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Comunicação. Posteriormente, a metodologia e o tratamento de dados serão apresentados para então verificar a consistência do modelo à realidade brasileira.

2. Revisão da Literatura 2.1 Representação das minorias na mídia o modelo de Clark

De acordo com IBGE (2010), os afrodescendentes alcançaram 50,84% das pessoas

que constituem a nação brasileira, tornando-se maioria numérica na população. A sua predominância numérica não foi suficiente para deixar de ser tratados como minoria étnica. O termo maioria, longe de ser definido em termos numéricos, está relacionado com status, poder e controle de maior parte dos recursos econômicos por um grupo, o que, de acordo com Roso et al., (2002) resulta em estabelecimento de relações de dominação, injustas com os outros grupos – os das minorias sociais. A análise do conteúdo das imagens veiculadas nos meios de comunicação de massa – formas simbólicas por excelência – transmissoras de sentido desvenda a ideologia que elas carregam e, desta forma, contribui para a transformação das relações sociais.

Este trabalho realizou pesquisa em jornais de grande circulação a fim de descrever e desvendar alguns mecanismos de reprodução das desigualdades sociais no Brasil. Para isso lançou mão de uma breve descrição das pesquisas sobre as representações dos afrodescendentes nos diversos meios de comunicação do Brasil, como livros didáticos, cinema, telenovelas e séries televisivas, e propaganda em algumas revistas. Como apoio fundamental da pesquisa utilizou-se a abordagem de Clark (1969). O modelo idealizado por Clark está baseado na ideia de que a estrutura da difusão de ideias, opiniões e gostos que moldam as atitudes sociais está em permanente evolução em função das pressões sociais e econômicas dos seus principais atores.

Clark (1969) identificou quatro estágios culminando com a aceitação (pelo menos formal) das minorias sociais. Estas fases ou estágios são claramente presentes nas representações dos grupos minoritários pesquisadas longitudinalmente (ou cronologicamente) nos meios de comunicação. A primeira fase o autor rotulou de não reconhecimento, ausência ou invisibilidade. Nesta fase o grupo social minoritário não é sequer representado na mídia. Não há espaço para a sua retratação. A ausência significa que neste caso os componentes do grupo minoritário – afrodescendentes na nossa pesquisa – raramente retratados pela mídia são ignorados. Na segunda fase, o autor identificou a presença dos grupos minoritários, contudo, os indivíduos retratados são ridicularizados. As imagens do grupo aparecem estereotipadas negativamente ou de forma pejorativa.

Com o decorrer do tempo, o autor verificou a terceira fase denominada por ele de regulação ou regulamentação. Nesta fase, os membros do grupo minoritário aparecem na mídia em papéis de protetores de ordem social e do status quo, como, por exemplo, bombeiros, policiais, detetives, enfermeiros, entre outros. Apesar da forma estereotipada de representação, esta fase pode ser interpretada como de regulação ou de legitimação. A etapa final, designada de respeito, se refere a representações idênticas às dos componentes do grupo dominante. A abordagem de Clark (1969) é considerada clássica na literatura norte-americana que analisa as representações na mídia de grupos minoritários e não foi aplicada à realidade brasileira. A tipologia elaborada por Clark em 1969 foi utilizada mais recentemente em 2007 por Branchick em relação aos homossexuais nos Estados Unidos.

Para Clark (1969), a mídia não é uma entidade com existência independente da estrutura social na qual opera. O fundamento do modelo de evolução de representações de grupos sociais na mídia que este autor construiu é que a estrutura da difusão de ideias,

 

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opiniões e gostos que moldam as atitudes sociais está em permanente evolução em função das pressões sociais e econômicas dos seus principais atores. Assim, esta estrutura tende a mudar de padrão, conforme mudam os interesses, tanto aqueles sociais difusos socialmente quando aqueles mais específicos envolvendo os meios de comunicação e outras relevantes.

Conforme é apresentado na Figura 1, há um modelo cronológico com diferentes fases das representações elaborado por Clark (1969). Este modelo será confrontado com a realidade brasileira para o universo de propagandas da mídia impressa de dois dos jornais paulistas de maior circulação nacional.

Figura 1 Modelo cronológico das representações das minorias nos meios de comunicação Fonte: Desenvolvido pelos autores a partir de Clark (1969)

Esta abordagem sustentou o trabalho de Branchik (2007) na análise das representações dos homossexuais norte-americanos em propagandas impressas, no período de 1917 a 2004. O estudo forneceu um quadro na literatura das ciências sociais que especifica como os retratos midiáticos das minorias podem mudar ao longo do tempo. Branchik (2007) revisou o modelo de Clark, usado para analisar as representações das minorias na mídia.

