Uma historia das equações polinomiais

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1 UMA HIST ´ ORIA DAS EQUAC ¸ ˜ OES POLINOMIAIS 1 EQUAC ¸ ˜ OES DO PRIMEIRO GRAU ao tem uma hist´ oria propriamente dita. A simbologia moderna s´o come¸cou a surgir no s´ eculo 18. Do ponto de vista elementar, equa¸ c˜oes ao problemas do seguinte tipo: Determine certos valores desconhecidos, sabendo que quando esses valores s˜ ao manipulados algebricamente, de uma certa maneira, s˜ ao obtidos certos valores dados. Primeiras equa¸ c˜oes na forma escrita: 3000 anos a.C. EQUAC ¸ ˜ OES DO 1 o GRAU NO EGITO ANTIGO A maior parte da matem´ atica eg´ ıpcia antiga, ou seja, do 3 o milˆ enio a.C., encon- trada em alguns poucos papiros famosos, ´ e um compˆ endio de tabelas e algoritmos aritm´ eticos, visando a resolu¸ ao de problemas ´ uteis, tais como problemasde medi¸c˜ ao de figuras geom´ etricas.

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UMA HISTORIA DAS EQUACOES POLINOMIAIS

1 EQUACOES DO PRIMEIRO GRAU

• Nao tem uma historia propriamente dita.

• A simbologia moderna so comecou a surgir no seculo 18.

Do ponto de vista elementar, equacoes sao problemas do seguinte tipo:

Determine certos valores desconhecidos, sabendo que quando esses valores saomanipulados algebricamente, de uma certa maneira, sao obtidos certos valores dados.

Primeiras equacoes na forma escrita: 3000 anos a.C.

EQUACOES DO 1o GRAU NO EGITO ANTIGO

A maior parte da matematica egıpcia antiga, ou seja, do 3o milenio a.C., encon-trada em alguns poucos papiros famosos, e um compendio de tabelas e algoritmosaritmeticos, visando a resolucao de problemas uteis, tais como problemas de medicaode figuras geometricas.

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No Papiro Rhind, encontramos as primeiras equacoes do primeiro grau, na formade problemas “aha”. Aha significava quantidade.

PROBLEMAS aha DO PAPIRO RHIND

• (Problema 24) Uma quantidade e seu setimo, somadas juntas, dao 19. Qual e aquantidade?

• (Problema 25) Uma quantidade e sua metade, somadas juntas, resultam 16. Quale a quantidade?

• (Problema 26) Uma quantidade e 2/3 dela sao somadas. Subtraindo-se, destasoma, 1/3 dela, restam 10. Qual e a quantidade?

Em linguagem moderna, temos

• x + x7

= 19

• x + x2

= 16

• (x + 23

· x) − 13(x + 2

3· x) = 10

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O metodo da falsa posicao

Para problemas desse tipo, os egıpcios empregavam o metodo da falsa posicao,exemplificado na resolucao do problema 1.

Resolucao do problema 1 Escolhemos, ao acaso, uma quantidade inteira divisıvel

por 7, digamos 7. Um setimo de 7 e 1. Somando 7 a 17

de 7 obtemos 8. Agoraempregamos uma regra de tres simples:

x +x

7= 19

quantidade resultado7 8x 19

Portanto,

7

x=

8

19⇒ 8x = 7 · 19

⇒ 8x = 133 ⇒ x =133

8∴ x = 16

5

6

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4

2 EQUACOES DO SEGUNDO GRAU

DA ANTIGA BABILONIA ATE DIOFANTO

Os antigos babilonios (ou babilonicos) (c. 1800 a.C.), habitantes do sul da antigaMesopotamia (parte do atual Iraque), ja resolviam o problema de encontrar doisnumeros x e y cuja soma e p e cujo produto e q. O metodo empregado pelosbabilonios, traduzido para nossas notacoes modernas, e basicamente o seguinte:

A priori, x e y sao representados na forma

x =p

2+ a e y =

p

2− a

dado que x + y = p.

Tem-se entao

xy = (p

2+ a)(

p

2− a) =

p2

4− a2 = q

do que se deduz

a2 =p2

4− q =

p2 − 4q

4

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5

Daqui, se deduz

a =

√p2 − 4q

4

(os numeros negativos nao haviam sido inventados).

