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1 UMA ATRAENTE ESPOSA BRASILEIRA OU SEU DINHEIRO DE VOLTA: UMA ANÁLISE DE AGÊNCIAS DE CASAMENTO ESPECIALIZADAS EM UNIR MULHERES BRASILEIRAS A HOMENS ALEMÃES 1 Thais Henriques Tiriba (PPGAS/USP) 2 Resumo Neste artigo tenho por objetivo explorar os valores atribuídos a relacionamentos afetivo- sexuais estabelecidos através da mediação de agências de casamento especializadas em unir mulheres brasileiras a homens alemães. Apresento as peculiaridades do funcionamento das agências de casamento e, considerando as interfaces entre processos globais e locais, num contexto no qual normas homogâmicas e "homocromáticas" vêm sendo quebradas em arranjos conjugais transnacionais, busco analisar as dinâmicas históricas e sociais que viabilizam a tendência de homens do chamado primeiro mundo e mulheres do chamado terceiro mundo se utilizarem de tal método para contraírem matrimônio. Palavras chave: Marcadores sociais da diferença; Gênero; Raça; Mercados matrimoniais transnacionais. Por que se casar com uma estridente mulher europeia que só pensa em riqueza e, ainda jovem, se irritar até a morte, quando se pode viver saudavelmente e sem estresse com uma modesta e atraente brasileira que está sempre de bom humor? (tradução livre) Agência de casamento Amor Brazil Com a companhia certa você está em primeiro plano. Aproveite os benefícios que uma mulher atraente pode oferecer a você tanto pessoal como profissionalmente. Por apenas 345 euros (28,75 por mês) você pode imediatamente conhecer de perto a alegria de viver brasileira. (tradução livre) Agência de casamento Marlu Relacionamentos internacionais por correspondência também chamados controversamente de mail-order marriages 3 são aqueles estabelecidos através da mediação de sites de relacionamento ou agências de casamento que oferecem o serviço 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo (PPGAS USP). 3 Para Constable (2003), os termos mail-order marriages e mail-order brides são controversos, uma vez que pré-definem as mulheres como vítimas. De acordo com o dicionário Oxford, o termo mail-order significa “a system of buying and selling goods through the mail”. Dessa forma, encontra-se no termo já a noção de que essas mulheres seriam “compradas” ou “vendidas”. Glodava e Onizuka definem mail-order brides muito amplamente como “women who find their spouses through the mail. The process may be initiated by an introduction service agency, through the use of a catalog, newspaper or magazine advertisements, or a videotape service. It may also be initiated through introductions made by a friend or a relative” (GLODAVA e ONIZUKA, 1994 apud CONSTABLE, 2003: 70).

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UMA ATRAENTE ESPOSA BRASILEIRA OU SEU DINHEIRO DE VOLTA:

UMA ANÁLISE DE AGÊNCIAS DE CASAMENTO ESPECIALIZADAS EM

UNIR MULHERES BRASILEIRAS A HOMENS ALEMÃES1

Thais Henriques Tiriba (PPGAS/USP)2

Resumo Neste artigo tenho por objetivo explorar os valores atribuídos a relacionamentos afetivo-

sexuais estabelecidos através da mediação de agências de casamento especializadas em

unir mulheres brasileiras a homens alemães. Apresento as peculiaridades do

funcionamento das agências de casamento e, considerando as interfaces entre processos

globais e locais, num contexto no qual normas homogâmicas e "homocromáticas" vêm

sendo quebradas em arranjos conjugais transnacionais, busco analisar as dinâmicas

históricas e sociais que viabilizam a tendência de homens do chamado primeiro mundo e

mulheres do chamado terceiro mundo se utilizarem de tal método para contraírem

matrimônio.

Palavras chave: Marcadores sociais da diferença; Gênero; Raça; Mercados matrimoniais

transnacionais.

Por que se casar com uma estridente mulher europeia que só pensa em

riqueza e, ainda jovem, se irritar até a morte, quando se pode viver

saudavelmente e sem estresse com uma modesta e atraente brasileira que está sempre de bom humor?

(tradução livre)

Agência de casamento Amor Brazil

Com a companhia certa você está em primeiro plano. Aproveite os

benefícios que uma mulher atraente pode oferecer a você – tanto pessoal

como profissionalmente.

Por apenas 345 euros (28,75 por mês) você pode imediatamente

conhecer de perto a alegria de viver brasileira.

