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    ALEX DE SOUZA IVO

    UMA HISTRIA EM VERDE, AMARELO E NEGRO:

    CLASSE OPERRIA, TRABALHO E SINDICALISMO NA INDSTRIA DO PETRLEO(1949-1964)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria Social daUniversidade Federal da Bahia, comorequisito parcial para a obteno do grau deMestre em Histria.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz

    Salvador

    2008

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    IVO, Alex de Souza.Uma histria em verde, amarelo e negro: classe operria, trabalho e

    sindicalismo na indstria do petrleo (1949-1964) / Alex de Souza Ivo. 2008.

    183 f. il.

    Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia eCincias Humanas da UFBA, Salvador, 2008.

    Orientadora: Prof Dr Maria Ceclia Velasco e Cruz

    1. Sindicalismo. 2. Indstria do petrleo. I. Cruz, Maria CecliaVelasco e. II. Universidade Federal da Bahia. III. Titulo.

    CDU: 331.105.446

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    ALEX DE SOUZA IVO

    UMA HISTRIA EM VERDE, AMARELO E NEGRO:Classe operria, trabalho e sindicalismo na indstria do petrleo (1949-1964)

    Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Histria Social daUniversidade Federal da Bahia, comorequisito parcial para a obteno do grau

    de Mestre em Histria.

    Aprovada em:

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz (orientadora)

    Universidade Federal da Bahia

    _______________________________________________Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci

    Universidade Estadual da Bahia

    _______________________________________________Prof. Dr. Lus Flvio Reis Godinho

    Universidade Federal do Recncavo da Bahia

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    A minha me Iracy.

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    AGRADECIMENTOS

    Nenhum trabalho acadmico resultado do esforo de uma nica pessoa. Por isso,

    agradecer torna-se uma forma de lembrar e reconhecer a colaborao daqueles que no

    assinam a obra mas que sem eles o caminho teria sido no mnimo mais difcil. Quando um

    negro trilha o caminho acadmico o imperativo do agradecimento ainda maior, pois somos

    ainda muito poucos os que seguimos esse caminho, j que, na verdade, a grande maioria de

    ns obrigada a desistir de jogar antes mesmo da partida comear. Por isso mesmo, esse

    importante detalhe nunca deve passar em branco. Lembrarei nesse curto espao de algumaspessoas que foram importantes na caminhada que culminou com a redao desta dissertao.

    Corro o risco de me alongar um pouco, mas entre o pecado do excesso e o da omisso prefiro

    ficar com o primeiro.

    Algumas instituies merecem ter seu apoio lembrado, so elas: o Programa de Ps-

    Graduao em Histria Social, que acolheu minha pesquisa; a Coordenao de

    Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), que atravs da concesso de uma

    bolsa de estudos, permitiu-me custear os dois anos de curso; a Fundao Clemente Mariani,

    entidade da qual fui estagirio por dois anos, ainda antes de minha entrada no mestrado, e que

    cumpriu um importante papel na minha formao profissional; e o Sindicato dos

    Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro da Bahia, que permitiu o livre acesso a toda a

    documentao guardada em seu arquivo

    Nos lugares onde pesquisei, contei com a colaborao de muitos profissionais.

    Agradeo a Aldemar Jnior e a amiga Davilene Santos (Sindicato dos Trabalhadores do Ramo

    Qumico e Petroleiro); Marina, Dilza e Maria Lcia (Biblioteca da FFCH); Graa, Lcia e

    rica (Fundao Clemente Mariani).

    Com a Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz tenho uma dvida impagvel. Primeiro

    preciso lembrar da forma gentil com que assumiu minha orientao, para depois ressaltar o

    seu profundo conhecimento sobre meu campo de pesquisa, sua sensibilidade e sua capacidade

    de indicar caminhos e possibilidades para a execuo do trabalho, respeitando em todas as

    oportunidades minha liberdade final de escolha. Os professores Muniz Gonalves Ferreira eLus Flvio Reis Godinho participaram do exame de qualificao e ajudaram a elucidar

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    questes e corrigir possveis falhas deste trabalho. Franklin Oliveira Junior, pioneiro no

    estudo sobre os petroleiros na Bahia, dialogou fraternalmente comigo e ainda cedeu-me

    gentilmente parte de seu material de pesquisa.

    Aos verdadeiros donos dessa histria, os pioneiros do trabalho e do sindicalismo

    petroleiro, fica a reverncia de quem aprendeu muito com eles. Sou inteiramente grato a todos

    os que concordaram em conversar sobre aqueles tempos com uma pessoa quase

    desconhecida, compartilhando lembranas, alegrias, tristezas e frustraes. Os companheiros

    da Associao Brasileira de Anistiados Polticos da Petrobrs e demais Estatais (ABRASPET)

    foram o ponto de partida para a coleta dos depoimentos orais, to importantes para este

    trabalho.

    Na busca por depoentes, contei ainda com o apoio de Daniela Nascimento, que me

    guiou pelas ladeiras de Candeias e compartilhou comigo boas e divertidas histrias de

    petroleiros. Rebeca Vivas me emprestou seu pai e cedeu parte do seu lbum de famlia para

    essa dissertao. Miguel Conceio, com seu olhar de operrio e historiador, conversou

    comigo e ofereceu-me segurana num dos momentos mais complicados da realizao deste

    trabalho.

    Registro a importante convivncia e minha gratido a importantes amigos da

    graduao e da militncia estudantil. So eles: Aline Farias, Ana Lvia, Daniel Rebouas,

    Denise Silva, Pedro Burger, Roberto Lacerda, Roberto Lordelo, Wesley Francisco e Zlia

    Neto. Todos grandes amigos que no poderiam ser esquecidos nesse momento.

    Aos colegas de estgio da minha gerao na Fundao Clemente Mariani, testemunhas

    das apreenses iniciais dessa pesquisa, que, alm de incentivadores, tornaram-se bons amigos.

    Registro minha gratido a rica Brando, Graciene Rocha e Haroldo Barbosa; e aoshistoriadores Lus Henrique Santana, Fbio Baqueiro, Bruno Pessoti e Rogrio Luiz. Todos

    sempre muito dispostos a dialogar sobre nossas pesquisas. Os dois ltimos, alm disso,

    volta e meia apareciam com importantes dicas de livros, verdadeiros brindes, bem como

    ajudaram-me todas as vezes que estive s voltas com a lngua estrangeira.

    Agradeo aos companheiros da coordenao e do corpo docente dos Quilombos

    Educacionais Instituto Cultural Steve Biko e Centro de Cultura, Orientao e Estudos

    Quilombos. queles com quem mais aprendo do que ensino, os nossos estudantes, resta-me

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    agradecer e continuar aquilombado, lutando para que faamos parte de outras estatsticas,

    muito mais felizes do que as que nos so impostas atualmente.

    Jnea Frana e Moiss Cerqueira kiriris em terras alheias receberam-me com umahospitalidade tipicamente baiana nas duas oportunidades em que realizei pesquisas nos

    arquivos da cidade maravilhosa.

    Outro casal amigo merece uma meno especial. Marta Lcia e Paulo de Jesus

    prestaram um apoio incalculvel em boa parte dessa trajetria. difcil resumir em palavras a

    amizade e carinho que sinto por ambos, bem como a contribuio por eles prestada para a

    finalizao deste trabalho. Paulo foi ainda uma espcie de irmo mais velho, que sempre

    esteve pronto para conversar sobre as dificuldades do mundo acadmico e da pesquisa em

    Histria.

    Para finalizar essa longa seo, passarei parte mais pessoal, destinada a lembrar do

    carinho e do apoio dos familiares. Os meus sobrinhos Otvio, Gabriela e Lorena foram

    garantia de descontrao e alegria nos momentos mais tensos da redao. Minhas irms

    Tatiane e Luciana sempre estiveram prontas para contribuir. Os tios Pedro e Milza so

    pessoas que sempre estiveram presentes e com quem posso contar a qualquer momento.

    memria de minha tia e madrinha Raimunda do Socorro ,deixo saudosas lembranas.

    Daniele mereceria um captulo a parte. Amiga, cmplice e companheira. Foi com ela

    que compartilhei os problemas, as histrias, a ansiedade e os conflitos de todo o processo de

    construo desse trabalho. Foi marcante o desprendimento e o interesse com que atendeu

    todos os meus pedidos de ajuda. Ademais, demonstrou na maioria das vezes pacincia com os

    meus momentos de desnimo e mau humor.

    Finalmente, lembro a importncia de meus pais. O seu Jeovah no pde chegar at

    aqui. Sei que estaria muito feliz. Dona Iracy, sem dvida, pelo seu amor incondicional por

    tudo que ela fez e faz por seu filho merece muito mais do que qualquer outra pessoa a

    dedicatria desta dissertao.

