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VINÍCIUS FERNANDES DA SILVA
UMA ANÁLISE SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA BAIXADA FLUMINENSE COMO CONTRIBUIÇÃO NA
FORMULAÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL
- Em pé ou sentado? -
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional. Orientador Prof.Doutor Mauro Kleiman – IPPUR/UFRJ.
Rio de Janeiro
2014
S586a Silva, Vinícius Fernandes da. Uma análise sobre a mobilidade urbana na Baixada Fluminense como contribuição na formulação de uma sociologia dos transportes no Brasil : em pé ou sentado? / Vinícius Fernandes da Silva. – 2014. 287 f. : il. color. ; 30 cm. Orientador: Mauro Kleiman. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2014. Bibliografia: f. 260-267. 1. Transporte urbano – Baixada Fluminense (RJ). 2. Mobilidade urbana – Baixada Fluminense (RJ). 3. Transportes - Baixada Fluminense (RJ). 4. Transportes - Aspectos sociológicos. 5. Baixada Fluminense (RJ). I. Kleiman, Mauro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 388.4
VINÍCIUS FERNANDES DA SILVA
UMA ANÁLISE SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA BAIXADA FLUMINENSE COMO CONTRIBUIÇÃO NA
FORMULAÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA DOS TRANSPORTES NO BRASIL
- Em pé ou sentado? - Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em: 27 de Fevereiro de 2014
BANCA EXAMINADORA
_________________________________ Prof. Dr. Mauro Kleiman - Orientador Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/UFRJ. _________________________________ Prof.ª Dr.ª Claudia Ribeiro Pfeiffer Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/UFRJ. _________________________________ Prof. Dr. Lenin dos Santos Pires Departamento de Segurança Pública da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense – UFF. _________________________________ Prof. Dr. Manoel Ricardo Simões Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ/ Nilópolis. _________________________________ Dr.ª Márcia Oliveira Kauffmann Leivas Pesquisadora do Grupo CNPq de Pesquisa e Estudos de Hidrologia e Planejamento de Recursos Hídricos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - GRHIP / UERJ.
Resumo
Este trabalho realiza uma análise crítica de obras baseadas no tema dos transportes
urbanos e da mobilidade urbana na Região Metropolitana do Estado do Rio de
Janeiro, mais especificamente entre a Baixada Fluminense e o município do Rio de
Janeiro, discutindo e propondo a construção de uma sociologia dos transportes ou
da mobilidade urbana. Através da observação de identidades e materialidades
territoriais formadas entre os municípios que formam a Região Metropolitana do
Estado do Rio de Janeiro, se buscará aprofundar o conhecimento multidisciplinar
nas práticas de como é o se “transportar” entre os habitantes da metrópole. A
análise tomará como base temporal o mundo contemporâneo, e a emergência do
tema da mobilidade urbana. Utilizando-se de fundamentação histórica para a
compreensão da produção das condições materiais e simbólicas atuais no que se
refere aos transportes urbanos e as respectivas políticas de mobilidade urbana.
Serão utilizados como fonte de pesquisa trabalhos acadêmicos de diferentes áreas
disciplinares que tratem de maneira multidimensional o tema dos transportes
urbanos, além de relatórios técnicos e publicações de entidades privadas e públicas
que reflitam estes serviços. Também serão utilizadas pesquisas realizadas com
usuários e moradores das regiões abordadas em relação às formas de vida pelo
transporte. A tese tem como proposta a formulação teórica para a construção de
uma sociologia dos transportes no Brasil, utilizando como exemplo para a análise as
condições dos deslocamentos urbanos realizados entre Baixada Fluminense e Rio
de Janeiro.
Palavras-Chave: Sociologia dos Transportes. Sociologia da Mobilidade Urbana.
Transporte urbano. Mobilidade. Identidades territoriais. Baixada Fluminense. Rio de
Janeiro. Hierarquias territoriais.
Abstract
This thesis do a critical analysis of works based on the issue of urban transportation
and mobility in the Rio de Janeiro Metropolitan area, specifically between the
Baixada Fluminense region and City Rio de Janeiro, discussing and suggesting the
building of a transportation sociology or urban mobility sociology. By observing
territorial identities and materiality formed between the municipalities that constitute
the Metropolitan area of the State of Rio de Janeiro, it seeks to deepen the
multidisciplinary knowledge about the reality of transportation for the inhabitants of
the metropolis. This analysis is focused on the present time and the growth of the
discussion about urban mobility, using a historical foundation to comprehend the
emergence of the current material and symbolical conditions of urban ways of
transportation and their respective politics of urban mobility. Some of the sources
used in the research include academic theses from a different range of disciplines,
which approach this subject from different points of view, as well as technical reports
and publications from private and public entities responsible for these services.
Interviews* with local users and area residents regarding the way of life,
transportation-wise, will also be used as a source of research. The thesis’ goal is to
make a theoretical formulation of the construction of a transportation sociology in
Brazil, using as a means to the analysis the condition of urban movement between
the Baixada Fluminense region and the City Rio de Janeiro.
Keywords: Transportation sociology. Urban mobility sociology. Urban transportation.
Mobility. Territorial identities. Baixada Fluminense. Rio de Janeiro. Territorial
hierarchies.
Dedico este trabalho a meus avós e que não mais estão. Nelsa, Tuninho, Lilia e
Trajano vejam até onde chegamos... Obrigado e saudades.
AGRADECIMENTOS Ao corpo docente e administrativo do IPPUR/UFRJ. A toda minha família materna e paterna, aos que estão e aos que já se foram. Às famílias Lemos e Oliveira, que me aceitaram em seus corações. Aos meus amigos do coração e da alma, eles sabem quem são. Aos colegas de trabalho e de estudos. Aos meus alunos, pois sempre aprendo a aprender com eles. À Nádia, Francisco, Augusto e Álvaro, sempre digo e repito, tudo que faço em minha vida é pensando em vocês. Um dos valores mais importantes que considero ter aprendido com meus pais e minha família é a gratidão. E de maneira muito sucinta e sincera irei agradecer a três pessoas que, talvez mesmo sem saber, ou sabendo, foram simplesmente fundamentais para que este trabalho chegasse à sua conclusão. Vamos a elas: Zuleika Alves da Cruz, te agradeço pela competência, disponibilidade e apoio a mim e a todos os alunos do IPPUR. Este agradecimento também se estende a todos os funcionários da secretaria de ensino desta instituição. Adrianno Rodrigues, te agradeço por simplesmente possibilitar minha ida ao IPPUR. Uma tese sobre transportes não poderia deixar de agradecer quem deu mobilidade a quem estava precisando. Meu amigo, força sempre! Mauro Kleiman, dias, semanas, meses e anos passarão, e ainda assim não poderei expressar com palavras sua generosidade, amizade, apoio, paciência, humildade, responsabilidade e acima de tudo... compreensão. Sem o senhor, este dia não teria chegado. Agradecer ainda será muito pouco diante da orientação por todo esse tempo, mas ainda sim digo... obrigado. Por fim agradeço à Carla Juliane de Lemos Oliveira como se dissesse... dança!
Lista de Ilustrações
Figura 1- Delimitação realizada pelo IBGE sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro 45
Figura 2- Delimitação realizada pelo CEPERJ-RJ (2011) sobre a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro 45
Figura 3 - Delimitação realizada pela FUNDREM (1977) e que reúne os municípios da RMRJ sobre o
que foi chamada de UUIO – (cidades) Unidas Urbanas Integradas de Oeste, ou também, a “Grande
Iguaçu” 46
Figura 4 - Delimitação realizada pela TurisRio (2011) 46
Figura 5 - Delimitação realizada por Simões (2011) 47
Figura 6 - Estrada de Ferro Rio D’Ouro (1935) 53
Figura 7 - Evolução populacional no município de “Nova Iguaçu” entre 1779 e 1950 56
Figura 8 - Composição do PIB de Nova Iguaçu – 2000 63
Figura 9 - Crescimento populacional 1940-2010 da Região Metropolitana do Rio de Janeiro 72
Figura 10 - Taxa decenal de crescimento populacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro 72
Figura 11 - Leitos públicos por mil habitantes na RMRJ, ano de 2009 74
Figura 12 - Dados IDEB do ensino fundamental na RMRJ, ano de 2009 75
Figura 13 - Concentração de alunos de ensino superior nos municípios da RMRJ, ano de 2008
77
Figura 14 - Concentração de instituições públicas de ensino superior na RMRJ, ano de 2011 78
Figura 15 - Diferenças práticas entre os enfoques técnico, social e sociológico (exemplos) 137
Figura 16 - Características principais das ações relativas às políticas de transporte e trânsito 143
2
Figura 17 – Bloco temático sobre parâmetros de avaliação da mobilidade baseados no Plano
Nacional de Mobilidade Urbana 145
Figura 18 - Esquema para a formulação de uma Sociologia dos Transportes/Sociologia da Mobilidade urbana 160
Figura 19 - “Formas de vida pelos transportes” – Trens 184
Figura 20 - Malha ferroviária urbana da RMRJ – Supervia 189
Figura 21 - Aglomeração do Rio de Janeiro (Cidade do Rio de Janeiro e Municípios da Área
Metropolitana) 190
Figura 22 - “Formas de vida pelos transportes” – Ônibus 191
Figura 23 - “Formas de vida pelos transportes” – Transportes informais 193
Figura 24 - Panfleto de convocação para manifestação pública em frente à ALERJ ocorrida em 30/01/2007 200
Figura 25 - Notícia vinculada ao Movimento Metrô Baixada e a liderança de Mauro Leiroz 204
Figura 26 - Frota de veículos automotores no Brasil por tipo de veículo – 2001 e 2012 212 Figura 27 - Crescimento da frota de automóveis nas 15 principais regiões metropolitanas – 2001 a 2012 213
Figura 28 - Frota de automóveis – Região Metropolitana do Rio de Janeiro (2001 a 2012) 213
Figura 29 - Mobilidade Urbana (D1) segundo as regiões metropolitanas – 2010 222
Figura 30 – Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU – Local) – RMRJ – 2010 224
Figura 31 - Mobilidade Urbana (D1) - RMRJ – 2010 224
Figura 32 - Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %) 227
14
Figura 33 - Qualidade do transporte público em sua cidade: Brasil e Grandes Regiões (em %) 228
Figura 34 - Qualidade do transporte público em sua cidade, por nível de escolaridade (em %) 228
Figura 35 - Viagens diárias em milhares 236
Figura 36 - Viagens realizadas por modo na RMRJ 237
Figura 37 - Viagens por motivo trabalho por modo de transporte 238
Figura 38 - Viagens por motivo trabalho por modo de transporte (2) 238
15
Lista de Tabelas
Tabela 1 – Dados gerais sobre Nova Iguaçu 78
Tabela 2 – Dados gerais sobre Queimados 80
Tabela 3 - Dados gerais sobre Japeri 81
Tabela 4 - Dados gerais sobre Belford Roxo 82
Tabela 5 - Dados gerais sobre Mesquita 83
Tabela 6 - Dados gerais sobre Nilópolis 84
Tabela 7 - Dados gerais sobre São João de Meriti 85
Tabela 8 - Dados gerais sobre Duque de Caxias 86
Tabela 9 - Dados gerais sobre Magé 87
Tabela 10 - Dados gerais sobre Guapimirim 88
Tabela 11 - Dados gerais sobre Itaguaí 89
Tabela 12 - Dados gerais sobre Seropédica 90
Tabela 13 - Dados gerais sobre Paracambi 91
Tabela 14 - Rio de Janeiro e municípios da Área Metropolitana Percentual sobre arrecadação (ICM + ICMS) 190
Tabela 15 - Viagens realizadas por modo principal 193
Tabela 16 - Quantidade de carros período de anos 210
Tabela 17 - Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %) 226
Tabela 18 - Viagens diárias na RMRJ 236
Tabela 19 - Viagens por modo na RMRJ 237
16
Tabela 20 - Tempos médios de viagem por modo de transporte – minutos 239
Tabela 21 - Viagens por habitante por município da RMRJ 240
17
Lista de Abreviaturas e Siglas
ALERJ – Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
BRS – Bus Rapid System.
BRT – Bus Rapid Transit.
CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos
CEFET/RJ – Centro Federal de Ensino Tecnológico Celso Suckow da Fonseca.
CEPERJ - Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos
do Rio de Janeiro.
COI – Comitê Olímpico Internacional.
COOPIGRE – Cooperativa de vans de Igrejinha (nome ficcional).
CTC – Companhia de Transportes Coletivos do Rio de Janeiro.
DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito.
EBTU – Empresa Brasileira de Trens Urbanos.
Emater - Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro.
EUA – Estados Unidos da América.
FIFA – Federação Internacional de Futebol.
FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.
Flumitrens – Companhia Estadual de Trens Urbanos.
FUNDREM – Fundação Para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Geipot - Grupo Executivo de Planejamento de Transportes.
IBEU – Índice de Bem-Estar Urbano.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano.
IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
IFMD – Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal.
IFRJ – Instituto Federal do Rio de Janeiro.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ.
IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
ONU – Organização das Nações Unidas.
PDTU – Plano Diretor dos Transportes Urbanos do Rio de Janeiro.
PIB – Produto Interno Bruto.
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar do IBGE.
PND – Plano Nacional de Desenvolvimento.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
PPGSA – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS/UFRJ.
REDUC – Refinaria de Duque de Caxias.
18
RMRJ – Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.
SEDEBREM - Secretaria de Estado de Desenvolvimento da Baixada e da Região Metropolitana.
SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
SIPS – Sistema de Indicadores de Percepção Social do IPEA.
TCE – Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.
TurisRio - Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro.
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
UFF – Universidade Federal Fluminense.
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
UUIO – (cidades) Unidas Urbanas Integradas do Oeste.
VLT – Veículo Leve sobre Trilho
19
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 21
1.1 Apresentação................................................................................................................... 21
1.2 Problemática.................................................................................................................... 24
1.3 Relevância........................................................................................................................ 30
1.4 Objeto(s) de pesquisa..................................................................................................... 32
1.5 Hipótese ................................................................................................................ 35
1.7 Descrição da tese............................................................................................................ 39
2 CAPÍTULO 1: BAIXADA FLUMINENSE – HISTÓRIA, FORMAÇÃO E TERRITORIALIDADES.................................................................................................. 41
2.1 A configuração territorial da Baixada Fluminense ...................................................... 41
2.1.1 Introdução............................................................................................................... 41
2.1.2 O conceito Baixada Fluminense............................................................................. 42
2.1 Formação e expansão territorial e econômica.................................................. 48
2.2.1 História(s) e território(s).......................................................................................... 48
2.2.1. Os trens e a expansão urbana............................................................................... 51
2.2.2 Economia e história................................................................................................ 53
2.2.2.1 Primeiros anos, século XIX e primeira metade do século XX................................ 53
2.2.2.2 Século XX: Anos 1930 até 1970 ............................................................................ 57
2.2.2.3 Século XX: Anos 1970 aos anos 2000 e as tendências contemporâneas ............ 59
2.2.3 Baixada Fluminense e identidades territoriais ....................................................... 64
2.3 Dados sobre população, saúde e educação públicas na Baixada Fluminense71
2.4 Dados gerais......................................................................................................... 78
2.4.1 Nova Iguaçu ........................................................................................................... 78
2.4.2 Queimados ............................................................................................................. 80
2.4.3 Japeri...................................................................................................................... 81
2.4.4 Belford Roxo........................................................................................................... 82
2.4.5 Mesquita ................................................................................................................. 83
2.4.6 Nilópolis .................................................................................................................. 84
2.4.7 São João de Meriti ................................................................................................. 85
2.4.8 Duque de Caxias.................................................................................................... 86
2.4.9 Magé....................................................................................................................... 87
2.4.10 Guapimirim ............................................................................................................. 88
2.4.11 Itaguaí..................................................................................................................... 89
2.4.12 Seropédica ............................................................................................................. 90
2.4.13 Paracambi .............................................................................................................. 91
3 CAPÍTULO 2: CONTEXTO TEÓRICO E METODOLÓGICO – TERRITÓRIO, IDENTIDADE, MOBILIDADE URBANA E MÉTODO ............................................... 92
20
3.1 Território: tempo, espaço e urbanização...................................................................... 92
3.1.1 Reflexões e “saídas”................................................................................................... 98
3.2 Território e identidade: conceitos e usos..................................................................... 99
3.3 Mobilidade(s) urbana(s)................................................................................................ 106
3.4 Segregação urbana e o espaço intra-urbano............................................................. 113
3.5 Aspectos teórico-metodológicos ................................................................................ 119
3.5.1 A contribuição de uma sociologia compreensiva ..................................................... 119
3.5.1.1 Simmel: conteúdos, formas e sociabilidades ........................................................ 119
3.5.1.2 Weber e os “tipos ideais”....................................................................................... 123
3.5.2 A mobilidade urbana na RMRJ e a sociologia configuracional de Norbert Elias ..... 127
3.5.2.1 Winston Parva, Rio de Janeiro e Baixada Fluminense ......................................... 129
3.6 Transportes, circulação e mobilidade: Uma sociologia possível? .......................... 134
3.6.1 Sobre uma “sociologia dos transportes”................................................................... 140
3.6.2 Mobilidade urbana: o debate contemporâneo.......................................................... 143
3.6.3 Por uma “nova” sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade? .............. 148
3.6.3.1 Transportes ou Mobilidade urbana?...................................................................... 158
3.7 Metodologia utilizada.................................................................................................... 161
4 CAPÍTULO 3: CONTEXTO EMPÍRICO – REVISÃO CRÍTICA DAS “FORMAS DE VIDA PELO TRANSPORTE”, ANÁLISE DE DADOS SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA RMRJ .............................................................................................................................. 170
4.1 Transportes urbanos: Um estado das artes............................................................... 170
4.2 Quadros sinópticos das “formas de vida pelo transporte”...................................... 183
4.2.1 Trens......................................................................................................................... 183
4.2.2 Ônibus ...................................................................................................................... 191
4.2.3 Transportes informais: Vans, kombis, mototáxis...................................................... 193
4.2.4 Barcas e o Metrô ...................................................................................................... 200
4.2.5 Automóveis: Um caso à parte? ................................................................................ 204
4.3 Considerações acerca de um “tipo ideal”. ................................................................. 214
4.3.1 “Tipo ideal” da oferta de transportes urbanos na RMRJ .......................................... 215
4.4 Análise de dados sobre as percepções da mobilidade urbana ............................... 220
4.4.1 IBEU – Índice de Bem-Estar Urbano........................................................................ 220
4.4.2 Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)................................ 225
4.4.3 Algumas considerações ........................................................................................... 230
4.5 Análise de dados sobre pesquisa Origem/Destino das viagens na RMRJ ............. 235
4.5.1 Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU) – 2011 ........................................... 235
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 241
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 260
21
1 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação
Uma das grandes questões para a realização da ciência, principalmente nas
ciências humanas, ou no desenvolvimento de um conhecimento sistemático e
aprofundado, perpassa pelas escolhas dos objetos a serem observados,
pesquisados e apresentados, através do pensamento analítico, à comunidade
acadêmica. Alguns autores mais ligados à psicologia, ou filiados a diferentes linhas
da psicanálise, acreditam que a escolha de um objeto de pesquisa, ou propriamente
um tema recorrente para um pesquisador ou pensador, está diretamente relacionado
a aspectos importantes da vida material e/ou subjetiva deste ator social e indivíduo.
Alguns outros autores acreditam que essas escolhas podem ser aleatórias e que,
após o objeto ser definido, as nuances e especificidades do mesmo irão se arraigar
na vida do (a) cientista de maneira a fazê-lo se aproximar ou afastar deste mesmo
objeto. Acredito que os dois pensamentos possuem convergências e são, até certo
ponto, complementares.
Em meu caso, especificamente, o tema dos transportes urbanos sempre
esteve presente em minha vida, materialmente e simbolicamente. Sendo a quarta
geração de famílias de imigrantes e moradoras de um bairro, posteriormente
município, da Baixada Fluminense, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ) do Estado do Rio de Janeiro, minha vida sempre esteve diretamente ligada
a laços materiais, simbólicos e identitários relacionados a esse território, a Baixada.
Minha infância; formação básica; redes individuais, institucionais e sociais; foram
todas “nascidas” e desenvolvidas no contexto próprio dos territórios adjacentes ao
núcleo central da grande metrópole fluminense, que é a cidade do Rio de Janeiro.
De certa maneira posso adiantar que existem proximidades nesta minha construção
individual e social ao que já foi tradicionalmente estudado e reconhecidamente
denominado de “cultura do subúrbio” ou “cultura suburbana”. Há, portanto, a
construção de um caráter formativo a um determinado ethos1 pessoal, ligado a uma
cultura específica do subúrbio carioca, mas que não acredito ser o rebatimento exato
do que é ser morador da Baixada Fluminense, em comparação ao que é ser 1Utilizo este conceito pautado nas observações de Max Weber, e na tradição alemã do individualismo metodológico, que visa identificar os sentidos da ação humana, através dos grupos sociais, em relação aos desejos e interesses individuais, levando em consideração seus contextos históricos e pertencimentos culturais, institucionais e sociais.
22
morador de um bairro que ainda pertence aos limites territoriais da cidade do Rio de
Janeiro.
Quase todos os moradores de subúrbios e periferias possuem uma relação
intrínseca com os transportes coletivos urbanos e sofrem a influência direta das
políticas de mobilidade urbana, pelo fato de grande parte deste contingente
populacional não possuir capital para comprar veículos automotores (carros), pelas
dificuldades em se circular pelo Centro e Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e o
alto custo para se transitar e estacionar nas ruas destas regiões para quem possui
automóvel, devido a uma política de ordenamento urbano pautado em multas, falta
de vagas em estacionamentos públicos e o alto preço cobrado nos estacionamentos
privados, entre outros muitos fatores que serão abordados nesta tese.
Minha adentrada ao “mundo” dos transportes urbanos, em seu caráter
intermunicipal, se realizou praticamente de maneira ritualística. Com quatorze anos
havia passado em concurso público para estudar no Centro Federal de Ensino
Tecnológico Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), situado no bairro do Maracanã,
na cidade do Rio de Janeiro. Meu pai então decidiu-me “ensinar” como andar de
trem. Fomos eu e ele para a estação de Juscelino Kubitschek em Mesquita (até
então distrito da cidade de Nova Iguaçu), antes do início das aulas, e todo o
ensinamento teve início: Qual a plataforma certa; Qual vagão pegar; Onde ficar
dentro do vagão; Como se comportar dentro do vagão; Quais os perigos; Quem
confiar (principalmente em quem NÃO confiar); O que não deveria nunca fazer; A
quem pedir ajuda, etc. Seus ensinamentos estavam pautados em sua própria
experiência como usuário dos trens em sua juventude e começo de vida adulta,
onde utilizava os serviços da antiga Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)
para a realização das viagens entre Baixada Fluminense e Centro do Rio de Janeiro,
e a sua percepção clara do sucateamento e perigos oferecidos pelos trens no início
da década de 1990.2.3
2No final dos anos 1980 e começo dos anos 1990 a prática do “surf ferroviário” era o grande destaque da mídia, onde em composições hiperlotadas jovens andavam até a Central do Brasil encima dos vagões, com um alto índice de mortalidade. Também é neste momento que se pode perceber um sucateamento cada vez mais presente na manutenção e qualidade nos serviços oferecidos pelos trens urbanos. 3Neste momento é clara, em minha memória, a morte de um jovem vizinho que morreu “surfando” nos trens, e o temor de meus pais com essa situação. Além de ter um tio que não conheci e faleceu quando caiu de uma composição em movimento, batendo com a cabeça no trilho e morrendo na hora. Este acidente aconteceu entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 1950 (não sei precisar a data) e foi um grande marco familiar.
23
Após os cinco anos em que estudei no CEFET/RJ, me formando em Técnico
em Estradas, percebi que minha vida profissional ligada à Engenharia Civil não me
levaria à satisfação pessoal, e no início dos anos 2000 adentrei ao curso de ciências
sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) – da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao final do ano de 2004, já próximo do término de minha
graduação e próximo da tentativa do mestrado, a ideia ligada ao tema dos
transportes urbanos voltou com força às minhas questões acadêmicas, e ficou claro
a importâncias do trem, e dos transportes urbanos em geral, para meus
questionamentos pessoais e intelectuais.
Ao final de meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia (PPGSA) do IFCS/UFRJ, apresentei uma dissertação que foi a
tentativa de uma compreensão mais profunda sobre uma cooperativa de vans que
fazia as viagens, ou “jornadas urbanas4”, entre Baixada Fluminense e localidades do
Rio de Janeiro, unindo a periferia ao núcleo da metrópole. Realizei um estudo de
caso em que tentei compreender de maneira complexa o funcionamento de uma
cooperativa de vans, buscando superar a perspectiva vigente e superficial que
atrelava quase que exclusivamente este novo serviço e modal de transporte à
ilegalidade, banditismo e máfia. Também busquei nesse trabalho observar as
nuances identitárias ligadas ao território que era a sede da cooperativa, tentando
correlacionar identidade, território, transportes, as relações entre grupos sociais de
diferentes localidades e suas ações no mundo a partir dessas premissas.
Em meu doutoramento no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional (IPPUR) da UFRJ, pretendo me aprofundar ainda mais nestes aspectos,
através do acúmulo de minha experiência anterior, da produção acadêmica acerca
dos transportes urbanos já produzidos nesse ínterim, nas novas leituras e
alargamento de meus conhecimentos teóricos e metodológicos, nos ensinamentos
de meus professores e do convívio com muitos alunos/colegas ao longo desse
período para, finalmente, analisar as representações percebidas por esses
indivíduos/atores em “seus” territórios, o sistema de transportes e a forma de se
transportar, além da operacionalização dessas representações quanto às condições
efetivamente materiais e subjetivas das ações desses indivíduos na vida urbana.
4Caiafa (2002).
24
1.2 Problemática
O tema dos transportes coletivos é apontado e observado há muitos anos
dentro das dinâmicas vividas e experienciadas nos espaços urbanos, principalmente
porque interfere de maneira decisiva em uma das disposições principais para o
fazer-se das cidades que são os deslocamentos urbanos. E dentro destes
deslocamentos podemos verificar as conceituações e percepções de como os
citadinos/cidadãos podem se transportar pelos centros urbanos, suas periferias e
regiões. A mobilidade urbana, inclusive, torna-se fundamental para inclusão dos
indivíduos nos aspectos que norteiam as condições básicas de integração à própria
noção de cidadania, facilitando ou atravancando o acesso ao trabalho, lazer, cultura,
moradia, entre outras atividades possíveis nas grandes cidades. Pode também
fornecer possibilidades de contato entre os “diferentes”, propiciando o convívio com
a alteridade, com o outro, com o não-igual, abrindo uma possibilidade de “fuga”
(CAIAFA, 2002).
Os transportes coletivos urbanos podem ser analisados através de diversos
enfoques ou recortes. Barat (1975) realiza um estudo e levantamento históricos
sobre a criação e oferta dos transportes coletivos no Estado do Rio de Janeiro,
especificamente na RMRJ, ressaltando as condições geográficas e principalmente
políticas no que tange as escolhas para o oferecimento de meios de transportes
para os diversos segmentos sociais do Rio de Janeiro através do tempo. Suas
observações relatam que os percursos realizados seguiram primeiramente o
caminho dos “vapores” que navegavam pela Baía de Guanabara; posteriormente
tivemos a implementação das linhas férreas em meados do século XIX e
prosseguindo até a primeira metade do século XX; com seus deslocamentos
obedecendo as distâncias entre o centro e as periferias; e por fim, a hegemonia dos
ônibus, a partir da década de 1950, com os processos de privatização desse serviço
público e principal opção de mobilidade urbana desde este período.
Freire (2001) vai realizar uma leitura específica nos períodos compreendidos
entre 1906 e 1948, e mais detalhadamente nas disputas do monopólio no controle
dos transportes urbanos pela antiga Companhia Light e os primeiros empresários
autônomos de ônibus5, e o gradativo processo de substituição do transporte
5Que se tornariam, anos depois, em oligopólios familiares denominadas popularmente como “as empresas de ônibus”.
25
realizado pelos bondes para os deslocamentos feitos por ônibus, assim como o
“loteamento” do controle das linhas e composições para interesses e atores
privados.
A pesquisa histórica se torna fundamental para a compreensão das escolhas
do passado, e que delinearam como os deslocamentos urbanos são realizados no
presente e na vida cotidiana das cidades, porém é importante ressaltar as mudanças
e dinâmicas que se colocam diante das novas disposições e necessidades, tanto
dos indivíduos que transitam pelos espaços urbanos, como também dos próprios
centros urbanos como metrópoles, com suas especificidades e desafios colocados
pela e na contemporaneidade.
A partir da década de 1990, já com a adentrada de um novo governo
democrático no Brasil e de mudanças significativas em âmbito mundial, em suas
esferas econômicas, políticas, sociais e urbanas; podemos refletir sobre um novo
papel das cidades dentro dessas transformações e configurações, principalmente do
mundo do trabalho e produtivo, na qual muitos autores denominam este período de
mudanças, contado a partir da década de 1970, como “pós-modernidade”, entre
alguns outros nomes e conceitos que ainda serão criados para dar conta deste
presente/futuro.
De fato as cidades passam a ter um papel fundamental e são protagonistas
como locais onde as novas formas de relação entre capital e trabalho irão se
desenvolver, pois se modificam as relações e estruturas entre indivíduos e o espaço
urbano, possibilitando a inserção e protagonismo cada vez maior de uma
individualidade e da autonomização das pessoas, muito devido ao enorme processo
de flexibilização do mundo produtivo, do aumento expressivo do setor terciário, da
informalidade e do ganho de tempo devido às novas tecnologias. Além desse
processo sociológico, as cidades também se reinserem em uma nova ordem e
paradigma internacional das “metrópoles-produtos”, globalizadas, onde cada cidade
e/ou conglomerado urbano deve ofertar vantagens ou qualidades específicas que
possam atrair capitais e empresas de todo o mundo, possibilitando assim que estas
cidades possam se reproduzir em seus campos mais dinâmicos a partir da lógica da
facilitação dos fluxos e mobilidade do capital, e que nem sempre se traduzem nos
fluxos e mobilidades das pessoas que vivem e necessitam “transitar” por estas
cidades.
26
O Rio de Janeiro, no momento presente, é protagonista dos dois maiores
eventos esportivos do planeta. Primeiramente por ser um dos dois principais
Estados da Federação, conjuntamente com São Paulo, sendo sede de jogos e do
jogo final da Copa do Mundo de 2014, evento de âmbito mundial. Este protagonismo
se exacerba porque a cidade do Rio de Janeiro também será a sede das Olimpíadas
de Verão de 2016. Além de ter sido sede do maior evento mundial de
sustentabilidade, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo
brasileiro em 2012, a Rio +20 e de ter sediado o Encontro Mundial da Juventude
Católica em Julho de 2013.
Dentro da perspectiva de mudanças e obras estruturais para a cidade e
alguns de seus entornos, o tema dos transportes coletivos urbanos, da mobilidade
urbana e acessibilidade ganham força no debate público e passam a figurar nas
preocupações de governantes, empresários, acadêmicos e da própria população.
Devido a este momento em que os olhos do mundo se encontram diretamente
focados no Rio de Janeiro, alguns movimentos sociais, centros acadêmicos,
universidades, e a mídia (alternando-se em seus interesses de aproximação e
distensão de políticos e governantes) apontam as contradições internas no que se
refere à realização de intervenções urbanas importantes para a cidade do Rio de
Janeiro e a RMRJ.
Existem inúmeras críticas e problemas apontados aos transportes coletivos
urbanos no Rio de Janeiro, e que são de conhecimento público há alguns anos,
porém é interessante perceber que estas críticas sempre foram pautadas em flexões
temporais bastante claras no passado e no presente. Os trens urbanos que ligam
subúrbio e Baixada Fluminense ao Centro do município do Rio de Janeiro; as Barcas
que fazem os trajetos do bairro da Ilha do Governador e das cidades de Niterói e
São Gonçalo ao Centro; o Metrô que liga bairros do subúrbio também ao Centro e
Zona Sul da cidade; as inúmeras linhas de ônibus, vans, kombis e mototáxis que
cruzam e interligam a RMRJ; os automóveis que transitam todos os dias e os dias
inteiros pelas ruas e estradas do tecido urbano; todas essas possibilidades de
locomoção (e suas dificuldades) e modais realizam o transporte de massa diário e
revelam as contradições cotidianas vivenciadas no presente e oriundos de escolhas
do passado.
Com o advento dos grandes eventos no Rio de Janeiro, essa flexão temporal
ganhar novos contornos. As obras de implementação para novas maneiras de se
27
transportar, Bus Rapid Transit (BRT's) e Bus Rapid System (BRS's), expansão de
modais (expansão da Linha 1 do Metrô) e criação de vias expressas para veículos
automotores (Transcarioca, Transolímpica e Transoeste) trazem consigo propostas
de modernização das formas de se locomover oferecidas pelo poder público
municipal e estadual, através de toda sua publicidade midiática, como maneiras
modernas e dinâmicas de integração da cidade e da RMRJ. Porém essas
intervenções urbanas, pautadas principalmente para o... futuro, acabam por revelar
também críticas de atores dispostos a afirmar as contradições e problemas dos
transportes coletivos urbanos de um tempo passado/presente e que neste momento
se mostra, talvez de maneira inédita e em grande escala, mais contundente no que
se refere às intervenções e transformações propostas pelo poder público.
Há uma grande crítica aos aumentos das tarifas praticadas, desde 1970,
pelas empresas privadas que oferecem os serviços públicos para o transporte da
população da RMRJ, aumentando o custo do transporte em quase 10% neste
período (MEGAEVENTOS E VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NO RIO DE
JANEIRO, 2012). Também há o apontamento de que a concentração dos
investimentos possui um caráter territorial bastante marcado e delimitado, indicando
os locais onde o Estado pretende e observa uma valorização, seja de caráter
imobiliário e/ou especulativo, relatando que:
Nesse contexto, os investimentos em transportes para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 estão majoritariamente concentrados territorialmente. Primeiro, há uma forte concentração no município do Rio de Janeiro, lembrando que a região metropolitana tem 20 municípios. E, em segundo lugar, há uma desigualdade na distribuição desses investimentos no interior do município do Rio de Janeiro, com uma concentração maciça na Zona Sul e na Barra da Tijuca (MEGAEVENTOS…, 2012, p.35).
Florentino (2011) chama a atenção para a importante diferenciação entre
mobilidade urbana e o transporte público, onde o primeiro termo é um conceito mais
amplo do que o segundo, tratando-se de uma multiplicidade de possibilidades de
deslocamentos dos indivíduos nos espaços urbanos, onde as formas, facilidades,
modais e interações fazem parte de todo o processo de locomoção integrada ao
urbano. O conceito de “transporte público” pode ser pensando como uma maneira
dimensionada por aspectos de oferta e demanda, em que há estratégias públicas e
28
privadas no oferecimento de meios pelas quais as pessoas, em suas diferentes
motivações, podem se deslocar pelas cidades.
Posteriormente, sob o impacto dos megaeventos a serem realizados no Rio
de Janeiro, Florentino (2011) relata sobre um certo “atropelamento” sofrido por
determinações legais e jurídicas, onde o próprio estado de direito é sobrepujado por
enormes forças e pressões de governos estaduais e entidades internacionais6 no
que tange a celeridade e intensidade das adequações das cidades para a realização
dos eventos pela qual o país foi “contemplado”. Neste contexto é interessante
perceber citar “a situação paradoxal de medidas jurídicas que não podem ser
compreendidas no plano do direito” (AGAMBEN apud FLORENTINO, 2011, p. 46).
As grandes transformações ensejadas, construções e obras para a realização
dos megaeventos citados, trazem mais uma vez um deslocamento relacionado à
vivência em relação ao “tempo” nas cidades, pois interfere de maneira intensa em
duas vias de percepção. Primeiramente nos governos e círculos decisórios, pois há
a real necessidade de aceleração desse tempo para a realização de todos os
compromissos assumidos pelos Estados escolhidos como sedes dos eventos; em
segundo cria-se uma expectativa em relação à população7 que sabe que grandes
mudanças e investimentos irão ocorrer, porém sem saber ao certo qual legado
positivo ou intempéries estarão por vir. Mas neste momento em que o
presente/futuro parece mais aproximado, é que alguns apontamentos acadêmicos e
políticos parecem ser mais audazes no que se refere às observações das
contradições e proposições de novas formulações e percepções acerca do tema.
A mudança de paradigma sobre a mobilidade urbana fica evidenciada no
texto do projeto “Política Nacional de Mobilidade Urbana (Projeto de Lei 166/2010 no
Senado)” em que o termo “transporte urbano” deverá ser substituto por “mobilidade
urbana”, tornando mais complexo e completo o olhar público sobre as formas de
deslocamento e interação urbanos. Há a proposição, através de uma visão crítica,
mas também integradora, na questão da mobilidade, de uma série de tópicos a
serem levados em consideração na construção de políticas de mobilidade urbana,
onde os meios de transportes são levados em consideração como instrumentos que
estejam integrados a uma vivência da cidade, e que seja mais democrática,
6No caso da Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol – FIFA ‐ e das Olimpíadas o Comitê Olímpico Internacional – COI ‐, e todas as empresas e interesses incluídos em suas ações e determinações. 7Quase sempre na sua totalidade informada pelo filtro das grandes mídias.
29
inclusiva, eficiente e igualitária. Entre os tópicos a serem considerados como
parâmetros propostos para uma “nova” visão e análise da mobilidade urbana, tendo
como base de observação a “Política Nacional de Mobilidade Urbana”, estão
concentrados: “1) Processo de Formulação/ Ciclo de gestão; 2) Diversificação
modal; 3) Conforto para usuário de transporte público; 4) Inclusão social; 5)
Qualidade ambiental; 6) Integração com política de uso e ocupação de solo e 7)
Segurança como principal política mobilidade (e não fluidez)” (FLORENTINO, 2011,
p. 53).
Esta inflexão temporal nas dificuldades dos transportes urbanos e da
mobilidade urbana, em tempos de “pós-modernidade”, parecem introduzir uma
problemática mais ampla, e que deve levar em consideração que a cidade, os
espaços urbanos e mais especificamente as metrópoles, estão sempre em um
processo pungente de transformações, e que parecem sempre em defasagem com
as necessidades dos indivíduos e grupos sociais que se “utilizam” das cidades, que
circulam em suas ruas e avenidas, que são usuários dos serviços de transportes
públicos, de gestão privada, e também utilizam seus carros particulares.
O caso do Rio de Janeiro evidencia um amálgama que pode nos revelar como
os transportes urbanos, e suas habilidades e inabilidades, podem representar,
serem resultados e criar grandes contradições sociais e territoriais do espaço
urbano. Resultado de uma série de decisões e escolhas históricas, e que possuem
rebatimentos no presente, e provavelmente no futuro, porém diretamente
engendradas nas questões contemporâneas relacionadas à mobilidade urbana, aos
“acessos” à cidade pelos diversos segmentos sociais, à segregação territorial, à
desvalorização simbólica de determinadas áreas urbanas em relação a outras, ao
estigma social de moradores de regiões menos favorecidas materialmente e
simbolicamente, entre outras possibilidades de reflexão. Porém são claras as
possibilidades que a mobilidade urbana, e, portanto, os transportes urbanos podem
nos revelar sobre a vivência da cidade, tanto de forma material quanto subjetiva,
sociológica, não sendo somente pano de fundo para o “só se transportar”, mas
produzindo de maneira efetiva fatos8 e interações sociais.
8“Mas, para que exista o fato social, é preciso que pelo menos vários indivíduos tenham misturados suas ações, e que desta combinação se tenha desprendido um produto novo. E como esta síntese tem lugar fora de cada um de nós (uma vez que para ela concorre uma pluralidade de consciências), seu efeito é necessariamente fixar, instituir, certas maneiras de agir, certos julgamentos que existem fora de nós e que não dependem de cada vontade particular tomada à parte (…)” (DURKHEIM, 1978, p.30).
30
1.3 Relevância
Evidencia-se a importância do tema da mobilidade urbana no debate
contemporâneo e nos apontamentos recentes quanto à emergência dos estudos
sobre a oferta dos transportes urbanos. Ainda hoje os estudos acadêmicos e
técnicos relacionados à mobilidade urbana ainda se concentram nas áreas das
Engenharias de Tráfego, Produção (entre outras), do Urbanismo e da Arquitetura.
Porém na última década percebemos um maior interesse das ciências sociais, e
também de outras ciências humanas, quanto às dinâmicas sociais produzidas por
relações mediadas, intermediadas e forjadas pelo uso dos transportes urbanos.
Trabalhos realizados por áreas como a Sociologia, a Antropologia, o Serviço Social,
a História, a Memória Social, a Comunicação Social e o Planejamento Urbano
reiteram a multiplicidade de olhares e recortes que podem ser contemplados pelas
possibilidades geradas pelo uso dos dispositivos de mobilidade oferecidos à
população que vive nas grandes metrópoles.
Kleiman (2011), através do Planejamento Urbano e suas
multidisciplinaridades, relata sobre as inovações propostas para a mobilidade urbana
da RMRJ, apontando a dinamização dos transportes através do “surgimento” de
vans, kombis e mototáxis910 e sobre as implementações das “Faixas Exclusivas
(BRS) e Corredores Expressos de Ônibus (BRT), e, por outro ângulo a busca de
renovação de investimentos no modal ferroviário com a proposta de introdução do
Veículo Leve sobre Trilho (VLT), assim como a expansão do Metrô como linha única,
e linha em Niterói, e investimentos na melhoria dos trens” (KLEIMAN, 2011, p. 1).
Além de verificar as mudanças das configurações territoriais na RMRJ a partir de
1995 e realizar a crítica de que as propostas contemporâneas sobre a mobilidade
urbana não conseguem atingir ou absorver as necessidades das populações
residentes nestes territórios, o autor ressalta para as particularidades que cada
modal permite ao tecido urbano e a forma como esses modais atendem as
diferentes camadas sociais.
9Esses “novos” modais possuem várias denominações midiáticas e públicas, mas aqui serão conceituados como “transportes informais”. 10 Ver Mamani (2004) e Silva (2007).
31
É interessante notar as estratégias de utilização dos modais para a realização
dos deslocamentos urbanos, onde a “morfologia difusa"11 dos territórios, e suas
necessidades, irão interagir com a população dos centros, sub-centros, periferias e
centralidades locais, de acordo com as possibilidades materiais e simbólicas,
tornando-se assim complexos e atomizados os deslocamentos e suas motivações,
por mais que ainda sejam percebidos e existentes os fluxos e “picos” de transportes
entre centro e o peri-urbano nos horários de “rush”, obedecendo à lógica do
deslocamento “lar x trabalho / trabalho x lar”.
A discussão sobre os rumos possíveis para o aumento da eficácia da
mobilidade urbana através da expansão dos modais dos transportes urbanos e
condições de moradia/habitação, levando-se em consideração a linha temporal
presente/futuro, mas sem negar ou apagar as resultantes históricas, podem ser
conjugadas com uma discussão sobre as identidades territoriais. A estratificação
social está relacionada às condições econômicas e materiais dos indivíduos que
vivem nas cidades, mas também se relaciona com a interação das percepções
hierárquicas de pertencimento a territórios mais valorizados ou menos valorizados.
Historicamente fica clara essa hierarquização na observação do binômio “favela x
cidade”, onde a primeira surgia como a negação de qualquer possibilidade de
“civilização” fora do aparato urbano. Com o passar do tempo essas percepções
foram se modificando, e hoje, mesmo que de forma ainda desigual, a favela passar a
ser resignificada pelos “moradores do asfalto”.
Da mesma forma a região da Baixada Fluminense parece carregar um
“estigma” de inferioridade perante o município do Rio de Janeiro, essa diferenciação
pode se utilizar de algumas explicações históricas, pois a Baixada foi uma região
habitada por imigrantes e pelas camadas mais pobres da população no momento de
expansão da urbanização da capital Rio de Janeiro na década de 1930, ou então
devido a uma forte exposição midiática sobre a Baixada Fluminense entre as
décadas de 1970 e 1980, devido aos grupos de extermínio e os altos índices de
assassinatos na região. Com o passar das últimas décadas ocorreram
transformações importantes nas cidades que formam a Baixada Fluminense, porém
uma “percepção simbólica e social” de inferioridade territorial ainda é persistente e
11Kleiman (2011, p. 9).
32
seu “diálogo” com a mobilidade urbana através de uma linha temporal se faz
pertinente estudar e aprofundar neste momento.
1.4 Objeto(s) de pesquisa
O objetivo deste trabalho é verificar através da análise de artigos acadêmicos,
pesquisas etnográficas e quantitativas, e relatórios técnicos sobre a interação entre
elementos relacionados a identidades territoriais e a oferta de mobilidade urbana,
utilizando como fonte de observação a possibilidade de construção de uma
“sociologia dos transportes” ou de uma “sociologia da mobilidade urbana”, focando-
se na observação da relação dos deslocamentos urbanos entre Baixada
Fluminense, Rio de Janeiro e a própria mobilidade urbana.
O recorte desta pesquisa será a mobilidade urbana entre regiões
consideradas conurbadas dentro da metrópole carioca. Os deslocamentos urbanos
realizados pela população da RMRJ, mais especificamente entre Baixada
Fluminense e o município do Rio de Janeiro servirão como objeto de observação de
como os serviços públicos para a mobilidade urbana, através dos transportes
urbanos, são oferecidos para os seguimentos populacionais e seus diferentes locais
de moradia e trabalho. Utilizaremos considerações contemporâneas sobre a
mobilidade urbana, onde será analisada a oferta dos transportes urbanos,
considerando as resultantes das escolhas e ações políticas do passado, e os
apontamentos e propostas para o futuro da metrópole que receberá grandes eventos
internacionais, sendo este futuro cada vez mais “presente”, no que se refere o tema
da mobilidade urbana. Mais do que estudar as condições materiais e de eficácia dos
transportes urbanos, e que são fundamentais para a construção de parâmetros de
qualidade e acesso aos espaços e dispositivos urbanos, a intenção deste trabalho é
verificar outros fatores paralelos ou “imbricados” ao ato de se “transportar” pelas
ruas, avenidas e municípios da RMRJ.
Nosso objeto de pesquisa será o aprofundamento e análise de teses,
livros, artigos científicos, relatórios técnicos, pesquisas qualitativas e quantitativas de
natureza multidisciplinar, e que tem como objeto principal a mobilidade urbana e as
33
“formas de vida pelo transporte” na metrópole do Rio de Janeiro. Estes trabalhos
analisados abordam de maneira bastante heterogênea o conhecimento sobre os
fenômenos sociais e urbanos relacionados aos transportes urbanos, principalmente
no caso da metrópole carioca. Essa tese pretende realizar um minucioso quadro
descritivo, comparativo e analítico, fazendo as aproximações e distanciamentos
necessários para a busca de um esquema explicativo que evidencie as nuances dos
trabalhos utilizados, suas complementaridades, e que se possa analisar de maneira
abrangente e multifatorial as produções e efeitos dos transportes urbanos na RMRJ.
Um questionamento que pode ser feito é sobre a especificidade da Baixada
Fluminense como território a ser observado e na tentativa de construção de um olhar
sociológico sobre as diferenças na oferta e políticas de transporte e de mobilidade
urbana. É interessante ressaltar que existem desigualdades de mobilidade e
segregação urbana, seja ela de cunho residencial ou na oferta das melhores
condições de trabalho, por toda a RMRJ. Pensar em municípios como São Gonçalo,
Itaboraí, Itaguaí e bairros como Bangu, Campo Grande, Santa Cruz, Guaratiba,
Sepetiba e alguns outros entre as Zona Norte e, principalmente Zona Oeste, da
cidade do Rio de Janeiro, certamente é pensar em enormes dificuldades em se
locomover no dia-a-dia do trabalho ou na simples tentativa de se chegar às praias da
Zona Sul. Não é um privilégio dos municípios ou da população da Baixada
Fluminense as dificuldades de mobilidade urbana. Porém mais do que um
apontamento de haja uma desigualdade maior entre uma região ou outra, ou de se
pensar em um possível vitimização a priori de um território em relação a outros
territórios, é necessário delimitar que o objeto de escolha sendo a Baixada
Fluminense reflete-se pelo conhecimento vivificado e anterior de quem realiza esta
tese.
Mais do que afirmar e a tentativa de “provar” as desigualdades facilmente
verificadas nos dados apresentados em relação aos números de desenvolvimento
humano, econômico e social, da maioria dos municípios da Baixada Fluminense, e
das evidentes deficiências também da mobilidade urbana encontrada nestes
municípios, estes mesmos números também poderão ser encontrados em outros
municípios que não fazem parte desta região ou até mesmo bairros da cidade do Rio
de Janeiro, como já descrito acima.
O mais importante a se ressaltar na escolha da Baixada Fluminense como
objeto de análise e comparação nas relações da mobilidade urbana e na oferta dos
34
transportes urbanos, pauta-se pelo interesse sociológico em desvelar algumas
características próprias e relativas ao pertencimento a esta territorialidade. Desta
forma algumas perguntas e questionamentos podem ser realizados especificamente
a este objeto: As deficiências de mobilidade são “iguais” em relação a todos os
municípios que circundam o município do Rio de Janeiro? Como se dá a questão
das identidades em relação ao pertencimento a determinadas cidades? Os
moradores de bairros pobres da cidade do Rio de Janeiro ainda são “cariocas”, e os
moradores pobres de outros municípios? Ser gonçalense possui o mesmo
significado que ser niteroiense? Ser iguaçuano aciona os mesmos direitos que ser
carioca “da gema”? Os investimentos públicos nos dispositivos de ampliação da
mobilidade urbana estão espalhados pelos 20 municípios que compõem a Região
Metropolitana? Onde estão concentradas as obras de ampliação de mobilidade
urbana na RMRJ?
Sabemos que nem todas estas perguntas poderão ser respondidas por este
trabalho, mas na perspectiva ampla da sociologia que estamos propondo, e
pensando, algumas respostas referentes a estas perguntas poderiam ser
alcançadas, ou pelo menos aproximadas em uma tentativa sociológica
compreensiva. A Baixada Fluminense como objeto proposto para a análise que aqui
se pretende realizar, serve como possibilidade de se verificar alguns “conteúdos” e
“formas” específicas em relação aos deslocamentos urbanos da população que
transita cotidianamente no espaço conurbado urbano e que procura se locomover
nos fios inconstantes e, às vezes, perigosos do tecido urbano. Nosso objeto está
delimitado à existência de uma constante precariedade na mobilidade urbana de
quem não vive nos núcleos altamente valorizados da Região Metropolitana, mas a
proposta que esta sociologia se coloca é discutir se essas precariedades se realizam
da mesma forma, se resultam nos mesmos efeitos e como interferem na vida
cotidiana de milhões de pessoas de forma relacional. As “formas de vida pelo
transporte” podem ajudar a revelar algumas destas perguntas, pelo menos é no que
acreditamos neste trabalho.
Os objetos analisados nesta tese, trabalhos acadêmicos, relatórios e
apresentações de dados, atuam na perspectiva de fornecer subsídios para a
formulação de arcabouço teórico-metodológico necessário para a construção de um
campo da sociologia, que aqui denominamos como sociologia dos transportes ou da
mobilidade urbana. A tentativa de construção deste campo só poderá ser efetivada
35
através da contribuição e análise crítica sobre o grande acúmulo já realizado sobre o
tema, mesmo que não tenha ocorrido um exercício anterior de agregação de todas
as vertentes e áreas que se preocuparam com o mesmo objeto, com seus distintos
enfoques e em diferentes momentos da História de formação das grandes cidades e
conglomerados metropolitanos no país.
1.5 Hipótese
Ineficiência e eficiência, qualidade e precariedade, rapidez e demora,
pontualidade e atraso, são binômios muito utilizados e reproduzidos pelos usuários
dos transportes urbanos, porém estes seriam os únicos fatores, resultantes e/ou
determinantes das desigualdades na mobilidade urbana?
Dois outros fatores parecem importantes e devem ser considerados na
construção sobre o que seria o conhecimento sobre o acesso aos transportes para
todas as classes e grupos sociais. A primeira é a constituição de uma identidade
territorial arraigada entre as regiões e localidades onde vivem os indivíduos que se
deslocam no perímetro urbano, já inserindo suas “identidades” valorizadas ou
desvalorizadas na hierarquia social urbana através da História. Talvez mais
importante do que a própria identidade territorial percebida pelos
moradores/habitantes/nascidos destes territórios são as interações e percepções
coletivas em que essa identidade é decodificada e assumida por todos os habitantes
das diferentes localidades que configuram a RMRJ. O segundo fator se refere ao
próprio transporte urbano como gerador e criador destas “identidades” territoriais,
produzindo percepções próprias e características a determinadas coletividades por
utilizarem determinados meios de locomoção, e indo além, reforçando estigmas e
diferenciações hierárquicas simbólico-territoriais. Os “meios de transportes” seriam
mais do que simples componentes de intermediação/ligação entre diferentes
estratos e configurações sociais e territoriais, mas seriam forjadores de fatos sociais
ao produzirem subjetividades e objetividades interativas dentro do tecido social,
formando práticas sociais e interações específicas e referenciadas ao modo e à
maneira como os indivíduos se transportam pelas cidades.
O principal interesse desta tese é a observação, discussão e análise sobre as
“formas” experienciadas da vida coletiva e individualizada através da mobilidade
urbana na RMRJ. Este estudo foi feito através da discussão de trabalhos anteriores
36
já realizados, na leitura de relatórios e estudos técnicos, dados objetivos sobre os
transportes urbanos, e também informações sobre os “afetos” dos usuários quanto
ao seu lugar de moradia e o ato de se transportar a partir destes locais.
Mas como estes “afetos” poderiam ser efetivamente aferidos? Os transportes
urbanos e a mobilidade urbana produzem fenômenos sociais relevantes e
integrados? Há uma disciplina, ou campo de conhecimento, que proponha um olhar
teórico-metodológico específico acerca desta temática? Quais as contribuições já
existentes? Elas existem? Dialogam entre si?
Esta tese trabalha na perspectiva efetiva da possibilidade de formulação de
uma sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade urbana. Esta hipótese
vem sendo formulada através de uma história acadêmica e que se desenha já faz
alguns anos. A temática dos transportes urbanos sempre foi algo pertinente à nossa
vivência pessoal e, posteriormente, acadêmica, pois tornou-se também tema de
trabalho de pesquisa traduzida em uma dissertação de mestrado que aborda os
transportes urbanos e a mobilidade urbana na RMRJ. A experenciação da vida
permeada pelo ir e vir entre dos modais, legais e ilegais, formais e informais, que
realizam as jornadas urbanas12 entre os municípios que integram a RMRJ, induziram
às percepções e questionamentos sobre os efeitos sociais que tais “viagens”
provocam na vida dos indivíduos e grupos que circulam, com diferentes
necessidades e objetivos, pelas ruas, avenidas, trilhos e aquavias das cidades.
O primeiro movimento, oriundo de uma observação mais delicada, é o
apontamento sobre os “efeitos” que estes grupos e classes sociais sofrem, ou
sentem, através dos serviços de transportes urbanos oferecidos. Veremos mais
adiante que a mobilidade urbana não se define, ou confunde, como sinônimo ao
conceito de transportes urbanos. A mobilidade urbana conjuga não somente a oferta
de transportes, mas as possibilidades de acesso, as integrações entre modais, o
impacto do custo do transporte, as espacialidades que integram, a sustentabilidade
e a articulação com o meio ambiente, entre outros fatores. Esta mobilidade, portanto,
se observada com precisão e rigor científico, poderá revelar muitos dados
importantes acerca das interações urbanas. Primeiramente o próprio sistema de
circulação baseado nas forças produtivas para e através do capital poderá ser
revelado através da verificação das possibilidades de mobilidade; a circulação
12 Termo cunhado por Caiafa (2002).
37
necessária para a reprodução da força de trabalho, onde os deslocamentos urbanos
irão refletir as estruturas condizentes com a organização social do trabalho pautada
na dinâmica contemporânea do capitalismo vigente; em um segundo momento a
espacialidade se mostra presente com as diferenças e especificidades do valor do
uso do solo, as diferenças nas formas de habitação entre as classes sociais e as
diferenças entre os investimentos públicos e privados e as formas de urbanização
encontradas nas localidades assistidas pelos transportes urbanos; em terceiro
vemos a própria materialização das diferenças nas formas de se transportar, e que
podem variar, principalmente, na qualidade do serviço oferecido entre diferentes
modais e “dentro” dos próprios modais.
Em um segundo momento, através da possibilidade de um refinamento ainda
maior do olhar sobre os fenômenos sociais relacionados aos transportes e à
mobilidade urbana e indo além da percepção dos “efeitos”, podem ser percebidos e
arguidos as “produções” causadas pelos “meios” de transporte. Talvez por serem
“meios”, configurem espaços de convivência, assim como o axioma acionado pelo
termo “meio ambiente”, onde formas de vida poderiam ser formar e serem
produzidas por uma convivência efetiva e ativa. Esta convivência se daria por uma
duração vulgar de tempo, mas que poderia se constituir através de fragmentos de
tempo que vão se somando dia após dia na vida entre o ir e vir nas cidades. Nos
apontamentos atuais têm-se a percepção de que esses “fragmentos” tornam-se
“tempos” cada vez maiores, mais largos, pois os “tempos” para a realização da
mobilidade urbana parecem ter sido bastante alongados nos últimos anos. É através
destes fragmentos de tempo somados e somatizados que poderiam ser aferidas e
questionadas as “formas” de interação social que podem ser encontradas nos
arranjos proporcionados pelos “meios” de transporte.
Aqui é apresentada a hipótese de que haveria um corpo de sociabilidades que
são forjadas e constituídas pelas relações sociais produzidas nos ambientes
proporcionados pelos transportes e mobilidade urbana de uma determinada cultura.
Porém esta hipótese não resolve o problema de como se pode chegar ao
conhecimento da mesma, pois necessita de uma construção e observação teórico-
metodológica efetiva de sua materialidade social. Estas sociabilidades estariam
embebidas pelas percepções coletivas acerca de um imaginário identitário territorial
e que é constituído pelas internalizações de uma hierarquia territorial, produzida e
assimilada materialmente e simbolicamente. Estas identidades territoriais estariam
38
intimamente ligadas aos pertencimentos individuais e coletivos das pessoas em
relação aos seus lugares de nascimento, moradia, ou de migração. Porém não
atuaria como valor absoluto e autodefinido em si mesmo, pois necessitaria das
intermediações relacionais com outras identidades existentes na vida urbana. Estas
identidades, que refletiriam estas hierarquizações, estariam em disputas e
complementariedades em um espaço de valorização e desvalorização dentro de
localidades pertencentes ao ambiente urbano, obedecendo as funções requisitadas,
principalmente, pelas necessidades materiais e simbólicas do viver capitalista atual.
O sentimento de orgulho e/ou ojeriza por pertencer ou viver em determinada
localidade, terá nas “formas de vida pelo transporte” um importante e essencial
substrato de informações para a compreensão de como se dariam estas relações.
É interessante apontar que uma preocupação das ciências sociais sobre as
“formas” de como as pessoas se transportam nos grandes conglomerados urbanos
só se efetiva a partir dos anos 2000, onde livros, dissertações e teses acadêmicas,
principalmente ligadas às ciências humanas e sociais, passam a arguir sobre “como”
as coletividades se locomovem no tecido urbano, este cada vez mais conurbado de
cidades. Etnografias são realizadas para tentar se conhecer e “dar” voz às falas das
vivências cotidianas de milhares de pessoas que utilizam os serviços de transporte
coletivo urbano público em ônibus, trens, metrôs, barcas, vans, etc. Muito
provavelmente este “interesse” está atrelado à percepção coletiva, e também muito
vinculado à opinião pública em geral, de que as grandes metrópoles brasileiras
passaram a ter sua mobilidade urbana atravancada pelo aumento expressivo no
número de veículos automotores e pelo aumento da ineficiência dos transportes
coletivos urbanos em sua tarefa de dar mobilidade em quantidade e qualidade ao
contingente urbano.
Estes trabalhos etnográficos realizam a brilhante tarefa de lançar luz a estes
fenômenos sociais tradicionalmente negligenciados pelas ciências sociais, onde os
eventos relacionados à mobilidade e aos transportes urbanos sempre encontraram
espaço de observação quase que exclusivo nas engenharias, planejamento urbano,
arquitetura e urbanismo, tendo perpassado em alguns momentos a economia, a
administração e a geografia.
A segunda hipótese desta tese, que é a possibilidade de se propor uma
sociologia dos transportes ou da mobilidade urbana, está inserida neste contexto
favorável à temática que praticamente se constitui a partir das inflexões e mudanças
39
urbanas ocorridas nas cidades brasileiras a partir da década de 1990. Esta hipótese
só pode ser possível em ser almejada devido ao acúmulo proporcionado por todas
as disciplinas citadas acima, pois para a efetividade do conceito das “formas de vida
pelo transporte” é necessária a soma das várias contribuições de diversas
disciplinas e campos de conhecimento, e que têm o tema da mobilidade urbana
como objeto de análise e pesquisa.
Esta sociologia dos transportes ou da mobilidade urbana teria como principal
função lançar um olhar complexo e multidimensional acerca das materialidades e
dos fenômenos que se associam às possibilidades e existências de mobilidade
urbana no contexto das metrópoles do país. Onde a categoria “formas de vida pelo
transporte” não se resumiria somente aos trabalhos focados por etnografias nos
modais existentes, mas realizando o somatório destes trabalhos de campo com as
informações estatísticas acerca das percepções e opiniões materializadas dos
usuários dos serviços, além da utilização dos dados técnicos e concretos dos
deslocamentos efetivamente realizados pela contingente populacional nas
metrópoles. Para a completude deste “campo sociológico” insere-se também a
importância de se conhecer e se aprofundar sobre as vinculações midiáticas acerca
do tema, e que podem assumir e produzir valores e opiniões que são absorvidas,
processadas e difundidas pelo o que chamamos de opinião pública.
1.7 Descrição da tese
Iniciamos nosso trabalho como uma Introdução que apresenta a escolha do
objeto através de uma perspectiva pessoal, profissional e acadêmica do autor desta
tese, tendo a inserção breve de sua problemática no contexto contemporâneo e
fazendo o levantamento de sua relevância. Posteriormente apresentamos os objetos
a serem abordados, a hipótese delineada e a apresentação descritiva do trabalho.
No primeiro capítulo abordaremos a Baixada Fluminense como objeto e loco
primordial de nossa análise, onde serão discutidas a própria utilização do termo
“Baixada Fluminense”, a formação e ocupação históricas desta territorialidade a
relação com a construção do próprio Estado do Rio de Janeiro e as mudanças
ocorridas, durante o tempo, de sua importância social e econômica para a futura
RMRJ, além de discutirmos especificidades dos municípios que a integram.
Discutiremos a relação da Baixada com o tema dos transportes urbanos e sobre as
40
identidades territoriais percebidas, sempre em contato com as conexões e
intermediações que estas abordagens possuem com o caráter abrangente do
fenômeno da mobilidade urbana. Por fim apresentamos dados demográficos e
informações relevantes sobre os índices de desenvolvimento humano e econômico
dos municípios que integram a região.
No segundo capítulo realizamos um debate teórico em relação a temas como
território e identidade, mobilidade urbana e segregação sócio-espacial, sempre
buscando um diálogo com a delimitação da Baixada Fluminense como objeto de
observação e os transportes urbanos como conexão entre território e as
sociabilidades no meio urbano. Adentramos ao debate teórico-metodológico
discutindo e se aprofundando nas obras dos autores Max Weber, Georg Simmel e
Norbert Elias, como contribuição para a construção de um arcabouço epistemológico
desta tese. Além de nos aprofundarmos no debate sobre a existência de uma
sociologia do transporte, a conceituação e nomeação possíveis. Este debate será
realizado pela discussão de temas como se daria uma sociologia dos transportes, a
terminologia entre “transportes” e “mobilidade urbana” e a apresentação da
fundamentação teórica acerca da metodologia utilizada para a realização desta tese.
No terceiro capítulo nos atemos às análises das pesquisas e obras que
efetivamente tratam do tema dos transportes urbanos e da mobilidade urbana. Onde
realizamos a observação e descrição minuciosa de etnografias na busca das
“formas de vida pelo transporte”, através da utilização de quadros sinópticos e da
construção de uma tipologia ideal acerca dos transportes no caso da metrópole
fluminense. Também analisamos pesquisas que têm como características
fundamentais a compreensão das percepções da população habitante das
metrópoles brasileiras em relação à questão da mobilidade urbana. A seguir
analisamos os dados de pesquisa domiciliar realizada pela Secretaria de Transporte
do Estado do Rio de Janeiro e que contém dados relevantes sobre os
deslocamentos urbanos na RMRJ.