Assim, x e y acabam sendo expressos como

x =p

2+

√p2 − 4q

4e y =

p

2−

√p2 − 4q

4

Cerca de dois milenios depois (em torno do ano 250 da era crista), este mesmometodo aparece no tratado Aritmetica do grego Diofanto, um conjunto de 13 livrossobre solucoes racionais de equacoes algebricas.

Diofanto e considerado o pai da algebra no sentido de ter sido o primeiro a empregarnotacoes simbolicas para expressoes algebricas. Suas notacoes eram bem diferentesdas empregadas hoje. Os tratados de matematica dos precursores de Diofanto eramescritos no estilo retorico, isto e, sem nenhum emprego de sımbolos.

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EQUACOES DO SEGUNDO GRAU,DOS BABILONIOS A DIOFANTO

Como exemplos dos primeiros problemas de equacoes do segundo grau, encontra-dos nas tabuas de argila dos antigos babilonios, bem como no livro Aritmetica deDiofanto, resolvidos pelo metodo acima descrito, temos os seguintes:

1. (Babilonios, 1800 a.C.) Encontre dois numeros cuja soma e 14 e cujo produto e45.

2. (Diofanto, em Aritmetica) Encontre dois numeros cuja soma e 20 e cuja soma deseus quadrados e 208.

Resolucao do problema 1 Sao procurados dois numeros x e y satisfazendo

x + y = 14 e x · y = 45

Segundo o metodo acima descrito, fazemos

x = 7 − a e y = 7 + a

Teremos entao que a equacao xy = 45 torna-se (7−a)(7+a) = 45, ou seja,72 − a2 = 45, do que a2 = 4, e portanto a = ±2.

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Os babilonios, bem como Diofanto, consideravam apenas a solucao positiva a = 2.Os numeros negativos parecem ter surgido no seculo 7, com o astronomo hinduBramagupta.

Assim sendo, tomando a = 2, teremos x = 5 e y = 9. Se tomarmos a = −2,teremos x = 9 e y = 5. Portanto os numeros procurados sao 5 e 9.

Resolucao do problema 2 Sao procurados dois numeros satisfazendo

x + y = 20 e x2 + y2 = 208

Novamente, assumimos, com base na soma dada dos numeros procurados,

x = 10 − a e y = 10 + a

A equacao x2 + y2 torna-se entao

(10 − a)2 + (10 + a)2 = 208

ou seja(100 − 20a + a2) + (100 + 20a + a2) = 208

e portanto

200 + 2a2 = 208 ⇒ 2a2 = 8 ⇒ a2 = 4 ∴ a = ±2

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Somente a solucao positiva a = 2 era admitida.Assim sendo, os numeros procurados sao 10 − 2 = 8 e 10 + 2 = 12.

AL-KHWARIZMI

O primeiro tratado a abordar equacoes do 2o grau e suas solucoes foi Os Elementosde Euclides (sec. 3 a.C.).

Em Os Elementos, Euclides da solucoes geometricas da equacao do segundo grau.Os metodos nao sao praticos.

No inıcio do seculo 9, o Califa Al Mamum, recebeu atraves de um sonho, no qualteria sido visitado por Aristoteles, a instrucao de fundar um centro de pesquisa edivulgacao cientıfica.

Assim foi fundada a Casa de Sabedoria, em Bagda, hoje capital do Iraque, as mar-gens do Rio Tigre. A convite do Califa, nela estabeleceu-se Al-Khwarizmi, juntamentecom outros filosofos e matematicos do mundo arabe.

Al-Khwarizmi escreveu um tratado popular sobre a ciencia das equacoes, chamadoHisab al-jabr wa’l muqabalah, ou seja, o Livro da Restauracao e Balanceamento.

Al-Khwarizmi introduziu simplificou a algebra das equacoes do 2o grau.

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9

O metodo de Al-Khwarizmi, de resolucao da equacao do 2o grau e inspirado nainterpretacao de numeros por segmentos, introduzida por Euclides.

Al-Khwarizmi tambem popularizou o sistema de representacao decimal posicionaldos numeros inteiros, criado pelos hindus, hoje de uso corrente.

De Al-Khwarizmi derivam-se as palavras algarismo e algoritmo, ambas latinizacoesde Al-Khwarizmi.

Do termo al-jabr, que significa restauracao, deriva-se a palavra algebra ! O termoal-muqabalah, que significa oposicao ou balanceamento, e o que hoje entendemoscomo cancelamento.

