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Nonada: Letras em Revista E-ISSN: 2176-9893 [email protected] Laureate International Universities Brasil de Azevedo, Tânia Maris POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LÍNGUA MATERNA: O ENSINO FUNDAMENTADO EM SAUSSURE E AUSUBEL Nonada: Letras em Revista, vol. 1, núm. 20, mayo-septiembre, 2013, pp. 191-212 Laureate International Universities Porto Alegre, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=512451670011 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Nonada: Letras em Revista

E-ISSN: 2176-9893

[email protected]

Laureate International Universities

Brasil

de Azevedo, Tânia Maris

POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LÍNGUA MATERNA: O ENSINO

FUNDAMENTADO EM SAUSSURE E AUSUBEL

Nonada: Letras em Revista, vol. 1, núm. 20, mayo-septiembre, 2013, pp. 191-212

Laureate International Universities

Porto Alegre, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=512451670011

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POR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DA LÍNGUA MATERNA:

O ENSINO FUNDAMENTADO EM SAUSSURE E AUSUBEL

POR UN APRENDIZAJE SIGNIFICATIVO DE LA LENGUA MATERNA: LA ENSEÑANZA

FUNDAMENTADA EN SAUSSURE Y AUSUBEL

Tânia Maris de Azevedo

RESUMOO tema da pesquisa é a proposição de conceitos da linguística saussuriana como fundamentos primeiros de um ensino cujo foco seja a aprendizagem sig-nificativa da língua materna. Para o desenvolvimento do tema, a investigação utilizar-se-á da linguística de Ferdinand de Saussure, mais especificamente, das noções de relação, de oposição, de diferença, de sistema e dos conceitos de língua/linguagem/fala e valor, bem como da Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel, principalmente, das suas concepções de aprendizagem por repetição, aprendizagem representacional, aprendizagem conceitual e aprendizagem proposicional, além das descrições desse autor para os processos de formação e assimilação de conceitos.

PALAVRAS-CHAVEFundamentos para o ensino de língua materna. Aprendizagem significativa. Conceitos saussurianos e ausubelianos.

RESUMENEl tema de la pesquisa es la proposición de conceptos de la lingüística saus-suriana como fundamentos primeros de una enseñanza cuyo foco sea el aprendizaje significativo de la lengua materna. Para el desarrollo del tema, la investigación se utilizará de la lingüística de Ferdinand de Saussure, más específicamente, de las nociones de relación, de oposición, de diferencia, de sistema y de los conceptos de lengua/lenguaje/habla y valor, como también de la Teoría del Aprendizaje Significativo, de Ausubel, principalmente, de sus concepciones de aprendizaje representacional, aprendizaje conceptual y aprendizaje proposicional, además de las descripciones de ese autor para los procesos de formación y asimilación de conceptos.

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PALABRAS-LLAVEFundamentos para la enseñanza de la lengua materna. Aprendizaje signifi-cativo. Conceptos saussurianos y ausubelianos.

INTRODUÇÃO

Pensar o ensino significa, necessária e prioritariamente, pensar a

aprendizagem e pensá-la como um processo que demanda do sujeito

cognoscente atribuir sentido ao que deve aprender, pensá-la como um

passo além da memorização temporária de conteúdos formalmente

estabelecidos no âmbito escolar.

Num continuum, pensar a aprendizagem da língua materna im-

plica explicitar uma concepção de língua que transcenda em muito

(ou mesmo que substitua) a retenção mnemônica da metalinguagem

e de regras gramaticais, no dizer de Ausubel (2003, p. 17), literais e

arbitrárias, logo, impossíveis de serem “um material potencialmente

significativo para o aprendiz”1.

Mas como tornar significativa a aprendizagem escolar da língua

materna? A formulação dessa pergunta, por si só, já incomoda a

quem se coloca na posição de educador, uma vez que não deveria

ser necessário “tornar” significativa ao sujeito uma aprendizagem tão

essencial como o domínio da sua língua primeira, nas mais diversas

modalidades, nos mais variados níveis de registro, no que diz respei-

to à produção e à recepção discursivas oral e escrita. (Talvez, mais

próprio fosse perguntar: o que o ensino fez para que a aprendizagem

de língua materna não fosse significativa? Mas, não é momento de

polemizar o que já está posto.)

As teorias linguísticas da enunciação, do texto e do discurso têm

progredido bastante em seus estudos, mas muito pouco tem sido ade-

quadamente transposto para as situações de aprendizagem de uma

língua. Muito se fala em uso de língua, em constituição do sentido

1 Grifo do autor.

Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel

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do discurso, em configuração deste ou daquele gênero textual, em

estruturação e caracterização deste ou daquele tipo de texto, entre-

tanto, muito pouco ou quase nada desses estudos vai para a sala de

aula, quer nos cursos de formação docente, quer, por conseguinte,

nos níveis de ensino da Educação Básica. Ainda predomina nas licen-

ciaturas e nos níveis fundamental e médio o ensino da gramática da

língua, a artificialização, a formalização, a normatização de estruturas

fonológicas, morfológicas e sintáticas de uma língua que, do ponto

de vista do aluno, não é a que ele usa fora da sala de aula e nem

mesmo na escola em outras disciplinas do currículo para aquisição

de conhecimentos específicos de cada área.