Por fim temos na Conclusão a discussão perpassada por este trabalho, onde
apresentamos uma contextualização da utilização da Baixada Fluminense como loco
de observação e objeto importante para as exemplificações necessárias às
hipóteses levantadas, posteriormente realizamos o aprofundamento do uso da
categoria “formas de vida pelo transporte” conjuntamente com a agregação de
dados sobre as percepções coletivas e dados quantitativos sobre as
41
origens/destinos dos deslocamentos urbanos. Por fim serão contextualizadas e
debatidas as possibilidade para a efetividade e construção de uma sociologia dos
transportes no Brasil.
2 CAPÍTULO 1: BAIXADA FLUMINENSE – HISTÓRIA, FORMAÇÃO E TERRITORIALIDADES
2.1 A configuração territorial da Baixada Fluminense
2.1.1 Introdução
O termo, ou conceito, popularmente utilizado e difundido como “Baixada
Fluminense”, e também instrumentalizado por órgãos oficiais ou em atividades
acadêmicas, de fato não possui nenhum caráter efetivamente “oficial”. É possível
verificar através de bibliografia e da passagem do tempo e seus processos
históricos, como o próprio termo irá refletir diferentes “visões” quanto à classificação
de alguns municípios com relação a um pertencimento a certas características
geomorfológicas, políticas, econômicas ou sociais. A história da região hoje
denominada de Baixada Fluminense carrega consigo momentos de auge econômico
e grande importância dentro do panorama político do estado do Rio de Janeiro.
Porém as cidades que irão se formar de meados do século XIX até o final do
século XX nesta região, a grande maioria oriunda da fragmentação da antiga Vila de
Iguassú, dialogarão em esferas mais próximas ou mais distantes com uma
centralidade importante na história do país, o município do Rio de Janeiro. Os
municípios que formam a Baixada Fluminense, e veremos como eles podem variar
dentro desta configuração chamada Baixada, sempre tiveram sua importância
ressaltada ou pormenorizada tendo como ponto central de comparação os limites da
cidade do Rio de Janeiro.
A formação da cidade do Rio de Janeiro em um espaço geográfico e sua
transformação em um território, central na própria história da formação e na
institucionalização do Brasil como colônia e posteriormente como país independente,
traz como informação fundamental um dado importante para o início de nossa
análise. Os limites do município do Rio de Janeiro efetivamente não se confundem
com os municípios que formam a Baixada Fluminense e os outros municípios da
42
região metropolitana. Este dado é fundamental para que seja possível perceber que
há uma distância a ser percorrida entre estes diferentes territórios, mesmo que o
tempo para se cruzar os limites de uma cidade a outra seja muito curto nos dias
atuais13. Ao mesmo tempo, alguns bairros da própria cidade do Rio de Janeiro
possuem distâncias muito maiores em relação ao centro da cidade do que as
percorridas entre municípios vizinhos14.
Porém diferenças não podem ser classificadas e observadas somente pela
noção de distância, outros fatores precisam ser percebidos nas relações entre
diferentes territorialidades, sejam entre cidades ou bairros. A distância em relação
ao centro do Rio de Janeiro pode denotar um fator “indesejável” dentro da hierarquia
urbana, ainda mais exacerbada diante de tantos congestionamentos e
estrangulamentos na mobilidade pendular, porém é necessário estar atento a outros
dados e complexidades: outras centralidades se formaram e convivem dentro da
RMRJ, mesmo não suprimindo a importância do centro do Rio de Janeiro; alguns
municípios possuem um status diferenciado em relação à qualidade de vida de seus
moradores e sua formação socioeconômica15; mesmo morando em um bairro
“distante”, pertencer ao município do Rio de Janeiro pode fornecer uma identidade
territorial positiva, em relação a municípios da Baixada, por exemplo, mesmo que
estes sejam mais próximos do centro do Rio de Janeiro ou mais desenvolvidos
economicamente.
2.1.2 O conceito Baixada Fluminense
Não há, de fato, uma nomeação oficial do termo Baixada Fluminense.
Simões (2011) chama atenção para a centralidade inequívoca que os municípios de
Nova Iguaçu e Duque de Caxias possuem para o que denominamos atualmente de
Baixada Fluminense, assim como os municípios “ “satélites” imediatos, como Belford
13 Com a construção da via expressa Linha Vermelha (RJ‐071), inaugurada integralmente em 11 de Setembro de 1994, e que acompanha quase que paralelamente o percurso da Avenida Brasil, ligando os municípios da Baixada Fluminense (tendo como ponto de comparação a ligação entre a Vida Dutra e a Avenida Brasil, Km 0) ao centro do Rio de Janeiro, onde um percurso sem congestionamentos é possível ser realizado, em um viagem de carro, no trajeto centro de Duque de Caxias ao centro do Rio de Janeiro entre 10 a 15 minutos. 14 Isto pode ser observável em referência a bairros da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro como Santa Cruz, Pedra de Guaratiba, Sepetiba, etc, e até mesmo Barra da Tijuca e Campo Grande. 15 Niterói é um exemplo de cidade que é vista socialmente como uma cidade com alto padrão de vida, lembrando que esta cidade foi a capital do Estado do Rio de Janeiro quanto havia a divisão entre os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.
43
Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Queimados e Japeri, que são
incluídos por todos os autores, mas nem sempre analisados com a mesma
profundidade que o “núcleo duro””. (SIMÕES, 2011, p. 15). Os municípios oriundos
da antiga Vila de Iguaçu, e sua futura fragmentação em diversos outros municípios a
partir de meados do século XX, parecem ser centrais nas diferentes noções sobre
quais municípios efetivamente formam a Baixada Fluminense. Alguns autores
integraram algumas cidades devido a aspectos geográficos, sociais ou políticos,
assim como alguns outros autores perceberão que alguns destes municípios não se
integrariam às características mais “comuns” ao termo Baixada Fluminense.
Em contraponto a esta Baixada Política encontramos um conceito de “Baixada Histórica” presente nos trabalhos do IPAHB (Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense) que reconhece como tal, a Grande Iguaçu e os municípios de Magé e Guapimirim. (Torres, 2004). Esta concepção é muito semelhante à delimitação formulada por Prado (2000). Ambos deixam Itaguaí e Seropédica de fora, mas o segundo inclui Paracambi nesta região (SIMÕES, 2011, p. 16).
Portanto evidencia-se a própria discordância e oposição de ideias sobre a
configuração histórica e definitiva dos municípios que integrariam a Baixada
Fluminense. Vemos a explicitação da tentativa de compreensão da própria
morfologia do termo, onde “baixada” remeteria a uma concepção geomorfológica
das terras mais baixas em relação a um elevado, no caso do Rio de Janeiro em
relação à Serra do Mar. O termo “fluminense” deriva “do termo latino flumen (que
significa rio) acrescentando do sufixo “ense”. Este adjetivo diz respeito ao que
pertence ao Estado do Rio de Janeiro” (MAGALHÃES, et al, 2013).
São observadas algumas características tidas como comuns sobre os
municípios integrantes da Baixada, mesmo que não haja convergência na
identificação exata de quem as integra, entre estas informações é interessante
perceber que:
a) ser área do entorno da Baía de Guanabara; b) ser sítio de relevo baixo, localizado entre inúmeros rios e suscetíveis alagamentos; c) ser local das atividades agrícolas voltadas para a citricultura; d) ser área de explosão de loteamentos com os respectivos problemas referentes à infraestrutura urbana;
44
e) ser área de expansão urbana sob influencia direta da metrópole
fluminense (MAGALHÃES, et al, 2013).
Ainda segundo Simões (2011) diferentes órgãos oficiais utilizam-se de
métodos e classificações distintas para colher dados e estatísticas sobre a Baixada
Fluminense. Não há uma unificação e convergência entre os conceitos de
instituições como o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) - e a
Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores
Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ)16, indicando também a tentativa de órgãos
como a Fundação Para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro (FUNDREM) e a Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro
(TurisRio)17- em delimitar e compreender estes municípios que compõem a RMRJ
em suas atividades e graus de influência local e regional. Também podem ser
incluídos instituições como a Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio
de Janeiro (SEEDUC), com suas regionalizações específicas, a Secretaria de
Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro (Emater-RJ) -, o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE-RJ) -, e a Secretaria
de Estado de Desenvolvimento da Baixada e da Região Metropolitana
(SEDEBREM), na tentativa de agrupar e delimitar os municípios desta região
Em Magalhães (et al, 2013) vemos a afirmação de uma limitação da Baixada
Fluminense através de dados do CEPERJ e onde a região está integrada à RMRJ e
formada pelos municípios de: Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Japeri, Queimados,
Nova Iguaçu, Belford Roxo, São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita, Duque de
Caxias, Magé e Guapimirim. O Fórum Cultural da Baixada Fluminense18 utiliza o
mesmo recorte, realizando inclusive um prêmio que tem como sede anual cada um
dos municípios que integram esta configuração. No ano de 2012 o prêmio teve como
sede a cidade de Guapimirim, onde nas análises realizadas por Simões (2011),
muitos autores não veem aderência deste município às “características” do “núcleo
duro” da Baixada. No ano de 2013 o prêmio terá como sede a cidade de Japeri. 16 Sucessor da Fundação CIDE. 17 Órgão que gerencia as atividades turísticas do estado do Rio de Janeiro. 18 “Entidade civil sem fins lucrativos, formado por um grupo de cidadãos, instituições e movimentos culturais interessados no desenvolvimento e pesquisa da cultura na região”. Retirada da página: http://www.forumculturalbfluminense.org.br/quemsomos.html. Acessado em Julho de 2013.
45
Figura 1: Delimitação realizada pelo IBGE sobre a Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Fonte: Simões (2011, p.22).
Figura 2: Delimitação realizada pelo CEPERJ-RJ (2011) sobre a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro
Fonte: Simões (2011, p.22).
46
Figura 3: Delimitação realizada pela FUNDREM (1977) e que reúne os municípios da RMRJ sobre o que foi chamada de (cidades) Unidas Urbanas Integradas de Oeste (UUIO), ou também, a “Grande Iguaçu”.
Fonte: Simões (2011, p.23).
Figura 4: Delimitação realizada pela TurisRio (2011).
Fonte: Simões (2011, p.23).
Simões (2011), após a análise de todas as configurações realizadas durante a
história da região, adotará como critério de agrupamento a concepção de um “núcleo
da Baixada”, este que seria formado pelos dois grandes e históricos municípios que
“formaram” a região, os municípios de Iguaçu e Estrela “[...], ou seja, os atuais
municípios de Nova Iguaçu, Japeri, Queimados, Belford Roxo, Mesquita, Nilópolis,
São João de Meriti, Duque de Caxias, e os distritos de Inhomirim e Guia de
47
Pacobaíba do município de Magé” (SIMÕES, 2011, p.26). Além deste “núcleo” o
autor relativiza o papel do que ele chama de “Baixada ampliada”, que incorpora os
municípios de Guapimirim, Paracambi, Seropédica e Itaguaí, indicando que em
determinados momentos houve uma forte ligação entre estes municípios e o
“núcleo”, mas ao mesmo tempo ocorreram períodos de afastamento, seja por
estratégias políticas ou especificidades econômicas19, porém ele ainda integra a
“Baixada ampliada” ao “núcleo da Baixada” formulando assim sua concepção do
mapa da região e que também utilizamos neste trabalho.
Figura 5: Delimitação realizada por Simões (2011).
Fonte: Simões (2011, p.26).
19 É ressaltado o “afastamento” do município de Itaguaí da configuração Baixada Fluminense. Muito devido aos investimentos econômicos da cidade e o interesse de integração com municípios que fazem parte do chamado Sul Fluminense e da Serra Fluminense.
48
2.1 Formação e expansão territorial e econômica
2.2.1 História(s) e território(s).
A História, ou para ser mais preciso, as “Histórias” sobre a região da Baixada
Fluminense já vêm sendo contadas e pesquisadas por uma variedade de disciplinas,
quase sempre ligadas às ciências humanas, mas possuindo intersecções
interessantes com diversas formas de ciências. Podemos ver nas disciplinas
História, Geografia, Memória Social, Antropologia, Sociologia, mas também a
Economia e o Planejamento Urbano a realização de pesquisas e produção de
conhecimento sobre os municípios que formam esta região tão específica do estado
do Rio de Janeiro. Souza (1992), Alves (2003), Silva (2005) Simões (2006, 2011),
Rodrigues (2006), Silva (2007), Braz e Almeida (2010) são alguns dos muitos
autores que realizaram trabalho de pesquisa e observação nestes territórios.
A divisão de territórios, através do tempo, reflete as lutas e os resultados de
disputas locais de poder, que vão estar intrinsecamente relacionados com contextos
históricos mais amplos, interesses regionais e nacionais, possibilidades materiais e
simbólicas, para a consolidação de determinadas lideranças e dominações sobre as
“frações” do território que se quer “dividir” ou autonomizar. Onde o resultado dos
conflitos gerados pelas disputas internas, e também externas, de poder, poderão
gerar resultados imprevisíveis. Estas lutas podem ser expandidas para qualquer
formação de unidades ou frações territoriais, porém considerando-se a formação
histórica dos espaços e sociocultural das populações que as habitam. A Baixada
Fluminense carregará sua especificidade na formação de seus municípios e
instâncias de poder locais, que resultam muito diretamente dos momentos políticos
nacionais e a situação econômica da região no contexto mais amplo.
O marco inicial da fragmentação da Baixada Fluminense pode
ser considerado a criação da vila de Magé em 1789, do qual mais tarde surgirá em 1846, o já extinto município de Estrela. Em 1833 é criada a vila de Iguassú, desmembrada do Rio de Janeiro num contexto de redefinição territorial da província. Essas duas vilas, Iguassú e Estrela, serão os embriões dos demais municípios da Baixada […]. O processo de desenvolvimento econômico e adensamento populacional irão criar novos núcleos urbanos que, com o tempo, conseguem suas emancipações, fragmentando intensamente estes dois
49
municípios, principalmente Nova Iguaçu, que deu origem a outros sete municípios […] (SIMÕES, 2006, p.141).
Desde a sua exploração econômica inicial, através da cana-de-açúcar, nos
primeiros períodos da colonização, posteriormente com a vinda da Família Real
portuguesa no início do século XIX, e a importância da exploração do café no e pelo
Vale do Paraíba, adentrando aos campos de laranjais do início do século XX, a
antiga Maxambomba, Vila de Iguassú, torna-se Nova Iguaçu também na primeira
metade do século XX. Este território fragmentou-se em várias outras cidades, mas
sempre mantendo uma centralidade econômica e, podemos dizer afetiva, aos
municípios “filhos” ao seu entorno, diminuindo essa gravitação em relação à antiga
Vila de Estrela, e de onde surgiram os municípios de Duque de Caxias e cidades
vizinhas (RODRIGUES, 2006).
Simões (2006) busca compreender as dinâmicas que efetivaram a
fragmentação do território da Baixada Fluminense e os movimentos emancipatórios
criando diversas novas cidades em determinados períodos da História do Brasil,
tendo como principal referência o município “mãe”, que é Nova Iguaçu. E será
através da perspectiva econômica, da formação sócio-territorial, das disputas
políticas, da construção político-administrativo do território, e da percepção das
identidades locais que será discutido o sentimento de des-pertencimento e
pertencimento a “velhos” e “novos” municípios.
Há a observação da implementação de uma política de transportes que irá
agir como política segregadora o início do século XX. Porém o apontamento é de
que o sistema de transportes não agirá como elemento segregador stricto senso,
mas atuará em consonância com o Estado, os interesses dos concessionários das
linhas de transportes urbanos e a especulação imobiliária já existente à época, e não
simplesmente por uma questão pelos preços dos transportes, havendo a indicação
que:
O esquema era simples, ao receber a concessão para uma linha de bonde, os empresários se apropriavam de terras ao longo desta ou já as possuíam e conseguiam a concessão da linha. A seguir criavam loteamentos voltados para as classes mais abastadas oferecendo melhores condições de vida que na área central. O Estado participava concedendo as linhas de bonde e investindo na infra-estrutura destes novos loteamentos em detrimento das áreas ocupadas há muito tempo pelos mais pobres. (ABREU, 1992 apud SIMÕES, 2006, p.83).
50
Ao restante da população que não poderia arcar com os altos preços do solo,
principalmente na região central e na zona sul do Rio de Janeiro, os trens urbanos
foram o principal modal e forma de deslocamento para os loteamentos populares e
posses para as regiões menos valorizadas pelo avanço das mudanças urbanas e
econômicas da cidade do Rio de Janeiro, pertencente ao Distrito Federal e estado
da Guanabara.
Em uma configuração contemporânea, a Baixada Fluminense, e mais
especificamente os municípios de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, possuem uma
importância política e econômica que lhes podem proporcionar algum grau de
autonomização e influência nos arranjos de poder em relação ao grande núcleo e
centro gravitacional que é a metrópole/cidade do Rio de Janeiro. Duque de Caxias
possui esta relevância devido à instalação da Refinaria de Duque de Caxias
(REDUC), além de sua proximidade aos limites da cidade do Rio de Janeiro e do
aeroporto internacional, e Nova Iguaçu através de sua centralidade histórica, seu
adensamento populacional e sua diversidade em atividades econômicas, porém “[…]
a proximidade de um centro dinâmico e diversificado […] faz com que determinados
setores e ramos não existam ou sejam insignificantes […], como é o caso da
produção cultural em escala industrial, na forma de produção cinematográfica,
editorial e televisiva […]” (SIMÕES, 2006, p. 190.). Estes apontamentos relacionam
diretamente as interdependências e extrapolações difusas entre as atividades
metropolitanas, expansão da mancha urbana20 e as relações econômicas e de
produção da cidade do Rio de Janeiro e dos “expoentes” da Baixada, Nova Iguaçu e
Duque e Caxias, mas não dão conta efetivamente das possíveis diferenças e
percepções entre as formas de se transportar, as políticas de mobilidade, as
diferenças na oferta do sistema de transportes urbanos a RMRJ.
Dentro das perspectivas da criação da imagem e autoimagem em uma
identidade territorial, há a observação da existência de uma imagem pública e
coletivizada difundida pela mídia, e não só por ela, e que faz parte de uma grande
imaginário acerca da região conhecida como Baixada Fluminense. O aparecimento
desta “imagem” está contido em um esquema que poderíamos chamar
superficialmente de “reside e não-reside / conhece e não-conhece”, onde o fato de
se ter nascido e/ou ter sido criado em um determinado território e ter uma
20 Simões (2006, p. 12).
51
autopercepção de que o “conhece” irá incidir em uma ideia autorizada e com certa
completude sobre o aquele território já “assimilado”, neste esquema podemos
levantar os binômios: não-reside/não-conhece, não-reside/conhece (ou já ouviu falar
de), reside/ não-conhece (recém moradores, pessoas com baixa mobilidade, jovens
que transitam em áreas muito restritas ou que saem para localidades fora da região
de moradia), reside/conhece (apropriação objetiva e subjetiva do território).
Obviamente que esse “conhecimento” ou “desconhecimento” estarão carregados
das subjetividades individuais, porém há de certa maneira um ethos coletivo e
intimamente ligado ao pertencimento ao lugar de socialização.
2.2.1. Os trens e a expansão urbana
Simões (2011) ressaltará que as mudanças ocorridas na cidade do Rio de
Janeiro, à época capital federal, no final do século XIX e o início do século XX,
proporcionarão o surgimento de uma oferta nos transportes urbanos que será
decisiva para a expansão e ocupação demográfica do Rio de Janeiro, tanto nos
bairros próximos ao centro da cidade, como a Zona Sul e a Tijuca, através da oferta
dos bondes; quanto às regiões mais afastadas, como a Baixada Fluminense, através
dos trens urbanos.
A decadência da produção do café no final do século XIX, em relação à
produção paulista, e a perda da importância do Vale do Paraíba como produtor e
região de passagem desta produção, terá como principal efeito a decadência e a
falta de investimentos de infraestrutura para estas terras. Ao mesmo tempo a cidade
do Rio de Janeiro, como capital, procurará diversificar suas atividades econômicas,
e com o advento da Proclamação da República, um novo processo de reurbanização
do centro se iniciará, através do investimento em uma incipiente industrialização, da
substituição de importações e do crescimento dos serviços e comércio. O início do
século XX, com a reforma Pereira Passos (1903-1906) e nos anos 1920 com Carlos
Sampaio, os mais pobres serão “retirados” do centro da cidade, os mais ricos se
deslocarão para a Zona Sul, prioritariamente, e as classes empobrecidas migrarão
para a Baixada e subúrbios.
Portanto há uma associação cronológica entre o aparecimento das ferrovias,
suas respectivas estações e alguns investimentos básicos nas localidades onde
existiam loteamentos populares e para onde se deslocaram grande parte da
52
população pobre e que se deslocava para, através dos trens, no trajeto lar-trabalho-
lar. Entre estas linhas ferroviárias, criadas desde o fim do século XIX e perpassando
o início do século XX, podemos ver:
• A Estrada de Ferro Central do Brasil e os primeiros loteamentos;
• A Estrada de Ferro Rio d’Ouro;
• A Estrada de Ferro Melhoramentos do Brasil – Linha Auxiliar;
• A Estrada de Ferro Leopoldina.
Quanto à criação destas linhas férreas é ressaltado que:
A incorporação da Baixada Fluminense à mancha urbana do Rio de Janeiro se dá a partir do momento em que as terras disponíveis para loteamentos no núcleo, pelo menos próximas à EFC e EF Leopoldina começam a escassear e, consequentemente, encarecer. A proximidade relativa dos distritos limítrofes leva a um transbordamento das estratégias dos agentes imobiliários para estes, onde as pré-condições para a urbanização: agricultura estagnada, terras baratas e acesso a transporte em massa, já estavam presentes. Assim, se inicia a captura desta região à lógica da urbanização carioca com a redefinição do papel da Baixada Fluminense na economia do Rio de Janeiro, deixando de ser um mero local de passagem para definitivamente ser integrada na condição de espaço urbano periférico subordinado ao núcleo (SIMÕES, 2011, p. 118).
53
Figura 6: Estrada de Ferro Rio D’Ouro (1935).
Fonte: Simões (2011, p.122).
2.2.2 Economia e história
2.2.2.1 Primeiros anos, século XIX e primeira metade do século XX
Desde o início do povoamento da região que iria futuramente ser
denominada como Baixada da Guanabara e posteriormente, após períodos de
consolidação e fragmentação, a Baixada Fluminense, é importante percebermos as
atividades econômicas desenvolvidas nesta região.
Desde o processo de colonização realizado pelos portugueses no início do
século XVI as primeiras atividades econômicas se pautaram na extração da flora
54
local, principalmente árvores que forneciam pigmentos e derivados para a indústria
têxtil. Com o passar do primeiro momento de chegada, descoberta e assentamento
dos portugueses, outras atividades foram se desenvolvendo e a introdução do
cultivo da cana-de-açúcar vai se mostrar importante, e posteriormente fundamental
para tanto para a Colônia quanto para a Metrópole.
As sesmarias que formavam esta região foram também ocupadas pelos
engenhos de cana-de-açúcar e após as terras saírem de mãos de particulares,
foram doadas a monges beneditinos que também compraram outras terras,
formando uma das maiores e mais antigas fazendas do Brasil, a Fazenda de
Iguassú, onde podemos ver que “No ano de 1719 Iguassú é elevada a categoria de
freguesia curada, ou seja, Freguesia (distrito) com um Cura (padre). Este fato
evidenciou o reconhecimento, por parte das autoridades coloniais, de uma área de
ocupação com potencial econômico” (RODRIGUES, 2007, p.23).
A produção em alta escala da cana-de-açúcar, que gerava como principais
derivados a água-ardente e o próprio açúcar foram a principal matriz do
desenvolvimento econômico do país no período, e a produção fluminense tinha
papel fundamental para a geração de riquezas. Além da produção de açúcar,
também se produzia mandioca, milho, legumes, e feijão, que servia para abastecer
as fazendas e populações locais. Durante muitos anos a produção canavieira
prosperou, até iniciar seu esgotamento entre o final do século XVIII e o início do
século XIX, muito devido à produção de outras localidades fora do Brasil, como as
Antilhas, e às amarras comerciais geradas pelo pacto colonial com Portugal.
Rodrigues (2007) realiza estudo a partir de uma perspectiva histórico-
econômica da Vila de Iguassú, futura Maxambomba, futura Nova Iguaçu, “cidade”
esta que será central para a formação da região da Baixada Fluminense, através de
sua fragmentação territorial, administrativa e política e que ocorrerá com o passar
dos anos, além do desenvolvimento econômico e adensamento demográfico que se
seguirá. Conhecer a história da economia da Vila de Iguassú significa também
conhecer os rumos e bases das economias dos municípios oriundos desta primeira
forma de municipalidade.
Já no início do século XIX e com o advento da vinda da família real
portuguesa à colônia, outro produto surgirá como principal fonte de geração de
riquezas da produção local e para a exportação: o café. As primeiras plantações do
café em solo fluminense ocorreram nas vilas de Estrela (futura Magé) e Tinguá, em
55
Iguassú. Mais do que grande produtor, o Vale do Paraíba, onde a Baixada
Fluminense está diretamente integrada, servirá como grande entreposto para o
escoamento da produção do café realizado no sudeste, e que será prioritariamente
exportado. O grande período da produção cafeeira fluminense se dará entre os anos
de 1870 a 1890.
Porém já ao final do século XIX a produção cafeeira do Vale do Paraíba verá
uma queda brutal em comparação à produção desenvolvida no Oeste de São Paulo.
Alguns fatores são apontados como decisivos para essa diminuição, entre eles
podemos destacar: o esgotamento do solo e a falta de variedade dos plantios, as
técnicas rudimentares na plantação e extração do café, a falta de investimentos e a
postura conservadora dos donos das fazendas, a larga utilização de mão de obra
escrava e, portanto, uma falta de dinamismo e consumo interno dos trabalhadores
assalariados (mesmo que às custas de uma hiper-exploração dessa mão de obra) e
as técnicas trazidas pelos trabalhadores europeus assim como os investimentos
realizados pelos produtores paulistas.
Como todo ciclo econômico, o do café teve seu período de decadência. Isso se deu em ocorrência de fatores entre os quais a falta de mão-de-obra, pois os produtores fluminenses, diferentemente dos produtores do Oeste paulista, não encontraram uma solução de curto prazo para substituir a mão-de-obra escrava que rareava e também tornara-se inviável economicamente e o desgaste do solo que afetou a agricultura de modo geral. Soma-se ainda a esses fatores, o abandono dos rios e canais, que propiciou o aparecimento do impaludismo21 (RODRIGUES, 2007, p.38).
No início do século XX, mais precisamente no início da primeira década, o
plantio da citricultura na região de Iguassú, plantio realizado desde o final do século
XIX, irá gerar uma grande produção para exportação e trará capital e um período
interessante de desenvolvimento para a região.
Os laranjais tomam a paisagem local transpassando a primeira década e a
então sede do município chamada Maxambomba se transformará em Nova Iguaçu,
conhecendo um investimento em seu centro comercial e expansão demográfica,
realizando o desenvolvimento de núcleos comerciais com intervenções na
infraestrutura, em localidades que têm como centralidades as estações das ferrovias
que cortam a região. A partir deste período até a década de 1950 o município
21Com nota do autor.
56
conhecerá uma grande expansão demográfica. De fato esta expansão se dará nos
anos seguintes, mas não com a intensidade e progressão verificada neste período.
Figura 7 - Evolução populacional no município de “Nova Iguaçu” entre 1779 e 1950.
150000 1940 1950
135000
120000
105000
90000
70500
60000
45000 1920
30000 1779/1789 1795 1821 1879
15000
Fonte: Pereira (1977) apud Rodrigues (2007. p.41).
O aumento demográfico e a capitalização gerada pela produção da laranja
irão proporcionar investimentos.
O progresso engendrado pela laranja fez com que o poder público investisse na abertura, melhoria e construção de estradas para facilitar a vazão da produção bem como o acesso dos moradores à sede do município. Os exemplos desses investimentos foram a criação da Rodovia que liga a cidade do Rio de Janeiro a Petrópolis, Washington Luís (BR . 135), a estrada Rio-São Paulo e a avenida Automóvel Clube. Outra medida adotada foi a eletrificação da Estrada de Ferro Central do Brasil em 1938 até Nova Iguaçu atingindo Japeri em 1943 em conjunto com a adoção da tarifa única, que facilitou, sobremaneira, o acesso da população proletária a este meio de transporte e seu deslocamento em termos de moradia (RODRIGUES, 2007, p. 45).
Assim como na produção do café, a citricultura encontrará seu apogeu e
queda. Acontecimentos diversos convergiram para o declínio da citricultura. A
deflagração da Segunda Guerra Mundial e a impossibilidade de escoamento da
produção; a defasagem nas técnicas de produção e colheita, assim como a queda
da produtividade das terras; o aparecimento da praga “mosca do Nilo” que se
desenvolve com o apodrecimento das frutas; a queda da produção fez com quem
medidas do governo impedissem a exportação para o abastecimento interno, o que
57
fez com que muitos produtores abandonassem o cultivo e procurassem diversificar
seus ganhos; portanto estes formam um conjunto de fatores para a queda do
apogeu da laranja em terras iguaçuanas, assim como o processo de industrialização
que se inicia e se propaga pela expansão dos transportes urbanos, principalmente
com a eletrificação dos trens da Central do Brasil.
2.2.2.2 Século XX: Anos 1930 até 1970
A partir da Revolução de 1930, ou o Golpe de 1930, o país efetivamente
entra em um processo forçado e pujante de desenvolvimento industrial,
principalmente com a quebra da hegemonia política das lideranças
agroexportadoras da região Sudeste, principalmente São Paulo, e com a ascensão
de uma classe empresarial mais modernizadora, com fundamentação teórica liberal
e que foi altamente privilegiada pelo e com o Estado brasileiro, na realização de
mudanças estruturais com base no capitalismo industrial internacional.
Porém, a tradição agroexportadora brasileira não foi abandonada e o café
ainda continuava como principal fonte de riquezas, ainda que suas benesses agora
seriam deslocadas como suporte para a construção de indústrias de base, energia e
transportes, e no início da formação de uma classe trabalhadora minimamente
estruturada legalmente e informalmente, e com forte tutela do Estado. A política das
“substituições de importações” foi amplamente utilizada para efetuar a mudança no
padrão de consumo e produção nacional, além dos altíssimos índices de migração
do campo às cidades que veremos a partir deste momento e que será de
fundamental importância para a implementação da vida urbana nacional,
principalmente no Sudeste, concatenada com o padrão de vida capitalista, tão
necessária para a reprodução de tal sistema.
O Estado da Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro, que era a capital
federal à época, vivenciou este processo de modernização e ampliação urbana,
onde verificou-se a expansão das manchas demográficas e urbanas para diversas
regiões do Estado e também do Estado do Rio de Janeiro. As classes mais
abastadas tomaram seus lugares de habitação na zona sul do Rio, as classes
médias e médias baixas iriam ocupar a região da Tijuca e os subúrbios até os limites
da cidade do Rio de Janeiro. Os mais pobres foram viver em torno dos centros
surgidos das concentrações proporcionadas pelas estações férreas, que escoavam
58
pessoas e produtos pela Baixada Fluminense e posteriormente também na zona
oeste do Rio de Janeiro.
A Baixada Fluminense, como visto, vivenciou o apogeu da citricultura até os
anos 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, e neste período de grande
expansão urbana na Guanabara, seu núcleo de atividades econômicas ficou
diretamente atrelado à função de produção e comercialização de tal produto
agrícola. Obviamente que as riquezas geradas pela citricultura produziram
melhoramentos em ruas, edifícios e casas da região, mas o caráter modernizador
proporcionado pelo desenvolvimento de base urbano-industrial só terá
consequências após o declínio da citricultura local. Os avanços da urbanização
seguirão a tendência do movimento pendular das “cidades dormitórios” e da
necessidade de se fornecer mão de obra operária na expansão metropolitana do Rio
de Janeiro. Nova Iguaçu assumiu junto aos municípios da Baixada Fluminense o papel de centro industrial e de dormitório da população. Para ostentar tais funções, deixou de exercer outras que lhe proporcionaram durante vasto tempo a condição de cidade, como é o caso do papel de estação ferroviária, pois, com o advento da nova rodovia, deu-se o abandono quase que por completo do transporte ferroviário. Este abandono se deu em função da opção automobilística adotada pelo país na construção de sua nova imagem de moderno (RODRIGUES, 2007, p. 58).
Um incipiente processo de industrialização iniciou-se, principalmente no
núcleo central da Baixada Fluminense, que é a cidade de Nova Iguaçu22, mas que
estava “separada” de Caxias e que veria o desmembramento de seu território como
nos municípios de Nilópolis e São João de Meriti. A necessidade de expansão da
metrópole fluminense e a importância e facilidade de acesso dos moradores da
região através das estações ferroviárias, proporcionou uma grande especulação
imobiliária e loteamentos populares, assim como grande procura por moradia, muito
devido ao grande fluxo de migrantes oriundos de outras regiões do país,
principalmente do Nordeste.
Entre os anos sessenta e setenta, Nova Iguaçu continuou se destacando frente aos demais integrantes da Baixada Fluminense em relação ao crescimento da população urbana. Nesse período, o município apresentou uma taxa de crescimento geométrico da ordem de 7,3%, a mais alta taxa entre os municípios da Região
22 Já com nova grafia a partir de 1945.
59
Metropolitana. Tal aumento contribuiu para que no início dos anos sessenta, o município estivesse totalmente conurbado com os outros municípios da região metropolitana (RODRIGUES, 2007, p. 72).
Com o advento da fusão do Estado da Guanabara e do Estado do Rio de
Janeiro, em 1974, criando-se assim somente o Estado do Rio de Janeiro, esperava-
se que os investimentos se descentralizassem da capital do “novo” estado, outrora
capital federal, e pudesse se espalhar principalmente na RMRJ, mas, efetivamente,
esse “equilíbrio” não aconteceu após a fusão.
2.2.2.3 Século XX: Anos 1970 aos anos 2000 e as tendências
contemporâneas
Outro ciclo importante no processo de expansão de base capitalista e
urbana é o Plano Nacional de Metas, o primeiro e o segundo, já sob o regime militar
e que visava a consagração do modelo industrial urbano e o desenvolvimento
econômico e social de base piramidal, onde o enriquecimento das elites e das
classes médias “puxariam” as mudanças e possíveis distribuições dos benefícios
gerados pelo capital e pelos aportes tanto governamentais quanto estrangeiros. O I
Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) efetivamente conseguiu elevar as taxas
de crescimento do país a dois dígitos no período e com um dinamismo único no
âmbito internacional daquele momento. Já a partir do segundo PND, nos anos 1970,
percebe-se a perda de importância administrativa e econômica do Estado do Rio de
Janeiro em relação a outras regiões e estados da Federação, mesmo que no Plano,
o Rio de Janeiro estivesse contemplado como um polo de alta tecnologia, prevendo
e tendo sido criado inúmeras empresas e núcleos específicos, havia no mesmo
plano o processo de descentralização em nome de desenvolvimento de outras
regiões que não fossem o Sudeste, e mais especificamente as metrópoles de Rio de
Janeiro e São Paulo.
Com a impossibilidade de manutenção das taxas de crescimento e de
produção industrial, queda já observada desde início dos anos 1970 e aprofundada
com os empréstimos internacionais contraídos pelo governo brasileiro em anos
anteriores e também no mesmo período, além do retraimento da economia mundial
e da crise do petróleo, o II PND não conseguiu proporcionar os resultados
60
esperados e o mesmo dinamismo do plano e da década anterior. O país vai adentrar
aos anos 1980 com altos índices de estagnação e inflação.
O Estado do Rio de Janeiro sofrerá as consequências desse momento de
inflexão econômica e isto acarretará um processo crescente de diminuição da renda,
da queda dos empregos formais, do aumento da informalidade, do aumento do
comércio e serviços como principais empregadores, o aumento da violência urbana
e a precarização dos dispositivos urbanos e políticas básicas de bem estar social.
Especificamente a região da Baixada Fluminense observará um grande aumento da
desigualdade de renda, e que ficará cada vez mais evidenciada pela queda nos
rendimentos médios das classes mais pobres e o aumento na diferença da renda
per capita da parcela da população mais rica e a grande maioria da população com
quedas significativas em seus salários e padrões de vida. Aliado a esta conjectura
econômica evidencia-se a histórica falta de investimentos governamentais em
condições básicas de saneamento, habitação e meios de transportes adequados
para a região que, em menos trinta anos viu um grandioso aumento em suas taxas
demográficas, tanto pelos deslocamentos internos e expansão da metropolização
fluminense, quanto pelas migrações de grande contingente de outros estados. A
década de 1980 será reconhecida economicamente e socialmente como a “década
perdida”, mas de sua metade ao seu final ocorre o importante processo de
redemocratização do país, com o fim do regime militar, período efetivamente
finalizado com a Constituição de 1988 e as eleições diretas para presidente da
República de 1989, além de se ressaltar a queda do Muro de Berlim e o fim da
União Soviética, também entre os anos de 1989 e 1990, no âmbito internacional.
Evidenciando-se que o capitalismo liberal, ou neoliberal, será a estrutura econômica
vigente a partir de então no Ocidente, e podemos dizer em todo o planeta.
A Baixada Fluminense passará a ser vista como rincão da violência, da
pobreza e da miséria, e também como o local do atraso e da falta de investimentos.
Desta análise desprende-se que o município de Nova Iguaçu, juntamente com os outros da Baixada Fluminense formaram um cinturão de pobreza em torno do município do Rio de Janeiro. A desatenção das autoridades quanto a esses fatos refletiu claramente na vida societária da região, levando Nova Iguaçu a ter um de seus distritos, Belford Roxo, classificado como sendo um dos locais mais violentos do mundo. A cidade ficou estigmatizada como local de grupos de extermínio que tanto aterrorizaram a região (RODRIGUES, 2007, p.84).
61
A partir da década de 1990 e com mudanças estruturais de base econômica
realizadas no Brasil a partir do Plano Real e a estabilização monetária, assim como
os rearranjos produtivos e flexíveis em processos de transformação já iniciados a
partir do final dos anos 1970 e evidenciados nos anos 1990, o Rio de Janeiro, a
RMRJ e a Baixada Fluminense apresentarão mudanças significativas dentro do
panorama econômico nacional.
São observados avanços e uma inflexão positiva no início dos anos 1990 no
país e o Estado do Rio de Janeiro também apresentará sinais de estabilização e
crescimento dos índices econômicos com a vinda de fábricas e indústrias
automobilísticas à região e a adequação da política nacional às demandas do capital
financeiro global e novas tecnologias. Nova Iguaçu, e grande parte dos municípios
da Baixada Fluminense, entrarão em uma fase que “poderíamos chamar de uma
passagem da economia iguaçuana de uma economia industrial para uma economia
de serviços” (RODRIGUES, 2007, p. 87). Nova Iguaçu, especificamente, passará por
um momento sui generis porque verá uma diminuição drástica de seu território e de
sua população, fato que irá afetar diretamente sua arrecadação. Devido à
Constituição de 1988, territórios e localidades buscaram, através de suas lideranças
locais, a emancipação proporcionada pela nova Carta. Estas emancipações
ocorreram principalmente pelo discurso da falta de investimentos básicos em grande
parte destas localidades, e que não faziam parte da centralidade do município
iguaçuano, e pelos interesses de lideranças políticas locais por terem mais
autonomia, poder e representatividade eleitoral. Ambos, o discurso e os interesses,
possuem fundamentação real, mas podem ser relativizados pelas diferentes
opiniões políticas, ideológicas, históricas e acadêmicas. Queimados, Belford Roxo,
Japeri e Mesquita foram os territórios “perdidos” por Nova Iguaçu neste período e
que vão gerar um efeito econômico importante para o município “original”.
Nova Iguaçu destacou-se nesse período nos setores relativos à extração de minerais, indústria de transformação, comércio atacadista, comércio varejista, construção civil, serviços industriais de utilidade pública, transportes, comunicações, instituições financeiras, aluguéis, ou seja, o município passa a se destacar, principalmente, como um grande centro de serviços da Baixada Fluminense (RODRIGUES, 2007, p.90).
62
Porém não podemos esquecer outros municípios da Baixada Fluminense
que terão importante participação para o Produto Interno Bruto (PIB) da RMRJ e
como geradores de emprego e crescimento para o Estado do Rio de Janeiro (ERJ).
Duque de Caxias, com a REDUC23 e Belford Roxo onde está situada a Bayer24.
Verifica-se uma mudança das principais atividades econômicas, onde o setor
industrial irá se difundir e partirá para um processo de descentralização, buscando
situar-se em cidades médias e pequenas, e um pouco distanciado dos grandes
conglomerados metropolitanos; e o desenvolvimento do setor de serviços e
comércio, que ganhará um novo dinamismo com as altas taxas demográficas, a
diversificação das indústrias e atividades produtoras, proporcionando um
crescimento econômico para grande parte dos municípios pertencentes à Baixada
Fluminense e à RMRJ. Podemos ver a seguir um quadro da composição do PIB do
município de Nova Iguaçu.
23 A Refinaria de Duque de Caxias – Reduc é hoje a mais completa e complexa refinaria do sistema Petrobras, tendo sido inaugurada, em 1961, com apenas seis unidades, além da casa de força. Localiza‐se na Rodovia Washington Luís, km 113,7, no distrito de Campos Elísios (Duque de Caxias). 24 “Inaugurado em 1958 pelo ex‐presidente da Bayer no País, Prof. Ulrich Haberland, ao lado do ex‐presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, a planta ocupa uma área de 2 milhões de m2, reúne a única fábrica de MDI ‐ um dos componentes para formulação do poliuretano ‐ da Bayer MaterialScience na América do Sul e a segunda maior unidade de formulação de inseticidas, fungicidas e herbicidas da Bayer CropScience em todo o mundo. Além disso, nesta localidade funciona a única fábrica de resina alifática poliuretânica da América Latina, matéria‐prima utilizada na formulação de vernizes para as indústrias da construção civil, moveleira e automotiva”. Fonte: http://www.bayer.com.br/scripts/pages/pt/grupo_bayer/unidades_no_brasil/parque_industrial_belford_roxo/index.php
63
Figura 8 - Composição do PIB de Nova Iguaçu – 2000.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), 2003 apud Rodrigues (2007, p.91).
É importante ressaltar como o período entre os anos 1980 e 2000 favorece,
e de certa maneira força, o desenvolvimento das atividades do setor terciário, além
uma grande informalidade no mundo do trabalho nos núcleos urbanos da RMRJ,
mudando de maneira decisiva as características da geração de renda, das
oportunidades de trabalho e da própria habitação e deslocamentos urbanos na
metrópole do Rio de Janeiro. Os transportes urbanos estarão intimamente ligados a
esta matriz de mudança econômica e de configuração social observada pelos
municípios que integram a RMRJ. Há uma fragmentação dos empregos formais em
um contingente imenso que trabalha informalmente no centro do Rio de Janeiro, ou
nos centros dos municípios da metrópole fluminense, assim como os intensos
deslocamentos intra e interurbanos dos empregos e trabalhos pautados no setor de
serviços e que têm na sua própria natureza a necessidade de flexibilidade e de
velocidade.
O surgimento do transporte por vans será ressaltado por Mamani (2004),
que inclusive o classificará como “transporte informal”, devido à aderência ao “novo”
mundo do trabalho à qual esta forma de se transportar está diretamente ligada. A
64
princípio como transporte fretado para eventos específicos, posteriormente como
opção de conforto e velocidade frente aos ônibus e sua frota envelhecida, depois
como efetiva alternativa da falta de oferta de linhas dos ônibus regulares,
velocidade, preço e flexibilidade frente à rigidez de itinerários e maus serviços
prestados pelas empresas de ônibus. Fonseca (2005) focará seu olhar na “invenção
de mercado” proporcionado pelos mototáxis na favela da Rocinha, na zona sul da
cidade do Rio de Janeiro, e demonstrará como este novo modal surge como
alternativa aos transportes convencionais e que não podiam chegar às partes mais
altas das favelas, além de ser uma nova possibilidade de trabalho para jovens com
pouca escolaridade da Rocinha, na flexibilização de horários para o trabalho destes
mesmos jovens, e que contariam ainda com altas doses de “emoção”. Os mototáxis
vão se espalhar efetivamente como um serviço de transportes da RMRJ, mesmo que
permaneça sem regulamentação. Silva (2007) ressaltará através de um estudo de
caso o funcionamento interno de uma cooperativa de vans situada em município da
Baixada Fluminense, onde tenta problematizar as imagens cristalizadas e reificadas
de criminalização desta atividade, revelando e apresentando categorias nativas,
formas de organização e luta política dos atores envolvidos frente a órgãos públicos,
interesses dos empresários de ônibus, concessionárias oficiais e as tensões com as
forças policiais, tráfico de drogas e milícias. Pires (2011) fará uma observação
participante nos trens da Central do Brasil, que realiza o transporte de milhares de
pessoas entre a zona oeste, a Baixada Fluminense e o centro do Rio de Janeiro,
pautado na organização e nas relações dos trabalhadores informais dentro dos
vagões dos trens. O trabalho de ambulantes, também conhecidos como camelôs,
nos vagões urbanos do Rio de Janeiro já se realiza há muitos anos, porém o
aumento da taxa de desemprego formal, principalmente nas décadas de 1980 e
1990, empurrou uma massa de trabalhadores para estas atividades tidas como
“menores” na hierarquia do mundo do trabalho e social. Os antagonismos entre
estes trabalhadores, os seguranças privados da concessionária do serviço de trens
urbanos, a intermediação com a Polícia Militar e as deficiências estruturais do
próprio serviço prestado aos clientes/cidadãos, são problematizados e discutidos no
cenário atual da configuração sócio-espacial e histórica do Rio de Janeiro e do
próprio país.
2.2.3 Baixada Fluminense e identidades territoriais
65
A incorporação da discussão sobre a construção material e subjetiva, as
territorialidades e identidades da região conhecida e reconhecida como Baixada
Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, e que concerne um conjunto de
municípios que integram a RMRJ possuindo uma delimitação geográfica, é de
fundamental importância a este trabalho, pois incidirá luz à hipótese de que a
territorialidade, as construções e percepções identitárias endógenas e exógenas a
esta região possuam implicações diretas na oferta dos transportes urbanos à
população que vive e se desloca diariamente para a cidade do Rio de Janeiro, e
outras localidades da RMRJ, para a realização do “fazer-se” da vida cotidiana.
Mais do que as observações de ineficiências e imobilidades na oferta dos
transportes urbanos, nossa hipótese é conjugar as percepções identitárias no
cruzamento entre as formas como as pessoas efetivamente se transportam, o que
pensam sobre o ato de se transportar, como se é percebido publicamente e
midiaticamente esse transporte, o que os nascidos e residentes da Baixada pensam
sobre o local onde vivem em contraponto com outros locais em que não-vivem, mas
que constantemente precisam se deslocar, e como as políticas de mobilidade
refletem essas percepções. A produção acadêmica sobre o território da Baixada
Fluminense, e sua consequente análise aqui realizada, será de grande importância
como suporte instrumental e teórico para o trabalho aqui proposto.
A construção de uma imagem negativa da Baixada Fluminense parece ter
sido criada/divulgada a partir dos anos 1960 (sem que se possa precisamente
afirmar quando) no auge da ditadura militar e posterior ao grande avanço da mancha
urbana que transbordou os limites da cidade do Rio de Janeiro, aliada às grandes
deficiências urbanas, ao grande contingente da população mais pobre do Rio de
Janeiro que migrou para a região, à distância em relação à cidade do Rio de Janeiro,
a precariedade dos sistemas de transportes, a desvalorização do uso do solo, o
surgimento de grupos de extermínio ligados à polícia militar, ainda na ditadura e
posterior a ela, e o grande aumento nos índices de violência da região,
principalmente do número de homicídios. Os anos de 1970, 1980, e até meados dos
anos 1990, corroboraram com a imagem pública da Baixada Fluminense de território
estritamente relacionado à pobreza e principalmente à violência, violência esta
diretamente ligada aos, ainda existentes, grupos de extermínio formados por
66
policiais militares e confrontos gerados pelo banditismo relacionado ao tráfico de
drogas25.
Nas décadas de setenta e oitenta os jornais impressos mais populares e de
grande circulação ajudaram, de forma bastante efetiva, a ampliação e divulgação
dos casos de violência da região, mostrando de maneira bastante clara, em suas
capas, fotos de pessoas assassinadas, quase sempre de forma chocante e realista.
Os jornais televisivos sempre se focaram em matérias jornalísticas que mostravam
as deficiências e crimes, quase nunca vinculando notícias sobre os aspectos
políticos, culturais ou ambientais, mesmo quando os índices de violência dos
municípios que formam a Baixada Fluminense eram iguais ou menores aos índices
apresentados pela cidade e bairros do município do Rio de Janeiro. A partir de
meados dos anos 1990 os grandes grupos de mídia do estado pareceram modificar
um pouco suas linhas editoriais e criaram cadernos especiais sobre a região, com a
circulação exclusiva aos municípios circunscritos à região, mas que buscaram
evidenciar pontos positivos da Baixada, relacionando suas notícias a eventos
culturais, sociais, esportivos e educacionais. Na televisão alguns programas de
notícias sobre o Rio de Janeiro abriram espaço para a Baixada Fluminense,
alternando o noticiário com os já conhecidos casos de violência e algumas
especificidades positivas. (SIMÕES, 2011, ps. 20, 21).
Alves (2003) ratifica, com informações detalhadas, as relações entre os
poderes e lideranças locais e o governo militar, além da intervenção política, as
eleições e ações violentas na Baixada Fluminense desde o final dos anos 1950 até a
década de 1990. Seu levantamento foi realizado principalmente pelas notícias
vinculadas na mídia e nos arquivos de um inventário da violência na região,
realizado pela Diocese da Igreja Católica de Nova Iguaçu, já que por um longo
período de tempo as informações sobre os crimes cometidos na região não tinham
respaldo estatístico ou registros oficiais confiáveis, e os que existiam à época não
25 Apesar de o início da segunda metade dos anos 1990 ter sido relativamente positivo para uma mudança na imagem da Baixada Fluminense, esta transformação estando relacionada à expansão econômica de alguns municípios, à especulação imobiliária e às disputas políticas de atores relevantes dentro da arena política do Estado, a região não conseguiu se livrar completamente do status de território de violência, pobreza e ausência do Estado, com casos emblemáticos da permanência de grupos de extermínio ligados às instituições policiais militares e a total falta de controle do Estado frente ao domínio de grupos de traficantes em muitas localidades da Baixada. Os casos mais notórios e de grande repercussão midiática, nacional e internacional, foram a chacina de Nova Iguaçu e Queimados, ocorrida em 30 de Março de 2005, onde 30 pessoas foram assassinadas e mais recentemente a chacina da Chatuba/Mesquita, onde seis jovens foram torturados e assassinados em 10 de Setembro de 2012.
67
correspondiam à efetividade das ocorrências reais. O autor segue apontando a
existência de diferentes gerações de grupos de policiais autodenominados como os
“esquadrões da morte” e que atuavam no controle do banditismo e “protegendo” a
população, além de realizarem o controle das ações e manifestações de
movimentos populares e de oposição nos municípios através do medo e de
assassinatos.
A partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os grupos de
extermínio passam a ter outras características, devido à grande repercussão
midiática e a associação direta e evidente das atividades criminosas às polícias,
principalmente à polícia militar. Neste momento ocorre um movimento de
“terceirização” destes grupos, fragmentando-se as ações em grupos dissociados ou
afastados das instituições policiais, mas sem, no entanto, deixarem de coexistir
paralelamente aos grupos de policiais. Havendo, a partir dos anos 1980, a
coexistência de políticas para o fim dos grupos de extermínio dentro das
corporações e instituições policiais, os próprios esquadrões da morte operantes26 e
os grupos de extermínio autônomos, estes formados por matadores e/ou políticos
locais,
ex-policiais e policiais.
Em Elias e Scotson (2000) temos uma análise das diferenciações entre os
grupos estabelecidos e outsiders. Até que ponto podemos enquadrar os moradores
da Baixada Fluminense, em uma situação de moradores outsiders, ou até mesmo de
estabelecidos, quando variamos os parâmetros entre as cidades comparadas. Algo
que fica bastante nítido é a existência de uma determinada consciência coletiva
entre esses moradores quando comparamos suas percepções positivas ou
negativas com relação ao seu lugar de sua residência com cidades próximas;
cidades da Baixada Fluminense ou outras cidades que compõem a RMRJ; e como
essas percepções variam quando existe uma comparação com outras regiões, neste
caso, no município do Rio de Janeiro.
Os estabelecidos e os outsiders estão, concomitantemente, separados e
unidos por um laço tenso e desigual de interdependência. Os outsiders vivem
estigmatizados por todos os atributos associados à anomia, como a delinquência, a
violência e a desintegração. Durante muitos anos, e até aos dias atuais, os
26 Ver nota 28.
68
moradores da Baixada Fluminense carregam estereótipos construídos por
diferenças culturais e econômicas entre os municípios desta região e o município do
Rio de Janeiro. Obviamente que vários bairros e regiões da cidade do Rio parecem
se integrar e interagir com as cidades “vizinhas” de maneiras diferenciadas. Quanto
mais uma região ou bairro for considerado como uma zona de subúrbio, maior será
a possibilidade de integração com as cidades periféricas ao município do Rio de
Janeiro. Uma maior concentração na percepção entre esses estereótipos parece
estar delineada entre moradores das áreas nobres da cidade do Rio e os habitantes
de favelas da cidade, assim como moradores da Baixada Fluminense. Estes
estereótipos não são necessariamente associados a qualidades ou defeitos
individuais, mas sim, tacitamente, ligados ao local de origem destas pessoas, à
localidade onde nasceram e onde, principalmente, residem.
“Favelado”, “Playboy”, “Madame”, “Perua”, “Papa-goiaba”, “Patricinha”. Temos aqui algumas palavras, novas ou antigas, que de uma forma bastante sucinta demonstram e declaram certos valores pejorativos (ou positivos, nos casos de identificação intragrupo) que podem ser empregados em diversas situações, mas que quase sempre vêm acompanhados de associações aos locais de origem ou moradia das pessoas estigmatizadas. Até mesmo em projetos tidos como meramente políticos ou econômicos, podemos verificar a existência de tensões entre locais e cidades muito próximas, com fortes laços de interdependência. Podemos utilizar como exemplo a campanha para a (re) criação do Estado da Guanabara, onde se separaria novamente a região metropolitana do interior do Estado, criando assim dois estados independentes Será que somente questões econômicas ou políticas estariam embutidas nessa tentativa de separação? (SILVA, 2007, p. 80).
Freire (2005) ressalta nas percepções encontradas tanto no seu campo de
pesquisa, no caso o município de Nova Iguaçu e o senso do justo dentro de uma
associação de moradores da mesma cidade, quanto na referência a um outro
território percebido, no caso a “Zona Sul” da cidade do Rio de Janeiro, um grupo de
sentimentos que demarcam a uma visão específica do “outro”, que tanto “exclui” os
moradores de uma determinada região com relação aos valores em comum, como
também servem como espelho para uma integridade como “humanidade” entre
essas regiões “distintas”.
A autora, uma estrangeira que vem ao Rio de Janeiro e decide pesquisar
uma cidade da Baixada Fluminense, percebe as tensões existentes no contato entre
69
esferas e grupos de pessoas que vivenciam as realidades “específicas” de seus
respectivos “territórios”, levando em consideração o estado de filiação e “posse” que
esses moradores detêm em relação aos seus locais de nascimento, residência ou
moradia. As palavras de desaprovação com relação à sua escolha em residir
(mesmo que temporariamente) em uma cidade da Baixada Fluminense para a
realização de sua pesquisa eram todas relacionadas a um senso comum quase que
unânime pertencente aos seus conhecidos, colegas de doutorado ou amigos
moradores de bairros da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. As alusões à
violência, ao mau-gosto, à breguiçe, à distância e ao contato com o “povão”, eram
sempre acompanhadas de risos apaziguadores ou comentários geralmente íntimos,
pois tecer essas ideias em meio a um número grande de pessoas poderia causar
“desconfortos” ou percepções de preconceito. O interessante é perceber como as
complexidades econômicas, sociais e culturais de uma região vasta e heterogênea
como a Baixada Fluminense parecem ser sempre superadas por uma perspectiva
homogeneizadora de um status já dado, anterior. O que parece ocorrer é a que a
necessidade da existência de uma região “antagônica” é fundamental para que uma
outra região possa ressaltar suas próprias qualidades.
Em uma passagem de sua tese a autora descreve que quando residiu em
Niterói nunca ouvira os mesmos comentários pejorativos em comparação aos
ouvidos no momento em que decidiu residir em Nova Iguaçu, mesmo que a autora
colocasse aos seus interlocutores que a distância entre as cidades não era tão
grande assim (na verdade quase a mesma comparando determinados bairros e
regiões em relação ao centro do Rio de Janeiro). Situar essa “visão” da Zona Sul
não exclui a contrapartida da percepção dos habitantes da Baixada Fluminense,
onde comentários quase que diametralmente opostos acabam por delimitar as duas
posições, cada uma de acordo com as suas respectivas filiações territoriais. A
indicação de desconforto de alguns dos entrevistados (moradores de Nova Iguaçu)
pela autora, derivada das zonas de contato na interação social entre os dois
“grupos”, parece fornecer condições para se perceber um sentimento de
descolamento de percepções da realidade vivida pelos moradores da Baixada em
comparação aos habitantes da Zona Sul. Mesmo nos locais em que o contato e a
interação podem ser permitidos, esse desconforto parece latente. Isso fica claro nas
falas em um dos entrevistados de Freire, que explicita sua condição de estudante
universitário de uma instituição pública (portanto com um “status” positivo na cidade
70
onde mora), mas que ao mesmo tempo sente-se fora do eixo e do contexto dos
valores que seus colegas compartilham. Para este personagem seus colegas não
passariam de “chatos”, “anarquistas por conteúdo, mas na vida era a classe média
mais babaca da Zona Sul do Rio de Janeiro” (FREIRE, 2005, p.101).
Freire (2005) identifica três reações emotivas que revelariam o que ela
chama de “percepção do recorte Zona Sul sobre o recorte “Baixada Fluminense””.
Ela os define como: o risível (o deboche); o choque/medo e a desolação/compaixão.
Essas reações emotivas segundo a autora não seriam isoladas e poderiam funcionar
simultaneamente, elas refletiriam os sentimentos dos habitantes da Zona Sul em
relação à população da Baixada. No sentido contrário, na observação das reações
emotivas do recorte “Baixada Fluminense” sobre o recorte “Zona Sul”, poderíamos
enxergar, como síntese dessas reações, sentimentos indicando a existência de uma
certa superficialidade do jeito de ser do “carioca” (nascido no município do Rio de
Janeiro), da supervalorização do sofrimento e do trabalho do morador da Baixada
em comparação às facilidades dos “acessos” permitidos por se morar e se educar
em uma região privilegiada economicamente e socialmente. Esse aspecto fica
ressaltado quando um personagem morador de Nova Iguaçu cita a letra da canção
“Cariocas”27 da compositora Adriana Calcanhotto e afirma que a “identidade”
fornecida pela música não é a mesma encontrada e sentida pelo povo da Baixada
Fluminense
27 Cariocas (Adriana Calcanhotto) Cariocas são bonitos Cariocas são bacanas Cariocas são sacanas Cariocas são dourados Cariocas são modernos Cariocas são espertos Cariocas são diretos Cariocas não gostam de dias nublados
Cariocas nascem bambas Cariocas nascem craques Cariocas tem sotaque Cariocas são alegres Cariocas são atentos Cariocas são tão sexys Cariocas são tão claros Cariocas não gostam de sinal fechado
Fonte: http://letras.mus.br/adriana‐calcanhotto/43853/ Acesso em Nov. 2013.
71
2.3 Dados sobre população, saúde e educação públicas na Baixada Fluminense
Não existem muitos dados e informações confiáveis e com metodologias que
possam ser comparáveis acerca de índices de desenvolvimento humano,
escolaridade ou até mesmo de acesso a fornecimento de serviços básicos de saúde
e saneamento, durante ciclos longos de tempo na Baixada Fluminense. As
mudanças ocorridas nos institutos e centros de pesquisas, as diferentes
metodologias, a não continuidade de séries históricas por mudanças de governos,
de grupos e interesses políticos, por enfoques estatísticos específicos e mudanças
técnicas e de profissionais dificultaram a possibilidade de se ter dados consistentes
e que pudessem revelar as transformações ocorridas na região durante a passagem
do século XX e início do século XXI. Porém demonstramos anteriormente alguns
momentos importantes de mudanças, avanços e retrocessos, no que tange o acesso
da população a cada vez mais serviços públicos e a tentativa de uma participação
mais ativa na melhoria da qualidade de vida dentro do cenário urbano da RMRJ.
Simões (2011) ressalta o avanço demográfico, tendo seu início na década de 1940,
e com seu auge até final dos anos 1970, e com posterior queda desses índices
devido à diminuição do crescimento vegetativo da população e das taxas de
migração interna. Nas figuras 9 e 10 podemos observar o crescimento e queda dos
índices demográficos nas séries entre 1940 e 2010, onde percebe-se um aumento
da população em números absolutos, principalmente no município de Nova Iguaçu,
onde devemos considerar seu desmembramento em outros municípios na década
de 40 e nos anos 1990. Porém, o ritmo de crescimento populacional, decai já ao final
dos anos 1970 e se mantém relativamente estável até os dias atuais.
72
Figura 9 - Crescimento populacional 1940-2010 da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Fonte: Simões (2011, p. 229).
Figura 10 - Taxa decenal de crescimento populacional da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Fonte: Simões (2011, p. 230).
73
Com relação ao serviço público de saúde, e à educação pública ofertada aos
habitantes da Baixada Fluminense, também podemos encontrar correlações com
outros municípios e regiões da RMRJ, ao mesmo tempo em que dificuldades
específicas do “núcleo” da Baixada podem ser apontados em relação aos serviços
públicos observados. Na saúde pública fica evidenciada a deficiência dos serviços
oferecidos, tanto em relação a unidades de saúde quanto a quantidade de leitos
oferecidos por número de habitantes. Onde é observado que:
Tomando como parâmetro a recomendação da Organização Mundial de Saúde que é de 2,5 leitos para cada grupo de mil habitantes, verificamos que apenas cinco municípios conseguem atender a este padrão, o que leva a mesma situação descrita no que diz respeito às unidades de saúde. Não podemos nem apontar como positivos os casos de Paracambi e Tanguá, bem acima desta média. Nestes casos o elevado número de leitos está ligado a existência, nesses municípios, de unidades de saúde voltadas para atendimento psiquiátrico e de “repouso” de idosos, sendo assim, incapazes de atender a doentes com outras necessidades (SIMÕES, 2011, ps.241, 242).
Porém este fenômeno não é exclusivo aos municípios da Baixada
Fluminense, em relação à concentração ao número de leitos disponíveis, verifica-se
uma grande incidência dos mesmos em áreas distantes de grande parte dos bairros
populosos e populares em municípios da Baixada e também em bairros da cidade
do Rio de Janeiro, principalmente nas zonas norte e oeste, onde grande parte dessa
população necessita realizar grandes deslocamentos cotidianos à procura dos
serviços de saúde, tendo quase sempre a ineficiência e a falta de leitos quando
necessitados. Os atendimentos e leitos concentram-se em locais onde grandes
hospitais se situam, promovendo a circulação de um grande contingente a alguns
núcleos urbanos devido à presença destes hospitais ou unidades de saúde mais
específicas. Este é o caso do Hospital da Posse, no bairro da Posse em Nova
Iguaçu e que concentra a demanda por serviços de saúde de grande parte dos
municípios da Baixada Fluminense, assim como o Hospital Geral de Bonsucesso, no
bairro de Bonsucesso e tangenciando a Avenida Brasil, e o Hospital de Saracuruna.
Na figura 10 fica demonstrada a ineficiência no número de leitos oferecidos e
observa-se que este número aumenta no município do Rio de Janeiro e de Niterói
em relação a outros municípios da RMRJ.
74
Figura 11 - Leitos públicos por mil habitantes na RMRJ, ano de 2009.
Fonte: Simões (2011, p.242).