(tradução livre)

Agência de casamento Marlu

Relacionamentos internacionais por correspondência – também chamados

controversamente de mail-order marriages3 – são aqueles estabelecidos através da

mediação de sites de relacionamento ou agências de casamento que oferecem o serviço

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto

de 2014, Natal/RN 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo

(PPGAS USP). 3 Para Constable (2003), os termos mail-order marriages e mail-order brides são controversos, uma vez

que pré-definem as mulheres como vítimas. De acordo com o dicionário Oxford, o termo mail-order

significa “a system of buying and selling goods through the mail”. Dessa forma, encontra-se no termo já a

noção de que essas mulheres seriam “compradas” ou “vendidas”. Glodava e Onizuka definem mail-order

brides muito amplamente como “women who find their spouses through the mail. The process may be

initiated by an introduction service agency, through the use of a catalog, newspaper or magazine

advertisements, or a videotape service. It may also be initiated through introductions made by a friend or a

relative” (GLODAVA e ONIZUKA, 1994 apud CONSTABLE, 2003: 70).

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de unir homens e mulheres de nacionalidades diferentes. O estudo da internet como

ferramenta para a busca de parceiros compatíveis já não é novidade (ILLOUZ, 2011),

entretanto, uma simples busca online surpreende pela quantidade de websites voltados

para a união de homens do chamado primeiro mundo tanto com mulheres do chamado

terceiro mundo quanto do antigo bloco soviético.

O tema mail-order marriages vem recebendo especial atenção contemporaneamente.

O potencial heurístico destas pesquisas permite que se lancem luzes a uma série de

questões de grande importância para o cenário atual como, por exemplo, as

transformações nas relações de gênero num mundo globalizado e altamente conectado,

mercado de trabalho, nação, raça/racismo e miscigenação, relações norte-sul e centro-

periferia, entre outros temas.

Apesar de tal fenômeno não ser necessariamente recente, a partir do início dos anos

1990, quando catálogos de mail-order brides passaram a ser disponibilizados online, o

número de sites de relacionamento e agências de casamento voltadas para tal público

masculino - frequentemente falante de inglês - proliferou rapidamente (CONSTABLE,

2003, 2009).

Trata-se de um mercado bastante amplo. É possível encontrar desde sites voltados

para indivíduos que procuram relacionamento estáveis e casamentos até aqueles voltados

para encontros casuais e para o chamado turismo sexual (CONSTABLE, 2003).

Neste artigo, apresento dados preliminares da pesquisa em andamento que trata de

relacionamentos internacionais por correspondência entre homens alemães e mulheres

brasileiras que estejam à procura de relacionamentos afetivo-sexuais duradouros, como

coabitação ou casamento. Tal recorte é bastante significativo, uma vez que as agências de

casamento4 especializadas em unir mulheres brasileiras a homens estrangeiros tinham

como público-alvo masculino indivíduos alemães5.

4 Foram analisados os sites de quatro agências de casamento - duas baseadas no Brasil (Recife/PE e

Salvador/BA) e duas na Alemanha - especializadas em unir homens alemães a mulheres brasileiras para o

estabelecimento de relacionamentos afetivo-sexuais “sérios”, como coabitação ou casamento. São elas: Agência de Matrimônio Brasil Exterior: www.brasil-exterior.com; Amor Brazil: www.amorbrazil.com;

Marlu: www.marlu.de; Brasilien Dream: www.brasiliendream.de.

5 Não foram encontradas agências de casamento que oferecessem o serviço de unir mulheres brasileiras a

homens de uma nacionalidade específica que não alemã. O contrário não é necessariamente verdadeiro. O

grupo de países fornecedores de esposas para os alemães é encabeçado por mulheres polonesas, seguidas

pelas turcas e depois russas e tailandesas. As brasileiras ocupavam a décima posição (dados de 2007 –

disponíveis em:http://de.statista.com/statistik/ studie/id/12478/dokument/ hochzeit-und-ehe--statista-

dossier-2012/). Dessa forma, era de se esperar que também fossem encontradas agências de casamento

especializas no matchmaking de homens alemães com mulheres de outras nacionalidades. Os mais

populares são sites que visam à união de homens alemães a mulheres da Rússia e Ucrânia. Também são

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Essas empresas, que serão aqui tratadas por agências de casamento, operam de forma

singular quando comparadas a sites de relacionamento comuns. Usualmente, elas

possuem duas diferentes páginas na internet: uma em alemão, voltada ao público

masculino, e uma em português, voltada para as brasileiras. Enquanto o site em alemão é

bastante completo, oferecendo informações detalhadas de todo o processo, assim como

muitos textos tratando das inúmeras vantagens de se contrair matrimônio com uma

mulher brasileira, o site em português costuma ser mais sucinto: apresenta informações

gerais a respeito do cadastro6 das candidatas e ferramentas para o carregamento das fotos

que se tornarão disponíveis em seus perfis.