Ferdinand de Saussure, a quem se atribui a instituição da linguística

como ciência, não formulou nenhuma teoria pedagógica, no entanto

algumas das noções de base de seus postulados teóricos poderiam

constituir-se fundamentos e/ou princípios de um ensino cujo objeti-

vo maior seja a aprendizagem significativa de uma língua. A própria

concepção de língua como sistema de signos (CLG2, 1989, p. 24) já

permite propor um ensino que evidencie inter-relações, combinações

e associações na produção do sentido e que não trate as unidades da

língua de forma isolada, classificando-as ou decompondo palavras e

frases, contexto em que as relações são apenas prescritas como regras

de uso correto disso ou daquilo.

Para que as aprendizagens atinentes a qualquer área do conheci-

mento, realizadas no ambiente escolar, sejam, de fato, significativas,

faz-se mister que a aprendizagem do uso da língua – como elemento

mediador da interação do sujeito conhecedor com o objeto de conhe-

cimento e com os demais sujeitos (como sustentam Vygotsky (2000)

e tantos outros estudiosos) – seja, antes de qualquer outra, signifi-

cativa para o aluno, pois é por meio da língua que ele vai ter acesso

às informações e que vai se consolidar seu processo de aquisição do

conhecimento social, histórica e cientificamente produzido.

2 CLG é a sigla usual do Curso de linguística geral, obra atribuída a Saussure, mas elaborada e publicada por Charles Bally e Albert Sechehaye, em 1916, três anos após a morte de Saussure.

Tânia Maris de Azevedo

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No sentido de buscar mais algumas possibilidades de intervenção

no ensino da língua materna, mais precisamente, na formação de

professores, implementamos uma investigação, objeto deste artigo,

cujo problema foi assim formulado: como os conceitos saussurianos

de sistema, língua e valor e, consequentemente, as noções de relação/

oposição/diferença podem se constituir fundamentos primeiros de

um ensino que vise à aprendizagem significativa da língua materna3?

O objetivo deste trabalho, portanto, é o de divulgar as primeiras

questões e hipóteses de resposta da pesquisa que ora desenvolvemos,

a fim de trazer à tona uma problemática pedagógica, ao nosso ver,

tão essencial ao acesso à informação, à construção do conhecimento,

ao desenvolvimento de competências e habilidades e, consequente-

mente, à consolidação da cidadania do sujeito cognoscente quanto o

é a aprendizagem da língua materna.

ALGUMAS CONCEPÇÕES FUNDANTES

Tornar o ensino/a aprendizagem de língua materna um problema

de pesquisa requer, antes, explicitar o que estamos entendendo por

ensino e aprendizagem e pela (inter)relação desses processos.

Primeiramente, parece-nos necessário esclarecer que não cremos

ser possível conceber ensino, sem que primeiro seja explicitada uma

concepção de aprendizagem, pois somente a partir do entendimen-

to de como o sujeito aprende/conhece e de o que pode promover

aprendizagem é que redunda viável pensar em como se ensina e em

o que ensinar.

Consoante já dissemos,

[...] se o saber pressupõe a construção de uma rede de informações, conceitos e conhe-cimentos interconectados além de uma gama de competências e habilidades desenvolvidas, faz-se necessário aprender a tecer essa rede e a lançá-la para resolver problemas. (AZEVEDO, 2010, p. 203).

3 Cabe registrar aqui que o que se instituiu como objeto dessa investiga-ção, a priori, pode ser aplicado ao ensino de qualquer língua. Trata-se apenas de um recorte necessário a implemen-tação de qualquer pes-quisa.

Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel

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Nesse sentido, Azevedo (2010, p. 203) define aprendizagem como o

desenvolvimento4 de competências/habilidades essenciais5 ao acesso

e à compreensão das informações, à formação/aquisição de conceitos,

à construção de conhecimentos e à constituição do saber.

A aprendizagem, assim concebida, pode ser promovida/otimizada

por duas formas/modalidades de educação: (a) a informal, no sentido

de educação cotidiana e fruto, por um lado, das relações do sujeito

conhecedor com a natureza e, por outro, das relações intersubjetivas

de âmbito familiar, social, sendo a grande responsável pela preserva-

ção da cultura e pela consolidação de uma sociedade; e (b) a formal,

o ensino institucionalizado, decorrente da necessidade humana de

organizar e difundir conhecimentos, para que, ao torná-los social-

mente comuns, processos sejam compreendidos sem que precisem

ser constantemente experienciados e, com isso, problemas possam

ser previstos e soluções, otimizadas.

Azevedo e Rowell (2010) atribuem a cada uma dessas formas de

educação algumas características definidoras. De acordo com as au-

toras (op. cit., p. 204), a educação informal é:

(a) assistemática, visto não ser planejada nem regida por preceitos didático-pedagógicos es-tabelecidos cientificamente; (b) espontânea, pois ocorre unicamente como decorrência da necessidade, à medida que surgem conflitos per-turbadores da estabilidade das relações sociais do indivíduo/grupo; e (c) circunstancial, pois não tem local e hora estipulados previamente, efetiva-se no contexto imediato dos problemas a serem resolvidos ou, ao menos, minimizados.

