Uma Aproximação Entre o Realismo Baziniano e a Estética Do Dogma 95 Em Os Idiotas, De Lars Von...
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7/24/2019 Uma Aproximao Entre o Realismo Baziniano e a Esttica Do Dogma 95 Em Os Idiotas, De Lars Von Trier
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UMA APROXIMAO ENTRE O REALISMO BAZINIANO E A ESTTICA DO DOGMA 95 EM
OS IDIOTAS, DE LARS VON TRIER
Mariana Costa
Introduo
Diferentemente dos tericos vinculados escola formativa, Andre Bazin, um dos formuladores
de uma teoria realista do cinema juntamente com Siegfried Kracauer, defendia que a forma
ideal de expressar a realidade no cinema era o uso da imagem sem enfeites, limpa. Para o
autor, a linguagem cinematogrfica ia alm de uma lista de efeitos tcnicos associados a
determinados significados prvios e atravs do cinema o homem poderia perceber e conhecer
coisas sobre a realidade de outra forma, anteriormente impossveis de acessar.
Bazin defendia os desenvolvimentos tcnicos do cinema que aproximavam a percepo que
temos do filme da nossa percepo natural. Som, cor, tela panormica, realizavam esta
aproximao, por exemplo. Para o terico, a superposio, assim como outras formas de
estilizao, no deveria ser utilizada no cinema porque as convenes so a essncia do
teatro. Entretanto, no mbito da construo realista da imagem, o autor v espao para o uso
simblico no cinema desde que as associaes nasam da prpria realidade, como o caso
das produes neo-realistas italianas.
O autor afirmava que a tela do cinema como uma mscara que revela apenas uma parte da
realidade. Todavia o que no mostrado continua existindo como realidade no mostrada.
Destaca-se que a concluso central da teoria de Bazin a ideia de que a viso de um artista
deve ser determinada pela seleo que ele faz da realidade, no por sua transformao dessa
realidade.
Para Bazin, a mais perfeita expresso de sua viso realista do cinema estava presente nosfilmes de Jean Renoir. O uso da profundidade de campo, a intensa explorao das entradas e
sadas das personagens do campo e a recusa do uso da retroprojeo geravam um mundo
verdadeiro no qual os personagens falavam da mesma maneira que somos atingidos em nossa
percepo cotidiana. No estilo neutro, denominao atribuida devido ausncia de
intervenes formativas na imagem, a abordagem exigia da platia, segundo Bazin, no a
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compreenso do significado daquilo que o cineasta est criando, mas o reconhecimento dos
nveis de significado na prpria natureza. O autor afirmava que, em um sentido psicolgico, o
realismo tem a ver, no com a acuidade de reproduo, mas com a crena do espectador na
origem da reproduo.
Tendo em vista os principais conceitos bazinianos, este artigo pretende realizar uma
aproximao entre a teoria realista de Andre Bazin e a esttica promovida pelas produes
com selo dogma 95, em especial com filme Os Idiotas (Idioterne, 1998), de Lars Von Trier, que
ser objeto de anlise durante o desenvolvimento desse trabalho.
A esttica do real em Os idiotas
Em 1995, por ocasio das comemoraes do centenrio do cinema na capital francesa,
Thomas Vinterberg e Lars von Trier elaboraram o Manifesto Dogma 95, um documento que
tecia uma nova frmula que proporcionaria ao cinema um retorno verdade e ao real. O
manifesto foi escrito visando a criao de um cinema mais realista e menos comercial e
apresentava uma srie de restries quanto ao uso de tcnicas e tecnologias nos filmes.
Nascia, portanto, um novo movimento que defendia o uso da imagem cinematogrfica sem
artifcios.Abaixo encontra-se uma traduo das regras do Dogma 95.
Voto de Castidade
Eu juro me submeter ao seguinte conjunto de regras criado e confirmado pelo Dogma 95:
1. As filmagens devem ser feitas em locais externos. No podem ser usados acessrios ou
cenografia (se a trama requer um acessrio particular, deve-se escolher um ambiente externo
onde ele se encontre).2. O som no deve jamais ser produzido separadamente da imagem ou vice-versa. (A msica
no poder, portanto, ser utilizada, a menos que no ressoe no local onde se filma a cena)
3. A cmera deve ser usada na mo. So consentidos todos os movimentos - ou a imobilidade
- devidos aos movimentos do corpo. (O filme deve ser feito onde a cmera est colocada so
as tomadas que devem desenvolver-se onde o filme tem lugar).
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4. O filme deve ser em cores. No se aceita nenhuma iluminao especial. (Se h luz demais,
a cena deve ser cortada, ou ento, pode-se colocar uma nica lmpada sobre a cmera).
5. So proibidos os truques fotogrficos e filtros.
6. O filme no deve conter nenhuma ao superficial. (Em nenhum caso homicdios, uso de
armas ou outros).
7. So vetados os deslocamentos temporais ou geogrficos. (Isto significa que o filme se
desenvolve em tempo real).