Branchik (2007) analisando as imagens alterou a denominação de não reconhecimento ou ausência - a primeira fase no modelo de Clark - para reconhecimento focal, aquele em que a minoria aparece como sendo um grupo específico, mas socialmente isolado, nunca se integrando às demais grupos sociais. De acordo com Branchik (2007), nesta fase, uma propaganda que expõe homossexual(is) não inclui personagens heterossexuais.

É uma forma de ausência, mas não da minoria e, sim, da maioria ou de outros grupos sociais. A segunda fase do modelo de Clark é mantida. A fase de regulação, regulamentação ou de legitimação, na pesquisa de Branchik (2007), apesar da aceitação da opção sexual, os personagens homossexuais aparecem de forma extremamente estereotipada. Branchik (2007) conserva a última fase como sendo de respeito ou aceitação. Nesta fase, os estereótipos desaparecem. Essa evolução reflete mudança na visão da sociedade e da mídia sobre a homossexualidade masculina.

 

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2.2 Relações raciais nos meios de comunicação Muito embora o objetivo do presente estudo abarque propagandas veiculadas somente

em jornais impressos ao longo do tempo, a análise das imagens em torno dos afrodescendentes transcorre por diversos meios de comunicação, com destaque para pesquisas em livros didáticos, telenovelas, cinema, além de propagandas impressas, como em revistas e jornais. Em cada caso analisado, será feita uma aproximação entre os resultados alcançados e seu eventual enquadramento nesta abordagem.

Silva (2006) pesquisou 33 livros didáticos de Língua Portuguesa publicados entre 1975 e 2003. Nesse universo foram computadas 794 unidades de leitura, das quais foram analisadas 252 (32%). Nas unidades de leitura avaliadas foram analisadas as imagens de 1.372 personagens. Nas ilustrações que acompanham os textos foram observados 650 personagens e nas ilustrações das capas 120 personagens. Foram contados 698 personagens brancos nas unidades de leitura, para somente 28 personagens afrodescendentes, 15 pardos e 29 indígenas. A “taxa de branquitude” foi de 16,2 (ou seja, para cada personagem negro, 16,2 personagens brancos). Esta é uma indicação de ausência do negro ou da presença da primeira fase da cronologia de Clark (1969). De fato, o conjunto de brancos, além de majoritário, apresentou, de acordo com Silva (2006), as personagens com características socialmente mais valorizadas em relação às dos negros. O autor dividiu a pesquisa em três períodos e a distribuição dos personagens brancos e afrodescendentes, nas unidades de leitura, nos três diferentes períodos de pesquisa, aponta insignificantes variações proporcionais. Os personagens brancos foram 92% no primeiro período (1975-1984), 96% no segundo (1985-1993) e 94% no terceiro (1994-2003). A pesquisa aponta para grande desproporção entre personagens brancos e afrodescendentes, em todos os períodos. Estes resultados mais do que reforçam a posição deste tipo de mídia como retrato de uma situação de não reconhecimento, a ausência ou a invisibilidade dos afrodescendentes nos livros didáticos.

Numa revisão da produção brasileira de teses e dissertações feita por Rosemberg et al (2003), os autores pesquisaram um total superior a 8.000 títulos durante o período de 1981 a 1998 e identificaram 114 trabalhos com a temática de racismo. Revelou-se nesta pesquisa que em monografias de Estudos Sociais e História, a representação dos afrodescendentes está associada à escravidão e à condição de marginalidade social. Os autores desta pesquisa destacam a importância e a necessidade do desenvolvimento de bibliografias que não se limitem em representar a conhecida trilogia feijoada-futebol-samba para a negritude no Brasil.

D’Adesky (2001) relata que nas telenovelas e séries televisivas os afrodescendentes são quase invisíveis e raramente aparecem como protagonistas, configurando uma situação de não reconhecimento ou de ridicularizarão, conforme a nomenclatura utilizada por Clark (1969). Nas vezes em que aparecem na cena “é para fortificar a trama da história dominante, seja por meio de imagens exóticas, pela construção de uma intriga racial ou por imagens vulgares de motoristas ou delinquentes” (D´Adesky, 2001, p. 89).