Já, a educação formal, consoante as mesmas pesquisadoras (id.

ib.), por ocorrer em ambientes e horários preestabelecidos, com pro-

fissionais especializados/habilitados e utilizar materiais e recursos

didaticamente planejados para a implementação de programas curri-

culares instituídos, configura-se como um processo:

4 Desenvolvimento en-tendido como o processo de desenvolver, portanto, contínuo e em constante aprimoramento/quali-ficação.

5 Como as competências de utilizar adequada-mente diversas lingua-gens humanas, sejam verbais (em nível oral e/ou escrito), sejam não--verbais, resolver pro-blemas de forma viável e eficaz; e/ou como as habilidades de observar, comparar, classificar, analisar, sintetizar, in-terpretar, criticar, definir, explicar.

Tânia Maris de Azevedo

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(a) sistemático – metódica e metodologicamente organizado para propiciar a aquisição do conhe-cimento produzido social e historicamente; (b) programado – com objetivos e ações planejados previamente e conteúdos hierarquicamente dis-postos ao longo de um currículo; e (c) situado ar-tificialmente – em oposição à circunstancialidade que define o processo de educação informal, a educação formal tem tempos e espaços defini-dos, ocorre por meio da criação de ambientes de aprendizagem, antecipando necessidades e conflitos que supostamente fazem parte da vida em sociedade.

Diante dessa caracterização, as autoras (2010, p. 204) propõem

que, em consonância com seus fins, a educação formal possa ser

uma espécie de “simulacro” do processo educativo informal: deveria

o ensino reproduzir e/ou antecipar situações de conflito, análogas às

experimentadas pelos sujeitos na sua vida em sociedade, na forma de

situações de aprendizagem, para que o discente pudesse “apropriar-se

do conhecimento produzido social, histórica e cientificamente pela

humanidade e valer-se dele para solucionar os problemas próprios da

sobrevivência e do convívio social”.

Azevedo e Rowell alertam, ainda, para o fato de ser essencial a

todo e qualquer docente conceber o ensino como uma simulação do

processo natural da aprendizagem pela educação informal, pois é

próprio da aprendizagem humana derivar de uma necessidade criada

por desafios que desestabilizem e mobilizem as estruturas cognitivas

do sujeito na sua relação com o outro e com mundo. Somente dessa

forma o professor, “mesmo ciente da artificialidade que tal simulação

implica, poderá aproximar ao máximo a aprendizagem escolar da

aprendizagem cotidiana, tornando-a significativa e, portanto, efetiva

e eficaz.” (op. cit, p. 218).

Assim concebida, a educação formal pode proporcionar ao sujeito

conhecedor aprender significativamente, constituir seu saber, ou o

que Ausubel (2002, p. 09 – grifos do autor) diz ser um conhecimento

significativo.

Por uma aprendizagem significativa da língua materna: o ensino fundamentado em Saussure e Ausubel

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El conocimiento es significativo por definici-ón. Es el producto significativo de un proceso psicológico cognitivo (“conocer”) que supone la interacción entre unas ideas “lógicamente” (culturalmente) significativas, unas ideas de fondo (“de anclaje”) pertinentes en la estructura cognitiva (o en la estructura del conocimiento) de la persona concreta que aprende y la “acti-tud” mental de esta persona en relación con el aprendizaje significativo o la adquisición y la retención de conocimientos.

Explicitadas essas concepções de base, passamos a tratar dos

aportes teóricos objeto da investigação que ora fazemos, numa visão

geral dos seus principais pressupostos. De início, apresentaremos a

proposta teórica de David Ausubel, e, na sequência, discorreremos

sobre a linguística saussuriana.

AUSUBEL E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

No livro Teorias cognitivas da aprendizagem, Juan I. Pozo (1998)

insere a Teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel, no

âmbito das teorias cognitivas e, mais precisamente, no grupo deno-

minado por Pozo “teorias da reestruturação”, ao lado dos estudos da

Gestalt, da Teoria da Equilibração, de Piaget, e das investigações de

Vygotsky. Pozo chega a dizer que a teoria de Ausubel é “um comple-

mento instrucional adequado ao marco teórico geral de Vygotsky”

(POZO, 1998, p. 214).

Nesse contexto é que, ocupando-se especificamente da aprendi-

zagem/do ensino de conceitos científicos a partir da formação, pela

criança, dos conceitos espontâneos, Ausubel formula sua Teoria da

Aprendizagem Significativa (TAS), centrada, consoante Pozo (1998),

na organização do conhecimento em estruturas e nas reestruturações

que são produzidas devido à interação de tais estruturas presentes no

sujeito com a nova informação.