Na questão da educação pública o quadro encontrado também não é dos
mais favoráveis. Verifica-se que o ensino fundamental (primeiros e segundo
segmentos), que têm como por determinação constitucional serem administrados
pelos municípios, possuem índices de municipalização na Baixada Fluminense que
não contemplam a determinação da Constituição, principalmente o município de São
João de Meriti. Verifica-se uma enorme resistência dos governos municipais em
assumir efetivamente o ensino fundamental devido ao temor do aumento das
despesas em relação à folha salarial dos servidores e do custo de manutenção das
instalações educacionais. Em contrapartida, o ensino médio público está
praticamente contemplado pela rede estadual em toda região da RMRJ, mas os
índices de matrícula podem ser relativizados pelo péssimo desempenho escolar
proporcionado pelo serviço público, onde grande parte da população procura
escolas particulares na tentativa de melhoria do desempenho dos jovens, mesmo
sabendo-se que grande parte das escolas particulares também apresenta
deficiências. Quem não possui condições financeiras mantém os filhos na rede
estadual, porém os desempenhos obtidos no Índice de Desenvolvimento do Ensino
Básico (IDEB)28 e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)29, nos níveis
28 “O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação básica, buscando contribuir para a melhoria da qualidade desse nível de escolaridade. A partir de 2009 passou a ser utilizado também como mecanismo de seleção para o ingresso no
75
fundamental (municípios) e médio (estado), demonstram o enorme “fosso”
educacional que se encontra grande parte da população. A figura11 demonstra o
desempenho no IDEB dos municípios da RMRJ no ensino fundamental (SIMÕES,
2011).
Figura 12 - Dados IDEB do ensino fundamental na RMRJ, ano de 2009.
Fonte: Simões (2011, p.249).
Em relação ao ensino superior é observado o grande gargalo educacional
gerado pela pirâmide de qualidade verificada no país. Enquanto a educação dos
ensinos básico, fundamental e médio possuem resultados sofríveis nas avaliações
oficiais e na vida efetiva dos estudantes, o ensino superior público concentra as ensino superior. Foram implementadas mudanças no Exame que contribuem para a democratização das oportunidades de acesso às vagas oferecidas por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), para a mobilidade acadêmica e para induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. Respeitando a autonomia das universidades, a utilização dos resultados do Enem para acesso ao ensino superior pode ocorrer como fase única de seleção ou combinado com seus processos seletivos próprios. O Enem também é utilizado para o acesso a programas oferecidos pelo Governo Federal, tais como o Programa Universidade para Todos – ProUni”. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre‐o‐enem. Acesso em Jan. 2014. 29 “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) em 2007 e representa a iniciativa pioneira de reunir num só indicador, dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e médias de desempenho nas avaliações. Ele agrega ao enfoque pedagógico dos resultados das avaliações em larga escala do Inep a possibilidade de resultados sintéticos, facilmente assimiláveis, e que permitem traçar metas de qualidade educacional para os sistemas. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do Inep, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios”. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/portal‐ideb/o‐que‐e‐o‐ideb. Acesso em Jan. 2014.
76
melhores instituições e possui os resultados mais expressivos. Evidencia-se a
adentrada às vagas oferecidas pelas universidades públicas, os estudantes que
tiveram condições, através de suas famílias, de poder pagar escolas particulares em
algum momento de suas vidas ou por toda a vida escolar. A partir dos anos 2000,
através de mudanças nas formas de acesso às universidades públicas, à construção
de novas universidades e ampliação do número de vagas, à política de cotas sociais
e raciais, à incorporação do ENEM como instrumento de avaliação em grande parte
das universidades públicas, incorporou-se um grande contingente de jovens das
classes mais pobres ao ensino superior público. Porém um grande contingente de
estudantes, que possuem enormes deficiências educacionais carregados pela má
formação nas escolas públicas, se matriculam em faculdades e universidades
particulares realizando um grande esforço financeiro para pagarem suas
mensalidades30.
Ainda assim é notória a desproporção de vagas ofertadas aos estudantes da
Baixada Fluminense e a localização das sedes das principais universidades públicas
do estado do Rio de Janeiro. A partir do final dos anos 1990, mas principalmente nos
anos 2000, algumas universidades se instalaram como polos ou com filiais em
alguns municípios da Baixada, como a Universidade Federal Rural do Estado do Rio
30“Investir em uma formação de ensino superior resulta em ganhos futuros. A conclusão faz parte de relatório divulgado hoje (13) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o documento, no Brasil, ter curso superior resulta em um aumento de 156% nos rendimentos. É o mais alto índice entre todos os 30 países pesquisados. O estudo aponta que, nos países analisados, em média, um indivíduo que concluiu a educação superior recebe pelo menos 50% a mais do que uma pessoa com ensino médio concluído. De acordo com a OCDE, no Brasil, 68,2% dos indivíduos que completaram a universidade ou um programa avançado de pesquisa ganham duas vezes mais que a média de um trabalhador. O estudo aponta, ainda, que 30,1% dos brasileiros entre 15 e 19 anos não estão estudando e que, desses, 16,1% estão empregados, 4,3% estão desempregados e 9,7% não estão na força de trabalho. A população brasileira de 15 a 29 anos e com mais estudo é a que tem menor probabilidade de estar desempregada. Entre a população dessa faixa etária que está fora do sistema educacional, 6,2% dos graduados da educação superior estão desempregados. Na mesma situação, estão 10,2% dos jovens que concluíram o ensino médio e 5,58% dos que não concluíram esse nível de ensino. A falta de qualificação de nível médio é, de acordo com o estudo, “um sério impedimento para encontrar emprego”. Jovens que não concluem o ensino médio e que não estão estudando estão 21 pontos percentuais menos propensos a encontrar um emprego. A OCDE avalia que há um “alto nível de vulnerabilidade” na educação brasileira, principalmente entre os estudantes com 15 anos de idade. Cerca de 50% deles apresenta baixa pontuação em leitura. Entre os países que participaram do estudo, a média é 19%. Além disso, o risco de obter essa pontuação baixa é uma vez e meia maior para estudantes com desvantagem de origem socioeconômica; 1,3 para os meninos em relação às meninas; e 1,3 para estudantes cujos pais têm baixo nível de escolaridade. O relatório aponta também que, entre 2000 e 2008, o Brasil foi o país que mais aumentou os gastos por aluno da educação primária até o segundo ciclo da educação secundária (ensino médio), equivalente a uma elevação de 121%.. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/noticias/2011/09/13/fazer‐faculdade‐no‐brasil‐pode‐aumentar‐salario‐em‐mais‐de‐150‐diz‐ocde.htm. Acessado em Jan. 2014.
77
de Janeiro (UFFRJ), que tem como sede o município de Seropédica, e inaugurou um
campus em Nova Iguaçu, algumas filiais da Universidade Federal Fluminense (UFF)
e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em Duque de Caxias, a filial
do CEFET no bairro de Santa Rita em Nova Iguaçu e a transformação do antigo
CEFET de Química, em Nilópolis, em Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) -,
mas com a mudança da sede para o Rio de Janeiro. Ainda assim fica clara a
concentração de vagas e universidades públicas na cidade do Rio de Janeiro,
forçando que muitos jovens se desloquem cotidianamente para poder estudar,
aumentando seus custos e impedindo que tantos outros possam estudar devido à
distância das universidades do seu local de moradia somado às deficiências do
ensino público dos ciclos básicos. As figuras 13 e 14 demonstram a concentração de
alunos do ensino superior em alguns municípios da RMRJ e a concentração das
instituições de ensino superior também de acordo com os municípios situados na
RMRJ (SIMÕES, 2011).
Figura 13 - Concentração de alunos de ensino superior nos municípios da RMRJ, ano de 2008.
Fonte: Simões (2011, p. 255).
78
Figura 14 - Concentração de instituições públicas de ensino superior na RMRJ, ano de 2011.
Fonte: Simões (2011, p. 256).
2.4 Dados gerais
2.4.1 Nova Iguaçu
Tabela 1 – Dados gerais sobre Nova Iguaçu. Nova Iguaçu População Estimada 2011
799.047
População (censo 2010)
796.257
Incidência da Pobreza31 (2003)
54, 15%
31 “(...)A medida mais comum da pobreza é o índice de incidência da pobreza (headcount ratio), H, o qual constitui a proporção de pobres na população total (...)”. Disponível em: http://www.ipc‐undp.org/pub/port/IPCOnePager18.pdf. Acesso em Jan. 2014.
79
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)32 do Município / Ranking Nacional
0,713 / 1514
Valor do IFDM 0,7244
Ranking Estadual 11º
Índice da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) de Desenvolvimento Municipal33-IFDM – (2009)
Ranking Nacional 1.058º
PIB per capita em 2009
11 047
Área urbana: 98,9% População Residente (2010)
Área rural:1,1 %
4ª série / 5º ano: 4.1 (meta para o ano era de 4.4 )
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.6).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
10
Eleitorado (2012)
561.391
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps.42, 43), adaptado pelo autor34
32 “O objetivo da criação do Índice de Desenvolvimento Humano foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se viver". Democracia, participação, equidade, sustentabilidade são outros dos muitos aspectos do desenvolvimento humano que não são contemplados no IDH. O IDH tem o grande mérito de sintetizar a compreensão do tema e ampliar e fomentar o debate”.Disponível em: http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH. Acesso em Jan. 2014.
33“O Índice da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (IFMD) – FIRJAN ‐ de Desenvolvimento Municipal, é um estudo anual do Sistema FIRJAN que acompanha o desenvolvimento de todos os mais de 5 mil municípios brasileiros em três áreas: Emprego & Renda, Educação e Saúde. Ele é feito, exclusivamente, com base em estatísticas públicas oficiais, disponibilizadas pelos ministérios do Trabalho, Educação e Saúde. Mesmo com um recorte municipal, foi possível gerar um resultado nacional discriminado por unidades da Federação, graças à divulgação oficial das variáveis componentes do índice por Estados e para o país. De leitura simples, o índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade. Além disso, sua metodologia possibilita determinar, com precisão, se a melhora relativa ocorrida em determinado município decorre da adoção de políticas específicas ou se o resultado obtido é apenas reflexo da queda dos demais municípios”. Disponível em http://www.firjan.org.br/ifdm/. Acesso em Jan. 2014.
80
2.4.2 Queimados
Tabela 2 – Dados gerais sobre Queimados.
Queimados População Estimada 2011
139.188
População (censo 2010)
137.962
Incidência da Pobreza (2003)
67,52%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,680 / 2439
Valor do IFDM 0, 5886
Ranking Estadual 91º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 3.718º
PIB per capita em 2009
9 785
Área urbana: 100% População Residente (2010)
Área rural: .......
4ª série / 5º ano: 4.2 (meta para o ano era de 4.4 )
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.3 (meta para o ano era de 3.4).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
4
Eleitorado (2012)
15.254
Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 47), adaptado pelo autor35.
34Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2009), FIRJAN (2009), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. (PNUD ‐ 2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu. 35 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Queimados.
81
2.4.3 Japeri
Tabela 3 – Dados gerais sobre Japeri.
Japeri População Estimada 2011
96.430
População (censo 2010)
95.492
Incidência da Pobreza (2003)
76,37%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,659 / 2924
Valor do IFDM 0, 5729
Ranking Estadual 92º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 4.015º
PIB per capita em 2009
5 792
Área urbana: 100% População Residente (2010)
Área rural: .......
4ª série / 5º ano: 3.8 (meta para o ano era de 3.9 )
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 2.7 (meta para o ano era de 3.4).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
5
Eleitorado (2012)
68.002
Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 51), adaptado pelo autor36.
36 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Japeri.
82
2.4.4 Belford Roxo
Tabela 4 – Dados gerais sobre Belford Roxo.
Belford Roxo População Estimada 2011
472.008
População (censo 2010)
469.332
Incidência da Pobreza (2003)
60,03%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,684 / 2332
Valor do IFDM 0, 6421
Ranking Estadual 81º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.711º
PIB per capita em 2009
8 280
Área urbana: 100% População Residente (2010)
Área rural: .......
4ª série / 5º ano: 3.8 (meta para o ano era de 4.3 )
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.4).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
19
Eleitorado (2012)
314.063
Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 55), adaptado pelo autor37.
37 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Belford Roxo.
83
2.4.5 Mesquita
Tabela 5 – Dados gerais sobre Mesquita.
Mesquita População Estimada 2011
168.966
População (censo 2010)
168.376
Incidência da Pobreza (2003)
Sem dados disponíveis
IDH do Município / Ranking Nacional
0,737 / 850
Valor do IFDM 0, 6359
Ranking Estadual 83º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.837º
PIB per capita em 2009
7 928
Área urbana: 100% População Residente (2010)
Área rural: .......
4ª série / 5º ano: 4.1 (meta para o ano era de 4.4)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.2 (meta para o ano era de 3.4).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
2
Eleitorado (2012)
130.604
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 59, 60), adaptado pelo autor38.
38 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Mesquita.
84
2.4.6 Nilópolis
Tabela 6 – Dados gerais sobre Nilópolis.
Nilópolis População Estimada 2011
157.710
População (censo 2010)
157.425
Incidência da Pobreza (2003)
32,48%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,753 / 488
Valor do IFDM 0, 6644
Ranking Estadual 63º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.245º
PIB per capita em 2009
9 434
Área urbana: 100% População Residente (2010)
Área rural: .......
4ª série / 5º ano: 4.4 (meta para o ano era de 4.0)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.1).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
4
Eleitorado (2012)
126.547
Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 63), adaptado pelo autor39.
39 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Nilópolis.
85
2.4.7 São João de Meriti
Tabela 7 – Dados gerais sobre São João de Meriti.
São João de Meriti População Estimada 2011
459.379
População (censo 2010)
458.673
Incidência da Pobreza (2003)
47,00%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,719 / 1331
Valor do IFDM 0, 7039
Ranking Estadual 40º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 1.416º
PIB per capita em 2009
8 514
Área urbana: 100% População Residente (2010)
Área rural: .......
4ª série / 5º ano: 4.1 (meta para o ano era de 4.4)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.3).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
43
Eleitorado (2012)
357.963
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 67, 68), adaptado pelo autor40.
40 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2009), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de São João de Meriti.
86
2.4.8 Duque de Caxias
Tabela 8 – Dados gerais sobre Duque de Caxias.
Duque de Caxias População Estimada 2011
861.158
População (censo 2010)
855.048
Incidência da Pobreza (2003)
53,53%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,711 / 1574
Valor do IFDM 0, 7685
Ranking Estadual 12º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 453º
PIB per capita em 2009
29 501
Área urbana: 99,7% População Residente (2010)
Área rural: 0,3%
4ª série / 5º ano: 4.2 (meta para o ano era de 4.1)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.1 (meta para o ano era de 3.2).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
25
Eleitorado (2012)
607.663
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 72, 73), adaptado pelo autor41.
41 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Duque de Caxias.
87
2.4.9 Magé
Tabela 9 – Dados gerais sobre Magé.
Magé População Estimada 2011
228.972
População (censo 2010)
227.322
Incidência da Pobreza (2003)
64,02%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,709 / 1638
Valor do IFDM 0, 7588
Ranking Estadual 16º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 559º
PIB per capita em 2009
7 544
Área urbana: 94,7% População Residente (2010)
Área rural: 5,3%
4ª série / 5º ano: 3.9 (meta para o ano era de 4.1)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.2 (meta para o ano era de 3.6).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
16
Eleitorado (2012)
168.573
Fonte: Magalhães (et al, 2013, p. 78), adaptado pelo autor42.
42 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Magé.
88
2.4.10 Guapimirim
Tabela 10 – Dados gerais sobre Guapimirim.
Guapimirim População Estimada 2011
52.522
População (censo 2010)
51.483
Incidência da Pobreza (2003)
46,21%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,698 / 1969
Valor do IFDM 0, 5964
Ranking Estadual 90º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 3.568º
PIB per capita em 2009
Não disponível
Área urbana: 96,6% População Residente (2010)
Área rural: 3,4%
4ª série / 5º ano: 4.3 (meta para o ano era de 3.8)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.3 (meta para o ano era de 3.7).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
S/D
Eleitorado (2012)
37.351
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 82,83), adaptado pelo autor43.
43 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Guapimirim.
89
2.4.11 Itaguaí
Tabela 11 – Dados gerais sobre Itaguaí.
Itaguaí População Estimada 2011
111.171
População (censo 2010)
109.091
Incidência da Pobreza (2003)
52,93%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,715 / 1454
Valor do IFDM 0, 7520
Ranking Estadual 19º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 645º
PIB per capita em 2009
28 479
Área urbana: 95,5% População Residente (2010)
Área rural: 4,5%
4ª série / 5º ano: 4.5 (meta para o ano era de 4.2)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.6 (meta para o ano era de 3.4).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
13
Eleitorado (2012)
84.235
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 87, 88), adaptado pelo autor44.
44 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Itaguaí.
90
2.4.12 Seropédica
Tabela 12 – Dados gerais sobre Seropédica.
Seropédica População Estimada 2011
79.179
População (censo 2010)
78.186
Incidência da Pobreza (2003)
50,85%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,713 / 1514
Valor do IFDM 0, 7362
Ranking Estadual 28º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 875º
PIB per capita em 2009
8 574
Área urbana: 82,2% População Residente (2010)
Área rural: 17,8%
4ª série / 5º ano: 4.3 (meta para o ano era de 4.0)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 3.6 (meta para o ano era de 3.8).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
7
Eleitorado (2012)
52.873
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 92, 93), adaptado pelo autor45.
45 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2009), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Seropédica.
91
2.4.13 Paracambi
Tabela 13 – Dados gerais sobre Paracambi.
Paracambi População Estimada 2011
47.635
População (censo 2010)
47.124
Incidência da Pobreza (2003)
49,08%
IDH do Município / Ranking Nacional
0,720 / 1301
Valor do IFDM 0, 6758
Ranking Estadual 57º
Índice FIRJAN de Desenvolvimento Municipal-IFDM – (2009) Ranking Nacional 2.015º
PIB per capita em 2009
8 838
Área urbana: 88,5% População Residente (2010)
Área rural: 11,5%
4ª série / 5º ano: 4.8 (meta para o ano era de 4.2)
IDEB da Rede Pública no município (2011)
8ª série / 9º ano: 4,3 (meta para o ano era de 3.8).
Aglomerados Subnormais-Favelas (2010)
5
Eleitorado (2012)
32.373
Fonte: Magalhães (et al, 2013, ps. 96, 97), adaptado pelo autor46.
46 Fontes citadas: Censo IBGE (2010), INEP (2011), CEPERJ (2007), FIRJAN (2009), PNUD (2010), Tribunal Superior Eleitoral (2012) e Prefeitura Municipal de Paracambi.
92
3 CAPÍTULO 2: CONTEXTO TEÓRICO E METODOLÓGICO – TERRITÓRIO,
IDENTIDADE, MOBILIDADE URBANA E MÉTODO
3.1 Território: tempo, espaço e urbanização
Pesquisar a mobilidade urbana na RMRJ não pode se realizar sem que
perpassemos a uma análise e a alguns pensamentos acerca da questão do
território.
Castells (1983) realiza uma análise histórica em relação à questão urbana, e
a seus desenvolvimentos, quando parte da observação, do que em um determinado
momento era denominada de urbanização nas sociedades subdesenvolvidas,
retirando do termo “subdesenvolvimento” seu viés histórico-linear que, de certa
forma, igualizaria os desenvolvimentos econômicos e urbanos dos diferentes países
do mundo, renomeando o desenvolvimento urbano desses países em novos
parâmetros, chamando a atenção para os processos de “dominação” e de
“dependência” nos campos estruturais da produção, do trabalho, dos fluxos de
capitais, da política e da ideologia. Sobre esta análise podemos ter como expressão
clara:
Uma sociedade é dependente, quando a articulação de sua estrutura social, a nível econômico, político e ideológico, exprime relações assimétricas com uma outra formação social que ocupa, frente à primeira, uma situação de poder. Por situação de poder, entendemos o fato de que a organização das relações de classe na sociedade dependente exprime a supremacia social adotada pela classe no poder na sociedade dominante. (CASTELLS, 1983, p.59).
No momento atual estas afirmações podem ser criticadas ou contextualizadas
em formas mais complexas em relação a um novo momento onde os antigos países
“subdesenvolvidos” passaram a assumir um novo papel nas relações econômicas e
políticas com o mundo “desenvolvido”, este focado no eixo América do Norte nos
Estados Unidos da América (EUA) Canadá, e Europa Ocidental. O grande
crescimento econômico e o avanço em alguns números relativos à diminuição da
pobreza e ao acesso a serviços de melhor qualidade (mesmo que estes índices
sejam criticados internamente) se colocaram em contraposição a fortes crises
econômicas vividas recentemente pelos EUA e pela Europa Ocidental.
93
Uma das contribuições mais pertinentes é a observação da preponderância
dos “aglomerados urbanos” no crescimento urbano desses países, onde há também
um alto índice de metropolização47 de alguns desses aglomerados, tornando
algumas cidades/metrópoles como polos de alta concentração e hierarquização
frente a outros aglomerados urbanos, mas não havendo, a priori, uma integração
entre esses polos, pois esta “hiperurbanização” se daria mais pelos processos
migratórios do binômio campo/cidade e do crescimento vegetativo e quedas de
mortalidade, do que um planejamento de integração das funções produtivas e
superpostas entre cidades ou regiões. Os aspectos históricos da “dependência” à
metrópole48 na política, na ideologia, na produção e nos fluxos dos capitais estariam
evidenciados na própria formação das cidades/aglomerados na América Latina,
apesar do autor ressaltar as grandes diferenças internas entre os países da América
do Sul, e como bloco entre estes países e os países da América Central, por
exemplo. Porém as especificidades sociais nortearam as configurações urbanas de
acordo com as expansões econômicas, os processos demográficos e as decisões
políticas desses países latino-americanos.
Castells (1983) também observa a questão da segregação urbana, tema que
discute relacionando-a diretamente com a análise da própria estratificação urbana,
esta proveniente da estratificação social. Ressaltando que as condições de
habitação de um determinado espaço se relacionam com os contextos sociais
complexos, onde são criadas certas zonas internas e socialmente homogêneas em
comparação a outras zonas/espaços distintos, informando uma disparidade social
entre os integrantes destes espaços diferenciados/excluídos e indicando que essa
disparidade não é representada somente pela diferença (social e/ou econômica),
mas também sendo o resultado e a produção de uma hierarquia entre esses
espaços socialmente e materialmente construídos49.
Com relação à segregação urbana há o levantamento de níveis de
determinação social que devem ser considerados nas análises de diferenciação e
hierarquização dos espaços urbanos, e sua tendência à exclusão urbana, chamando
atenção para os níveis: econômico, político-institucional, ideológico e da luta de
classes, também podendo ser observados uma opção repressiva, das classes 47Castells (1975) indica como metrópole cidades ou aglomerados com mais de um milhão de habitantes. 48Portugal, Inglaterra, EUA e Europa, pensando em um fluxo histórico linear e no desenvolvimento do capitalismo. 49Castells (1983, ps.210, 211).
94
dominantes, ou integradora, esta última “visando a explosão da comunidade,
dispersando-a no conjunto de um espaço residencial hostil”.5051
Quanto ao nível econômico é interessante a observação de que:
a implantação de locais de produção só exerce influência indireta, quer dizer através da situação na rede de transportes. Isto obriga a considerar a segregação de forma bem mais dinâmica, não só simplesmente como uma diferença de locais, mas como uma capacidade de deslocamento e de acesso em relação a pontos estratégicos da rede urbana (CASTELLS, 1983, p.224).
De forma ainda mais completa há o apontamento para a observação dos
transportes como processos de “circulação”, onde deveriam constar na análise de
dimensionamento desse “problema” dos alguns fatores essenciais para a efetividade
da circulação urbana, como produção, consumo, troca e gestão52. Existe o efetivo
esclarecimento para a superação de uma perspectiva estritamente técnica, no que
tange o dimensionamento e a gestão dos meios de transportes, para uma
perspectiva que propõe até mesmo uma sociologia dos transportes, aproximando-se
à própria hipótese levantada por este projeto de qualificação de tese. Outro ponto a
se ressaltar é a afirmação de uma diferenciação social53 baseada em uma
observação histórica e urbana da oferta desigual aos serviços de transportes para
determinados grupos sociais. Por fim temos evidenciada a importância dos
transportes para a circulação e o fazer-se urbano quando é afirmado que “(…) um
estudo sociológico dos transportes se baseia numa análise das contradições entre a
lógica interna de um sistema de circulação e as condições históricas dos meios de
transporte através dos quais ele deve realizar-se” (CASTELLS, 1983, p.249).
Podemos observar nas discussões em Santos (1994) o domínio das
diferentes técnicas de produção, circulação e relações humanas que estruturam os
espaços, e que são “construídas” em diferentes momentos, em diferentes “tempos”
históricos, se integrando pelas formas interacionais referenciadas aos habitantes
desses espaços, sejam em países, regiões, cidades ou localidades, e que estão
sempre em disposições relacionais entre as alteridades dos próprios espaços 50Castells (1983, p.225). 51É importante ressaltar que os estudos sobre segregação urbana relatados e teorizados por Castells estão circunscritos à observação dos processos de urbanização e metropolização norte‐americanos a partir de metade do século XX. 52Castells (1982, p.238). 53Castells (1983, p.241).
95
“concorrentes”, não podendo ser analisados em valores absolutos ou em seus
“espaços” absolutos.
Um dado importante e fundamental é a crítica e o apontamento em relação à
necessidade da observação da variável “tempo” dentro dos estudos das histórias
das cidades. Mais o que isso há uma afirmação contundente de que haveria uma
confusão das análises do que seria o “urbano” e o que seria a própria “cidade”.
Onde “o urbano é frequentemente o abstrato, o geral, o externo. A cidade é o
particular, o concreto, o interno. Não há o que confundir. Por isso na realidade, há
histórias do urbano e histórias da cidade” (SANTOS, 1994, p.69). Esta afirmação é
pertinente no que revela as dificuldades em se analisar e perceber as nuances do
tempo, as singularidades do passado com as frequências do presente, onde é
importante resgatar a história de formação do urbano, ou da cidade, para que se
possa dar conta dos processos atuais e das dinâmicas do hoje. O cuidado com a
relevância dessa(s) história(s) vão ser de grande importância para se perceber a
estruturas do passado, e que não podem ser mais “sentidas” no presente, mas que
ainda permanecem nas materialidades do espaço, como no caso específico dos
transportes urbanos.
De alguma maneira as “formas” do passado das cidades, das singularidades
em suas formações disporiam as “histórias dos transportes, a história da
propriedade, da especulação, da habitação, do urbanismo, da centralidade”
(SANTOS, 1994, ps.69, 70). Essas “formas” não revelariam somente o que já “foi”, o
passado que não mais é, também seriam “criadoras” de regularidades do presente,
das práticas do hoje, mesmo que permeadas pelas mudanças do dia-a-dia, do
cotidiano.
Santos (1994) realiza uma crítica contundente das dinâmicas urbanas
baseadas nos processos de globalização, surgidas pós Segunda Guerra Mundial e
aceleradas em tempos contemporâneos, denominando essa modernização como
uma passagem das cidades para as “metrópoles” e em seus últimos estágios para o
que ele chama de “necrópoles”. Ressaltando as necessidades dessas “necrópoles” a
obedecer à lógica da técnica, da ciência e da informação, não se importando com o
lugar do cidadão ou do espaço público, tornando-se rígidas em suas esferas de
cidadania e em seus espaços públicos, alterando a movimentação dos indivíduos e
das diferentes funções dos espaços e constructos da cidade, “o simbólico se torna
96
um coadjuvante precioso do mercadológico. É essa a danação da metrópole
contemporânea” (SANTOS, 1994, p. 78).
Ainda sob a égide da discussão temporal e a percepção dos “períodos”
históricos, onde estes funcionariam como apontadores dos símbolos e visões de
mundo, de certa forma compartilhadas por gerações de pessoas, e que possam
retratar recortes/retratos mais nítidos no tempo-espaço das histórias humanas e do
próprio mundo, é notória a contribuição de Harvey (2009) para um certo encaixe
dessa percepção tempo-espaço na perspectiva contemporânea. As observações
sobre a passagem dos fluxos geracionais e a adentrada da pós-modernidade como
“novo” recorte de valores e paradigmas se fazem necessárias para a discussão
sobre transportes, mobilidade urbana e o espaço urbano, já que as próprias noções
sobre as distâncias e o tempo vêm se transformando.
Há a análise textual, filosófica e empírica do que é denominado como:
“mudanças das estruturas de sentimentos”. Estas mudanças estariam situadas, em
sua origem histórico-processual, em meados da década de 1960 do século XX, e
sua efetivação como “rompimento” com os sentimentos/práxis modernos estariam
em ação a partir de meados dos anos 1970. Essas mudanças tratariam de algumas
oposições entre polaridades totalizadoras do pensamento vigente de um período
para outro, neste caso do modernismo ao pós-modernismo. È feito um levantamento
de termos que poderiam ser colocados em oposição e que, mesmo de forma
fragmentária e inconclusiva, revelaria essas mudanças das percepções e ações dos
“sentimentos” na passagem para o pós-modernismo. Essas polarizações estariam
colocadas, com alguns exemplos, nas formas: “gênero/fronteira (modernismo) x
texto/intertexto (pós-modernismo), hierarquia (modernismo) x anarquia (pós-
modernismo), semântica (modernismo) x retórica (pós-modernismo), distância
(modernismo) x participação (pós-modernismo)” (HASSAN, 1985, p. 123,124 apud
HARVEY, 2009, p. 48).
Mesmo que não seja em nenhum momento evidenciado no texto de Harvey
(2009), ou em suas referências, a obra de Capra (1982), é difícil não realizar a
correspondência entre as discussões desses autores. Onde podemos ver em Capra
(1982), mesmo com o uso de outra terminologia ou bases teóricas, a percepção
ontológica nos processos históricos do pensamento humano, utilizando inclusive
como base filosófica argumentos tradicionais do oriente, e até mesmo da tradição
religiosa, com argumentos para a observação de um gradativo processo de
97
afastamento da visão de mundo estritamente materialista e cartesiana para
elementos que incorporem aspectos mais subjetivos, interacionais, complexos,
multidimensionais, no movimento que o mesmo acaba por nomear como
“perspectiva sistêmica” dos diferentes campos do mundo (CAPRA, 1982).
Em relação ao binômio tempo/espaço Harvey (2009) ressalta como o
processo de “acumulação flexível”, iniciado na década de 1960, acaba por
transformar as percepções humanas quanto aos ciclos de produção e circulação que
afetam as interações entre o tempo e os diversos espaços percebidos e vividos. A
internacionalização da produção, a fragmentação e disseminação pulverizada dos
“espaços” simbólicos e culturais, como o cinema, a culinária, a arquitetura ou estilos
de vida de determinadas “culturas”, através da mercantilização global, deixariam as
pessoas em uma dessincronia das efetivas relações entre tempo/espaço vividos e
reais, e os “esquemas mentais” subjetivados pelas pessoas, e que ainda estariam
vinculadas ao paradigma modernista.
A possibilidade destes esquemas mentais estarem em um processo de
adaptação ao momento inicial, mas pungente, da pós-modernidade, levaria a uma
reinterpretação do espaço pelos indivíduos, onde o processo de socialização e
individuação atuaria em configurações que valorizassem o “local” e não pudessem
se integrar ao que é “espacial”, pela própria dificuldade fragmentária e difusa
disposta pelo processo de acumulação flexível. O distante se aproximaria através de
uma mercantilização, em escala mundial, de estéticas e “modos de vida” de todo os
países do planeta, podendo ser “consumidos” em uma velocidade não conhecida
anteriormente, onde culinárias, imagens, produtos, indumentárias, músicas e
símbolos poderiam ser consumidos a qualquer momento, dependendo da escolha e
das informações do consumidor/cliente.
Ao mesmo tempo há uma valorização da “identidade local”, de uma cultura
ligada a um certo território, que possa ser identificado com um “lugar”, um local que
possa se diferenciar e situar os indivíduos a certos parâmetros fixos, a uma cultura
própria e única, mesmo que estas especificidades também estejam sendo usadas
nas configurações e diferenciações necessárias para as estratégias capitalistas de
flexibilização, produção e circulação de seus produtos. A pós-modernidade estaria
nos levando ao paradoxo entre a valorização do local como lócus de individuação e
pertencimento em oposição concomitante ao que é global e culturalmente
98
disseminado por todo o planeta, gerando esta apropriação difusa e confusa das
percepções entre tempo e espaço (HARVEY, 2009, ps.272, 273).
3.1.1 Reflexões e “saídas”
Santos (1994) e Harvey (2009) revelam seu espanto com a impossibilidade de
se perceber efetivamente os rumos, e uma mínima capacidade de fornecer
parâmetros inteligíveis, para a compreensão das mudanças produtivas e simbólicas
ocorridas nas últimas décadas.
A velocidade dessas mudanças provavelmente seja o principal fator para este
momento de “incompreensão”, pois, e apesar, dos avanços tecnológicos realizados
de maneira progressiva na História do capitalismo nos últimos séculos, as mudanças
de paradigmas iniciados em meados da década de 1960 nunca encontraram
precedentes nos processos de produção e circulação de informação no mundo
contemporâneo. Santos (1994) ressalta a necessidade de valorização dos indivíduos
e grupos que de alguma forma estão alijados do mundo capitalista globalizado, que
não dividem o mesmo modus operanti. na qual a sociedade atual parece reproduzir
os fluxos de hiperconsumo e excesso de informações, chamando a atenção para
uma possível “saída” a este processo disjuntivo e desintegrador produzido pela
globalização, revelado pelos detentores dos “tempos lentos”, das oposições a essa
nova visão de mundo e que ainda não estariam integrados às relações globalizadas.
Dar voz e perceber a inovações criativas destes atores seria uma das possibilidades
para se pensar em alternativas ao processo difuso do presente. Harvey (2009)
aponta como reflexão na possibilidade de se lidar com os processos vigentes, uma
tentativa de valorização de determinadas necessidades locais, representados em
movimento sociais, grupos de interesse, lideranças políticas, que possam adensar
identidades locais, regionais ou nacionais. Porém ressalta o perigo e a possibilidade
de desvirtuamento dessas demandas locais, em autodeterminações culturais que
possam gerar intolerâncias, sectarismos e nacionalismos exacerbados, utilizando
como exemplo o caso da polarização e ascensão da extrema direita no caso da
França.
Acerca das contribuições de Castells (1983) podemos refletir que o mesmo,
ainda que não estivesse em um momento histórico favorável à percepção
distanciada sobre as mudanças apontadas pelos autores anteriores, demonstra que
99
sua principal preocupação estava concentrada nas atualizações de formulações
marxistas em relação à questão urbana e o processo de desenvolvimento histórico
do capitalismo, principalmente nas imbricações entre produção capitalista,
reprodução social, urbanismo e as lutas de classe. Primeiramente ele denomina
como “ideológicas” as formulações sobre “questão urbana”, da forma como elas são
criadas e utilizadas pelas teorias urbanísticas e sociológicas, ressaltando os
aspectos naturalizantes e alienantes que essas concepções sobre o urbano levam
às percepções sobre as contradições estruturais das classes sociais (CASTELLS,
1983, p.458). Porém, e provavelmente o mais importante como contribuição a este
trabalho, seja sua conceituação quanto à noção de “espaço”, onde o mesmo diz que:
É tão pouco possível fazer uma análise do espaço “em si” quanto fazer uma análise do tempo… O espaço como produto social, é sempre especificado por uma relação definida entre as diferentes instâncias de uma estrutura social: a econômica, a política, a ideológica e a conjuntura de relações sociais que ela resulta. O espaço portanto é sempre uma conjuntura histórica e uma forma54 social que recebe seu sentido nos processos sociais que se exprimem através dele. O espaço é suscetível de produzir , em troca, efeitos específicos sobre os outros domínios da conjuntura social, devido à forma particular de articulação das instâncias estruturais que ele constitui (CASTELLS, 1983, p.459).
Mesmo com os diferentes usos das noções de “tempo” e “espaço” utilizados
por Castells (1983), Harvey (2009) e Santos (1994), suas contribuições são
fundamentais para o ensejo de perceber as mudanças e vivências da passagem da
modernidade ao que denominamos pós-modernidade ou globalização55, e
principalmente à complexização das noções de espaço, localidade e território que
são fundamentais e integrativos dos processos de socialização e individuação das
dinâmicas atuais, e mais especificamente em relação à mobilidade urbana.
3.2 Território e identidade: conceitos e usos
É importante perceber que a questão da identidade territorial possui
rebatimentos estruturantes na construção e oferecimento dos transportes urbanos, e
de maneira mais ampla e geral, nas políticas de mobilidade urbana. De alguma
54Grifo do autor. 55Outros autores utilizam outras conceituações e denominações, algumas que iremos ver posteriormente.
100
forma as noções de que há uma hierarquia entre diferentes localidades e territórios
parece já fazer parte do imaginário antropológico e sociológico desde meados do
século XX. Os estudos de caso baseados nos bairros de Chicago em meados da
década de 1930, nos Estados Unidos, introduzem a importância do urbano e de
suas localidades em um cenário de importância da sociologia, a “Escola de Chicago”
ressalta em seus estudos e teorias as especificidades que as localidades, os
“guetos” urbanos, podem gerar nos indivíduos. Toda uma gama de subjetividades,
sociabilidades, individuações e integrações coletivas, estarão intrinsecamente
vinculadas ao pertencimento a um determinado território, sua cultura específica e as
formas como esses “territorializados” se relacionam com “outros” pertencimentos e
identidades. É importante relatar que estas identidades não são inteiramente
determinantes ou inflexíveis, pois estão em constante contato com outras
identidades e territorialidades, seja este contato realizado pelas relações familiares e
comunitárias, em uma primeira instância; seja pelas interações culturais (televisão,
cinema, rádio, outdoors, etc.) e coletivas impessoais (relações comerciais, relações
fortuitas nas ruas, encontros casuais com desconhecidos); porém a sensação de
pertencimento e a internalização de que se “é” de algum lugar se faz imprescindível
para a própria autonomia da psique humana.
A sensação primeira, de ser de algum lugar, de ocupar algum lugar/espaço
que lhe seja caro e familiar está incluída às primeiras percepções de se sentir
pertencente a um mundo de coletividades e de pessoas que são diferentes de você,
por mais que os indivíduos a priori não saibam quais são essas diferenças, a não ser
pelos aspectos físicos e indumentais, identificáveis também pelas nossas pré-
noções e pré-conceitos, e que nos são colocadas e introjetadas desde nossas
primeiras articulações de palavras. Estas “percepções” são logo e posteriormente
seguidas por outros conhecimentos e internalizações, mesmo que passadas de
maneira superficial e inacabada, podendo ser objetivadas e descritas como: a
sabedoria da posição hierárquica do lugar de onde você “é” possui em relação à
posição hierárquica de um lugar de onde você não “é”. Talvez a melhor explicação
para a frase anterior seja: saber, desde tenra idade, quais são os melhores e piores
lugares em diferentes escalas, tendo como parâmetro o lugar onde você nasceu
e/ou reside.
Estes “lugares” podem estar circunscritos a uma rua, a um beco, a uma série
de casas de uma rua de um bairro, a um outro bairro considerado mais violento.
101
Porém parece que existem instâncias e dimensionamentos relativos quanto à escala
desses “lugares”. A mãe de uma criança dizer que seu filho/a não deve ir a tal rua
pode estar relacionada a um medo da falta de controle a um limite geográfico, ou a
certeza de aquela rua específica tem tido mais assaltos, ou de que o trânsito
naquela rua anda muito intenso, mas também há uma percepção de que mesmo
com todos esses “perigos” esse lugar é conhecido e reconhecido, podendo inclusive
nomear determinadas ruas ou locais como potencialmente perigosos por um certo
conhecimento “táctil”. Aquela mãe provavelmente viveu naquele lugar, sabe de suas
histórias, as histórias não oficiais, os locais valorizados e desvalorizados através do
tempo e em relação à sua própria vida, ao seu casamento, ao nascimento de seus
filhos, aquele “lugar”, e todas as suas subdivisões, pertencem à sua própria história,
à sua própria vida.
Dentro desse “conhecimento” propiciado pelas experiências de vida do
lugar/território, e as consequentes incorporações de hierarquias territoriais,
comparativas, há também o desenvolvimento de algumas “escalas territoriais” Estas
escalas vão variar em suas compreensões de acordo com as diferentes
individualidades e acessos, porém também funcionará como um conhecimento
coletivo, que poderá ser aferido pelos moradores/habitantes destes territórios em
relação a outros moradores/habitantes. Este tipo de “conhecimento” e “escala” é
facilmente observado nas conversas cotidianas entre as pessoas nas ruas, bairros e
cidades vizinhas, e às vezes distantes, onde sempre é possível escutar os
comentários sobre qual é o lugar mais “agradável” ou mais “urbanizado”, “populoso”,
“ruidoso”, “pobre”, “rico”, “chique”, “brega”, “longe”, “precário”, “bonito”, entre outros.
Esta escala também funciona a nível regional, no caso do Rio de Janeiro
existe um número grande dessas denominações, como: “Centro”, “Zona Sul”, “Zona
Oeste”, “Zona Norte”, “subúrbio”, “Baixada Fluminense”, “Região dos Lagos”, “Costa
Verde”, “Grande Rio”, “Região Metropolitana”, “Norte Fluminense”, “Sul Fluminense”,
“Serra”. Estas denominações funcionam de maneira oficial e oficiosa, podendo ser
utilizadas como denominações de órgãos estatais, dos diversos níveis, e nas falas
informais da população que vive no Estado do Rio de Janeiro.
O espaço físico sempre resultará dos efeitos do espaço social, sendo este
formado pelos agentes viventes e situados que possuem uma localização e uma
posição dentro da estrutura social. Os diversos campos de ação social são arenas
para as disputas que os diferentes capitais (econômico, social, cultural, simbólico)
102
atuem para as multiplicidades de interações dos agentes dentro dos espaços físicos
e social. “Efetivamente, o espaço social se retraduz no espaço físico (…)”
(BOURDIEU, 1997, p.160). e através dessa “produção” difusa, e também confusa, é
que a possibilidade de acesso ao espaço físico, através dos transportes, da inclusão
e da exclusão dos agentes pertencentes aos diferentes espaços, se realiza. Uma
série de componentes ligados a processos de distinção estarão diretamente
vinculados à detenção dos símbolos e de capitais necessários para se pertencer a
um lugar, ou simplesmente nascer em um determinado local implicará ao agente,
usos de símbolos que o façam, em momentos específicos, a se “afastar” ou se
“aproximar” do lugar onde nasceu, ou até deixá-lo em permanente conflito, nesse
movimento realizado. É denominado de espaço social reificado o espaço físico onde
o espaço social vigente se re-produz, se realiza materialmente, através de
indivíduos, coletividades, bens e serviços que representam e agem como os valores
e símbolos naturalizados pelos agentes sociais em relação à apropriação daquele
espaço. (BOURDIEU, 1997).
No importante campo da Geografia, disciplina fundamental para a
incorporação do debate sobre território e identidade, podemos ver em Santos e
Pedon (2007), Pollice (2010) e Ritter (2011) as discussões atuais sobre estes
conceitos fundamentais para a compreensão do tema a que este trabalho se propõe.
O levantamento histórico e processual, no ainda presente debate entre os usos dos
conceitos de “espaço” e “território”, demonstram as dificuldades para os geógrafos
em chegar a um determinado consenso no que tange a intersecção entre as
interações das relações humanas (políticas, materiais, sociais, ideológicas,
simbólicas, etc.) no meio ambiente, onde os indivíduos situam suas existências nos
espaços geográficos.
O conceito de “território” surgirá de maneira mais efetiva entre os anos 1960 e
1970 e trará como inovação a incorporação dos componentes produtores e
produzidos pelas interações sociais conjuntamente com os “diálogos” entre os
indivíduos e os “espaços vividos” (POLLICE, 2010, p.8). O território será, então, o
resultado entre as ações geradas pelas relações sociais sobre o espaço geográfico,
onde o mesmo intermediará, produzirá e também será produzido pelas constantes
variações das interações humanas sobre ele, o espaço, sem se esquecer do
componente “tempo” na dinâmica dessa relação. O “território” é produto e produtor
de relações materiais, culturais, simbólicas e subjetivas que incorporam o espaço
103
(geográfico) como elemento primordial de identificação da sociabilidade humana,
seja na coletividade e na individualidade, desde que esta
sociabilidade/territorialidade possa ser re-conhecida e comunicada entre os
habitantes/atores deste território.
A questão da identidade territorial se torna fundamental nas discussões
contemporâneas sobre desenvolvimento local e suas tensões com um crescente
processo de aculturação e desterritorialização de identidades, supostamente
produzidos pelo avanço da globalização aos inúmeros territórios conectados no
mundo atual. A identidade territorial deve ser compreendida como fenômenos
materiais e abstratos que são produzidos e produzem efeitos nas relações sociais e
individuais, constituindo-os, em suas formas endógenas e exógenas a determinado
território. Os “conteúdos” dessa(s) identidade(s) estarão ligados às origens históricas
desse local e às formas como esses conteúdos se relacionam e são reproduzidos
nas instâncias cotidianas, geracionais e políticas daquele território. Porém mais do
que a existência dessas identidades, e efetivamente elas existem e resistem, o mais
importante seria compreender como essas identidades são percebidas56 pelos
atores e agentes que atuam sob as formulações e internalizações das mesmas.
Especificamente em relação às estratégias de desenvolvimento local seria prioritário
valorizar as formas pelas quais as identidades territoriais são percebidas e tornadas
em agência pelos atores/moradores destes locais do que efetivamente ressaltar de
antemão elementos de identidade que sejam fixos ou não façam mais parte
integrante das sociabilidades pousadas naquele espaço. Então o que restará, nesta
segunda opção, será uma estratégia que estagnará os processos sociais baseados
nas identidades do território, levando a casos de identidades alienígenas, como, por
exemplo, casos de “cidades turísticas”, onde em algumas situações, o objeto/fim na
estratégia de desenvolvimento local é anacrônico ao momento atual da sociabilidade
corrente no local (POLLICE, 2010).
Outro enfoque para a análise e uso dos conceitos de identidade, no que tange
as discussões sobre território, são as ações políticas para a busca de um
desenvolvimento territorial em suas bases econômica, ambiental, social e/ou
cultural. Neste caso, leva-se em consideração, fatores materiais e/ou imateriais que
levam essas localidades/territórios a uma ação de intervenção, quase sempre estatal
56 Nosso grifo.
104
(mas não obrigatoriamente), que vise: “devolver” àquele local a possibilidade de
crescimento econômico, o “resgate” de sua importância devido à sua contribuição ou
formação histórica, a “implementação” de projetos ligados ao desenvolvimento
sustentável e a preservação ambiental, ou a “re-inserção” de sua importância em um
contexto regional mais amplo, ou até mesmo em âmbito nacional.
Em Perico (2009) vemos a realização da discussão teórica e a construção de
uma tipologia denominada “Territórios de Identidade”57, onde buscou-se a
construção de uma metodologia que levasse a uma complexização dos conceitos de
espaço, território e identidade, para eventuais ações governamentais para a
valorização, neste caso específico, do desenvolvimento de áreas rurais. Desta forma
é desenhada a percepção dos conceitos de território e identidade da seguinte forma: Entendemos, por território, a dimensão política do espaço – quando este é referido reconhecido e identificado – enquanto unidade da gestão política que o distingue e o atribui existência, de certa forma institucionalizada. Nem sempre o território constitui-se numa entidade territorial, a exemplo de município, província, departamento ou estado. É suficiente ser reconhecido como unidade que pode controlar ou interagir enquanto a institucionalidade que expressa – pode ser a bacia de um rio, a união de organizações territoriais, um espaço com nítidas características étnicas ou um espaço definido por redes econômicas bem caracterizadas (…). A identidade, quando associada ao território no contexto político institucional, expressa-se como territorialidade que denota o sentimento político, a energia social e a vontade coletiva, que resultam em sentimentos – nacionalista, patriótico, regionalista, amor pela terra e diversas manifestações da força social objetiva. E o reconhecimento e compreensão desses sentimentos promovem a afirmação de muitas estratégias de desenvolvimento (PERICO, 2009, p.10).
Ainda no campo do desenvolvimento territorial, associado à identidade
cultural, e as possibilidades de avanços em seus diversos eixos, temos
considerações sobre a importância do capital social no que se refere a estratégias
de gerar uma sinergia efetiva entre as redes políticas e representativas locais às
instâncias estatais e da sociedade civil, proporcionando a superação de possíveis
atravancamentos ligados a disputas destes mesmos grupos locais. Busca-se, nesta
análise, o fortalecimento dos territórios através da produção de
bens/produtos/serviços que possam ser diretamente associados pelo mercado
consumidor a este território cultural e identitariamente demarcado, gerando assim 57 PERICO, Rafael Echeverri. Identidade e território no Brasil. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), 2009.
105
um aumento efetivo da importância deste território como um produtor representativo.
Havendo também uma ampla discussão teórica e metodológica sobre a construção
real de meios e/ou instituições que possam representar integralmente os diferentes
interesses associados às esferas locais, buscando-se maneiras mais concretas de
se institucionalizar formas de capital social, podendo este capital estar integrado ou
não às ações do Estado, ou podendo estar diretamente ligadas à iniciativa privada e
instituições do terceiro setor (FLORES, 2006).
Por fim e agregando a questão efetiva dos transportes urbanos à percepção
sobre identidade territorial, temos no trabalho de Silva (2007) um apontamento sobre
as possibilidades das identidades territoriais atingirem de maneira crucial a oferta
dos diferentes modais de transportes urbanos, oferta esta relacionada tanto à
quantidade quanto à qualidade dos serviços. A variação de “como”, “quando” e
“onde” os serviços são oferecidos pode estar diretamente relacionada aos aspectos
identitários do território, internalizados endogenamente ou exogenamente, ou mais
precisamente na relação entre as percepções internas e externas geradas na fricção
social das diferenciadas representações simbólicas ligadas a diferentes territórios
dentro de um contexto regional, neste caso específico, a Região Metropolitana do
Rio de Janeiro.
No trabalho dedicado à realização de uma etnografia em uma cooperativa de
vans de uma cidade da Baixada Fluminense, Silva (2007) chama atenção para a
necessidade de uma compreensão na maneira pela qual os indivíduos percebem-se
individualmente e coletivamente nos territórios em que vivem e trabalham, em uma
possível hierarquia territorial simbólica pautada em uma comparação com outros
territórios próximos, possuindo entre si uma relação de conurbação e
interdependência social, cultural e econômica. A relação hierárquica e assimétrica
entre estes territórios produziria efeitos que atingiriam as maneiras como os mesmos
são “internalizados” subjetivamente/coletivamente, assim como se tornam resultados
materiais e econômicos deste próprio processo de subjetivação coletiva. Neste
ponto o autor diz:
A importância e o prestígio do município do Rio de Janeiro em comparação aos municípios que formam a Baixada Fluminense, sempre foi uma “diferenciação negativa”, percebida de maneira contundente pelos habitantes da Baixada. Além de ser encarada como cidade-dormitório, pela preponderância econômica e cultural da cidade do Rio de Janeiro, Igrejinha ainda se subordinava a um
106
outro município dentro da Baixada Fluminense, o que poderia ser um fato de redução ainda maior da estima de ter nascido em Igrejinha58 (SILVA, 2007, p.64).
As diferenças econômicas e políticas (traduzidas em assimetrias produtivas,
urbanísticas, habitacionais, de capital político, ambientais, etc.) reforçariam o status
desigual das internalizações simbólicas entre estes territórios, formando-se uma
espiral de diferenciação simbólica e material, pautada nestas hierarquias territoriais
socialmente e historicamente construídas.
3.3 Mobilidade(s) urbana(s)
A discussão sobre este tema/conceito é fundamental para nosso projeto de
pesquisa, pois trata dos efeitos e resultados observados das políticas de transportes
urbanos, além de discutir e levantar questões sobre o que é efetivamente a
mobilidade, seus efeitos e rebatimentos sociais, econômicos e culturais. Também é
importante tentar compreender a temática da mobilidade urbana, devido às
diferentes interpretações que este conceito pode conferir à própria construção das
políticas de oferta de transportes, demonstrando também as diversas formas de
compreender e enxergar a questão da mobilidade dos indivíduos pelos territórios.
Gomide (2006), Rosas e Hogan (2009), Izaga (2009), Caiafa (2002, 2007),
Augé (2007), Rosa e Waisman (2006), Scaringella (2001), Lago (2000) são alguns
dos muitos autores que buscam problematizar as questões da mobilidade urbana
dentro do vasto espectro teórico e metodológico que se coloca dentro da
contemporaneidade urbana e dos diferentes contextos formativos históricos e
urbanos.
A “mobilidade como um termo polissêmico pode indicar uma gama de formas
de se movimentar assim como formas de comunicação. (…) Está ligada à
possibilidade de mover (…), à capacidade de se modificar ou de variar de estado e
também à comunicabilidade” (VICENTIM, 2008, apud ROSAS; HOGAN, 2009, p.2).
Esta forma de se classificar e compreender a mobilidade extrapola os limites dados
ao termo, principalmente até meados do século XX, como forma exclusiva de se dar
conta de um deslocamento físico entre indivíduos nos espaços urbanos ou rurais,
58 Nome fictício dado pelo autor à cidade sede da cooperativa pesquisada.
107
incorporando as crescentes transformações dos espaços urbanos com as
expansões ocorridas pelas metrópoles, através das mudanças nas formas de
reprodução social e na própria produção capitalista. A ruptura do “antigo modelo” da
cidade moderna, e seus deslocamentos pendulares entre trabalho-moradia, passa a
ser sistematicamente substituídos por deslocamentos policêntricos, que não
obedecem mais necessariamente uma força central, mas dispersa-se por outras
centralidade regionais dentro da mancha metropolitana. É interessante perceber as
percepções das diferentes formas de mobilidade levando-se em conta as escolhas
pessoais na realização dos deslocamentos urbanos, onde não mais “determinismos”
entre os modais de transportes definirão as rotas e trajetos, apesar da oferta objetiva
do sistema de transportes possibilitar escolhas ou realizar constrangimentos e
imobilidades espaciais e sociais.
São destacados quatro formas de mobilidade dentro do panorama
contemporâneo urbano. O primeiro termo será a “acessibilidade em relação à
mobilidade ou a mobilidade como possibilidade”; posteriormente a “mobilidade como
circulação”; em terceiro a “mobilidade virtual” e por último a “mobilidade social”
(ROSAS; HOGAN, 2009).
A acessibilidade entra como discussão nestas tipologias de mobilidade como
formas facilitadoras de acesso ao sistema de transportes urbanos ou aos
dispositivos púbicos e privados. De uma forma em geral o termo “acessibilidade”
está midiaticamente e popularmente ligado aos acessos a pessoas com deficiência,
porém, há apontamentos de que esse conceito pode ser utilizado e pensado de
forma muito mais ampla, pois é a maneira pela qual se dá fluidez e rapidez aos
deslocamentos das massas urbanas. A mobilidade como circulação seria as formas
e estratégias das políticas de transportes para as metrópoles e cidades, destacando-
se as discussões das necessidades das demandas de deslocamentos, os
estrangulamentos de pontos de transição entre modais, os próprios modais e
sistemas de transportes necessários para determinadas localidades e públicos, além
da atual discussão sobre sustentabilidade do sistema de transportes em geral, seja
ele público, coletivo, privado ou particular.
A mobilidade virtual aponta a tecnologia também como forma fundamental de
mobilidade, pois permite conexões e outros tipos de deslocamentos, mesmo que os
indivíduos permaneçam no mesmo espaço físico, porém estes incorporariam a
possibilidade de informação conjuntamente com o ato de se transportar, de se
108
locomover. Estar conectado à internet, ou pertencer ao estilo mobile (VICENTIM,
2008 apud ROSAS: HAGUN, 2009, p. 4) através das tecnologias de telefonia e
computação, insere os indivíduos no espaço virtual, aumentando seu poder de
comunicabilidade, mesmo à distância. Outro ponto interessante são as formas de
conjunção que o acesso ao mundo virtual pode realizar em complemento com os
transportes urbanos, seja entretendo, informando sobre as notícias do cotidiano ou
passando informações sobre o próprio trânsito ou dados relevantes sobre as
condições dos transportes urbanos em tempo real. A mobilidade social demonstraria
a percepção, já tradicional, de mudanças nos aspectos econômicos, a ascensão
social e educacional, melhorias no mundo do trabalho, e o próprio deslocamento
físico através das mudanças de domicílio. Quanto a este tema, Lago (2000) realiza
um interessante estudo acerca da mobilidade social e espacial e seus rebatimentos
sociais.
Segundo Meyer (2000 apud ROSAS; HOGAN, 2009, p.5) “o par
“fragmentação” e “dispersão” são características centrais da metrópole
contemporânea”. Esta afirmação referencia as variadas e dispersas formas de
mobilidade possíveis nas metrópoles, onde não mais a tríade domicílio-trabalho-
domícilio se fazem presente na vida cotidiana. Onde as necessidades da produção
flexível, o rompimento da estrutura formal de emprego, as possibilidades de
escolhas culturais e turísticas, e a obrigatoriedade da velocidade nos deslocamento
de pessoas e, principalmente, produtos por todo perímetro urbano, transformaram,
e, de certa forma, atomizaram as previsibilidades dos deslocamentos urbanos,
apesar do re-conhecimento de grandes deslocamentos diários de grande parte da
população, estar quase sempre formada pelas classes médias e populares.
Uma proposta interessante é a noção de ritmo para a observação das
mobilidades urbanas. Através da ideia de place-ballet, ou balé-do-lugar, de Seamon
(1980 apud ROSAS; HOGAN, 2009, p.4) poderia se observar as movimentações
diárias das pessoas nas cidades, percebendo os movimentos das diferentes
escolhas e possibilidades dos indivíduos no ambiente da metrópole.
Investigar essas rotinas que compõem o lugar é central para aprofundar os sentidos da mobilidade na experiência metropolitana. Como são individuais, é necessário pensar em termos de mobilidades pessoais, focando a percepção e as variáveis nos modos de vida (composto por escolhas e constrangimentos) para podermos avançar na compreensão do papel do lugar na delimitação
109
destes ritmos e rotinas e seus rebatimentos na espacialidade da mobilidade e da própria metrópole (ROSAS; HOGAN, 2009, p.4).
A análise dos ritmos diários revelariam os deslocamentos dos indivíduos e as
diferentes percepções dos mesmos sobre atravessar e o passar do tempo na
metrópole, e as próprias percepções coletivas, já que um grande contingente de
pessoas que circulam e dividem os mesmos espaços “físicos” e “temporais”, e no
que se refere às experiências vividas dentro dos ambientes, dispositivos e
transportes urbanos, onde se mostra que “(…) a metrópole que aparenta um vai-e-
vem descontínuo é a mesma dos lugares estruturados por rotinas têmporo-espaciais
(o balé-do-lugar)59. Tentar traçar os itinerários que conformam os diferentes ritmos
seria uma forma de refletir sobre as dinâmicas que regem a rotina metropolitana
(ROSAS; HOGAN, 2009, p.7).
Em Izaga (2009) temos o trabalho sobre a mobilidade e centralidade da
cidade do Rio de Janeiro em relação aos itinerários urbanos e sua relação com a
infraestrutura de mobilidade existente. A autora expõe o debate sobre os conceitos
de mobilidade e acessibilidade (MERLIN e CHOAY, 2005; VASCONCELLOS, 2001;
HANSON, 1995; AMAR, 2004; ACHER, 2004 apud IZIAGA, 2009) problematizando
estes termos e buscando a aproximação dos mesmos à realidade vivida pelas
metrópoles no século XXI.
No contexto da discussão teórica fica clara a necessidade de ampliação da
compreensão e entendimento do que sejam efetivamente as noções de mobilidade e
acessibilidade. Em termos gerais e técnicos há o apontamento sobre a mobilidade
como formas materializadas em possibilitar a locomoção de pessoas ou objetos,
quase sempre através dos sistemas de transportes ou formas conjugadas de
deslocamentos, estas através das ações individuais autonomizadas (como andar a
pé, correr) em conjunto com os modais de transportes, que são quase sempre
ofertados pelo poder público, seja explorado/fornecido por ele ou não.
A acessibilidade é percebida, em alguns autores, como um conceito mais
amplo, pois seria a forma pela qual haveria a facilitação do acesso aos transportes,
e consequentemente aos deslocamentos urbanos, revelando as possibilidades e o
grau de utilização da estrutura de mobilidade urbana oferecida, onde:
59 Acréscimo nosso.
110
Estas visões da mobilidade direcionam a que se compreenda sua ligação às pessoas e aos meios que elas necessitam para se deslocar no espaço do território, envolvendo a analise da conexão entre oferta dos sistemas de circulação, estrutura urbana e os custos dos transportes, como elementos interdependentes (IZIAGA, 2009, p. 29).
Uma das contribuições mais interessantes no debate exposto e aprofundado
por Iziaga (2009) é a ampliação da visão do que seja efetivamente a mobilidade e
acessibilidade, estes relacionados aos aspectos técnicos e “duros” dos transportes
urbanos, através das percepções dos locais de conexão intermodal como meros
espaços de passagem e contingenciamento das massas, para a percepção dessas
conexões como possibilidades de espaços de informação, onde os diferentes fluxos
e pessoas, a se deslocarem pela metrópole, poderão ter pontos de contato e
realizarem destinos através de pontos de convergência de troca de informações e
contatos interpessoais. Neste ponto, a autora chama a atenção, através das
formulações de AMAR (2004, apud IZIAGA, 2004), para um aspecto extremamente
negligenciado na oferta dos transportes coletivos urbanos nas metrópoles,
principalmente em países em desenvolvimento, como no Brasil. A qualidade do
serviço oferecido, e mais importante, a percepção da qualidade do tempo gasto nas
“jornadas urbanas60”. Onde o tempo ali vivido não passe a ser mais considerado
como um “tempo morto”, e sim como um “tempo útil” ou um “tempo criativo”. Esta
percepção vai de encontro exatamente com a ideia de que não se deveria somente
pensar nas estruturas e ofertas de mobilidade, mas também com a qualidade dessa
oferta, que pode ser traduzida pela construção de uma adesão real e coletiva dos
usuários dos sistemas de transporte às suas demandas subjetivas e culturais,
realizando efetivamente a inclusão dos indivíduos à esfera de percepção de que seu
tempo não está sendo perdido simplesmente pelo ato de se transportar, mas sim
que aquele “tempo” pode ser um proporcionador de outras qualidades (IZIAGA,
2009, p.30).
Esta colocação traz à tona um dos grandes impasses da oferta do sistema de
transportes urbanos no caso brasileiro, mais especificamente à RMRJ, pois reflete
não somente a ineficiência do sistema de transportes urbanos quanto à estrutura e
oferta de deslocamentos, mas também revela a total desfiliação de grande maioria
da população que se desloca diariamente através das ruas, avenidas, trilhos e 60 Caifa (2002)
111
aquavias, quanto as necessidades e percepções subjetivas no uso dos modais
existentes. Os trabalhos de Caiafa (2002, 2007), Pires (2010, 2011), Silva (2007),
Fonseca (2005), Rosa e Waisman (2006) revelam o viver intenso, difícil, árduo e
precário dentro de diferentes modais oferecidos e produzidos pela experiência
urbana, viver este quase sempre relacionado ao mundo do trabalho, mas também a
outras possibilidades, como o lazer e outras atividades referentes às atividades
urbanas.
Na avaliação de Iziaga (2009) o importante é estar atento às observações
atuais, conceituais e aferidas empiricamente sobre a “noção conjunta da mobilidade
(pessoas) e da acessibilidade (lugares)”, concluindo que “É desta forma que o uso
da palavra mobilidade, mobilidades urbanas, tende a ser mais universal sendo
recuperado no contexto mais amplo das discussões ligadas ao transporte urbano”
(IZIAGA, 2009, p.31).
Em Scaringella (2001) temos observações e apontamentos sobre os muitos
estrangulamentos nas vias, avenidas e ruas, da cidade de São Paulo, onde o uso de
carros particulares e ônibus, como principais meios de deslocamento urbano, e,
portanto, de mobilidade urbana, aumentaram de maneira exponencial os
congestionamentos e o tempo gasto para a efetivação do ato de se transportar na
metrópole paulistana nas últimas décadas. Suas observações se atrelam mais
diretamente aos aspectos técnicos dos transportes urbanos, porém chamando a
atenção para um olhar diferenciado das percepções do que o autor denomina como
“hardware urbano”, sendo este termo relacionado à oferta dos transportes oferecidos
à população para a realização de seus deslocamentos, criticando a exclusividade do
pensamento interventor da criação de grandes dispositivos e obras que tendem
sempre a buscar a produção cada vez grandiosa de mobilidade. O autor não se
afasta da percepção dessa necessidade, mas ressalta a também grande importância
de se pensar a demanda, o que, neste caso, seria o “software urbano”, chamando a
atenção para alguns pontos que deveriam também basear e gerar nas políticas de
mobilidade urbana uma preocupação central pensada na demanda da população,
levando-se em consideração, por exemplo: os horários, percursos, destinos e modos
de se transportar; a não execução da viagem ou mudança radical do modal de
transporte; internalização das dificuldades e a realização do deslocamento (este
último tópico que já é efetivamente realizado por grande parte da população
empobrecida das grandes metrópoles, cotidianamente).