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    O trabalho a fonte de toda riqueza, afirmam oseconomistas. Assim , com efeito, ao lado danatureza, encarregada de fornecer os materiais que

    ele converte em riqueza. O trabalho, porm, muitssimo mais do que isso. a condio bsica efundamental de toda vida humana. E em tal grauque, at certo ponto, podemos afirmar que o trabalhocriou o prprio homem.

    Friedrich Engels.

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    RESUMO

    A presente dissertao pretende discutir a trajetria dos petroleiros baianos nos

    primeiros anos de sua histria. Nossa anlise partiu do incio da explorao do petrleo noestado e foi concluda no ano de 1964, momento emblemtico para entendermos aimportncia que a categoria de trabalhadores e seus sindicatos adquiriram para a sociedadelocal e nacional. A nossa ateno voltou-se, principalmente, para as relaes de trabalho e ashierarquias e tenses sociais nela existentes. Observamos como a questo foi abordada einternalizada pelos principais atores da trama e, por fim, analisamos as intervenes sindicaisnessa trama, marcada pelo dilema da crescente demanda pelos chamados interesses baianose pela emergncia da transformao da Petrobrs no grande smbolo de proteo nacional e deseus trabalhadores em seus principais defensores.

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    ABSTRACT

    This dissertation aims to discuss the Bahian petroleum workers during the first years

    of their history. Our analysis starts in the early days of petroleum exploration in Bahia andends in 1964. This year is a landmark for the comprehension of how workers and their unionsbecame important both locally and nationally. Our focus was on labor relations with theirhierarchies and social tensions. We looked at how workers internalized and dealt with thesematters. Finally, we analyzed the union interventions, marked by the growing demand of theso-called Bahian interests and by the transformation of PETROBRAS into the majorsymbol of national protection and its employees as its main defenders.

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    LISTA DE IMAGENS

    FIGURA 1 Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo..........................................24

    FIGURA 2 Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949..................................27

    FIGURA 3 A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional.....................................35

    FIGURA 4 Petroleiros em seu momento de lazer................................................................62

    FIGURA 5 O Petrolinho.......................................................................................................72

    FIGURA 6 Aspecto interno de uma sala de operaes de Mataripe.......................................75

    FIGURA 7 Rua da Vila de Mataripe....................................................................................88

    FIGURA 8 Casa da Vila de Mataripe..................................................................................92

    FIGURA 9 Trabalhadores da extrao de petrleo............................................................105FIGURA 10 Trabalhadores da extrao comendo no capacete...........................................117

    FIGURA 11 Osvaldo Marques de Oliveira..........................................................................122

    FIGURA 12 Trabalhadores de Mataripe mobilizados na greve...........................................138

    FIGURA 13 Reunio entre Mrio Lima, Francisco Mangabeira e Wilton Valena............154

    FIGURA 14 Jairo Jos Farias...............................................................................................156

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    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1 Empregados por unidade da Petrobrs na Bahia (05/1964)..............................56

    TABELA 2 Diviso por sexo dos associados do Sindipetro/Refino e

    Sindipetro/Extrao.................................................................................................58

    TABELA 3 Distribuio de mulheres por funo na indstria do petrleo.........................59

    TABELA 4 Estado de nascimento dos trabalhadores da indstria do petrleo....................63

    TABELA 5 Nvel de instruo dos Associados do Sindipetro/Refino.................................69

    TABELA 6 Distribuio dos filiados ao Sindipetro Refino segundo a categoria cor........71

    TABELA 7 Relao de escolaridade entre os operadores da indstria do refino do

    petrleo....................................................................................................................79TABELA 8 Nvel de escolaridade dos trabalhadores lotados na Diviso de Obras.............85

    TABELA 9 Nvel de instruo dos moradores das Vilas de Niteri, Mataripe e de todos os

    associados do Sindipetro/Refino.............................................................................97

    TABELA 10 Ano de entrada na empresa e filiao ao Sindipetro/Refino...........................129

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    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................14

    CAPTULO 1:

    A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA

    1.1 A extrao e a indstria petrolfera at a fundao da Refinaria de Mataripe.................18

    1.2 Petrleo como questo nacional: O petrleo nosso e a Petrobrs..............................31

    1.3 Petrleo como questo local: o regionalismo baiano.......................................................39

    CAPTULO 2:

    OS TRABALHADORES DO PETRLEO

    2.1 Para o bem do Brasil: o operrio nacional e um projeto para sua formao....................482.2 Os homens a formar: os petroleiros baianos.................................................................54

    CAPTULO 3:

    MORADIA, HIERARQUIAS E TENSES: O MUNDO DO TRABALHO

    PETROLEIRO

    3.1 A Refinaria de Mataripe e suas hierarquias de trabalho..................................................73

    3.2 A face visvel das diferenas: moradia, alojamentos e transporte...................................87

    3.3 O paternalismo e o nacionalismo: estratgias invisveis de dominao........................101CAPTULO 4:

    A TRAJETRIA DO SINDICALISMO PETROLEIRO EM SUA ERA DE OURO

    4.1 Antes dos sindicatos: a imprensa comunista e os petroleiros........................................113

    4.2 O nascimento dos sindicatos petroleiros e a construo de sua legitimidade................120

    4.3 O sindicalismo petroleiro e as brechas do regionalismo................................................131

    4.4 O caminho para as intervenes sindicais no mundo do trabalho.................................147

    4.5 Auge, contradies e fim da era de ouro....................................................................154CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................167

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................170

    FONTES.................................................................................................................................177

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    INTRODUO

    As atividades da indstria do petrleo na Bahia, originadas com o incio da extrao

    do leo ainda no Estado Novo e a instalao da Refinaria de Mataripe, em 1950,

    representaram um grande passo para o desenvolvimento econmico local. Elas traziam em seu

    bojo um incremento tanto na produo industrial quanto na arrecadao de impostos do estado

    e de seus municpios. Esse fato ampliou as expectativas locais em relao aos possveis

    retornos que a prospeco e o refino do petrleo poderiam trazer sociedade local e

    impulsionou um choque entre duas concepes, chamadas de regionalismo e nacionalismo.

    Foi exatamente neste contexto que milhares de homens se incorporaram a um dos mais

    importantes projetos governamentais para a industrializao nacional entre as dcadas de

    1940 e 1950. Os trabalhadores do petrleo transformaram-se em poucos anos em um dos mais

    destacados segmentos da classe operria e do sindicalismo baiano. Se no alvorecer da dcada

    de 1950, eles eram uma fora poltica praticamente ignorada pelas pessoas que pautavam o

    debate acerca dos rumos da indstria petrolfera brasileira, dez anos depois no era possvel

    tratar do assunto sem levar em considerao os seus dois sindicatos. Os petroleiros viraram os

    principais defensores de uma poltica de valorizao da estatal brasileira do petrleo, e

    conseqentemente da ateno dessa empresa com o bem estar de seus funcionrios.

    O nosso trabalho tenta debater algumas questes concernentes trajetria desses

    operrios, tidos a princpio como pouco preparados para o trabalho para o qual haviam sido

    contratados. O que se passou durante aqueles quinze anos na Bahia, desde que principiaram as

    obras da Refinaria de Mataripe? Quem eram exatamente aqueles homens? Quais as relaes

    entre o cotidiano de trabalho e a poltica sindical dos petroleiros? Como os trabalhadoreslidaram com o discurso nacionalista da empresa, que dissimulava a explorao capitalista

    existente na indstria? Qual a posio do sindicalismo petroleiro diante das principais

    correntes polticas que rondavam a Petrobrs no estado da Bahia durante as dcadas

    estudadas?

    Partindo da perspectiva da histria social do trabalho, concebemos que as aes

    polticas de qualquer sindicato so influenciadas de forma contundente pelas relaes sociais

    estabelecidas nos locais de trabalho. Ao mesmo tempo, no desprezamos as articulaes da

    chamada alta poltica, que estabelece uma tensa relao com as demandas vindas do cho da

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    fbrica. Realizamos um esforo no sentido de equacionar esses dois campos da atuao

    operria, tendo por base a formao da categoria petroleira na Bahia, e os primeiros anos de

    atuao desses rgos de classe. Optamos pelas unidades da Petrobrs na Bahia, por

    considerarmos que as empresas estatais criadas entre as dcadas de 1940 e 1950 formam um

    campo privilegiado para a compreenso dessa tensa relao.