É importante apontar para a peculiaridade de apenas os homens terem acesso aos

perfis das mulheres. Estas exercem papel mais menos ativo. Depois do cadastro, têm que

aguardar até que algum homem demonstre por elas interesse. Enquanto o homem navega

nas chamadas “Galerias de Mulheres” (Damengalerie), espaço onde seleciona diversas

candidatas com quem deseja começar a se corresponder, às mulheres cabe uma escolha

mais restrita – a de concordar ou não em se corresponder com o homem que a selecionou.

As agências de casamento analisadas operam de forma bastante similar. Pode-se

observar um procedimento padrão que uma das agências chama de “4 passos até a mulher

dos sonhos”.

Em geral, os alemães interessados em buscar uma esposa brasileira inscrevem-se na

agência de casamento através de seu site na internet e, após o pagamento de uma taxa7,

ganham acesso à “Galeria de Mulheres”. Em seguida, eles podem selecionar, entre os

perfis das brasileiras cadastradas, até 10 mulheres com quem gostariam de se

corresponder.

As mulheres escolhidas são então contatadas pela agência, e a elas são apresentados

os dados do alemão e sua foto. As mulheres que aceitarem se corresponder com o alemão

encontradas agências especializadas em unir homens alemães a mulheres asiáticas, especialmente mulheres

filipinas e tailandesas. lllllllççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççççllllllllllllllllllllllllllllllllllllll 6 Nas páginas para o cadastro das brasileiras também são apresentadas vantagens para o estabelecimento

de uma relação “séria” com um europeu: “uma bela noiva brasileira é o sonho de nossos clientes.

Encantados com sua beleza e temperamento, muitos alemães se apaixonam loucamente. [...] Se você é

bonita e esbelta e tem entre 18 a 35 anos, você também pode encontrar um futuro feliz e seguro na

Alemanha! [...] Cadastre-se já e mude sua vida para melhor” (tradução livre). Disponível em:

http://marlubrasil.com/. Acessado em 29/09/2013. ------------------------------------------------------------------

7 As taxas de cadastro variam de € 290 por seis meses a € 450 por dois anos de filiação nas empresas

analisadas.

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são “reservadas” pela empresa e têm seu perfil temporariamente excluído do site, para

que só possam se corresponder com um cliente por vez8. Cabe salientar que aos homens

não é imposto tal critério.

Feita a seleção, os alemães são encorajados pela agência a já começarem a planejar

sua viagem ao Brasil, com o intuito de conhecerem pessoalmente uma ou mais mulheres

com quem vêm se correspondendo. Durante a viagem de “reconhecimento”, o alemão

também tem a possibilidade de marcar encontros com outras mulheres inscritas na

agência, mesmo que não tenha se correspondido previamente com elas.

Além da tradução das correspondências, as agências oferecem o serviço de

organização da viagem do cliente, garantindo assistência integral ao visitante e

organizando os encontros com as mulheres. Os encontros costumam acontecer na

presença de um intérprete.

Constable (2003, 2009) sugere que o sucesso do negócio reside em criar e antecipar

os desejos de consumidores e clientes. Quanto melhor a qualidade dos serviços, maior a

visibilidade da agência nesse mercado. Por conta disso, as empresas oferecem também

outras formas de matchmaking.

Na impossibilidade do alemão levar a cabo sua viagem de reconhecimento ao Brasil,

as agências oferecem a alternativa de organizarem a viagem de uma ou mais mulheres à

Alemanha para que se conheçam pessoalmente. Outra possibilidade é a organização de

encontros com brasileiras que estejam vivendo momentaneamente na Alemanha ou em

países próximos na Europa. Uma das agências organiza ainda “viagens de grupo”9 ao Rio

de Janeiro, que duram por volta de uma semana. O grupo é acompanhado desde Frankfurt

e tem assistência dos intérpretes por toda a viagem.

8 A agência Brasil Exterior, que afirma já ter unido mais de 900 casais, escreve: “com nossa agência, você

tem exclusividade sobre as mulheres com quem começou a se corresponder. Nossas mulheres se

correspondem somente com um interessado. Sua parceira selecionada não será mediada por nós a mais

ninguém” (tradução livre). Disponível em: http://brasilexterior.com/qualitaet_de.aspx. Acessado em

25/08/2013.

9 Viagens de grupo em modelo semelhante são conhecidas nesse mercado como romance tours e são

comumente oferecidas por sites de relacionamento e agências de casamento especializadas em mediar o

encontro de mulheres do antigo bloco soviético com homens estrangeiros, usualmente falantes de inglês. O

documentário “Love translated” de 2010, dirigido por Julia Ivanova, é bastante ilustrativo ao retratar a

viagem de um grupo de homens à Ucrânia organizado pelo popular site Anastacia.com. Numa viagem desse

gênero, os homens e as noivas em potencial interagem em festas e encontros organizados pela empresa. É

um modelo semelhante que está sendo no momento oferecido pela agência Marlu, conforme o link

http://marlu.de/RioreiseMarlu/reiseangebot.htm.