112
As indicações realizadas são de que as necessidades de ampliação da oferta
de transportes urbanos através da intervenção urbana, materializada nas grandes
obras geradoras de oferta de deslocamentos, já não podem ser totalmente
contempladas devido ao próprio crescimento descontrolado da cidade de São Paulo
e da consequente impossibilidade de expansão, indicando, a defasagem nos
quilômetros construídos para o metrô da cidade, e que deveriam ter sido realizados
já nas décadas de sessenta e setenta do século passado, e que hoje, tornam-se
inviáveis para a sua efetivação devido ao grande custo com desapropriações e
inviabilidades territoriais. Ao mesmo tempo ressalta o efetivo conhecimento dos
deslocamentos urbanos através de pesquisas e controles eficazes dos mesmos; o
controle, através de tecnologia existente e acessível, na circulação e controle dos
automóveis particulares e de carga nas vias da metrópole; o efetivo planejamento de
mobilidade urbana baseado nas necessidades apontadas pela demanda da
população; e uma política preventiva e eficaz que possa trazer uma maior educação
para condutores e usuários dos meios de transporte público e particular
(SCARINGELLA, 2001, p. 59).
Em outra “ponta” do tema abordado, a mobilidade urbana, temos as
observações de Gomide (2006) que tratam das dificuldades de mobilidade à
população de estratos mais pobres da população e que vivem mais distantes em
relação ao centro da cidade de São Paulo, mostrando índices de mobilidade versus
as faixas de renda da população, indicando a relação direta entre esses fatores. Os
fatores mais representativos e indicados para a diferença observada nos índices
foram “i) as altas tarifas dos serviços, incompatíveis com os rendimentos dos
segmentos mais pobres; e ii) a inadequação da oferta dos serviços, principalmente
para as áreas periféricas das cidades” (GOMIDE, 2006, p.243). Estas dificuldades se
traduzem, segundo o autor, nas possibilidades de acesso desta população a
atividades sociais fundamentais como a educação, o lazer e o trabalho. A busca pelo
trabalho torna-se impossibilitada pela dificuldade do pagamento do serviço de
transporte devido ao preço do mesmo, o que acaba por delimitar a circulação deste
segmento social a um círculo diminuto e quase exclusivo ao local de residência.
Existiriam possibilidades de “saída” do círculo vicioso entre imobilidade,
pobreza e exclusão social, pois, em algumas cidades do território nacional, foram
formuladas políticas participativas, com conselhos municipais e orçamentos
participativos, em que avaliações e proposições dos usuários, através de
113
instrumentos de avaliação e retorno aos poderes concedentes, estabeleceram
possibilidades de incentivos aos prestadores de serviço e de responsabilização
quando estes serviços fossem sistematicamente mal avaliados. Ao mesmo tempo há
a observação da necessidade da melhor distribuição da acessibilidade e da
variabilidade das atividades econômicas e sociais nos diferentes territórios, pois fica
evidenciada a relação entre o uso do solo e as políticas de transporte, evidenciando
a necessidade de deslocamento pela falta de dispositivos públicos ou privados em
localidades e até mesmo cidades, obrigando seus habitantes a realizarem viagens
para poderem ir ao banco, realizar compras do dia-a-dia, resolver problemas
burocráticos, ir a clínicas e hospitais. (GOMIDE, 2006, p.249). Deste modo forçando
uma grande parcela da população a se organizar financeiramente e temporalmente
a se deslocarem algumas vezes ao mês para poder em realizar regularmente
algumas destas atividades.
3.4 Segregação urbana e o espaço intra-urbano
Villaça (2012) irá refletir o desenvolvimento e avanço da urbanização
brasileira, além dos processos de conurbação nas metrópoles, pensando em
categorias e conceitos que podem ser importantes para se pensar as relações entre
espaço, uso do solo e transportes. Pensa os elementos da estrutura territorial
urbana através da ideia que há um centro formador da metrópole, onde se
concentram os serviços, comércio e diversidade de trabalho; sub-centros de serviços
e comércio (agindo como repetidores/réplicas do centro principal); bairros
residências que obedecem a uma hierarquia social e polos industriais; com a
complementação o sistema de transportes, outros equipamentos urbanos e os
serviços oferecidos. Esta estrutura estará articulada a outras não necessariamente
territoriais, como a estrutura política, a ideológica e a econômica.
Aprofunda sua análise ao definir os espaços intra-urbanos como pautados
pela forma dos deslocamentos humanos, seja como força de trabalho, através dos
deslocamentos urbanos casa/trabalho x trabalho/casa, ou como um consumidor de
produtos e serviços, atuando assim como grande polo com deslocamentos
gravitacionais poderosos. Quanto à localização urbana, Villaça (2012) irá discutir,
neste caso, quais relações são importantes devido à natureza do “contato”, este
envolvendo consumidores e produtores, e locais de produção, consumo e moradia.
114
Estes tipos de espaço, através da ideia de localização urbana, serão compreendidos
entre os que envolvem deslocamentos (a localização propriamente dita) e os que
não envolvem (os objetos imóveis). As condições necessárias para a os usos do
capital e a reprodução das forças produtivas estarão diretamente relacionadas a
uma rede de infra-estrutura, energia, esgoto, transporte, vias diversificadas,
deslocamentos de pessoas, comunicações e transporte de produtos.
O mais interessante é observar que em suas percepções há o apontamento
de que a mobilidade das pessoas é mais importante que a infra-estrutura disponível,
portanto, a acessibilidade é mais importante para se criar “pontos” (localizações)
bem situados dentro da metrópole e seus subcentros, do que necessariamente a
disponibilidade a priori de uma infra-estrutura urbana61.
Quanto ao crescimento do espaço territorial das cidades, irá descrever que os
sistemas regionais de transportes acabam por definir esta expansão, dando o
exemplo das ferrovias para indicar o crescimento descontínuo e intensamente
nucleado quanto à presença das estações ferroviárias, sendo que os transportes
rodoviários provocam um crescimento descontínuo e rarefeito, porém menos
nucleado, essas diferenças se dão pela natureza dos acessos característicos a
estes modais.
Em relação à segregação urbana Villaça (2012) irá se utilizar das formulações
de Milton Santos através da ideia de “sítio social”, onde o mesmo indicará que a
sociedade urbana modifica seletivamente os lugares, agregando-se às suas
demandas funcionais. Seria por esta razão do porquê de alguns “pontos” se
tornarem mais expoentes e valorizados, formando atividades de vanguarda em
áreas privilegiadas, isto tanto nos aspectos de reprodução do capital, quanto nos
lugares de residência, onde as pessoas das camadas sociais mais elevadas
procurarão locais para viver que pareçam mais relevantes à sua época, o que não
afasta também as percepções de modismo de alguns locais em determinados
períodos, sendo desta maneira a forma como frações da cidade se valorizam ou
desvalorizam através do tempo. Podemos observar em uma citação extremamente
reveladora a descrição de como se dá e se internaliza os processos de segregação,
principalmente para quem transita, vive e trabalho nas metrópoles urbanas, neste
caso específico a RMRJ:
61 Talvez isso explique o sucesso, aparecimento e necessidade dos transportes informais, realizados por vans, kombis, mototáxis, etc.
115
O que determina, em uma região, a segregação de uma classe é a concentração significativa dessa classe mais do que qualquer outra região geral da metrópole. A Rocinha não é a região geral de maior concentração de população de baixa renda no Rio, mas a Zona Sul, apesar de todas as suas favelas, é a região geral de maior concentração das camadas de mais alta renda do Rio de Janeiro (VILLAÇA, 2012, p.143).
A segregação espacial se refere ao processo das pessoas se concentrarem
cada vez mais em diferentes e específicas regiões ou bairros de uma metrópole ou
cidade, mas é interessante perceber que não há exclusividade das camadas de alta
renda em nenhuma região geral de nenhuma metrópole brasileira, talvez estas
camadas mais altas estejam concentradas em alguns bairros, mas há a presença
das camadas mais pobres quase que em sua totalidade em todas as grandes
regiões urbanas do país.
Villaça (2012) irá problematizar os conceitos de segregação urbana, utilizando-
se dos argumentos de Lojkine (1981)62 e realizando a crítica aos argumentos de que
a segregação seria um fenômeno “produzido pelos mecanismos de formação dos
preços do solo, estes por sua vez, determinados (...) pela nova divisão social e
espacial do trabalho” (LOJIKNE, 1981, p. 199 apud VILLAÇA, 2012, p. 143).
Primeiramente indicando que a uma tendência de que os solos e terrenos mais
caros sejam efetivamente comprados pelas camadas econômicas mais elevadas,
mas ressalta que apesar dessa tendência, exemplifica que isto não é uma regra ou
determinação, já que no caso brasileiro muitos bairros nobres e povoados pelas
camadas altas são adquiridos em solos baratos, indicando inclusive que a própria
classe média também adquire esses terrenos, citando o caso de Copacabana e
Recreio dos Bandeirantes no Rio de Janeiro. Utilizando de exemplos de Castells
(1978, ps. 203, 204. apud VILLAÇA, 2012, p.148)63,. também critica as colocações
surgidas pela escola sociológica empírica americana derivada da Escola de Chicago
e de concepções que ele denomina de Ecologia Fatorial dos anos 1960, onde a
segregação se daria por uma possível ação social coletiva voluntária e involuntária,
62 LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 63 CASTELLS, Manuel. La questíon urbana. 5ª ed. Ciudad de Mexico: Siglo Veintiuno Editores S/A, 1978. __________(org.) Imperialismo y urbanizacion en America Latina. Barcelona: Gustavo Gili, 1973. __________ “European Cities, the Informational Society, and the Global Economy”. In: New Left Review, 204, March/April, 1994.
116
onde a ação voluntária se daria pelas classes mais altas e a reação involuntária
acabaria por se traduzir à camadas mais pobres. Villaça refuta esta percepção.
Villaça (2012) irá se aproximar das afirmações de Castells e articulará estas
concepções com outros autores que se debruçaram junto ao tema, onde será
apresentado que a segregação urbana, mais do que a relação de ações voluntárias
ou involuntárias entre indivíduos, apresenta-se, em seus espectros mais amplos,
junto às contradições e a dialética que envolve o próprio fazer-se do espaço
metropolitano, das cidades. Uma disputa de classes sociais está no cerne da
questão da segregação e da valorização de determinados espaço em detrimento a
outros. Castells indicará que esta luta entre as classes incidirá sobre uma
estratificação urbana baseada em uma estratificação urbana, resultando na
concentração e segregação de áreas e espaços que irão se caracterizar por
concentrar e separar as camadas mais ricas das mais pobres no espaço intra-
urbano das metrópoles (VILLAÇA, 2012, p.148). Utilizando-se também dos
argumentos de Harvey64, onde os mesmo diz que haveria um processo de extorsão
nesta relação segregada, onde as camadas mais pobres estariam usurpadas das
possibilidades de encontrar melhores oportunidades de emprego e, portanto,
melhores possibilidades de renda e padrões de vida. Interessante é perceber como
Villaça irá observar e extrapolar a argumentação de Harvey na percepção de que
não se trata exclusivamente da dominação de uma classe dominante sobre a outra
pela falta das oportunidades em si, mas pela distância e pelo tempo gasto para que
os deslocamentos entre a moradia e o local de trabalho passam a ter pelos bairros e
territórios segregados. Neste ponto chama a atenção como o Estado irá
proporcionar um aparato de transportes e de infra-estrutura urbana que favorecerá
de maneira contundente os moradores das áreas nobres. Além destes fatores
chama a atenção também para o aparato ideológico que servirá de base para a
manutenção material, legal e simbólica para o afastamento das classes
indesejáveis6566.
64 HARVEY, David. Social Justice and the City. London: Edward Arnold, 1973. ___________. The limits to Capital. Chicago: The University of Chicago Press, 1982. ___________. A condição pós‐moderna. São Paulo: Loyola, 1993. 65 É interessante notar, a partir deste ponto, como as disputas ideológicas e simbólicas sobre os usos da cidade e o local onde determinadas classes ou grupos sociais devem frequentar e permanecer, encontram‐se em um momento nevrálgico do movimento popular e político do Brasil a partir das grandes manifestações populares ocorridas a partir do mês de Junho de 2013 e do uso das redes sociais e da internet por grande parte da população. A ida de jovens da classe média e de classes populares às ruas para manifestações difusas, mas com
117
O apontamento de que:
[...] demos grande ênfase às necessidades e condições de deslocamentos espaciais dos seres humanos – o transporte – como força dominante da estruturação urbana. Mantemos essa tese, sempre lembrando porém que essa força atua dentro de um quadro de relações sociais67, as quais, por sua vez, definem as necessidades e condições de deslocamento (VILLAÇA, 2012, p. 180).
Reforça a associação entre a produção da segregação urbana e a política de oferta
dos transportes urbanos, seja como intervenções públicas proporcionadas por ações
do Estado ou com a permissão do mesmo, seja como invenção ou transgressão
social68. Villaça, aproximando-se mais uma vez de Castells e à própria formulação
de Marx quanto à agregação de valor pela estrutura de transportes e a circulação de
produtos, pois este modifica os espaços e a subsequente valorização irá gerar os
“pontos” ou as “boas localizações” em contraponto ao ““fora de mão” (o sítio social
de que fala Milton Santos (1993, p.96)) para todo o espaço urbano” (VILLAÇA, 2012,
p. 313). O que de fato Villaça explicita é sua coadunação com a noção de
dominação perpetrada pelas classes burguesas e que será o resultado das disputas
materiais e ideológicas entre as classes, onde o Estado entra e atua historicamente
atendendo às demandas das elites, estas que fazem parte do próprio corpo estatal
ou o influenciam politicamente e economicamente. Villaça chama atenção e torna
complexo os efeitos desta luta e disputa, pois não há precisão e exatidão nos
resultados requeridos e desejados na disputa entre as classes, mas há o
apontamento de que os caminhos do desenvolvimento do espaço intra-urbano
brasileiro forneça dados suficientes indicando a repetição nas metrópoles do modelo
forte apelo pela integração à cidade, parecem gerar movimentos posteriores de redefinição e de disputa ideológica sobre a expansão de lugares segregados, além da incorporação das classes indesejáveis a nichos exclusivos das classes ricas. O fenômeno do “rolezinho” (encontro em massa de jovens, na sua maioria oriundos de periferias, marcado pelas redes sociais e que rompe com os comportamentos tidos como “corretos” dentro de um ambiente como os shoppings centers) nos shoppings em São Paulo, e as polêmicas sobre sua criminalização e legitimidade, demonstra neste momento, o debate e a luta pela visibilização e incorporação das classes populares a determinados “locais” da cidade antes reservados às classes nobres ou com possibilidade de consumir nestes locais. 66 Para saber mais sobre os eventos ocorridos nas manifestações de Junho de 2013 no Brasil ver: SILVA, Vinícius Fernandes da. Uma breve análise sobre as manifestações‐Brasil 2013 (Junho). Belford Roxo: (blog) Palavras Sobre Qualquer Coisa, 2013. Disponível em: http://www.psqc.net/2013/11/uma‐breve‐analise‐sobre‐as.html. Acesso em Jan. 2014. 67Grifo nosso. 68 O caso dos mototáxis, das vans e kombis e dos ônibus “piratas” são exemplos claros.
118
dicotômico e segregador entre “centros” e “periferias”, e cada vez mais esta questão
parece estar colocada em nossa configuração urbana.
Verifica-se, então, na oferta dos transportes urbanos e consequente
mobilidade urbana na Baixada Fluminense, que a mesma está diretamente
relacionada ao contexto de sua formação sócio-histórica, em sua constituição
política-administrativa e em seus processos econômicos passados e
contemporâneos69.
As disputas dos poderes locais e seus interesses intermediados nas formas
de exploração dos transportes urbanos, em seu caso mais emblemático nas
concessões públicas, nas empresas privadas/familiares, na oferta das linhas de
ônibus intra e intermunicipais, terão papel fundamental na forma como os moradores
da Baixada utilizam ou não de sua mobilidade. Como exemplo desta possível
“dominação” por classe, colocada por Villaça (2012) através de sua obra e da
discussão de outros pensadores e pesquisadores, evidencia-se a ação ineficiente do
poder estadual no que se refere a uma oferta de qualidade dos trens urbanos, esta
realizada através de concessão70 privada com aparente pouquíssimo controle
técnico, grande sucateamento e viagens realizadas com mais desconforto possível
aos passageiros, sendo estes em sua grande maioria moradores da Baixada
Fluminense. Também pode-se observar o silêncio absoluto da política estadual de
transportes em relação ao metrô71, modal de transporte que é de exploração,
alcance e concessão do Estado do Rio de Janeiro, mas que atende somente os
limites do município do Rio de Janeiro, onde os atuais projetos de expansão sequer
cogitam a possibilidade de construírem novos trilhos e linhas para fora dos limites da
cidade.
No início dos anos 1990 as grandes metrópoles do país veem surgir o
fenômeno das vans72 e mototáxis73, ou do chamado “transporte informal”74. Onde
formas de deslocamentos e trajetos flexíveis irão trazer algo de inovador na forma
de se transportar nas Regiões Metropolitanas, também trazendo consequências
políticas relevantes nos âmbitos estaduais e municipais, fazendo surgir novos
69 Rodrigues (2006). 70 Empresa Supervia (Consórcio Bolsa 2000). Início do controle das operações em Novembro de 1998. 71 Empresa MetrôRio (Consórcio Opportrans). Início do controle das operações em Abril de 1998. 72 Mamani (2004), Silva (2007). 73 Fonseca (2005). 74 Conceito cunhado por Mamani (2004) e que será utilizado neste trabalho.
119
atores, lideranças no mundo do trabalho, representatividades locais e políticas, e
permeando-se aos atores políticos locais já estabelecidos, e sua consequente
exploração ilegal por traficantes e milícias formadas por policiais, através da
formação de poderosas e violentas cooperativas. Estes acontecimentos e
fenômenos somam-se às multiplicidades de arranjos e possibilidades de mobilidade
encontrados pelos atores sociais, que estão segregados em setores urbanos
específicos formados por moradias e empregos relacionados a seus pertencimentos
econômicos, sociais, educacionais e simbólicos às classes dominadas.
3.5 Aspectos teórico-metodológicos
3.5.1 A contribuição de uma sociologia compreensiva
Como importante ferramenta metodológica para esta análise diversa e
complexa acerca dos transportes urbanos, a abordagem da chamada escola
sociológica alemã, através da nomeada sociologia compreensiva histórica, será
arcabouço e refúgio para as delimitações dos objetos de observação, das formas de
olhar, recortar e analisar, e as possibilidades de extração de uma compreensão
inteligível sobre o tema à qual abordamos.
As obras específicas de Simmel (2006) e Weber (1999) serão de
fundamental importância para a construção de uma linha metodológica a se traçar a
partir dos conceitos e objetos aqui recortados. Porém mais do que algumas obras
específicas iremos abordar o próprio arcabouço geral do conjunto de suas obras,
também incorporando um pouco de suas histórias de vida, assim como os
paradigmas inseridos por estes autores desta “escola” do pensamento sociológico.
Podemos verificar que estes autores tornam-se uma interessante intersecção e
provocação entre as discussões e percepções teóricas de autores diretamente
influenciados pelos trabalhos de Marx, como Castells e Harvey, por exemplo.
3.5.1.1 Simmel: conteúdos, formas e sociabilidades
Talvez o principal pressuposto anunciado por Simmel seja que as formas de
dominação são formas de interação. Para Simmel mais do que a negação do outro,
120
o processo de dominação é mais uma forma de interação do que exclusão social,
onde um sujeito estará interessado no fazer controlar, ou não, o outro,
potencializando os aspectos negativos ou positivos dessa ação desde que possam
ser diretamente relacionados à sua vontade.
O desejo de domínio do outro possui um sentido e este é informar que a
alteridade possui um valor. Estar subordinado ao outro está relacionado ao não
desejo do sujeito subordinado em assumir as consequências de exercer sua
liberdade frente ao outro. Esta liberdade não poderá ser exercida somente se o
subordinado estiver em um estado de coação (violência) física imediata, onde sua
própria vida está em risco sob o domínio do outro. A subordinação acaba por
exprimir uma forma social de interação, suprimindo-se os juízos de valor e
observando-se puramente os aspectos sociológicos.
O conceito de autoridade pode ser compreendido de duas maneiras.
Primeiramente por sua forma mais pessoal, onde uma personalidade poderá se
colocar externando suas potencialidades, sua força, sua fé, sua inteligência,
adquirindo, portanto, um poder objetivo em suas ações e proposições, superando a
personalidade subjetiva. Quando esta força/qualidade é exercida de maneira
autoritária, sua importância adquire uma nova qualidade e assume em seu meio
ambiente uma qualidade estritamente objetiva – neste caso Simmel refere-se a uma
geração espontânea. A segunda maneira de se exercer a autoridade é a força que
uma entidade supraindividual (Estado, Igreja, escola, organizações familiares ou
militares) pode conferir a uma personalidade, um poder de decisão, uma força de
legitimidade para a objetivação de suas potências ou até mesmo a “criação” dessas
potências.
Na questão da consciência o conceito moral poderia ser explicado em um
caráter dúbio: pois se apresenta como uma parte impessoal, a que somos
submetidos incondicionalmente, e por uma parte que não há nenhuma força exterior,
senão em sua presença por um impulso próprio e íntimo. Portanto as circunstâncias
em que surge a consciência são a reprodução, pelos indivíduos em seu foro íntimo,
das relações que existem entre o próprio e o grupo em que vive. O indivíduo exige a
si mesmo o que a sociedade exige de seus membros: subordinação e fidelidade,
altruísmo e trabalho, domínio de si mesmo e veracidade.
Com relação à sociabilidade Deve admitir-se que a sociedade é uma
realidade em um sentido duplo. Há constituído o que o autor chama de sociabilidade
121
em sentido restringido, ressaltando que toda sociabilidade, mesmo que criada de
maneira puramente espontânea, possui significado e estabilidade, impondo um
importante valor sobre a forma em que foi criada, tornando-se uma forma de ação
coletiva e social, correspondendo-se analogicamente a um “jogo”, uma arena de
realização das interações. Sendo que a própria forma é uma autodefinição mútua, e
posto que a sociabilidade afasta os motivos concretos relacionados às metas de vida
(conteúdos) na qual foram criadas estas mesmas determinadas formas. Da mesma
maneira, a forma pura, o “jogo livre”, a sociabilidade através de suas regras, deve se
manter com maior força a interdependência atuante dos indivíduos e extrair desta
dependência maior efeito.
Quanto mais arraigadas as formas de socialização dentro das sociedades,
menos espaço haverá para as ações pessoais e de interesse dentro das relações
sociais estabelecidas. O “jogo” deverá ser jogado no campo das intenções,
encerrado em si mesmo, pelas regras instituídas e não pelos desejos pessoais e
subjetivos de cada jogador, pois assim o jogo/forma se tornaria uma farsa, uma
mentira.
A modernidade e a individualização são dois dentre os temas de maior
relevância nos debates das ciências sociais e especialmente, nos trabalhos de
Simmel que desenvolveu a teoria da individualização através da compreensão que a
mesma é característica da modernidade. Na modernidade tudo se explica a partir da
racionalidade do mundo e para Simmel a modernidade pode ser entendida através
de seus dois principais símbolos – o dinheiro e a metrópole.
Na vida da metrópole os indivíduos podem viver relações mais heterogêneas
com possibilidade de uma maior liberdade de ação, onde as diferenças são melhor
toleradas. Por outro lado essa forma de viver na modernidade, junto às metrópoles,
tem como consequência a impessoalidade e o individualismo e estes acabam por
gerar, associados à velocidade e maior mobilidade das pessoas nas cidades, a
banalização da diferença, lugar comum em meio a tantos estímulos e tantas
novidades das metrópoles e a rapidez como se dá nas relações. As diferenças agora
se transformam em indiferenças. Simmel concebe um tipo de personalidade do
individuo da grande cidade que é o indivíduo blasé, indiferente, incapaz de notar a
diferença. O individuo moderno se habituara a impessoalidade, a desatenção civil,
incapaz de notar a novidade. A seguir o detalhamento de como a modernidade
desenvolve as formas sociais e os indivíduos na metrópole.
122
O sofrimento e o desgarramento dos conteúdos em relação às formas de
socialização acabam a levar as pessoas a um sofrimento psicológico, a um abismo
de escolhas onde o vazio das relações estará pautado pelas formas puras e
altamente despossuídas de significado, gerando o que Simmel chama, mais de uma
vez, de umbral psicológico, posição de indefinição entre a ação e confirmação dos
desejos individuais ante a formalização corrente de uma socialização cada vez mais
presente e formatadora.
A apresentação de alguns temas abordados e debatidos na obra de Simmel
como dominação, autoridade, consciência, sociabilidade e as relações entre forma e
conteúdo como produtos e objetos das sociações humanas, são fundamentais como
norteadores das possibilidades de observação do contexto histórico de uma
sociabilidade pautada na articulação dos territórios da RMRJ, especificamente entre
Baixada Fluminense e a cidade do Rio de Janeiro. Como visto anteriormente, as
formas pelas quais a população se deslocou para habitar as terras da Baixada estão
diretamente ligadas às origens históricas, às relações de trabalho entre a capital
federal e os territórios próximos, às ações políticas nos âmbitos nacional e
internacional, as diferenças de classe, etc. Porém Simmel nos demonstra de
maneira extremamente interessante que apesar da importância de todo o contexto
histórico e social que podem demonstrar esta estrutura de mobilidade nestes
territórios, há algo intrínseco na construção desta mobilidade e que podemos
identificar como os conteúdos específicos dos indivíduos e suas diferentes intenções
e interesses ao se deslocarem para procurar um lugar para viver e posteriormente
realizando movimentos pendulares lar-trabalho-lar, ao mesmo buscando o lazer
longe de suas residências.
Certamente estes conteúdos não poderão ser mais conhecidos e
reconhecidos, pois suas materialidades já foram perdidas através dos anos, das
especificidades individuais e da brevidade da vida humana, porém algo pode nos
indicar a estruturação desses conteúdos iniciais e fundadores. Algumas formas
parecem ter se institucionalizado nas relações de como se realizam os atos de se
transportar dentro da dinâmica urbana na RMRJ. Alguns fatores parecem ter se
cristalizado e se institucionalizado dentro do panorama de sociabilidade
intermediado e produzido pelos meios de transportes. Os objetos que aqui serão
analisados e decupados deverão indicar estruturas-formas que podem ser
compreendidos dentro dos processos contextuais já descritos logo acima, mas
123
também podem informar reminiscências de conteúdos que se perderam, mas que se
internalizaram objetivamente e subjetivamente nos corpos e mentes dos indivíduos
que percorrem a tarefa de percorrer as ruas, estradas, linhas e trilhos da metrópole
fluminense.
Porém o quanto há de institucionalização de formas oriundas de conteúdos
baseados em uma sociabilidade pautada em uma possível subordinação entre as
classes sociais, na acepção da autoridade de um nível “superior” de indivíduos sobre
indivíduos considerados inferiores, na consciência internalizada coletivamente e
individualmente de uma hierarquia social e pessoal. Estas colocações são o cerne
deste trabalho, nosso efetivo objeto. Talvez nos aspectos mais materiais seja mais
evidente observar as diferenças, diferenciações e hierarquias nas formas em que as
pessoas se transportam na RMRJ, ou em outras grandes metrópoles do país em
contextos sócio-históricos mais próximos, porém a grande dificuldade será perceber
as reminiscências, através das internalizações das formas objetivas e subjetivas, em
amplitudes individuais e coletivas, o quanto de internalizações e naturalizações
destas hierarquias agem sobre os atores que vivem e transitam nestas arenas,
nestes territórios com seus jogos e regras de sociabilidade.
As questões fundamentais de Simmel ajudam a não perdermos de vista a
importância de, através do tempo e da história, darmos conta das mudanças, mas
também das formas/estruturas que se engendram de fragmentos dos conteúdos de
passados remotos ou recentes, e que acabam por moldar certas relações e
interações sociais. O ato de se transportar e as relações que este ato provoca
certamente estão carregados de ações e efeitos sociológicos relevantes. A
sociologia proposta por Simmel é inteiramente pertinente para desvendarmos alguns
destas ações e efeitos.
3.5.1.2 Weber e os “tipos ideais”
Weber traz como principal contribuição em toda sua obra uma especificidade
teórica e metodológica que o coloca como um dos clássicos da sociologia,
considerado como um dos “fundadores” desta ciência, que tem como principal
característica sua formação diretamente ligada aos caminhos perpetrados pela
124
modernidade. Weber introduz de maneira consistente e aprofundada a questão do
indivíduo ao seio das questões levantadas por outros autores das ciências sociais.
Na obra de Émile Durkheim, para muitos considerado o “pai” efetivo da
sociologia, os indivíduos estavam sujeitos à coação e às normatividades impostas
conscientemente e inconscientemente por uma coletividade exterior a eles próprios
e que se reproduziam, e também se transformavam, através do tempo e dos
processos de socialização pautados pela cada vez maior institucionalização das
sociedades modernas. Obviamente que Durkheim não cometeu a ingenuidade de
desconsiderar os desejos e ações individuais, mas para a afirmação de sua própria
epistemologia, muito baseada na escola metodológica das ciências da natureza, era
importante buscar e ressaltar a noção de ordem e de funcionalidade orgânica ao
seio das sociedades estudadas. Nas próprias explicações iniciais de uma de suas
principais obras, “O Suicídio”, deixa evidenciado que não irá levar em consideração
os casos “específicos” de suicídios “causados” por doenças mentais ou casos
individualizados onde questões específicas do caráter relacional individual estejam
no cerne da ação suicida. Sua preocupação é com as normalidades aparentes nos
casos de suicídio, onde sua teoria da anomia social poderá ser aferida através dos
dados sociológicos que apontem a uma “média” de valores comuns e que poderiam
ser verificados pela sociologia na coletividade observada.
Em Karl Marx também podermos ver uma maior preocupação com as ações
coletivas, neste caso determinadas pelo pertencimento material e ideológico a uma
determinada classe social. De certa forma também seria estranho apontar que Marx
não levou em consideração as questões do indivíduo para sua análise sociológica e
econômica. Obviamente que as transformações estruturais do sistema capitalista
iriam necessitar de lideranças e grupos de pensadores que estivessem engajados
nos processos da transformação material e simbólica, porém essas lideranças e,
portanto, líderes, só poderiam agir por suas próprias consciências coletivizadas de
classe em si e per si. Mais do que uma ação individualizada e pessoal, as ações
efetivas na mudança social, pela teoria marxista, somente seriam possíveis através
de uma efetiva transformação coletiva, uma conscientização ampla das classes
sociais, deixando um pouco de lado importância das ações individuais como forças
revolucionárias, mas sem necessariamente negligenciá-las. A efetiva transformação
social só poderia ser alcançada pela completa tomada de consciência da classe
125
proletária, em si mesma e com suas ações voltadas para seus próprios interesses,
não como indivíduos autônomos, mas indivíduos como classe.
Weber traz em suas formulações a contribuição do individualismo histórico
metodológico, talvez tentando, em um primeiro momento e mesmo não
explicitamente, diferenciar a concepção de indivíduo, ou da individualidade, de um
caráter meramente egoísta. Na teoria weberiana a sociedade não está acima dos
indivíduos. De fato a coletividade está presente na formação dos indivíduos, já que
os mesmos nascem em determinadas classes sociais, com determinados acessos e
condições materiais e econômicas. Porém a ação individual se pautará pelo seu
caráter relacional. Os indivíduos possuem um caráter autônomo em suas escolhas e
ações, o que não significa que estão dissociados dos valores coletivos, mas que
estas escolhas implicarão em formas específicas de atuar e se associar aos
diferentes sentidos e ações que outros indivíduos e instituições atuam na sociedade.
Algo que deve ser considerado em relação a Weber talvez tenha sido a possibilidade
de seu contato com a obra do austríaco Sigmund Freud e a criação da psicanálise
na virada do século XIX ao século XX, onde os indivíduos passam a desempenhar
um outro papel como objeto de estudo e relevância dentro das sociedades
modernas ocidentais. Por ser mais jovem dos que os outros autores citados acima,
Weber pode ter contato com essa influência e seu caráter inovador no início do
século XX.
Outro fator importante em Weber é sua perspectiva e análise histórica dos
objetos que se propõe estudar, principalmente o processo de racionalização e do
avanço do capitalismo da antiga sociedade feudal à sociedade moderna. Suas
análises não apontam para determinações universais e estruturais que poderão ser
replicadas em quaisquer sociedades, mas levam em consideração as
especificidades e conteúdos históricos de determinados grupos e suas relações
enquanto grupos de interesse. Sua sociologia compreensiva busca uma possível
remontagem dos sentidos atribuídos pelos antigos atores a determinadas ações e
escolhas individuais e coletivas. De certa maneira podemos ver proximidades com
as concepções de Simmel, pois seus “conteúdos” foram acionados em determinado
momento do passado, a institucionalização dessas relações geraram “formas” pela
qual nem sabemos mais suas origens. Weber tenta através de minucioso
levantamento documental e com as técnicas da disciplina História, compreender os
sentidos dados pelos indivíduos, e suas coletividades, a determinadas ações e
126
consequências sociais. Talvez a obra mais conhecida de Weber, “A ética protestante
e o espírito do capitalismo”, irá tentar compreender os sentidos empregados pelos
atores associados à fé cristã protestante, e suas diferentes denominações, e como
essas ações coletivas e individuais, de certa maneira, favoreceram o
desenvolvimento do capitalismo nos territórios onde houve a primazia destes grupos
religiosos.
Para nosso interesse específico o desenvolvimento do artifício metodológico
dos tipos ideais por Weber tem fundamental importância, pois abre um caminho por
uma técnica de análise que pode nos fornecer parâmetros importantes ao objeto que
aqui estudamos. Em suas analises sobre as transformações das cidades medievais
às cidades modernas, assim como em seu estudo em grupos religiosos, Weber criou
formas abstratas de classificar e observar regularidades e repetições de práticas
sociais destes objetos, retirando assim uma “média” de características que poderiam
servir de “espelho” ou parâmetro para melhor revelar e indicar tal objeto observado,
mas não definindo-o em suas especificidades e conteúdos individualizados. Estes
tipos ideais seriam construções abstratas e produtos das análises realizadas pelo
sociólogo e que mostrariam as principais características dos estudos realizados pelo
pesquisador, sem assim terem a capacidade de defini-los integralmente ou esgotá-
los em todas as suas nuances e particularidades.
Essa possibilidade metodológica se torna interessante ao nosso trabalho pois
abre caminho para que possamos traçar um perfil sincrético e analítico das obras,
dados e pesquisas aqui observadas e estudadas, onde certos padrões e pontos de
convergência possam ser aglutinados em uma tipologia que será útil para a
observação posterior das características comuns ou específicas na oferta dos
transportes urbanos na RMRJ e até mesmo na proposta e observação de uma
sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade no Brasil. Esta tipologia dos
transportes urbanos, e de suas respectivas políticas públicas e ações privadas, pode
esclarecer e criar interessantes parâmetros para futuros índices ou para o
aprofundamento de conceitos e percepções, que na tradição disciplinar de quem
planeja e é “voz” nos estudos de mobilidade urbana, não são levadas muito em
consideração. Na busca dos sentidos humanos da ação e interação coletiva e
individual, Weber apresenta interessantes ferramentas sociológicas e que podem ser
um importante contributo para a análise de uma sociabilidade baseada nos
transpores urbanos.
127
3.5.2 A mobilidade urbana na RMRJ e a sociologia configuracional de Norbert Elias
Diante de um objeto de pesquisa e observação baseado na oferta de mobilidade
urbana, este relacionado à política de transportes urbanos praticados pelo poder
público em alguns bairros da cidade do Rio de Janeiro e a região da Baixada
Fluminense, ambas situadas na RMRJ, como as formulações teóricas e as
experiências práticas/metodologias desenvolvidas pelo sociólogo alemão Norbert
Elias, poderiam referenciar e servir de base de conhecimento a pesquisas teóricas e
de campo?
Norbert Elias desenvolve uma análise em uma comunidade industrial urbana
em Leicester em fins dos anos 1950 e início dos anos 1960, através de sua inserção
em uma pesquisa que seria realizada por John L. Scotson sobre o âmbito da
delinquência entre os jovens da região. A pesquisa, a partir da adentrada de Elias,
passa a considerar as diferenças de status entre grupos que viviam na comunidade
de Winston Parva (nome fictício) e analisar as origens e consequências materiais e
subjetivas dessas diferenças.
Elias e Scotson observam a existência de diferentes grupos sociais naquela
comunidade, e que havia uma diferenciação materializada nos comportamentos e
nas formas de classificação entre os indivíduos de Winston Parva. Os Estabelecidos
(Establishment) e os Outsiders é a forma-configuração que Elias se utiliza para as
formulações e análises posteriores sobre as diferenciações entre os habitantes da
localidade.
O bairro foi divido por zonas, onde a Zona 1 era das classes médias, as
Zonas 2 e 3 eram formadas por operários e onde estavam localizadas as fábricas
locais, porém a existência destas zonas indicava uma enorme diferenciação em
relação ao prestígio e o acesso ao poder dos respectivos moradores das mesmas.
A grande questão percebida pelos pesquisadores fora a existência de um
grupo Estabelecido com um alto grau de coesão, e que se enxergava superior aos
outros, devido à sua chegada anterior àquela localidade, utilizando-se então de
ações estigmatizadoras que eram associadas à própria “existência” e “natureza” do
grupo formado pelos “novos habitantes”. Em um primeiro momento chamou atenção
a grande incidência da delinquência juvenil em uma determinada zona do bairro,
128
mas posteriormente, com a diminuição destes índices, os efeitos estigmatizadores
no grupo dos Outsiders não diminuíram.
A posição teórica e metodológica de Elias aparece mais uma vez, onde
através de um estudo restrito a uma pequena comunidade e de vivência experiencial
junto à mesma, uma microssociologia é realizada e suas possibilidades serão
expandidas por Elias na tentativa de se realizar análises e estudos de natureza
macrossociológica, desde que as relações de interdependência, as palavras ditas e
percebidas, as posições na configuração social, além dos aspectos materiais e
objetivos da sociedade analisada, sejam levados em consideração. Elias critica a
sociologia estritamente realizada através de estatísticas e amostragens, dizendo que
esta forma de observação não permitiria uma real significação sociológica,
reduzindo-se à produção de indicadores sociais, mas sem conexão com as
configurações sociais efetivas e vividas pelos indivíduos, realizando a separação
institucionalizada de sociedade (comunidade) e indivíduos.
Um dado a se ressaltar é que não foram identificadas diferenças significativas
quanto as posições socioeconômicas, raciais ou de escolaridade entre os habitantes
de Winston Parva. Havia uma homogeneidade dos grupos que ali viviam e que não
indicavam diferenças objetivas para a grande diferenciação social existente entre os
Estabelecidos e os Outsiders. As causas destas diferenciações estavam
diretamente relacionadas ao tempo passado, onde os primeiros habitantes que
povoaram aquela localidade geraram um alto grau de coesão, e que fez o grupo ver-
se e vivenciar-se como detentor de qualidades próprias e inerentes a este mesmo
pertencimento, como uma distinção autogerada, mas ao mesmo tempo amplamente
controlada por todos os integrantes do grupo, onde qualquer desvio do padrão
estabelecido poderia diminuir sua posição perante a hierarquia do grupo
Estabelecido.
Quando os novos habitantes chegaram ao bairro, o grupo anteriormente
constituído, e já detentor dos mecanismos de poder e reconhecimento interno,
utilizaram-se das ações e discursos estigmatizadores como formas de “proteção” e
manutenção de seus acessos às instâncias de poder e de diferenciação relacional.
Os efeitos da grande distinção de inferioridade e estigmatização entre os grupos é a
colagem de uma imagem negativa que irá se registrar no grupo dos Outsiders.
Existirá então a configuração Estabelecidos-nômicos x Outsiders-anômicos, onde o
segundo grupo terá que conviver e vivenciar sua inferiorização social. Porém esta
129
inferioridade não é de todo baseada em uma exclusão total na configuração dada,
pois sua existência é necessária na interdependência das atividades e ações
sociais, para que fique claro qual grupo detém a virtude e qual grupo não detém os
aspectos virtuosos comuns àquela configuração. Isto significa, de certa maneira, que
as ações e reações dos indivíduos pertencentes ao grupo dos Outsiders incidirão na
sua própria construção de imagem individual e coletiva, como seres não virtuosos,
desqualificados dos dons “naturais” do grupo à qual ele não pertence, sendo assim,
não sendo também obrigado a agir de acordo com as regras estabelecidas como o
alto padrão de virtuosidade a ser seguido. Sentindo-se inferiorizado, sua formação
psicogênica atuará a afirmar e confirmar sua condição de desviante e inferior, não se
importando a seguir o padrão determinado pelo grupo dos Estabelecidos,
internalizando sua condição de inferiores, agirão como tais.
3.5.2.1 Winston Parva, Rio de Janeiro e Baixada Fluminense
Como pensar a oferta de mobilidade, através da política de transportes
urbanos, entre a cidade do Rio de Janeiro (mais especificamente os bairros do
Centro e Zona Sul) e os municípios que formam a Baixada Fluminense (pensando
como polos importantes as cidades de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, e os
municípios satélites) através da construção teórica e metodológica de Norbert Elias?
Seria possível pensar os territórios do Centro e Zona Sul da cidade do Rio de
Janeiro como locais onde habitariam grupos com posições de diferenciação superior
e que essas apropriações e percepções de sua autoimagem na configuração
hierárquica gerassem um efeito estigmatizador a outros territórios, como, por
exemplo, a Baixada Fluminense.
É importante pensarmos primeiramente no tamanho e amplitude dos
territórios citados, assim como a formação social e econômica difusa entre os
diversos e diferenciados estratos sociais que habitam e trabalham na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro. Outro fator que deve ser levado em consideração é
a órbita de outros territórios e espaços que possuem um caráter “inferior” dentro da
configuração da metrópole fluminense, se comprados ao território onde vivem os
grupos considerados superiores da cidade do Rio de Janeiro. Além da Baixada
Fluminense deve-se levar em consideração outras localidades e espaços, estes não
130
necessariamente marcados em territórios exclusivos, mas funcionando como
abstrações geográficas e qualificadoras de um lugar e de uma população, a favela,
no caso brasileiro, é o principal resultado desta ideia/imagem de anomia difundida
socialmente a um espaço/território.
Os bairros-subúrbios próximos do Centro e da Zona Sul também carregam
aspectos diferenciadores dentro do escopo de desvalorização territorial relacional,
assim como, de forma ainda mais contundente, os bairros-subúrbios distantes, como
são os casos de bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Portanto a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro parece fornecer um cenário extremamente populoso
e diversificado, mas de que certa maneira carrega em sua configuração a distinção
de grupos sociais devido a ethos característicos relacionados a diferenciadas
sociabilidades interdependentes.
Parece ser clara a diferença na experiência vivida no microcosmo pesquisado
por Elias, onde a homogeneização em praticamente todos os indicadores sociais e
econômicos da população estudada deixava de forma ainda mais evidenciada as
diferenciações no campo do estigma e das fofocas. Porém na análise sinóptica das
configurações sociais utilizada por Elias, o caso da metrópole fluminense pode
fornecer indícios interessantes em relação ao tema que queremos enfrentar. Bom,
no caso do Rio de Janeiro não há esta homogeneidade, muito ao contrário, o que
percebe-se é uma grande heterogeneidade econômica, educacional, laboral,
territorial e de sociabilidades. As questões raciais sempre surgem como dados a
apontar discrepâncias, como por exemplo, no número de assassinatos de jovens
negros/mestiços e favelados. Porém diante de toda esta heterogeneidade há algo
colocado por Elias que parece ser de fundamental importância para a compreensão
da coexistência relativamente estável de segmentos sociais e populacionais
distintos: a interdependência.
A diversificação das funções sociais age de forma contundente dentro do
panorama cada vez mais difuso do mundo contemporâneo do trabalho e nas
relações interpessoais entre os indivíduos e a coletividade. A produção flexível, o
grande número de trabalhadores informais, o crescimento avassalador do setor de
serviços, o aumento da velocidade da vida e da informação através da tecnologia,
parecem fragmentar ainda mais as relações de interdependência entre as pessoas.
Se a função de engraxate quase não existe mais, ter um amigo “flanelinha” pode ser
muito útil. O motoboy, a diarista, o gari, o taxista, o personal computer, o professor, o
131
empresário, todos estão interligados na cidade pós-moderna através das posições
ocupadas hierarquicamente na configuração percebida pelos “eus” e pelos “nós” no
papel desempenhado por cada indivíduo. Porém não somente de profissões o
mundo social é formado: o nível econômico, a educação formal, a religião, o acesso
às instancias de poder, são algumas das características que associadas à função
desempenhada pelo indivíduo poderá elevar sua posição social dentro do status da
configuração.
Algo que deve ser levado em consideração, portanto, é local de moradia.
Dentro da configuração Estabelecidos e Outsiders pensada nas condições da
metrópole fluminense, o local onde se mora será uma definidor eloquente para a
posição social ocupada por um grupo de indivíduos. Parece ser claro que o indivíduo
que nasce e vive na favela levará consigo todos os efeitos estigmatizantes dos
associados a essa forma de vida, a esta sociabilidade. Mas não somente os
moradores da favela, mas também os moradores de Madureira, Cascadura,
Quintino, Ramos, Marechal Hermes, Bonsucesso, entre outros. O estigma de
“suburbanos” parece ainda estar colado de maneira indissociável aos não nascidos
nas áreas nobres do Rio de Janeiro. Os termos “favelados” e “suburbanos” ainda
carregam em si a marca do estigma de quem não pertence a um grupo com valores
tidos como superiores, neste caso e de maneira geral, os moradores da Zona Sul do
Rio de Janeiro. Mas estes estigmas existentes e persistentes parecem carregar
características de alguma maneira suavizadoras, pois, por mais que alguns
indivíduos sejam efetivamente “favelados” e “suburbanos” em sua formação
sociogenética, eles ainda assim, serão “cariocas”! Esse pertencimento os insere de
alguma maneira em um ranking hierárquico inferior, mas ainda os posicionam, esses
grupos possuem uma posição nesta hierarquia, um lugar.
Mas e quem não é carioca? Obviamente que muitas pessoas não são
cariocas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Suas classificações também e
ainda terão percepções diferenciadas de acordo com a não-carioquice. Ser
niteroiense é diferente de ser gonçalense, muito pelo status desfrutado de cidade de
melhor IDH do país que Niterói desfrutou e ainda desfruta. E quem nasceu e vive em
municípios da Baixada Fluminense? Qual a posição relacional, na hierarquia
territorial, ocupam os nascidos e viventes em terras fluminenses, os não nascidos na
Guanabara. Evidentemente não são suburbanos, podem ser favelados, mas
132
favelados da cidade do Rio de Janeiro possuem também uma outra posição
hierárquica.
Uma grande parte da população da Baixada se desloca diariamente no ir e vir
dos trajetos urbanos quase sempre realizando funções subalternas e menos
complexas em casas de família e empresas, quase sempre situadas no Centro e na
Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Também há um enorme contingente que
trabalha e vive em seus próprios municípios, realizando as mesmas funções que os
cariocas, mas em sua grande maioria recebendo salários menores e em piores
condições de trabalho do que os irmãos do Rio de Janeiro.
Esta diferenciação dos grupos, baseados nos territórios e através da teoria e
metodologia de Elias, só podem ser efetivamente conhecidos através de uma
análise sócio-histórica da formação e na ocupação desses territórios, buscando
através do conhecimento desses processos formativos, as configurações que
existiram, permaneceram e se modificaram através do tempo, a fim de se ter
conhecimento das configurações, posições e funções atuais. A observação pura e
simples dos dados materialmente recolhidos e objetivamente analisados, não nos
forneceria a efetividades das relações de interdependência e estigmatização dos
diversos grupos de indivíduos que habitam os territórios da metrópole fluminense.
Somente o vis-à-vis das jornadas urbanas, do transitar entre os territórios e
conhecer os efeitos dos estigmas, se eles existirem, presentes nos grupos e nas
auto-percepções de suas imagens perante os grupos considerados superiores. A
“palavra” da rua, dos indivíduos, dos grupos que vivem nestes territórios distintos e
distantes, assim como a análise minuciosa dos movimentos de interdependência e
diferenciação, poderiam nos dar um mapa indicando em que momento presente das
posições e funções destes grupos.
Nossa principal hipótese é que o principal estigmatizador dos indivíduos
viventes e habitantes dos municípios da Baixada Fluminense, é a oferta dos
transportes urbanos. Esta oferta não atuando mera e simplesmente como agente
segregador no âmbito espacial (onde também atua), mas como forma diferenciada
de objetivar e informar aos indivíduos habitantes daqueles territórios de que eles são
efetivamente inferiores. Esta afirmação não concerne somente em uma hipótese
abstrata e imaginária de uma situação relacionada a pessoas com poder econômico
diferenciado, mas assim como nas análises de Elias e Scotson em Winston Parva,
podemos observar pessoas com o mesmo nível socioeconômico, mesmas
133
características étnicas e raciais terem ofertas de deslocamentos urbanos
completamente diferenciados e estigmatizantes.
O grande exemplo que pode ser dado é a oferta do Metrô de superfície para
moradores que vivem até os limites de um bairro da cidade do Rio de Janeiro
(Pavuna) e a oferta dos Trens da Supervia aos habitantes que atravessam os limites
próximos da cidade do Rio (no caso as primeiras cidades fronteiras como São João
de Meriti e Nilópolis).
A diferença de qualidade dos serviços prestados comparativamente entre
Metrô e Supervia não podem ser relacionados ao nível socioeconômico das pessoas
que habitam os respectivos lugares, pois qualquer aferição mais cuidadosa
demonstrará que o perfil socioeconômico dos usuários será muito próximo. Outro
exemplo é sobre a qualidade dos ônibus urbanos que circulam entre os subúrbios da
cidade do Rio de Janeiro e os municípios que formam a Baixada Fluminense,
ficando mais uma vez evidenciada uma aproximação entres os perfis
socioeconômicos entre os usuários, mas com diferenças quase que abissais na
qualidade e oferta na mobilidade entre pessoas com um grau parecido de
homogeneidade; mas que habitam territórios com diferenciadas percepções perante
as configurações sociais e as consequentes diferenças diante das instâncias de
poder.
Mais do que ação sociológica efetiva das pesquisas realizadas e aqui
descritas pela concisa análise sobre a obra de Norbert Elias, esta descrição e
hipótese levantada e proposta se dá no campo das possibilidades de estudos
posteriores a serem realizados com os resultados obtidos pelo trabalho aqui
desenvolvido. Com as formas e tipologias discutidas e construídas, com um
arcabouço teórico mais delimitado, observado e analisado, principalmente no que
tange às informações integradas de diferentes visões e escolas disciplinares das
ciências humanas em relação à oferta dos transportes urbanos na RMRJ, levando-
se em consideração todos os dados e temas aqui abordados, assim como as
histórias e diferenças territoriais, o perfil produtivo dos territórios, a formação
socioeconômica da população, as identidades territoriais, as políticas
correspondentes a cada território específico, a segregação urbana, entre alguns
outros fatores.
Talvez o mais importante na proposta de observação sociológica de Elias,
seja a possibilidade de pesquisa e estudos integrados aos dados sociológicos que
134
podem ser colhidos previamente, através das analises de dados e fatos históricos,
de uma memória social anterior, mas também de proporcionar e requerer uma
presença in loco, uma vivência de campo que retira da sociologia uma de suas
características mais formativas, que é a análise anterior ou posterior dos dados,
através de surveys ou de fontes secundárias, mas sem necessariamente uma
vivência experenciada. O que a obra de Elias nos demonstra, e isto é amplamente
corroborado pelos diversos trabalhos etnográficos aqui utilizados e detalhados, é
que o estudo de uma sociabilidade completa e aprofundada, quase sempre
imprescinde da gossip75 como fonte, em nosso caso específico das conversas nos
ônibus, nos trens, nas relações forjadas no convívio do deslocamento urbano, nas
reclamações nas filas, nos encontros das categorias profissionais, nos atos de
revolta popular contra veículos ou funcionários das empresas de transportes, na
articulação de grupos de interesses de usuário, funcionários ou políticos. Todos
estes fatores devem ser levados em consideração sem que o pesquisador se
desarticule das informações mais gerais, dos dados estatísticos, das informações e
repercussões midiáticas, das pesquisas de opinião (mesmo as contratadas pelas
empresas concessionárias), pelas produções acadêmicas e técnicas das ciências
historicamente ligadas ao tema, como as engenharias civil e de trânsito.
3.6 Transportes, circulação e mobilidade: Uma sociologia possível?
Um posicionamento que norteia este trabalho é o questionamento se haveria
a possibilidade de se pensar os transportes como um objeto passível de constituir,
em suas produções e efeitos sociais, um olhar sociológico específico e com
características metodológicas próprias. Na própria história de construção desta
ciência, a sociologia, alguns temas foram tão importantes e intrinsecamente ligados
ao desenvolvimento do pensar e fazer-se epistemológico da própria que, em algum
tempo após sua efetiva institucionalização, subdivisões específicas se fizeram
presentes, permaneceram e permanecem. A religião evidencia-se como um objeto
que será apontando como um “fato social” completo e que tomará de curiosidade os
pioneiros da nova disciplina que se formava, assim como já fazia parte da
75 Da “fofoca” como maneira de vilipendiar o outro, de levar informações inverídicas ou verídicas, mas que têm como finalidade estigmatizar ou gerar uma determinada imagem coletiva do “outro”. Servem de fonte e objeto de estudo e observação do cientista social.
135
curiosidade dos primeiros antropólogos, mesmo antes desta disciplina também se
institucionalizar mundialmente. Autores como Émile Durkheim e Marcel Mauss irão
se dedicar ao tema “religião” de maneira a tornar o mesmo quase fundante de
qualquer curso básico de sociologia. Como resultado vemos fortalecer,
posteriormente, a vertente da Sociologia da Religião, sendo tão forte como estrutura
própria de formulações teóricas e metodológicas, que alguém interessado ao tema
poderá procurar diretamente um curso de formação em sociologia e desde o
primeiro contato com a disciplina poderá buscar uma especialização quase que
imediata em relação a este tema.
Este fenômeno disciplinar continua a se desenvolver pelos caminhos que a
própria sociologia vai tomar em seus diferentes contextos culturais e níveis de
institucionalização. Vemos outros temas se consagrarem no panteão desta ciência
social, como, por exemplo, a educação, importante conteúdo que contém
características próprias. Pode-se afirmar, com tranquilidade, a existência e
consistência de uma Sociologia da Educação, com suas formulações e autores
fundadores, metodologias e debates acumulados pelo tempo e pela quantidade de
conhecimentos já produzidos, criticados e incorporados. Outros temas, também com
o passar do tempo, foram se institucionalizando dentro da sociologia e tornando-se
subdisciplinas estruturadas, com seus pressupostos teórico-metodológicos. Hoje
poderíamos relatar e pesquisar mais de uma dezena de especializações possíveis, e
às vezes inusitadas, que a sociologia se encarregou de observar e analisar através
de sua curta história moderna, disciplinas como: Sociologia Literária, Sociologia do
Esporte, Sociologia da Comunicação, Sociologia do Corpo, do Movimento, da Arte,
entre algumas outras.
Os “transportes”, como tema, nunca foi considerado um clássico da sociologia
ou das próprias ciências sociais. Muito provavelmente por quase sempre, em sua
própria construção de sintaxe, possuir a palavra “meio” como condutor de seu
sentido ontológico. Os transportes quase sempre são precedidos pelo termo “meios
de transportes”. E algo que pode transparecer banal será decisivo para uma possível
desconsideração das ciências sociais aos seus efeitos sociais. Por ser “meio”, os
transportes sempre foram encarados como algo relacionado ao transitório, ao veloz,
ao contato efêmero de pessoas que se conectam por poucos segundos, alguns
minutos ou horas, dependendo da distância ou do modal escolhido. Esta
efemeridade se contrapõe à própria história de formação das ciências sociais, e
136
mais especificamente da sociologia e da antropologia, que sempre tiveram como
preocupação fundamental a necessidade de cobrir de teorias e presenças, e
descobrir analiticamente e comparativamente, os “tempos longos”, os demorados
processos de socialização, os efeitos da religião durante gerações, a incidência do
mito dentro da construção linguística de um determinado povo, as políticas
educacionais e suas consequências sociais a longo prazo, os efeitos da economia
na estrutura social de uma nação, etc. O tempo curto, a conexão, a intermediação
física, o contato imediato, a princípio, não foram de grande interesse para as
ciências sociais.
Talvez outro grande ponto de afastamento do tema “transportes” do escopo e
do olhar sociológico tenha sido sua vinculação histórica a outras áreas do
conhecimento, principalmente sua conexão direta às disciplinas da engenharia civil,
e posteriormente, de trânsito ou tráfego. As necessidades de uma intervenção direta
na natureza para a construção de, primeiramente, caminhos a pé para tropas,
exércitos e mercadorias, e posteriormente, calçamentos e pavimentos para cavalos,
carroças e armas de guerra, associou de maneira intrínseca a história e o
desenvolvimento de uma ciência dos “meios de transporte” ao campo das ciências
tecnológicas e exatas, inclusive mantendo contato direto com as forças militares,
pois sempre foram de interesse estratégico das políticas de extensão e nas próprias
guerras de constituição de impérios e Estados-Nações.
Vasconcellos (2001) irá fazer o mesmo questionamento e através das
colocações de Town (1981 apud Vasconcellos, 2001) realizará um levantamento
histórico do que poderia ser uma pretensa “sociologia dos transportes”, mas
ressaltando os diferentes enfoques dados ao tema ao longo do tempo.
Primeiramente traz à tona a mencionada associação das ações ligadas aos
transportes urbanos aos ensejos e decisões meramente técnicas e de planejamento
urbano ou das engenharias, sem que os efeitos sociais dos transportes chamassem
a atenção das ciências sociais em geral. A importância e as transformações urbanas
ocasionadas pelo advento do automóvel nas cidades modernas irão, pela primeira
vez, chamar a atenção para os efeitos sociais em relação às políticas de transporte.
Portanto Town (1981) irá apontar para o que ele denominou como enfoques dentro
137
da perspectiva dos transportes, onde serão apresentados o enfoque técnico76, o
enfoque “social” e o enfoque sociológico.
Inicialmente, uma distinção precisa ser feita no nível prático: o enfoque sociológico do transporte precisa ser diferenciado tanto do enfoque técnico do transporte (Town, 1981, p.30), quando do enfoque “social”. Enquanto enfoque técnico é limitado a cálculos gerais sobre quantidades e custos, o enfoque dito social é mais abrangente, mas limitado à mera contabilidade dos impactos sociais. Estes dois enfoques confundem-se às vezes, na medida em que a abordagem técnica é enriquecida com alguns dados adicionais de natureza social. O enfoque sociológico, ao contrário, complementa as análises numéricas simples com a análise dos padrões de viagem em função de condições sociais, políticas, econômicas e institucionais que condicionam as decisões pessoas e entidades envolvidas. Ele pressupõe a análise da distribuição do poder na sociedade e do seu impacto tanto nas decisões das políticas de transportes e trânsito, quanto nas formas segundo as quais as pessoas se apropriam das vias e dos meios de transporte [...] (VASCONCELOS, 2001, p. 16).
Desta forma Vasconcelos (2001) desenha um quadro das ações práticas dos
diferentes enfoques em relação à forma de se abordar a temática dos transportes.
Figura 15 – Diferenças práticas entre os enfoques técnico, social e sociológico (exemplos).
Enfoque
Problemas _________________________________________ Acidentes de trânsito Qualidade do transporte
______________________________
_________________________________________
Técnico número de acidentes, condições de circulação Por tipo de veículo dos veículos
______________________________
_________________________________________
Social acidentes, por veículo condições de circulação e por características das dos veículos, com análise pessoas (idade, sexo) da quantidade de pessoas
por modo de transporte
______________________________
__________________________________________
Sociológico acidentes, por veículo, condições de circulação características das dos veículos e das
76 Grifo do autor.
138
pessoas pessoas (idade, sexo), frente às suas grupo e classe social características sociais e e econômicas e ao acesso às tecnologias de transporte
Fonte: Vasconcellos (2001, p. 18), adaptado.
No desenho das diferentes formas de se enxergar e classificar o
planejamento dos transportes, Vasconcellos (2001) chama atenção para as
observações de Healy (1977) e Rimmer (1978), que indicam as diferentes fases em
que o tema dos transportes perpassou, principalmente durante o século XX.
Primeiramente ocorreu a lógica da descrição/previsão77, com sua ênfase a partir dos
anos 1950 e em plena fase de crescimento econômico pós-guerra, onde o
planejamento de transportes iria se basear principalmente na figura do engenheiro
de tráfego, este que irá verificar e quantificar as necessidades através de dados e
informações quantitativas e posteriormente planificar estas demandas através da
lógica de um cálculo racional provedor, dentro de um paradigma liberal, onde o
objetivo era “adaptar a preferência revelada pela comunidade aos recursos
disponíveis, através do trabalho de especialistas” (HEALEY, 1977, p. 203 apud
VASCONCELLOS, 2001, p. 19). Em uma segunda fase, já na década de 1960,
haveria um movimento de rejeição a esta posição anterior do planejamento dos
transportes, onde uma crítica ao modelo baseado nas demandas e mediações
pautadas pelo “mercado” e que pudessem dar conta das necessidades e realidades
encontradas nos meios urbanos. Pela primeira vez instrumentos sociológicos e da
ciência política passaram a ser incorporados ao planejamento dos transportes, mas
ainda sim com uma natureza conciliadora entre as demandas do “mercado” e as
ações políticas baseadas em necessidades coletivas e sociais, porém o que restou
desta crítica foi o que se considerou chamar de uma “banalização da sociologia” em
nome de uma possível preocupação social em relação ao planejamento dos
transportes (HEALEY, 1977, p. 208 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 19).
Na década de setenta se efetiva uma fase de reavaliação no planejamento
dos transportes, quando de maneira mais aprofundada passasse a utilizar as
ferramentas teóricas e metodológicas da sociologia, incorporando em suas
77 Grifo do autor.
139
observações a perspectiva das mudanças sociais, da estrutura social e suas
consequências. As análises passam a considerar os pertencimentos e as
contradições das classes sociais, os interesses entre os diferentes grupos sociais e
seus antagonismos políticos, não sendo levados, primordialmente, em consideração,
os aspectos da eficiência técnica como principal objetivo do planejamento dos
transportes. “A antiga separação que havia sido construída entre engenharia e
sociologia não era mais possível de ser sustentada, e o planejamento tornou-se
politicamente maduro” (HEALEY, 1977, p. 222 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 19).
A partir dos anos sessenta e setenta estudos sobre o impacto do automóvel
para a vida urbana, os processos da “suburbanização” norte-americana provocados
pelo uso do carro e as contradições e disputas políticas tendo como arena o acesso
aos meios de transporte, provocou o início de estudos de natureza sociológica dos
transportes, principalmente nos EUA, onde correntes de influência marxista e
weberiana utilizaram-se destas ferramentas para pensarem estes fenômenos. A
influência destas formulações e pesquisas baseadas em outros enfoques, além do
técnico, foi trazida aos países subdesenvolvidos com as bases teóricas e
metodológicas dos países industrializados, e obviamente que seus pressupostos e
determinações foram reavaliados e criticados à luz das realidades específicas dos
países, à época, pertencentes ao então chamado “terceiro mundo”. O Brasil também
sofreu essas influências, porém e devido à forte centralização política do período da
ditadura militar, o planejamento de transportes vivenciou primordialmente, em um
primeiro momento, o enfoque técnico, este pautado nas ações políticas
concentradas no “Grupo Executivo de Planejamento de Transportes (Geipot) e a
Empresa Brasileira de Transportes Urbano (EBTU), criada em 1975”
(VASCONCELOS, 2001, p.21). Ao final da década de 1970, quando verificou-se a
gravidade dos problemas relacionados à oferta de transportes à população em geral,
passou-se a incorporar um enfoque mais social para as determinações de
planejamento dos transportes.
140
3.6.1 Sobre uma “sociologia dos transportes”.
Para a pergunta “é possível uma sociologia dos transportes?” a resposta de
Vasconcellos (2001) será: não. Através da argumentação crítica de Castells (1976
apud VASCONCELLOS, 2001, p.25) e Lojkine será problematizada a própria
existência de uma sociologia, que durante um determinado período do tempo
passou ser denominada de “urbana”, em que se pese que, para muitos cientistas
sociais, ainda é e será pertinente chamá-la assim.