    Para compreender o fenmeno baiano, partimos, assim, da bibliografia produzida no

    mbito das Cincias Sociais sobre o mundo do trabalho nas empresas estatais. Diferentemente

    dos casos da Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, da Usina de Volta Redonda e da

    Fbrica Nacional de Motores, a indstria do petrleo na Bahia contou com um elemento

    adicional na sua trama: o forte crescimento de uma srie de demandas e reivindicaes que

    questionavam o papel da empresa estatal no desenvolvimento econmico do estado. O

    movimento regionalista competiu, portanto, com o nacionalismo como um definidor tanto da

    identidade dos petroleiros quanto da ao de seus rgos de classe. Nossa anlise da ao

    poltica dos sindicatos visa entender quais as relaes entre o quadro poltico regional e

    nacional, as particularidades da fora de trabalho petroleira local e o sistema de poder e

    privilgios montado na indstria em questo.

    Para isso, levamos em considerao as especificidades do sindicalismo estatal, queevitava um conflito direto com a empresa, preferindo o dilogo com seus dirigentes, pois os

    sindicalistas entendiam que o fortalecimento das estatais resultaria numa ampliao dos

    direitos e conquistas dos trabalhadores. Essa postura, no caso especfico analisado, trouxe

    tenses e novas responsabilidades para os seus sindicatos, que tiveram de persuadir suas bases

    acerca da eficcia da poltica que empregavam e ao mesmo tempo neutralizar a hostilidade

    dos rgos de imprensa locais.

    No primeiro captulo, contamos de forma sucinta como foram os primeiros passos e os

    principais debates relacionados explorao do petrleo no Brasil e o desenrolar dos fatos

    que resultaram na construo da Refinaria de Mataripe. Concentramos nossa ateno no clima

    poltico nacional das dcadas de 1940 e 1950 para entendermos o motivo pelo qual foi tomada

    a opo do monoplio estatal do petrleo no pas. Dentro deste debate, procuramos apontar

    qual era a posio de importantes sujeitos da poltica baiana com o objetivo de melhor

    compreender as expectativas dos polticos locais com relao s atividades ligadas indstria

    petrolfera em terras baianas. Para fechar a seo, mapeamos as principais movimentaes do

    movimento regionalista.

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    O segundo captulo mergulha na composio da fora de trabalho petroleira. Atravs

    dos registros de filiao sindical, conseguimos traar um perfil dos petroleiros baianos, pondo

    os dados obtidos atravs dessa fonte em comparao com os relatos orais, memorialistas e

    observaes feitas na poca sobre esse grupo de trabalhadores. Apontamos, tambm, a

    preocupao dos governantes brasileiros com a formao de um novo trabalhador nacional,

    que precisaria ser preparado para a misso de construo de um Brasil grande, e como as

    empresas estatais eram ponta de lana nesse projeto de formao.

    No captulo seguinte, partindo das constataes iniciadas na anlise feita sobre a

    composio social dos petroleiros, buscamos demonstrar que os gestores da empresa

    adotaram nas relaes de trabalho um conjunto de diferenciaes internas que tinham por base

    a origem social e regional dos funcionrios. Para isso, descrevemos o espao produtivo e as

    hierarquias de trabalho na indstria do refino do petrleo e avanamos em uma anlise acerca

    do sistema de moradia e transporte montado para servir aos trabalhadores de Mataripe. A Vila

    Residencial de Mataripe e os alojamentos construdos para servir aos menos graduados so

    analisados luz da bibliografia produzida sobre o tema no mbito nacional. Com isso,

    tentamos perceber as semelhanas e diferenas entre o caso da refinaria e o de alguns outros

    instalados no territrio nacional. Por fim, examinamos os mecanismos ideolgicos utilizados

    para garantir o controle dos gestores sobre os trabalhadores. Analisamos como prticas

    paternalistas e como um discurso de que o trabalho com o petrleo era fundamental para o

    engrandecimento do pas puderam ser assumidos e ressignificados pelos servidores da

    Petrobrs.

    No ltimo captulo fazemos uma anlise da atuao sindical petroleira desde os

    primeiros esforos para a sua fundao at o golpe civil-militar de 1964. Dialogamos com o

    trabalho de Franklin Oliveira Junior1

    para tentar responder algumas questes relacionadas insero dos sindicalistas petroleiros, os quais aproveitando as brechas do regionalismo

    aproximaram-se das lideranas polticas do perodo. Aproveitamos o consistente relato factual

    feito pelo autor de Usina dos Sonhos para concentrar nossa ateno na interpretao da

    construo da legitimidade dos representantes sindicais do refino do petrleo, bem como a

    estratgia utilizada por eles para obter sucesso em seu primeiro movimento grevista; alm das

    movimentaes sindicais que levaram o jurista baiano Francisco Mangabeira ao posto

    mximo da estatal.

    1OLIVEIRA JR., Franklin. A usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro. Salvador: EGBA, 1996.

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    Terminamos a dissertao discutindo as possibilidades de enfrentamento e barganha

    abertas aos petroleiros durante o perodo de 1962 a 1964, quando estes, atravs de seu

    sindicato, estiveram muito prximo dos principais postos de mando da Petrobrs.

    Por fim, cabe dizer que neste trabalho cruzamos diferentes tipos de fontes escritas com

    entrevistas de histria oral. Ao longo do texto utilizamos livros, folhetos e informaes

    colhidas na imprensa da poca. Recorremos tambm aos documentos sindicais e nesse campo

    foi de grande importncia as atas de reunio de diretoria e assemblia do Sindipetro/Refino,

    bem como os registro de associados deste sindicato e do Sindipetro/Extrao. A maior

    dificuldade residiu, contudo, no acesso a fontes produzidas pela prpria empresa, pois alm

    do acervo do CNP ainda estar em fase de organizao, a Petrobrs adota uma poltica de

    proibio do acesso dos pesquisadores ao seu acervo documental, permitindo aos estudiosos

    de sua histria a possibilidade de pesquisa somente nos livros das suas bibliotecas. O caminho

    para a soluo desse impasse foi a pesquisa em acervos pessoais e nesse caso alm do apoio

    dos prprios militantes, merece destaque o arquivo do General Arthur Levy, disponvel para

    pesquisa no acervo do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do

    Brasil da Fundao Getlio Vargas (CPDOC-FGV), que forneceu boa parte das fontes

    primrias relacionadas estatal que utilizamos em nossa dissertao.

    J as fontes orais foram relevantes principalmente para a anlise de aspectos da vida

    operria que no so expressos em documentos escritos. O dilogo com diversos atores da

    trama social estudada nos possibilitou compreender com maior consistncia as apreenses,

    perspectivas e sentimentos dos petroleiros. Ademais, elas ajudaram a preencher importantes

    lacunas, pois a memria, tanto a coletiva da categoria quanto a individual de cada operrio,

    tem um valor mpar para os estudos sobre a classe operria.

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    CAPTULO 1:

    A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA

    Nossa Senhora da Penha, endireito o meu mulatoE lhe tire da cabea o ouro negro de LobatoEle j no tira samba e s fala nome inglsFurou tanto que encontrou o rabicho de umchinsGastou toda a minha grana com a sua engenhariaProcurando em Cascadura o petrleo da Bahia...2

    1.1

    A EXTRAO E A INDSTRIA PETROLFERA AT A FUNDAO DA

    REFINARIA DE MATARIPE

    Pouco mais de um ano aps a sua fundao, a Refinaria de Mataripe era saudada pelo

    peridico O Observador Econmico e Financeiro. A usina, situada no Recncavo baiano, foi

    a primeira experincia estatal com o refino do petrleo, utilizando o leo extrado do prprio

    Recncavo. Mataripe e os campos de extrao da Bahia cumpriram um papel relevante tanto

    no cenrio social, econmico e poltico do pas quanto do territrio baiano, especialmente nasdcadas de 1950 e 1960.

    No Recncavo da Bahia de Todos os Santos, regio que desde os primeiros temposda colonizao tem sido teatro de fatos marcantes da histria nacional, foi erguidauma moderna fortaleza econmica, marco inicial de uma nova etapa de nossaatividade num dos mais importantes setores da atividade humana.

    Uma fortaleza sem canhes e sem soldados, mas mesmo assim um baluarte. Ao invsdos uniformes militares encontramos l os macaces dos operrios e as roupas civisdos tcnicos, dos jovens tcnicos brasileiros. Todos eles, porm, sabem com

    segurana qual a importncia da tarefa que lhes cumpre executar e o que elarepresenta no quadro da prpria segurana nacional.3.

    O sentimento expresso acima consistia em uma relevante mudana quando comparado

    com a desconfiana reinante nos meses imediatos aps a sua fundao. As atividades com o

    petrleo na Bahia deixavam de ser uma incgnita e tornavam-se uma realidade para todo o

    pas. Contudo, para entendermos a sua histria e a histria de seus trabalhadores (o foco

    principal deste trabalho), necessrio observarmos mesmo que de forma sinttica os

    2PEPE, Kid; NASSER, David. Candieiro, samba lanado em julho de 1939 e gravado por Carmem Miranda.Apud: PETROBRS. Almanaque Memria dos trabalhadores da Petrobrs.Rio de Janeiro: Petrobrs; SoPaulo: Museu da Pessoa, 2003, p. 107.3A Refinaria de Mataripe. In: O observador econmico e financeiro, outubro de 1951, p. 3.