Tânia Maris de Azevedo

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Diferentemente de outros organicistas, como Piaget e a Gestalt,

Ausubel, à semelhança de Vygotsky, vê na instrução formal o principal

promotor da reestruturação cognitiva, desde que, nela, a informação

necessária à desequilibração das estruturas preexistentes seja trans-

mitida de forma organizada e explícita.

Segundo Moreira (1999, p. 150), Ausubel, analogamente a outros

cognitivistas, acredita na existência de uma estrutura cognitiva, isto

é, de um conteúdo e de uma organização das ideias de um indivíduo

em uma área particular de conhecimentos. Para Moreira (id., ib.), a

estrutura cognitiva é “o complexo resultante dos processos cogniti-

vos, ou seja, dos processos por meio dos quais se adquire e utiliza o

conhecimento”.

Partindo dessa premissa, Ausubel, ainda consoante Moreira (op.

cit.), define aprendizagem como “organização e integração do ma-

terial na estrutura cognitiva”. Dito de outro modo, Ausubel concebe

aprendizagem como o processo pelo qual o sujeito conhecedor incor-

pora e ancora organizadamente novas informações aos conceitos já

integrantes de sua estrutura cognitiva.

Ainda conforme Moreira (1999), para Ausubel, o que já é conhecido

pelo aluno, o que ele já sabe é o fator isolado que mais influencia a

aprendizagem. Transpondo essa ideia para o ensino de língua mater-

na, podemos conjecturar que, da forma como a língua portuguesa é

ensinada nas escolas atualmente, tal pressuposto não é nem de longe

observado, pois o que se ensina sobre a língua não é, em hipótese

alguma, o que o aprendiz já sabe, nem sequer pode ser vinculado ao

que ele já conhece e usa diariamente desde que aprendeu a falar. Os

conteúdos gramaticais que compõem o programa de ensino do por-

tuguês (de nível lexical, frasal ou mesmo textual) são tão distantes

do uso que o sujeito faz da língua, tão artificialmente sistematizados,

que não há como perceber qualquer espécie de aplicação ao contexto

cotidiano de uso de uma língua. Classificações, normatizações, ativida-

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des de treino de estruturas linguísticas não podem contar com o que o

aluno já sabe para serem mais significativamente aprendidas, pois não

dizem respeito aos usos que os falantes nativos fazem de sua língua.

Se o que o aluno já sabe influencia seu processo de aprendizagem,

tal influência, positiva ou negativa, não pode entrar em cena quando

o assunto é a gramática normativa de uma língua, pois este objeto

de estudo não tem qualquer vínculo possível com o que o falante já

sabe e já usa. Trata-se de algo tão alheio às práticas de linguagem que

só serve para que os aprendizes acreditem e digam frequentemente

“eu não sei português”.

Ausubel (2003) defende a ideia de que a aprendizagem por recepção

significativa pressupõe a aquisição de novos significados por meio de

um material potencialmente significativo para o aprendiz, ou seja, de

um material que se relacione de forma “não arbitrária” e “não literal”

com qualquer estrutura cognitiva que possua significado lógico, sen-

do, portanto, apropriada e relevante. Para que a aprendizagem seja

significativa, segundo esse autor, é necessário ainda que a estrutura

cognitiva do aprendiz já contenha ideias relevantes ancoradas.

A interacção entre novos significados potenciais e ideias relevantes na estrutura cognitiva do aprendiz dá origem a significados verdadeiros ou psicológicos. Devido à estrutura cognitiva de cada aprendiz ser única, todos os novos significados adquiridos são, também eles, obri-gatoriamente únicos. (AUSUBEL, 2003, p. 01).

Aprendizagem significativa é, então, o processo pelo qual um

significado novo é incorporado não arbitrária e não literalmente pelo

aprendiz a outros significados já existentes em sua estrutura cognitiva,

logo, resultantes de aprendizagens prévias igualmente significativas.

Consoante Moreira (1997, p. 20), Ausubel entende por não arbi-

trariedade o relacionamento de um significado, não com quaisquer

outros presentes na estrutura cognitiva do aprendiz, mas com aqueles

Tânia Maris de Azevedo

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significados especificamente relevantes, aos quais Ausubel chama sub-

sunçores – conceitos, ideias, proposições “especificamente relevantes

e inclusivos” que “estejam adequadamente claros e disponíveis na

estrutura cognitiva do sujeito e funcionem como pontos de ‘ancora-

gem’ aos primeiros”.

A não literalidade ou substantividade, conforme Moreira (op. cit.),

diz respeito ao fato de que o aprendiz não incorpora à sua estrutura

cognitiva as palavras (literais) usadas para a expressão de conceitos

e proposições, o que fica ancorado é a própria substância deles. A

literalidade e a arbitrariedade promovem a aprendizagem mnemônica,

não, diretamente, a aprendizagem significativa.

Ausubel (2003) assinala a existência de duas grandes condições para

a efetivação de aprendizagens significativas, uma que diz respeito ao

material a ser aprendido e outra referente à disposição do aprendiz.