Por exemplo, dada a equacao

x2 + 3x − 2 = 3x + 4

a al-jabr nos dax2 + 3x = 3x + 4 + 2

enquanto que a muqabalah cancela o termo 3x, nos dando

x2 = 6

Al-Khwarizmi apresenta dois metodos geometricos de solucao da equacao do 2o

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grau. Al-Khwarizmi nao fazia uso de notacoes simbolicas em seu tratado.

Suas equacoes sao escritas no estilo retorico, isto e, sem o emprego de sımbolos.

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Al-Khwarizmi e equacoes do 2o grau

1o metodo de Al-Khwarizmi

x2 + 10x = 39

Primeiramente, a equacao e escrita na forma

x2 + 4 ·5

2· x = 39

O completamento do quadrado e realizado,resultando na equacao equivalente

x2 + 4 ·5

2x + 4 ·

(5

2

)2

= 39 + 4 ·(

5

2

)2

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Porem, geometricamente,

(x + 5)2 = 39 + 25 = 64

daı, Al-Khwarizmi deduz que

x + 5 =√

64 = 8

Chega-se entao a solucao x = 8 − 5 = 3. ParaAl-Khwarizmi, quantidades negativas careciam desentido.No seu metodo, a solucao x = −8−5 = −13nao vem a tona.Podemos, no entanto, usar o metodo geometricode Al-Khwarizmi como um guia no completa-mento de quadrados e, ao final, “esquece-lo”, de-duzindo tambem eventuais solucoes negativas daequacao.

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2o metodo de Al-Khwarizmi

Neste metodo mais simples, a equacao eescrita na forma

x2 + 5x + 5x = 39

Completando entao essa soma de areascom a area de um quadrado de lado 5,portanto de area 25, obtem-se

x2 + 5x + 5x + 52 = 39 + 52

logo

(x + 5)2 = 39 + 25 = 64

Daqui entao x+5 = 8, ou seja, x = 3.

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3 EQUACOES DO TERCEIRO GRAU

ARQUIMEDES, NOVAMENTE

Num tratado sobre esferas e cilindros, Arquimedes estudou o seguinte problema,que deu origem a uma das primeiras equacoes do 3o grau da historia:

Cortar uma esfera por um plano de modo que uma das partes resultantes tenha odobro do volume da outra parte.

O volume do segmento esferico de altura h e dadopor V = 1

3πh2(3r − h).

Sendo h/r = y, se o segmento inferior da esferatem o dobro do volume do superior, entaoy3−3y2 = −4/3, ou x3−3x−2/3 = 0(y = x + 1)

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A BUSCA PELA FORMULA GERAL DA CUBICA

Por muitos seculos, desde o perıodo aureo da Grecia antiga, matematicos tentaramem vao deduzir um metodo geral de solucao da equacao do 3o grau ou equacao cubica

ax3 + bx2 + cx + d = 0

Procurava-se uma formula geral da solucao da cubica, isto e, uma formula quedesse suas solucoes em termos de expressoes algebricas envolvendo os coeficientesa, b, c e d.

A conhecida formula de Bhaskara, creditada assim ao matematico hindu Bhaskara,do seculo 12, nos da as solucoes da equacao quadratica ax2 + bx + c = 0, comoexpressoes algebricas dos coeficientes a, b e c, a saber

x =−b ±

√b2 − 4ac

2a

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DEL FERRO, TARTAGLIA E CARDANO. UMA TRAGICOMEDIA DEDISPUTAS, CONQUISTAS E DECEPCOES

O primeiro matematico a desenvolver um metodo para resolver equacoes cubicasda forma

x3 + ax + b = 0

foi Scipione del Ferro, professor da Universidade de Bolonha, Italia, na passagem doseculo 15 ao seculo 16. Antes de morrer, revelou seu metodo, que mantivera emsegredo, a Antonio Fiore.

Nicollo Tartaglia nasceu em Brescia, Italia, em 1499. Conta-se que era tao pobrequando crianca que estudava matematica escrevendo nas lapides de um cemiterio.

Em 1535 foi desafiado por Antonio Fiore a uma competicao matematica. Naepoca, disputas academicas eram comuns, muitas vezes premiando o ganhador como emprego do perdedor.

Tartaglia sabia resolver as equacoes cubicas de del Ferro, mas tinha descobertotambem um metodo para resolver cubicas da forma

x3 + ax2 + b = 0

De posse deste conhecimento, foi o vencedor na competicao.