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    caminhos e os debates situados em torno da extrao e do refino do petrleo no territrio

    nacional.

    Essa histria pode ser iniciada no momento em que o ouro negro adquiriu importnciafundamental para qualquer pas que desejasse empreender um processo de industrializao.

    As sucessivas mudanas ocorridas na produo industrial fizeram com que ele substitusse o

    carvo, tornando-se o combustvel mais importante para as indstrias modernas. No caso

    brasileiro, a existncia de uma empresa com as caractersticas da Petrobrs monopolista,

    criada e controlada pelo Estado, e considerada por parte significativa da opinio pblica como

    defensora da soberania nacional diante das potncias capitalistas, mas tambm criticada por

    muitos grupos, e quase privatizada h alguns anos atrs um sinal concreto da constituio

    de uma arena poltica marcada por polmicas e debates candentes em torno da questo

    energtica nacional. Esses debates permearam toda a histria da empresa, sobretudo nos seus

    primeiros anos, e envolveram os mais diversos tipos de interesses.

    A primeira destas polmicas antecede a explorao sob interveno estatal

    propriamente dita, e esteve relacionada s discusses acerca da possvel existncia do petrleo

    no territrio brasileiro. Existem verses que apontam as primeiras descobertas do combustvel

    ainda no sculo XIX, mas nenhum desses episdios fortuitos garantiu a sua exploraoefetiva4. Tais esforos eram, porm, bastante espordicos e incipientes, uma vez que no

    contavam com desenvolvimento tcnico adequado e os recursos eram bastante escassos. A

    iniciativa governamental pioneira nessa rea pode ser considerada a criao, no governo

    Afonso Pena (1906-1909), do Servio Geolgico e Mineralgico do Brasil, chefiado pelo

    gelogo norte-americano Orville Derby. Mais tarde, no ano de 1917, foi criado um

    departamento especfico para a pesquisa do petrleo, que no logrou xito pois a sua

    existncia no garantiu o aumento de verbas, contando ele com os mesmos recursos exguosat ento destinados ao Servio Geolgico e Mineralgico5.

    A ascenso de Getlio Vargas ao poder reacendeu os debates, bem como representou

    uma mudana de orientao dos poderes pblicos em relao questo das reservas minerais

    brasileiras. A linha poltica centralizadora do novo governante transferiu esta discusso do

    terreno estadual para o campo nacional. J em 1931, com a anulao da Carta Constitucional

    4 PIMENTEL, Petronilha. Afinal quem descobriu petrleo no Brasil: das tentativas de Allport no sculopassado s convices cientficas de Igncio de Bastos. Rio de Janeiro: Graphos Industrial Grfico, 1984. p. 14.5 SMITH, Peter Seaborn. Petrleo e poltica no Brasil moderno. Editora Artenova: s/l. Editora da UNB:Braslia, 1978, p.26.

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    de 1891, o governo trouxe para si o poder de autorizar a pesquisa e explorao dos recursos

    minerais do pas. A reestruturao dos rgos governamentais, iniciada em 1933, atingiu

    tambm o Ministrio da Agricultura e conseqentemente os setores responsveis pela busca

    do petrleo. Nesse sentido, substituindo o Servio Geolgico e Mineralgico, foi criado em

    1934, o Departamento Nacional de Produo Mineral, subordinado ao mesmo ministrio. O

    novo rgo contou com as mesmas deficincias burocrticas e oramentrias presentes nas

    experincias anteriores6.

    O Cdigo de Minas, promulgado em julho de 1934, reforou as decises

    centralizadoras de 1931. Segundo Cohn, essa reorientao representou uma novidade no

    padro de administrao da mquina pblica brasileira, pois comeou a ocorrer uma

    separao, nas prticas e na conscincia dos agentes sociais envolvidos, da atividade

    burocrtica e da tcnica.Para o autor, os procedimentos anteriores da administrao pblica,

    voltados para a sustentao de possibilidades de emprego para os membros da oligarquia

    dominante, no se adequavam ao deslocamento do poder da zona rural para o plo urbano-

    industrial, iniciado com a Revoluo de 19307. Tal novidade podia ser comprovada, conforme

    atesta Smith, pela contratao de uma significativa quantidade de gelogos para virem

    trabalhar no rgo recm criado8.

    As reorientaes da mquina pblica e da postura governamental foram acompanhadas

    pelo acirramento das polmicas acerca da existncia do ouro negrono territrio brasileiro. A

    ausncia de respostas satisfatrias relacionadas ao assunto, associada ampliao do interesse

    de setores da sociedade civil sobre o tema, fez com que particulares e tcnicos do governo

    travassem intensos debates. Neste contexto foram fundadas algumas companhias particulares,

    como por exemplo, a Companhia de Petrleo Nacional, pertencente a Edson de Carvalho, um

    engenheiro agrnomo que obteve concesso para perfurar a regio de Riacho Doce, no estadode Alagoas. Entretanto, um dos mais clebres personagens envolvidos nessa celeuma foi o

    escritor Monteiro Lobato, diretor da referida empresa, que polemizou com os tcnicos do

    governo, aps os mesmos afirmarem a inexistncia de petrleo na regio por ele pesquisada.

    Monteiro Lobato travou, ento, uma luta franca contra as teses oficiais. Fundou, mais

    tarde, a Companhia Petrleos do Brasil e concentrou suas atenes na busca do leo no

    interior paulista. O principal argumento do literato, bem como daqueles que procuravam

    6COHN, Gabriel. Petrleo e Nacionalismo. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1968, p. 14.7Idem, p. 15.8SMITH, op. cit., p. 40.

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    petrleo revelia do governo federal, era de que os tcnicos estrangeiros contratados pelo

    governo estavam ligados s grandes empresas petrolferas internacionais, e boicotavam,

    portanto, a perfurao brasileira, j que no interessaria a elas abrir novos locais de

    explorao, pois as jazidas j existentes satisfaziam o mercado consumidor mundial. Alm

    disso, a inrcia dos rgos governamentais impedia qualquer avano na questo9. Para ele, os

    rgos oficiais eram iludidos pela idia da inexistncia de petrleo no Brasil e acabavam no

    perfurando e no deixando que os outros perfurassem10. No auge da polmica, em 1936, cinco

    anos antes de ser preso por questionar as posies do governo, Monteiro Lobato publicou O

    escndalo do petrleo. Para Whirth, este livro foi um marco na histria do nacionalismo

    brasileiro. Seu estilo no se prendia a questes de ordens tcnicas, recorrendo

    fundamentalmente ao apelo emocional. Com uma escrita firme utilizou um vocabulrioeficaz para interpretar os sentimentos do pblico a respeito das companhias de petrleo

    estrangeiras11.

    Um ponto de inflexo nessa celeuma foi a conjuntura poltica mundial nos anos que

    antecederam Segunda Grande Guerra. Setores do governo, j sob o Estado Novo,

    entenderam que o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais, em virtude do seu carter

    excessivamente burocrtico, no dava conta do empreendimento em questo. Crculos

    militares, que j vinham h algum tempo participando dos debates acerca da existncia ou no

    de petrleo no Brasil, apontaram, atravs do chefe do Estado-Maior do Exrcito, General Gis

    Monteiro, para a possibilidade de suspenso do fornecimento de gasolina e leo diesel por

    conta da guerra iminente. Esse problema aconteceria justamente num momento de incremento

    da malha rodoviria brasileira e da conseqente ampliao do consumo de combustveis. Com

    efeito, logo ficou evidente a necessidade da criao de um rgo livre das caractersticas

    burocrticas presentes naquele Departamento, que pudesse garantir o abastecimento nacional

    de petrleo, mesmo que em carter emergencial, durante o conflito mundial que se

    prenunciava12. Em abril de 1938, foi criado, portanto, o Conselho Nacional do Petrleo

    (CNP), rgo responsvel por regular e decidir as principais questes relacionadas extrao,

    refino e abastecimento do combustvel no territrio brasileiro. Seu principal trunfo era a

    autonomia administrativa e financeira, pois estava ligado de forma mais imediata ao prprio

    presidente da repblica, tendo financiamento prprio e independente das dotaes

    9Idem, p. 41-49.10WHIRTH, John D. A poltica do desenvolvimento na Era Vargas. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas,1973, p. 121.11Idem, p. 126.12COHN, op. cit., pp. 47-48.