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Tendo sido os encontros frutíferos, as agências ainda oferecem assistência na

mobilização dos documentos para o matrimônio, seja no Brasil ou na Alemanha.

Faz-se necessário destacar que as brasileiras jamais arcam com nenhum custo, nem o

de cadastro. Todas as empresas analisadas garantiam a devolução da taxa de inscrição se,

após um período especificado, o cliente não tiver entrado em contato com nenhuma

mulher que o interessasse.

Glowsky (2007), em sua pesquisa sobre as razões de homens alemães estarem se

casando com mulheres de “países economicamente mais fracos”, argumenta que esses

relacionamentos estariam baseados em uma “troca” entre as características individuais

das mulheres – “the extend to which wives from poorer countries are younger, slimmer

and more educated than their husband is higher than in German-German marriages”

(GLOWSKY, 2007: 21) – e a riqueza do país de origem do homem. De acordo com o

sociólogo alemão, para as estrangeiras de “países economicamente mais fracos”, esses

relacionamentos teriam como base a noção de mobilidade social, enquanto para os

alemães, a possibilidade de se obter uma parceira mais jovem e atraente.

Entretanto, Moutinho (2004), em sua pesquisa sobre relacionamentos afetivo-sexuais

inter-raciais no Brasil e na África do Sul, argumenta que:

O utilitarismo da ideia de mobilidade social, construído a partir de uma peculiar

hierarquia de “raça”, gênero e erotismo (...) talvez seja somente a lógica

manifesta de uma outra razão, frequentemente, não percebida ou não

considerada por ser de outro tipo, ou mesmo, envolver mecanismos mais

complexos (MOUTINHO, 2004: 321).

No presente trabalho também se ambiciona questionar as noções de mobilidade social

e erotismo que são frequentemente veiculadas como sendo as “razões práticas” para a

formação de relacionamentos desse tipo.

Com preocupação similar, Constable (2003) tratou dos relacionamentos por

correspondência estabelecidos entre homens estadunidenses e mulheres chinesas e

filipinas. Entre as razões pelas quais seus informantes masculinos se correspondiam com

mulheres asiáticas, destacava-se sua preferência por um casamento com uma divisão

sexual do trabalho “tradicional”. Eles rememoravam os casamentos de seus pais e avós e,

com nostalgia, pensavam as asiáticas como mulheres que não teriam sido “estragadas”

pela exposição a ideias feministas. Para muitos desses homens, as mulheres asiáticas

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representavam a antítese da feminista ocidental, que era retratada em relação ao dano que

teria causado aos valores de família e aos papéis de gênero tradicionais.

Em contexto distinto, Johnson-Hanks (2007) abordou a mesma temática. Ao analisar

as mudanças sociais que vêm ocorrendo em Yaundé, Camarões, a autora acompanhou

jovens que faziam uso de sites de relacionamento na internet para buscar companheiros

estrangeiros. Ao rejeitarem as formas disponíveis locais de casamento, essas mulheres

estariam simbolicamente reforçando o ideal desta instituição e sua legitimidade cultural.

Para a autora, essas camaronesas estariam buscando maridos estrangeiros para conquistar

– com base em noções locais – sua ideia de um casamento legítimo. Segundo Johnson-

Hanks, se não estivermos atentos para o muito particular “schemata” local que informa

as práticas dessas mulheres, elas seriam entendidas apenas como outra forma de mail-

order brides do Sul, buscando segurança em relacionamentos com homens norte-

americanos ou europeus. A internet ofereceria, assim, uma importante ferramenta através

da qual essas jovens buscavam valores locais e ancestrais em um contexto estrutural

modificado.

É muito significativa a maneira pela qual as brasileiras são retratadas por essas

agências de casamento. Elas são tidas como mulheres “exóticas, sexy, apaixonantes,

espirituosas e alegres”10, que se “casam por amor e desejam fundar uma família”11. Muitas

dessas descrições têm tons “naturalizantes” e raciais, como sugere o trecho abaixo:

A mistura de diferentes culturas e circunstâncias de vida de portugueses,

europeus, índios e africanos na terra do sol produziu a única e bonita brasileira.

O clima tropical faz a sua parte para que a brasileira seja muito calorosa e

alegre. Ela exala um gosto incrível pela vida12.