A primeira condição proposta pelo autor (op. cit., p. 71) é a de

que o material seja potencialmente significativo, isto é, relacionável,

de forma não arbitrária e não literal, com a estrutura cognitiva do

aprendiz; passível de ser relacionado, pelo sujeito conhecedor, com

ideias, conceitos, proposições de caráter mais geral (mas igualmente

relevantes) previamente integrados à sua estrutura de conhecimentos.

Como segunda condição, Ausubel (id. ib.) aponta a necessidade de o

aprendiz dispor-se a relacionar o novo material a ser aprendido, de for-

ma não arbitrária e não literal, à própria estrutura de conhecimentos.

Consoante a proposta de Ausubel (op. cit., p. 72),

independentemente da quantidade de potenciais significados que pode ser inerente a uma deter-minada proposição, se a intenção do aprendiz for memorizá-los de forma arbitrária e literal (como uma série de palavras relacionadas de modo arbitrário), quer o processo, quer o resultado da aprendizagem devem ser, necessariamente, memorizados ou sem sentido. Pelo contrário, independentemente da significação que o me-canismo do aprendiz pode ter, nem o processo nem o resultado da aprendizagem podem ser significativos, se a própria tarefa de aprendiza-

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gem não for potencialmente significativa – se não for relacional, de forma não arbitrária e não literal, com qualquer estrutura cognitiva hipotética na mesma área de matérias, bem como com a estrutura cognitiva idiossincrática particular do aprendiz.

Falando sobre esse “mecanismo de aprendizagem significativa”,

o autor (2003, p. 72) menciona alguns motivos que levam o aluno a

desenvolver um mecanismo de aprendizagem mnemônica em dadas

disciplinas: (a) o fato de as respostas dos discentes (por mais que em

essência estejam corretas), se não estiverem em consonância literal

com o que o professor ou o material didático dizem, não serem va-

lorizadas por alguns docentes; (b) o fato de os aprendizes, devido a

alguns fracassos repetidos, passarem a crer na memorização como

única alternativa para garantir o êxito deles esperado por professores

e pais; e (c) o fato de os educandos serem “pressionados a exibirem

fluência, ou a ocultarem, em vez de admitirem e remediarem, gradu-

almente, deficiências existentes na compreensão genuína”.

Infelizmente, tais situações não são nada incomuns nas aulas de

língua materna, pois, como o privilegiado é o ensino da gramática

normativa (as regras de concordância, ortografia, acentuação, pon-

tuação, a conjugação verbal, a classificação sintática), as respostas

solicitadas devem ser idênticas às prescritas pelos manuais didáticos.

Mesmo quando o que está em questão é a compreensão leitora, vê-se

professores exigindo dos alunos respostas que correspondam literal-

mente às que constam dos livros didáticos distribuídos aos docentes.

Não há, portanto, como esperar que o aluno realize uma aprendizagem

significativa dos usos de sua língua materna se o material e as exi-

gências docentes conduzem-no a “optar” por desenvolver estratégias

de memorização, a fim de ter boas notas. É uma lástima que ainda se

presencie professores de língua ensinando “musiquinhas” ou rimas

pobres que facilitem a retenção mnemônica de normatizações grama-

ticais, ao invés de expor o aluno a fenômenos linguístico-discursivos

Tânia Maris de Azevedo

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e ensinar-lhe a observá-los e a depreender deles os usos adequados

ou não a cada situação enunciativa.

Neste ponto, torna-se relevante mencionar o fato de Ausubel con-

ceber a relação entre a aprendizagem mnemônica e significativa, não

como dicotômicas, mas como um continuum no qual a memorização

está na base de qualquer processo de atribuição de significado, de

qualquer ancoragem de um novo significado à estrutura cognitiva

do sujeito.

Evidentemente, a memória é fundamental a qualquer tipo de apren-

dizagem, e não seria Ausubel o teórico a dizer o contrário. Trata-se de

não reduzir a aprendizagem à memorização, até porque memorizar

não significa aprender. E mais: a memorização de que se fala aqui

como abordagem reducionista e simplista da aprendizagem refere-

-se à retenção de informações na memória de curto prazo, aquela

que, depois dos momentos de avaliação escolar, o cérebro humano,

graças à sua propriedade seletiva, trata de “deletar” o que nela foi

armazenado para dar lugar a novas informações a serem aí guardadas

para usos momentâneos e efêmeros. As verdadeiras aprendizagens,

aquelas significativamente ancoradas em nossas estruturas cognitivas,

são retidas na memória permanente ou de longa duração e nunca

são efetivamente apagadas, são reestruturadas, redimensionadas,

reconfiguradas por aprendizagens de conceitos ou proposições mais

específicos/profundos/complexos.

Tanto é assim que ao tratar da assimilação6, Ausubel (2003, p.

105-148) define como o estágio seguinte a esse processo o que ele

chama de assimilação obliterante ou um esquecimento significativo.

Segundo ele (AUSUBEL, 2003, p. 106), as informações novas que são

assimiladas vão se tornando progressivamente menos dissociáveis da

ideia geral ancorada previamente na estrutura cognitiva do aprendiz

a ponto de essa ideia mais geral ser considerada esquecida. Assim,

memorização, assimilação e esquecimento formam um continuum

6 Cf. o mesmo autor (op. cit.) assimilação é o pro-cesso que ocorre quando “se apreende uma nova ideia a, através da re-lação e da interacção com a ideia relevante A estabelecida na estru-tura cognitiva, alteram--se ambas as ideias e a assimila-se à ideia esta-belecida A”.