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    oramentrias ministeriais. Foi nessa conjuntura de centralizao e racionalizao das aes

    do poder federal no campo econmico que a Bahia passou a ocupar um lugar estratgico para

    a poltica nacional do petrleo.

    No final de 1932, o engenheiro baiano Manoel Igncio de Bastos, intrigado aps saber

    que muitos moradores da regio de Lobato, subrbio de Salvador, utilizavam uma espcie de

    leo, retirado do prprio quintal, para acender seus candeeiros, comeou a pesquisar e

    localizou infiltraes de petrleo no bairro. Comunicou aos tcnicos do Ministrio da

    Agricultura a sua descoberta, mas estes a desqualificaram, chegando a acus-lo de ter jogado

    leo no poo. Desiludido com a posio do rgo oficial, Bastos procurou o presidente da

    Bolsa de Mercadorias da Bahia, Oscar Cordeiro. Apesar do apoio de Cordeiro, o Ministrio

    continuou, baseado em um levantamento datado de 1932, rejeitando a suposta descoberta de

    Bastos, pois considerava a geologia do local imprpria ocorrncia de petrleo13.

    Apesar dos reveses junto s autoridades oficiais, Bastos permaneceu insistindo na

    necessidade de se fazer um estudo mais detalhado da geologia do Lobato. Por conta disso, no

    incio de 1934, foi enviado ao local o gelogo Victor Oppenheim, que reiterou a posio

    anterior do Ministrio da Agricultura. O descrdito acerca das afirmaes de Cordeiro s

    comeou a ruir no ano de 1936, quando Glycon Paiva, Irnack Carvalho do Amaral e SlvioFres Abreu fizeram um levantamento geolgico do Recncavo baiano e concluram que o

    territrio era de fato favorvel acumulao do leo14. Depois da longa insistncia de

    Cordeiro e do apoio obtido junto aos profissionais acima citados, o recm criado CNP enviou

    equipes de perfurao ao Lobato, conseguindo, enfim, em janeiro de 1939 trazer petrleo

    superfcie.

    A descoberta foi recebida com grande empolgao e animou as autoridades brasileiras.

    O chefe do Estado Novo visitou a Bahia no mesmo ano de 1939 e constatou a importante

    descoberta ocorrida no subrbio de Salvador. A partir da, o recm criado CNP comeou a

    pesquisar a estrutura do subsolo do Recncavo Baiano em busca de novos campos

    petrolferos. Naquela mesma regio, na cidade de Candeias, foi encontrado o primeiro poo

    brasileiro de carter comercial, mas a deflagrao da II Guerra Mundial dificultou as aes

    do poder pblico, comprometendo ao mesmo tempo o abastecimento de combustvel, bem

    13SMITH, op. cit., p. 39.14Idem, p. 47.

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    como a importao de sondas e demais materiais necessrios pesquisa e explorao de

    petrleo no pas.

    Mesmo assim, o principal horizonte das atividades do CNP tornou-se, a partir deento, buscar a consolidao da Bahia como um ponto produtor de petrleo em grande escala.

    Turmas de Geologia e Geofsica, compostas por brasileiros e estrangeiros, empenharam-se

    neste trabalho. No final de 1941, por um lado, j havia sido constatado que o campo de

    Lobato no tinha carter comercial, mas por outro, foram localizados, no Recncavo da

    Bahia, trs outros campos petrolferos: Aratu, Candeias e Itaparica.

    Contudo, seu desempenho a princpio no foi animador. Segundo Smith, no final de

    1943, a produo nacional, concentrada exclusivamente em territrio baiano, atingiu a

    quantidade de 300 barris dirios, cerca de 1% do consumo nacional15. Em dezembro de 1946,

    segundo relatrio apresentado pelo gelogo Avelino Igncio de Oliveira, a situao

    comeava, no entanto, a melhorar, pois 93 poos haviam sido perfurados no estado e Candeias

    apareceu, ento, como a principal produtora do leo no pas, com um total de 3.590 barris por

    dia, dos 4.200 produzidos em todo o Recncavo16. Os resultados animaram a muitos e no

    tardaram a ocorrer visitas de diversas autoridades, sobretudo polticos e militares, para

    presenciar os trabalhos de extrao. Desse aumento de produo, tambm, surgir mais tardeo projeto de construo da primeira refinaria de petrleo administrada pelo CNP.

    O Recncavo baiano, regio que passava a abrigar a indstria de extrao de petrleo,

    havia sido fundamental no processo de colonizao do Brasil. De acordo com Costa Pinto,

    tratava-se de um local dedicado tradicionalmente ao cultivo monocultor de gneros tropicais,

    pesca e agricultura de subsistncia, marcado por uma grande diversidade e que teve a

    Bahia de Todos os Santos e a cidade de Salvador centro administrativo e consumidor

    como pontos que garantiram regio o seu carter unificado e uma certa identidade social e

    econmica17. Antes da explorao de petrleo, a regio subdividia-se em cinco reas: zona da

    pesca e do saveiro; zona do acar; zona do fumo; zona da agricultura de subsistncia; zona

    urbana de Salvador. A descoberta do petrleo configurou, no entanto, um novo quadro,

    praticamente inesperado. Os terrenos antes ocupados pelos canaviais comearam a ceder

    15Idem, p. 60.16OLIVEIRA, Avelino Igncio de. Pesquisas de petrleo no Estado da Bahia.Rio de Janeiro: Ministrio da

    Agricultura, 2 ed, 1947, p. 14.17PINTO, Luiz de Aguiar Costa. Recncavo: laboratrio de uma experincia humana. In: BRANDO, MariaAzevedo (Org.). Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de JorgeAmado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, pp. 103-107.

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    espao a tratores, sondas e tonis, surgindo da, ainda de acordo com a anlise feita por Costa

    Pinto em 1953, a sexta subrea do Recncavo: a zona do petrleo18.

    Essa zona o Recncavo do Petrleo era, no entanto, diferente geograficamente doRecncavo tradicional. Tratava-se de uma rea bem maior, que compreendia tambm as ilhas

    da Baa de Todos os Santos e chegava at as cidades de Corao de Maria e Inhambupe.

    Atingia, assim, alm das cinco reas demonstradas por Costa Pinto, fazendas de pecuria

    (Corao de Maria), entrepostos comerciais e de transportes (Alagoinhas e Catu) e at mesmo

    reas de veraneio (Ilha de Itaparica)19.

    Figura 1:

    Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo

    Fonte:O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro

    de 1951, p. 04.

    A introduo desse novo ramo econmico representou para a Bahia muito mais do que

    uma sutil mudana de produto cultivado, muito comum em zonas de agricultura exportadora.

    18Idem, pp. 108-109.19 BARROSO, Geonsio de Carvalho. A Petrobrs e o Recncavo Baiano. Rio de Janeiro: s/e, 1956, p. 14.AZEVEDO, Thales de. O advento da Petrobrs no Recncavo. In: BRANDO, Maria Azevedo (Org.).Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge Amado;Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1988, pp. 191-192.

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    Seu significado maior estava nas possibilidades abertas s elites baianas. Estas passaram a

    antever, a partir da explorao petrolfera, a possibilidade de deixarem de lado a decadncia

    vivida nos ltimos cem anos e voltarem cena, no comando de uma das unidades estaduais

    mais ricas e prsperas do pas. Na verdade, para alguns segmentos da sociedade local, a

    confirmao da existncia de petrleo era uma espcie de retorno s origens gloriosas. A

    Bahia, bero do pas, primeira capital da Colnia, tinha, agora, a honra da primazia na

    produo do to sonhado ouro negro. Isso ter conseqncias polticas, conforme veremos

    adiante.

    Voltando s iniciativas do Conselho Nacional do Petrleo, cabe ressaltar que nos anos

    de 1943 e 1944, ainda durante o Estado Novo, foram construdas duas pequenas destilarias,

    localizadas em Aratu e Candeias, com capacidade de refinar cada uma 150 barris de petrleo

    por dia. A construo de ambas pode ser explicada pelo aumento do consumo de combustveis

    conjugado queda na importao, decorrente da II Guerra Mundial.

    Essas destilarias eram unidades acanhadas, com pouca tecnologia e operando em

    carter experimental. Sua meta era suprir apenas as necessidades de consumo do CNP,

    fornecendo combustvel para as torres de sondagem e os caminhes que ali operavam20. A

    construo foi, inclusive, improvisada. Eugnio Antonelli ao receber a incumbncia deconstruir a destilaria disse ao seu chefe, o engenheiro Nlio Passos, que sequer sabia por onde

    comear. A resposta do seu superior veio prontamente e foi a seguinte: voc j viu um

    alambique de cachaa, j? Pois . aquilo mesmo com algumas modificaes. Sem

    nenhuma experincia e contando ainda com materiais reaproveitados de locomotivas

    adquiridas em Santo Amaro, as destilarias foram construdas e entraram, de fato, em

    operao21. A unidade de Candeias atendia a uma demanda importante, pois em funo da m

    qualidade das estradas e dos atoleiros nas pistas era muito comum os campos de produopararem por causa dos atrasos no recebimento de combustvel. Segundo Eunpio Costa, aps

    a construo da destilaria de Candeias, no houve mais nenhuma parada nos campos por falta

    de combustvel22.