No cinema, a situação do afrodescendente no Brasil é similar à da telenovela. Esta categoria é frequentemente apontada como subalterna e/ou marginal, ou associada ao que não é cotidiano, como a “religião, as festas e o carnaval” (D´ADESKY, 2001, p.94), o que demonstra que ela está longe de penetrar na escala de “regulação” de Clark (1969). Como aponta Rodrigues (2001, p. 107), “Os cerca de 40% dos brasileiros de origem mestiça não têm encontrado seu reflexo proporcional no cinema nacional, que curiosamente trata como exceção exótica quase metade da população do país”.

Torres (2008, p. 101) afirma que “o cinema brasileiro, por muito tempo, apresentou imagens que podem ser consideradas racistas: o trajeto do negro, do início do século passado até meados da década de 1950, dentro do cinema, foi permeado por feições estereotipadas ligadas à questão racial”. A autora relata em sua pesquisa que somente os filmes “Rio 40

 

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Graus” e “Rio Zona Norte” de 1955 até 1957 começam a dar ao negro “outra conotação, com personagens ganhando cada vez mais destaque e espaço”, o que mostra uma tênue evolução na representação dos afrodescendentes.

Com o objetivo de analisar até que ponto o cinema tem refletido a realidade do afrodescendente, Rodrigues (1988) classificou os personagens presentes nos filmes em 12 categorias, chamadas de “arquétipos e caricaturas”. Segundo Jung (2000), o termo arquétipo serve para designar antigos padrões de personalidade, que são herança repartida pela raça humana. Assim, o autor afirma que “arquétipo nada mais é do que uma expressão já existente na antiguidade, sinônimo de ideia no sentido platônico” (Jung, 2000, p. 149).

Os arquétipos no cinema são precisamente formas depreciativas sobre a representação social dos afrodescendentes, de acordo com a pesquisa de Rodrigues (1988) apresentam um forte viés de marginalidade, exclusão, subordinação e de figuras místicas. Nada que revele a vida contemporânea do cidadão normal, operário ou de classe média, que represente a vida nacional nos seus contornos sociais mais comuns e verdadeiros. Neste sentido, esta análise corrobora a abordagem de Clark (1969), sem, no entanto, especificar uma cronologia precisa, mas apontando a ridicularização e a depreciação social desta minoria social no Brasil.

Kassarjian (1969), considerado clássico, investigou, por intermédio de 12 revistas norte-americanas de grande circulação, a frequência com que os afrodescendentes apareciam nos anúncios, a forma que eram retratados e os papéis por eles desempenhados. Constatou declínio na frequência das representações de afrodescendentes em anúncios publicitários entre 1946 e 1956. No entanto, no período de 1956 a 1965 identificou-se um incremento de participação. Observou também que na pesquisa qualitativa houve aperfeiçoamento nas ocupações sociais representadas pelos afrodescendentes. Quando as peças contêm figuras dramáticas de ascendência africana, eles estão quase sempre em uma proporção bem menor do que os protagonistas brancos.

Tendo como cenário de pesquisa o Brasil, Hasenbalg (1988) realizou um estudo dos afrodescendentes nas propagandas de três canais comerciais de televisão da cidade do Rio de Janeiro e em propagandas impressas de sete revistas publicadas no ano de 1981. O resultado foi que apenas em 3% das propagandas de televisão figuravam indivíduos afrodescendentes e já nas propagandas de revistas eles estavam praticamente ausentes. Novamente, constatando o não reconhecimento ou a ausência.

No decorrer da década de 1990, foi observado por Martins (2000) um aumento gradual em relação às participações dos afrodescendentes em propagandas de revistas. Este autor identificou um aumento de 5% a 12%, destacando a imagem do negro de forma valorizada, entretanto associada ao esporte, à música e à dança. Ao mesmo tempo, verificou-se a desvalorização do negro em propagandas que ligavam os afrodescendentes a profissões socialmente pouco valorizadas, tais como, por exemplo, empregadas domésticas, motoristas particulares etc. É interessante observar que este aumento de participação vem acompanhado de estereótipos.