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Os ultimos anos de Tartaglia foram amargurados por uma briga com GirolamoCardano (1501–1576), um matematico italiano que, alem de medico famoso emMilao, foi tambem astronomo.

Cardano e tido como o fundador da teoria das probabilidades, a qual estudou porinteresses pessoais (jogatina).

Em 1570, Cardano foi preso por heresia, por ter escrito um horoscopo de JesusCristo.

Em 1539, em sua casa em Milao, Cardano persuadiu Tartaglia a contar-lhe seumetodo secreto de solucao das cubicas, sob o juramento de jamais divulga-lo.

Anos mais tarde, porem, Cardano soube que parte do metodo constava de umapublicacao postuma de del Ferro.

Resolveu entao publicar um estudo completo das equacoes cubicas em seu tratadoArs Magna (1545), um trabalho que superou todos os livros de algebra publicadosate entao.

Em Ars Magna, Cardano expoe um metodo para resolver a equacao cubica baseadoem argumentos geometricos.

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Em Ars Magna, Cardano tambem expoe a solucao geral da equacao quartica ouequacao do quarto grau

ax4 + bx3 + cx2 + dx + e = 0

descoberta por Ludovico Ferrari (1522–1565), discipulo de Cardano, que parece tersuperado o mestre na algebra das equacoes polinomiais.

Em 1548, Tartaglia desafiou Cardano para uma competicao matematica, a serrealizada em Milao.

Cardano nao compareceu, tendo enviado Ferrari para representa-lo.

Parece que Ferrari venceu a disputa, o que causou a Tartaglia desemprego e mortena pobreza nove anos mais tarde.

A FORMULA DE CARDANO PARA A EQUACAO CUBICA

O metodo de Cardano para resolver equacoes cubicas, e essencialmente o seguinte:

Consideremos a equacao cubica

z3 + az2 + bz + c = 0

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A substituicao

z = x −a

3transforma a equacao dada em uma equacao cubica na forma reduzida:

x3 + px + q = 0

Cardano entao “tenta” obter uma solucao na forma

x = u + v

Ele nota que(u + v)3 = u3 + 3u2v + 3uv2 + v3

ou seja,(u + v)3 − 3uv(u + v) − (u3 + v3) = 0

Cardano observa que para que x = u + v seja solucao da cubica

x3 + px + q = 0

e suficiente encontrar u e v satisfazendo

3uv = −p e u3 + v3 = −q

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ou seja,

u3v3 = −p3

27e u3 + v3 = −q

Ao estilo de Diofanto, fazendo entao

u3 = −q

2+ α e v3 = −

q

2− α

teremos

u3v3 =

(q

2

)2

− α2 =q2

4− α2 = −

p3

27

Logo,

α2 =q2

4+

p3

27

Se q2

4+ p3

27≥ 0, deduzimos entao

α = ±

√q2

4+

p3

27= ±

√D

em que D = q2

4+ p3

27e o assim chamado discriminante da cubica reduzida x3 +

px + q = 0.

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Finalmente, assumindo que D ≥ 0, teremos, para α =√

D,

u3 = −q

2+

√D e v3 = −

q

2−

√D

e entao

x = u + v = 3

√−

q

2+

√D + 3

√−

q

2−

√D

ou seja

x =3

√√√√−q

2+

√q2

4+

p3

27+

3

√√√√−q

2−

√q2

4+

p3

27

O mesmo resultado e obtido quando consideramos α = −√

D (verifique), assu-mindo que a raızes cubicas calculadas sao as raızes cubicas reais de numeros reais.

BOMBELLI, CRIADOR DOS NUMEROS COMPLEXOS

O primeiro algebrista a formular regras elementares das operacoes dos numeroscomplexos foi o engenheiro hidraulico italiano Rafael Bombelli, em seu tratadoL’Algebra (1572), quase trinta anos depois da publicacao de Ars Magna por Car-dano.

Page 22: Uma historia das equações polinomiais

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Bombelli notou que a equacao x3 −15x−4 = 0 tem uma solucao real positiva,a saber x = 4.

Notou tambem que as demais solucoes dessa equacao, −2 ±√

3, sao tambemreais, sendo elas as raızes do polinomio do 2o grau x2 + 4x + 1, obtido comoquociente da divisao de x3 − 15x − 4 por x − 4.