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e, sucessivamente, contribuem para a aprendizagem e a retenção de

novas informações.

Por óbvio, a língua é a principal mediadora tanto da aprendizagem

dita mnemônica quanto da aprendizagem significativa, pois: (a) permi-

te o acesso a novas informações; (b) é o veículo essencial do processo

de abstração; e (c) fornece os signos que representam os conceitos

e as categorias nas quais esses conceitos são inseridos e ancorados.

Ausubel aborda de modo bastante explícito o papel da linguagem

na aprendizagem significativa.

A linguagem é um importante facilitador da aprendizagem significativa por recepção e pela descoberta. Aumentando-se a manipulação de conceitos e de proposições, através das proprie-dades representacionais das palavras, e aperfei-çoando compreensões subverbais emergentes na aprendizagem por recepção e pela descoberta significativas, clarificam-se tais significados e tornam-se mais precisos e transferíveis. Por conseguinte, ao contrário da posição de Piaget, a linguagem desempenha um papel integral e ope-rativo (processo) no raciocínio e não meramente um papel comunicativo. Sem a linguagem, é provável que a aprendizagem significativa fosse muito rudimentar (ex.: tal como nos animais). (AUSUBEL, 2003, p. 05)

Claro está na posição de Ausubel sobre a função da linguagem no

processo de aprender significativamente que não se trata de memo-

rizar classificações lexicais, sintáticas e mesmo textuais/discursivas

ou a metalinguagem correspondente, mas de usá-la, de operar (cf.

“papel operativo” na citação acima) com ela no sentido de compre-

ender, abstrair e representar informações e conceitos necessários à

instrução, para poder incorporá-los significativamente à estrutura

cognitiva prévia.

Outro dos alicerces teóricos da pesquisa que aqui apresentamos é a

proposta linguística de Ferdinand de Saussure, a qual passa, também,

a ser sucintamente apresentada.

Tânia Maris de Azevedo

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SAUSSURE E A LÍNGUA COMO SISTEMA DE VALORES

Ducrot (2001), em seu Dicionário enciclopédico das ciências da

linguagem, no verbete saussurianismo, afirma que os estudos de

Ferdinand de Saussure tiveram início como uma reação à prática com-

paratista, cuja crença na desorganização progressiva das línguas sob

a influência das leis fonéticas – ligadas, por sua vez, à atividade de

comunicação – sustentava a tese de que seria possível ler, no estado

presente, a gramática do estado passado, mesmo que os elementos

gramaticais do primeiro estado tivessem um estatuto gramatical apa-

rentemente muito diferente dos elementos antigos.

Para Saussure, segundo Ducrot (2001), cada língua, a cada momen-

to, em cada espaço de sua realização, apresenta uma certa forma de

organização, a qual não é decorrente de uma função preexistente à

sua função de comunicação, pois a língua, na perspectiva saussuriana,

não tem outra função que não a de comunicação.

Ainda consoante Ducrot (2001, p. 27),

Saussure mostra que a linguagem, a todo mo-mento de sua existência, deve apresentar-se como uma organização. A essa organização inerente a toda língua, Saussure denomina SISTEMA (seus sucessores falam amiúde de ESTRUTURA). (DUCROT, 2001, p. 27 – grifos do autor.)

Conforme Azevedo (2006), Saussure faz uso do princípio estru-

turalista da relação para o processo de determinação dos elementos

constituintes de um sistema linguístico. Na visão da autora, a delimi-

tação de uma unidade pressupõe que a unidade objeto de análise seja

relacionada com as outras que compõem o sistema e alocada no âmbito

de uma organização de conjunto. De acordo com Ducrot (2001), é a

essa rede de inter-relações que os saussurianos denominam sistema

da língua, e, para eles, os elementos linguísticos não têm nenhuma

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realidade independente de sua relação com o todo, com o sistema a

que pertencem.

Como diz Azevedo (2006), o elemento linguístico, em Saussure, é

o signo, isto é, a totalidade resultante da associação de uma imagem

acústica, o significante, e de um conceito, o significado.

O signo lingüístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acús-tica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreite) psíquica dêsse som, a representação que dêle nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é sòmente neste sentido, e por oposição ao outro têrmo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (SAUSSURE, 1989, p. 80)

Essa associação é totalmente arbitrária e, ao mesmo tempo, cons-

titui o que esse teórico chama valor, pois, consoante Azevedo (2006):

(a) serve para designar uma realidade linguística que lhe é estranha

(realidade atingida por meio de seu significado, mas que não é seu

significado); e (b) o poder significativo que o constitui é estritamente

condicionado pelas relações que o unem a outros signos da língua,

de modo que não se pode apreendê-lo sem o reintegrar à rede de

relações intralinguísticas.