Rial (2001) busca descrever como a mídia brasileira representa e valoriza as diferentes identidades étnicas e como ela manipula imagens éticas na construção de um discurso imagético da identidade nacional, como o slogan “Prá frente Brasil”. A pesquisa centralizou em particular as propagandas associadas aos campeonatos da Copa do Mundo de 1994 e 1998, porque foram momentos em que a mídia trabalhou com a ideia de “nação”, colocando o Brasil em cena. O apelo aos sentimentos nacionalistas acabou refletindo alguns estereótipos culturais difundidos no Brasil e especialmente aquelas que dizem respeito à formação do povo brasileiro. A maioria das propagandas foi produzida por agências de publicidade sediadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Os exemplos a seguir foram escolhidos pela autora: 1) propaganda testemunhal (aqueles que usam uma pessoa famosa como ator, estrela de esportes, ou outro); 2) a propaganda com temas comuns às diferentes raças e etnias (interpretada por

 

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afrodescendentes, brancos, mulatos e outros); e 3) a propaganda com temas especiais, retratada exclusivamente por afrodescendentes e mulatos, japoneses ou outros.

A constatação é que os afrodescendentes e mulatos são excluídos da grande maioria dos materiais pesquisados que contavam sempre com os indivíduos brancos como protagonistas, associados a objetos como carros, roupas, eletrodomésticos, agências bancárias, comida e bebida. Os afrodescendentes, por sua vez, foram representados em situações onde o corpo é o valor central, principalmente como uma força de trabalho como os transportadores, motorista e empregada doméstica. Rial (2001, p. 18) destaca que a mídia continua a mostrar o Brasil como multirracial e multiétnico, mas com papéis ainda muito estereotipados, quando não ridicularizados, tal qual a abordagem de Clark (1969). Quando os anúncios representam produtos que não necessitam de conotação de brasilidade, a mídia utiliza os indivíduos brancos, colocando os afrodescendentes como figuras secundárias, marginais. Os estereótipos negativos ainda foram encontrados no estudo.

Considerando a pesquisa feita por Martins (2009) intitulada Racismo anunciado: o negro na publicidade no Brasil, o objetivo do autor consistia no estudo da participação do afrodescendente na revista Veja, do Grupo Abril, entre os anos de 1985 a 2005, buscando não apenas mensurar sua presença, mas também identificar e analisar os estereótipos mais comuns sob os quais aparecem representados. A hipótese que se buscou comprovar é a de que a imagem do negro na publicidade do final do século XX e início XXI foi fundamentada em representações pejorativas e socialmente tidas como subalternas. Quantitativamente, o autor verificou aumento de personagens afrodescendentes, que de acordo com a pesquisa de 3% do total em 1985 subiu para 13% em 2005, isto é, de não reconhecimento para reconhecimento muito frágil. Ainda muito aquém da participação percentual dos afrodescendentes na população brasileira. Na mesma pesquisa, verificou-se que a proporção de anúncios nos quais o negro aparece representado sob o estereótipo subalterno caiu de 75% em 1985 para 43% em 2005. O trabalhador braçal, por exemplo, correspondia em 1985 a 50% dos anúncios com afrodescendentes e caiu para 3% em 2005. Os estereótipos de malandro e da mulata não foram encontrados na amostra depois de 1995. Este estudo aponta para propaganda na categoria de ridicularização com viés de regulação, de acordo com a escala de Clark (1969).

Acevedo e Trindade (2010) identificam de que forma os anúncios publicitários têm retratado os indivíduos afrodescendentes em termos de estereótipos. A pesquisa teve como método a técnica da análise qualitativa interpretativa em propagandas de automóveis. Foram aceitas como objeto de estudo três revistas de grande circulação nacional, como: 1) interesse geral: O Cruzeiro; Veja; 2) negócios: Exame; Pequenas Empresas Grandes Negócios e 3) femininas: Claudia; Nova. Em todas as revistas mencionadas, buscou-se identificar anúncios que tivessem veículos automotivos de passeio com pelo menos um indivíduo afrodescendente em seu conjunto. Os resultados mostraram que os anúncios contribuíram para reforçar a ideia de invisibilidade social dos indivíduos afrodescendentes e também que havia predominância de estigmatizações nas propagandas, colocando mais uma vez os afrodescendentes na escala do não reconhecimento com viés de ridicularização.