(tradução livre)

Agência de Matrimônio Brasil Exterior

Nota-se, nestas palavras, a relação metonímica entre o feminino adequado para o

casamento, a nação (feminilizada), a miscigenação\mistura e os trópicos. O casal no

10 Tradução livre. Disponível em: http://marlu.de/partnervermittlung.htm. Acessado em 29/08/2013. 11 Tradução_livre._Disponível_em:

http://amorbrazil.com/site.jsp?root_node_id=2006213114755866157&node_id=2006213132725 543125 .

Acessado em 29/08/2013. 12 Disponível em: http://brasil-exterior.com/brasilianerin_de.aspx. Acessado em: 13/10/2013.

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centro desta cena - mulher brasileira (mestiça) e homem estrangeiro (branco) - emula uma

construção tradicional de nação, sendo ainda o oposto do que ganhou destaque na

pesquisa de Moutinho (2004), que discute o lugar da relação homem negro\mulher branca

no atual processo de miscigenação.

Ao analisar as razões sociais, afetivas e sexuais que norteiam relacionamentos

afetivo-sexuais heterossexuais entre negros e brancos, a autora argumenta ainda que as

diferenças raciais engendram atributos eróticos, estéticos e sexuais: “na economia dos

prazeres e dos afetos que movimenta o mercado erótico conjugal, as diferenças raciais

são (...) um aspecto de grande relevância” (MOUTINHO, 2004: 49).

Nos sites analisados não são incomuns menções à mistura/miscigenação para

descrever a mulher brasileira. É crucial, dessa forma, pensar as noções de

mistura/miscigenação como frequentemente articuladas para “explicar” a sensualidade da

mulher brasileira (BLANCHETTE, 2011; PISCITELLI, 2008, 2011a; SILVA e

BLANCHETTE, 2005, 2010; SILVA, 2011;). Como apontaram Silva e Blanchette

(2010), seria uma suposta “contaminação implícita na mistura das raças – e não a simples

‘contaminação por sangue africano’ – o fator (...) decisivo na produção da sexualidade

que eles (seus informantes estrangeiros) entendem e valorizam como tipicamente

brasileira” (SILVA E BLANCHETTE, 2010: 235).

A presente pesquisa aponta ainda para outro fato de relevância: as mulatas, que na

historiografia brasileira ficavam de fora das uniões formais com brancos de origem

portuguesa (MOUTINHO, 2004), estariam agora em demanda para uniões formais com

europeus. Vale dizer: a mulata não apenas erotizada, mas também fértil e voltada para o

lar.

Como demonstra Piscitelli (2011a), a partir dos anos 2000 normas homogâmicas e

“homocromáticas” vêm sendo desfiadas no mercado matrimonial. Com maior frequência,

casamentos presentemente unem pessoas desiguais em termos de posicionamento social

em seus países de origem, de classe social e de acesso à documentação, que são afetadas

por processos diferentes de racialização13, dos quais forma parte uma intensa erotização

das pessoas situadas em posição inferior (PISCITELLI, 2011a).

13 Piscitelli argumenta que as brasileiras no exterior estão sujeitas a noções racializadas e sexualizadas de

feminilidade: “a ideia de que são portadoras de uma disposição naturalmente intensa para fazer sexo e uma

propensão à prostituição, combinadas com noções ambíguas sobre seus estilos de feminilidade, tidos como

submissos, com uma alegre disposição para a domesticidade e maternidade tende a atingir

indiscriminadamente essas migrantes” (PISCITELLI, 2008: 269).

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Nos sites, as brasileiras são usualmente descritas em oposição à mulher europeia14.

(Similarmente ao observado por Blanchette (2011), cujos informantes estrangeiros

anglofalantes julgavam suas conterrâneas não mais saberem agir como mulheres, uma

feminilidade “natural” da brasileira é ressaltada pelos sites, bem como o fato de ser

voltada para o lar e para as relações familiares.

Contudo, é interessante notar que tais características não são aplicadas

exclusivamente às brasileiras. Agências de casamento especializadas em unir homens

alemães com mulheres de outras nacionalidades não-ocidentais também qualificam

“suas” mulheres como “femininas”, “exóticas”, e “voltadas ao lar”15. Como sugere

Blanchette (2011), tais descrições seriam “baseadas em imagens genéricas não

necessariamente fundamentadas nas relações de gênero vividas em qualquer lugar e sim

nas expectativas ‘fantásticas’ desses homens (BLANCHETTE, 2011: 78)”. O autor

apreende dois atributos de gênero principais, independente da nacionalidade não-

ocidental em questão: (a) a existência de uma biologia diferenciada que faz a mulher ser

sexualmente sui generis e (b) um comportamento “tradicionalmente feminino”.