    No sabemos exatamente quando a destilaria de Candeias deixou de funcionar, mas

    em 1949 a pequena unidade de Aratu ainda estava em funcionamento, processando durante

    20SMITH, op. cit., p. 63.21COSTA, Eunpio Cavalcanti. No rio dos papagaios: histria, casos e causos mataripenses. Salvador: Grfica eEditora Arembepe, 1990, p. 45.22Idem, p. 48.

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    todo aquele ano cerca de 10.660 barris de petrleo23. Essa experincia com a destilao, pode

    ser considerada como o primeiro contato com o refino e o processamento de petrleo sob

    controle estatal em territrio brasileiro. Entretanto ela seria logo suplantada por iniciativas

    mais ambiciosas.

    Aps o fim do Estado Novo, sob o governo do General Eurico Gaspar Dutra, decidiu-

    se criar a primeira refinaria estatal de petrleo de grande porte. De forma ainda muito tmida,

    uma vez que a meta traada pelo presidente privilegiava a atrao de capitais privados

    nacionais ou estrangeiros , foi instituda, em outubro de 1946, a Comisso de Constituio da

    Refinaria, presidida por Mrio Leo Ludolf, engenheiro e membro do plenrio do Conselho

    Nacional do Petrleo, rgo responsvel por viabilizar e construir a Refinaria Nacional de

    Petrleo S/A. Um ano depois, em novembro de 1947, o CNP e a empresa estadunidense M.

    W. Kellog assinaram contrato para a construo de uma refinaria com capacidade inicial de

    processamento de 2.500 barris por dia, a mesma produo comprovada dos campos do

    Recncavo.

    De acordo com o contrato, a Kellog ficaria responsvel por projetar e supervisionar a

    construo e operao inicial da refinaria24. Ficou estabelecido ainda que alguns tcnicos e

    engenheiros brasileiros seriam enviados aos Estados Unidos para serem preparados a auxiliara obra e comandar a operao da refinaria aps o trmino do trabalho da empresa

    contratada25. O primeiro profissional enviado foi o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto,

    responsvel por tomar parte, durante dois anos, de todos os detalhes do projeto de montagem

    da refinaria, acompanhar a produo dos equipamentos que estavam sendo construdos, e

    conhecer os mtodos de refino de petrleo realizados por importantes refinarias norte-

    americanas. Pouco tempo depois, Paes Barreto recebeu a ajuda de mais quatro funcionrios

    enviados pelo CNP26

    .

    Inicialmente os planos traados no deslancharam. Devido demora na liberao de

    recursos federais, o ano de 1948 foi pouco proveitoso para as obras, fato que acabou

    impedindo a efetivao dos planos traados no ano anterior. Esse descompasso entre os

    23Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro. S/e, 1950, pp 146-147.24Carta da Comisso Constituio da Refinaria Nacional de Petrleo endereada, em junho de 1947, a BennetArchambault (diretor da Kellog).25 MATTOS, Wilson Roberto. O sonho da autonomia energtica. In: MATTOS, Wilson Roberto (et. alli).

    Uma luz na noite do Brasil: Refinaria Landulpho Alves 50 anos de histria. Salvador: Solisluna Design eEditora, 2000, p. 54.26BARRETO, Carlos Eduardo Paes. A saga do petrleo brasileiro: a farra do boi. So Paulo: Nobel Editora,2001, p. 23.

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    planos e a ao pode ser explicado pela j mencionada prioridade do governo Dutra em buscar

    capitais privados para a construo de refinarias. No entanto, a oposio de vrios setores a

    essa orientao governamental, e ao mesmo tempo, a timidez com que os empresrios se

    voltavam para tal negcio, obrigaram o presidente a, atravs do plano SALTE (Sade,

    alimentao, transporte e energia), dedicar, enfim, maior ateno e tambm maiores

    investimentos questo do refino do petrleo27.

    Figura 2:

    Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949

    Fonte:O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de 1951, p. 07.

    Isso fez com que o ano seguinte fosse decisivo para as obras de edificao da

    Refinaria Nacional de Petrleo. De acordo com o Relatrio do CNP de 1949, a situao no

    referido ano era a seguinte: o projeto de construo estava praticamente elaborado; os projetos

    de edifcios, vila operria, instalaes eltricas, adutora de gua, tanques, etc haviam sido

    iniciados; tinham comeado a ser comprados nos Estados Unidos os materiais projetados pela

    Kellog; os primeiros materiais especializados haviam chegado; a drenagem e o preparo do

    terreno estavam concludos28. Podemos, a partir dessas informaes, inferir que existiam

    vrios projetos em andamento, mas que nenhum deles a exceo da terraplanagem j

    tivera a sua execuo iniciada naquele momento.

    27COHN, op. cit., pp. 125-126.28Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro: S/e, p 60.

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    As obras comearam efetivamente aps a compra da Fazenda Barreto, situada entre as

    localidades de Candeias e So Francisco do Conde. Segundo Eunpio Costa, o terreno

    escolhido atendia a trs necessidades: localizao prxima aos campos de produo;

    facilidade de transportes, por conta de um pequeno porto situado em suas proximidades; e

    abastecimento de gua doce29. Entretanto, um fato chama ateno, pois se a refinaria em

    construo tinha um acesso tranqilo rea de produo, no podemos dizer o mesmo em

    relao cidade de Salvador. As distncias de 40 km por via martima e 60 km por via

    terrestre eram relativamente pequenas, mas a falta de estradas e de meios de transportes

    eficientes transformavam a ida a Mataripe uma grande e problemtica aventura30.

    Para enfrentar este problema, a empresa construiu vilas operrias e alojamentos para

    os trabalhadores. Tal iniciativa no foi realizada apenas junto s obras da refinaria, j que nos

    campos de extrao tambm foram feitos diversos alojamentos e alugadas casas pela empresa,

    em virtude da chegada de trabalhadores de variados pontos do estado e que no tinham onde

    morar. Esse fato imprimiria s relaes de trabalho na indstria do petrleo no estado da

    Bahia uma caracterstica marcante, pois conforme veremos adiante a presena da vila

    operria e a concesso de tipos diferenciados de moradia influenciaro de modo marcante os

    conflitos cotidianos e a prpria ao dos sindicatos que sero fundados um pouco mais tarde.

    A construo da refinaria certamente no foi um empreendimento fcil. Em minuta

    enviada por Mrio de Leo Ludolf Companhia Brasileira de Engenharia no dia 3 de

    novembro de 1949, o CNP manifestou seu temor de no conseguir concluir o projeto no final

    do ano seguinte31. Parece-nos que a Companhia foi responsabilizada pelos atrasos na obra,

    uma vez que os dirigentes da Comisso fizeram questo de assinalar que aps a sada da

    empresa, a construo acabou sendo acelerada, ocorrendo um grande surto [...] no

    desenvolvimento das obras aps novembro de 194932

    . Foi o momento em que os homens doCNP e da Comisso decidiram trazer para si o controle dos rumos da construo. Encontraram

    como alternativa a reviso do acordo com a Companhia e buscaram profissionais

    especializados junto Kellog a fim de tornar possvel a concluso da montagem da Refinaria

    de Mataripe at fins de 195033. Com isso, aps a realizao dos entendimentos, que

    29COSTA (1990), op. cit., p. 64.30MATTOS, op. cit., p. 55.31Apesar do projeto de montagem da Refinaria de Mataripe ter sido confiado Kellog, o Conselho Nacional do

    Petrleo abriu uma licitao para a execuo das obras de engenharia civil. A Companhia Brasileira deEngenharia ganhou a licitao, mas enfrentou vrios problemas na realizao dos trabalhos.32Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro: S/e, p 61.33Minuta enviada CBE em 03/11/1949. CPDOC: AL cnp 1945.07.31, documento III22, folha1.

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    resultaram na resciso do contrato, o CNP assinou com a Kellog, no mesmo ms de

    novembro, um ajuste adicional ao contrato de 1947 que garantiu a chegada de mais 13

    tcnicos Bahia, todos eles vindos dos Estados Unidos34.