No entanto, notou Bombelli, a formula de Cardano nao se aplica a cubica em

questao, pois nesse caso D = q2

4+ p3

27= −121 < 0. Um notavel paradoxo surgiu

entao: a cubica x3 − 15x − 4 = 0 tem suas tres raızes reais e, no entanto, aformula de Cardano, quando a ela aplicada, produzia uma expressao numerica quecarecia de sentido:

x =3

√2 +

√−121 +

3

√2 −

√−121

Por conta disso, Bombelli pos-se a estudar essa nova especie de numeros, maistarde denominados numeros complexos.

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A formula de Cardano pode “esconder” raızes racionais

Mesmo quando D > 0, a formula de Cardano mostra-se pouco pratica, pois podeocultar solucoes racionais de uma cubica sob a aparencia de expressoes que parecemirracionais.

Por exemplo, a cubica x3 +3x − 4 = 0 tem x = 1 como solucao. Dividindo-sex3 + 3x − 4 por x − 1, obtemos x2 + x + 4, que tem como raızes os numeroscomplexos (−1 ±

√15i)/2, as outras duas solucoes da cubica dada.

No entanto, a aplicacao da formula de Cardano a essa cubica nos da a solucao real

x =3

√2 +

√5 +

3

√2 −

√5

que e, na verdade x = 1.

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FRANCOIS VIETE: UM METODO PARA O CASO INDESEJAVELDA FORMULA DE CARDANO

Francois Viete (1540–1603) foi um advogado frances, membro do parlamento, comgrande vocacao matematica.

Em seu tratado In artem analyticem Isagoge, Viete aplica algebra ao estudo degeometria, quando ate entao, a pratica tinha sido sempre a de aplicar geometria aalgebra.

Durante uma guerra contra a Espanha, Viete serviu ao rei frances Henri IV, de-cifrando o codigo usado pelos espanhois em suas correspondencias militares.

Usando trigonometria, area da matematica elementar onde descobriu muitas desuas conhecidas relacoes, Viete desenvolveu um metodo para calcular as tres raızesreais da cubica x3 + px + q = 0 no caso em que a formula de Cardano “falha,”

isto e, no caso em que o discriminante D = q2

4+ p3

27e negativo.

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O metodo de Viete

Consideremos a equacao cubica

x3 + px + q = 0

onde suporemos que os coeficientes p e q sao numeros reais nao nulos.

No seu metodo, Viete tenta buscar uma solucao real para essa cubica, escrevendo-ana forma

x = k cos θ, com k > 0

Note que o caso k = 0 ocorre quando x = 0 e uma solucao da cubica. Nesse caso,q = 0 e as outras duas raızes sao as solucoes complexas da equacao x2 = −p.

Usando a relacao trigonometrica

cos 3θ = 4 cos3 θ − 3 cos θ

temos entao4 cos3 θ − 3 cos θ − cos 3θ = 0

A substituicao de x = k cos θ na cubica

x3 + px + q = 0

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nos dak3 cos3 θ + pk cos θ + q = 0

expressao que, multiplicada por 4/k3 em ambos os lados, passa a ser

4 cos3 θ +4p

k2cos θ +

4q

k3= 0

Comparando esta ultima equacao com a identidade trigonometrica

4 cos3 θ − 3 cos θ − cos 3θ = 0

Viete entao observa que x = k cos θ sera solucao da cubica dada desde que setenha

4p

k2= −3 e − cos 3θ =

4q

k3

ou, equivalentemente,

k2 = −4p

3e cos 3θ = −

4q

k3

Estas duas ultimas equacoes (em k e θ) terao solucao se, e somente se, tivermos

p < 0 e∣∣∣4q

k3

∣∣∣ ≤ 1

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ou, equivalentemente

p < 0 e16q2

k6≤ 1

Como k2 = −4p3

, esta ultima condicao equivale a D =q2

4+

p3

27≤ 0. (note

que, sendo q 6= 0, entao D ≤ 0 ⇒ p < 0)

Sendo entao D ≤ 0, o metodo de Viete nos da tres solucoes reais da cubica:

Primeiramente calculamos k =√

−4p3

e entao procuramos os tres valores de θ,

compreendidos entre 0 e 360◦ satisfazendo cos 3θ = −4qk3 . Sendo eles θ1, θ2 e

θ3, teremos as tres solucoes da cubicas dadas por

x1 = k cos θ1, x2 = k cos θ2, x3 = k cos θ3

No calculo dos tres valores de θ, podemos tomar

θ1 =1

3arc cos

(−

4q

k3

)

e entaoθ2 = θ1 + 120◦ e θ3 = θ1 + 240◦

Page 28: Uma historia das equações polinomiais

28

LUDOVICO FERRARIE AS EQUACOES DO 4o GRAU.