De modo semelhante, como apontado na pesquisa de Melo Rosa (2011), suas

informantes brasileiras que se engajavam “propositalmente” em relacionamentos com

homens estrangeiros procuravam homens “loiros de olhos azuis”. Uma nacionalidade

específica seria, aparentemente, menos fundamental do que privilégios de raça e de

nacionalidade mais genéricos do chamado “primeiro mundo”.

Poder-se-ia imaginar que, pela lógica organizacional das agências (o homem alemão

como o “selecionador” a quem é permitido se corresponder com inúmeras mulheres

simultaneamente, e à mulher brasileira cabendo a escolha mais restrita e sendo impedida

14 Dentre as razões pelas quais seria positivo contrair matrimônio com uma brasileira a agência Amor Brazil

enumera: “Porque uma brasileira não é materialista como as europeias”; e ainda “Porque uma brasileira

não é sem-compromisso como as mulheres europeias” (tradução livre). Disponível em:

http://amorbrazil.com:8080/site.jsp?root_node_id=

2006213114755866157&node_id=2006213132725543125. Acessado em 05/03/2014.

15 Uma agência de casamento especializada em unir homens alemães a mulheres filipinas escreve: “Não é

possível estabelecer comparações entre as mulheres filipinas/asiáticas e as mulheres alemãs. A igualdade entre homens e mulheres, lugar comum na Europa, (...) é ausente na região da Ásia. (...) Uma outra

característica da mulher asiática é a habilidade de ler os desejos do seu companheiro em seus olhos e fazer

da vida de seu companheiro o mais bonita e agradável possível” (tradução livre). Disponível em:

http://www.myfilgi.de/fragen-und-antworten/wie-unterscheiden-sich-philippinische-frauen-von-

deutschen-frauen/. Acessado em 05/03/2014. Já a agência de casamento Valenthai, especializada em unir

mulheres tailandesas a homens alemães coloca: “Outra razão essencial para a popularidade da mulher

tailandesa: não uma carreira, mas um casamento harmonioso e sua própria família estão para ela em

primeiro lugar. Uma mulher tailandesa vive e ama seu papel de mulher no sentido mais tradicional”

(tradução livre). Disponível em: http://www.valenthai.de/thaifrauen.shtml. Acessado em 05/03/2014.

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de se corresponder com mais de um candidato e sendo “anunciada” nos sites como

commodities) e pela representação das brasileiras nos respectivos sites, tais

relacionamentos fossem baseados numa patente assimetria de gênero. Tal entendimento,

bastante comum, é umas das razões que leva estudiosos (as) e feministas a situar mail-

order brides na categoria de vítimas do tráfico internacional de mulheres (CONSTABLE,

2003; SCHAEFFER-GRABIEL, 2004). Esses estudos tendem a focar em sua suposta

falta de agência ou em sua vitimização perante processos globais (SCHAEFFER-

GRABIEL, 2004: 34).

Como sugere Schaeffer-Grabiel (2004), uma análise que leve em consideração apenas

as representações das mulheres nos sites dessas agências na internet não daria conta de

apreender a complexidade das relações que se formam nesse

campo.55555555555555555555555555

Silva e Blanchette (2005) demonstram como a simples procura de vítimas e vilões

oculta o funcionamento das relações que constituem os nexos entre turismo internacional,

migração e sexo operando na maioria das grandes cidades brasileiras (SILVA E

BLANCHETTE, 2005) cuja compreensão também é essencial para este trabalho.

Piscitelli (2011a), em seu trabalho sobre os trânsitos das brasileiras no mercado

internacional do sexo, destaca que, a partir dos processos de racialização que as

singularizava como “morenas/brasileiras”, essas mulheres se percebiam com a

necessidade de adequar suas “qualidades” aos critérios e atributos valorizados em

diferentes cenários.

De forma similar, as brasileiras que mantêm seus perfis nos sites de agências de

casamento também fazem valer de sua “brasilidade” e dos atributos que as tornam

valorizadas no mercado alemão, como pode ser observado nos perfis a seguir16.

Luciana Idade: 27; Signo: Gêmeos; Peso: 51kg; Altura: 1,60;

Idade do parceiro: 24-55; Idiomas: Português

Luciana deseja para seu futuro ter um companheiro a seu lado

que seja sincero. Ela é solteira e não tem filhos. Consegue se

imaginar fundando uma família na Europa. Ela preenche seu

tempo livre cantado, dançando e ouvindo música. Ela se descreve

como caseira/acolhedora, amorosa, alguém que gosta de

crianças, consciente de si e esportiva17.

16 A agência de casamento Brasilien Dream é única que permite a visualização dos perfis das mulheres

brasileiras sem que seja efetuado um cadastro previamente.