Ao ponto em que as ideologias da modernidade vão instaurando à lógica
sociológica os efeitos do avanço do capitalismo, os autores citados por Vasconcellos
(2001) relatam que não seria mais possível falar de uma “sociologia urbana” em
relação a uma oposição ao rural, ao não-urbano, chegando à concepção de que esta
sociologia urbana na verdade irá se reconfigurar em uma sociologia geral, onde as
contradições sociais e políticas oriundas do sistema capitalista moderno trazem à
tona novas visões e formulações do fazer-se sociológico. Na adesão a esta
concepção crítica de Castells e Lojkine, Vasconcellos (2001) também problematiza a
própria existência do termo e da prática de uma “sociologia dos transportes”, onde o
mesmo irá relatar que esta possível sociologia limitaria e reduziria o olhar da ciência
às ações das pessoas em relação a escolhas de determinados modais, ou às formas
de viajar, entre outras limitações e reduções improdutivas à própria lógica
sociológica. Levando em consideração que o enfoque sociológico pressupõe
elementos mais complexos para a compreensão do fenômeno provocado pelas
formas às quais as pessoas se utilizam dos transportes, o autor sugere uma nova
maneira de se olhar este tema através de uma sociologia crítica.
Estas inclusões permitem a proposta de uma abordagem sociológica da circulação, que tem como objetivo descrever e analisar a oferta, operação e uso (demanda) das estruturas e dos meios de circulação, frente às necessidades da produção e da reprodução. (...) a “estrutura de circulação” refere-se às vias, calçadas e terminais, enquanto os “meios de circulação” referem-se ao corpo humano e aos veículos, motorizados ou não. A oferta, operação e uso destes sistemas são organizados pelo Estado por agentes privados, grupos, classes sociais e indivíduos, de forma cooperativa ou conflituosa. As decisões referentes à oferta, operação e uso são influenciadas por fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, que variam acentuadamente no tempo e no espaço. Assim, todas as ações relativas à oferta, operação e uso da estrutura e meios de circulação pertencem à esfera de questões públicas essenciais, justificando a
141
definição de uma abordagem sociológica e política específica (VASCONCELLOS, 2001, p. 26).
Dentro desta proposta de abordagem sociológica, Vasconcellos (2001) define
questões centrais na observação das políticas de transporte e trânsito poderão:
Como acessibilidade é distribuída no espaço; Como grupos e classes sociais diferentes usam a cidade;
Quais são as condições relativas de equidade, segurança,
conforto eficiência e custo verificadas nos deslocamentos (VASCONCELLOS, 2001, p. 27).
Na discussão que se segue em relação às críticas e às melhores teorias e
metodologias que pudessem abordar e comtemplar as complexidades e diferenças
entre as distintas realidades urbanas, principalmente na relação entre países
desenvolvidos e altamente industrializados e países subdesenvolvidos com
economias dependentes e integradas a uma lógica subalterna dentro do sistema
produtivo internacional, um embate permanente entre as abordagens marxistas e
weberianas pareceu se desenhar. Vasconcellos (2001) irá explicitamente se filiar ao
viés marxista, e também às suas contribuições posteriores e contemporâneas,
levando a cabo a influência das concepções e teorias de Castells, Lojkine, Lefebvre
e Harvey. A abordagem sociológica da circulação dialogará diretamente com as
teorias sobre o espaço, e o uso do espaço, sendo delimitada pelas concepções e
visões de tradição materialista dialética, onde o fazer-se dos transportes estará
intrinsecamente relacionado à lógica da produção e da reprodução baseados nos
interesses do capital, incluindo seus processos de produção política, ideológica e
simbólica. Esta filiação teórica, e sua consequente construção teórico-metodológica
sobre os transportes, fica evidenciada no trecho em que o autor explicita sua visão
citando: “os movimentos entre as estruturas de produção e reprodução podem ser
vistos como uma “expressão concreta” das leis sociais que condicionam as trocas e
relações entre os agentes” (CASTELLS, 1977 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 34).
Parece claro que dentro da disputa entre as visões marxistas e a vertente
weberiana, a escolha do autor pendeu à primeira.
Em relação ao conceito de “mobilidade” Vasconcellos (2001) irá relatar que
uma visão tradicional, pautada na capacidade física das pessoas realizarem seus
142
deslocamentos e de acordo com suas necessidades e desejos, ou baseados na
quantidade de deslocamentos necessários para a realização dos deslocamentos,
não contempla as variações que devem ser levadas em consideração no ato de se
transportar das pessoas. Então passa a incorporar o conceito de “acessibilidade”
onde descreve que:
[...] Em primeiro lugar, ela se refere ao indivíduo ao refletir seu ponto de vista da acessibilidade (e não o ponto de vista do local físico, como na definição puramente espacial), o que permite avaliar como ele pode usar o espaço da cidade. Em segundo lugar, ela permite verificar como as diferenças sociais, políticas e econômicas entre as classes e grupos sociais influenciam as condições individuais de deslocamento (Reichman, 1983), remetendo consequentemente à discussão sobre equidade e estado de bem-estar nas sociedades contemporâneas. Finalmente, ela permite a análise da acessibilidade como um output essencial dos meios de transporte (Reichman, 1983), vital para a análise de políticas de transporte e trânsito. Neste sentido, o uso da palavra “mobilidade” pode até ser recuperado, desde que no contexto mais amplo apontado acima (VASCONCELLOS, 2001, p.41).
É apontada a necessidade de se conhecer as estratégias coletivas de
“orçamento-tempo” e “orçamento-espaço” para se municiar de informações
necessárias para o conhecimento das formas/estratégias utilizadas na reprodução
social da mão-de-obra trabalhadora dentro de uma estrutura urbana. Na fala de
Harvey, o controle da reprodução social é uma necessidade inerente ao capital
contemporâneo, onde “O comando coordenado do dinheiro, do tempo e do espaço
forma um nexus essencial para o poder social que nós não podemos ignorar [...]
aqueles que definem as práticas, formas e significados materiais do dinheiro, do
tempo e do espaço fixam certas regras básicas do jogo social” (HARVEY, 1985, p.
186 apud VASCONCELLOS, 2001, p.46).
Na lógica contemporânea do capital, o Estado tem papel fundamental na oferta de
transportes, tanto na reprodução social para o mundo do trabalho, quanto para a
circulação dos bens produzidos.
143
Figura 16 – Características principais das ações relativas às políticas de transporte e trânsito.
Ação Natureza Componentes
Provisão Organização e fornecimento da infra-estrutura e dos meios de circulação
Legislação geral; vias, calçadas, terminais e veículos (características físicas e simbólicas)
Regulamentação Definição de regras de uso
Regulamentação e códigos
Operação Funcionamento da infra-estrutura e dos meios de circulação
Recursos, logística e regras
Controle Acompanhamento da operação; fiscalização dos usuários
Recursos, logística e regras
Apropriação Impactos e efetividade objetiva, subjetiva e substantiva; Uso efetivo da infra-estrutura e dos meios de circulação
Comportamento dos usuários
Fonte: Vasconcellos (2001, p. 51), adaptado.
3.6.2 Mobilidade urbana: o debate contemporâneo.
Souza (2005) propõe um debate entre diversas visões sobre o conceito de
mobilidade, descrevendo suas especificidades e tecendo suas aproximações. Inclui
em suas observações os trabalhos de Câmara (2000), Gaudemar (1976) e
Vasconcellos (2001)78, entre outros pensadores do “urbano”. O foco das questões
colocadas sobre a mobilidade se concentra entre as condições necessárias para a
efetividade da reprodução social junto às necessidades do capital; a intensa
fragilização e precarização das taxas de mobilidade das classes mais pobres, muito
devido à segregação espacial destas classes e variáveis como sexo, gênero, idade;
e a discussão da acessibilidade como norteador importante nas diferenças de
qualidade dos serviços de transporte como: tempo gasto na espera e durante os
78 CÂMARA, Paulo. Gerência de mobilidade: a experiência da Europa. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente, Governo do Estado de São Paulo. GAUDEMAR, J.P. Mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa: Estampa, 1976. VASCONCELLOS, Eduardo Alcântara. Transporte urbano, espaço e equidade – Análise das políticas públicas. São Paulo: Editora Annablume, 2001.
144
deslocamentos, custo, facilidade de acesso, quantidade de conexões entre
diferentes modais, qualidade durante as viagens.
Souza (2005), através de Câmara (2000), indica algumas das novas diretrizes
de políticas de transporte, pautado no caso europeu, diretrizes estas que acabam
servindo como parâmetro para planejadores dos países em desenvolvimento e como
novo paradigma para o planejamento de transportes atual:
Segundo Câmara (2000) as novas diretrizes das políticas de planejamento de transporte urbano na Europa são as seguintes: A) reduzir o crescimento das viagens motorizadas assim como suas distâncias, B) incentivar meios de transporte alternativo que possuem menores impactos ambientais, e C) reduzir a dependência do automóvel particular. Este projeto europeu é conhecido como Gerência de Mobilidade, no qual visa à redução do trafego e a melhoria do ambiente [...] (SOUZA, 2005, p. 122).
Florentino (2011) irá trabalhar as questões da mobilidade no cenário atual das
políticas do Estado, em suas esferas federal, estadual e municipal, no que tange aos
investimentos em obras de mobilidade urbana visando os grandes eventos que
ocorrerão em alguns estados da federação, no caso da Copa do Mundo de Futebol
de 2014, e as Olimpíadas de 2016, que terá como cidade sede o Rio de Janeiro.
Sua visão da mobilidade urbana está focada nas seguintes concepções
Deve-se observar a diferença entre os termos “transporte público” e “mobilidade urbana”. Enquanto que transporte público é apenas uma parte integrante da mobilidade, relacionada a ferramentas que viabilizam o fluxo de trânsito de acordo com concessões públicas de serviços, a mobilidade urbana refere-se à capacidade de se deslocar dentro de um espaço urbano, considerando a integração e alternância entre tipos modais (carros particulares, bicicletas e fretados, por exemplo). Transporte público está mais voltado para a dimensão da oferta e demanda de determinado serviço, e mobilidade urbana abre espaço para as especificidades relacionadas à acessibilidade, integração entre regiões, perfis de usuários, integração entre tipos modais e condições sociais de uso do transporte público de maneira mais ampla, que assegurem o direito de usufruto do espaço urbano para seus cidadãos. É no debate sobre mobilidade urbana, por exemplo, que se insere a questão da walkability/ pedabilidade, como um dos elementos das políticas de uso e ocupação do solo, onde o encurtamento das distâncias é um objetivo a ser alcançado através da diversificação de usos de solos e adensamento populacional das cidades (FLORENTINO, 2011, ps. 49, 50).
145
Através da observação das disputas políticas e interesses das organizações
internacionais detentoras dos direitos dos grandes eventos aos grandes grupos
empresarias nacionais e internacionais, e o próprio interesse do Estado brasileiro,
mesmo em sua arena de disputas internas e ideológicas, Florentino (2011) propõe
parâmetros de avaliação dos impactos das políticas públicas de mobilidade que
serão desenvolvidas dentro do contexto dos grandes eventos. Estes parâmetros
pautam-se não nos cadernos de encargos determinados pela Federação
Internacional de Futebol Profissional (FIFA) ou pelo Comitê Olímpico Internacional
(COI), mas pelas diretrizes contidas na Política Nacional de Mobilidade Urbana79 e
que servirão, segundo a autora, como uma possibilidade de instrumento de controle
para a população e instituições que queiram compreender e investigar os impactos
das políticas de mobilidade junto aos territórios que receberão estes grandes
eventos. Figura 17 – Bloco temático sobre parâmetros de avaliação da mobilidade baseados no Plano Nacional de Mobilidade Urbana.
Fonte: Florentino (2011, p. 53).
Rodrigues (2013) irá relatar uma forte preocupação em relação às
consequências relativas ao que denomina como crise da mobilidade urbana
brasileira contemporânea, principalmente no caso do Rio de Janeiro, pautado em
alguns fatores que o autor considera como inflexões perigosas pelo modelo adotado
79 Aprovada como Lei N° 12.587 e sancionado em 03 de Janeiro de 2012
146
e que trará reflexos à população residente na RMRJ devido à urgência da Copa do
Mundo de futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016, que terão a cidade do Rio de
Janeiro como sede. O primeiro ponto destacado será a observação do modelo
rodoviarista adotado, na tentativa pelo Estado, de incrementar e aumentar as opções
de deslocamentos.
Rodrigues (2013) demonstra a queda das taxas de crescimento demográfico
dos últimos vinte anos quando se verifica os núcleos centrais das grandes
metrópoles brasileiras, mas ao mesmo tempo verifica-se um aumento do processo
de metropolização “horizontal”, com o aumento das periferias e um maior processo
de conturbação urbana, fortificando ainda mais os conglomerados urbanos
regionais. O aumento da população que vive nestas periferias, conjuntamente com
as melhorias do poder de compra dos últimos anos, propiciou um grande aumento
da frota de automóveis nestas regiões metropolizadas, o que irá se refletir cada vez
mais nos entraves do trânsito das grandes cidades. Congestionamentos cotidianos e
fora das faixas tradicionais de rush, aumentos do número de acidentes e da
letalidade dos mesmos, diminuição da qualidade dos deslocamentos por veículos
motorizados, conjuntamente com a inépcia estatal e das concessionárias privadas
em relação aos transportes coletivos, são algumas consequências do privilégio ao
viés rodoviarista das políticas de mobilidade atuais. A dificuldade proporcionada pela
ineficiência dos serviços de transportes oferecidos à população, principalmente às
camadas mais pobres e que vivem nas periferias ou favelas, vincula-se à
segmentação territorial e segregação residencial e traz como consequências “ao
comparar as rendas médias de trabalhadores (...) em termos de escolaridade, cor,
sexo e tipo de ocupação, mas residentes em áreas com (...) diferenças de
mobilidade urbana, a diferença pode chegar a 22,8%. Poderíamos dizer que essa é
a dimensão social central da crise da mobilidade urbana” (RODRIGUES, 2013, p.
43).
Outro ponto destacado é o processo de reafirmação de certas “centralidades”
urbanas, causadas pelas políticas de mobilidade atuais no Rio de Janeiro, onde
regiões já altamente centralizadas e que têm como habitantes as camadas mais
desenvolvidas economicamente da RMRJ e, em alguns casos, com a melhor oferta
de transportes urbanos e mobilidade da metrópole em comparação às áreas que
vivenciaram e vivenciam uma urgente e grande demanda de mobilidade, seja pelo
crescimento populacional, seja pela intensificação e complexização do mercado de
147
trabalho nas periferias e núcleos mais afastados desta “centralidade” histórica. O
avanço do metrô para a Barra da Tijuca, a derrubada do viaduto da Perimetral e os
altos investimentos públicos e alguns privados na região portuária da cidade do Rio
de Janeiro, são alguns exemplos do reforço destas centralidades em detrimento das
necessidades de um enorme contingente que habita e trabalha nas “bordas” destes
núcleos “centrais”.
Amouzou (2001) chama atenção quanto às visões que ele considera
fundamentais em relação à percepção sobre a mobilidade urbana. Descrevendo
estas visões em que “A primeira é a felicidade, cada vez mais rara, baseada no
cumprimento da democracia, na criatividade social, cultural e econômica. A segunda
é a visão pessimista que faz da cidade um lugar de poluição, de exclusão e de mal-
estar social” (AMOUZOU, 2001, p.1).
Tentando superar as visões sobre a mobilidade que a colocam quase sempre
como consequência, normalmente negativa dos resultados do crescimento e
desenvolvimento das cidades dentro da dinâmica capitalista. Relata a incorporação
da definição, considerada por ele mais simples e baseada na fenomenologia de
Merleau-Ponty, onde diz que “de fato, podemos considerar a fenomenologia da
mobilidade como uma descrição do “sujeito móvel” com seu próprio movimento no
espaço e tempo (...)” (AMOUZOU, 2001, p. 2).
A se ressaltar, para nosso trabalho, talvez sejam as possibilidades, ou
aberturas propostas e trazidas pelo autor, onde o conceito de mobilidade pode se
“descolar” das correntes teóricas mais “associadas” ao nosso fazer-se do
pensamento urbano regional atual, ou até mesmo da perspectiva dos países em
desenvolvimento nos últimos anos. Amouzou (2001) apresenta algumas, segundo
sua classificação, das interpretações correntes sobre mobilidade e que são
interessantes para a ampliação das perspectivas deste conceito.
Assim, grandes pesquisadores da socieconomia de transporte percebem quatro fenômenos fundamentais da mobilidade ligados aos conceitos de espaço e tempo:
Em uma visão marxista, a mobilidade é interpretada como um instrumento de mobilização da mão-de-obra. Esta percepção foi encontrada nos estudos realizados sobre a cidade de Dunquerque, na França;
Segundo a Escola Escandinava de Geografia, a mobilidade é percebida como um instrumento de realização de um programa de atividades localizadas no espaço e no tempo;
148
Sob o ponto de vista econômico, a mobilidade é percebida em termos de modo de vida e divisão social do espaço;
Os sociólogos possuem uma visão psicológica ou psicanalítica da mobilidade, a qual determina o comportamento e o sentimento do indivíduo submetido ao deslocamento (AMOUZOU, 2001, p.2).
É dentro desta perspectiva sociológica, e que não necessariamente irá se
confundir com a afirmação acima, que nosso trabalho irá se debruçar, discutir e
propor novas formas de se observar o fenômeno dos transportes e da mobilidade.
3.6.3 Por uma “nova” sociologia dos transportes ou sociologia da mobilidade?
Diante de todo debate já proposto, nos focaremos em uma discussão e na
tentativa de construção de um olhar sociológico mais aprofundado e inovador ao
fenômeno proporcionado pelos transportes urbanos e suas consequências geradas
na mobilidade urbana, e também pelos efeitos dessas políticas de mobilidade à
oferta dos transportes urbanos.
Fica evidenciado o acúmulo à discussão sobre o conceito de mobilidade
urbana devido à produção de conhecimento em várias áreas e disciplinas. Há a
percepção de uma associação primordial, e quase que “natural”, das necessidades
de mobilidade concentradas primeiramente na ideia de uma ciência técnica pautada
exclusivamente para a oferta equilibrada de transportes urbanos e as necessidades
da população das cidades, fossem estes transportes coletivos ou de natureza
individual. As Engenharias de Transportes, Tráfego, de Trânsito, Civil, entre algumas
outras, possuem grande importância em cálculos e análises matemáticas em relação
à dosimetria dos fluxos de passageiros, da capacidade dos diferentes veículos com
determinados números de usuários, da velocidade ótima, do conforto, enfim sobre
formulações técnicas quanto às especificidades dos modais em si, enquanto busca
por um cálculo racional e preciso que possa fornecer parâmetros técnicos confiáveis
a quem deve decidir sobre as ofertas dos modais à população.
Porém, como já descrito por Vasconcellos (2001), os fenômenos sobre a
capacidade de se transportar concentra-se em sua “origem” nas formulações
técnicas de planejadores urbanos e engenheiros, mas também acaba por perpassar
também pelos vieses “social” e “sociológico” a partir de metade do século XX. Dentro
deste campo dos transportes a incorporação de conhecimentos e questionamentos
149
com base nas perspectivas sociais vai gerar um grande arcabouço de teorias e
formulações, e que têm por sua própria natureza, a incorporação dos conteúdos e
paradigmas de diversas disciplinas e áreas do conhecimento filosófico e científico.
Podemos afirmar com certeza tranquilidade que noções e conceitos sobre a
mobilidade possuem contribuições e formulações de áreas como: Engenharias de
Tráfego, Trânsito ou Transportes, Geografia, Demografia, Planejamento Urbano,
Economia, Administração, Arquitetura, Urbanismo, História, Antropologia, Sociologia
Urbana, Ciência Política, Psicologia e provavelmente outras que desconhecemos.
As informações e dados disponíveis sobre a oferta geral de transportes, os modais,
os tempos nas viagens, as motivações dos deslocamentos, a qualidade dos
deslocamentos e os impactos socioeconômicos, tornam-se cada vez maiores e mais
acessíveis, seja por dados de instituições públicas ou privadas, seja por núcleos de
pesquisas e revistas acadêmicas que possuem como preocupação principal as
questões sobre o urbano, e nelas inclui-se de maneira decisiva a questão da
mobilidade urbana. Diante destas informações objetivas, e cada vez mais precisas,
costuma-se confabular e teorizar sobre os momentos atuais, o passado e os
caminhos que a mobilidade de determinadas classes sociais irá se desenhar para os
tempos que virão.
Porém, e apesar de ter sido citado que não haveria a possibilidade de uma
sociologia dos transportes devido à própria articulação de uma sociologia da
modernidade pautada pelo urbano80 e o desenvolvimento capitalista, acreditamos
que há uma sociologia a ser explorada tanto no que tange especificamente os
transportes urbanos, quanto podemos nos referir à mobilidade urbana.
Houve o apontamento das correntes sociológicas marxistas e weberianas,
que durante as décadas de 1960 e 1970, “disputaram” uma certa hegemonia do
pensamento sociológico sobre o fenômeno urbano e mais precisamente sobre a
circulação e a mobilidade urbana. Na literatura consagrada pelo pensamento crítico,
a contribuição de base marxista, ou os próprios autores do chamado pensamento
neomarxista, parece ter alcançado um papel importante e de protagonismo nas
formulações correntes dentro da perspectiva da mobilidade urbana diante de o
cenário da modernidade e da pós-modernidade. As construções diversas de teóricos
e teorias neste campo de pensamento são de fundamental importância no que tange
80 Castells (1976) apud Vasconcellos (2001).
150
a busca pelas contradições inerentes e proporcionados pela supremacia e
hierarquização social gerados pelo antagonismo entre classes sociais e os
interesses do capital monopolista e altamente concentrado. As metodologias e
arcabouços pautados pela influência do materialismo dialético histórico possibilitam
observar e superar construções ideológicas e simbólicas que são constantemente
produzidas e reproduzidas em relação às dinâmicas urbanas cotidianas e
consideradas, por muitos, como “naturais”, evidenciando as relações de
desigualdade material, econômica e simbólica entre indivíduos e grupos sociais
dentro do ambiente urbano. Esta contribuição é decisiva e nos ajuda a observar os
processos urbanos além dos apontamentos particularistas e atomizantes, e que
acabam por não levar em consideração as nuances e oposições coletivas e de
classe.
Porém na perspectiva sociológica, mais do que buscar os antagonismos e
impossibilidades de correntes de pensamentos, e suas possíveis filiações
ideológicas, a maior importância deve ser a real busca das explicações e efeitos
sociais dentro da perspectiva crítica do real, mesmo sabendo-se que o próprio real
não passa de uma construção histórica, mas ela é materializada e vivida. Ao invés
da refutação das correntes teóricas e metodológicas pautadas nos ensinamentos de
Marx e Weber, acreditamos que é necessária mais uma forma de se ressaltar
complementaridades do que se excluir percepções e métodos consagrados pelo
tempo e por inúmeros autores. Acreditamos que as inúmeras contribuições já
produzidas acerca dos transportes e sobre a mobilidade urbana ainda carecem de
características e percepções que podemos considerar como essencialmente
sociológicas em suas totalidades. As contribuições de teóricos e pesquisadores das
cidades e que têm como base as argumentações teórico-metodológicas baseadas
pelo materialismo histórico e a luta de classes, talvez possam “engessar” ou
“compartimentar” certas posições e efeitos sociais em nome de uma visão geral dos
conflitos inerentes aos antagonismos das próprias classes, estas classicamente
divididas na burguesa e nos trabalhadores. É evidente a existência destes conflitos e
que eles perpassam as disputas e desigualdades encontradas e encontráveis na
esfera social e no ambiente urbano, porém a enorme difusão de demandas e grupos
sociais estratificados dentro do tecido urbano, talvez desfavoreça a uma visão com
escopo coletivizador tão grandioso. As contradições por classe parecem evidentes,
mas as condições entre “conteúdos” e “formas de vida” específicos de diferentes
151
grupos sociais, parecem não estar muito contemplados dentro das análises
pautadas nas diferenças objetivas e objetivadas pelas contradições de classe
proporcionadas pelo capitalismo atual. O fazer-se sociológico deve buscar, ou pelo
menos tentar, através das especificidades e nuances dos grupos sociais, as
explicações e análises pautadas em um aspecto da totalidade, seja pelas diferenças
materiais, seja pelo discurso e percepção dos atores.
Percebemos que as contribuições teóricas e metodológicas da denominada
sociologia compreensiva histórica, pautada por uma escola filosófica alemã, podem
ser extremamente interessantes e complementares à tradição e importância da
produção acadêmica pautada em autores como Manuel Castells, Henri Lefebvre,
Milton Santos, Jean Lojkine, David Harvey, etc., e os autores subsequentes e
influenciados por estes grandes pensadores, e não sua negação ou oposição81. O
que pretendemos aqui é buscar uma visão sociológica sobre os transportes e a
mobilidade urbana que transcenda a uma percepção estritamente materialista e que
possa incorporar outros sentidos e epistemologias.
A utilização das informações e dados concretos e materializados sobre a
mobilidade urbana e os transportes é de fundamental importância para o início de
qualquer análise que se pretenda sociológica perante esta temática. A construção de
um robusto banco de informações pautado pelos dados fornecidos pelas diversas
instituições, já aqui citadas, é seminal para qualquer análise de base sociológica
mais aprofundada. Conquanto esta sociologia dos transportes que pretendemos
aprofundar trata da busca por uma “forma de vida” que é forjada, produzida e
vivificada através do contato cotidiano com as formas de se transportar.
Vimos através das contribuições de Simmel, que as institucionalizações de
grande parte das relações e interações sociais ocorrerão e se formatarão no mundo
moderno pelos conteúdos históricos que acabam por ser perder, ou serem
“esquecidos”, através do tempo, mas incorporados nas formas e relações cada vez
mais “impessoais” que se constroem e se intensificam no mundo moderno. Em um
dos principais objetos evidenciados neste trabalho, a Baixada Fluminense, pudemos
observar um pouco da História, ou das histórias, de formação desta territorialidade,
onde sua posição de passagem entre a antiga capital do Império e da República, o
Rio de Janeiro, e as regiões de escoamento da produção de cana-de-açúcar e café,
81 Importância, influência e conceitos de grande parte destes autores já citados, debatidos e utilizados como cerne para a compreensão dos objetos aqui delimitados e para a própria concepção deste trabalho.
152
São Paulo e o Vale do Paraíba, empregou a esta região uma importância relativa
dentro da estrutura econômica e social de formação do Brasil, colocando-a em uma
posição subalterna frente a centralidade do Rio de Janeiro. Outras regiões e
localidades também foram e, talvez, sempre serão subalternas a certos núcleos
urbanos, mas uma das funções da sociologia é buscar especificidades inerentes à
formação destas formas e sua compreensão através das reminiscências e
atualidades dos grupos sociais pertencentes a diferentes identidades e
sociabilidades. O conhecimento das “formas de vida” pelos transportes só poderá
ser amplamente realizada, quando ser buscar com cuidado a origem dos conteúdos
históricos e as possíveis permanências das formas institucionalizadas nas relações
de subordinação, segregação e dominação.
A questão da “identidade territorial” torna-se também fundamental para a
compreensão das assimetrias e desigualdades territoriais, tanto em relação à oferta
dos transportes, quanto pela própria segregação socioeconômica residencial, no
mundo do trabalho ou do lazer. Há a tendência marxista de perceber que estas
hierarquizações de internalização simbólica são prioritariamente produzidas pelas
ideologias das classes dominantes e impetradas pela dominação estrutural
capitalista.
Por outra perspectiva teórica, e não de maneira excludente e sim agregando-
se de forma complementar e enriquecedora à visão de fundo materialista dos
processos sociais, pode-se, através da procura da compreensão de sociabilidades
internalizadas coletivamente e individualmente, sendo estas sociabilidades
baseadas por diferentes territórios e localidades, e também sendo resultado das
vidas intermediadas pelos transportes urbanos, perceber que as formas de
segregação, diferenciação social e territorial podem ser “trazidas” e perpetuadas
coletivamente por formas/relações construídas no campo estrito das relações sociais
e que poderiam, inclusive, reproduzir materialmente na estrutura física e urbana
estas diferenças introjetadas coletivamente. Neste caso as contribuições de Simmel,
Weber e Elias podem ser importantes ferramentas analíticas, a desafiar, contrapor e
acrescentar às visões de base materialista.
Mas com que objetivo aprofundar e tentar unir estas correntes teórico-
metodológicas senão pela tentativa, portanto, de se compreender e efetivar uma
sociologia dos transportes. Esta tentativa traz como objeto de análise a Baixada
Fluminense como possível exemplo a ser utilizado na compreensão possibilitada
153
pelas variadas formas de análise, construção e contribuição de diversos saberes
disciplinares. A efetivação desta subdisciplina sociológica será na busca pautada
nas produções e efeitos sociais causados pelas formas de se transportar pelas
cidades. E esta busca deve-se basear, portanto, nas “formas de vida pelo
transporte”. A Antropologia, com sua preciosa contribuição etnográfica, fornece
imenso arcabouço de possibilidades na busca para se conhecer profundamente
estas “formas de vida pelo transporte”. A Sociologia também tem em seu escopo, e
a partir da Escola de Chicago e a formação disciplinar de uma Sociologia Urbana, o
trabalho de campo torna-se importante técnica e forma de pesquisa. O trabalho de
campo de Elias e Scotson (2000) na Inglaterra é um dos mais renomados exemplos
neste sentido.
A tentativa de unir as análises de base materialista, buscando-se o
conhecimento das produções econômicas e reproduções sociais baseados nas
contradições de classe pelo capital, não exclui a busca da compreensão na
formação de uma sociabilidade configuracional e coletiva, de como são construídas
as identidades territoriais e na forma pela qual as pessoas se utilizam dos
transportes urbanos, estes como produtores e/ou produzidos pelas desigualdades
materiais e sociais incorporadas coletivamente e individualmente durante o tempo.
Relatar as motivações de origem/destino, os efeitos econômicos pela
distância do trabalho e a precariedade causada pelo tempo gasto nas viagens
cotidianas, refletir as nuances políticas na oferta de deslocamentos à diferentes
camadas sociais, verificar os índices de imobilidade de grupos sociais, todas essas
informações são imprescindíveis para se conhecer melhor o fenômeno da
mobilidade urbana, é reconhecido o papel de variados campos do conhecimento que
podem pesquisar e produzir estas informações, porém para o campo de um
sociologia dos transportes, é necessário uma percepção mais completa acerca das
questões da mobilidade urbana.
É, portanto, imprescindível o aprofundamento e a imersão do
observador/pesquisador na própria mobilidade urbana, buscando-se a possibilidade
de abranger as diferentes e diversas formas do ato de se transportar pelas
metrópoles, e tendo o aprofundamento das “formas de vida pelo transporte” através
das experiências, contatos e falas de quem efetivamente vive estas formas. Não há
possibilidade de efetivamente gerar um conhecimento complexo e multidimensional
sem a incorporação das técnicas presenciais, do trabalho de campo, da
154
permanência mais longa, do tempo “longo” junto às maneiras de se locomover pelas
cidades. Porém esta ideia de uma sociologia dos transportes não se fecha na
questão de uma primazia da etnografia como forma-fim para a tarefa que aqui está
sendo proposta. As pesquisas presenciais só poderão contribuir para um
aprofundamento complexo dos estudos da mobilidade urbana conjuntamente com o
imenso acúmulo já produzido pelos outros campos de conhecimento relacionados ao
tema dos transportes e da mobilidade urbana, já aqui citados. Sem esta interface e
soma entre a tradição teórica e metodológica da sociologia, e da antropologia, e as
teorias, metodologias, informações e conteúdos já amplamente desenvolvidos por
disciplinas como o Planejamento Urbano, o Urbanismo e a Geografia sobre o tema
da mobilidade urbana e dos transportes urbanos, uma tentativa com a intenção de
uma busca do conhecimento mais abrangente da realidade baseada na mobilidade e
nos transportes urbanos não será alcançado. Diferente de Vasconcellos (2001), e
até mesmo de Castells, acreditamos na possibilidade, sim, de uma sociologia dos
transportes ou da mobilidade. Porém está afirmação não soluciona a dificuldade da
proposta aqui realizada.
Em relação ao apontamento descrito por Amouzou (2001) sobre as
preocupações da sociologia em relação à mobilidade estarem focadas nas esferas
dos conhecimentos e efeitos psicológicos e psicanalíticos em relação às percepções
das pessoas sobre os deslocamentos e viagens realizadas no cenário urbano, é fato
afirmar que o autor tem razão em sua observação destes caminhos sociológicos.
Porém esta afirmação não contempla totalmente a busca sociológica do tema por
duas razões.
A primeira é o que esta busca pelos efeitos psicológicos parece se associar,
em sua colocação, diretamente a uma opção metodológica que privilegiaria as
percepções de cunho individual, ou individualista, dos atores frente às suas
sensações e opiniões subjetivas em relação ao ato de se transportar. Obviamente
que este é um dos objetivos e consequente resultado das pesquisas sociológicas,
mas não se pode pensar que estas formas de investigação irão necessariamente se
pautar exclusivamente nos aspectos subjetivados e internalizados pelas histórias de
vida de indivíduos em uma perspectiva meramente atomizada e individualista. Um
dos limites das etnografias e do trabalho de campo em si, é a impossibilidade de se
alcançar um contingente populacional em níveis estatísticos, se restringindo aos
grupos delimitados pelo escopo da análise proposta, mas mesmo com estas
155
limitações, o comportamento demonstrado por uma etnografia, de um determinado
grupo social na utilização de um modal de transportes, trará fortes indícios do
comportamento coletivo da maioria dos usuários que se utiliza de determinados
modais, ou as próprias contradições e conflitos entre os diferentes grupos sociais
que se utilizam e vivenciam os transportes urbanos. As percepções individuais serão
observadas e analisadas, porém sem necessariamente prescindir dos efeitos e
comportamentos coletivos que poderão e certamente serão percebidos pelo
pesquisador e evidenciados pela realidade social.
O segundo ponto se refere ao escopo das análises realizadas. Quando se
leva em consideração uma única etnografia ou trabalho de campo específico em
relação ao tema da mobilidade e dos transportes urbanos, fica um tanto evidente as
limitações circunscritas ao próprio campo que obrigatoriamente deverá ser
delimitado, à própria unidade pautada pelos limites físicos do pesquisador/a e do
objeto pesquisado. Porém em uma perspectiva sociológica mais ampla, nos
referimos à capacidade e ao esforço de um campo sociológico, que aqui está sendo
proposto, que tenha como principal objeto de observação a mobilidade e os
transportes urbanos, e assim se poderá utilizar de variados e diversos trabalhos, ora
de cunho antropológico, ora e de outras disciplinas e campos de conhecimento, para
que se possa comparativamente e analiticamente se aprofundar e tornar crítica a
produção pautada nesta temática. Ter em mãos diferentes pesquisadores sociais
vivenciando diferentes modais e formas de se locomover pelas cidades, somando-se
a toda gama de informações, dados e conhecimentos disponíveis pelos acúmulos
disciplinares anteriores, parece ser uma forma mais próxima de uma efetiva
sociologia preocupada com os efeitos sociais que a mobilidade urbana possui no
mundo contemporâneo.
Em relação à preocupação das ciências sociais pelo tema e objeto proposto
por este trabalho, verifica-se, pelo menos no caso brasileiro e focalizando-se
também à esfera do Rio de Janeiro, que os trabalhos de campo e etnográficos
acerca do tema dos transportes e da mobilidade urbana só vão se realizar em uma
perspectiva extremamente contemporânea. Podemos usar como exemplo o trabalho
de Pires (2011), que realizou a primeira82 etnografia conhecida e realizada nas
82 Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós‐Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, no ano de 2005, e que resultou no livro “Esculhamba, Mas Não Esculacha!” de Lenin Pires, 2011.
156
jornadas dos trens urbanos da Central do Brasil e que atende a população da RMRJ.
Também temos a obra de Caiafa (2002), que realiza uma etnografia das viagens de
ônibus no Rio de Janeiro e em Caiafa (2013) o mesmo trabalho, só que agora o
objeto são as viagens realizadas no metrô no Rio de Janeiro. Mamani (2004) realiza
um trabalho de campo observando as dinâmicas do que ele denomina de
“transportes informais”, onde analisa o surgimento e efeitos sociais dos
deslocamentos urbanos realizados por vans e kombis na RMRJ, tendo em vista que
este fenômeno surge em meados dos anos 1990. Silva (2007) realiza um estudo de
caso em uma cooperativa de vans situada em um município da Baixada e que
realiza o trajeto Baixada Fluminense x Centro do Rio, demonstrando as noções e
classificações nativas, as relações sociais e questionando uma perspectiva
prioritariamente criminalizadora deste novo modal. Fonseca (2005) se pautará em
um trabalho de campo realizado com mototaxistas, que tinham como base de
trabalho e moradia a favela da Rocinha, situada na Zona Sul do Rio de Janeiro e
considerada a maior favela da América Latina.
Devemos ressaltar que estes pesquisadores, apesar de serem ligados ao
campo das ciências sociais, não possuem formações estritas à sociologia e à
antropologia, realizando, já em seus trabalhos, diálogos e interfaces com outros
campos de conhecimento. Portanto fica evidente a urgência do tema para as
ciências sociais e sua brevidade temporal, e obviamente do ainda pouco acúmulo,
mas que consideramos já serem suficientes para podermos pensar na construção de
uma disciplina onde o foco seja pautado por este tema.
Um ponto de reflexão que consideramos extremamente pertinente na
incorporação das informações sobre as políticas de mobilidade urbana e à oferta dos
transportes urbanos é a observação sobre as notícias midiáticas em relação a este
tema. Não iremos aqui debater sobre teorias da comunicação, até porque não
termos o conhecimento necessário para tal, mas parece inexorável à construção e à
própria reflexão das imagens, ou autoimagens, construídas socialmente e
associadas a determinadas “identidades” sociais e territoriais internalizadas
coletivamente e individualmente, a produção, vinculação e disseminação por
diversos meios de comunicação, sejam jornais impressos, jornais televisivos, sites e,
atualmente, as redes sociais na internet, de informações e conteúdos relacionados
diretamente à questão da mobilidade urbana. Em qualquer dia da semana, em uma
rápida pesquisa em sites de notícias ou em redes sociais, os transportes urbanos
157
surgirão como tema relevante e com alto índice de visualizações e popularidade em
suas vinculações.
Na história nacional a televisão tem um papel importante na construção de
uma imagem, ou de imagens, de integração de identidades ou até mesmo de
construção de sociabilidades. Desde a década de 1960 a tv aberta assume o papel
de principal difusor de informação coletiva e popular, substituindo o rádio como
primordial fonte de entretenimento e produção em larga escala de informações e
notícias sobre o país. Fica evidente que a forma como estas informações estarão
vinculadas será afetada diretamente pelos interesses editoriais dos grupos privados
que quase sempre monopolizaram a propriedade desses veículos de comunicação.
O Estado também terá papel importante na vinculação de determinadas notícias e
no controle na fonte de certas informações, variando seus conteúdos de acordo com
os regimes, governos e partidos que estarão no poder no momento.
No caso das grandes metrópoles, a mídia tem importante papel de divulgador
e “acusador” das mazelas quase sempre relacionadas aos serviços públicos (e à
vida pública) e associadas ao viver na cidade, utilizando-se às vezes de uma “voz
popular” e quase sempre atuando como opinião pública, às vezes incorporando
interesses difusos e não tão evidentes em suas matérias. Um dos principais temas
referentes a esta preocupação jornalística histórica com os problemas relacionados
aos serviços públicos ofertados é a questão dos transportes urbanos. O Rio de
Janeiro possui um histórico, passado e presente, de conflitos e problemas
relacionados aos transportes urbanos e que sempre causaram grande interesse
midiático. Podemos lembrar de alguns fatos relevantes como a “Revolta das
Barcas”83 ou as diversas notícias e programas televisivos sobre “Os surfistas
ferroviários das décadas de 1980 e 1990”, e no contexto contemporâneo os muitos
83 “No dia 22 de maio de 1959, o pau quebrou em Niterói, município vizinho do Rio de Janeiro, lindamente separado da capital fluminense pelas águas da Baía de Guanabara. As pessoas perderam a paciência com a péssima qualidade do serviço de travessia marítima entre as duas cidades, e numa explosão de fúria incendiaram a estação da Cantareira, destruíram os escritórios da concessionária e saquearam a residência da família de espanhóis que controlava a empresa. A turba incontrolável deixou escrito em uma das paredes da mansão o resumo da história toda: “Aqui jaz a fortuna do Grupo Carreteiro, acumulada com o sacrifício do povo”. O resultado do episódio, que ficou conhecido como Revolta das Barcas, foi que o poder público assumiu as operações do transporte de passageiros na baía, voltando a privatizá‐lo só no final de década de 1990, com o fim da Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro (Conerj)”. Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/sem‐categoria/revolta‐das‐barcas‐faz‐50‐anos‐revolta‐nas‐barcas‐continua/. Acessado em Jan. 2014.
158
momentos de revolta popular devido à paralisações técnicas e problemas de
segurança em relação a trens, barcas, vans, metrô e ônibus pela RMRJ.
Em nossa visão é realmente imprescindível realizar uma análise minuciosa e
com um recorte temporal preciso, de acordo com o interesse do período de tempo a
ser estudado, na verificação da natureza e conteúdo das notícias vinculadas sobre
os transportes urbanos na RMRJ. Perguntas como: “Há diferenças das notícias
relacionadas a determinados modais?”, “Qual a natureza das notícias relacionadas
aos transportes urbanos em relação a diferentes classes e grupos sociais?”, “As
informações relacionadas à matérias jornalísticas possuem diferenciações na
relação entre diferentes territórios e os transportes urbanos?”, “Qual a incidência de
opiniões “negativas” e “positivas” sobre os transportes urbanos em relação aos
territórios que eles servem?”. Algumas dessas perguntas, e muitas outras, podem
ser feitas com o intuito de se conhecer melhor a questão dos transportes urbanos na
RMRJ e ao mesmo tempo na tentativa de se perceber a construção de um ideário
coletivo de imagens associadas a modais, grupos sociais e territórios. A verificação
se há diferenças significativas quanto às qualificações e percepções da grande
mídia, e a natureza dos conteúdos publicados, em relação às notícias sobre os
transportes urbanos não será realizada neste trabalho, mas deixamos evidenciado
que este é um importante caminho e estudo necessário na tentativa de uma
compreensão abrangente dos fenômenos sociais relacionados à sociologia dos
transportes e da mobilidade urbana.
3.6.3.1 Transportes ou Mobilidade urbana?
Um questionamento que pode ser considerado “menor” ou não tão
significativo é acerca de como esta sociologia pautada na temática dos transportes
urbanos e na mobilidade urbana poderia se denominar na gênese de sua própria
formação. Não pretendemos esgotar ou definir esta nomenclatura ou conceituação,
mas achamos interessante trazer à tona as possibilidades em se poder “denominar”
esta sociologia em suas duas formas.
Mais uma vez citando a críticas de Vasconcellos (2001), pautado pelos
argumentos de Castells, pode-se realmente pensar que o termo “sociologia dos
transportes” traz uma ideia reducionista, já que os “meios de transportes” seriam
somente um aspecto técnico e tecnológico e que têm como principal função
159
intermediar o transpassar do espaço e do tempo entre as pessoas. Pudemos
durante este trabalho discutir e problematizar a questão dos transportes e perceber
que sua importância e efeitos são muito mais complexos e profundos do que serem
meros intermediários, pois, ao mesmo tempo que realizam a conexão urbana entre
territórios, indivíduos e grupos sociais diferentes, produzem eles próprios
sociabilidades e percepções específicas sobre a cidade, a segregação e o
pertencimento a certas identidades territoriais e grupos sociais. Porém ao explicitar
estes elementos de complexidade sociológica, talvez não estejamos mais nos
referindo especificamente aos “transportes” em si, e sim nos efeitos e aplicabilidades
resultantes de sua existência, talvez o extravasamento da própria natureza
específica dos efeitos proporcionados pelos transportes urbanos nos leve
diretamente ao conceito de mobilidade urbana. E então não teríamos mais uma
“sociologia dos transportes”, mas sim uma “sociologia da mobilidade urbana”.
A possibilidade de se ter uma “sociologia dos transportes” talvez seja a fácil
visualização que esta nomeação e classificação proporcione a todos que dela se
interessem ou procurem se especializar. Mesmo que as ideias reducionistas ou
associações meramente à oferta técnica e material dos transportes se imponha nos
primeiros contatos, o próprio corpo de produção e reflexão desta disciplina poderá
ficar evidente nas primeiras discussões de cientistas, pesquisadores e estudantes
não familiarizados com a complexidade e profundidade propostas. Talvez essa
percepção de “superficialidade” possa contribuir ao somar interessados de diferentes
campos do saber, que ao não dominarem amplamente o conteúdo proposto, possam
se unir e trocar experiências dos diversos campos possíveis e desejáveis para este
tipo de tema e objeto.
Em outra perspectiva uma “sociologia da mobilidade urbana” traz em si as
complexidades já amplamente desenvolvidas pelos campos do Planejamento
Urbano, da Geografia, do Urbanismo e da própria Sociologia, mas pode, também,
ser alvo da justa confusão entre mobilidade urbana, com base nos deslocamentos e
transportes urbanos, e a mobilidade social, que trata mais especificamente dos
contextos socioeconômicos. É clara a interlocução entre essas “mobilidades”, e elas
vão se refletir justamente nas questões da segregação social e territorial, mas como
ideia de uma subdisciplina da sociologia, o termo “sociologia da mobilidade urbana”
pode não explicitar a proposta de se pensar também as ofertas de transportes
urbanos e as “formas de vida pelo transporte”.
160
Como descrito acima, não pretendemos fechar questão, mas discutir e abrir
um debate para as possibilidades de construção deste campo sociológico.
Figura 18 – Esquema para a formulação de uma Sociologia dos Transportes/Sociologia da Mobilidade urbana.
Sociologia dos Transportes/ Sociologia da Mobilidade urbana Arcabouço teórico‐metodológico: • Contribuição da Sociologia Urbana; • Utilização da abordagem de tradição
marxista e neomarxista; • Utilização das contribuições da
Sociologia compreensiva; • Utilização das contribuições da
Antropologia e da Psicologia.
Campo das Ciências Sociais “Formas de vida pelo transporte”
• Etnografias dos transportes
• Pesquisas de campo • Estudos de caso • Pesquisas quantitativas
e qualitativas • Discussões teóricas
Acúmulo de teorias, metodologias e pesquisas das áreas disciplinares: Planejamento Urbano, Arquitetura, Urbanismo, Demografia, Economia, História, Memória Social, Serviço Social, Economia, Administração, Ciência Política, Engenharias, entre outras.
Formulações e propostas teóricas e metodológicas referentes à disciplina. Construção de arcabouço original e desenvolvimento de pesquisas e conhecimentos específicos ao tema da disciplina.
Análise de matérias da mídia sobre o tema dos transportes urbanos e da mobilidade urbana: Jornais impressos, programas televisivos, internet, redes sociais, etc.
161
3.7 Metodologia utilizada
Este trabalho terá por base a utilização de uma revisão crítica de obras para a
objetivação de seu intuito principal, que é a discussão sobre a possibilidade da
construção de uma “sociologia dos transportes” ou de uma “sociologia da mobilidade
urbana” utilizando como base de análise e observação estudos de campo,
etnografias, pesquisas quantitativas de percepção e deslocamentos, relatórios de
dados coletados in loco ou de forma estatística, e formulações teóricas.
Almeida Júnior (2008) ressalta a importância da pesquisa de base
bibliográfica onde o mesmo revela que:
Os textos teóricos são as obras que expressam um conhecimento do mundo e se diferenciam de outras expressões simbólicas, e mesmo de outras expressões do conhecimento, à medida que são sistematizados, organizados, metódicos. Expressam os saberes produzidos pelos homens ao longo da História e refletem infinitas posições a respeito das questões suscitadas no enfrentamento com a natureza, com os homens e com a própria produção do saber. Como toda obra humana, são imprimidos pela marca da historicidade, “carregam” os significados impressos pelo tempo e espaço em que são produzidos. “Expressam o enfrentamento de seus autores com o mundo”84. Traduzem angústias, os problemas, as questões que são suscitadas pelo mundo e que desafiam os homens, autores dos textos, das obras (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 120).
Há a necessidade explicita na busca de um diálogo que deverá se realizar
entre autor(es) e o leitor/pesquisador, na busca de uma interlocução e arguição dos
questionamentos do próprio conhecimento previamente adquirido, onde dessa
“fricção” de conhecimentos poderá surgir os ensejos e efetivamente as suspeitas em
relação às teses e antíteses apresentadas. Nesta perspectiva é colocado que é
necessário “[...] trabalhar profundamente com os argumentos apresentados,
descobrindo os pressupostos (históricos, ideológicos, epistemológicos) neles
presentes, confrontando-os com outras posições” (ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p.123).
Goldenberg (2002) chamará a atenção para a importância dos estudos
qualitativos proporcionados pela Escola de Chicago, e que tem relevância
fundamental para o desenvolvimento, inclusive, do que seriam consagrados como
antropologia e sociologia urbanas. Os estudos e pesquisas realizados no ambiente 84 Nota 2 do autor: “P.FREIRE, Considerações em torno do ato de estudar, in Ação cultural para a liberdade e outros escritos, pp. 9‐12)” ( ALMEIDA JÚNIOR, 2008, p. 120).
162
da cidade industrial norte-americana, e que viveu um período de decadência
econômica após a crise da Bolsa de Nova York de 1929 onde a partir de então
intensificou-se também pesquisas de caráter quantitativo, proporcionaram uma série
de apontamentos e conhecimentos acerca da própria vida urbana e sobre os
fenômenos relacionados aos pertencimentos e diferenciações pautados pela “forma-
cidade” que iria se desenvolver e se propagar por todo o Ocidente, e por,
praticamente, todo o mundo capitalista. Dentro desta perspectiva ressalta que
Devido à sua forte preocupação empírica, uma das contribuições mais importantes da Escola de Chicago foi o desenvolvimento de métodos originais de pesquisa qualitativa: a utilização científica de documentos pessoais, como cartas e diários íntimos, a exploração de diversas fontes documentais e o desenvolvimento do trabalho de campo sistemático na cidade (GOLDENBERG, 2002, p. 28).
O controle do bias85 se faz necessário pois não será possível realizar uma
pesquisa sem que as subjetividades do pesquisador estejam presentes. Recortar um
objeto é também revelar algum desejo por ele. Alguns autores afirmam de forma
categórica a impossibilidade da neutralidade na pesquisa social, por isso a
necessária explicitação de todas as “escolhas” e processos de pesquisa utilizados,
deixando claro ao leitor as origens, as intenções subjetivadas ou até mesmo os
pressupostos ideológicos do pesquisador. Este controle não impedirá a influência
destas subjetividades junto ao objeto e à análise, mas poderá conter uma
contaminação enviesada do trabalho realizado.
Não podendo ser realizada a objetividade nas pesquisas sociais, e o conhecimento objetivo e fidedigno permanecendo como o ideal da ciência, o pesquisador deve buscar o que Pierre Bourdieu chama de objetivação: o esforço controlado de conter a subjetividade. Trata-se de um esforço porque não é possível realizá-lo plenamente, mas é essencial conservar-se esta meta, para não fazer do objeto construído um inventado. A simples escolha de um objeto já significa um julgamento de valor na medida em que ele é privilegiado como mais significativo entre tantos outros sujeitos à pesquisa [...] (GOLDENBERG, 2002, p. 45).
Ao pensar no objeto escolhido para a realização desta tese, prosseguimos
com uma temática já iniciada na dissertação que realizamos e que se tratava de um
85 Nota 16 da autora: “A utilização do termo em inglês é comum entre os cientistas sociais. Pode ser traduzido como viés, parcialidade, preconceito” (GOLDENBERG, 2002, p. 44).
163
estudo de caso em uma cooperativa de vans situada em um município que pertence
à Baixada Fluminense e que realiza o trajeto Baixada-Centro do Rio de Janeiro. Ao
determinar que caminhos seguir para a realização de uma tese, e, portanto, com a
proposta mais robusta de uma hipótese teórica efetiva, mais uma vez a questão da
territorialidade na Baixada Fluminense tornou-se importante como objeto de
observação científica. Na busca pelos motivos para tal escolha, nos deparamos com
uma série de questões relacionais de cunho pessoal e social e que nos trouxeram à
formulação de perguntas acerca deste objeto em sua relação com os transportes e
mobilidade urbana. Não há como afastar nossa intensa subjetividade e identidade
social atrelada à intermediação de uma vivencia percorrida entre os diversos
municípios que integram a RMRJ, tornando efetivas as interações simbólicas entre
“cariocas” e “fluminenses”. Mais do que afirmar as diferenças entre as percepções
identitárias territoriais, este trabalho busca perguntar se os transportes e a
mobilidade urbana são efeitos de determinadas hierarquias territoriais ou produtores
das mesmas, ou se fato são produtos/produtores e quais os seus efeitos. A
proposição de uma sociologia dos transportes como “saída” é justamente ensejar a
possibilidade de resposta a estas perguntas, o que em sua tentativa primordial tenta
afastar qualquer incidência de viés subjetivo ao utilizar da complexidade sociológica
na busca do conhecimento das perguntas propostas.
Damiani (2012) realiza uma análise acerca das contribuições teóricas, e os
respectivos rebatimentos metodológicos de Lefebvre (1995), na incorporação do
“espaço” como forma e meio de análise em sua proposta acerca das lógicas formal e
dialética. Propõe uma interlocução entre o fazer-se de uma ciência
crítica/materialista em sua proposta dialética e suas relações com o fazer-se
contemporâneo da geografia. Através do aprofundamento dos escritos de Marx,
Lefebvre trará para o escopo da observação da dialética, aprofundada na proposta
filosófica marxista, a categoria “espaço” com a revisão do espaço à concepção
abstrata e matemática do espaço, pois foi “O primeiro a propor, dentro do marxismo,
a inerência da categoria de produção do espaço num pensamento sobre a formação
econômico-social capitalista [...]” (DAMIANI, 2012, p.260).
Nesta análise há o apontamento de uma superação da percepção do
“espaço” em seu caráter lógico-formal, por uma categoria mais concreta e dialética
do “espaço”.
164
Da mesma maneira que uma lógica do espaço, embora superada por um conhecimento concreto do espaço, preserva-se, de algum modo, mesmo contendo seu outro: o raciocínio abstrato das formas espaciais – redes e tramas; eixos; pontos; superfície e profundidade; conjunções e disjunções; ramificações e hierarquias; nexos e separações; fluxos e contornos definidos e fechados; fronteiras... -86, uma antropologia, vinculada ao espaço, contendo um cunho ontológico define genericamente a relação homem-natureza e convive, contraditoriamente, com uma sociologia do espaço e uma histórica do espaço, em que o peso e a pressão da história são desumanizadores, numa formação histórico-social particular87 (DAMIANI, 2012, p. 262).
Esta complexidade quanto às percepções do espaço no movimento da lógica
formal e da lógica dialética, proposta por Lefebvre (1995), nos fornece a dimensão
complexa dos efeitos da produção e do que é produzido pelo espaço no sistema
capitalista, frente aos ordenamentos materiais da vida social e das abstrações
subjetivas referentes à vida concreta nas classes sociais. É chamada a atenção
quanto ao caráter da “negatividade” que é informada pela modernidade, onde a
definição de humanidade, na relação homem/natureza, será perpassada pelos
axiomas do sistema capitalista, como o trabalho, o capital e a mercadoria, que
tornam-se fundamentos indissociáveis no sentido final da vida humana. Ao mesmo
tempo esta materialidade concreta estará intrincada a processos identificáveis, como
por exemplo: em redes, inflexões temporais, identidades, hierarquias, sociabilidades,
etc., e que são percebidas, às vezes, no mesmo “momento” em uma intrincada
relação de tais “lógicas”, além de serem demonstradas pelas referências espaciais
vigentes.
Dentro desta lógica proposta, Lefebvre (1995) utiliza a construção e ação
metodológica de Marx para uma exemplificação e explicitação mais precisa de suas
observações, onde diz que:
Continua a valer o fato de que não se deve “dialetizar” a torto e a direito, ou instalar-se especulativamente no processo, mesmo se se concebe regressivamente o ponto de partida e progressivamente o ponto de chegada. Vejamos como Marx procede a fim de acompanhar o capitalismo e a sociedade burguesa em sua
86 Nota 21 da autora: ““[...] Fora das coisas, o espaço tomado como forma aparece neste sentido como substância (espaço cartesiano) ou ao contrário como “puro a priori” (Kant)” (LEFEBVRE, Henri, La producion de l’espace. Paris: Anthropos, 2000, 4ª edição.p.251)” (DAMIANI, 2012, p. 261). 87 Nota 22 da autora: “Na direção do imperativo histórico das abstrações concretas, formula‐se a hipótese extrema da mercadoria ocupando o espaço inteiro. (Op. cit. P. 253). A este propósito, é magistral e imprescindível a concepção de Guy DEBORD (La société du spectacle, 1992)” (DAMIANI, 2012, p. 262).
165
totalidade, sob seu duplo aspecto: no tempo (formação e dissolução) e na atualidade (coerência, auto-regulação). Para atingir a história, ele não parte de um estudo histórico. Vamos repetir mais uma vez: parte da lógica. Extraí uma forma, o valor de troca. Mostra sua estrutura (um conjunto de equivalências) e seu funcionamento (troca, circulação, constituição do dinheiro e moeda). Depois, passa para o conteúdo: o trabalho social produtivo, com suas perequações coerentes, os meios sociais (produtividade média de uma sociedade determinada, etc.). Atinge assim o histórico (divisão do trabalho, acumulação do capital, formação da burguesia) (LEFEBVRE, 1995, p. 22).
Estas observações e colocações teórico-metodológicas são importantes, pois
inserem a predominância de um arcabouço metodológico que baseia boa parte dos
trabalhos aqui utilizados e que traduzem, em suas semelhanças e alguns
distanciamentos, as proposições colocadas por uma tradição marxista mais
contemporânea. Este tipo de análise, em contraponto e complemento às
formulações da sociologia compreensiva também abordada e utilizada por este
trabalho, faz uma tentativa de aproximação da lógica dialética, onde torna-se ponto
fundamental para nossa leitura e a construção de um conhecimento crítico
materializado pela suscitação dos conteúdos acerca do tema aqui estudado e
analisado.
Neste caso é importante perceber como esses rebatimentos têm influencia
nas pesquisas sobre o urbano, onde podemos ver no próprio campo do
Planejamento Urbano, onde esta tese está inserida, algumas das incorporações da
proposta de Lefebvre.
Kauffmann e Kleiman (2013) irão justamente problematizar as questões
acerca do fazer-se do Planejamento Urbano contemporâneo no Brasil; através das
fricções encontradas desde meados da década de 1990 entre as formas do
“planejamento progressista”, oriundo de uma vertente iniciada na década de 1960 do
século XX e a percepção das cidades como zonas de concentração e aderências;
partindo de uma ideia de “desconcentração” das cidades; do planejamento
estratégico, este oriundo do ideal citadino de “Barcelona” e que irá adequar as
cidades brasileiras à nova ordem hierárquica de competição dos fluxos de capitais
internacionais, a cidade-negócio, principalmente após 1992; e por fim as tradições e
permanências do planejamento racional-funcionalista, principalmente encontrado
nas legislações urbanísticas nacionais e que também entram campo de disputas
com legislações que levam em considerações os pensamentos acima citados.
166
Trazendo como contribuição às percepções metodológicas no processo de
construção e delimitação de nosso objeto de pesquisa, Kauffmann e Kleiman (2013)
inserem o pensamento de Lefebvre como possibilidade concreta e real de ser
perceber e construir o Planejamento Urbano em outras premissas.
O pensamento de Henri Lefebvre (1983) pode iluminar esta dinâmica possibilitando já preliminarmente uma alternativa à visão dicotômica que permeia a história do desenvolvimento das cidades. A abordagem lefebvreana de movimento entre pólos opostos, em interação dialética, inspirada em Hegel, descortina o caminho entre ideias opostas, em constante interação, não mais estanques nem no tempo, nem no espaço. Nesta contínua transformação a partir da contraposição e contradição de ideias levando a novas ideias, neste processo de fluído devir, se inserem as mediações, os elementos facilitadores (os termos médios) capazes de fornecer condições à própria superação destas oposições; não mais um escolha entre uma ou outra, mais uma situação diferenciada, enriquecida de algo novo, com capacidade de lidar com as mudanças, explicitar as contradições, minimizar impactos negativos e continuar sempre o caminho em renovação e reflexão (KAUFFMANN; KLEIMAN, 2013, p.70).
Como proposta de inserção das novas condições a serem observadas para a
obtenção crítica, e efetivamente dialética, nos processos de construção de novas
dinâmicas no planejamento urbano, os autores citam algumas experiências
contemporâneas que incorporam o conceito de sustentabilidade e que deve ser
incorporado pelos planejadores contemporâneos. As vertentes do planejamento
estratégico atual trouxeram novamente a lógica do adensamento habitacional e
espacial, a revalorização de fortificação de núcleos e sub-núcleos urbanos.
Tornando, assim, os solos cada vez mais impermeáveis, impossibilitando a
passagem das brisas marítimas, aumentando gradativamente a temperatura destes
conglomerados. Estas intervenções também afetam diretamente as bacias
hidrográficas, onde cada vez mais se observa diminuir suas vazões e o crescente
processo de poluição de seus mananciais. Os autores então propõem a
incorporação como medida as “bacias hidrográficas” como um indicador fundamental
a ser considerado para os planejadores urbanos atuais. Este indicador, neste caso
referido pelo autores em sua forma ótima como “indicador de ocupação sustentável
da bacia hidrográfica (IOS-BH)” (KAUFFMANN; KLEIMAN, 2013, p.73) funcionaria
como um efeito “mediador” e de conexão nos processos contraditórios em que se
167
encontra atualmente o planejamento urbano. Esta proposta se explicita na afirmação
que:
Aplicando-se esta teoria ao contexto do planejamento urbano pode-se identificar o percurso entre oposições, entre o insustentável e o sustentável, em interação dialética: uma situação se relaciona reflexivamente com a outra e em constante transformação. Identificam-se também outras variantes presentes nas análises urbanas, passíveis de associação aos pólos opostos tais como o caráter local e o global, o absoluto e o relativo; a situação da cidade legal e da ilegal; os riscos nas áreas frágeis e nas não frágeis, a integração e a não-integração dos planejamentos urbano, ambiental e de recursos hídricos, bem como diversas outras condicionantes ambientais, sociais e políticas. Tais situações caminham então, à luz do pensamento de Lefebvre (1983), na direção de seu oposto e mais, com potencial de constante transformação e superação, movimento especialmente favorecido com a intermediação do termo médio (KAUFFMANN; KLEIMAN, 2013, p. 70).
Mas dentro do escopo de nosso trabalho, como este “termo médio” também
poderia ser utilizado como conector e medição dialética nos processos de
conhecimento e reconhecimento da vida urbana? A ideia, aqui proposta, da
construção de uma categoria analítica que possa incorporar as nuances e múltiplas
facetas sobre os fenômenos da mobilidade urbana, se caracteriza pelo termo que
denominamos “formas de vida pelo transporte”, onde justamente visamos lançar um
olhar dialético, assim como propõe Lefebvre, utilizando-se de um arsenal variado e
multidisciplinar em sua própria construção como modelo metodológico específico.
“As formas de vida pelo transporte” podem, assim como o IOS-BH proposto por
Kauffmann e Kleiman (2013), inserir uma nova dinâmica nas formulações e disputas,
não só no campo do planejamento urbano, mas na construção de um campo efetivo
da sociologia dos transportes ou da mobilidade urbana. “As formas de vida pelo
transporte” trazem como possibilidade a permeabilidade disciplinar, uma precisão
maior nas observações dos dados concretos sobre os deslocamentos urbanos, as
tecnicidades envolvidas na oferta dos transportes urbanos e o viver explicitado na
experiência efetiva dos atores e classes sociais que experimentam se deslocar
diariamente em suas jornadas urbanas.
A natureza documental desta pesquisa se dá pela necessidade de aglutinar
uma grande quantidade de trabalhos acerca do tema, de variadas fontes e com
características distintas, onde sua leitura e análise pudessem agregar, ou refutar, a
168
principal hipótese levantada por esta tese. O somatório das análises e observações
feitas nos trabalhos e documentos aqui pesquisados gerou a possibilidade da
esquematização, da hipótese levantada previamente, de maneira a se construir e se
explicitar durante o desenvolvimento desta tese.
Fica evidenciada, para nossa proposta teórica, a necessidade da realização
de pesquisas com referência às informações e notícias produzidas e vinculadas
pela(s) mídia(s), e também pelos principais atores ligados ao tema, e que são
“absorvidas” e re-processadas pela e na opinião pública. Nosso intuito inicial era a
realização desta tarefa, mas a mesma não seria possível sem uma articulação mais
precisa sobre um processo de construção teórica anterior e necessária, realizada
neste trabalho, para o diálogo amplo que se pretende realizar. As pesquisas sobre
as produções e vinculações de mídia necessitam de uma interlocução poderosa e
aprofundada com os conhecimentos e acúmulos das ciências da comunicação, o
que demandaria um grande processo de agregação de informações para análise
destas notícias e matérias, fazendo que uma parte da proposta aqui apresentada se
tornar-se o todo do trabalho, antes mesmo que uma formulação inicial e de cunho
mais abrangente fosse previamente apresentada. Porém, como poderá ser visto
posteriormente, esta análise “midiática” permanece como grande possibilidade a ser
explorada.