A equacao quartica geral tem a forma

x4 + ax3 + bx2 + cx + d = 0

Ludovico Ferrari, discıpulo de Cardano, criou o seguinte metodo para resolver aquartica geral.

Primeiramente, escrevemos

x4 + ax3 = −bx2 − cx − d.

Em seguida, completamos o quadrado do primeiro membro:(

x2 +1

2ax

)2

= x4 + ax3 +1

4a2x2.

Page 29: Uma historia das equações polinomiais

29

Teremos entao a equacao equivalente a quartica dada:(

x2 +1

2ax

)2

= −bx2 − cx − d +1

4a2x2

=

(−b +

1

4a2

)x2 − cx − d

Na tentativa de obter quadrados perfeitos em ambos os membros, somamos umparametro t a expressao dentro dos parenteses do primeiro membro:

(x2 +

1

2ax + t

)2

=

(x2 +

1

2ax

)2

+ 2

(x2 +

1

2ax

)t + t2

=

(−b +

1

4a2

)x2 − cx − d + 2

(x2 +

1

2ax

)t + t2

=

(−b +

1

4a2 + 2t

)x2 + (−c + at)x + (−d + t2)

A expressao final, do segundo membro, sera ± um quadrado perfeito desde quetenhamos seu discriminante ∆ igual a zero.

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Esta condicao (∆ = 0) nos leva a uma equacao do 3◦ grau em t.

Uma solucao real t0, dessa equacao, nos levara a uma igualdade de quadrados depolinomios do segundo grau, como uma equacao equivalente a quartica original dada.

Para ilustrar o metodo, tomaremos o seguinte exemplo.

A quartica dada e

x4 + 2x3 − 13x2 + 2x + 1 = 0

Usando o truque de Ferrari, podemos mostrar que ela e equivalente a equacao(x2 + x + 1

)2= 16x2

ou seja,x2 + x + 1 = ± 4x

Cada uma das duas equacoes do segundo grau nos prove duas raızes. As quatroraızes serao entao

(3 ±√

5)/2 e (−5 ±√

21)/2

Page 31: Uma historia das equações polinomiais

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EQUACOES DO 5o GRAU E ALEM.ALGUMAS POUCAS PALAVRAS.

A formula de Ludovico Ferrari, publicada por Cardano em Ars Magna, exprimealgebricamente as solucoes da equacao quartica

x4 + ax3 + bx2 + cx + d = 0

em termos dos coeficientes a, b, c e d, utilizando somente as quatro operacoesaritmeticas elementares e extracao de raızes. Uma solucao desse tipo e chamadasolucao por radicais.

Nos 250 anos que se seguiram, todos os esforcos para resolver a equacao geral de5o grau falharam.

Em 1786, E.S. Bring mostrou que a equacao geral do 5o grau pode ser reduzida,por transformacoes algebricas, a equacao x5 − x − A = 0.

Embora uma tal reducao parecesse um grande passo em direcao a solucao geralda equacao quıntica por radicais, Paolo Ruffini mostrou, em 1799, que uma solucaogeral da equacao quıntica por radicais era impossıvel.

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A demonstracao desse fato, feita por Ruffini, foi considerada insatisfatoria a epoca.Entretanto, em 1826, Niels Abel publicou uma prova satisfatoria desse fato, fatorepetido com a teoria mais geral ulteriormente desenvolvida por Evariste Galois, em1831.

O Teorema Fundamental da Algebra

Os numeros complexos foram criados para suprir solucoes de equacoes polinomiais.Mas ha alguma equacao polinomial de coeficientes reais ou complexos que nao possuinenhuma solucao complexa? A resposta nos e dada pelo Teorema Fundamental daAlgebra:

Toda equacao polinomial de grau ≥ 1, com coeficientes reais ou complexos, possuiuma solucao complexa.

Esse teorema foi enunciado, sem demonstracao, por Albert Girard em 1629. Osmatematicos Jean D’Alembert, em 1746, e Carl Friedrich Gauss, em 1799, publicaramdemonstracoes desse teorema.

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1. Anglin, W.S.Mathematics: A Concise History and PhilosophySpringer, New York, 1994.

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