17 Tradução livre. Disponível em: http://brasiliendream.de/26-bis-30-Jahre.11.0.html?&tx_skomrealestate_

pi1[showUid] =332&cHash=efcfa66d02cab6ae90de98e9b03 3fad8 Acessado em 15/08/2013.

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Viviane Idade: 21; Signo: Aquário; Peso: 54 kg; Altura: 1,55;

Idade do parceiro: 25-40; Idiomas: Português ------------------

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Apesar de jovem, Viviane tem objetivos claros que ela procura

implementar. Ela é solteira e tem um filho. Busca um

companheiro que aceite seu filho e, com ela, construa uma vida

em conjunto na Europa. Se a família ainda aumentará, dependerá da vontade do companheiro. Ela se descreve como

emocional, caseira/acolhedora, alguém que gosta de crianças, romântica, criativa, leal e confiável. No seu tempo livre,

ela lê e dança18.

A maneira pela qual elas se apresentam em seus perfis contém as mesmas

características que os sites voltados para o cadastro das mulheres dizem os alemães

almejar. Dessa forma, também será levado em consideração como os múltiplos

marcadores sociais da diferença que incidem sobre as agentes não atuam apenas de forma

limitadora. Ao articularem as supostas “desvantagens” que recaem sobre elas, podem ter

seu campo de atuação expandido (MOUTINHO, 2006, 2010; SIMÕES et al, 2010;

PISCITELLI, 2008, 2011a; ROSA, 2011).

É importante ainda observar como os perfis são semelhantes entre si. Illouz (2011)

sugere que os processos de se descrever a si mesmo nos perfis baseiam-se em roteiros

culturais do que seria uma personalidade desejável. Quando se apresentam de maneira

incorpórea, as pessoas usam convenções já estabelecidas do que seria o indivíduo

desejável e as aplicam a si mesmas.

As brasileiras, entretanto, não são sempre representadas dessa forma. Quando

analisamos as formas como elas são retratadas em fóruns alemães de discussão online,

que têm como tópico relacionamentos com brasileiras, as descrições tomam forma

bastante distinta, como sugere o trecho a seguir:

Casar com uma brasileira: o sonho e a realidade de Dirk67 » Segunda 12. Abr

2010, 08:45 » Eu leio aqui no fórum sobre homens recém-apaixonados, que

gostariam de se casar com sua exótica mulher brasileira dos sonhos. O amor

não torna alguém apenas cego, mas também aparentemente burro! Depois de

quatro anos de casamento com uma brasileira, devo descrever aqui a rotina nem

tão romântica do casamento.

A maioria das brasileiras não tem interesse em se integrar aqui na Alemanha.

18 Tradução livre. Disponível em: http://brasiliendream.de/18-bis-25-

Jahre.10.0.html?&tx_skomrealestate_pi1[showUid]=5 8&cHash=9fd76afd07ac884bca5a235c0809 256e.

Acessado em: 15/08/2013.

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Através do Orkut e de outras brasileiras é construído um círculo de amigos

puramente brasileiro. Alemães são rejeitados categoricamente como amigos. O

homem precisa aprender português para poder também conversar em situações

sociais. Entre as brasileiras existe uma solidariedade que é exclusiva a seus

compatriotas, que infelizmente com frequência gozam de uma prioridade maior

que seus cônjuges. (...)

Virtudes alemãs como pontualidade, diligência, lealdade ou confiabilidade só

se encontram no Brasil raramente. O que mais me incomoda é que aos olhos

dos brasileiros um alemão é automaticamente rico e que os pedidos de dinheiro

são uma possibilidade legítima. (...)

O direito de residência é geralmente adquirido após três anos ou com o

nascimento de uma criança alemã. Este é geralmente o ponto em que os

casamentos se rompem. O que resta é um homem quebrado e arruinado que

depois de meses ainda não entendeu o que aconteceu com ele.

(...) Será que sua esposa quer realmente se tornar alemã? 19

(tradução livre)

Postagens similares são encontradas com frequência e apontam para o dualismo

observado por Constable (2003) em seu trabalho sobre mail-order brides asiáticas. Para

a autora, estas eram tidas como oriental dolls ou dragon ladies. Nesse dualismo simplista,

as mulheres são apresentadas ou como vítimas passivas dos homens ocidentais ou como

perigosas hiperagentes que poderiam “arruinar” o homem estrangeiro.