    Apesar dos problemas relacionados falta de mo-de-obra especializada, 1949 foi

    considerado um ano proveitoso. De acordo com o j citado relatrio, todo o material de

    montagem e funcionamento da refinaria j se encontrava em Mataripe, boa parte das unidades

    j estava em adiantado estgio de construo e os servios de apoio (refeitrio, alojamento de

    pessoal, e ambulatrio) j estavam concludos35. Por outro lado, na outra frente de

    industrializao do petrleo na Bahia, a rea de extrao, comandada pelo Servio Regional

    da Bahia, tambm aconteciam avanos considerveis. No final do ano, haviam sido

    perfurados um total de 170 poos de petrleo, a produo atingia a cifra de pouco mais de 109

    mil barris, e ao mesmo tempo existiam expectativas de que ao fim de 1950 a capacidade total

    de produo fosse ampliada casa de 12.000 barris dirios 36. Essa previso otimista no se

    confirmou no ano seguinte, pois embora a produo total daquele ano tivesse triplicado, ainda

    estava muito longe de atingir sequer os 2.500 barris dirios necessrios ao funcionamento de

    Mataripe37.

    Cerca de mil e cem pessoas trabalhavam nas obras de Mataripe, no incio de 1950. Nomomento de maior concentrao de pessoal, entre os meses de fevereiro e junho, chegaram a

    trabalhar na construo cerca de mil e quatrocentos homens38. Na extrao os nmeros

    atingidos entre mensalistas, diaristas e pessoal para obras ao final do mesmo ano eram de mil

    quinhentos e setenta e cinco, superando os mil duzentos e setenta e sete homens presentes ao

    final de 194939. Eram eles funcionrios do CNP e de firmas brasileiras por ele contratadas

    para acelerar os trabalhos de extrao de petrleo bem como a construo daquela que era

    considerada a primeira refinaria moderna do pas, pois as unidades de refino particularesexistentes em So Paulo e no Rio Grande do Sul no contavam com o aporte tecnolgico

    presente em Mataripe. Ressaltava ento o CNP, antecipando em certa medida o tom

    34 Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 61. As funes dos tcnicos eram as seguintes: 2topgrafos, 2 montadores de tubulaes, 1 especialista em assentamento de tubulaes, 1 mestre soldador, 1especialista em eletricidade e instrumentos de controle, 1 especialista em refratrios, 3 especialistas em elevaode carga e estruturas pesadas, 1 encarregado de materiais especializados e 1 especialista em guindaste.35Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 60.36Idem, pp. 12-13.37Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950. Rio de Janeiro: S/e, 1951, p 11.38Idem, p. 71.39 Idem, p. 210. Estavam computados tambm dentre os servidores do Servio Regional da Bahia os homensenvolvidos nos trabalhos no Maranho e em Alagoas. Deduzimos, porm, pela timidez dos trabalhos realizadosnaqueles estados, que estes no representavam sequer 10% do total de empregados.

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    triunfalista e nacionalista que se tornaria marcante no discurso oficial sobre as atividades do

    petrleo, que todos estes tcnicos e operrios brasileiros e estrangeiros trabalharam sob a

    coordenao de engenheiros, qumicos e tcnicos nacionais, cabendo aos elementos da M.

    W. Kellog Company somente a funo de assistentes do trabalho40.

    Esse grupo de tcnicos e engenheiros pioneiros, exaltado pelo CNP, ficou conhecido

    como a turma do murro, termo que faz aluso direta dedicao que este grupo

    demonstrou na indita tarefa de construo de uma moderna refinaria de petrleo41. Eram

    eles: o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto, primeiro superintendente da refinaria; Roque

    Consane Perroni, engenheiro qumico que viria a substituir Barreto no cargo de

    superintendente em 1953; Derek Herbert, engenheiro da Escola Politcnica; Edgard Azevedo

    Moreira, militar da reserva, responsvel pela segurana industrial e pelo setor de vigilncia da

    refinaria; Petrneo Area Leo, especializado em mecnica fina; Nivaldo Prado Fontes, Mrio

    Lisboa Sampaio e Ansio Lage Filho, todos eles engenheiros chefes de setor42.

    Apesar do clima de otimismo apresentado no relatrio de 1950, as autoridades

    brasileiras no se mostraram muito confiantes no sucesso do empreendimento que estava

    sendo realizado em Mataripe. A primeira prova disso que a duplicao da capacidade de

    refino da usina, prevista desde o incio de sua construo, s foi oficialmente confirmada emdezembro de 1950, com a assinatura de mais um termo aditivo ao contrato original de 1947.

    Alm do mais, importante notar que no houve uma inaugurao oficial da refinaria. No

    incio do ms de setembro, ao ser entrevistado pela equipe do jornalDirio de Notcias, Pedro

    Moura, responsvel pela superviso da obra, desconversou acerca da inaugurao, dizendo

    que muito embora a refinaria estivesse com certeza pronta ainda naquele ms, a data da

    inaugurao oficial estava a critrio das convenincias do CNP43. Na verdade, a operao da

    usina principiou sem alarde, quase s escondidas, no suscitando maior ateno sequer daimprensa baiana, que vinha saudando a sua construo como fator preponderante no impulso

    que seria dado economia tanto da Bahia quanto de outros estados do Nordeste44. Sobre o

    evento o silncio foi mesmo total. Nenhum dos rgos da imprensa escrita soteropolitana

    noticiou o incio dos trabalhos da Refinaria de Mataripe, que passou batido, ignorado por

    quase todos.

    40Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950.p. 72.41MATTOS, op. cit., p. 55.42BARRETO, op. cit., pp. 28-29.43Dirio de Notcias: 05/09/1950, p. 08.44Dirio de Notcias: 02/09/1950, p. 02.

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    A nica manifestao festiva por conta do evento ocorreu na cidade de So Francisco

    do Conde. De acordo com Paes Barreto, na antevspera do incio da operao da refinaria,

    bateu em sua porta um desconhecido de chapu de palha, trajado simplesmente de cala e

    camisa. Tratava-se do funcionrio responsvel pela coleta do imposto nico sobre

    combustveis produzidos no Brasil. Indagou ao qumico, enquanto tomava o tradicional

    cafezinho, se o mesmo estava ciente da existncia do imposto e de que forma realizaria o

    pagamento, caso os trabalhos comeassem, realmente, naquele ms de setembro. Sem

    pestanejar, Paes Barreto lhe respondeu que a refinaria entraria em operao. Alm disso, que

    o pagamento do imposto seria feito em cheque e que, em apreo visita, fazia questo de

    entreg-lo pessoalmente. Em 19 de setembro, dois dias aps o incio da produo de

    combustveis da Refinaria de Mataripe, ele saiu, ento, a cavalo, com o chefe da seguranaindustrial e dois guardas da refinaria. Chegando em So Francisco do Conde, foi recebido

    com banda no coreto e fogos de artifcio45.

    Em dezembro, os derivados de petrleo produzidos pela recm-construda refinaria

    foram entregues s distribuidoras, e 8.935 barris de gasolina e 900 de leo diesel foram

    remetidos ao Rio de Janeiro atravs de um navio pertencente ao Ministrio da Marinha46. Esse

    combustvel serviu, certamente, solenidade oficial de inaugurao, enfim realizada na

    capital da Repblica, no dia 15 do mesmo ms, quando dois contra-torpedeiros da Marinha de

    Guerra brasileira demonstraram o aproveitamento dos produtos de Mataripe. Na ocasio, o

    engenheiro Joo Carlos Barreto, presidente do CNP, ressaltou a importncia do feito e a

    dedicao dos tcnicos envolvidos no trabalho47. Estava, assim, inaugurada a Refinaria de

    Mataripe. Os incrdulos haviam se convencido de que ela funcionava de fato.

    1.2 PETRLEO COMO QUESTO NACIONAL: O PETRLEO NOSSO,

    E A CRIAO DA PETROBRS

    A campanha em defesa do monoplio estatal do petrleo esteve diretamente

    relacionada reorientao dos rumos do Conselho Nacional do Petrleo, iniciada ainda em

    45BARRETO, op. cit., p. 29-30.46Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950.p. 72.47Ata da 612 sesso ordinria do Conselho Nacional do Petrleo, realizada em 28/12/1950. CPDOC: AL cnp1945.07.31, Doc. IV5, folhas 1-3.

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    1943, e que teve seu auge no governo do general Dutra. A troca do general Horta Barbosa

    um notrio defensor do monoplio estatal do petrleo pelo general Joo Carlos Barreto na

    direo do CNP foi um importante ponto de inflexo na postura do rgo. A tendncia

    acentuou-se ainda mais nos anos ps Estado Novo.