A tarefa que se apresenta frente a essa gama de contribuições é sistematizar as conclusões em busca de padrões que nos permitam a criação de uma classificação plausível frente às categorias sugeridas pelo modelo cronológico de Clark. Por esta literatura, há três grandes categorias evidentes. A primeira delas é o não reconhecimento, a subrepresentação ou a ausência dos afrodescendentes nos meios de comunicação (Acevedo et al 2006; Acevedo; Trindade, 2010; Araújo, 1999; Hasenbalg, 1988; Kassarjian, 1969; Martins, 2000; Martins, 2009; Silva 2006; Silva et al 2007; Santos, 2008). Esta categoria coincide com a primeira etapa da cronologia de Clark. A segunda categoria é a de representações estereotipadas ou mesmo de ridicularização tanto negativas como positivas (Martins, 2009; Oliveira; Pavam, 2005; Rosemberg et al, 2003; Rodrigues, 1988). Esta evidência da literatura está também

 

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presente na cronologia de Clark, particularmente na segunda e terceira etapas. Por fim, há claramente a identificação das relações de poder explícitas quando da representação de relações interpessoais (trabalho, negócios, outros) entre brancos e afrodescendentes, isto é, existe uma relação de poder e de status socioeconômico com clara apreciação do grupo dos brancos (Martins, 2000; Martins, 2009; Rial, 2001; Santos, 2008; Silva et al, 2007). Esta dimensão tem uma estreita relação com a necessidade de estabelecimento de sistemas de regulação capazes de resgatar o respeito no trato da minoria dos afrodescendentes na mídia. 3. Método Este artigo analisa as imagens dos afrodescendentes em propagandas de jornais impressos, no período de 1980 a 2010, verificando se existe um padrão evolutivo compatível com o modelo cronológico de Clark (1969). Para realizar este estudo, utilizou-se o método da análise de conteúdo de Kassarjian (1977), que é uma referência metodológica adequada aos propósitos deste artigo e muito utilizada para o campo do comportamento do consumidor.

O universo eleito foram as propagandas com figuras humanas nos jornais paulistas O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo. Estes são veículos de ampla penetração na sociedade brasileira. Cabe ressaltar que estes jornais, apesar de terem como sede a cidade de São Paulo, têm circulação nacional. O período, já indicado acima, foi de 1980 até 2010. A amostra consistiu nas edições dominicais – duas por mês, de cada jornal, que foram sorteadas.

De acordo com Kassarjian (1977), a análise de conteúdo considera o conteúdo manifesto das peças analisadas através das suas principais características: quantificação; sistematizado – aplicação de regras preestabelecidas ao conteúdo a ser analisado; objetividade – alcançada pela falta de desvio das regras explícitas; e confiabilidade – depende da independência da medição e obtida pela concordância nas decisões dos juízes – pessoas que não participam da pesquisa.

Com o acompanhamento do fenômeno ao longo do tempo, este artigo tem o caráter longitudinal. As semanas a serem consideradas foram sorteadas. De acordo Kassarjian (1977), para obter resultados confiáveis a amostra deve ser ampla e representativa. A amostra deste trabalho compreendeu 1.110 propagandas. De acordo com Malhotra (2001), esta amostragem, já que não envolveu o sorteio da totalidade dos jornais, mas apenas as edições dominicais foi considerada como não probabilística. De acordo com pesquisas anteriores, foram definidas categorias e indicadores de operacionalização. As categorias de análise foram: quantificação demográfica – número de personagens presentes na propaganda por etnia; importância social das personagens nas propagandas – papel principal, secundário ou de figurante; presença de ridicularização – item subjetivo; presença de estereótipos foram apenas as propagandas de produtos com pessoas como protagonistas. Propagandas que contenham apenas produtos não foram selecionadas para exame.

Realizou-se o treinamento dos juízes, pessoas que não elaboraram a pesquisa, que analisaram o material antes dos autores. O índice de confiabilidade calculado pela concordância entre os juízes é relevante. Elevados níveis de desacordo entre os juízes indicam deficiências nos métodos de investigação, nas definições operacionais ou na definição das categorias de análise. Para medir o índice de confiabilidade é necessário calcular o número total de concordância dividido pelo número total de decisões tomadas pelos juízes. Kassarjian (1977) afirma que a confiabilidade deve ser superior a 85% para que o resultado seja confiável. A tabela abaixo apresenta a concordância entre as decisões dos juízes nesta pesquisa.

 

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Tabela 1 Percentual de concordância entre dois juízes

Por etnia % de concordância dos juízes

Jornal Estado de São Paulo

% de concordância dos juízes

Jornal Folha de São Paulo Todos os indivíduos 99% 99% Representação dos afrodescendentes 92% 94% Representação dos brancos 99% 98% Representação de outras etnias 93% 92% Fonte: dados da pesquisa

A fim de atender os critérios de confiabilidade na análise de conteúdo, optou-se pela

participação de um terceiro juiz para julgar as diferenças dos resultados. Com a introdução deste terceiro juiz obtém-se uma perfeita concordância entre os resultados, dirimindo as pequenas diferenças, conforme mostra a Tabela 1.