Constable (2003) traz interessantes dados etnográficos que ilustram situações nas

quais o encontro apresenta conflitos de interesse, pois os homens podem estar atraídos

pela ideia dos “valores de família” dessas mulheres, mas as mulheres podem estar olhando

para fora em busca de maridos e vidas mais “modernas”, como uma forma de escapar de

restrições e obrigações (CONSTABLE, 2003). Dados similares são apresentados por

Schaeffer-Grabiel (2004). A autora – escrevendo sobre mail-order marriages entre

profissionais mexicanas e homens estadunidenses – diz existirem inúmeras razões pelas

quais mulheres mexicanas desejariam se casar com um estadunidense, mas que os desejos

dessas mulheres entrariam em conflito com os tipos de homem que as agências atraem.

Para a autora, as mulheres estariam buscando um homem mais “feminista”, mas os

estadunidenses vão ao México buscar mulheres “tradicionais” com a expectativa de

reassegurar sua masculinidade em casa e no trabalho (SCHAEFFER-GRABIEL, 2004).

A autora afirma:

19 Disponível em: http://brasilienfreunde.net/brasilianerin-heiraten-der-traum-und-die-realitaet-

t14381.html Acessado em: 25/08/2013.

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Men also idealize love as outside rational time and space: They must look

outside the bounds of nation, outside capitalism to find ‘true love’. Likewise,

women in Mexico must leave the Mexican nation (...). They equate marriage

and relationship in the United Stated with utopia of capitalism, democracy and

freedom within the First World (SCHAEFFER-GRABIEL, 2004:40).

Similarmente, a respeito da atração que estrangeiros exerceriam sobre mulheres

brasileiras, Piscitelli (2011b) sugere que tal atração está relacionada com a fascinação

provocada pelo contato com as diferenças idealizadas atribuídas aos mundos “ricos”. Para

a autora, “essa atração se expressava na estetização desses países e também de seus

habitantes, racializados como brancos, e na valorização de seus estilos de masculinidade,

com forte peso para o cuidado a eles atribuído” (PISCITELLI, 2011b: 564).

Isso leva a outra questão pertinente que diz respeito à situação dos homens locais.

Johnson-Hanks sugere que, quando suas informantes camaronesas declaram com

veemência que casamentos com homens locais são indesejáveis, preferindo homens

europeus, elas acabam por reproduzir hierarquias globais racializadas de poder e de

privilégio. A autora afirma que “when women act autonomously in their own interests,

the consequences are not necessarily libratory” (JOHNSON-HANKS, 2007: 654). Na

mesma linha, Schaeffer-Grabiel (2004) argumenta que suas entrevistadas mexicanas

desqualificavam seus conterrâneos sem, entretanto, trazer à discussão a falta de

oportunidades econômicas que limitava suas possibilidades de competir com homens

estadunidenses, entendidos como economicamente estáveis, viajados e experientes.

Por fim, em um momento em que intensificam-se as questões referentes à

mercantilização das trocas tidas como afetivas (CONSTABLE, 2009; ZELIZER, 2000;

HOCHSCHILD, 2003; PISCITELLI, 2011a, 2011b) o objeto de pesquisa deste trabalho

tem grande relevância na contribuição para com este debate.

Hochschild (2003) apresenta a noção de “global care chain”, na qual entende que

“amor” e “cuidado” podem ser compreendidos como uma “resource” que estaria sendo

extraída do Sul e importada por países do Norte a baixo custo. Nessa categoria

poderíamos incluir mail-order brides, babás e trabalhadoras domésticas imigrantes,

cuidadoras imigrantes e profissionais do sexo do mercado internacional (CONSTABLE,

2009).

Entretanto, como sugere Piscitelli (2011a), perspectivas similares frequentemente não

levam em consideração aspectos outros da oferta que não a intensificação da pobreza nos

locais de origem de tais fluxos migratórios. Como demonstraram Constable (2003),

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Johnson-Hanks (2007) e Schaeffer-Grabiel (2004), mulheres do chamado terceiro mundo

que se inscrevem em agências de casamento à procura de um companheiro estrangeiro

não agem devido a uma desesperada carência econômica.

Os dados preliminares da pesquisa apontam para a necessidade de se inquirir, no

contexto global dos mercados matrimoniais internacionais e de suas generalizações a

respeito de mulheres “não-ocidentais” e dos privilégios de homens do primeiro mundo,

as particulares razões de homens alemães e mulheres brasileiras buscarem contrair

matrimônio.

Procurar-se-á, dessa forma, afastar-se da dicotomia vítima/vitimizador e atentar para

os espaços de agência das brasileiras que se engajam em relacionamentos afetivo-sexuais

com estrangeiros (PISCITELLI, 2008, 2011a, 2011b; SILVA, 2011; SILVA E

BLANCHETTE, 2005; BLANCHETTE, 2011), bem como pensar alemães e brasileiras

como atores principais de suas escolhas.

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www.marlubrasil.com

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www.futuromarido.com

Fóruns de discussão

www.brasilienfreunde.net

www.gringoes.com