8. So inaceitveis os filmes de gnero.
9. O filme deve ser em 35mm, standard.
10. O nome do diretor no deve figurar nos crditos.
Alm disso, juro como diretor, renunciar a meu gosto pessoal. No sou mais um artista. Eu juro
renunciar criao de uma obra, j que considero o instante mais importante que o todo. Meu
objetivo supremo arrancar a verdade de meus personagens cenrios. Prometo faz-lo por
todos os meios minha disposio e ao custo de qualquer bom gosto e consideraes
estticas. Portanto, fao aqui meu voto de castidade.
Copenhage, 13 de maro de 1995
Lars von Trier, Thomas Vinterberg
O Dogma 95 tenta recriar a verdade dentro do cinema e arrancando-a dos personagens e da
histria narrada sem precisar recorrer aos efeitos especiais adotados com exausto pela
indstria norte-americana. curioso notar que o autores do manifesto se opem tambm a
Nouvelle Vague, um movimento cujo corpo doutrinrio crtico fora constitudo por jovens
inspirados pela revista Cahiers du cinmacriada por Andr Bazin e que propiciou um novo
modelo de produo independente, porm que, segundo Trier e Vinterberg, baseava-se em
teorias de uma concepo burguesa de arte.
Ressalta-se que todos movimentos cinematogrficos de vanguarda do sculo XX que
debateram sobre a linguagem cinematogrfica e ofereceram crticas ao modo hegemnico dos
filmes hollywoodianose tambm estabeleceram novas formas de utilizao dessa linguagem.
Obviamente aconteceu o mesmo com o Dogma 95. Festa de Famlia (Festen, Thomas
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Vinterberg) e Os Idiotas (Idioterne, Lars von Trier), as primeiras obras produzidas, atenderam
com rigor as propostas expressas no manifesto.
Em Os Idiotas contada a histria de um grupo de pessoas que fingem ter problemas mentais
para conseguir regalias, se divertir e incomodar as pessoas, usando como argumento que
preciso deixar aflorar o lado idiota que existe em cada um e expr a hipocrisia burguesa. Por
acaso, Karen conhece o grupo, porm gosta da idia de no precisar ser normal, de no
seguir convenes e expectativas, e assim passa a acompanha-los em suas atividades.
Trata-se de um filme repleto de smbolos e sentidos inacabados deixando em aberto diversas
compreenses. Pretende-se neste trabalho realizar uma anlise dessa produo
cinematogrfica voltada mais para os efeitos estticos proporcionados do que para as questes
da narrativa.
O filme atende ao conjunto de regras puristas do dogma 95, tais como: cmera na mo, a
ausncia de iluminao artificial, a ausncia de adio de trilha sonora s cenas das produes
e ausncia de quaisquer efeitos especiais computadorizados. Trata-se de uma produo com
uma esttica de filme caseiro, quase documental, com cmeras tremidas e microfones
aparecendo a toda hora, alm de sombras dos produtores muito presentes.
A trilha sonora propositadamente eliminada nos filmes do Dogma. S ouvimos o que
efetivamente se passa na cena. Logo no primeiro plano essa caracteristica j pode ser notada,
pois no caminho de Karen ao restaurante possivel ouvir o som de um violino que
reproduzido diretamente de sua charete. Tal trama inicia-se no restaurante em que Karen
(Bodil Jrgensen) tem dificuldades para pedir uma refeio por no ter uma quantidade
razovel de dinheiro. J nesse momento apresentado ao espectador a esttica crua do longa
metragem, que ao invs de afasta-lo aproxima-o da situao, fazendo com que tudo se torne
verossmil e cause uma perturbao que se d graas aos pontos de encontro com situaes
da vida real.
Embora no exista nenhum tpico no manifesto que cite a montagem, as diversas regras
influenciam diretamente no modo de organizar e compor sentido obra, uma vez que a
montagem tem como matria-prima os planos - um conjunto de unidades de ao descontnuas
j dotadas de sentido. Nota-se em Os idiotasuma conjuntura imagem-montagem dialogando e
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servindo a uma mesma esttica, a um mesmo clima narrativo e dramatrgico, onde a
ordenao visual no meramente escolha, e sim comunhes de significados e composies
singulares.
A granulao, a luz precria e as ranhuras na imagem so caractersticas percebidas com
facilidades. O tempo todo, a imagem foge clareza e ao convencional. Relacionando a
fotografia montagem, ora h a ligao entre planos de mesma natureza fotogrfica, planos
com luzes semelhantes ora, planos de luzes opostas (claro-escuro). Os enquadramentos
tambm esto relacionados com a ordenao de planos, v-se a presena majoritria de
alternncia close-close, ou, primeiro-plano-primeiro-plano, pode-se dizer de uma alternncia
por semelhana. Isso ocorre quanto ao movimento da cena, dos atores, da ao, instaurando
uma relao rtmica entre planos. Nesse sentido, a alternncia de planos semelhantes constri
um clima catico ao filme, conveniente situao dos personagens, assim, a montagem mais
um fator de significao que simples ordenao. Tal montagem pode ser notada na cena em
que Stoffer (Jens Albinus) engana um morador de um bairro rico convencendo-o de que o
desnivelamento (inexistente) de sua calada foi a causa de um acidente (igualmente
inexistente) com o grupo de idiotas. O mesmo pode-se afirmar sobre a cena em que a
personagem Katrine (Anne-Grethe Bjarup Riis) discute o relacionamento com seu namorado.