As análises dos documentos aqui utilizados estão concentradas em três
linhas distintas. Primeiramente realizamos a análise e a observação de etnografias,
trabalhos de campo e pesquisas históricas que pudessem contribuir para a
compreensão do que denominamos “formas de vida pelo transporte”, que seriam
indícios de como os usuários/população de diferentes localidades vivenciam e
experienciam o uso cotidiano dos modais “públicos” ofertados na RMRJ. Esta
observação apontará para a formulação de quadros sinópticos que buscam
concentrar as observações mais relevantes no que tange a percepção destes
“modos de vida”. O conjunto destes quadros sinópticos, mais a discussão de todos
os modais, produzirão o desenvolvimento de uma tipologia ideal dos principais
modais de transporte urbano na RMRJ.
A segunda linha trata da análise de pesquisas recentes e que levam em
consideração as percepções coletivas dos habitantes de regiões metropolitanas
acerca da vida urbana. No nosso caso o principal interesse é sobre as percepções
acerca da mobilidade urbana. Os resultados destas percepções são extremamente
169
pertinentes para as considerações que realizamos até porque foram concebidas em
ambientes acadêmicos e de pesquisa, não tendo necessariamente relação com as
atividades-fim de instituições estatais que tratam diretamente e especificamente do
tema da mobilidade urbana.
Em um terceiro momento iremos nos focar na análise dos dados relativos à
pesquisa do PDTU-2011, realizado pela Secretaria Estadual de Transportes do
Estado do Rio de Janeiro, em 2013, onde uma pesquisa domiciliar realizada
constatou a incidência dos deslocamentos realizados na RMRJ, através de dados
específicos como origem x destino, modais mais utilizados, municípios com maiores
e menores índices de deslocamentos urbanos, tempo gasto pelos transportes,
deslocamentos por veículos motorizados e não-motorizados, picos de horários na
relação trabalho e lar, e outras informações essenciais para a construção do
conhecimento proposto por esta tese.
170
4 CAPÍTULO 3: CONTEXTO EMPÍRICO – REVISÃO CRÍTICA DAS “FORMAS
DE VIDA PELO TRANSPORTE”, ANÁLISE DE DADOS SOBRE A MOBILIDADE URBANA NA RMRJ
4.1 Transportes urbanos: Um estado das artes
Como já mencionado o tema dos transportes urbanos e da mobilidade urbana
se relacionou junto aos estudos acadêmicos pautados nas observações da
engenharia, mais especificamente à engenharia civil, de transportes e tráfego. Em
alguns momentos o urbanismo, a arquitetura e o planejamento urbano também
tiveram seus interesses estratégicos e acadêmicos no que tange a problemática dos
transportes urbanos. Porém no campo das ciências humanas, sociais e sociais
aplicadas este tema nunca pareceu gozar de muito prestígio junto aos
pesquisadores, cientistas e estudantes.
De alguma maneira, e com o avançar da questão urbana, principalmente em
relação aos problemas vividos e percebidos pelas grandes metrópoles e a imensa
conurbação territorial efetivada pelas regiões metropolitanas de grandes cidades
mundiais, as formas como os habitantes realizam seus deslocamentos individuais e
coletivos dentro dos perímetros urbanos, e os rebatimentos sociais e econômicos
desses deslocamentos, pareceram aguçar um curiosidade cientifica sobre o tema
dos transportes urbanos. A partir do final dos anos 1980 e início dos anos 1990
alguns trabalhos sobre a mobilidade urbana, e suas repercussões sociais e materiais
na população que vive e trabalha nas cidades globalizadas, foram realizados,
intensificando-se este objeto de estudo através dos anos 2000.
Trabalhos realizados por diferentes áreas das ciências humanas, em geral,
podem ser observados desde então, objetivando-se através de disciplinas como: a
Comunicação Social, o Serviço Social, a Antropologia, a Sociologia, a História, a
Memória Social, a Geografia; e os já mencionados: Planejamento Urbano Regional,
a Arquitetura e o Urbanismo, entre outras disciplinas que certamente possuem
reflexões sobre este tema como a Economia, a Demografia, entre outros.
Neste estudo poderemos ver esta diversidade disciplinar em trabalhos de
autores que desenvolvem seus objetos de pesquisa através de diferentes prismas,
teorias e metodologias, estes referentes a seus universos disciplinares específicos,
171
mas que acabam por contribuir de maneira decisiva para uma visão mais ampla e
complexa sobre o grande campo que abrange as observações sobre a mobilidade
urbana, os transportes urbanos, a economia urbana, as identidades territoriais, as
formas de habitação, os usos do solo, as hierarquias e estratificações sociais. Esta
diversidade irá lançar um pouco de luz às difusas vozes que tentam compreender
como os transportes urbanos agem de maneira contundente sobre os territórios e
atores sociais.
Freire (2001), Caiafa (2013, 2007, 2002), Mamani (2004), Fonseca (2005),
Icasuriaga (2005), Silva (2007), Iziaga (2009) e Pires (2011, 2010) são alguns dos
autores que, através da perspectiva multidisciplinar já explicitada acima, irão
aprofundar suas observações e análises sobre os fenômenos relacionados aos
transportes urbanos, e mais especificamente os transportes urbanos oferecidos e
utilizados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
O trabalho de Freire (2001) vai tratar especificamente do “surgimento” da
configuração e oferta dos transportes coletivos urbanos, principalmente na então
capital Rio de Janeiro, através dos processos de privatização e particularização das
empresas que ofereciam os veículos para os deslocamentos urbanos, viagens
primeiramente realizadas através dos bondes (serviço oferecido exclusivamente pela
empresa canadense Light) e, posteriormente, pelos ônibus (através de empresas
familiares).
Neste trabalho é interessante perceber como o transporte realizado pelos
auto-omnibus88 e o monopólio da Light atendia, a princípio, as camadas mais
abastadas da população que habitava e trabalhava na capital da República no início
do século XX. A expansão urbana e as mudanças políticas, intermediadas pelas
duas guerras mundiais, e tendo seu ápice com a Revolução de 1930, iriam
influenciar diretamente na expansão-contenção dos transportes urbanos baseados
no modal automotor coletivo, conhecido popularmente como “ônibus” e que se
tornariam o principal meio de transporte da metrópole carioca. O autor discorre
sobre os movimentos políticos e os interesses estratégicos contextuais que
limitavam o controle dos ônibus e a concentração das empresas, primeiro com o
monopólio da Light, depois com o surgimento de empresas de ônibus que passaram
a ter alguma concorrência entre si e com a Light, e posteriormente com a
88 Freire (2001, p. 21)
172
pulverização do número de veículos, através das “lotadas,” que permitiram a efetiva
popularização do modal.
De qualquer forma a política e os interesses da municipalidade89 atuaram a
manter e/ou interferir na criação e oferta dos transportes coletivos urbanos na cidade
do Rio de Janeiro, tanto em suas intenções de expansão e agenda capitalista,
quanto nas formas de manter monopólio a determinadas empresas, mas sem
possuir o poder total sobre o surgimento de modalidades “não oficiais” e às
invenções do mercado, por mais que tivesse a possibilidade de limitar suas atuações
e configurações. Após o fim da Segunda Guerra e o declínio do monopólio da Light,
os empresários de ônibus existentes e os “lotações” passaram a disputar a nova
onda de expansão dos transportes urbanos pautados na indústria automobilística,
que seria a grande mola impulsionadora do capitalismo nacional posterior.
Caiafa (2002) realizará, já nos anos 2000, e com a imensa supremacia do
transporte coletivo automotor (ônibus) na RMRJ, uma etnografia das viagens
realizadas neste modal específico, buscando encontrar a natureza das relações que
pautam as viagens entre passageiros e, principalmente, motoristas e cobradores das
empresas de ônibus do Rio de Janeiro.
Através dos conceitos de Deleuze e Guattari90, busca-se perceber o potencial
das “agências” proporcionadas pelos transportes urbanos, onde as alteridades
poderiam se conectar pela simples possibilidade de se estar diante, ao lado, perto
de alguém, com o “outro”, sendo esse “outro” uma pessoa ou um território. Os
transportes possibilitariam esta “fuga”, esta forma de se deslocar entre diferentes
locais, observar diferentes pessoas, vivenciar uma temporalidade distinta, observar
um fazer-se de vida diferente das vizinhanças já conhecidas, das especificidades
familiares, fornecendo uma ocasião para o encontro, para a percepção da alteridade
como possibilidade concreta e real, realizando o propósito efetivo da cidade, do
urbano, que seria nas observações de Deleuze e Guattari91 a grande “função” da
89 Freire (2001, p. 72) 90 Caiafa (2007). 91 “É como se a forma Estado tivesse alcançado novos limiares. Vimos como Deleuze e Guattari vão chamar de vertical o procedimento do Estado opondo‐se à expansão horizontal das cidades, apoiada na comunicação, na dispersão e na circulação. A cidade tende a se emancipar do Estado sempre que há brechas na sobrecodificação que ele realiza. E o capitalismo triunfa pela forma Estado e não pela forma cidade. Se as cidades comerciantes e bancárias antecipam o capitalismo, elas o conjuram no mesmo golpe (…). É em seu aspecto coletivizador que o Estado poderia conjurar a empresa ‐ e em algum momento livrar a cidade da empresa, também conjurando o capitalismo. É talvez um novo limiar que se prepara, essa surpreendente
173
cidade, esta que ao mesmo tempo produz o Estado e antecipa o capitalismo,
também os subverte com as criações e dispersões horizontalizadas da vida coletiva.
Segundo a autora “o transporte coletivo é uma figura-chave para a promoção da
heterogeneidade urbana. Eis o que o transporte coletivo pode fazer de mais potente
nas cidades: dar fuga92 - ou seja, realizar a cidade” (CAIAFA, 2002, p. 25).
Quanto à questão da subjetividade e os usos das e nas cidades, há uma
percepção interessante no que concerne a importância das subjetividades na
formação das ações coletivas e individuais, e que terão reflexos diretos na vida
cotidiana e políticas dos habitantes dos ambientes urbanos, onde a autora explicita
que:
A função subjetiva das cidades consiste precisamente nesse trabalho com o desejo deflagrado pelas engrenagens urbanas. Ao partilharmos o espaço da cidade com os outros, ao visitarmos seus edifícios, ao circularmos por suas vias, somos constantemente mobilizados ou interpelados. De uma forma complexa, os processos urbanos funcionam como fatores de subjetivação (…). Existe uma experiência subjetiva importante na relação com o espaço construído, com os meios de circulação, com as árvores no espaço urbano, com os animais, com as pessoas que circulam nos lugares públicos. Experiência subjetiva no sentido mesmo de que todas essas engrenagens impulsionam experiências em si (CAIAFA, 2002, p. 37).
Caiafa (2007) relata as diferentes estratégias utilizadas em relação ao
transporte coletivo urbano no caso brasileiro e no caso norte-americano. Realiza
uma comparação interessante em mostrar a quase que histórica escolha brasileira
em relação à privatização dos meios de transporte, principalmente em relação ao
transporte em automóveis particulares e veículos coletivos-motorizados (ônibus,
bondes, BRT’s, etc.). Demonstra a também opção norte-americana em seu processo
de afastamento de uma classe média dos centros das cidades e a opção política e
coletiva dos americanos para a vida no subúrbio, afastados do vi-à-vis urbano,
deixando o centro/guetos para as “minorias” e classes menos favorecidas.
Porém ressalta a mudança de paradigma trazida pela administração pública
da cidade de Nova Iorque, a partir do fim dos anos 1970, onde o sucateamento e a
oferta inadequada dos serviços de transportes urbanos passaram por uma
aliança – da cidade na sua faceta da dispersão – e não da recodificação urbana – e do Estado contra a empresa” (CAIAFA, 2002, ps. 32, 33). 92 Grifo da autora.
174
transformação, e a produção e oferta dos serviços de transportes voltam a ser de
responsabilidade pública93. O retorno da oferta dos transportes a uma empresa
pública e que busca atender as demandas e necessidades da população da cidade
e da região metropolitana iriam de encontro à própria natureza da oferta dos
transportes urbanos ligados à iniciativa privada, onde a maximização dos lucros e a
diminuição dos custos impediriam a efetiva necessidade de mobilidade urbana para
a realização das jornadas urbanas.
Não seria necessário somente reestatizar os serviços de transportes urbanos
para que pudesse ocorrer uma melhora significativa da mobilidade urbana, mas, no
caso de Nova Iorque, Caiafa (2007) chama atenção ao modelo adotado, onde os
serviços públicos de transportes estão vinculados a uma agência municipal-
metropolitana e onde há tanto a administração racional-capitalista, como as
representatividades da sociedade civil e do campo político através de comitês
mistos, votações e audiências públicas, onde as pautas reivindicatórias encontram
espaço junto aos aspectos técnicos e gerenciais do ato de se transportar.
Neste contexto de transformação na oferta dos transportes urbanos, aponta
Nova Iorque como cidade diferenciada em relação à configuração histórica
proporcionada pela política de habitação norte-americana, possibilitando e
facilitando os encontros, as “fugas” e o contato com o “outro”, com a alteridade,
realizando o que uma cidade tem de mais inovador e criativo, que é os potenciais
agenciamentos não esperados, os encontros em sua potência e que podem realizar
a vida urbana em sua plenitude. Nova Iorque, com seu metrô que entrecorta toda a
cidade e comunica e se comunica a todos, se afasta das railways que simplesmente
ligam os subúrbios residenciais aos centros de trabalho, tendo como intermediários
os automóveis particulares que carregam indivíduos solitários e, às vezes, suas
famílias solitárias. Nova Iorque, ao contrário, passa a integrar, sem negar, as
diferenças e hierarquias em seu próprio perímetro urbano, em seu espaço delimitado
e reconhecido como cidade.
No caso brasileiro, mais especificamente no Rio de Janeiro e sua Região
Metropolitana, temos uma análise interessante e pautada na teoria crítica e
materialista nas formas e estruturas pelas quais o transporte coletivo é oferecido às
diferentes camadas da população.
93 MTA – Metropolitan Transportation Authorithy. In (CAIAFA, 2007, p. 63).
175
Icasuriaga (2005) irá realizar um levantamento histórico e reflexões
contemporâneas, apontando a existência de uma segregação social baseada na
oferta dos transportes urbanos e em uma hierarquia sócio-espacial. A observação
do avanço dos transportes no contexto nacional e no Rio de Janeiro ampara-se
também na verificação do desenvolvimento do capitalismo e da valorização de
determinadas terras e localidades da cidade, onde mutuamente esta valorização,
aliada ao poder econômico de determinadas camadas da sociedade, será
determinante na criação e oferta de mobilidade urbana à população do Rio de
Janeiro, gerando assim um certo círculo vicioso onde terras valorizadas possuíam
melhores acessos, formas de deslocamentos e investimentos, e, portanto maior
valorização; onde outras localidades eram consideradas “piores” e menos propícias
a investimentos por justamente não terem um “acesso” privilegiado.
Em suas observações há o oportuno e interessante apontamento que:
O meio de transporte utilizado é um indicador das diferenças existentes nas condições de deslocamentos dos habitantes de uma cidade, estas precisam ser melhor analisadas considerando as particularidades da oferta de serviços públicos de transporte em contraposição ao carro particular. A comparação torna-se inevitável na medida em que a função do transporte é facilitar os deslocamentos quer permitam às pessoas atingir destinos desejados; ou dito de outro modo a função social do transporte de passageiros é facilitar o acesso aos bens e serviços que uma cidade oferece. Nesse sentido o transporte de passageiros existe para equacionar o problema da distância entre múltiplas atividades que precisam ser desenvolvidas por cada um dos habitantes de uma cidade (…) (ICASURIAGA, 2005, p. 144).
Neste campo de análise sobre os transportes urbanos, proposto por
Icasuriaga (2005), a autora irá indicar a necessidade de se analisar os benefícios e
os entraves que os transportes urbanos proporcionam à população a qual os
serviços são oferecidos, pois diferentemente dos automóveis particulares94, não há
nos transportes urbanos a mesma flexibilidade dos modais antes citados, pois estes
possuem rota e destinos específicos, além de pontos e paradas pré-determinados,
atingindo de maneira parcial os interesses coletivos nos deslocamentos urbanos95.
Evidenciando-se, portanto, a necessidade de uma observação, considerando-se a
94 Incluindo os táxis. In (ICASURIAGA, 2005, p. 144). 95 E a partir desta incompletude dos trajetos realizados pelos transportes urbanos, a ideia de integração entre modais seja tão relevante.
176
variável tempo, de aspectos comparativos no que se refere ao ato de se transportar,
como: “tempo de viagem, conforto, segurança e despesas nos deslocamentos”
(ICASURIAGA, 2005, p.144).
São nestes aspectos comparativos, não contemplando exclusivamente as
considerações “técnicas” nos transportes, mas sim incorporando-os a uma
percepção coletiva da qualidade do transporte oferecido e vivido, assim como sua
integração aos aspectos identitários territoriais, é que intentamos desenvolver nesta
tese.
Em Iziaga (2009) podemos ver um consistente estudo sobre as mobilidades,
acessibilidades e rede de transportes tendo como ponto de análise o Centro do
município do Rio de Janeiro. Utilizando como premissas metodológicas os conceitos
de área metropolitana96 e tecido urbano97, analisa a centralidade e os pontos de
convergência dos deslocamentos realizados pela população urbana da RMRJ.
Através das análises de polos de mobilidade (conjunto dos pontos-de-rede)
Icasuriaga (2009) aponta as mudanças e as diferenciações das centralidades dos
polos metropolitanos contidos na RMRJ, onde o papel do Centro do município do
Rio de Janeiro será reavaliado diante do contexto de expansão e inovação dos
meios de transportes, e dos interesses produtivos e de deslocamento da população
metropolitana.
O levantamento das especificações técnicas, dos fluxos e polarizações dos
pontos-de-rede do sistema de transportes urbanos será de fundamental importância
para o desenvolvimento deste trabalho e para nossa análise futura, pois indica de 96Na escala da área metropolitana investigaremos as ligações, que chamaremos de redes de acessibilidade da aglomeração, através do método que relaciona demanda de transporte e centralidade (JORGENSEN, 1998), utilizando como base as matrizes da pesquisa domiciliar do Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro – PDTU (GOVERNO DO ESTADO, 2005). Nesta escala de análise é importante ressaltar que não é a ligação material da infraestrutura que nos interessa investigar, mas as características geo‐econômicas das unidades espaciais que se interligam, refletidas nos deslocamentos a elas relacionados. Buscamos investigar através da distribuição espacial da movimentação produzida pelo intercâmbio de bens e serviços, que reflete a vida econômica especificamente urbana, a forma como esta movimentação resulta e ocasiona a reestruturação da rede de núcleos dinâmicos de atividades econômicas urbanas (centralidades). As conclusões sobre a estrutura e o dinamismo das redes de acessibilidade serão retiradas da aplicação dos seus indicadores a uma coleção de modelos de repartição do espaço urbano do Rio de Janeiro, originados de aplicações científicas ou administrativas em uso sobre a Cidade do Rio de Janeiro e sua área metropolitana (IZIAGA, 2009, p.88). 97Na escala do tecido urbano buscaremos investigar os nós, onde se cruzam estas redes, que chamaremos de pontos‐de‐rede, conforme método que relaciona dimensão circulatória e dimensão territorial (STATHOUPOULOS; AMAR; et al, 1993). O conjunto de dois ou mais pontos‐de‐rede forma o que intitulamos de polo da mobilidade. As conclusões sobre a forma, estrutura e o dinamismo dos pontos‐de‐rede serão retirados da aplicação dos seus indicadores a seus locais de inserção, originados do recorte administrativo em uso sobre o bairro do Centro (IZIAGA, 2009, p.88).
177
maneira bastante aprofundada as variações dos fluxos de deslocamentos, buscando
compreender os fenômenos contemporâneos, porém sem subtrair-se de escopo
histórico, para fundamentar as novas dinâmicas observadas em relação às
motivações e os reais deslocamentos urbanos realizados pelos habitantes no Centro
da cidade e em outros núcleos importantes da RMRJ.
Dentro das multiplicidades e complexidades encontradas na história dos
transportes no Brasil, e mais especificamente no Rio de Janeiro, como ex-capital do
país, o surgimentos dos transportes informais é uma das “novidades” inserida no
difuso contexto em que a mobilidade e os deslocamentos urbanos se realizam no
contexto fluminense. Sobre este fenômeno a autora relata
[…] Descrevemos a evolução dos bondes, trens, barcas, ônibus e metrô, com ênfase nos seus momentos de desenvolvimento inicial, aos quais adicionamos informações atuais sobre o sistema em operação Apresentamos informações sobre as vans e as kombis, chamado de transporte informal, que surgiu nos últimos quinze anos não só no Rio de Janeiro, mas em todas as grandes metrópoles brasileiras. O transporte informal insere novos questionamentos sobre a mobilidade e a segmentação socioespacial existente, onde haveria ainda que se avaliar melhor a relação de causalidade e impacto da sua disseminação com os circuitos da economia informal, assim como com o incremento das áreas urbanas informais (IZIAGA, 2009, p.252).
Sobre estas novas formas de se transportar temos os trabalhos de Mamani
(2004), Fonseca (2005) e Silva (2007).
Mamani (2004) irá tratar sobre o fenômeno do surgimento do que o mesmo
denomina como “transporte informal”98, mas não restringindo sua conceituação, e
98 Nos textos das associações usam‐se indistintamente os termos informal, ilegal, clandestino ou alternativo. Como adverti na introdução, não se trata de uma conceituação neutra. O termo usado denota a postura favorável ou contrária do autor ou autores. De todo modo, os textos começam, invariavelmente, pela definição dos transportes. Assim, por exemplo, o enquadramento realizado pela NTU toma, como referência positiva, os transportes regulares chamados convencionais. Contrapondo a estes, o transporte ilegal que, por sua vez, seria diferente dos alternativos regulamentados: estes últimos, contudo, seriam informais. Já os estudos mais favoráveis aos “alternativos” buscam racionalizar e explicar as diferentes nomeações em voga. Todavia não atingem o objetivo de nomeá‐los em termos precisos e inequívocos, pois, consideram a ilegalidade como denominador comum dos transportes informais. Para os empresários, os informais “são um serviço de transporte coletivo de passageiros em áreas urbanas, realizado sem autorização ou concessão dos poderes concedentes locais". A mesma definição aplica‐se aos casos em que “o Estado cria um sistema legal de exceção, através do qual um informal pode continuar a desenvolver suas atividades, mesmo sem atingir um estatuto legal equivalente ao dos que gozam da proteção e dos benefícios de todo o sistema legal”, quando a regulamentação concede permissões a operadores individuais, que inviabiliza, na prática, o princípio da concessão. São, portanto, “informais regulamentados”. Já para Barboza (2002. p.2), os transportes em questão são alternativos ilegais. Alternativos, por que podem tornar‐se uma opção se adequadamente regulamentados,
178
sim apontando para as diferenciadas maneiras como esta tipo de transporte pode
ser nomeado/classificado, levando-se em consideração a posição política do
interlocutor e das perspectivas diante do objeto analisado/julgado. Realizando uma
extensa pesquisa e profundo levantamento histórico e crítico acerca dos fenômenos
da informalidade nos transportes urbanos desde a formação metropolitana do Rio de
Janeiro, busca compreender à luz dos processos contemporâneos da acumulação
flexível99 e das novas forças de reprodução do mundo trabalho nos ambientes
urbanos. Há a proposta teórica metodológica de reunir os variados aspectos dos
transportes informais a campos de discussão e análise, como: morfologia urbana;
Estado e política; campo específico dos transportes; mercados metropolitanos de
trabalho e os movimentos sociais100.
O re-surgimento, avanço e permanência dos transportes informais no
contexto da pós-modernidade, e no caso brasileiro, refletirá à complexidade e às
necessidades dos processos produtivos, dos interesses do capital, dos caminhos
das políticas sobre a vida urbana, das ações e interesses (dos) políticos e das
“saídas” e inovações trazidos pelos atores sociais. Sobre os processos territoriais de
imobilidade é percebido que:
Muitos municípios populosos - ou mesmo áreas pobres do município sede (Rio de Janeiro)101 - dependem do alinhamento com o governo estadual para a obtenção de recursos. E, por outro lado, nesses mesmos lugares, articulam-se, nas câmaras e nas eleições, poderosos interesses econômicos, que estimulam a urbanização pela expansão do mercado de terras e transportes, produzindo e
e ilegais por encontrarem‐se à margem do sistema vigente. Contudo, esta modalidade não constitui um fenômeno novo. Existe em diversas cidades brasileiras e em muitos países, sem estarem restritos aos em desenvolvimento. Em verdade, o pomo da discórdia entre técnicos favoráveis à regulamentação dos “alternativos” e as associações empresariais e técnicas é constituído pelas medidas a tomar: regulamentá‐los não seria um modo de desregular? Qual medida seria mais eficaz: regulamentação ou repressão? (MAMANI, 2004, ps. 160, 161 e 162). 99 Quer dizer, a reestruturação do capitalismo, antes descrita como reestruturação produtiva, teria levado à redefinição do espaço urbano, transformando a circulação. Há uma demanda incessante de mobilidade que se manifesta nas novas modalidades de transporte, “no volume e direcionamento dos fluxos, orientados no sentido de aprofundar a dicotomia entre transporte público e transporte privado” (GUTIÉRREZ, 2000, p.5). Haveria, assim, uma “reestruturação desde a oferta”, não comandada pelo consenso ou pelas carências, possível pelo abandono da “concepção do transporte como serviço público” (GUTIÉRREZ 1999, p.15), própria do denominado estado interventor. A subordinação de políticas de transporte público de acordo à rentabilidade das empresas contribui, então, para aprofundar a dualidade da cidade, aprofundando os fenômenos da marginalidade e da exclusão sócio‐territorial por diferenças de oferta, qualidade e preço (GUTIÉRREZ, 1998, p.16). In (MAMANI, 2004, p.39). 100 Mamani (2004, p. 5). 101 Acréscimo nosso.
179
perpetuando a imobilidade relativa dos pobres (MAMANI, 2004, p. 367).
Esta percepção do cenário quanto aos transportes informais na RMRJ alia-se
à observação dos aspectos identitários negativos oriundos da imobilidade social e
que permeiam alguns territórios enquanto reconhecidos externamente e vivenciados
internamente em relação a outras localidades com status superiores. A questão da
inovação em relação à mobilidade urbana traz à tona outras possibilidades
interessantes e que buscam dar a fuga necessária para enfrentar as vicissitudes de
se locomover pelas metrópoles no cenário atual.
Em Fonseca (2005) vemos a apresentação de uma das formas e
possibilidades do transporte informal, e que teve taxas de aumento significativo e
apelo midiático pungente nos últimos anos, os serviços de mototáxis. A autora
pesquisou o aparecimento deste tipo de transporte na cidade do Rio de Janeiro,
mais especificamente um dos núcleos de surgimento deste “modal”, a favela da
Rocinha, situada na Zona Sul da cidade. A percepção deste tipo de transporte,
através da análise de três categorias, descreve de maneira bastante interessante as
possibilidades das criações e arranjos dos atores sociais no que se refere à
produção de novas funções de mercado e a oferta de seus serviços, que neste caso
atuam diretamente na mobilidade da população que habita favelas e comunidades
mais pobres da metrópole.
Silva (2007) também adentra ao campo dos transportes informais e realiza
uma etnografia em uma cooperativa de vans de uma cidade da Baixada Fluminense,
cooperativa esta que oferece o duplo trajeto Baixada Fluminense-Rio de Janeiro x
Rio de Janeiro-Baixada Fluminense, efetivando as jornadas cotidianas e difusas
entres os moradores da RMRJ. Em sua formulação metodológica busca sair do
“lugar comum” das denominações vigentes e midiáticas de classificação do
transporte por vans como a “máfia das vans” e tenta decifrar e revelar as
classificações vigentes, o funcionamento da cooperativa, os elos profissionais e
pessoais, as legalidades e ilegalidades e as lutas políticas. Há também uma
observação teórica metodológica pautada já em uma premissa relacional entre
território, identidade102103, mobilidade urbana e política de transportes104.
102Freire (2005) identifica três reações emotivas que revelariam o que ela chama de “percepção do recorte Zona Sul sobre o recorte “Baixada Fluminense””. Ela os define como: o risível (o deboche); o choque/medo e a desolação/compaixão. Essas reações emotivas segundo a autora não seriam isoladas e poderiam funcionar
180
Pires (2011) apresenta uma etnografia nos trens urbanos que atendem e
fazem os deslocamentos urbanos entre os habitantes da Baixada Fluminense, zonas
norte e oeste, e o Centro da cidade do Rio de Janeiro. Através de sua própria
utilização deste modal passou a atentar, através da observação participante, das
performances e representações presentes no cenário característico e sui generis
que são os vagões que constituem os trens urbanos fluminenses. Através de uma
observação minuciosa, identifica as funções e as representações dos atores sociais
que ali agem em uma arena de trocas materiais e subjetivas, trocas econômicas e
afetivas, desempenhando as funções como: seguranças, policiais, passageiros e
camelôs. Assim como Fonseca (2005) e Silva (2007) identifica o trabalho informal
como um grande tema que acaba por intermediar as relações humanas no ato de se
transportar. O desenrolar das viagens nos trens da Supervia se dá em uma
interação constante entre o trabalho cotidiano dos ambulantes dos trens e a
marginalização desta atividade através da fiscalização por agentes contratados pela
concessionária e policiais militares ferroviários.
Através das percepções reveladas pelas interações e performances dos
atores envolvidos nas relações assimétricas dentro do ambiente (vagões) em que se
realiza o ato de se transportar cotidianamente por grande parcela da população da
RMRJ, Pires (2011) desenvolve a noção nativa de esculacho105, empregados nas
falas destes atores sociais.
simultaneamente, elas refletiriam os sentimentos dos habitantes da Zona Sul em relação à população da Baixada. No sentido contrário, na observação das reações emotivas do recorte “Baixada Fluminense” sobre o recorte “Zona Sul”, poderíamos enxergar, como síntese dessas reações, sentimentos indicando a existência de uma certa superficialidade do jeito de ser do “carioca” (nascido no município do Rio de Janeiro), da supervalorização do sofrimento e do trabalho do morador da Baixada em comparação às facilidades dos “acessos” permitidos por se morar e se educar em uma região privilegiada economicamente e socialmente (…) (SILVA, 2007, ps. 86). 103Ver FREIRE, Jussara. Sensos do justo e problemas políticos em Nova Iguaçu. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Sociologia, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro, 2005. 104O viés do transporte é um excelente fio condutor para futuras pesquisas. As pessoas que tanto por atributos físicos (que obedeçam, por exemplo, ao que se denomina em um “estado dos gostos” de “boa aparência”) ou por formação educacional/profissional, ou mesmo os dois casos, que conseguem transitar sem serem “reconhecidas” pelos dois “recortes” territoriais, seriam um interessante objeto para estudos futuros, no que concerne a possibilidade de inferir os sofrimentos, as angústias e as vitórias de quem se percebe diferenciado em determinadas localidades, ou então que se demonstre “camuflado”, sendo somente “descoberto” ao declarar deliberadamente sobre sua origem (SILVA, 2007, ps. 87, 88). 105(…) O esculacho soava como uma denúncia grave, uma desconsideração singular, em meio a tantas outras características de nossa sociedade, que frequentemente desiguala seus integrantes de acordo com a posição social, seu status. Parecia representar um nível de desconsideração que impossibilitava a manutenção da ordem vigente, mesmo que esta já fosse estruturada de forma desigual; era um procedimento que perigava arremeter a vítima para fora da escala aceitável daquele cotidiano hierarquizado (PIRES, 2010, p. 150).
181
As mediações entre estes atores expõem o cenário conflituoso e cotidiano de
passageiros e trabalhadores que, de certa forma, internalizam e naturalizam as
precariedades históricas no serviço de trens urbanos, e as resultantes simbólicas e
materiais deste modal de transporte urbano. Em outros aspectos poderíamos
observar as hierarquizações e diferenciações das categorias de prestígio social,
pensando em rebatimentos da ordem hierárquica da sociedade brasileira em um
âmbito mais geral e sendo retraduzidos em um microcosmos onde determinados
não-lugares, reconhecidos como espaços que somente realizariam a mobilidade
urbana, acabam por se tornar arenas poderosas dessas diferenciações.
Augé (2006) descreve que a supermodernidade vigente acaba por criar os
não-lugares, que seriam locais onde as percepções simbólicas e reais de duração
(tempo) e distância (espaço) estariam desencaixadas das experiências sensoriais de
quem os vivencia e experimenta. O autor cita o caso dos transportes,
especificamente na Europa e países desenvolvidos, onde a tecnologia e a
velocidade da informação retirariam destes locais, que realizam a integração
globalizada, a capacidade de se conhecer e de se produzir uma esfera de
subjetividade e de acesso ao mundo pautado na experiência historicamente
relacionada com as percepções mentais de tempo e espaço.
Pires (2011) irá criticar esta ideia de Augé, no que se refere aos não-lugares.
Primeiramente porque a realidade dos transportes e da globalização não se dá de
maneira homogênea em todo o mundo, apesar da irresistibilidade das necessidades
do capital pelo mundo, e o uso dos espaços de estadia curta106 para a locomoção de
pessoas nas metrópoles, neste momento de supermodernidade, porém o acesso à
tecnologia e à produção da informação se dará de maneira desigual entre os países
e os polos de desenvolvimento do capitalismo. A experiência de estar sentado em
uma estação de trens que realiza a travessia entre França e Inglaterra, com todo o
aparato tecnológico e de informações disponíveis ao toque dos dedos, será muito
diferentes ao se estar esperando o trem do ramal de Japeri, que levará os
moradores de volta aos seus lares após um dia de trabalho na cidade Rio de
Janeiro, ou então esperar o trem na estação de Nova Déli para uma longa viagem
de uma noite até chegar a Lucknow, na Índia.
106 Terminais de passageiros em geral: aeroportos, rodoviárias, estacionamentos, estações ferroviárias, estações de BRT’s, etc.
182
Em um segundo momento sua crítica parece estar diretamente ligada ao fato
de realmente acreditar, e experienciar, estes locais de transição e mediação entre os
“espaços” através do “tempo”, os transportes coletivos em suas características
urbanas, como produtores efetivos de subjetividades e materialidades, tornando a
experiência de se viver em uma região metropolitana como a do Rio de Janeiro, um
ato de natureza única, assim como deve ser na Índia ou na Argentina. Esta crítica e
percepções parecem também ser concernentes aos trabalhos de Caiafa (2007,
2002) e Silva (2007).
Por fim Pires (2010) desenvolve um trabalho etnográfico realizando uma
comparação entre os processos de administração institucional e na venda
ambulante entre Rio de Janeiro e Buenos Aires (Argentina), tendo como fundo o
cenário dos trens urbanos e seus arredores, nas duas cidades. Nos trabalho
etnográfico realizado entre os dois países e duas sociedades distintas, e suas
respectivas culturas, e aproveitando-se de sua experiência anterior no trabalho
realizado nos trens urbanos do Rio de Janeiro, atualiza e problematiza as noções
nativas de arreglo107 e arrego108, e suas inserções no caso portenho e
carioca/fluminense.
Haverá por parte do autor a busca por uma interpretação da ação das cidades
moderno-globalizadas nos corpos e mentes de seus habitantes/trabalhadores,
tentando identificar e apontar as relações hierárquicas e da desigualdade de status
social, e até mesmo jurídica, em que essas categorias nativas servem como
demonstrativos das mediações e negociações entre esferas diferenciadas de
funções e experiências dos atores. O arreglo e o arrego funcionam como “chaves”
107 No primeiro caso, uma combinação entre partes desiguais, que participam de uma negociação movida por interesses distintos, possuidores de diferentes aportes materiais e, em determinados casos, de poder. No entanto, essas desigualdades parecem ser compensadas minimamente com a representação de que as partes são moralmente iguais. Esta os autoriza a participar do arreglo, negociando vantagens, benefícios e obrigações de cada parte, proporcionalmente a quantidade de bens e poder, mas, a princípio, incluindo todos os interessados que são iguais em dignidade. Na medida em que as competências se exercitam e alteram a configuração inicial, modificam‐se as disposições dos atores no concertado, mas igualmente procura‐se manter, tanto quanto possível, os participantes, uma vez que o status civil não se altera (PIRES, 2010, p. 379). 108 No segundo caso, a desigualdade material pode ser somada a um não reconhecimento da substância moral dos atores (Cardoso de Oliveira, op. cit.) com quem se busca estabelecer a interlocução. Isso faz com que não só os benefícios e vantagens materiais ‐ e de poder – sejam distribuídos desigualmente, mas também que a inclusão do interessado na partilha seja feita em condições que lhe seja negado o reconhecimento a uma mesma dignidade de outros presentes à contratação. A consequência pode ser, como se costuma dizer, que uma parte resulte arregada – ou seja, plenamente satisfeita em suas pretensões, quando não ultrapassada em suas expectativas iniciais – e outra arregaçada, “dobrada”344 em sua vontade, contrariada em suas pretensões. Um buscando estar mais acima dos incluídos; outro levado à beira da exclusão (PIRES, 2010, p. 379).
183
que demonstram relações de intermediação de pessoas em posições sociais
“diferentes”, mas que atuam em uma mesma configuração de precariedade e, de
alguma forma, de complementaridade também, mostrando o fazer-se das relações
de trabalho e as reproduções cotidianas das identidades e funções sociais em
nossas metrópoles “mundiais”, mas que demonstram nesse fazer-se cotidiano suas
culturas históricas e características ressurgindo e reinventando-se a cada momento.
Também utilizaremos em nossa análise as obra de Barat (1975) e Caiafa
(2013).
4.2 Quadros sinópticos das “formas de vida pelo transporte”
Iremos buscar a construção de alguns quadros sinópticos buscando a
percepção de possíveis “tipos ideias” relacionados aos modais que nos dispusemos
analisar neste trabalho. Reiteramos a enorme dificuldade, ou a quase
impossibilidade, em poder reunir todo o universo de trabalhos, relatórios e estudos já
realizados no Brasil, ou até mesmo em relação ao Estado do Rio de Janeiro, no que
se refere a oferta de todos os modais dos transportes urbanos existentes. Porém,
dentro um quadro significativo e relevante, escolhemos obras que possam que
trazem em todos os seus aspectos a complexidade necessária para a proposta
disciplinar que aqui desenvolvemos. Outro enfoque importante é que além das
construções históricas na oferta dos transportes urbanos na RMRJ, também
consideramos de suma importância as implicações contemporâneas que hoje
experimentamos em relação a estes serviços diretamente ligados à questão da
mobilidade urbana.
4.2.1 Trens
Em relação a este modal trabalhamos com referência às obras de Pires
(2011, 2010), Icasuriaga (2005), Iziaga (2009) e Barat (1975).
Figura 19 – “Formas de vida pelos transportes” – Trens
Trens
184
Há a observação de uma hierarquia social e material interna e percebida subjetivamente, porém de forma coletiva, dentro da própria estrutura física e na qualidade dos serviços para os usuários que pagam o mesmo valor de tarifa, mas que são tratados de forma diferenciada de acordo com as “linhas” que transitam. “Para começar, ela109 classificou o usuário do ramal de Deodoro como posudo. Para Kátia, era um pessoal “quase igual ao do metrô”. E aí ficou claro que “posudo” era uma categoria construída a partir de valores adquiridos por ela, não só como moradora da Baixada (ela morava no município de Nilópolis), mas também como uma vivaz observadora de ambientes, como uma universidade pública ou do interior de uma casa de classe média” (PIRES, 2011, p.77). Diferenças efetivas na “idade”110 das composições de acordo com a configuração espacial dentro do própria estrutura das plataformas da estação Central do Brasil111, onde composições mais novas e com ar condicionado preferencialmente são alocados na linha que atende o subúrbio carioca (que vai da Central até a estação de Deodoro). Para as linhas subsequentes a qualidade das composições vai piorando de acordo com o “aprofundar” junto aos municípios mais distantes radialmente da centralidade do Rio de Janeiro. As piores composições encontram-se na linha que tem como destino final a estação Gramacho. “Historicamente, as inovações tecnológicas introduzidas nos trens sempre se iniciaram por Deodoro. Naqueles dias, porém, os usuários dos outros trajetos tendiam a interpretar tais iniciativas como discriminação. Alguns deles me disseram se sentirem incomodados com isso, sobretudo porque a tarifa cobrada pela Supervia era a mesma para todos os trajetos, fosse para andar de “geladão” ou para chacoalhar no “trem-fantasma” que levava a galera para Belford Roxo” (PIRES, 2011, p. 80). A existência de um grupo social que habita, vivencia e sobrevive trabalhando dentro dos vagões das composições que integram a malha ferroviária urbana da RMRJ. Alguns destes trabalhadores informais desempenham seu trabalho há muitos anos dentro dos trens e convivem cotidianamente situações de riscos e vulnerabilidades, onde disputas e violência se alternam entre períodos determinados. Atualmente há um campo explícito de conflitos permeados pela relação entre vendedores ambulantes, seguranças privados contratados pela concessionária, policiais militares e os usuários dos trens. “A maioria dos ambulantes morava em localidades servidas pelas 109 A informante indicada no texto. 110 Data de produção e tempo de serviço. 111 Que concentra a saída de todos os ramais/linhas e serve de sede para a concessionária Supervia, atual controladora dos serviços de trens urbanos da RMRJ e também de sede de um batalhão especializado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
185
estações do ramal no qual atuava. Um camelô que, por exemplo, comercializasse seus produtos preferencialmente no ramal Japeri, morava preferencialmente, em Engenheiro Pedreira, Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita, entre outros bairros ou distritos de municípios atendidos pelos trens. Um ambulante que morasse em Madureira, ou adjacências, poderia vender sua partida. Preferencialmente, no ramal Japeri ou Santa Cruz. Não quer dizer que ele não pudesse efetuar suas vendas no ramal Deodoro; caso optasse por isso, teria de se deparar com a forte repressão das equipes de vigilantes contratados pela Supervia, concentradas ao longo deste ramal, devido às estratégias adotadas pela empresa, naquele período. Um camelô que residisse em Barros Filho ou Vila Rosali iria atuar prioritariamente no ramal Belford Roxo; da mesma forma, comercializariam no ramal Gramacho aqueles que morassem próximo às estações servidas por ele. Dificilmente um camelô residia em regiões mais próximas do Centro. Como a maioria dos usuários do trem, os camelôs também podiam ser considerados parte do público de baixa renda” (PIRES, 2011, ps.104, 105). Percepções diferenciadas na forma como as sociabilidades são construídas, neste caso tendo como loco de observação os trens urbanos. Há o apontamento de normas diferenciadas nos “acordos” possíveis entre os atores sociais. Esta observação se dá no contexto de uma comparação etnográfica internacional, neste caso comparando-se as relações sociais nos trens urbanos de Buenos Aires/ Argentina e os arranjos sociais nos trens urbanos do Rio de Janeiro. Onde o arreglo seria uma forma institucionalizada socialmente para a realização de acordos entre os atores sociais dentro do panorama da sociabilidade urbana portenha, sendo esta forma legal ou não. O arrego, no caso fluminense, são as possibilidades de acordo, mas sempre pautadas pelas relações de poder e força entre indivíduos que não são “iguais” socialmente, onde normalmente os aspectos legais passam ao largo das relações. Arreglo: “(...) uma combinação entre partes desiguais, que participam de uma negociação movidos por interesses distintos, possuidores de diferentes aportes materiais e, em determinados casos, de poder. No entanto, essas desigualdades parecem ser compensadas minimamente com a representação de que as partes são moralmente iguais. Esta os autoriza a participar do arreglo, negociando vantagens, benefícios e obrigações de cada parte, proporcionalmente a quantidade de bens e poder, mas, a princípio, incluindo todos os interessados que são iguais em dignidade. Na medida em que as competências se exercitam e alteram a configuração inicial, modificam-se as disposições dos atores no concertado, mas igualmente procura-se manter, tanto quanto possível os participantes, uma vez que o status civil não se altera” (PIRES, 2010, p. 379). Arrego: “(...) a desigualdade material pode ser somada a um reconhecimento da substância moral dos atores (Cardoso de Oliveira,
186
op. cit.) com quem se busca estabelecer a interlocução. Isso faz com que não só os benefícios e vantagens materiais e de poder – sejam distribuídos desigualmente, mas também que a inclusão do interessado na partilha seja feita em condições que lhe seja negado o reconhecimento a uma mesma dignidade de outros presentes à contratação. A consequência pode ser, como se costuma dizer, que uma parte resulte arregrada – ou seja, plenamente satisfeita em suas pretensões, quando não ultrapassada em suas expectativas iniciais – e outra arregaçada, “dobrada”112 em sua vontade, contrariada em suas pretensões. Um buscando estar mais acima dos incluídos, outro levado à beira da exclusão” (PIRES, 2010, 379). No campo específico da crítica à política de transportes na RMRJ e o consequente processo de segregação urbana, Icasuriaga (2005) realiza uma observação histórico-crítica das opções das políticas públicas de mobilidade tomadas pelo poder público. “O transporte urbano de passageiros, enquanto política pública, continua a ser tratado como tema menor, um serviço “para pobres” em contraposição à burguesia e camadas médias que utilizam meios particulares, os automóveis, deixando transparecer o problema da iniquidade de acessibilidade. Igualmente a qualquer política pública numa sociedade capitalista, na política de transporte aparece a divisão social, aqueles que dependem exclusivamente de acesso a esses serviços, ou seja, nesse caso específico, os habitantes que têm acesso privativo a vias e meios de transporte urbano e àqueles que não tem condições nem para satisfazer necessidades mínimas de deslocamento (...)” (ICASURIAGA, 2005, p.132) Alguns apontamentos sobre os possíveis rumos da expansão urbana na RMRJ se fazem presentes e são interessantes pontos de interlocução entre o presente atual e um passado bastante recente. “Algumas mudanças podem ser constatadas no espaço sócio-produtivo da cidade carioca:
• primeiro, a renovação e ampliação da antiga área central de negócios, com a expulsão do uso residencial e a conformação do “Centro Expandido”, que vem se “consolidando como local preferido pelas empresas que operam no mercado global, reforçando o papel da área central de negócios, apesar da competição intra-urbana com a Barra da Tijuca e alguns bairros da Zona Norte” (Rezende e Accorsi, 1999, p. 237);
• segundo, a conformação de novos centros e bairros, a exemplo do dinamismo da Barra da Tijuca que surge como o centro metropolitano de segunda grandeza junto com Copacabana;
• terceiro, a estagnação e obsolescência de certas áreas com alto-
112 Nota 344 do autor: “Segundo o Dicionário Aurélio, arregaçado é aquilo que foi levantado, por efeito de enrolamento, arqueamento, enrugamento” (PIRES, 2010, p. 379).
187
índices de vacância imobiliária, provocadas pela tendência à mobilidade intra-urbana que desloca estabelecimentos industriais, principalmente na área de bebidas e gráficas, do perímetro central para áreas periféricas, dentro do município ou para a região metropolitana, causando um esvaziamento de edificações no perímetro central da cidade (da Silva, 1999);
• quarto e último processo, que se manifesta nos projetos de reestruturação do espaço metropolitano, em busca da modernização da periferia tradicional, com a criação de novos centros e opções de comércio e serviços, mas que não condizem com a concentração, na cidade do Rio de Janeiro, da maioria dos serviços de assistência pública da região metropolitana em áreas essenciais como saúde e educação, assim como nas áreas de cultura, recreação e lazer, fazendo com que grande parte da população residente nos municípios contíguos se desloque com frequência à procura desses serviços. Situação que se agrava pelas disparidades intrametropolitanas, em relação à receita dos municípios mais distantes do centro que abrigam a população de menor renda e que demandam atendimento em serviços sociais públicos. As diferenças orçamentárias entre o município do Rio de Janeiro e seus pares metropolitanos se evidenciam na precariedade de serviços que estes últimos oferecem para cobrir a demanda dos seus habitantes113” (ICASURIAGA, 2005, ps. 177, 178).
Iziaga (2009) lança o questionamento se a metrópole do Rio de Janeiro é uma efetivamente uma “rede” com características de aglomeração urbana. Sob está pergunta, há uma interessante indagação. “O município do Rio de Janeiro e os demais 17 municípios que compõem sua área metropolitana constituída por: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Mesquita e Tanguá se apresentam, inequivocamente, a partir de aproximadamente inicio dos anos 1990, como uma grande aglomeração articulada em rede. Se compreendermos as redes, por um lado, através de sua capacidade de conectar e solidarizar territórios, de colocar em relação espaços independentemente de fronteiras administrativas, políticas e urbanísticas, lembremos também que para que isso aconteça plenamente há que existir uma homogeneidade que possa garantir a conectividade de todos os pontos do território. Por outro lado, caso essa distribuição homogênea não venha a acontecer, as redes podem assumir o papel inverso, o de segmentar o território (...)” (IZIAGA, 2009, p.157). Em relação ao estudo da centralidade do Rio de Janeiro sobre os deslocamentos urbanos, em diferentes momentos históricos, principal
113 Estas informações podem ser aferidas no tópico 2.4 Dados Gerais em relação aos números dos municípios da Baixada Fluminense, exceção feita aos municípios de Duque de Caxias e Itaguaí, com maiores PIB’s.
188
objeto de análise da autora, é de se ressaltar as mudanças ocorridas na circulação dos habitantes da RMRJ com o passar dos anos. “A análise (...) indica a evolução da movimentação de pessoas na aglomeração do Rio de Janeiro. Em 1979, observa-se uma massiva concentração de viagens internas no município do Rio de Janeiro, com 74% do total, com concentração menor Leste-Leste e menor ainda na Baixada Fluminense (Baixada- Baixada). O somatório da movimentação de pessoas nas macro-zonas Rio-Rio, Rio-Leste, e Rio-Baixada cobria 86,4% das viagens totais, com as outras regiões com peso de 13,6% sobre o total. Já os dados de 1995, indicam uma centralidade menos acentuada sobre o município do Rio de Janeiro. As duas concentrações secundárias se mantêm em relação a 1979, que são Leste-Leste e Baixada-Baixada. Nesse momento registra-se a tendência de desconcentração da centralidade exercida pelo Rio, e a soma da movimentação das macro-zonas Rio-Rio, Rio-Leste, e Rio-Baixada, equivale a 72,4%, proporção menor que a de 1975 (...) Com isto, podemos deduzir que, nos últimos 25 anos, a polarização de viagens dentro do Rio de Janeiro, núcleo principal da aglomeração, vem decaindo em favor de uma maior movimentação de viagens internas nos núcleos secundários. O maior exemplo fica por conta da movimentação Baixada-Baixada, que vem crescendo bastante desde 1979, do que se pode concluir que são áreas que passam a ganhar mais autonomia, necessitando menos deslocamentos ao núcleo principal. Isto é reiterado pelos dados demográficos, que registram uma taxa de crescimento acumulado da população residente, de 1940 a 2005, de 4,71%, sendo que nas décadas de 1940 e 1950, este valor é de 8,8%, na de 1960 5,95%, na de 1970 3,38%, para, a partir da década de 1980, estabilizar em torno de 1,6% (CIDE). Os dados de ICMS (...) também reforçam esta maior autonomia da população residente na Baixada Fluminense, com dois municípios, Duque de Caxias e Nova Iguaçu respectivamente na segunda e quarta posições entre os municípios com maior arrecadação (IZIAGA, 2009, ps.195, 196, 197). Em relação a alguns dos impactos históricos na oferta dos transportes pelos trens urbanos é interessante e importante ressaltar a fala de Barat (1975) , onde: “Com relação à rede de ferrovias consolidadas nas últimas décadas do século XIX, cabe observar que ela contribuiu inicialmente para o saneamento de grandes extensões de terra degradadas com a decadência da atividade agrícola que precedeu e se seguiu à abolição da escravatura. Entretanto, estas mesmas ferrovias foram também responsáveis pela degradação posterior da Baixada Fluminense, pois, com o abandono da navegação fluvial na área, adveio o assoreamento dos rios e, posteriormente, a malária114” (BARAT, 1975, p.108). De certa maneira parece demonstrado que a diminuição no número de
114 Nota 17 do autor: “Hochtief, Deconsult – Cia. Construtora Nacional, op.cit., p.45” (BARAT, 1975, p. 108).
189
passageiros transportados e também a consequente piora dos serviços prestados pelos trens urbanos, têm início a partir da década de 1970 e coincidentemente com os investimentos dos governos, à época, voltados para as estruturas pautadas nos transportes individuais baseados em veículos automotores. “(...) o nível da demanda esteve próximo ao prevalecente em 1945. A partir de 1957, a movimentação de passageiros cresceu até o nível máximo de 296 milhões/ano em 1962, para declinar persistentemente a seguir. A título de ilustração da decadência do transporte ferroviário suburbano, cabe observar que a demanda por essa modalidade de transporte de massa representou, em 1970, o nível de 1945, apesar de o intervalo entre esses dois pontos implicar o período de maior incremento demográfico e expansão suburbana da área metropolitana do Rio de Janeiro115” (BARAT, 1975, p. 154).
Figura 20 – Malha ferroviária urbana da RMRJ – Supervia116117
115 Nota 18 do autor: “Cabe ressaltar que os dados de passageiros transportados em trens suburbanos apresentam‐se, via de regra, subestimados, em função da grande quantidade de passageiros clandestinos (aqueles que se introduzem nas plataformas sem passar pelas roletas)” (BARAT, 1975, p.154). 116 Ressalto que nas pesquisas e etnografias realizadas, percebeu‐se uma hierarquia na oferta dos serviços aos usuários dos trens e ela funciona da seguinte maneira: A Supervia oferece as melhores composições (mais novos, limpos, com ar‐condicionado e controle de ambulantes) que servem a linha de cor vermelha (Ramal Deodoro) e no “movimento” da esquerda para a direita os serviços vão se deteriorando, até chegarmos à linha de cor laranja (Ramal de Saracuruna, mais conhecido como “Gramacho”). 117 Disponível em: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1263337&page=5. Acessado em Jan. 2014.
190
Figura 21 - Aglomeração do Rio de Janeiro (Cidade do Rio de Janeiro e Municípios da Área Metropolitana).
Fonte: Iziaga (2009, p.165).
Tabela 14 - Rio de Janeiro e municípios da Área Metropolitana Percentual sobre arrecadação (ICM + ICMS)
Fonte: Iziaga (2009, p. 171)118.
118 Fonte citada: Secretaria de Estado de Fazenda, RJ.
191
4.2.2 Ônibus
Em relação a este modal trabalhamos com referência às obras de Caiafa
(2002) e Freire (2001).
Figura 22 – “Formas de vida pelos transportes” – Ônibus
Ônibus
Os ônibus são o principal meio de transporte urbano da RMRJ, como veremos a seguir, mas vai perdendo sua hegemonia em relação a outros modais, principalmente em relação ao aparecimento dos transportes alternativos (vans, kombis, mototáxis, etc.) em meados dos anos 1990, e ao uso de automóveis particulares. Caiafa (2002) realiza uma pesquisa etnográfica sobre as “jornadas urbanas” realizadas pelos ônibus, experimentando os serviços deste modal dentro dos limites da cidade do Rio de Janeiro. “Sob o quadro sombrio das muitas adversidades, a população não cessa de deflagrar pequenas senhas que lhes abrem outras experiências, linhas de FUGA119 à situação que enfrentam. Os ônibus são nossos, em algum nível. Quando repetimos constantemente e em nosso dia-a-dia os nomes dos lugares, os itinerários, os números – 433, 385, 881, Água Santa, Pavuna, Tiradentes-Realengo, Cosme Velho-Grajaú -, já participamos dos agenciamentos coletivos de enunciação com aqueles com quem viajamos, e esse é um modo de ocupar o ônibus e participar do universo de circulação da cidade. Durante entrevistas que realizamos com rodoviários e usuários, mesmo os nomes das empresas poderiam produzir, trazidos tantas vezes nas conversas, uma certa intimidade com o ônibus, uma tomada afetiva desses meios em que passamos tanto tempo de nossas vidas. É que esses agenciamentos de linguagem são inseparáveis de outros arranjos e ações que também se passam no meio do ônibus – subir os degraus, conversar com um desconhecido, brigar com o cobrador, cair a uma freada brusca, apertar o sinal. A nossa experiência de andar de ônibus se apoia em todas essas ações verbais e não-verbais, todas essas multiplicidades. A VIOLÊNCIA120 é um componente muito presente nessa um componente muito presente nessa experiência, e vimos como todo um esquema já instaurado pode favorecer e estimular a violência. Ao mesmo tempo, sempre alguma coisa escapa. As senhas se produzem, abrindo uma entrada, mesmo que provisoriamente” (CAIAFA, 2002, ps. 174, 175). A autora ressalta a opção pelo modelo privatista em relação à oferta dos ônibus na RMRJ, onde grandes empresas familiares sucedessem ano-após-ano com um oligopólio na oferta deste modal. Onde as dificuldades
119 Grifo nosso. 120 Grifo nosso.
192
no controle e na gestão dos serviços oferecidos e contratados se uma tarefa dificilmente realizável pelos órgãos públicos competentes. “Sclar, Schaeffer e Brandwein mostram como a contratação de uma empresa privada para prestar um serviço público é um processo complexo121. Diferente do spot market – em que se escolhe, por exemplo, um produto na prateleira de um supermercado -, no caso desse tipo de contratação nada garante que as condições iniciais vão se manter. Mostram também que, mesmo se supondo que haja um processo correto de licitação, a tendência é que se instaurem monopólios. Necessariamente o capitalista vai manobrar para conservar para si aquela fonte de lucro e a tendência é que se formem nichos de mercado. Há também risco de que se torne cada vez mais difícil para o governo – que monitora essas empresas – romper, se assim decidir, os laços com elas” (CAIAFA, 2002, ps. 145, 146). Dentro da importância histórica, e, principalmente, contemporânea dos ônibus, podemos descrever que surgiram como modal no início do século XX, mas só passaram a ter uma grande importância para o crescimento urbano e a circulação no Rio de Janeiro a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Apesar de existirem desde 1925, os ônibus foram aumentando sua importância gradativamente, onde a principal forma de locomoção no Centro e Zona Sul do Rio de Janeiro era realizada pelos bondes e carris controlados pela empresa canadense Light122. O que ocorrera na primeira metade do século XX foi a disputa do monopólio da oferta dos serviços de transportes urbanos entre Light, donos autônomos de ônibus (faiscadores), empresas de ônibus que começam a ser formar e se unir, e o Estado. “O serviço de ônibus na cidade do Rio de Janeiro esteve no epicentro da luta pelo controle dos transportes coletivos na cidade desde o final da década de 1920, mesmo tendo caráter fundamentalmente complementar aos bondes e trens até meados dos anos 1940” (FREIRE, 2001, p. 157). Como falado anteriormente, na metade do século XX algumas posições era favoráveis pela unificação dos serviços de transportes urbanos oferecidos na capital federal, e isto interessava aos interesses monopolistas da Light, que apesar do apelo nacionalista do governo, mantinha bom relacionamento com a empresa. Porém esta unificação de fato não ocorreu, havendo momentos de disputa e acomodação dentro da “guerra de posições” levantada e explicitada por Freire (2001). “O fato é que essas propostas de unificação dos serviços de transportes não foram, afinal, viabilizados. Qualquer uma delas envolvida um alto custo político para a Prefeitura e o Governo Federal. Por outro lado, a política de restrições a novas empresas resultou em um novo equilíbrio
121 Nota 109 da autora: “Sclar, Schaeffer e Brandwein (1989) e Sclar (1997)” (CAIAFA, 2002, p. 145). 122 Que hoje é fornecedora de grande parte da energia elétrica do Estado do Rio de Janeiro.
193
de forças nos transportes urbanos na cidade (...) Assim, a cidade foi “loteada” entre os carris e ônibus da Light e algumas empresas independentes” (FREIRE, 2001, p.159). Tabela 15 – Viagens realizadas por modo principal.
Fonte: Iziaga (2009, p. 192)123
4.2.3 Transportes informais124: Vans, kombis, mototáxis
Em relação a este modal trabalhamos com referência às obras de Silva
(2007), Mamani (2004) e Fonseca (2005).
Figura 23 – “Formas de vida pelos transportes” – Transportes informais
Transportes informais
Silva (2007) realiza uma etnografia em uma cooperativa de vans que tem sede em um município da Baixada Fluminense e que realiza as jornadas urbanas entre a Baixada Fluminense e o Centro do município do Rio de Janeiro. Utilizando-se das ferramentas etnográficas da antropologia, mas 123 Fonte citada: Jorgensen (1998); PDTU (2005). 124 Termo utilizado e desenvolvido por Mamani (2004).