4. Análise e discussão dos resultados

O delineamento evolutivo das representações dos afrodescendentes em propagandas como propósito central é a elucidação da transformação (ou não) das representações dos afrodescendentes em número e agregação de prestígio social aos papéis atribuídos aos componentes deste grupo nas peças de propaganda elaborados pelos publicitários.

Escolheu-se o modelo idealizado por Clark (1969), pois está fundamentado na ideia de que a permanente evolução da difusão de opiniões, gostos e ideias em função das pressões sociais e econômicas resultaria, com o tempo, na aceitação do grupo minoritário. O modelo compreende, e detectou na prática, quatro fases distintas até a aceitação ou o respeito das minorias, que são: (1) não reconhecimento, ausência ou invisibilidade; (2) ridicularização; (3) regulação; e (4) respeito ou aceitação.

A seguir são apresentados os dados sobre a evolução geral da representação dos afrodescendentes na mídia impressa em foco na presente pesquisa e finalmente, a cronologia apresentada por Clark (1969) testada, tendo em vista a proposição teórica de evolução nas representações dos grupos minoritários nos meios de comunicação.

De acordo com a Tabela 2, nas 1.110 propagandas com personagens humanas encontradas nos jornais, foram identificados 2.137 indivíduos, sendo 1.989 brancos (equivalentes a 93,07% do total), 120 afrodescendentes (equivalentes a 5,62% do total), 21 asiáticos (equivalentes a 0,98% do total) e 7 índios (equivalentes a 0,33% do total).

 

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Tabela 2 Censo 2010 versus representação das etnias nas propagandas em jornais impressos

Por etnia

BRASIL Censo 2010

% n

Participação por etnias nas propagandas

Jornal Estado de São Paulo Jornal Folha de São Paulo

% n Afrodescendente 50,84 96.980.248 5,62 120 Brancos 47,73 91.047.743 93,07 1989 Asiáticos 1,00 1.907.558 0,98 21 Índios 0,43 820.250 0,33 7 Total 100,00 ∑ 190.755.799 100,00 ∑ 2137

Fonte: IBGE Censo 2010 para a população em geral e os dados da pesquisa para a participação nas propagandas.

Alguns dados chamam a atenção: (1) os afrodescendentes constituem maioria na

população brasileira; (2) nas propagandas dos jornais pesquisados correspondem a apenas 5,62%. Enquanto o número de 96.980.248 afrodescendentes, correspondendo a 50,84% da população brasileira se refere a um ano específico, a amostra de sua participação nas propagandas veiculadas nos jornais paulistas de grande circulação no país abarca três décadas. Os dados encontrados apontam para a ausência dos afrodescendentes nas propagandas. Para cada afrodescendente presente nas propagandas dos jornais pesquisados há 16,58 brancos.

Tabela 3 Resultado geral por publicação e por etnias (1)

Publicação Brancos Afrodescendente Asiáticos Índios Participação Total

(Por linha)

Total propaganda

Jornal Estado de São Paulo 797 43 7 0 ∑ 847 ∑ 452 % por linha 94,1 5,08 0,82 0 100,00 41%

Jornal Folha de São Paulo 1192 77 14 7 ∑ 1290 ∑ 658 % por linha 92,4 5,97 1,09 0,54 100,00 59%

Participação Total ∑ 1989 ∑ 120 ∑ 21 ∑ 7 ∑ 2137 ∑ 1110 % por linha 93,07 5,62 0,98 0,33 100,00 100,00

(1) Quantidade estratificada em relação ao número total de propagandas; n = 1110 Fonte: dados da pesquisa

A Tabela 3 apresenta a participação numérica e percentual das várias etnias na amostra das propagandas veiculadas nos jornais paulistas pesquisados. O jornal O Estado de S.Paulo apresenta menor número de propagandas (sempre em relação à amostra pesquisada), entretanto, a relação entre brancos e afrodescendentes é pior que a média da amostra apresentada acima. Enquanto essa média aponta para 16,58 brancos para cada afrodescendente retratado nas publicações, no jornal O Estado de S.Paulo essa relação foi de 18,53. Este número comparativo de “branqueamento” para o jornal Folha de S.Paulo é de 15,48 brancos para cada negro.