Segundo Ducrot (2001), Saussure ressalta que a efetiva atividade que

possibilita ao linguista determinar os elementos da língua (os signos)

impõe o aparecimento simultâneo do sistema que é o responsável por

lhes conferir valor.

Claudine Normand (2009, p. 79. Grifos da autora), sobre o conceito

de valor, afirma:

Dizer valor é, por um lado, colocar uma “equi-valência entre coisas de ordens diferentes” [...]; é, por outro lado, se colocar no âmbito de uma pluralidade de elementos independentes, plu-ralidade regulada de modo específico para cada língua: “Na língua, cada termo tem seu valor por oposição a todos os outros termos”.

Tânia Maris de Azevedo

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Derivado do princípio da relação (DUCROT, 2001, p. 28), Saussure

chama de princípio da opositividade a mais fundamental e própria

característica dos signos, que é a de “ser o que os outros não são”,

ou seja, “a unidade é, não tudo o que os outros não são, mas que ela

é nada mais do que aquilo que os outros não são”. Melhor dizendo,

a unidade não se define a não ser por suas diferenças, “ela não se

baseia em nada mais ‘do que em sua não-coincidência com o resto’”.

Em Saussure encontra-se uma explicitação do conceito de valor.

Valor é, eminentemente, sinônimo, a cada instante, de termo situado em um sistema de termos similares, do mesmo modo que é, emi-nentemente, sinônimo, a cada instante, de coisa cambiável. [ ] Considerar a coisa cambiável, por um lado e, por outro, os termos co-sistemáticos, não revela nenhum parentesco. É próprio do va-lor relacionar essas duas coisas. Ele as relaciona de um modo que chega a desesperar o espírito pela impossibilidade de se investigar se essas duas faces do valor diferem por ele ou em quê. A única coisa indiscutível é que o valor existente nesses dois eixos é determinado segundo esses dois eixos concomitantemente. (SAUSSURE, 2009, p. 289. Grifos do autor)

Foi justamente valor o conceito saussuriano motivador da pesquisa

de que trata este artigo, uma vez que considerar, nesses termos, a

língua como um sistema de valores possibilita configurar um ensino

de língua que privilegie e se paute pelas relações e inter-relações das

entidades linguísticas situadas no sistema que integram e que lhes

permite serem realizadas em situações enunciativas concretas. Crê-se,

pois, que um ensino assim fundamentado possa efetivamente cons-

tituir-se um potencializador de aprendizagens linguístico-discursivas

significativas.

No sentido de definir o objeto de estudo da ciência linguística, Saus-

sure (1989) distingue língua de linguagem e de fala. Define linguagem

como uma faculdade, uma capacidade dos indivíduos, considerando-a

uma dimensão maior do fenômeno linguístico que engloba a língua

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e a fala, pois afirma que “a linguagem tem um lado individual e um

lado social, sendo impossível conceber um sem o outro” (op. cit., p.

16). A língua, então, seria o aspecto social, coletivo da linguagem, e

a fala, seu aspecto individual.

Para o autor (op. cit., p. 17), a língua é uma “parte determinada”

da linguagem. É, ao mesmo tempo, o resultado social da faculdade da

linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pela

sociedade para possibilitar aos indivíduos o exercício de tal faculdade.

Conforme Azevedo (2006), nessa distinção entre língua e linguagem

é que, para Saussure (1989), está a razão primeira de atribuir à língua

o primeiro lugar no estudo da linguagem.

A definição clássica de Saussure para a língua é por ele construída,

não só por oposição à concepção de linguagem, como também por

oposição à noção de fala. Para ele, língua é

um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma co-munidade, um sistema gramatical que existe vir-tualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (SAUSSURE, 1989, p. 21).

Entretanto, no escopo deste estudo, mais significativo é o que

Saussure afirma sobre a língua em uma de suas notas manuscritas.

Seja qual for a sua natureza mais particular, a língua, como os outros tipos de signos, é, antes de tudo, um sistema de valores, e é isso que estabelece seu lugar no fenômeno. Com efeito, toda espécie de valor, mesmo usando elementos muito diferentes, só se baseia no meio social e na força social. É a coletividade que cria o valor, o que significa que ele não existe antes e fora dela, nem em seus elementos decompostos e nem nos indivíduos. (SAUSSURE, 2009, p. 250. Grifos do autor)

Nossa investigação funda-se nessa concepção de língua, como

um sistema de valores criado, mantido e/ou transformado por uma

Tânia Maris de Azevedo

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coletividade por meio da fala, definida por Saussure (1989, p. 22)

como a dimensão individual da linguagem; “um ato individual de

vontade e inteligência, no qual é possível diferenciar “as combinações

pelas quais o falante realiza o código da língua”, para expressar seu

pensamento, do “mecanismo psicofísico”, que possibilita ao falante

manifestar tais combinações.

Estabelecido o objeto da ciência linguística, Saussure (1989 e 2009),

valendo-se do princípio estruturalista da relação, afirma que toda

palavra de uma língua só existe nas e pelas relações com as outras

palavras dessa mesma língua, ou seja, uma palavra não existe a não

ser em relação às outras palavras, seja qual for a dimensão (fonológica,

morfológica, sintática e/ou semântica) pela qual ela for analisada.