194
com um enfoque sociológico em suas observações, tenta compreender além dos estigmas associados aos transportes informais, neste caso realizado pelas vans. As viagens dos passageiros estão quase sempre associadas aos deslocamentos pelo motivo “Casa/Trabalho/Casa” e se efetivam na busca por uma parte da população de uma “alternativa” aos transportes “oficiais” e “legalizados”, mas que não oferecem conforto e flexibilidade para se chegar mais rapidamente ao destino desejado. Muitos destes passageiros se dispõem a pagar valores um pouco acima dos valores relacionados às tarifas dos transportes “legalizados” em nome deste conforto e flexibilidade. Em relação às próprias viagens, é interessante perceber as classificações nativas, a organização interna da cooperativa, os arranjos políticos, as interações necessárias para que se possa circular mesmo sendo considerado um transporte ilegal e que sempre vem precedido pela palavra “máfia...” ao ser mencionado. O trabalho de Silva (2007) busca ir além destas pré-noções incorporadas e produzidas pela opinião pública, sem negar ou esconder as relações de ilegalidade que existem na oferta deste “novo” modal de deslocamento urbano. “Obviamente que o discurso anterior sobre as “máfias” do transporte alternativo não se fez presente em uma cortina de fumaça onde são criadas concepções de medo ou de violência, sem nenhum contato com a realidade vivida e presente. De fato o movimento possui um histórico de violência física (inclusive com inúmeros assassinatos) contra motoristas e representantes das cooperativas, onde o envolvimento desses representantes e funcionários com grupos criminosos é parte constitutiva da história do transporte por vans. Porém através da observação participativa e da análise dos diálogos obtidos com a Diretoria e com os cooperativados da Cooperativa de vans de Igrejinha125 (COOPIGRE), além das reuniões presenciadas com diversos outros presidentes de cooperativas, políticos e representantes do movimento, foi possível levantar um “tipo ideal” para a formatação dessas cooperativas e como as mesmas se diferenciam umas das outras. Primeiramente é notada uma diferenciação clara entre as cooperativas, como foi muito bem salientada em uma conversa com Roger. Existem as cooperativas com “donos” e as cooperativas com “membros”, ou associados. E é justamente nesta diferenciação que surgem aspectos interessantes na concepção do cooperativismo no transporte por vans. As cooperativas com “donos” foram formadas em suas origens por pessoas que através da força impuseram em determinados locais um controle coercitivo muito grande, desde a gestão dos itinerários quanto na condução dos carros. Esses “donos” eram preponderantemente policiais ou ex-policiais que perceberam a grande demanda gerada pela ineficiência dos transportes urbanos e passaram a agir a controlar determinadas regiões, ditando os rumos que a atividade iria tomar a
125 Nome fictício. 126 Nota 87 do autor: “Não tão novidade assim, como vimos no primeiro capítulo” (SILVA, 2007, p.135). 127 Nota 88 do autor: “Atualmente podemos afirmar em que todas as cidades do Estado do Rio de Janeiro há alguma foram de transportes por vans ou alternativo, informal” (SILVA, 2007, p. 135)
195
partir de então. Além do controle desses policiais (e ex-policiais) essas cooperativas também passaram a ser alvo do desejo de contraventores e traficantes de drogas, além de pretendentes políticos locais que também passaram a enxergar um interessante filão de votos nessa “novidade"126 de transporte. O que se viu seguinte ao surgimento do transporte por vans em meados da década de 1990 foi um sem-número de disputas, assassinatos, perseguições, utilização de veículos para atividades criminosas, entre outros acontecimentos. O que se bastante evidente é que em todas as regiões onde ocorra o fenômeno dos transportes por vans127 e onde encontramos as “cooperativas de donos”, existirá uma concorrência mais visceral e contundente do que as cooperativas que veremos a seguir. Esses “donos” controlam as cooperativas e apesar da própria natureza do cooperativismo esteja associado a uma equidade entre os participantes da mesma, fica evidente o poder e o controle que esse dono exerce sobre os seus “funcionários”, ou para ser mais exato, sobre o “seus cooperativados”. O que temos nesse caso é a utilização do cooperativismo como uma fachada para uma ação empresarial centralizadora e altamente competitiva, onde os limites divisórios entre os poderes dos membros ficam desequilibrados pela existência de um indivíduo que controla todo o funcionamento da própria cooperativa. Os cooperativados são seus contratados, na verdade, e o lucro da cooperativa é retirado tanto das tarifas pagas, quanto dos salários pagos aos “funcionários”, onde, portanto o lucro fica restrito ao respectivo dono da cooperativa. Vemos em muitas regiões do Estado disputas sangrentas pelo controle de determinas linhas e áreas de atuação dos veículos, alguns desses locais onde se concentram essas disputas são a Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, algumas localidades de São Gonçalo, favelas e comunidades carentes da cidade do Rio, assim como na Região dos Lagos e locais no interior do Estado, porém essas disputas podem variar temporalmente e geograficamente, dependendo como essa concorrência entre as cooperativas se realiza” (SILVA, 2007, ps. 134, 135, 136). Mamani (2004) realiza vasto levantamento sobre o surgimento e as condições das políticas urbanas e legislação específica para o desenvolvido deste “novo” modal de transportes, fenômeno diretamente ligado aos anos 1990 apontando direções interessantes em relação à percepção e às mudanças das notícias vinculadas a este “novo” meio de transporte. “Do registro do percebido e registrado nos jornais, é possível extrair várias considerações. Percebe-se, primeiramente, a concatenação dos fatos, como um movimento de formação de grupos, sujeitos que se moldam no decorrer dos acontecimentos, classes médias ou aspirantes a empresários, ou ainda, desempregados de elite, saídos voluntária ou involuntariamente do mercado de trabalho, buscam obter ou manter sua renda vendo-se como empreendedores. O crescimento do fenômeno revela a descoberta de necessidades desatendidas, com características sociais e geográficas reconhecidas pelos próprios operadores. Por
196
serem moradores das áreas em que operam ou por conhecerem os lugares, capitalizam a sua própria experiência e vivências geográficas. O mesmo movimento explica a solidariedade dos usuários: a identificação social e a formação de vínculos a partir da experiência compartilhada. Apesar de sofrerem a oposição de taxistas e empresários de ônibus e padecerem as consequências de uma postura vacilante das autoridades municipais e estaduais, os operadores informais alcançaram um novo discurso e uma nova dinâmica, articulada e organizada, que quanto mais se unifica mais contribui para o fortalecimento da mobilização e da luta: criaram uma alternativa de trabalho e para o transporte urbano. A condição social ou o grau de organização atingido, permitem compreender que, articulem-se em seu favor as brechas legais e a competição entre Poder Judiciário, Legislativo e Executivo. Contudo, esta estratégia foi mal sucedida em decorrência da formação de uma aliança contrária, proliferando a corrupção e o crime. Mais tarde, a legalização, obtida por alianças políticas, reduz, parcialmente, os problemas decorrentes da ilegalidade mas, neutraliza, também, o caráter combativo do movimento” (MAMANI, 2004, ps. 216, 217). Ainda em relação ao debate público sobre a regulamentação dos transportes informais, mais alguns aspectos são interessantes para ressaltarmos. “A análise dos editoriais, dos artigos assinados e das reportagens com notáveis debatendo a problemática do trânsito e dos transportes - tal como registrados nos jornais, entre 1993 e 2001 - aponta para um fato singular: estão ausentes do debate os principais agentes do drama urbano. Operadores de transporte, usuários coletivo, motoristas de táxis, ônibus e automóveis desaparecem de cena, sendo representados por técnicos que, como pesquisadores ou homens públicos, interpretam, com termos próprios a vida e os problemas metropolitanos Por outro lado, a periodização dos debates revela que não é no foro formado pelos jornais, que ocorrem as mudanças urbanas que constituem as agendas de discussão político- administrativas. Os termos em que é formulado o problema dos transpores, do tráfego obedecem a decisões de ordem política. A decisão de privatizar o sistema de transporte federal e estadual, o surgimento do transporte informal e sua legalização, o abandono do RioBus, o preterimento do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas 2004 são fatos alheios à técnica e ao planejamento. Contudo, na concepção dos técnicos, todos os problemas explicam-se pela falta de planejamento e de investimento, sendo a solução apontada é o ordenamento do tráfego. Pode-se identificar diferenças no sentido do que seja planificar ou planejar. Para alguns trata-se de planejamento estratégico, enquanto para outros, de planejamento integrado de todo o sistema. Ainda outros, ainda, priorizam o transporte de massas ou abertura de vias. Em comum, nota-se um certo ressentimento dos técnicos em relação aos políticos, que tomam, de fato, as decisões,
197
desrespeitando a expectativa de pleno controle técnico do sistema de transportes128. A tentativa de buscar o culpado estende-se bem além de políticos (cabecinhas de bagre), seriam, também, os maus empresários, a indústria automobilística e a deficiência cultural. Tantos culpados são responsáveis pela crise de mobilidade da metrópole que diminui os tempos de circulação. A solução e o objetivo comum compartilhado, seria alcançar o ordenamento, de modo a aumentar a mobilidade e acessibilidade – entendidos como diminuição dos tempos de viagem a certas áreas da metrópole, especificamente à Barra da Tijuca. A promoção dessa mobilidade é concebida como um ato modernizador cujo sentido último seria eliminar o custo Brasil” (MAMANI, 2004, ps. 150, 151). Com relação à construção de uma “legitimidade” jurídica deste novo modal de transporte urbano, Mamani (2004) ressalta que mesmo nas esferas de representatividade que, teoricamente, abrangeriam a sociedade civil, o discurso jurídico e legalista não permite a incorporação complexa do fenômeno dos transportes informais. O autor descreve e demonstra a composição das instituições que integram a ANTP e constata que sua formação corresponde a praticamente cinquenta por cento de instituições estatais e quase cinquenta por cento de instituições empresarias, restando uma pouca representatividade para instituições de pesquisa e um por cento de representatividade para a sociedade civil. Talvez esta composição, ressalta o autor, explique as dificuldades na tentativa de compreensão desta forma de se transportar, “criada” pela população metropolitana e que foge das determinações do Estado ou das estratégias dos empresários historicamente alocados como propositores dos transportes urbanos. “O saber técnico sobre os transportes construiu, em torno de suas organizações o monopólio do conhecimento e do discurso legítimo sobre os transportes metropolitanos. O discurso competente assume uma aparência democrática e moderna, promotor do aumento da acessibilidade, da mobilidade e da qualidade de vida nas metrópoles brasileiras através do aumento da fluidez e da diminuição dos tempos de circulação de pessoas e mercadorias. Este discurso divulga e publicita, verdadeiramente, as necessidades dos atores hegemônicos: a fluidez e a competitividade. Mesmo denunciando os limites do modelo de transportes, historicamente adotado, e, reconhecendo que, no passado, não foram ouvidas as classes em confronto, o discurso técnico excluiu, na prática, usuários, movimentos sociais urbanos e os próprios operadores de transporte informal, apesar, destes, formarem grandes organizações. Neste discurso, a norma jurídica tende a ser apresentada como determinante única das práticas sociais. Estigmatizando os transportes informais - concebidos como solução inferior ao problema dos transportes oriundo das deficiências do planejamento e do modelo
128 Nota 338 do autor: “Fato notório no caso da decisão de regulamentar o transporte informal. Os que regulamentaram o transporte informal foram os mesmos que a meados dos 90 os reprimiram” (MAMANI, 2002, p.151).
198
de estruturação urbana, consolidados no passado – atribui ao Estado um caráter monolítico que, sociologicamente, não possui e, funções meramente administrativas omitindo e ocultando o caráter político do próprio discurso. Quanto aos determinantes econômicos ignoram que cada transformação no sistema de transporte das metrópoles brasileiras, vincula-se, pelo menos desde aos anos 20, às inflexões da indústria automobilística. Por outro lado, relacionam os transportes informais ao desemprego de forma direta e linear. Mesmo quando são consideradas as transformações do mercado de trabalho, este discurso, contenta-se em verificar a existência de necessidades desatendidas e investidores à procura de investimentos rentáveis. Com uma interpretação mecânica dos fatos que conduziram à emergência e ao crescimento do transporte informal, não é possível vislumbrar os grupos, as práticas e localização que o fizeram surgiu e se desenvolver e, principalmente, que os tornou capazes de se constituírem em sujeitos sociais com capacidade para questionar a circulação nas metrópoles brasileiras. O mesmo tipo de ocultamento verifica-se em relação à dimensão espacial do fenômeno. Falta qualquer reflexão desta dimensão, tanto na escala metropolitana quanto na intra-metropolitana, salvo quando as metrópoles são lidas como recurso econômico das metrópoles. Para apreender a natureza da disputa é preciso que se investigue os aspectos desconsiderados que permanecem ocultos no campo dos transportes coletivos conforme construído pelo discurso hegemônico: aspectos sociais, culturais, econômicos e espaciais, constitutivos da “morfologia social” metropolitana (...)” (MAMANI, 2004, ps. 180, 181). Dentro deste panorama complexo, e de certa forma ainda em formação, das novas formas de se transportar pelo tecido urbano, uma “novidade” passa a chamar ainda mais atenção além das vans e kombis que tomam as ruas da RMRJ a partir dos anos 1990. Os mototáxis surgem também como opção para os deslocamentos urbanos. Em nosso caso será relatado o aparecimento desses mototáxis no contexto da favela da Rocinha, situada na Zona Sul do Rio de Janeiro e que trará em sua própria concepção características inerentes às formas de vida emergenciadas pelas necessidades contemporâneas das metrópoles. Estando localizadas quase sempre em partes altas da RMRJ, as favelas sempre careceram dos serviços mais elementares de urbanização, e o transporte também se encontra entre eles. Com a impossibilidade da adentrada de carros particulares e ônibus (mesmo os micro-ônibus) nas partes mais altas dos morros do Rio de Janeiro, uma das “soluções” foi a incorporação das motos/motocicletas como alternativa veloz e flexível de se poder transportar pessoas e pequenos volumes de mercadorias do “morro ao asfalto”. Este “surgimento” não possui a exclusividade desta localidade, a Rocinha, pois irá aparecer no contexto de outros lugares e necessidades, mas o trabalho de Fonseca (2005) nos informa o contexto de seu aparecimento e a interessante articulação entre o ato de se transportar e a busca de jovens, quase sempre marginalizados socialmente, por um trabalho que agregue renda e características próprias da juventude, a emoção. Hoje o serviço de mototáxis já é uma
199
realidade em praticamente todos os municípios da metrópole fluminense, onde, pode-se afirmar, está disseminado por todo o Estado do Rio de Janeiro. As observações anteriores mostram que a juventude pobre enfrenta hoje no Brasil as vicissitudes e os dilemas trazidos pela “droga da economia” e pela “economia da droga”, como ressalta Souto de Oliveira (1999). A partir daí, cunhou a autora as categorias barreias, transgressões e invenções de mercado para retratar as dificuldades e possibilidades de inserção de jovens pobres no mercado de trabalho. Por barreiras de mercado são entendidas as dificuldades que enfrentam os jovens pobres em se inserir no capitalismo flexível, em função, por um lado, dos crescentes requerimentos empresariais, e, por outro lado, de sua falta de experiência, despreparo profissional, baixa escolaridade e reduzidas redes de conhecimento e sociabilidade. Por barreira de mercado se entende também o lugar que lhes é reservado na divisão social do trabalho e que se caracteriza pelo predomínio de ocupações manuais de baixa qualificação e por reduzidos níveis de remuneração, quando não pelo desemprego propriamente dito. Por transgressões são entendidas as profissões e ocupações que rompem as barreiras do mercado pela via da ilegalidade. Finalmente, por invenções de mercado são entendidas as profissões ou ocupações que oferecem a jovens pobres condições de desenvolver e aprimorar seus talentos, reforçam sua auto-estima, ampliam seus circuitos e redes de trocas e os fazem se sentir socialmente úteis e reconhecidos. Profissões e carreiras que inserem o jovem na zona de coesão social, por uma inscrição de trabalho valorizada e pelo fortalecimento de laços de pertencimento (FONSECA, 2005).
200
Figura 24 - Panfleto de convocação para manifestação pública em frente à Assembleia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) ocorrida em 30/01/2007.
Fonte: Silva (1997, p. 172).
4.2.4 Barcas e o Metrô
Não iremos realizar os quadros sinópticos de barcas e o metrô do Rio de
Janeiro, não por não considera-los importantes ou significativos para o locomover-se
cotidiano da população da RMRJ, mas pela falta de trabalhos que se aproximem de
nossa proposta teórico-metodológica de tentar compreender estas “formas de vida
pelo transporte”.
201
De fato não temos conhecimento de obras sobre a utilização das Barcas no
contexto metropolitano do Rio de Janeiro, mas sabemos de sua grande importância,
principalmente na realização da conexão entre os municípios e localidades de
Niterói e Rio de Janeiro, principalmente, e outras conexões, como Paquetá, Ilha do
Governador e o Rio de Janeiro, e a região da Costa Verde, servindo os municípios
de Mangaratiba, Angra dos Reis e a Ilha Grande. Provavelmente já tenham sido
realizados trabalhos que ressaltem esta “vivência” através das barcas, e assim que
tomemos contato com eles, poderão ser incorporados a essa proposta da
construção de uma “sociologia dos transportes”.
Quanto ao metrô não é verdade que não exista trabalho que busque revelar,
através de uma vivência, neste caso uma etnografia, as formas de se transportar por
este modal. Caiafa (2013), em uma publicação muito recente, realiza um vasto
trabalho de vivência etnográfica e tentativa de compreensão dos usos cotidianos e
da vida permeada pelos deslocamentos nos vagões do metrô, modal de transporte
urbano este que atende somente os limites da cidade do Rio de Janeiro. Assim
como realizado com os ônibus cariocas, a autora percorre e vivencia o dia-a-dia no
circular entre as estações da Linha 1 e Linha 2129, buscando a análise histórica do
surgimento do modal e das falas de trabalhadores e usuários que trabalham e o
utilizam. Dentre as observações de Caiafa (2013) estão evidenciadas algumas
diferenças materiais e simbólicas apontadas principalmente pelos usuários que
utilizam as Linhas 1 e 2 e que são explicitadas pela autora.
O corpo sente essa diferença quando viajamos nas duas linhas. Na linha 2 a viagem é mais longa entre as paradas. É possível sentir também a maior extensão do trecho entre Triagem e Maria da Graça. Chega-se à Estação Maracanã e, em seguida, de Triagem a Maria da Graça pode-se levar uns 5 minutos e por vezes sente-se a velocidade baixando. Essas distâncias maiores, as estações elevadas e até o entorno mais rural podem produzir a sensação de estrada de ferro. Há um pouco de ferrovia na Linha 2 [...] De fato, por várias de suas características, a Linha 2 se aproxima um pouco do conceito do metrô regional ou trem metropolitano. A Linha 1 seria mais rigorosamente um metrô urbano (CAIAFA, 2013, p. 219).
129 É importante ressaltar que o MetrôRio funciona em um sistema integrado em linha, onde são consideradas a Linha 1, que atende prioritariamente as estações da Zona Sul e Tijuca e a Linha 2, que tem como estação “inicial” Pavuna e percorre vários bairros do subúrbio carioca até a estação de Botafogo. De maneira subjetiva e internalizada coletivamente considera‐se a Linha 2 o percurso que atende todas as estações da Pavuna até a Central, sendo incorporada a estação Estácio, estação esta que realizava a baldeação entre as Linhas 1 e 2 e que hoje só é utilizada como baldeação em finais de semana e dias com programação específica (CAIAFA, 2013).
202
Os serviços prestados pelo metrô no Rio de Janeiro são reconhecidamente,
tanto pelos usuários, quanto pela opinião pública, superiores aos serviços prestados
em relação aos trens urbanos, da concessionária Supervia. Apesar dos últimos anos
ocorrerem mais reclamações em relação à superlotação, atrasos e problemas
técnicos em relação ao metrô, principalmente após a integração da Linha 1 e 2, que
não necessita mais da “troca” de composições e linhas em uma estação de
baldeação, no caso a Estação Estácio, situada no Centro do Rio.
Há um intenso controle dos espaços das estações do metrô e da circulação
dos usuários após à passagem pelas catracas de cobrança, reflete-se na grande
preocupação que o a concessionária MetrôRio possui com sua imagem pública. A
própria autora refere-se que, em determinado momento, foi exigido um controle
através de relatórios sobre sua presença, observações e imagens realizadas dentro
das estações e do contato com os usuários, revelando, mais uma vez a necessidade
do “controle” da concessionária em relação ao que se é dito sobre os serviços
prestados. Esta exigência da concessionária impediu a continuidade da autora
realizar sua pesquisa dentro do ambiente das estações, mas como já havia coletado
muitos dados, completou sua pesquisa com informações dos usuários fora do
ambiente controlado pela concessionária (CAIAFA, 2013, ps. 24, 25). O próprio autor
desta tese vivenciou esta mesma situação ao participar de uma pesquisa de
campo130 onde aplicava um questionário semi-estruturado para usuários do metrô
colhendo informações acerca do vagão feminino. Apesar de haver um acordo pré-
definido entre o professor responsável pela pesquisa e a concessionária, em
determinado momento fui abordado de maneira um tanto ríspida por um funcionário
do metrô, onde o mesmo entrou em contato com uma funcionária da gerência
perguntando sobre minha presença. Após minha identificação e relato de que
130 Pesquisa coordenada pelo professor Jean –François Verán entre os anos de 2007 a 2010: ““Respeito é bom e elas merecem": antropologia do vagão feminino no Metrô do Rio de Janeiro Descrição: Objetivo: depois de um ano de vigência da Lei estadual 4733/06, o objetivo da pesquisa é avaliar a percepção, a apreciação e os usos do carro exclusivo que a Metrô Rio e a Supervia dedicam para as mulheres em cumprimento da lei. Problemática: no contexto global de luta contra as discriminações e de valorização da diversidade, a prática de definir direitos exclusivos ou preferenciais se tornou uma ferramenta central nas políticas públicas de numerosos países, dentro dos quais, o Brasil. Conhecidas como Ações afirmativas ou discriminações positivas, essas novas políticas públicas não deixam de suscitar um amplo debate por volta de seus princípios (igualdade versus equidade, mérito versus cotas, etc.), suas finalidades (lutar contra uma discriminação e/ou afirmar uma diferença) e seus resultados (eficácia, efeitos negativos).”[...]. Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4267226Y6. Acessado em Jan. 2014.
203
participava de uma pesquisa previamente autorizada, a funcionária ligada à
assessoria de comunicação da concessionária relatou que minha presença ali não
era mais desejada, pois estaria “incomodando” os clientes/usuários/passageiros da
empresa. Esta abordagem ocorreu na Estação de Arco Verde, em Copacabana. Tive
que me retirar da estação e muito aborrecido entrar em contato com o professor
responsável, sendo que ele abriu um diálogo com a concessionária e decidiu não
polemizar, pois a proibição para a realização da pesquisa era iminente.
Talvez a imensa preocupação com a imagem transmitida pelos serviços
prestados pelo metrô esteja intimamente ligada à sua própria construção e interesse
principal, que foi atender à mobilidade de uma classe média urbana da região central
e sul do Rio de Janeiro, onde as implicações simbólicas de um possível “incomodo”
ou deficiências percebidos por este público, possam afetar a imagem que a
concessionária queira demostrar aos seus clientes. Ao realizar o mesmo
questionário na Estação Pavuna, não fui interpelado em qualquer momento por
nenhum segurança ou funcionário do MetrôRio.
Outra questão a se ressaltar é que os serviços do metrô foram concedidos à
iniciativa privada em Abril de 1998, porém a responsabilidade pública deste modal é
referente ao governo do Estado do Rio de Janeiro, portanto, ele é um serviço que
tem como delimitação geográfica o atendimento à população do Estado do Rio de
Janeiro. Porém o que se verifica é que seus serviços se restringem aos limites do
município do Rio de Janeiro, com sua atual expansão, neste momento, para a Zona
Oeste da cidade e não havendo apontamento futuro para que esta extensão saia
destes limites.
Existe um movimento denominado “Movimento Metrô-Baixada” que possui um
site na internet e que já se utilizou de outdoors em alguns lugares da RMRJ, como a
saída da Linha Vermelha na altura de São João de Meriti, para divulgar o apelo. No
site131 há o apontamento que o movimento tem como liderança o empresário e
morador de Mesquita, Mauro Leiroz, e que iniciou o movimento com o discurso das
deficiências dos serviços de mobilidade urbana para a Baixada Fluminense e
acreditando que a extensão do metrô até a região irá melhorar significativamente a
mobilidade da população da região. De certa forma este movimento traduz de
131 Movimento Metrô Baixada – Disponível em http://www.metrobaixada.com.br/. Acesso em Jan. 2014.
204
maneira curiosa uma percepção coletiva e a imagem que a concessionária MetrôRio
tanto procura manter e produzir aos seus clientes e a opinião pública.
Figura 25 – Notícia vinculada ao Movimento Metrô Baixada e a liderança de Mauro Leiroz
Fonte: Site Metrô Baixada (2014).
4.2.5 Automóveis: Um caso à parte?
Falar sobre os automóveis particulares, popularmente chamados de “carros”,
acaba por ganhar um significado distinto em nossa discussão, devido a uma
diferença fundamental em relação aos outros modais aqui antes debatidos. Os
carros são particulares e seu uso-fim, quase sempre, é particular e privado.
Podemos perceber, por toda leitura desta tese, que todos os transportes
urbanos aqui descritos, em sua grande maioria, possuem sua gestão realizada por
empresas privadas e seu uso-fim também está relacionada a aferição de lucro, como
quase toda atividade produtiva no sistema capitalista. Porém e apesar dos serviços
205
de transportes urbanos serem em sua primazia concessões privadas ou
pertencentes a empresas, seus serviços são invariavelmente de natureza pública.
Mesmo nos deslocamentos realizados por vans, kombis e mototáxis, vemos a ação
do Estado no sentido da regularização e regulamentação de suas práticas devido o
interesse público embutido nos serviços oferecidos.
No caso contemporâneo, em relação aos automóveis particulares, é
interessante notar a construção e a percepção de que grande parte dos problemas
viários e da mobilidade urbana está intrinsecamente associada e produzida pela
utilização dos automóveis particulares. O binômio uso particular/ uso público parece
ser o mote desta quase totalidade afirmativa de que o cerne do problema da
mobilidade urbana é o “carro”. Este processo, que neste momento iremos chamar de
“demonização do carro”, tem suas causas e motivações pelos problemas de
mobilidade encontrados em grande parte das vias urbanas metropolitanas. Porém
não podemos esquecer que este problema se realiza principalmente por uma opção
política com base desenvolvimentista e por opções do próprio planejamento urbano.
Em meados da década de 1950, já no governo de Juscelino Kubitschek, a indústria
automotiva torna-se um dos principais pilares do desenvolvimentismo nacional. A
partir dos anos 1960, e já com a ditadura militar instaurada, fica evidenciada a opção
rodoviarista como forma de expansão e mobilidade urbanas, assim como o projeto
do setor automobilístico como liderança e propulsor nos planos de desenvolvimento
econômico do país.
Enquanto nos 1960 e 1970 comprar carros era um luxo reservado às elites e
à classe média diminuta no país, e principalmente concentrada nas regiões Sul e
Sudeste, nos anos 1980 até meados dos anos 1990 as crises econômicas nacionais
não permitiram um grande avanço no número de automóveis nos centros urbanos,
apesar das taxas crescentes no número de automóveis serem verificados neste
período. Como já verificamos, os índices de crescimento populacional têm uma forte
queda nas regiões centrais e mais urbanizadas das metrópoles, enquanto que
periferias e localidades mais distantes dos núcleos urbanos acabam por concentrar
maiores taxas de crescimento populacional. O crescimento demográfico nestas
regiões irá ter uma correspondência direta com o aumento significativo do número
de automóveis particulares nas metrópoles, principalmente por alguns fatores.
Primeiramente devido ao movimento de forte conturbação do tecido urbano,
gerando manchas urbanas cada vez mais articuladas e integrando cada vez a
206
população e produzindo ainda mais relações de interdependência entre municípios,
mundo do trabalho, moradia e lazer; outro fator importante é que os investimentos
pela opção rodoviarista não diminuíram em todas estas décadas, muito pelo
contrário, existem cada vez mais investimentos em dispositivos e obras viárias, além
de incentivos para o consumo e troca de veículos automotores particulares, a frota
nacional se modernizou de maneira intensa nos últimos anos; um terceiro fator que
deve ser levado em conta são as inovações tecnológicas, as maiores possibilidades
de financiamento e o lobby que a indústria automobilística detém ao fazer pressão
política no que se refere aos números da indústria e na geração de empregos; um
fato importante é que o poder de compra de uma grande parte da população, e que
não tinha a possibilidade de comprar carros nos anos anteriores, se modifica entre o
final dos anos 1990 até os dias atuais, muito devido a políticas de transferência de
renda e do crescimento e estabilidade econômica em que o país se encontra até os
dias atuais.
Um último fator, e que se desdobra em dois, que acreditamos ser considerado
e que em quase todas as análises não é citado, é o valor simbólico que possuir um
carro para as classes mais pobres detém. Durante muitos anos foi articulada a ideia
de desenvolvimento e de mobilidade social a se possuir um carro, esta ideia corrente
percorre o imaginário social da população brasileira por muitos anos e ainda
permanece presente. Quando grande parte das pessoas das classes mais pobres
consegue adquirir seus carros, um forte processo de “demonização do carro” parece
se instaurar. O outro desdobramento, e que parece ser esquecido nas críticas ao
grande número de veículos automotores particulares que circulam nas ruas das
metrópoles, é que mesmo com os imensos congestionamentos cotidianos e que não
respeitam mais a faixas de horários de rush no pêndulo casa x trabalho x casa, é a
percepção de que ainda parece ser mais confortável estar dentro do seu veículo e
gastar mais tempo para se deslocar pela metrópole, do que gastar o mesmo tempo e
ter um desgaste físico degradante nos serviços de transporte público oferecidos,
vide a situação de barcas, ônibus e, principalmente, trens urbanos metropolitanos na
RMRJ.
Outro ponto que deve ser observado é que a opção rodoviarista não inclui
somente os veículos automotores particulares nas ruas das cidades, mas a opção
da mobilidade urbana concentrada nos ônibus urbanos, que não podemos esquecer
também são veículos automotores e no caso brasileiro quase todos particulares
207
apesar de oferecerem um serviço público, faz com que os espaços viários ocupados
nas vias expressas e ruas da metrópole fiquem fortemente ocupados. Não é raro
nas imagens dos grandes congestionamentos observarmos filas de ônibus, e
também caminhões, nos corredores viários.
Um acréscimo aos problemas no número de veículos automotores nas vias
urbanas foi o surgimento, de certa maneira não esperado, dos transportes informais
a partir de meados dos anos 1990, e que levou às ruas uma enorme quantidade de
veículos de médio porte, em sua maioria utilitários, vans e kombis, e que fazem os
trajetos urbanos de passageiros. Também não podemos não mencionar a enorme
quantidade de motocicletas também introduzidas nas vias urbanas, principalmente
pelo baixo preço, a facilidade de compra das mesmas e o advento do serviço de
mototáxis, cada vez mais presente em grande parte dos municípios da RMRJ.
Esta relativização em relação ao que denominamos aqui de “demonização do
carro” não exclui todos os problemas e mazelas verificadas pela imensa quantidade
destes veículos nas vias urbanas, porém devemos mencionar que o problema do
aumento significativo do número de carros nas metrópoles também deve estar
diretamente ligado à falta sistemática de investimentos em opções de transportes
urbanos de massa e que foram estruturalmente negligenciados, principalmente no
que tange a oferta de transporte sobre trilhos. Com a percepção de que o aumento
demográfico se deu, em sua grande maioria, em áreas periféricas que foram sendo
incorporadas ao tecido urbano produtivo e, portanto, com uma grande população
com necessidades de deslocamentos mais longos devido à distância de suas
moradias em relação aos núcleos urbanos que têm a primazia na oferta de trabalho,
a opção rodoviarista se opõe a uma ideia cara ao planejamento urbano de que
grandes deslocamentos urbanos por um grande número de pessoas devem ser
realizados pelos transportes de massa por trens urbanos ou pelo metrô.
Apesar dos inúmeros problemas apontados com a forte presença dos
deslocamentos urbanos realizados pelos automóveis nas vias da metrópole
fluminense, Kleiman (2010) apresenta uma contribuição para a mobilidade urbana e
problematiza a construção de duas “vias expressas” e suas repercussões para a
metrópole. Através da observação do planejamento urbano fluminense da década de
1960, no governo de Carlos Lacerda, e as diretrizes do “Plano Dioxiadis” que,
através de uma política também rodoviarista traçou projetos de vias expressas por
carros com uma nomeação policromática destas vias de acordo com o traçado de
208
cada uma. Havia o planejamento para a construção de várias “Linhas” expressas e
que interligariam diferentes áreas da Região Metropolitana através dos
deslocamentos diretos e velozes dos automóveis. Entre estas “Linhas” podemos
observar que constavam as linhas “Vermelha”, “Azul”, “Verde”, “Amarela” e
“Marrom”.
Concebidas em um contexto de auto-estradas urbanas, que previa cinco delas, inseridas no “Plano Dioxiadis” de 1965, como “Linhas Polícromicas”, foram construídas, até o momento, apendas duas: a “Linha Vermelha”, em 1992, e a “Linha Amarela”, em 1997, ficando apenas como ideia as outras três: a “Verde”, a “Azul” e a “Marrom”. A “Verde” ligaria a Gávea à Via Dutra, o que incluiria um projetado túnel urbano extenso entre o bairro da Gávea com a Rua Uruguai na Tijuca, seguindo desta direção do Túnel Noel Rosa (construído, que liga Vila Isabel ao bairro do Jacaré), e deste em forma de elevado (parcialmente construído) se atravessaria os bairros adjacentes até cruzar a Av. Brasil até seu enlace com a Via Dutra. A “Azul” ligaria Recreio do Bandeirantes a Rodovia Washington Luís, com traçado totalmente singular pois que cortaria em diagonal várias partes da cidade. Sua ideia e traçado foi incorporada pelo Plano Lucio Costa para a baixada de Jacarepaguá. Partes desta via existe hoje em dia, como a Av. Salvador Allende, a Rua Cândido Benício, e outras, atravessando os bairros do Recreio, Jacarepaguá, Madureira, Irajá, etc., mas não sob a forma de via expressa. A “Marrom” ligaria o Centro a Santa Cruz, e desta nenhuma parte foi executada [...] (KLEIMAN, 2010, p.4).
Há a análise dos efeitos propiciados pelas execuções destes projetos, que
são datados na década de 1960, mas que só foram efetivados nos anos 1990, e o
conceito racional-funcionalista ainda presente na concepção urbana da cidade
“moderna”. O caráter unidimensional em relação à utilização de veículos
automotores nestas vias expressas ratifica a opção das políticas públicas de
mobilidade urbana em relação ao privilégio dado à opção automobilística. Porém
existem efeitos objetivos e claros em relação às mudanças econômicas e sociais
propiciadas pela construção destes dispositivos viários.
A Linha Amarela, em seu traçado de caráter transversal em relação às vias de
traçado longitudinal (Av. Brasil, Linha Vermelha), possibilitou o acesso rápido e, a
princípio, funcionou como corredor expresso realizando o contato das camadas mais
altas da população carioca à região da Barra da Tijuca que já surgia como
importante vetor de modernização na visão de um avanço modernizador na
ocupação urbana carioca, reflexo do ideal racional-funcionalista de uma “nova
209
cidade”, a “moderna cidade” própria aos negócios. Este acesso se daria pelos
“fundos” da região, que seria pelo contato da Avenida das Américas, cortando vários
bairros suburbanos. Havia a ideia de uma exclusividade da função da circulação
viária, através dos automóveis particulares, em relação a outros aspectos
integrativos entre os bairros e funções diversificadas da cidade. A existência de um
pedágio ao centro desta autopista urbana (novidade no mundo) reforça o caráter de
atendimento às classes sociais mais elevadas e que poderiam comprar automóveis,
além de pagar diariamente pela tarifa. Porém os efeitos causados por este enorme
dispositivo urbano alterou de maneira significativa a morfologia urbana da metrópole,
principalmente de bairros do subúrbio e da Zona Oeste, alterando as relações do
uso do solo, separando bairros anteriormente integrados, reforçando o contato entre
estas localidades através do automóvel, contato este que era realizado por inúmeras
ruas sinuosas e que podiam ser transcorridas a pé ou de bicicleta. Os movimentos
gerados pela mobilidade urbana propiciada permitiu que a Linha Amarela pudesse
ter uma maior porosidade urbana, sendo fundamental para a ligação expressa de
bairros que antes só poderiam ser alcançados pela circulação “interna” entre as
veias e artérias viárias da cidade. Inicia-se um processo de contato entre bairros
cariocas, municípios da Baixada Fluminense e a região da Barra da tijuca através da
via expressa, com a abertura de vários acessos em bairros do subúrbio
atravessados pela via expressa, além da criação de diversas linhas de ônibus que
passam a circular realizando estas conexões urbanas (KLEIMAN, 2010).
A Linha Vermelha torna-se, também, importante via de conexão urbana ao
propiciar com maior velocidade e exclusividade, neste caso em primazia pelos
automóveis, um contato direito entre os municípios da Baixada Fluminense e
núcleos importantes da metrópole, favorecendo e aproximando principalmente os
municípios de Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo a estes núcleos
importantes. Esse contato se dá pelos acessos pelo Túnel Rebouças, que faz
contato com os bairros da Zona Sul carioca; a Ponte Rio-Niterói e a ligação com
Niterói, São Gonçalo e Região dos Lagos; a Linha Amarela, realizando o contato
com bairros do subúrbio e à Barra da Tijuca. Apesar da Linha Vermelha ainda
privilegiar as classes mais elevadas e que podem ter veículos automotores, houve a
possibilidade da integração urbana por intermédio de linhas de ônibus que circulam
na via, permitindo um importante ponto de adensamento e modificação da
210
morfologia urbana, devido à alterações na metrópole fluminense através da
mobilidade proporcionada por estas duas vias expressas (KLEIMAN, 2010).
O excesso de veículos, os congestionamentos e acidentes ocorridos nos
últimos tempos nestas vias, não retiram a importância das mesmas no ritmo de vida
da metrópole. Quando há grandes acidentes e que acabam por interferir e paralisar
a circulação por estas vias, a metrópole, que circula em um sistema difuso e
assimétrico, praticamente se paralisa.
Kleiman (2011), através de um olhar histórico, reflete sobre a mobilidade
urbana fluminense a partir do ano de 1995, observando e analisando a situação
atual na oferta dos transportes urbanos, além de apontar as dificuldades e
incongruências apresentadas.
A inflexão para deslocamentos majoritários pelo modal automotivo, inclusive com a extinção do transporte por bondes e o “sucateamento” dos trens, terá como efeito, em princípio, um “espessamento” com verticalização e adensamento dos bairros onde exista infra-estrutura de habitabilidade, equipamentos coletivos, e serviços mais desenvolvidos, e a atração de camadas de baixa renda a localizarem-se no seu núcleo colados aos eixos de circulação (a favelas no centro e zona sul, norte do Rio de Janeiro) para tentarem beneficiar-se da proximidade desta infra-estrutura, equipamentos e serviços. A grande massa empobrecida que foi instalar-se na periferia da metrópole (Baixada Fluminense) terá grandes constrangimentos à mobilidade Todos estes fatores conduzem a uma geração de uma configuração onde intensifica-se o centro, criam sub-centros, os pobres estarão na periferia distante mas também presentes no núcleo. Faz-se assim um espessamento do que já estava pleno, por densificação e verticalização, e vai enchendo-se uma periferia contígua, ampliando-se a metrópole [...] (KLEIMAN, 2011, p. 3).
Ainda segundo os dados de Kleiman (2011) há um crescimento na frota
automotiva, em um período de 30 anos, que demonstra os gargalos encontrados
pela opção rodoviarista nos dias atuais.
Tabela 16 – Quantidade de carros período de anos
Automóveis particulares/ Ano
1970 2000 2010
Quantidade de 350.000 2.000.000 3.000.000
211
veículos em circulação
Fonte: Kleiman (2011), adaptado.
Além do aumento do número de automóveis particulares, Kleiman (2011)
aponta para o grande incremento no número de ônibus a partir de 1997, onde temos
um aumento de “10.000 veículos para 15.000, mais 1.200 micro-ônibus, compondo
411 linhas intermunicipais e 1.268 linhas municipais metropolitanas, e 1.005 ligando
a metrópole a municípios supra-metropolitanos (PDTU, 2003)” (KLEIMAN, 2001,
p.6).
Em relação aos transportes informais apura que “[...] A frota deste tipo de veículo
apresenta crescimento muito forte (já são 11.000 veículos na RMRJ, sendo que
destes a metade são clandestinas, e atingem 40.000 veículos no Estado do Rio [...])”
(KLEIMAN, 2011, p.8).
Analisando comparativamente a situação dos carros particulares e os
investimentos do Estado nos transportes de massa, Kleiman (2001) aponta que
apesar do incremento no aumento das viagens realizadas nos últimos anos pelos
trens urbanos da Supervia, fica evidenciada a falta de capacidade dos investimentos
realizados para a melhoria da qualidade do serviço, principalmente na diminuição
dos intervalos e quebras das composições, o que só será possível quando houver
efetivos investimentos em infraestrutura e novas composições. Algumas novas
composições foram compradas e incorporadas às linhas que servem aos
suburbanos cariocas, como já vimos anteriormente, mas as regiões que apresentam
maiores adensamentos populacionais dos últimos anos, como Belford Roxo e a linha
que atende Saracuruna/Gramacho, ainda possuem as piores condições de viagem
pelo serviço oferecido pelos trens urbanos.
Assim Kleiman (2011) chega à seguinte conclusão enquanto observação
acerca do momento atual da mobilidade urbana no contexto da metrópole
fluminense: A força de trabalho estará submetida a um prolongamento de sua jornada pelo aumento das distâncias, e nisto relaciona-se e o acréscimo no valor das tarifas para deslocar-se, o acréscimo de tempo de viagem (existem casos em que o trabalhador gasta 4 horas diárias no trajeto de ida e volta de casa ao emprego). A situação dos setores populares , sejam os da primeira coroa periférica, e ainda mais os da periferia mais distante, agravou-se com a reestruturação
212
produtiva no bojo do ideário neoliberal, onde o Estado abandonou a concepção do transporte público pela política de rentabilidade das empresas. Assim, na metrópole do Rio de Janeiro, foram privatizados os transportes por trens e concedidos os do metrô. Para o transporte por ônibus, que já eram totalmente concedidos às empresas privadas (até 1970 existia uma companhia de transportes coletiva pública) os preços, apesar de estarem sobre o controle estatal passam a ser determinadas por uma tarifação real (ou seja, sempre acima da inflação do período de um ano) calculado com base no índice de inflação mais planilhas de custos fornecidas pelas empresas, mais um percentual de lucro [...] (KLEIMAN, 2011, p. 15).
Figura 26 – Frota de veículos automotores no Brasil por tipo de veículo – 2001 e 2012
Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do Departamento Nacional de
Trânsito (DENATRAN) – (EVOLUÇÃO, 2013).
213
Figura 27 - Crescimento da frota de automóveis nas 15 principais regiões metropolitanas – 2001 a
20012.
Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do Departamento Nacional de
Trânsito - DENATRAN – (EVOLUÇÃO, 2013).
Figura 28 – Frota de automóveis – Região Metropolitana do Rio de Janeiro (2001 a 2012).
214
Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do DENATRAN – (EVOLUÇÃO,
2013).
4.3 Considerações acerca de um “tipo ideal”.
Não ensejando nos aproximar da profundidade do trabalho realizado por
Weber, através da construção de seu método e teoria por sua vasta pesquisa
histórica e erudição acadêmica, tentaremos através de observações do
conhecimento até aqui acumulado, tecer a possibilidade de uma tipologia ideal
acerca da oferta dos transportes urbanos no contexto da RMRJ, e mais do que
incitar parâmetros de observação para os transportes, tentar compreender através
desta análise, a própria construção de uma mobilidade urbana na forma dos
deslocamentos urbanos da metrópole fluminense. Esta tipologia tem inúmeras
limitações, pois não pode somar todas as imensas contribuições multidisciplinares
que continuam sendo produzidas por diferentes campos do conhecimento, e que
vêm municiar cada vez mais o campo da mobilidade urbana com dados e
informações sobre o deslocar-se nas metrópoles. A emergência do problema ou da
“crise” da mobilidade urbana apontada e encontrável em muitas regiões
metropolitanas do país, assim como o advento dos grandes eventos que estão
prestes a acontecer, a Copa do Mundo de Futebol FIFA em doze estados da
federação e as Olimpíadas de 2016 com sede na cidade do Rio de Janeiro, traz à
tona uma série de produções e informações que podem se tornar um marco
importante para uma visão mais abrangente, complexa e integrada sobre o
fenômeno da mobilidade urbana e seus rebatimentos sociológicos.
A tipologia aqui sugerida acompanhará o desenvolvimento da noção das
“formas de vida pelo transporte”, que podem nos municiar com informações que
ficam esvaziadas de reconhecimento quando se trata dos problemas técnicos ou
políticos da mobilidade urbana. “Como se viaja” pelo tecido urbano talvez seja a
informação mais relevante para poder se desenhar, a partir deste ponto, as reais
necessidades de mobilidade de um vasto contingente de pessoas que não têm “voz”
nas considerações técnicas, ou até mesmo acadêmicas, relacionadas ao ato de se
transportar pelas cidades. A(s) natureza(s) histórica, política e econômica desse
fenômeno não podem ser simplesmente ignoradas nestas percepções, porque são
partes integrantes e indissociáveis na configuração da oferta de meios de transporte
215
e nas formas dos deslocamentos urbanos. Não podemos esquecer que o Rio de
Janeiro foi a capital federal por quase dois séculos e que a centralidade política do
estado têm uma importante função para as políticas nacionais. Outro fator que deve
ser levado em consideração é o contexto regional impresso nesta análise, pois a
configuração histórica e geográfica do Rio de Janeiro não pode ser replicada em
outras regiões metropolitanas do país, mas ainda sim acreditamos que esta tipologia
possa apontar indícios interessantes e que podem se repetir em grande parte da
configuração da mobilidade urbana encontrada na maioria das metrópoles
brasileiras.
4.3.1 “Tipo ideal” da oferta de transportes urbanos na RMRJ
• A segregação sócio-espacial irá se replicar nas possibilidades de oferta de
mobilidade urbana de acordo com a associação de diferentes camadas
sociais a determinadas localidades “destinadas” a um determinado grupo
social;
• A hierarquização social histórica do país, com a clara separação racial e
econômica na esfera de direitos e acesso aos benefícios públicos, também irá
se traduzir na configuração sócio-espacial e consequentemente nas
diferentes valorizações do uso do solo e nos deslocamentos das pessoas nas
cidades. A história fluminense, fortemente pautada pela escravidão e na
tímida formação de uma camada social liberta e empobrecida, também
assistirá o território se configurar em localidades separadas entre uma elite
social e as camadas populares, após o fim da escravatura em 1888.
• Desde 1808, com a fuga da família real portuguesa à colônia, muitos avanços
na área dos transportes foram realizados pelo Império, porém esses avanços
se tornam mais evidentes após a metade do século XIX e através de
iniciativas privadas, como as realizadas pelo Barão de Mauá e empresas
estrangeiras.
• Apesar de existiram companhias e empresas públicas por quase toda a
formação e expansão urbana da metrópole do Rio de Janeiro, desde 1808, o
investimento e desenvolvimento dos meios de transportes para passageiros
foram prioritariamente associados à iniciativa privada, através de ações
216
individualizadas ou empresariais, ou à criatividade dos grupos sociais que
necessitavam de “saídas” para seus deslocamentos.
• A expansão urbana do Centro, e a ocupação da Zona Sul e região da Tijuca
no Rio de Janeiro, se deram prioritariamente pelos serviços privados de
bondes e carris. Os ônibus, também de controle privado, têm uma influência
tímida no início deste processo, mas passam a aumentar sua importância a
partir da década de 1930, até assumirem papel preponderante na mobilidade
urbana fluminense até os dias atuais.
• A ocupação do subúrbio e de áreas mais distantes do Centro da então capital
federal se realizou prioritariamente pelos trens urbanos da Central do Brasil,
que possibilitaram o adensamento de várias localidades da Baixada
Fluminense, criando núcleos, vilas e posteriormente cidades.
• As discussões do papel do Estado na política de transportes urbanos sempre
foi um tema presente nas formulações e discussões políticas sobre o controle
urbano, principalmente após 1930. Mas de fato toda proposta mais
aprofundada de uma tomada de decisões mais efetivas na oferta dos
transportes urbanos pelo Estado, foi suprimida por interesses privados e pela
afirmação de que a iniciativa privada poderia oferecer melhor os serviços,
porém com o devido “controle” estatal.
• A partir de 1955 o país elege a indústria automobilística como principal motor
na proposta do desenvolvimentismo econômico e social a partir de então. O
viés rodoviarista vai se intensificar a partir deste momento e irá se intensificar
mais fortemente a partir dos governos militares e que têm início a partir de
1964. O Rio de Janeiro irá se fundir e se tornará um só estado, unindo Estado
do Rio de Janeiro e Estado da Guanabara (antiga capital federal), entrando
em uma espécie de ostracismo político e econômico, e que perdurará até
início dos anos 2000.
• O serviço de trens urbanos, que era gerenciado por uma empresa pública, a
Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), irá gradativamente se
deteriorar entre os anos 1960 e 1970, tendo posteriormente investimentos em
sua modernização ao final dos anos 1970 e início de 1980, e tendo o auge no
número de usuários transportados durante os anos 1980. Em 1996 os trens
217
urbanos são municipalizados pela agência da Companhia Estadual de Trens
Urbanos (Flumitrens) e posteriormente privatizados à Supervia, em 1998.
• O modelo rodoviarista fluminense de mobilidade urbana pelo transporte por
ônibus se consagrará após o fim da Segunda Guerra mundial, com a disputa
de “posições” entre diferentes empresários e empresas de ônibus. Irá se
configurar, a partir deste momento, grandes empresas familiares que
formarão oligopólios no controle dos ônibus no Estado do Rio de Janeiro.
Estes oligopólios permanecem até os dias atuais. A última iniciativa de um
controle público dos serviços foi o encampamento de várias empresas
privadas pelo Estado e que se deu no governo de Leonel Brizola em 1985.
Está tentativa de “retomada” da hegemonia dos serviços de mobilidade
fracassou logo depois por descontinuidades políticas, pressões econômicas e
sabotagens técnicas. De 1962 a 1996 existiu a Companhia de Transportes
Coletivos (CTC), mas que não resistiu à falta de investimentos estatais e à
primazia dada à concorrência privada.
• A partir de meados dos anos 1990 a administração pública nas esferas
estadual e municipal decide que todos os serviços de transportes urbanos
devem ser privatizados, e são. Havendo pouquíssimas ocorrências onde as
ofertas de mobilidade são gerenciadas pelo poder público.
• A segregação sócio-espacial irá se reproduzir e se traduzir em todos os
serviços de transportes urbanos na RMRJ. O serviço dos trens urbanos
fluminense vive um processo de sucateamento e péssimos serviços prestados
nos últimos anos, pois atende grande parte da população que reside na Zona
Oeste do município do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e subúrbio
carioca. Dentro deste modal há uma diferenciação na oferta de qualidade
claramente apontada pelos usuários e percebida experiencialmente. O ramal
Central x Deodoro, que é “parador”, pois faz parada em todas as estações da
linha, oferece as melhores composições e os horários mais regulares. Os
ramais de Belford Roxo e “Gramacho” são os que possuem as piores
composições e os intervalos mais imprevisíveis. As composições destes
ramais são conhecidas popularmente como “trens fantasmas”.
• O serviço de ônibus oferece condições variadas de acordo com a localidade
que atende. Invariavelmente os ônibus que servem o Centro e a Zona Sul do
Rio de Janeiro são mais novos, possuem ar condicionado e circulam com
218
uma frequência maior, apesar de também conviverem com a superlotação e
problemas com a violência urbana. Os ônibus que atendem os subúrbios, a
Zona Oeste e a Baixada Fluminense são invariavelmente mais velhos,
possuem graves problemas com a temperatura devido aos aparelhos de ar-
condicionado quebrados ou em mau funcionamento, superlotação e graves
problemas de violência. A população da Baixada Fluminense convive ainda
com uma grande diferença tarifária, pois suas linhas são intermunicipais e
pagam tributos aos municípios que cruzam, mesmo que percorram distâncias
menores do que os ônibus que atendem ao município do Rio de Janeiro e
praticam tarifa única. As relações entre usuários e profissionais rodoviários
também é uma relação tensa, pois as condições de trabalho a que são
submetidos motoristas e cobradores os expõe a longas jornadas de trabalho,
exaustão física e psicológica, pressão mercadológica em relação a horários e
número de passagens, assédio moral e contato cotidiano com a violência
urbana. O grande número de acidentes que têm acontecido, em grande parte,
é devido a problemas na relação passageiro x motorista, e há casos de
assassinatos recentes de motoristas de ônibus.
• As barcas apresentam graves problemas na oferta de seus serviços, com
embarcações envelhecidas e horários não cumpridos, ainda passando
recentemente pela polêmica de um grande aumento tarifário e a proibição,
através de decisão judicial, de que clientes protestassem contra a empresa
concessionária. As barcas atendem grande parte da população que se
desloca de Niterói e São Gonçalo ao Centro do Rio de Janeiro, e que não
possuem automóveis para poder cruzar e pagar o pedágio da Ponte Rio-
Niterói.
• O serviço do metrô no Rio de Janeiro é reconhecidamente de melhor
qualidade em relação aos outros modais, mas demonstra também sua
limitação e hierarquização. Primeiramente por ser uma concessão estadual,
mas só atender os limites do município do Rio de Janeiro, e, demostrar os
interesses concentracionistas da política de mobilidade urbana do Estado.
Outro fator é a diferença apontada por usuários, e pela experiência
vivenciada, dos serviços oferecidos entre a Linha 1 (que atende
prioritariamente a Zona Sul e o Centro do Rio) e a Linha 2 (que atende
prioritariamente bairros do subúrbio carioca), indicando que a hierarquização
219
social e espacial acaba por ser sentida e percebida nos serviços oferecidos,
por mais que as tarifas pagas sejam as mesmas.
• Os transportes informais (vans, kombis e mototáxis) surgem como uma
“invenção de mercado” devido aos processos de flexibilização das forças
produtivas, da perda de estabilidade do trabalho formal, das inovações
tecnológicas da indústria automobilística e das necessidades de
deslocamento pelas camadas médias que irão se formar em núcleos urbanos
afastados e que demandam melhores serviços de transportes. Esse
“movimento” tem início a partir de meados da década de 1990. Os serviços do
transporte alternativo também vão apresentar uma certa hierarquia, onde as
vans (existem vans de “luxo” e as vans comuns) realizarão os trajetos mais
longos, às vezes com ar condicionado e cobrando tarifas mais altas,
atendendo camadas mais elevadas dos núcleos peri-urbanos. As kombis
quase sempre fazem o transporte entre bairros e os núcleos urbanos, não
realizando viagens mais longas (isto não é uma rega) ou intermunicipais,
cobram as mesmas tarifas dos ônibus intra-municipais ou com um valor um
pouco menor. Os mototáxis servem como alternativa para se chegar
velozmente a um ponto específico e como contato entre comunidades e
localidades onde os outros modais efetivamente não chegam, devido à
existência de vielas e ruas inacessíveis. Costumam cobrar tarifas menores
que vans e kombis. Os transportes informais carregam para os serviços
oferecidos à população os problemas relacionados à ilegalidade de grande
parte de sua frota, e as disputas políticas em busca de sua efetiva
regulamentação. Também a uma forte associação com milícias e traficantes
que controlam algumas cooperativas, gerando o que é popularmente
conhecida como “máfia das vans”, mas que não se traduz por todo serviço
prestado. A falta de controle e regulamentação deste “novo” modal também
se evidencia por um aumento do número de acidentes e a da gravidade dos
mesmos, assim como o assassinato de motoristas, cobradores e
cooperativados dos transportes informais.
220
4.4 Análise de dados sobre as percepções da mobilidade urbana
4.4.1 Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU)132
De acordo com a proposta do uso de dados e informações que pudessem
revelar as percepções coletivas sobre a mobilidade urbana, o IBEU é um
interessante instrumento para nosso trabalho, pois atinge uma amplitude de
pesquisa a uma quantidade de pessoas com significância estatística, além de trazer
como novidade de análise a aferição sobre as percepções acerca da mobilidade
urbana em diversas regiões metropolitanas no país.
O IBEU procura avaliar a dimensão urbana do bem-estar usufruído pelos cidadãos brasileiros promovido pelo mercado, via o consumo mercantil, e pelos serviços sociais prestados pelo Estado. Tal dimensão está relacionada com as condições coletivas de vida promovidas pelo ambiente construído da cidade, nas escalas da habitação e da sua vizinhança próxima, e pelos equipamentos e serviços urbanos. O IBEU foi calculado para os 15 grandes aglomerados urbanos que identificamos em outros estudos133 como as metrópoles brasileiras, por exercerem funções de direção, comando e coordenação dos fluxos econômicos. Para atingir o objetivo proposto, o IBEU foi concebido em dois tipos: Global e Local. O IBEU Global é calculado para o conjunto das 15 metrópoles do país, o que permite comparar as condições de vida urbana em três escalas: entre as metrópoles, os municípios metropolitanos e entre bairros134 que integram o conjunto das metrópoles. O IBEU Local é calculado especificamente para cada metrópole, permitindo avaliar as condições de vida urbana interna a cada uma delas (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p.7).
Uma das dimensões pesquisadas pelo IBEU é justamente a mobilidade
urbana e sua inserção sobre diversas metrópoles brasileiras, em nosso caso 132 RIBEIRO, Luiz César de Queiroz; RIBEIRO, Marcelo Gomes (Org.). IBEU – Índice de Bem‐Estar Urbano. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles, Letra Capital, 2013. 133 Nota 1 dos autores: “OBSERVATÓRIO das Metrópoles. Análise das Regiões Metropolitanas do Brasil. Relatório da Atividade 1: identificação dos espaços metropolitanos e construção de tipologias. Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles, 2005” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 7). 134 Nota 2 dos autores: “A designação de bairro corresponde, neste estudo, ao que é denominado, pelo IBGE, de área de ponderação. A área de ponderação se constitui de um conjunto de setores censitários – a menor unidade territorial de coleta de dados durante a realização do censo demográfico – e se caracteriza por apresentar relativa homogeneidade demográfica e social; sempre que possível continuidade espacial; e, contiguidade municipal, ou seja, não ultrapassa o limite administrativo do município. Por este motivo, a utilização da área de ponderação como correspondente à ideia de bairro se aproxima da concepção sociológica que o bairro representa como espaço social” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 7).
221
específico temos interesse sobre as informações da metrópole fluminense. A
construção deste índice é uma inflexão importante para as observações acerca das
“formas de vida pelo transporte” que pretendemos discutir neste trabalho e em
trabalhos futuros.
Nas discussões sobre o que considerar como efetivamente um índice de
“bem-estar” como delimitação de objeto de observação, a proposta conceitual do
trabalho se afasta da percepção utilitarista de base da teoria econômica e aponta
sua associação à construção proposta por Harvey com a obra “A justiça social e a
cidade” (1980) e seu conceito de “renda real”, onde “concebida como renda
monetária propriamente dita e renda não monetária, aquela que não depende da
capacidade dos indivíduos [...] a parcela não monetária possibilita mudanças na
renda dos indivíduos em decorrência das mudanças que ocorrem seja na forma
espacial da cidade, sejam nas que se dão nos processos sociais” (RIBEIRO;
RIBEIRO, 2013, p.10). Além desta aproximação ao conceito de Harvey, ressaltam as
colocações de Bourdieu (1997) quando o mesmo refere-se “na medida em que ao
perceber a distribuição desigual dos recursos coletivos urbanos na cidade
compreendemos esse fenômeno decorrente dos processos sociais e espaciais que
implicam possessão e des-possessão dos indivíduos ou grupos sociais no território”
(RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p. 11).
A metodologia utilizada pelo IBEU na dimensão da mobilidade urbana (D1)
utilizou como único indicador a relação do deslocamento “casa-trabalho”135
verificado pelas informações demográficas utilizados. Outros índices não foram
utilizados por não constarem de maneira consistente nas informações demográficas
estudadas.
Em relação ao IBEU Global da Mobilidade Urbana, que pode variar entre 0 e
1, podemos verificar que há uma média de todas as regiões metropolitanas
observadas e a comparação do índice por cada região em separado. O Rio de
Janeiro ocupa a pior avalição em relação a todas as outras regiões analisadas como
podemos ver a seguir. 135“Deslocamento casa‐trabalho ‐ O indicador de deslocamento casa‐trabalho é construído a partir do tempo de deslocamento que as pessoas ocupadas que trabalham fora do domicílio, e retornam diariamente para casa, utilizam no trajeto de ida entre o domicílio de residência e o local de trabalho. É considerado como tempo de deslocamento adequado quando as pessoas gastam até 1 hora por dia no trajeto casa‐trabalho. Assim, utiliza‐se proporção de pessoas ocupadas que trabalham fora do domicílio e retornam para casa diariamente que gastam até 1 hora no trajeto casa‐trabalho” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2013, p.19).
222
Figura 29 – Mobilidade Urbana (D1) segundo as regiões metropolitanas – 2010.
Fonte: Rodrigues (2013, p.42) in Ribeiro e Ribeiro (2013).136
Esta observação inicial só demonstrar a percepção agregada das regiões
metropolitanas sem levar em consideração as grandes disparidades territoriais entre
os municípios que as integram. No caso do Rio de Janeiro cerca de 60% dos
municípios observados apresentam índices menores do 0,5 (o que indica uma
percepção inferior à média do IBEU), “[...] dos dez municípios com os piores
resultados do IBEU-Mobilidade, sete estão nas duas maiores regiões
metropolitanas. São eles: Fracisco Morato-SP, Japeri-RJ, Ferraz de Vasconcelos-
SP, Queimados-RJ, Belford Roxo-RJ137, Itapecirica da Serra-SP e Franco da
Rocha-SP” (RODRIGUES, 2013, p. 43 in RIBEIRO; RIBEIRO, 2013). É interessante
notar que entre os municípios com os piores índices de mobilidade urbana, em todas
as regiões metropolitanas estudadas no contexto nacional, três deles são da RMRJ,
sendo que todos integrantes da Baixada Fluminense.
Em relação ao questionamento sobre os baixíssimos índices de bem estar
encontrados em grande parte nos municípios das regiões metropolitanas de São
Paulo e Rio de Janeiro, Rodrigues (2013) irá concluir que:
136 Fonte citada: “Censo Demográfico – IBGE, 2010. Elaborado pelo Observatório das Metrópoles” Rodrigues (2013, p.42) in Ribeiro e Ribeiro (2013). 137 Grifo nosso.
223
No entanto, temos uma série de outros motivos que nos permitiram afirmar que a situação é, por outro lado, resultado de uma desestruturação do sistema de mobilidade, cujo padrão de deslocamento está cada vez mais baseado no transporte individual. Este distanciamento no resultado do IBEU-Mobilidade pode estar afirmando mais uma vez que metrópoles do porte de São Paulo e Rio de Janeiro não suportam mais deslocamentos baseados predominantemente no automóvel (RODIGUES, 2013, ps. 45, 46 in RIBEIRO; RIBEIRO, 2013).
Oliveira e Nery (2013)138 irão analisar os dados do IBEU Local referentes às
informações da RMRJ. Os bairros que possuem os maiores índices de bem-estar
estão situados na Zona Sul do Rio de Janeiro. Entre eles estão Copacabana (0,982),
Laranjeiras (0, 973), Flamengo (0,968), Humaitá (0,963), Leme (0,953) e Ipanema
(0,948). Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e algumas localidades de
Jacarepaguá foram os únicos bairros da Zona Oeste a constar nos índices mais
altos do IBEU Local. O município de Nilópolis aparece como o único com índice
elevado dentro dos municípios que compõem a Baixada Fluminense. O pior índice é
encontrado no município de Japeri (0,258), seguido pela Comunidade Rio das
Pedras (0,366), em Jacarepaguá (Rio de Janeiro), além dos municípios de
Queimados (0,405), Belford Roxo (0,439), Itaboraí (0,447) e Maricá (0, 472)
(OLIVEIRA; NERY, 2013, ps. 2, 3).
Em relação à dimensão mobilidade urbana (D1) observam que esta dimensão
foi a que obtive o pior resultado dentre todas as outras dimensões avaliadas139.
Observa-se o número de 71% em relação a todas as áreas de ponderação (bairros)
estudadas e que apresentaram resultados ruins ou muito ruins em relação à
mobilidade urbana.
138OLIVEIRA, Raquel de Lucena; NERY, João Luis. IBEU Local da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Observatório das Metrópoles, 2013. Disponível em: http://www.observatoriodasmetropoles.net/images/abook_file/ibeu_riodejaneiro.pdf. Acesso em Jan. 2014. 139 Mobilidade Urbana (D1), Condições Ambientais Urbanas (D2), Condições Habitacionais Urbanas (D3), Condições de Serviços Coletivos Urbanos (D4) e Infraestruturas Urbanas (D5).
224
Figura 30 – Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU – Local) – RMRJ – 2010.
Fonte: Oliveira e Nery (2013, p.3).
Figura 31 – Mobilidade Urbana (D1) - RMRJ – 2010.
Fonte: Oliveira e Nery (2013, p.4).
Em relação ao IBEU Local de Mobilidade Urbana (D1) temos bairros de
Copacabana (0,983); Humaitá (0,9783) e Rio Comprido (0,9782), todos situados na
225
cidade do Rio de Janeiro, os melhores índices. Os piores índices de Mobilidade
Urbana foram encontrados nos municípios de Japeri (com índices que variavam de
0,001 a 0,063) e Queimados (com índices que variavam de 0,069 a 0,129). Em
áreas localizadas no Rio de Janeiro, os piores índices encontrados foram em Pedra
de Guaratiba e Barra de Guaratiba (0,138), ambos localizados na Zona Oeste do
município (OLIVEIRA; NERY, 2013, p. 4).
4.4.2 Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Iremos nos utilizar de dados coletados e analisados por pesquisadores do
IPEA realizados pelos respectivos trabalhos: o Sistema de Indicadores de
Percepção Social do IPEA (SIPS)140, de 2011, e o trabalho de Pereira e Schwanen
(2013). Estes dados e observações irão corroborar com a indicação de grande
quadro de piora, ou até mesmo crise, em que se encontra a mobilidade urbana em
algumas regiões metropolitanas brasileiras. O trabalho de Pereira e Schwanen
(2013) irá utilizar como fonte de análise a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar
(PNAD) do IBGE. O SIPS é uma pesquisa domiciliar que tem por “[...] finalidade de
conhecer as percepções sobre serviços de utilidade pública oferecidos ou postos à
disposição pelo Estado em diversas áreas, como justiça, segurança pública,
educação, saúde e cultura, entre ouras” (SIPS, 2011, p. 3). Ambos os trabalhos
buscam compreender a situação da mobilidade urbana nos períodos de tempo
determinados por seus respectivos recortes.
Através da análise realizada pelo SIPS (2011) pode-se verificar a seguinte
configuração dos transportes nos Brasil de acordo com os modais, as grandes
regiões e a população, além de outras relações pautadas pela incidência dos
transportes urbanos na vida urbana. As figuras abaixo são algumas das informações
obtidas e analisadas pelo trabalho citado, e podem nos dar um panorama contextual
dentro de uma perspectiva nacional e regional sobre a situação dos transportes
urbanos no país.
140SISTEMA DE INDICADORES PERCEPÇÃO SOCIAL ‐ MOBILIDADE URBANA. IPEA. Rio de Janeiro, Jan., 2011.
226
Tabela 17 – Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %)
Fonte: SIPS (2011, p. 6).
227
Figura 32 – Distribuição dos meios de transporte: Brasil e Grandes Regiões (em %)
Fonte: SIPS (2011, p. 20).
228
Figura 33 – Qualidade do transporte público em sua cidade: Brasil e Grandes Regiões (em %).
Fonte: SIPS (2011, p. 30).
Figura 34 – Qualidade do transporte público em sua cidade, por nível de escolaridade (em %).
Fonte: SIPS (2011, p.31).
O trabalho de Pereira e Schwanen (2013) irá se basear nos dados fornecidos
pela PNAD e incidirão sobre as causalidades e efeitos encontrados em relação à
229
oferta dos transportes urbanos, e sua relação com a qualidade de vida das
populações que vivem em grandes regiões metropolitanas do país. Em relação ao
Rio de Janeiro conseguem verificar uma oscilação na média do tempo gasto para a
realização dos deslocamentos urbanos no período entre 1992 e 2009.