Interessante achado foi a total ausência dos índios nas propagandas veiculadas no jornal O Estado de S.Paulo. E os índios são o povo que habitou Brasil por milhares de anos e o único povo anterior à conquista do território do país pelos brancos. Quanto aos indivíduos presentes nas propagandas da outra minoria, dos asiáticos, que no geral das propagandas pesquisadas correspondem praticamente ao total de sua participação percentual na população

 

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da nação, o Jornal O Estado de S.Paulo apresenta a metade das propagandas – sete, enquanto há 14 personagens asiáticos nas propagandas do jornal Folha de S.Paulo.

Como a ideia que fundamenta o trabalho consiste na opinião (confirmada em várias pesquisas nos Estados Unidos) de que a pressão social modificará os gostos e os costumes que moldam as atitudes culminando na aceitação e no consequente respeito dos grupos minoritários no decorrer do tempo, apresenta-se os dados sobre a evolução geral da representação dos afrodescendentes na mídia impressa. As quatro fases de Clark servem como guia para entender o processo de mudança das representações de um determinado grupo na mídia ao longo do tempo. A primeira fase de não reconhecimento ou ausência refere-se à relativa falta de presença dos indivíduos das minorias sociais na mídia. Essa população encontrar-se-á praticamente excluída socialmente ou invisível do mundo da comunicação mercadológica. A segunda fase, designada como ridicularização, diz respeito às imagens negativas e estereotipadas desta população na mídia, tratando-a com imagens e linguagens que descaracterizam sua identidade cultural, negando a possibilidade de resgatar valores que façam jus a anseios desta comunidade. A terceira fase, caracterizada como regulamentação, indica que as minorias iniciam ser representadas nas propagandas que, ainda de forma estereotipada. Basicamente como bombeiros, policiais, motoristas, entre outros. Na fase de respeito deveria haver uma presença nas propagandas compatível com a participação da população minoritária e com papéis dos personagens idênticos com os do grupo dominante.

Figura 2 – Representação numérica dos afrodescendentes na propaganda de acordo com a abordagem de Clark. A categoria não reconhecimento compreende as propagadas com pouca presença ou ausência de protagonistas afrodescendentes. Na categoria "respeito" foram incluídas as “celebridades”, que representam 23 no total de propagandas. Fonte: os dados da pesquisa.

Para melhor caracterização do estudo, a amostra foi dividida em períodos de tempo de cinco anos. Como pode ser observado, o volume total de propaganda anunciada aumentou de forma considerável e sistemática ao longo do tempo, passando de 88 no primeiro período (1980-1985) para 288 no último (2006-2010). No entanto, o número de representações

 

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afrodescendentes no total destas propagandas é mínimo, em todos os períodos, não mostrando modificação digna de nota de seu peso relativo no universo das propagandas veiculadas. O dado contraria a previsão do modelo de Clark. De fato, no primeiro período a ausência atinge 96% (1980-1985) das propagandas, flutuando para 86% (1986-1990), 84% (1991-1995), 97% (1996-2000), 86% (2001-2005) e 93% (2006-2010) nos períodos subsequentes. Não há uma tendência verificável nestas flutuações, sendo o não reconhecimento ou a ausência a categoria mais relevante em todos os períodos cobertos.

Os dados mostram que existem traços ainda não muito destacados de evolução nas outras categorias. A ridicularização mostra uma tendência relativamente consistente de redução, o que é previsto no modelo de Clark, embora para um universo sempre muito pequeno de observações. Já a categoria regulamentação demonstra aumento, particularmente no período 2001-2005 e uma redução substancial de 2006 a 2010. No entanto, há que se observar dos 39 indivíduos, 23 que são uma parte considerável de cerca de 59% dos retratados nesta categoria são celebridades.

5. Conclusões

Como propósito central deste trabalho, segue-se da hipótese de que a análise das peças de propaganda conseguirá elucidar a modificação ou não das representações dos afrodescendentes em número e agregação de prestígio social a esta minoria étnica. Para isso utilizou-se do modelo de Clark (1969) – consagrado durante décadas para pesquisas de tratamento de minorias – de acordo com o qual a permanente evolução em função das pressões sociais e econômicas sobre os grupos dominantes resultaria no decorrer do tempo, na modificação na estrutura de difusão de ideias nos meios de comunicação e na consequente aceitação e respeito às minorias. Para exposição dos resultados, foram identificados 2.137 de indivíduos nas 1.110 propagandas, sendo 1989 brancos (equivalentes a 93,07% do total), 120 afrodescendentes (equivalentes a 5,62% do total), 21 asiáticos (equivalentes a 0,98% do total) e 7 índios (equivalentes a 0,33% do total). Há uma predominância clara e inequívoca de indivíduos brancos nas propagandas em jornais impressos em comparação com outras etnias.