Sendo assim, consoante Azevedo (2006), o valor de um signo está,

desde a perspectiva saussuriana, nas relações que este mantém com

os demais signos de uma língua. Dito por outras palavras, o valor

de um signo está no ponto de intersecção dos dois eixos (tipos) de

relação que ele pode estabelecer com os outros signos de um sistema

linguístico: o sintagmático, eixo das combinações in praesentia, e o

paradigmático, eixo das associações in absentia7.

Saussure, no seu Curso de Linguística Geral (1989, p. 142), afirma

que “num estado de língua, tudo se baseia em relações” e que essas

relações “se desenvolvem em duas esferas distintas, cada uma das

quais é geradora de certa ordem de valores”: a sintagmática e a pa-

radigmática.

No discurso, para Saussure (op. cit., p. 142), os signos estabelecem

entre si encadeamentos fundados no caráter linear da língua, o que

impede, por exemplo, de serem pronunciadas simultaneamente duas

palavras. Esses encadeamentos são as relações sintagmáticas, ou in

praesentia, pois resultam da combinação entre termos presentes num

segmento da fala. “Colocado num sintagma, um têrmo só adquire seu

valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou a ambos.”

7 Bouquet (2001) fala ainda sobre outra dimen-são do valor saussuria-no, aquela cuja origem está na relação arbitrária significante/significado. Essa indissociabilidade das duas faces do signo linguístico constitui uma outra ordem de valor: o valor interno ao signo.

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Arrivé (2010, p. 88) diz que o sintagma em Saussure parte da

combinação de duas unidades no interior de uma mesma palavra

(fonemas, afixos) até limites não definidos, o que pode sugerir que

se estenda além da frase.

A outra esfera de relações geradora de valor é a paradigmática

(associativa), pela qual termos ausentes da manifestação discursiva

(mas presentes na memória dos interlocutores) são encadeados;

tal encadeamento mnemônico é o responsável pelas escolhas feitas

quando da produção dos discursos em que um termo desse grupo in

absentia é atualizado8 em detrimento de todos os outros. Tal processo

de escolha é determinado e determinante do valor opositivo dos termos

a serem realizados pela fala ou não.

Normand (2009) aponta para o fato de que somente as combina-

ções (relações sintagmáticas realizadas, atualizadas, manifestas) são

observáveis, no entanto elas supõem escolhas virtuais imprescindíveis,

ainda que imperceptíveis.

Como já dito aqui, é justamente no cruzamento desses dois eixos de

relações, o sintagmático e o paradigmático, que o valor de um signo

se estabelece e se define. Um diagrama pode facilitar a visualização

dessa ideia.

Pelo olhar saussuriano9, são essas duas ordens de relações (sintag-

máticas e paradigmáticas), é esse “duplo caráter do valor” que está na

8 No sentido de pôr em ato, concretizar, enun-ciar.

9 Cf. Bouquet, 2001, p. 256.

Tânia Maris de Azevedo

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base da noção de sistema: seja qual for a ordem de relações em que

uma palavra funcione, ela é sempre, e antes de mais nada, parte de

um sistema, solidária a outras palavras, ora numa, ora noutra ordem

de relações. Essa solidariedade recíproca é algo a ser considerado

naquilo que constitui o valor.

Vê-se mais uma vez aqui o princípio da relação como um fun-

damento indispensável à qualificação de um ensino de língua cujo

objetivo maior seja a potencialização/otimização de aprendizagens

significativas. Dados esses pressupostos saussurianos, não se pode

conceber a continuidade de um ensino de língua pautado pela gramá-

tica normativa – pela classificação infindável de unidades linguísticas

(ou melhor, gramaticais) isoladas da situação enunciativo-discursiva

e do sistema que as integra e condiciona – e/ou pela memorização

da metalinguagem fonológica, morfológica, sintática e mesmo textual

em detrimento de uma perspectiva de uso da língua sistemicamente

concebida como uma reciprocidade de valores que só se definem em

cada discurso produzido e na relação de alteridade que os sustenta.

É nesse contexto teórico que se insere e se justifica, pela relevância

social e pelo mérito científico, a pesquisa aqui descrita, uma vez que

tem por objeto a busca, na teoria linguística, de possíveis fundamentos

para uma aprendizagem significativa da língua materna. Tais funda-

mentos poderão subsidiar os estudos tanto dos professores de Portu-

guês, em processo de formação continuada, quanto dos estudantes

de Letras como futuros docentes da referida disciplina nos currículos

do Ensino Fundamental e Médio e, além desses, de todos os profes-

sores que vejam na linguagem o principal mediador da formação de

conceitos e do desenvolvimento de competências e habilidades em

qualquer área do conhecimento.

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TÂNIA MARIS DE AZEVEDO

Doutora em Linguística Aplicada pela PUCRS. Professora nos cursos de Licenciatura em Letras, Especialização em Leitura e Produção Textual e Mestrado em Educação da Universidade de Caxias do Sul.

E-mail: [email protected]

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