O Rio de Janeiro, por exemplo, apresenta uma trajetória um tanto peculiar [...] A proporção de longos deslocamentos, que teve um ápice de 24% em 1996- 1997, caiu para cerca de 18% em 2003-2004 e depois subiu de volta para 23% no final da década. Esta melhora, a partir do final dos anos 1990, está provavelmente relacionada à inauguração, em um curto período de tempo, de diversas obras de infraestrutura na RM do Rio de Janeiro, incluindo a Linha Amarela, em 1997, e nove estações de metrô, entre 1996 e 1998141 (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, p. 16).
Os autores observam através da comparação dos dados no intervalo entre
1992 e 2009 um acréscimo bastante significativo no que se refere ao tempo gasto
para os deslocamentos urbanos, principalmente nas regiões metropolitanas de São
Paulo e do Rio de Janeiro, porém trazem informações interessantes ao afirmar que o
“Rio de Janeiro é a única região metropolitana onde houve uma efetiva melhora nos
tempos de viagem da população mais pobre entre 1992 e 2009, apesar da piora
observada entre as classes mais altas” (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, p. 26).
Talvez esta indicação esteja relacionada ao aumento no número de viagens
realizadas pelos trens urbanos em meados dos anos 2000 (e em queda neste
momento), o aumento dos deslocamentos propiciados pelos transportes informais e
o aumento dos congestionamentos em autoestradas, e que concentram os
deslocamentos de grande parte da população de mais alta renda e que possui
automóveis. Porém a afirmação mais interessante dos autores, neste trabalho
recente, seja a percepção e apontamento para um necessário avanço teórico-
metodológico no que diz respeito às análises sobre mobilidade urbana e que se
aproxima bastante dos questionamentos e a proposta desta tese.
141 Nota 4 dos autores: “Duas estações inauguradas em 1996 (Thomaz Coelho e Vicente de Carvalho), sete estações em 1998 (Cardeal Arco Verde, Irajá, Colégio, Coelho Neto, Engenheiro Rubens Paiva, Acari/Fazenda Botafogo e Pavuna) e mais uma estação inaugurada em 2002 (Siqueira Campos). As duas últimas estações foram inauguradas em 2007 e 2009 (Cantagalo e Ipanema/General Osório). Além disso, a administração do sistema de trens metropolitanos foi delegada para uma companhia privada em 1998. Os possíveis efeitos desta concessão sobre o tempo de deslocamento das pessoas, contudo, não são claros” (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, p. 16).
230
[...] as consideráveis diferenças encontradas entre as maiores áreas metropolitanas do Brasil indicam que as diferenças sociais assumem relações complexas no tempo e no espaço, e que estas questões precisam ser consideradas conjuntamente em estudos sobre transporte urbano – particularmente sobre os padrões de viagem casa-trabalho. Assim, futuras pesquisas deveriam ir além de análises mais gerais sobre a relação entre renda de tempo de viagem, ou sobre o transporte urbano no Brasil como um todo, e se beneficiariam muito se fossem concentradas nas desigualdades internas do país. Em termos teóricos, metodológicos e empíricos, o estudo aprofundado de casos particulares, ao invés do fenômeno mais geral, pode ser muito útil na medida em que ele possibilita entender como o aumento das taxas de motorização e da expansão urbana contribui de maneiras distintas para moldar o padrão de mobilidade urbana de diferentes classes sociais em diferentes cidades (PEREIRA; SCHWANEN, 2013, ps. 26, 27).
4.4.3 Algumas considerações
As obras acima apresentadas são fundamentais para o enriquecimento de
nosso trabalho, pois além dos muitos trabalhos que produzem informações através
de dados “materiais” sobre a mobilidade urbana, e que são obtidos pelas
informações técnicas relacionadas ao número de viagens realizadas, à arrecadação
tarifária, ao custo operacional dos modais, às motivações das viagens, aos impostos
arrecadados, entre outras informações que podem ser “objetivamente” verificáveis,
os trabalhos acima discutidos buscam um referencial baseado nas “percepções”
coletivas acerca da oferta dos transportes urbanos nas metrópoles, e
consequentemente da mobilidade urbana.
Parece ser este um momento propício em que o questionamento sobre a
mobilidade urbana transite entre a necessidade da obtenção técnica e materializada
sobre os deslocamentos urbanos (e essas informações são realmente fundamentais)
e a observação de que é necessário “perceber” e “conhecer” sobre o que a
população “diz” e “relata” a respeito sobre as formas como se deslocam. Esta junção
é realmente desafiadora, pois qualquer tentativa de aferição direta com um
contingente populacional em base estatística trará grandes problemas
metodológicos e dificuldades de se poder realmente se aprofundar no que se quer
realmente saber.
Os trabalhos citados, cada um com suas respectivas características, realizam
de maneira extremamente satisfatória a difícil tarefa a que se propõem. As
conclusões mais importantes relatadas por estes trabalhos concentram-se na
231
observação de que a mobilidade urbana, no contexto das grandes metrópoles
brasileiras, perpassou praticamente nos últimos vinte anos por uma série de
modificações que afetaram diretamente a qualidade de vida da população que vive e
trabalha nestes grandes aglomerados urbanos. A falta de investimentos estruturais
no alargamento da oferta dos transportes de massa; assim como o aumento do
adensamento populacional em áreas periféricas, aumentando assim a concentração
das manchas urbanas; o aumento verificado, de forma quase unânime, de mais de
60% da frota de veículos no país (como média nacional. Em algumas regiões
metropolitanas o aumento é maior, em outras, é menor) fez com que o
estrangulamento da opção rodoviarista, conjuntamente com a ineficiência dos
transportes de massa sobre trilhos (trens e metrô), levasse o país a um estado de
“crise da mobilidade urbana”.
O importante é notar que em todos os apontamentos realizados, a opção
rodoviarista parece ter se esgotado nas possibilidades de efetivação da mobilidade
urbana contemporânea, e tendo como resultado congestionamentos cada vez
maiores e, inclusive, com possibilidades de paralisa dos processos produtivos pela
incapacidade dos deslocamentos urbanos, segundo alguns especialistas. A questão
da qualidade de vida também surge como importante informação, pois tem sido
verificado o aumento no número de acidentes, graves e fatais, e, principalmente, o
aumento de acidentes com motociclistas, ciclistas e pedestres, demonstrando como
a intensificação e piora das condições do trânsito tem relação direta com uma psique
coletivizada de motoristas, passageiros e pedestres que vivem nas grandes cidades.
Apesar de tentativas criativas serem apresentadas nos últimos tempos, como o
incentivo do deslocamento a pé e de bicicleta, incluindo nesta questão a melhoria
dos índices de poluição e do consumo de energia, medidas efetivas para a
implantação destas alternativas são extremamente tímidas no que se refere a ações
estatais nas grandes metrópoles. No Rio de Janeiro as ciclovias só atendem a
população da Zona Sul, não alcançando corredores que cheguem ao centro
financeiro da cidade. Em São Paulo ciclistas morrem atropelados por ônibus e carros
ao tentarem trafegar na Avenida Paulista.
A cidade do Rio de Janeiro vive atualmente uma política de drástica redução
e desestímulo para a circulação de automóveis na região do Centro da cidade. Com
232
a derrubada da Perimetral142 e com a “revitalização”143 do Cais do Porto, mais de
duas mil vagas públicas de estacionamento foram suprimidas da região central,
assim como o desvio, mudança de sentido e fechamento de ruas e avenidas indicam
a forte influência da Gerência de Mobilidade144 de inspiração europeia. Mais uma
vez Paris parece servir como um modelo interessante para a utilização de
parâmetros de políticas públicas na cidade do Rio de Janeiro.
Os trabalhos que possuem a preocupação com as percepções dos usuários
em relação à mobilidade urbana, e que já são cada vez mais produzidos através de
pesquisas e estudos que se preocupam com este enfoque, ainda parecem traduzir a
ideia coletivizada de vilania dos automóveis como grandes produtores da
imobilidade urbana. Porém parecem não se aprofundar de maneira mais abrangente
às escolhas políticas estatais em relação às políticas públicas de mobilidade, à
segregação sócio-espacial e às “formas de vida pelo transporte”, que seriam
efetivamente as maneiras pelas quais os grupos sociais indicariam como estão se
deslocando, quais sociabilidades foram e são construídas e quais são suas reais
necessidades.
A “demonização do carro” não reduzirá sua importância e ao invés de se
tentar “diminuir” sua influência, soluções efetivas parecem não estar sendo
construídas e propostas para o fenômeno. Rodízio no uso de placas, restrição de
horários e diminuição de faixas de rolamento parecem ser medidas paliativas e que
forçarão os donos de carros a procurarem outras alternativas para a utilização de um
bem pelo qual compraram, pagam impostos145 e possuem o direito de usufruir.
Ações paliativas não resolverão o estrangulamento dos congestionamentos
enquanto a economia nacional for fortemente influenciada pela indústria
automobilística, que é uma grande geradora de empregos formais e informais, e
parâmetro de vigor econômico nacional. Algo que chama a atenção é que grande
parte da frota de veículos de passeio teve seu aumento atrelado à possibilidade de
compra realizada por camadas mais populares e que puderam comprar e financiar 142 A Perimetral era uma via suspensa construída na década de 1970 e que fazia a ligação Ponte Rio‐Niterói e Avenida Brasil ao Aterro do Flamengo e Centro, margeando a estrutura portuária do Centro e Centro antigo da cidade e com algumas saídas para ruas dessa região. Criada como autopista expressa para automóveis e que, segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, terá seu fluxo substituído pela Via Binário e um Mergulhão na mesma região e que ainda estão em fase de construção. 143 Para alguns, gentrificação. 144 Ver nota 78. 145 Reconhecidamente o Brasil é um dos países onde os automóveis possuem os preços e impostos mais elevados no mundo.
233
seus veículos antigos por novos. Ter um carro no Brasil, como já foi dito
anteriormente, sempre foi um status de mobilidade social. Obviamente que quanto
mais caro e luxuoso o carro, maior será a percepção de riqueza e pertencimento às
classes mais elevadas. O grande desestímulo ao uso de veículos particulares
parece focar-se nos problemas da mobilidade urbana, mas também no momento em
que cada vez mais pessoas podem comprar esses veículos. Não vemos nenhuma
notícia ou campanha que sugira que as classes mais elevadas vendam seus
veículos particulares e passem utilizar exclusivamente os transportes coletivos. Nas
campanhas realizadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro para que a população deixe
seus respectivos carros em casa e utilizem os transportes “públicos”, parece não
estar incluída na mensagem a indicação de que grande parte da população que
trabalha no Centro e reside nas Zonas Sul e Norte, possuem o metrô para poderem
se transportar, enquanto um enorme contingente da população precisa realizar
integrações entre modais que oferecem cada vez mais péssimos serviços em
relação ao tempo de deslocamento gasto e a qualidade dos serviços pagos, os
últimos problemas técnicos com os trens da Supervia são a prova efetiva da penúria
dos transportes urbanos na RMRJ.
Algumas possibilidades de melhoria do trânsito poderia se passar por uma
série de mudanças e que necessitariam da integração de esforços do poder público,
das forças produtivas e da sociedade em geral. A flexibilização dos horários de
entrada e saída dos postos de trabalho, onde diferentes faixas poderiam ser
contempladas. Atualmente os picos de rush da entrada e saída do trabalho parecem
ter se alargado, aumentando as faixas entre as chegadas e saídas dos
trabalhadores. Ainda sim esses horários ainda se apresentam em recortes de
horários tradicionais. Outro ponto seria a possibilidade de integração entre carros e
outros modais, onde poderia se explorar estacionamentos, públicos e privados, para
que carros fossem deixados em determinados pontos e os usuários pudessem se
utilizar de outros modais. Esta opção seria bastante válida em relação aos
municípios da Baixada Fluminense, São Gonçalo e Niterói e bairros da Zona Oeste
do Rio de Janeiro. Outra medida seria a efetiva restrição da circulação de caminhões
de carga nas vias de rolamento para carros de passeio e a construção de vias
exclusivas para ônibus e seus respectivos pontos, já que grande parte dos
congestionamentos acontece devido às filas formadas nas paradas dos mesmos. Os
BRT’s trazem essa proposta em sua própria concepção, mas que no Rio de Janeiro
234
não consegue se efetivar devido aos inúmeros cruzamentos e sinais de trânsito
existentes, além da ineficiência no número de veículos disponíveis, o que retira a
natureza “expressa” deste tipo de modal. A construção de novos dispositivos
urbanos de rodagem e vias expressas, porque a tendência é que o número de
veículos, efetivamente, não vá diminuir. Por fim a primazia dos investimentos
públicos para a ampliação da oferta e qualidade dos transportes em massa, o que
não parece ser o caso atual, onde a “demonização do carro” parece concentrar
melhor os discursos dos males da mobilidade urbana vivida pelas metrópoles
brasileiras, o que de fato não é mentira, mas também não se pode afirmar como
uma verdade absoluta.
235
4.5 Análise de dados sobre pesquisa Origem/Destino das viagens na RMRJ
4.5.1 Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU) – 2011146
Iremos utilizar os dados da Atualização do Plano Diretor de Transporte
Urbano da RMRJ (2013), realizada pela Secretaria de Transportes do Estado do Rio
de Janeiro, como base de descrição das informações mais recentes sobre os
deslocamentos urbanos realizados na RMRJ. Na observação destes dados
podemos verificar as condições objetivadas da população metropolitana do Rio de
Janeiro em relação às viagens realizadas e a oferta de transportes. O PDTU-2011
concentra-se em variados aspectos da mobilidade urbana, tendo como principal
importância para nosso trabalho a pesquisa domiciliar realizada (Relatório 4). O presente relatório apresenta alguns dos resultados obtidos com a pesquisa domiciliar de origem e destino realizada na RMRJ durante o ano de 2012. São relacionados os principais indicadores de desempenho do sistema de transportes da área pesquisada. Alguns conceitos desse relatório são apresentados a seguir: a) Transporte coletivo: ônibus municipal, ônibus intermunicipal, ônibus executivo, ônibus pirata, transporte escolar, transporte fretado, van, trem, metrô, barcas; b) Transporte individual: dirigindo automóvel, passageiro de automóvel, táxi, moto-táxi, motocicleta e outros; c) Modo motorizado: soma das viagens por modo coletivo e individual; d) Modo não-motorizado: soma das viagens a pé e por bicicleta (PDTU-2011, 2013, p.2).
Em relação às viagens diárias, em milhares, realizadas na RMRJ temos:
146 PDTU – 2011. ATUALIZAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE TRANSPORTE URBANO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, Secretaria de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, 2013.
236
Tabela 18 – Viagens diárias na RMRJ.
Fonte: PDTU-2011 (2013, .p.2)
Figura 35 – Viagens diárias em milhares
Fonte: PDTU-2011 (2013, p. 3)
Municípios da RMRJ
Viagens Viagens diárias milhares em
Milhares
%
Mesquita 197 0,9 Nilópolis 282 1,2 Niterói 1.254 5,6 Nova Iguaçu 1.437 6,4 Paracambi 86 0,4 Queimados 230 1,0 Rio de Janeiro 13.853 61,3 São Gonçalo 1.012 4,5 São João de Meriti 837 3,7 Seropédica 126 0,6 Tanguá 36 0,2 Fora RMRJ 27 0,1
TOTAL GERAL 22.595 100
237
Com relação aos modais utilizados podemos verificar os seguintes usos
decupados nas figuras abaixo:
Figura 36 – Viagens realizadas por modo na RMRJ.
Fonte: PDTU-2011 (2013, p. 7).
Tabela 19 – Viagens por modo na RMRJ.
Fonte: PDTU-2011 (2013, p.6).
Modos de transporte Viagens diárias, em Milhares
%
A pé 6.634 29,4 Barcas 105 0,5
Bicicleta/Ciclomotor 546 2,4 Condutor de auto 2.540 11,2
Metrô 665 2,9 Motocicleta 170 0,8 Moto-táxi 39 0,2
Ônibus executivo 70 0,3 Ônibus Intermunicipal 1.781 7,9
Ônibus municipal 6.671 29,5 Ônibus pirata 16 0,1
Outros 169 0,7 Passageiro de auto 1.225 5,4
Táxi 256 1,1 Transp. Escolar 428 1,9 Transp. Fretado 55 0,2
Trem 568 2,5 Van 658 2,9
TOTAL GERAL 22.595 100,0
238
O percentual verificado entre as viagens motorizadas e não-motorizadas
encontra-se 31,80% para as não-motorizadas e 68,20% para as motorizadas. No
universo das viagens motorizadas temos 28, 53% das viagens realizadas por
transporte individual e 71,47% por transporte coletivo. O transporte individual é o menos utilizado de uma forma geral entre os municípios da RMRJ. Transporte coletivo e não-motorizados apresentam prcentuais significativos, na ordem de 55 em alguns municípios.Maricá é o município que mais utiliza o transporte individual, com 35, 3. No município de Tanguá, a maioria das viagens são realizadas em modos não-mototrizados 55,6, que é o maior percentual observado na RMRJ. O município que mais utiliza o transporte coletivo é Itaboraí, com 56,1 (PDTU-2011, 2013, p. 10).
Figura 37 - Viagens por motivo trabalho por modo de transporte.
Fonte: PDTU-2011 (2013, p.14).
Figura 38 – Viagens por motivo trabalho por modo de transporte (2).
Fonte: PDTU-2011 (2013, p.14).
239
O maior tempo de viagem gasto e calculado foi em relação aos ônibus
executivos, seguido pelos ônibus intermunicipais. O primeiro gastando 1 hora e meia
de viagem, o segundo modal gasta em torno de 1 hora. O tempo gasto, em média
entre os condutores e passageiros de automóveis fica um pouco mais de 30 minutos
(PDTU-2011, 2013, p. 17).
Tabela 20 – Tempos médios de viagem por modo de transporte – minutos.
Fonte: PDTU-2011 (2013, p.17).
Com relação ao tempo gasto nas viagens urbanas temos para o transporte motorizado com uso do transporte coletivo o tempo médio de 41,8. Para o
transporte motorizado individual temos o tempo médio de 33,1. Para o transporte
não-motorizado o tempo médio gasto é de 14,4. (PDTU-2011, 2013, p. 18).
Obviamente que nesta relação de tempo gasto entre transporte não-motorizado e
motorizado, deve-se considerar as distâncias percorridas, onde os não-motorizados
percorrem distâncias menores do que o transporte motorizado. Quanto à flutuação
de horários vemos que:
MODO
Tempo médio de Viagem
A pé 15,1 Barcas 22,8
Bicicleta/Ciclomotor 6,7 Condutor de auto 36,6
Metrô 27,3 Motocicleta 20,7 Moto-táxi 10,8
Ônibus executivo 85,4 Ônibus Intermunicipal 57,9
Ônibus municipal 39,8 Ônibus pirata 47,0
Outros 32,4 Passageiro de auto 31,1
Táxi 20,0 Transp. Escolar 22,8 Transp. Fretado 67,5
Trem 47,4 Van 36,1
240
A flutuação horária das viagens mostra que ocorrem 3 picos diários. Os transporte individual tem os maiores picos pela manhã (07:00) e à tarde (17:00). O transporte coletivo tem o pico da manhã mais cedo que o individual, às 06:00, mas o pico da tarde é o mesmo, 17:00 (PDTU-2011, 2013, p. 19).
Por toda a RMRJ verifica-se que são realizadas em média 1,9 viagens por
pessoa. O maior número de viagens pode ser observado em Niterói, com 2,45 e em
Belford Roxo, com 2,18. O menor número de viagens por habitante é em
Guapimirim, com 0,99 (PDTU 211, 2013, p.21).
Tabela 21- Viagens por habitante por município da RMRJ147.
Fonte: PDTU-2011 (2013, p. 21).
147 “Observar que o conceito utilizado para a construção dessa tabela é diferente do que possibilitou a elaboração da tabela 18. Naquele eram computadas as viagens originadas em cada município, ao passo que estamos considerando o município onde residem pessoas realizando as viagens” (PDTU‐2011, 2013, p. 21).
Viagens Habitantes Municípios
Quantidade % Quantidade % Viagens por Habitante
Belford Roxo 1.022.522 4,5 469.332 4,0 2,18 Duque de Caxias 1.485.387 6,6 855.048 7,2 1,74
Guapimirim 51.111 0,2 51.483 0,4 0,99 Itaboraí 302.965 1,3 218.008 1,8 1,39 Itaguaí 235.018 1,0 109.091 0,9 2,15 Japeri 172.706 0,8 95.492 0,8 1,81 Magé 271.008 1,2 227.322 1,9 1,19
Mangaratiba 67.933 0,3 36.456 0,3 1,86 Maricá 208.372 0,9 127.461 1,1 1,63
Mesquita 272.909 1,2 168.376 1,4 1,62 Nilópolis 369.994 1,6 157.425 1,3 2,35 Niterói 1.193.221 5,3 487.562 4,1 2,45
Nova Iguaçu 1.560.762 6,9 796.257 6,7 1,96 Paracambi 97.800 0,4 47.124 0,4 2,08 Queimados 262.251 1,2 137.962 1,2 1,90
Rio de Janeiro 12.603.872 55,8 6.320.446 53,2 1,99 São Gonçalo 1.273.004 5,6 999.728 8,4 1,27
São João do Meriti 974.668 4,3 458.673 3,9 2,12 Seropédica 118.385 0,5 78.186 0,7 1,51
Tanguá 50.986 0,2 30.732 0,3 1,66 TOTAL GERAL 22.594.872 100,0 11.872.164 100,0 1,90
241
5 CONCLUSÃO
Este trabalho propõe como principal discussão ao tema da mobilidade urbana
e da oferta dos transportes urbanos nas grandes metrópoles brasileiras, a
possibilidade de construção de um arcabouço teórico-metodológico específico
acerca de um aprofundamento das possibilidades nos deslocamentos urbanos
realizados por diferentes grupos sociais no tecido urbano. Esta hipótese foi
levantada conjuntamente com a apresentação, discussão e análise de diversos
trabalhos, que têm como principal preocupação “revelar” as distintas naturezas que
podem ser encontradas nas diferentes formas das pessoas realizarem seu
locomover cotidiano entre ruas, avenidas, vielas e ladeiras. Estes trabalhos dialogam
e transitam em diferentes áreas do conhecimento científico, onde podemos
encontrar desde relatórios com metodologias estatísticas e etnografias com
observação participante, além de documentos com pesquisas domiciliares e
apresentações com dados nacionais sobre os meios de transportes nas grandes
regiões do país.
A ideia de uma “sociologia dos transportes” ou “sociologia da mobilidade
urbana” surge como possibilidade devido à percepção da complexidade do tema dos
transportes urbanos para a vida cada vez mais concentrada em grandes metrópoles
intensamente conectadas, interdependentes em suas diversas localidades e
“globalizadas” aos capitais nacionais e internacionais. A mobilidade urbana não
encerra em si mesma a ideia de uma necessidade das pessoas se deslocarem
fisicamente entre um ponto e outro, mas possibilita o que Caiafa (2002) denomina
como “fuga”, como a conectividade entre pessoas de diferentes lugares, com
diferentes culturas, “corpos” e linguagens. Os transportes não carregam em si
somente pessoas, mas sim almas que integram todas as individualidades e
coletividades em um pulsar incessante nas veias e artérias da metrópole, que é viva
e somente vive pelas pessoas.
A Baixada Fluminense como lócus de observação
Pudemos observar no primeiro capítulo 1, sobre a Baixada Fluminense,
alguns trabalhos que se aprofundam no conhecimento da(s) história(s) de formação
desta região, antes mesmo desta ter esta denominação e configuração atual.
242
Primeiramente é importante ressaltar que uma região estará intrinsecamente ligada
ao próprio espaço geográfico que a compõe e a Baixada Fluminense está
configurada em terras um tanto mais distantes do mar e que têm como
características estar rodeada e no sopé de cadeias de montanhas, além terem em
seus limites fontes hidrográficas que irão variar de volume de acordo com o ciclo das
chuvas. Os municípios de Iguassú e Estrela, principais “formadores” das cidades
que iriam integrar a Baixada Fluminense, possuem todas as características
indicadas acima.
Outro fator imprescindível para a configuração e reconhecimento de uma
determinada região será a percepção das relações que serão criadas a partir da
existência de pessoas que habitem a mesma. Neste caso estas relações estarão
pautadas pelos aspectos econômicos e sociais, fatores estes que com o tempo,
indicaram as linhas históricas que poderão tentar ser desvendadas. Algo que ficou
evidenciado em nosso estudo e na observação dos trabalhos aqui abordados é que
a região da Baixada Fluminense sempre teve uma grande importância para a
formação do que hoje chamamos de RMRJ e, portanto, a consagração do que hoje
conhecemos como metrópole do Rio de Janeiro. Porém há algo que se evidencia na
observação mais atenta a estes fatores geográficos, históricos e econômicos: a
Baixada Fluminense NUNCA será o Rio de Janeiro. Não será porque não divide o
mesmo espaço geográfico. Não será porque nunca foi historicamente o núcleo
urbano da cidade que já foi capital de um império. Nunca será porque
economicamente sempre desempenhou um papel de passagem e estalagem para a
produção que vinha do Vale do Paraíba, fazendo a integração Rio de Janeiro-São
Paulo, apesar de também ter produzido café e tido um importante momento na
produção da citricultura. Não será porque foi formada preponderantemente pelas
camadas mais empobrecidas dos habitantes fluminenses, por grandes contingentes
de imigrantes vindos de outras regiões também empobrecidas do país e por
escravos libertos que também ajudaram formar estas terras.
Mas porque ser o “Rio de Janeiro”? Esta pergunta não é importante por seu
sentido literal, pois como afirmado anteriormente, não será possível para os
municípios que integram a Baixada “serem” algum dia o Rio de Janeiro. A própria
ideia de Região Metropolitana traz em si a concepção de conurbação e
interdependência, mas esta concepção não altera as relações de subordinação que
existem e forjam as relações metropolitanas dos municípios que a integram. Esta
243
pergunta se faz necessária por outras questões que parecem ser de caráter muito
mais simbólico, mas que trazem como consequências implicações materializadas no
espaço e na vida urbana. Não ser o “Rio de Janeiro” traz como consequência um
posicionamento inferior dentro de uma hierarquia territorial que irá definir, de
variadas maneiras, o desenvolvimento e as formas de se viver entre os habitantes
da metrópole. Fazer parte da metrópole já encerra em si uma questão interessante,
pois a Baixada Fluminense não pode ser considerada “interior” do Estado, mas
também não faz parte de seu “núcleo”, de sua “centralidade”. Os municípios de
Itaboraí e, principalmente, São Gonçalo também vivem esta situação, porém onde
outro ponto de gravidade se faz presente, o município de Niterói, que não por
coincidência foi por muitos anos a capital do Estado do Rio de Janeiro e possui, até
os dias atuais, os melhores índices de desenvolvimento humano do Estado. A
cidade do Rio de Janeiro foi capital do Estado da Guanabara até a fusão ocorrida no
final dos anos 1960 e sua efetivação como capital de todo o Estado do Rio de
Janeiro, agora unificado.
A Baixada Fluminense, a partir da configuração territorial e urbana acima
descrita, encontra-se no “meio”, em uma espécie de limbo urbano em que se não
possui importância central, tão pouco pode ser desconsiderada como importante
fornecedor de mão-de-obra, local de moradia dessa mão-de-obra, passagem urbana
entre São Paulo e Rio de Janeiro, e, a partir da década de 1990, também gerador de
riquezas devido ao crescimento econômico de alguns de seus municípios.
Como vimos durante esta tese, a partir do início dos anos 1990 algumas
cidades da Baixada Fluminense iniciam um processo de diversificação da produção
e atração de empresas para seus territórios, seja por sua localização mais próxima
da Via Dutra, seja por possuir “terra” mais barata do que o Rio de Janeiro ou
também pela possibilidade de se pagar salários mais baixos aos trabalhadores da
região. Rodrigues (2006) demonstra os processos de diversificação industrial e,
principalmente, o crescimento do setor terciário nas cidades de Nova Iguaçu e
Duque de Caxias, cidades-núcleos da Baixada Fluminense. Apesar do
desmembramento ocorrido nas décadas de 40 e nos anos 1990 por Nova Iguaçu, e
que irá gerar as cidades de Nilópolis, Belford Roxo, Queimados, Japeri, Mesquita,
entre outras, esta cidade ainda se mantém como importante pólo de atração de
habitantes e trabalhadores de toda a região. A especulação imobiliária e o
crescimento do valor do uso do solo em muitas localidades destes municípios
244
demonstram a “adequação” dos mesmos aos rumos do capitalismo globalizado e
flexível, mas que têm suas próprias características na cultural nacional. Portanto a
Baixada Fluminense parece perpassar após a “década perdida dos anos 1980” uma
patamar cada vez maior de integração urbana e metropolitana.
Porém esta integração não anula ou minimiza o que aqui já denominamos de
“hierarquia territorial” vigente e percebida. Através deste trabalho tentamos
relativizar uma percepção de que haveria um apontamento “piedoso” em relação à
Baixada Fluminense como concentradora de mazelas do conglomerado urbano
fluminense. Isto não é verdade e nem exclusivo. Bairros que integram o município do
Rio de Janeiro vivenciam problemas muito parecidos aos que existem em municípios
e bairros da Baixada, sejam eles relacionados à falta de saneamento, ao descontrole
do Estado na disputa territorial entre traficantes e milicianos, ao ensino público
básico de pior qualidade nestes territórios (o que não significa que ele seja muito
melhor em outras localidades), à menor oferta de oportunidades de trabalho a uma
população com pouca escolaridade e péssimas condições urbanas de moradia.
Porém o que mais parece indicar a existência e a configuração desta
hierarquia territorial, existente através de uma inserção simbólica e subjetivada
coletivamente, é justamente o fenômeno que nos propomos analisar nesta tese: a
oferta dos transportes urbanos e a política de mobilidade urbana. A utilização da
Baixada Fluminense como objeto e foco central como território relacional de
mobilidade urbana junto à RMRJ, é menos uma realização de acusações das
diferenças evidentes em investimentos públicos nos equipamentos urbanos e em
melhorias na qualidade de vida da população, e mais uma possibilidade de
demonstrar, através das políticas históricas e atuais de mobilidade urbana, como
está hierarquia territorial se dá.
As discussões realizadas sobre os impactos atuais das obras de mobilidade
urbana na RMR devido aos grandes eventos que ocorrerão, deixam claras as
preferências das políticas de Estado em relação à reafirmação de antigas
centralidades (Região do cais do porto no Centro do Rio de Janeiro) e de novas
centralidades (Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e algumas adjacências),
além da opção mais uma vez incisiva em relação ao modal rodoviarista. As
necessidades demonstradas, por estudos técnicos e pela vivência cotidiana, por
transportes urbanos coletivos de maior capacidade e qualidade em regiões e
localidades como Ilha do Governador, bairros “pobres” da Zona Oeste do Rio de
245
Janeiro, Itaboraí, São Gonçalo e Baixada Fluminense, parecem ter sido suplantadas
pela opção da cidade-negócio globalizada e evidenciada pelas escolhas políticas
dos últimos governos do Estado e do município do Rio de Janeiro. Neste ponto de
inflexão, podemos ver, de forma mais clara, como a hierarquia territorial parece estar
apresentada pela observação da mobilidade urbana. “Detalhes” que podem parecer,
a princípio, não tão importantes, tornam-se decisivos na perspectiva de uma
sociologia dos transportes que queremos adotar a partir deste trabalho. As
diferenças de qualidade em estações finais do metrô podem ser bons exemplos
iniciais. Há uma grande diferença em limpeza, organização, segurança, qualidade e
frequência das composições que transitam entre as “pontas” do sistema de linha que
é o metrô da cidade do Rio de Janeiro. Esta comparação fica mais evidente ao viver
a experiência de frequentar a estação Pavuna, estação final da Linha 2 do metrô e a
estação General Osório, última estação da Linha 1. Onde atende a Zona Sul do Rio
de Janeiro, o metrô disponibiliza o chamado “metrô de superfície”, que na verdade
são ônibus com ar-condicionado e que fazem itinerários pela região como integração
aos bilhetes comprados nas estações. Também há o serviço de integração nas
estações da Linha 2, mas o “metrô de superfície” não chega lá, nem a mesma
“qualidade” das estações da Linha 1, como demonstrado por Caiafa (2013).
Outro fato já discutido e apresentado neste trabalho é a piora dos serviços
nos trens da Supervia no sentido “esquerda para a direita”, que significa que os
serviços oferecidos para o ramal que atende o subúrbio, que tem como limite a
cidade do Rio de Janeiro praticamente no ramal de Deodoro, são melhores que os
serviços oferecidos aos ramais que vão se deslocando à esquerda da figura de
linhas da Supervia148, até chegar à Baixada profunda. Incluindo nestes piores
serviços o ramal Santa Cruz, que atende os bairros da Zona Oeste do Rio de
Janeiro. Nos serviços prestados pelos ônibus urbanos também verifica-se diferenças
na qualidade e na frequência de linhas que transitam entre Centro e Zona Sul do Rio
de Janeiro e o restante dos bairros e municípios que formam a RMRJ.
Ainda assim os bairros mais pobres da cidade do Rio de Janeiro possuem um
status diferenciado frente a outras localidades periféricas em relação às
centralidades da cidade maravilhosa, pois se não possuem, também, a mesma
diferenciação simbólica positivada simplesmente por serem “cariocas”, e realmente
148 Ver Figura 19 desta tese.
246
não possuem, pelo menos se beneficiam, mesmo que de maneira desigual e
subordinada, aos muitos investimentos realizados pelo governo municipal e
estadual, já que a cidade do Rio de Janeiro concentra as maiores riquezas,
arrecadação e concentração de investimentos públicos, praticamente em todas as
áreas, que vão da segurança pública à mobilidade urbana.
A mobilidade urbana irá refletir a essa hierarquização territorial e mais do que
produto e consequência da mesma, também será produtora de sociabilidades e
identidades territoriais forjadas justamente pelas “formas” de se transportar pelas
cidades. As “formas de vida pelo transporte”, evidenciadas por esta tese,
demonstram que mais do que meios transitórios de comunicação e contato físico, os
transportes urbanos realizam e produzem relações sociais específicas, onde as
paisagens, o tempo, o clima, o custo, a penúria e as dificuldades marcam, de
maneira decisiva, a própria construção de uma subjetividade coletiva atrelada aos
pertencimentos territoriais da população que vive na Baixada Fluminense, ou em
outros territórios. Porém mais do que criar uma generalização a priori a respeito
deste fenômeno, utilizamos a Baixada Fluminense como exemplo que pode servir
como arena para outros estudos pautados por esta sociologia dos transportes e que
busca compreender o fenômeno proporcionado pela mobilidade urbana nas relações
sociais entre localidades urbanas interdependentes. Esta não é uma ferramenta
única para apontar as desigualdades inerentes a uma determinada região, mas sim
a possibilidade de um instrumento teórico-metodológico que se pretende analisar as
relações sociais pautadas pelas “formas de vida pelo transporte” em qualquer
conglomerado urbano no país.
Ainda sim é importante demonstrar diferenças materializadas por números e
índices e que demonstram como esta hierarquia territorial reflete-se na qualidade de
vida da população que vive nestes municípios. Não podemos nos esquecer de
também de ressaltar as responsabilidades dos governos e lideranças locais, que
apesar de terem arrecadações tímidas frente a municípios como Rio de Janeiro e
Niterói, não conseguiram (ou não quiseram) através do tempo reduzir as grandes
desigualdades e dificuldades que a grande maioria da população que vive nestes
municípios vive a longos anos, mesmo que alguns deles apresentem PIB’s entre os
mais elevados de todo o Estado, e até mesmo do país. Villaça (2012) irá refletir esta
hierarquia através da análise da segregação urbana, contribuição que está
diretamente ligada à ideia de localização como noção de status intra-urbano e
247
relaciona-se de maneira intrínseca com a circulação histórica proporcionada pelos
meios de transportes. Entre as muitas informações que podemos destacar, algumas
são que entre os treze municípios que integram a Baixada Fluminense a melhor
colocação no ranking estadual do índice IFDM, do Sistema FIRJAN, é o 11° lugar
(Nova Iguaçu) e como pior colocação temos o 92° lugar (Japeri). No ranking
nacional, do mesmo índice, temos como melhor colocação 453° (Duque de Caxias)
e pior colocação 4.015° (Japeri). Na média do ranking nacional do IFDM-FIRJAN, os
municípios da Baixada Fluminense estão na posição 2.009°. Para o ranking nacional
do IDH, realizado pelo IBGE, temos na melhor posição o município de Nilópolis com
a colocação 448° e a pior posição com o município de Japeri com a colocação
2924°. Na média do IDH nacional os municípios da Baixada Fluminense ocupam a
posição 1641°. Vale também ressaltar nos dados das pesquisas do IBEU e do IPEA
sobre a mobilidade urbana nas grandes metrópoles que os municípios de Japeri,
Queimados e Belford Roxo figuraram entre os piores índices encontrados de
mobilidade urbana na RMRJ.
A tentativa de construção de um campo sociológico
Propor um novo campo “sociológico” não é tarefa que se possa fazer
impunemente. Ainda mais com as colocações de Vasconcelos (2005, 2001),
profundo conhecedor dos transportes urbanos no Brasil, corroborado pelas
colocações de Castells (1983), onde o mesmo afirma não haver uma sociologia dos
transportes, talvez nem mesmo uma sociologia urbana, já que a própria sociologia
não poderia mais se dissociar do urbano como arena de observação. Difícil propor
algo que se diferencie de uma colocação desses autores, mas o desafio se coloca
justamente por se perceber que o tema da mobilidade urbana assume uma
emergência fundamental na vida contemporânea nacional, e até mesmo mundial.
Em nosso caso, a preocupação é com os rumos brasileiros, mais especificamente
dos aglomerados urbanos que concentram grande parte da população do país.
Para poder se discutir as possibilidades de uma sociologia dos transportes no
Brasil, utilizamos como objeto de estudo, comparação e análise a Baixada
Fluminense, região composta por 13 municípios, esta que compõe a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, que engloba 20 municípios. Nossa intenção com
esta escolha se dá pelas evidentes diferenças observadas nas possibilidades de
248
locomoção entre os habitantes desta região em comparação com moradores de
outras regiões. Não há aqui, a tentativa de afirmar o privilégio (?) de que a Baixada
Fluminense sofre mais com a desigualdade na mobilidade urbana do que outras
regiões ou localidades, ou que sua população sofre mais “preconceitos” por
carregarem em suas coletividades e individualidades imagens pré-concebidas, e que
entram em um jogo relacional hierárquico quando confrontados com outras
identidades territoriais na RMRJ. Afirmamos que sim, que a população baixadense
carrega um determinado “estigma”, ou estigmas variados, mas esta afirmação não
resolve a questão, porque moradores de São Gonçalo também carregam uma
determinada identidade territorial na relação com Niterói, e moradores da Zona
Oeste do Rio de Janeiro sentem diferenças dentro da relação hierárquica com
moradores de outras regiões da cidade do Rio de Janeiro, mesmo sendo... cariocas.
Porém o que nos interessa como proposta para uma sociologia dos
transportes é delimitar um objeto e poder “esgarça-lo” para que tentemos
compreender as diferentes materialidades e subjetividades que compõe o viver de
uma região na relação urbana vital e relacional com outras regiões, onde sabemos
que é neste contato onde a metrópole se realiza, mesmo que de maneira desigual.
Em nossa percepção quem realiza este “contato” essencial para a existência e
suporte da metrópole são os transportes urbanos, e estes transportes produzem e
são produzidos por fenômenos sociais completos, onde criam e são criados por
complexidades de natureza sociológica, e que necessitam de um olhar
multidimensional para que possam ser efetivamente compreendidos e revelados.
Esta sub-disciplina sociológica, ou campo específico de análise, não poderá
surgir de um limbo teórico ou metodológico, não há essa possibilidade. Ela só
poderá ser contemplada como campo através da soma de todo o acúmulo já
produzido na trajetória moderna e pós-moderna do fazer das ciências sociais em
geral. E assim como Weber (1999, 1991), e não querendo emulá-lo, é necessária a
utilização do conhecimento histórico para tal feito. A tentativa do reconhecimento
dos sentidos e das intenções das relações sociais históricas, e seus efeitos e
rebatimentos contemporâneos, é a maneira como acreditamos ser pertinente pensar
este campo sociológico, levando em consideração as especificidades desta
disciplina e as diversas formas de se poder formular e pesquisar os objetos.
A tradição da crítica dialética é fundamental para esta disposição sociológica,
pois apresenta, através das formulações de base marxistas e neomarxistas, um
249
poderoso arcabouço crítico para se perceber as “intenções” do capital, que quase
sempre estarão, segundo esta perspectiva, escamoteadas em ações de
modernização e adequação do urbano às inovações necessitadas pelas reais
intenções “invisibilizadas” ideologicamente das classes dominantes. Castells, já
citado, Santos (2005, 1994), Harvey (1999), Vasconcellos (2005, 2001), Villaça
(2012), Bourdieu (1997, 1992), entre outros, são alguns dos muitos autores que
demonstram teórica e empiricamente as contradições e efeitos do capitalismo, e as
relações sociais que o produzem e são produzidas pelo mesmo, na modernidade e
na pós-modernidade, também privilegiando os seus olhares aos fenômenos do
urbano.
Porém acreditamos que os olhares e percepções com as bases do
materialismo dialético delimitam os recortes às relações pautadas pelos conceitos de
classe, apesar das inúmeras contribuições contemporâneas que atualizam este
enfoque para as concepções de estratificação e segregação social. Porém o viés
“classista” ainda parece permanecer como principal condutor de algumas destas
percepções. A proposta de incorporação do individualismo histórico metodológico,
de base na tradição da sociologia compreensiva alemã, é menos pela percepção de
que estes fenômenos são resultantes de uma soma de individualidades egoísticas, e
que irão revelar sua natureza coletiva por uma aglutinação, e mais pela convicção
que esta forma epistemológica complementa de maneira decisiva e a enriquecer as
análises de base materialista acerca do urbano.
A busca pelas “formas” como as pessoas se transportam é fundamental para
nossa proposta. As diferentes maneiras como as pessoas se transportam pelas
cidades, a forma como os meios de transporte foram construídos e oferecidos
historicamente à população, as localidades atendidas, as deficiências e virtudes
encontradas, muitos destes fatores tiveram um “conteúdo” original, uma
materialidade objetivada e que propiciou que aquela determinada maneira de se
transportar pelas ruas e avenidas das cidades se fizesse necessária, e que com o
tempo foram se cristalizando em “formas” relacionais materiais e simbólicas que se
institucionalizaram, sem que possamos compreender, muitas das vezes, o seu
porquê original. Simmel (2006) nos dá uma excelente contribuição em suas
considerações acerca dos “conteúdos” e “formas”, mostrando como certas
naturalizações institucionalizadas se encontram arraigadas nas interações e
relações sociais. A ideia de se buscar as “formas de vida pelo transporte” se realiza
250
na certeza de que é necessário conhecer experiencialmente como as pessoas
efetivamente se transportam pelas metrópoles e refletir epistemologicamente estas
experimentações. Uma certa “voz” é relacionada e produzida diretamente pelo viver
de quem cotidianamente enfrenta as jornadas urbanas impostas, ou não, pelas
necessidades de se trabalhar, de se buscar o lazer ou de simplesmente “flanar” sem
direção pelas muitas possibilidades que o ambiente urbano proporciona.
A Antropologia e sua tradição teórica e metodológica, principalmente no que
se refere aos trabalhos de campo e às observações participantes, são de um
contributo fundamental para a compreensão destas “formas de vida” intermediadas
pelos transportes urbanos. A produção recente de etnografias que buscam
demonstrar a importância dos meios de se transportar pelas cidades, revela, mais
uma vez, a urgência de se re-conhecer as produções e relações sociais pautadas
nos ambientes “transitórios”, mas fundamentais, dos meios de transportes. Os
trabalhos de Pires (2011, 2010), Silva (2007), Fonseca (2005), Mamani (2004)
revelam como o trabalho de campo pautado pelos transportes urbanos coloca-se
como uma preocupação com o tema, através de uma perspectiva temporal
extremamente recente. É partir dos anos 2000 que esta urgência sobre a mobilidade
urbana parece se intensificar. As percepções da opinião pública de que há uma
“crise da mobilidade urbana” talvez sejam o melhor indício de que as ciências sociais
sempre estão, e estarão, atentas às demandas que se colocam. Os trabalhos de
Freire (2001), Icasuriaga (2005), Kleiman (2011, 2010a, 2010b), Iziaga (2009), entre
outros, demonstram o caráter multidisciplinar do tema, onde a Memória Social, o
Serviço Social, o Urbanismo e o Planejamento Urbano são algumas das disciplinas
presentes e fundamentais para qualquer tipo de conhecimento agregado à temática.
A busca das “formas de vida pelo transporte” não se efetiva somente na
procura pelas narrativas etnográficas de pesquisadores e dos atores diretamente
envolvidos nas experiências complexas dos deslocamentos urbanos. Essas
descrições densas não realizam a completude que esta sociologia dos transportes,
aqui apresentada, propõe. Faz-se necessário, além de revelar e conhecer estas
narrativas, completá-las com as informações objetivas acerca das origens e destinos
dos usuários dos serviços de transportes, das especificidades técnicas encontradas,
das políticas (em seu campo realmente político) de mobilidade apresentadas e
efetivamente colocadas em prática através do tempo. As “formas de vida pelo
transporte” só serão possíveis realmente de serem “conhecidas” com a completude
251
de um enfoque mais generalizador, onde as percepções coletivas possam ser
captadas e compreendidas em pesquisas que também agreguem representatividade
estatística em relação à nossa grande população. Nesta tese tentamos demonstrar e
analisar essas três perspectivas que aqui apresentamos como fundamentais para a
sedimentação deste campo de uma sociologia dos transportes: etnografias,
pesquisas de percepção sobre a mobilidade urbana e informações dos dados
origem/destino dos usuários da RMRJ. A quarta parte deste intrincado processo de
conhecimento, passa pela percepção, também aprofundada, das vinculações das
informações e notícias através da mídia e da opinião pública, pois compreendemos
que não há desconexão pelo o que se produz e reproduz midiaticamente das
produções sociais que podemos aferir junto dos objetos já citados. Esta quarta
“parte” não foi analisada neste trabalho, mas de antemão fica citada como
possibilidade de estudo e aprofundamento sociológico e antropológico, pois tem
muito o quê revelar para o tema da mobilidade urbana.
Quanto ao objeto Baixada Fluminense, tentamos por todos os capítulos deste
trabalho colocá-lo como ponto central de observação dos assuntos e conteúdos que
fomos discutindo e construindo. Por mais que não fosse o tema central abordado em
todos os capítulos, itens ou subitens, a Baixada Fluminense sempre surgirá entre os
capítulos como fonte de observação e comparação. Sua utilização como objeto
delimitado se dá justamente como forma de demonstrar que certas especificidades
de uma região, e neste caso uma vasta região formada por 13 municípios e milhões
de habitantes, tem relação direta com as “formas” específicas de se transportar
dentro de uma hierarquia sócio-espacial que encontramos na metrópole fluminense.
Podemos ver que os municípios da Baixada Fluminense possuem alguns dos
piores índices de desenvolvimento humano do Estado do Rio de Janeiro e do país,
assim como se encontram em posições muito baixas no ranking estadual, nos
índices de desenvolvimento de instituições privadas (FIRJAN), assim como possuem
péssimas notas nos índices de educação pública. Somente dois municípios
apresentam números de PIB per capita elevados, Duque de Caxias e Itaguaí, e
ainda assim não conseguem melhorar seus índices de desenvolvimento humano,
saneamento, urbanização e melhorias significativas na educação pública. A
mobilidade urbana vai refletir diretamente essas diferenças, e que também podem
ser encontradas em outros municípios e bairros da RMRJ, porém essas “diferenças”
não podem ser “coladas” e “replicadas”, a priori, a todos os territórios.
252
A segregação social e espacial geram relações de subordinação material e
simbólica, onde as identidades territoriais são chamadas a participar das
construções sociais mais tênues e delicadas. O serviço de trens urbanos da
Supervia parece ser “ruim” para todos os usuários, e é. Mas em uma percepção
mais “fina” ele é ruim para alguns, e muito pior para outros, o que irá variar é a
identidade territorial dos usuários. Quando mais à direita do mapa dos ramais
oferecidos, quer dizer, mais próximo da Baixada “profunda”, pior são os serviços
oferecidos. Os ônibus que circulam pela RMRJ possuem vários problemas, como as
condições de manutenção dos veículos, a exaustão a que são submetidos os
profissionais rodoviários e passageiros, as altas tarifas cobradas, a violência do
trânsito, entre outras, mas estas condições sofrem significativas mudanças de
acordo com o local onde transitam, ao público usuário que pertence a um
determinado status territorial. Os “ônibus” que circulam em Copacabana, bairro do
município do Rio de Janeiro, não são os mesmos “ônibus” que circulam na Pavuna,
bairro do município do Rio de Janeiro. Os serviços dos ônibus na Pavuna são muito
piores do que os de Copacabana, e só se saberá realmente sobre estas condições,
se algum dia se “andar nos ônibus que circulam na Pavuna”, ou em Santa Cruz, ou
em Sepetiba, ou em Guaratiba, etc., ou através das narrativas expostas e
compreendidas por estudos acadêmicos. As vans comunicam praticamente todo o
circuito intermunicipal, pois as linhas de ônibus intermunicipais gastam muitas horas
de deslocamento, oferecendo péssimas condições de permanência em seus
veículos a altos preços tarifários149. As kombis fazem os percursos entre bairros dos
núcleos urbanos, porque os ônibus intramunicipais possuem grandes deficiências. O
metrô oferece serviços diferenciados entre os usuários da Linha 1 e da Linha 2,
sendo que os usuários da Linha 1 vivem na Zona Sul e subúrbios tradicionais do Rio
de Janeiro, e os da Linha 2 vivem nos subúrbios mais distantes e próximos das
franjas da cidade, porém todos os usuários pagam o mesmo valor tarifário. O metrô
é um modal de gestão estadual, mas só oferece seus serviços nos limites da cidade
do... Rio de Janeiro.
A concentração dos investimentos atuais em mobilidade urbana não parecem
se preocupar com essas diferenças, pois privilegiam, ainda mais, a opção
rodoviarista, tão criticada e desgastada pelos imensos congestionamentos
149 Ver Tabela 20.
253
cotidianos, e parece se deslocar a núcleos urbanos já altamente concentrados,
como o Centro do Rio de Janeiro (região do cais do porto), ou a Barra da Tijuca150,
com concentração de camadas de mais alta renda da RMRJ.
A construção de um “tipo ideal” dos transportes urbanos, mais uma vez
utilizando as contribuições weberianas, traz uma indicação histórica perpassada ao
momento atual dos transportes urbanos na RMRJ, porém esta tipologia não possui
um valor intrínseco em si se não for efetivamente relacionada e comparada às
informações acessadas e compreendidas em relação aos fenômenos sociais
oriundos dos deslocamentos urbanos. Esta tipologia aqui descrita e construída é
muito menos uma formulação fortificada e conclusiva, e mais uma possibilidade de
percepção oferecida pelos muitos trabalhos estudados e pelas observações já
realizadas. Esta tipologia traz consigo uma síntese acerca das condições
encontradas nas “formas de vida pelo transporte” e não encerram questão sobre
nenhuma delas, pois estas relações intermediadas pelo ato de se transportar podem
variar muito rapidamente, pois basta retirar algumas linhas de ônibus, limitar a
circulação de vans e kombis, investir na qualidade dos trens urbanos, construir
novas vias expressas de automóveis, e todas estas relações pautadas pela
mobilidade urbana passarão a sofrer suas consequências. De qualquer maneira, e
apesar de sua natureza temporal complexa e veloz, é possível aferir sobre as
condições e algumas das sociabilidades relacionadas aos transportes urbanos da
RMRJ. A integração desta tipologia, mais a contribuição das análises quantitativas e
qualitativas do fenômeno da mobilidade urbana, podem gerar a complexidade de
informações necessárias para as observações de uma sociologia dos transportes
efetiva no Brasil.
A observação das “formas de vida pelo transporte” com a contribuição da análise de
dados sobre as percepções coletivas e dados quantitativos sobre as
origens/destinos dos deslocamentos urbanos na RMRJ
Pudemos ver as relações atuais no que se refere as origens e destinos dos
deslocamentos urbanos relatados pela população da RMRJ por pesquisa domiciliar.
Vemos que o município do Rio de Janeiro continua sendo a principal centralidade da
150Expansão do metrô, criação de BRT’s, criação de diversas Vias Expressas.
254
RMRJ, onde mais de 61,3% das viagens se originam e se destinam, sendo seguido,
em proporção muito menor, pelos municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias,
Niterói, São Gonçalo, São João de Meriti e Belford Roxo. Com relação ao modo
utilizado para o transporte podemos verificar que as viagens “a pé” rivalizam com as
viagens “motorizadas”, muito provavelmente pelo número de pessoas que trabalham
perto de suas casas em bairros que se situam no local de suas moradias. Em
relação às viagens motorizadas, vemos respectivamente a primazia do uso do
ônibus municipal, seguido pelo ônibus intermunicipal, pelo “condutor de veículos”,
“passageiro de veículo” e, por fim, as vans, indicando o que já foi amplamente
discutido neste trabalho, que é o aumento expressivo da opção rodoviarista como
principal forma de mobilidade urbana na RMRJ. O metrô e os trens possuem uma
incidência muito baixa em relação à opção rodoviarista na oferta de mobilidade
urbana cotidiana na metrópole, o que talvez explique a crise do “trânsito” que
vivemos.
Ainda que a “demonização do carro” esteja no esteio das acusações
midiáticas e das políticas restritivas ao uso do automóvel particular, vemos que a
utilização do transporte público ainda detém números bem elevados, em torno de
73%, contra 27% de uso do transporte privado. Mais uma vez a opção rodoviarista
para a mobilidade urbana ensejada pelas políticas públicas atuais seja uma
indicação interessante desta crise de mobilidade percebida na contemporaneidade,
porém esta “crise” não pode ser associada exclusivamente à aquisição e circulação
de automóveis particulares.
Outra indicação importante em relação às dificuldades enfrentadas pela
população que não vive nos principais núcleos da cidade do Rio de Janeiro se
evidencie pelo tempo gasto nos transportes urbanos. Os ônibus executivos e
intermunicipais são os que mais gastam tempo para realizar as viagens entre origem
e destino, gastando em média, respectivamente, 85,4 e 57,9 minutos. Estes dados
demonstram as dificuldades de quem normalmente cruza os limites municipais,
mesmo que conturbados, para poder, principalmente, trabalhar e depois retornar ao
lar. Os picos dos horários de saída para o trabalho e volta ao lar continuam
concentrados entre 06:00h e 07:00h da manhã e 17:00h da tarde, indicando a
causalidade da alta concentração de congestionamentos, acidentes, problemas
técnicos com trens e metrô, que incidem nestas faixas de horário.
255
É também interessante frisar a utilização de duas fontes de pesquisas que
são extremamente interessantes e pertinentes na busca atual pelos motivos
apontados de uma possível “crise de mobilidade urbana” nas grandes metrópoles do
país. A utilização do IBEU e de dados e relatório apresentados pelo IPEA são
importantes indícios de que, mais do que somente os dados quantitativos sobre o
número de viagens ou os modais escolhidos, as percepções da população acerca da
oferta dos transportes urbanos é extremamente importante no que se refere ao
conhecimento sobre a qualidade de vida da população que vive nas grandes regiões
metropolitanas. A incorporação e análise destas pesquisas para a composição do
arsenal teórico e de informações para a observação das “formas de vida pelo
transporte” é bastante relevante, pois afere uma proporção robusta ao imenso
número de pessoas que vive no ambiente urbano.
Ao mesmo tempo temos que buscar uma certa relativização destas
informações e pesquisas, pois as mesmas apresentam um viés explicitado acerca
das percepções dos habitantes em relação a algumas dimensões específicas, no
caso do IBEU no fator trabalho x casa, corroborado por informações quase que
exclusivamente relacionados aos índices e números de automóveis adquiridos ao
longo das últimas décadas. O relatório do IPEA chama a atenção explicitamente
para a falta de dados, informações e pesquisas, relacionadas aos usos e
percepções dos transportes coletivos urbanos, o que deixa a entender que os
critérios da crítica de uma “crise” de mobilidade urbana podem estar muito
concentrados estritamente ao problema rodoviarista, principalmente à crítica do
aumento da frota de veículos automotores, e principalmente como foco da crítica os
carros comprados pela população, em geral, nos últimos anos. Esse aumento é
efetivo, mas durante nosso trabalho argumentamos que outros fatores importantes
também devem ser levados em consideração ao se pensar sobre este aumento e a
modernização da frota de veículos nas ruas do país. A simples e objetiva
observação de que os “carros” são os grandes “culpados” pela crise de mobilidade,
pode impedir uma visão mais completa e complexa das experiências no e do
urbano, onde fatores como o uso do solo, a especulação imobiliária, as diferenças
territoriais nos investimentos de dispositivos urbanos, a precarização do mundo do
trabalho e, principalmente, a vulnerabilidade em larga escala proporcionada pelas
“formas de vida pelo transporte”, se somam de maneiras interconectadas à grande
sensação de paralisia dos deslocamentos urbanos atual. A “demonização do carro”
256
é algo que deve ser evitado como apontamento apriorístico, pois somente cerca
algumas dimensões do problema, mas não atinge todas.
Possibilidades para uma sociologia dos transportes
Em determinado momento desta tese utilizamos uma citação de Amouzou
(2001) em que o mesmo relata que o principal propósito da sociologia em relação
aos transportes urbanos era uma busca “psicológica e psicanalítica” das formas de
se viajar. De certa forma esta afirmação está correta, porque a ideia de uma “forma
de vida pelos transportes” está diretamente ligada à percepção dos sentimentos e
das sensações atribuídas as maneiras como as pessoas se deslocam de acordo
com os diferentes modais existentes. Parece evidente que “andar” no metrô é
diferente que “andar” nos trens urbanos. Os comportamentos são diferenciados, o
ambiente é diferente, as sociabilidades também serão construídas de maneiras
distintas, pelos menos é o que se demonstra ao lermos as etnografias
correspondentes. Mas no que estas sociabilidades nos interessam? Nos interessam
porque são substratos para a incorporação de identidades e relações sociais que
extrapolam os meios de transporte, porque podem revelar nuances embebidas em
uma naturalização hierárquica dos pertencimentos sociais e territoriais, e que esta
vivência pelos transportes pode ajudar a revelar
A utilização do escopo de autores como Simmel e Weber traz a percepção de
que bastaria somente um deles, e sua imensa complexidade e contribuição teórico-
metodológica, para que nos debruçássemos de maneira profunda sobre as
contribuições propostas. Inúmeras obras são produzidas, e ainda serão, na busca de
uma compreensão cada vez mais detalhada, e das possibilidades de pesquisas e
observação científica, acerca das formulações de alguns desses autores. Weber
tornou-se pilar, conjuntamente com Durkheim e Marx, na construção de um cânone
sociológico considerado clássico, e sua “utilização” talvez já bastasse como único
referencial epistemológico para qualquer obra. Simmel ganhará notoriedade
posterior ao “sucesso” de Weber, apesar de ser mais velho, e muito devido à sua
obra está construída em textos mais curtos e com características ensaísticas. Porém
a contribuição de Simmel e a influência que os dois autores alemãs possuem na
obra entre ambos, incluindo nesta relação a influência de um outro alemão radicado
257
em Londres151. Em nosso caso a utilização desses dois autores concentra-se em
algumas de suas formulações e que consideramos pertinentes para a
complementaridade necessária na já vasta contribuição de autores sobre o “urbano”
em sua tradição baseada em um materialismo dialético. Além da reafirmação da
contribuição da Antropologia e da necessidade de se aprofundar de maneira mais
crítica sobre os efeitos das vinculações de notícias e informações produzidas pela
mídia, em todas as suas facetas, e suas repercussões na chamada “opinião
pública”, no campo político e no próprio campo científico.
Porém como estrutura de análise para a proposta sociológica totalizadora que
pensamos para futuras pesquisas pela sociologia dos transportes, acreditamos que
Norbert Elias nos fornece uma interessante possibilidade de observação,
principalmente se nos depararmos com seu trabalho de campo e análise sociológica
realizados em obras como “Os Estabelecidos e os Outsiders” (ELIAS; SCOTSON,
2000). A estrutura de uma sociologia configuracional, baseada em sua concepção
de “sociedade dos indivíduos” revela os caminhos percorridos pelos indivíduos e
seus pertencimentos aos grupos sociais nas relações sociais baseadas nas
interações conflituosas entre o autocontrole e o controle social, existentes na tênue
linha da vida social. Desta interação, que irá gerar as fricções e ajustamentos
conhecidos e também imprevisíveis, temos as resultantes do embate que é a vida
coletiva, a vida vivida em sociedade e onde as individualidades estão postas no
“duelo” com as coletividades pré-existentes e resistentes.
Bourdieu (1992) também poderia ser acionado em sua brilhante contribuição
acerca do habitus vivificado entre as classes sociais. As influências marxistas e
weberianas, que podem ser percebidas no desenvolvimento do pensamento do
sociólogo francês, aproximam-se inclusive de algumas colocações levantadas por
esta tese. Apesar da concepção das estruturas estruturantes e estruturadas de
bourdieusianas, que demonstram toda a complexidade dos campos e capitais
existentes e que formam, estruturam e conduzem os pertencimentos das pessoas
pelas e por suas classes sociais, as possibilidades de “saída” dos espaços possíveis
às determinações de classe ficam extremamente restritas às subversões lentíssimas
e altamente marginalizadas em um campo educacional, para a posterior mudança
de um ideário societal.
151 Max Weber cita e faz críticas diretas a algumas passagens e conceitos de Marx.
258
As práticas sociais baseadas nas “formas de vida pelo transporte” podem
trazer à tona possibilidades de subversão do campo simbólico por classes sociais e
indivíduos subalternos, ou proporcionar um movimento de própria mudança social,
onde o esgarçamento da naturalização segregadora, de base histórica, pode ser
colocada à prova por estas sociabilidades existentes e reveladoras das contradições
hierárquicas. Não à toa todo um movimento de revolta popular, e ela não é novidade
em nossa História, se iniciou em um amplo processo de manifestações com larga
amplitude nacional nos últimos tempos, onde o primeiro e principal foco de revolta,
através de movimentos sociais pautados nesta demanda, relacionou-se com o tema
da mobilidade urbana152. Vivemos um momento de tensão política e acirramento de
conflitos sociais, onde as formas como as pessoas têm acesso, ou não, às cidades
estão no bojo do arsenal de argumentos neste conflito social. As possibilidades de
observação de algumas destas contradições via uma sociologia dos transportes,
forneceria um olhar inovador e imprescindível sobre estas hierarquias que parecem
estar sempre escamoteadas pelo ir e vir, nem sempre veloz, de nossos meios de
transporte.
Por este motivo que utilizamos, como proposta de verificação futura na
percepção de uma configuração mais generalizada dos transportes urbanos e da
própria mobilidade urbana, a sociologia configuracional de Elias (2000, 1995, 1994,
1993). Esta é uma indicação para um modelo comparativo e ferramental, pois sua
formulação teórica de uma “sociedade dos indivíduos” e o brilhante exemplo dado
por sua pesquisa em Winston Parva demonstram uma forma de fazer sociológico
que pode incorporar as questões simbólicas e imateriais em seus rebatimentos
materiais e objetivos de uma sociedade marcada por hierarquias introjetadas,
socialmente produzidas e reproduzidas.
Mais do que emular e tentar reproduzir o escopo utilizado por Elias e Scotson
no contexto inglês, nossa intenção é aproveitar os ensinamentos retirados da
pesquisa de campo realizada pelos mesmos, além de poder incorporar, antes e
depois de uma possível pesquisa configuracional da RMRJ, todos os dados
coletados, estudados e analisados pelas inúmeras contribuições dadas nesta área,
não somente pela sociologia, ou pelas ciências sociais, mas sim por todo um campo
de conhecimento que tem o urbano como principal local de preocupação e morada.
152 O aumento das tarifas dos transportes coletivos urbanos nas principais capitais do país.
259
Por fim ressaltamos que as “formas de vida pelo transporte”, substrato
essencial para a sociologia dos transportes aqui proposta, vai além da realização e
utilização de etnografias para seu conhecimento, mas só será possível com a
incorporação de informações robustas sobre as percepções coletivas sobre os
diversos modais existentes, as informações objetivas e técnicas sobre
origem/destino e especificidades de cada modal, e as análises das informações
midiáticas vinculadas e que inserem também na construção das percepções e
identidades coletivas acerca da oferta dos transportes urbanos e da mobilidade
urbana em nossas metrópoles.
260
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