Para tentar estabelecer uma analise comparativa com os priincpios defendidos por Bazin
preciso destacar as observaes do autor sobre montagem. Bazin concebe dois tipos
diferentes de montagem. A primeira, associada ao cinema mudo, a que as imagens seriam
agrupadas de acordo com algum princpio abstrato de argumento drama ou forma. Na segundo
tipo, a montagem psicolgica, o evento dividido em partes que duplicam as mudanas de
ateno que naturalmente experimentaramos se estivssemos fisicamente presentes ao
evento. Em oposio a esse tipos de montagem, Bazin props a utilizao da profundidade de
campo, que permite o desenvolvimento de uma ao em vrios planos espaciais. De acordo
com ANDREW(2002), como o foco permanece ntido desde as lentes da cmara at o infinito,o diretor tem a opa de construir inter-relaes dramticas dentro do enquadramento (isso
chamado de mise eb scne), em vez de entre os enquadramentos.
Andre Bazin defende a utilizao da profundidade de campo ao invs das construes de
montagem por trs razes: inerentemente mais realista alguns eventos demandam esse
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tratamento mais realista e confronta nosso modo psicolgico normal de processar eventos,
chocando-nos dessa forma como uma realidade que frequentemente no conseguimos
reconhecer.
Em busca de um novo cinema realista, Lars Von Trier no levou em as ideias de Bazin no
utilizando o recurso da profundidade de campo em Os Idiotas. Todavia, com uso de uma
imagem crua Lars von Trier estabelece um novo conceito de imagem cinematogrfica.
importante observar que essa nova esttica no atende a crtica que sempre espera a
espetcularizao das narrativas. Em A Sociedade do Espetculo, Guy Debord afirma que
toda a vida das sociedades nas quais reinam as condies modernas de produo se anuncia
como uma imensa acumulao de espetculos. O espetculo ao mesmo tempo parte da
sociedade, a prpria sociedade e seu instrumento de unificao. Debord ainda afirma que o
espetculo no um conjunto de imagens, mas uma relao social entre pessoas, mediatizada
por imagens. Os idiotas uma obra de repdio sociedade do espetculo j que se recusa a
alimenta-la estticamente e narrativamente. Contudo, considerando a ausncia de
transformaes no cenrio cinematogrfico mundial atrves do dogma 95, possvel afirmar
que o manifesto passou longe de ser uma revoluo no modo de se fazer o cinema das
grandes massas, ainda que no seja imprudente dizer que suas proposies estticas
ressonaram por diversas produes independentes em todo mundo.
Consideraes finais
O Dogma 95 tem seu prprio manifesto, a sua prpria agenda e tambm tem sua pretenso de
realismo, estabelecida atravs de uma srie de regras sobre histria e tcnica. Em Os Idiotas,
Lars von Trier no faz uso da profundidade de campo, fato que tambm se d pelas limitaes
tcnicas estipuladas pelo Dogma 95, como a ausncia de luz artificial. Entretanto, nos cabepensar se as escolhas estticas no se mais aproximam ou no da forma como percebemos o
mundo.
Destaca-se que as regras desse manifesto so capazes de emprestar ao filme ficcional um
carter documental. Nessa produo fica evidente a noo de que os meios cinematogrficos
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basicamente primitivos so, em si mesmos, o melhor mtodo para capturar e transpor a
realidade sobre a tela.
Pode-se dizer que em todo o decorrer do filme a montagem privilegia a composio da
imagem, texturas, luz, movimento e enquadramentos inusitados. Os idiotasse organiza em
meio necessidade de um cinema contemporneo mais gil, orgnico, intuitivo, de baixo
oramento e pautado na dramaticidade que a ausncia de rigor tcnico intensifica.
Referncias bibliogrficas
ANDREW, J. D. As principais teorias do cinema: uma introduo. J. Dudley Andrew, traduo
Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetculo. E-book digitalizado por Coletivo Periferia eeBooks Brasil, 2003.
IMDB. The Idiots. IMDB. Disponvel em: . Acesso em: 15 jul. 2014
NERES, Otvio Herique Cordeiro.Anlise de Os Idiotas: uma crtica s convenes sociais.Trabalho de graduao. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais,
2013.
RODRIGUES, Leandro. Dogma 95: uma subverso normativa. Trabalho de graduao.Universidade Federal do Recncavo da Bahia, Cruz das Almas, Bahia, 2012.
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