Seguindo o modelo de pesquisa adotado sobre a evolução da representação dos afrodescendentes na mídia, buscaram-se identificar as quatro fases rotuladas por Clark (1969). A primeira fase é de “não reconhecimento” ou de “ausência”, quando o grupo social não é sequer representado na mídia, não conquistando espaço social para ser retratado. A ausência significa que neste caso as pessoas de cor são ignoradas pela mídia e raramente são vistas em qualquer tipo de retratação.

Com esta constatação, indica o pouco reconhecimento desta etnia na propaganda impressa em jornais no Brasil. Ou seja, há indícios de que o fenômeno da sub-representação entre as etnias é um aspecto presente nas propagandas, descolado da realidade étnica nacional. Enquanto a proporção dos afrodescendentes é de 50,84% na população brasileira, sua presença em propagandas de mídia impressa está apenas em 5,62%, conforme os dados desta pesquisa.

A ausência constitui a forma mais eficiente para perpetuação do preconceito, da reprodução das relações raciais. Deixar no anonimato significa a negação da cidadania para maioria numérica da população brasileira. Não combater a invisibilidade exacerba os conflitos existentes. “Porque se eu não me vejo, eu não sou nada; e se não sou nada, se ninguém se importa comigo, se eu não me importo com nada, para que eu preciso dos mecanismos e dos instrumentos de luta que já temos desde a colonização, que se perpetuam, mas não nos dão visibilidade? (SILVA, 2007, p. 23). Na etapa final, designada como de respeito, as representações incluiriam uma diversidade de imagens que não haveria mais diferenças

 

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significativas no tratamento do grupo minoritário. Já que nem se passou pelas fases dois e três, a fase quatro está reservada para poucas celebridades esportivas e artísticas. Claramente os dados demonstram que no Brasil há realmente uma ausência, exceção feita a celebridades, como é o caso de Pelé. Estes resultados mais do que reforçam a posição deste tipo de mídia como retrato de uma situação não reconhecimento e, quando muito, de ridicularização, na escala proposta por Clark (1969), particularmente nos períodos iniciais da pesquisa nos anos 1980-85.

Essed (1991) conceitua o racismo como a exclusão de determinados grupos percebidos como inferiores em função de suas características biológicas ou culturais. A invisibilidade dos afrodescendentes permite afirmar que os mais de um século de liberdade formal, desde a Lei Áurea de 1888, não foram capazes de modificar a noção da superioridade branca própria ao racismo e a sua expressão nos jornais paulistas de grande circulação. Embora este estudo tenha focado principalmente em afrodescendentes para testar o modelo de Clark (1969) no contexto brasileiro em jornais impressos, seria útil testar esta abordagem longitudinal em outros objetos de estudo, como, por exemplo, propagandas em televisão ou revistas em recortes temporais distintos. Por fim, há que indicar a possibilidade de verificar a proposição testada em outras mídias e veículos, tais como a televisão e principalmente a propaganda na internet, veículo que ganha espaço crescente no universo das propagandas, com a utilização de outras linguagens e conteúdos testando o modelo de representação de Clark (1969).

A pesquisa elaborada nas três décadas de propagandas nos jornais paulistas, longe de ser surpresa, confirma as declaração de Silva Ramos na Introdução do livro “Mídia e racismo”:

Discutir as dinâmicas da mídia frente às questões de raça e etnicidade é, em grande medida, discutir as matrizes do racismo no Brasil. Os meios de comunicação são, por assim dizer, um caso-modelo de reprodução das nossas relações raciais. [...] além de ser um caso exemplar de mecanismos de reprodução das relações raciais, a mídia desempenha um papel central e único na produção e manutenção do racismo. (Ramos, 2007, pp. 8-9).

Do ponto de vista do método, propõe-se ampliar o conhecimento nesta área

explorando mais as técnicas que hoje são utilizadas em outros centros de pesquisa, como análise de conteúdo quantitativo e o experimento. Ainda pouco exploradas, estes métodos podem influenciar positivamente os trabalhos até hoje dominados pelas técnicas descritivas, melhorando o conhecimento acumulado.

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