    Como j referido, o governo Dutra procurou atrair o capital privado e se afastar da

    soluo estatal para o problema do petrleo. Essa orientao, anunciada em 1943 e reforada

    pelo novo texto constitucional brasileiro, aprovado em 1946, teve o seu argumento central

    apresentado por Joo Carlos Barreto, atravs da Exposio de Motivos n 2558 de 6 de maio

    de 1945. Segundo nos aponta Cohn, os dirigentes do rgo acreditavam que nem o Estado

    nem a burguesia brasileira possuam o capital, a tecnologia e os recursos humanos necessrios

    para resolver o problema nacional do petrleo. Alm do mais, existiria uma tendncia de

    investimentos estrangeiros diretos serem feitos em pases com grande potencial natural, como

    era o caso do Brasil. Desse modo, a principal diretriz sugerida pelo CNP foi a abertura do

    direito de explorao e refino do petrleo a particulares, no havendo restrio presena de

    capitais estrangeiros nas empresas que obtivessem permisso do governo federal para

    participar das atividades petrolferas48.

    Ainda segundo Cohn, as idias apresentadas no documento evidenciaram ofortalecimento da influncia dos empresrios privados locais e estrangeiros e mesmo de

    homens que de dentro do aparelho do Estado advogavam a necessidade de uma liberalizao

    da poltica do petrleo. Esses pressupostos, como veremos a partir de agora, ficaro melhor

    definidos no Anteprojeto do Estatuto do Petrleo, enviado ao Congresso por Dutra em

    fevereiro de 1948. Neste documento, o presidente da repblica buscou adaptar a poltica de

    explorao mineral do pas aos preceitos garantidos na Constituio de 1946, entregando as

    diretrizes dessa mudana deciso do Legislativo, que deveria, atravs do debate poltico,escolher qual seria a melhor soluo para o problema.

    Devemos apontar, entretanto, que o quadro poltico do governo Dutra abriu pouco

    espao para as discusses entre os parlamentares, uma vez que o forte apoio construdo pelo

    governo, atravs da coligao PSD-UDN, diminuiu consideravelmente a possibilidade de

    expresso das divergncias polticas no legislativo. Assim, o que na verdade obrigou o

    presidente a ter mais cautela, foi o contorno que a questo do petrleo acabou adquirindo fora

    48COHN, op. cit., pp. 75-77.

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    dos crculos polticos convencionais, sobretudo, aps a divulgao das discusses entre Juarez

    Tvora e Horta Barbosa, patrocinada pelo Clube Militar.

    Essa instituio, como demonstra Martins Filho, democratizou suas discusses, aps1945, transformando-se em verdadeira vlvula de escape para os debates dos grandes temas

    nacionais. Entre estes estava, evidentemente, a questo do petrleo, primeiro grande tema

    por ele discutido, numa demonstrao clara de que os militares no circunscreviam suas

    polmicas aos seus crculos mais fechados, mas, pelo contrrio, procuravam sensibilizar

    outros setores sociais em prol das causas por eles defendidas. Os debates do Clube Militar

    demonstraram, ainda, que havia duas tendncias disputando o controle da instituio: os

    nacionalistas, entre os quais possvel enquadrar o General Horta Barbosa, e os

    antinacionalistas, grupo que contava com a participao de Juarez Tvora. Martins Filho

    distingue estas duas correntes do seguinte modo:

    A primeira (...) tinha como marca registrada a defesa da industrializao do pas comcaractersticas autnomas, posicionando-se de forma abertamente crtica contra opapel dos trustes internacionais e contra uma poltica externa de alinhamento comos Estados Unidos. O segundo grupo (...) defendia uma postura favorvel tanto emrelao participao do capital estrangeiro na industrializao do pas, quanto aliana com os Estados Unidos no plano da guerra fria.49

    Juarez Tvora foi o primeiro conferencista convidado. Sua anlise partia do

    pressuposto de que a estratgia at ento adotada pelo CNP fora mal sucedida, o que mostrava

    a necessidade de se buscar a colaborao do capital internacional. O militar entendia que a

    nova conjuntura poltica e econmica internacional aproximava o pas dos Estados Unidos, e

    que esta grande potncia dispunha exatamente daquilo que faltava aos brasileiros: recursos

    financeiros e tcnicos para a explorao do petrleo. Alm disso, os Estados Unidos temiam a

    falta de petrleo no caso de uma guerra. Assim, da mesma forma que fizeram em relao ao

    ao, quando da conjuntura da II Guerra Mundial, teriam grande interesse estratgico em

    explorar as reservas petrolferas brasileiras. Portanto, para o Brasil, restava a opo de se aliar

    ao capital privado norte-americano, pois s atravs dessa aliana poderia garantir a sua

    segurana nacional.

    A posio nacionalista diversa de Horta Barbosa j era em grande medida conhecida

    da sociedade brasileira, desde a sua participao no comando do CNP. No foi por acaso a sua

    49 MARTINS FILHO, Joo Roberto. Foras Armadas e poltica, 1945-1964: a ante-sala do golpe. In:FERREIRA, Jorge; DELGADO, Luclia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano (vol.3): o tempo daexperincia democrtica da democratizao de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 2003, pp. 112-113.

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    escolha para refutar os argumentos de Tvora. Para o ex-presidente daquele rgo

    governamental era quase impossvel a conciliao dos interesses nacionais de um pas

    subdesenvolvido com os das grandes empresas multinacionais de petrleo, ento chamadas de

    trustes. A seu ver, a soluo para o problema passava, inevitavelmente, pelo monoplio estatal

    do petrleo.

    Se a idia dos dirigentes do Clube Militar era levar o debate sociedade, eles foram

    muito bem sucedidos. Em abril de 1948 foi criado na cidade do Rio de Janeiro, em cerimnia

    realizada na sede do Automvel Clube o Brasil, o Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e

    da Economia Nacional50. Militares, jornalistas, polticos, intelectuais, comunistas e estudantes

    participaram dessa organizao, que tinha por objetivo dar maior organicidade Campanha

    do Petrleo, iniciada com as conferncias do General Horta Barbosa, um de seus presidentes

    de honra. Rapidamente foram fundadas sees municipais, responsveis pela organizao de

    comcios, conferncias e passeatas em defesa do monoplio estatal do petrleo51. Enquanto o

    Centro se organizava e a participao popular no movimento crescia, aumentava a rejeio ao

    anteprojeto de Dutra e este era gradativamente abandonado no Congresso. De acordo com

    Wirth, o principal motivo da perda de espao da proposta de associao com o capital

    estrangeiro foi a capacidade de organizao do Centro, que comandou uma campanha

    genuinamente nacional, uma mobilizao quase sem paralelo na histria do pas, na qual a

    capacidade (...) de mobilizar o povo e concentr-lo nas ruas estreitas do Rio, especialmente

    junto Cmara e aos ministrios acabou constituindo forte fator de presso sobre as decises

    do legislativo52.

    importante mencionarmos ainda que alguns segmentos da imprensa abriram espao

    para a polmica do petrleo, merecendo destaque o Jornal de Debates, Imprensa popular53,

    Panfleto eEmancipao54

    . Alm disso, chamou bastante ateno a participao dos militantesdo PCB, no obstante a recente proscrio do partido e a perda dos mandatos parlamentares

    de seus membros. A presena dos comunistas no movimento foi, inclusive, pretexto para atos

    de perseguio, perpetrados pelos rgos de represso poltica do governo Dutra e de alguns

    50O nome utilizado na fundao foi Centro de Estudos e Defesa do Petrleo. A mudana para Centro de Estudose Defesa do Petrleo e da Economia Nacional aconteceu em setembro do ano seguinte, por sugesto do generalRaimundo Sampaio. Para fins prticos, usaremos neste texto sempre o segundo nome, em virtude do mesmo tersido o mais difundido na sociedade e na academia brasileira.51Ver: Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional. In: Dicionrio Histrico Biogrfico

    Brasileiro. Cd-Rom: CPDOC/FGV.52WHIRT, op. cit., p. 153.53rgo de imprensa do PCB.54COHN, op. cit., p. 118.

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    governos estaduais. Mas nada disso adiantou. O clima poltico no Brasil da dcada de 1950

    era propcio ao nacionalismo, e ajudados pela presso vinda das ruas, os parlamentares foram,

    majoritariamente, favorveis aos argumentos de Horta Barbosa, rejeitando o Estatuto do

    Petrleo, ainda sob o governo Dutra.

    As dimenses atingidas pela Campanha do Petrleo e a rejeio do anteprojeto de

    Dutra transformaram as eleies presidenciais de 1950 num fato estratgico para os rumos da

    questo petrolfera. A eleio de Getlio Vargas, motivada pelo seu imenso carisma, e pela

    identificao que as camadas populares tinham para com ele, bem como o discurso

    nacionalista empreendido pelo ento candidato, colocaram novamente o ex-chefe do Estado

    Novo no centro das decises sobre o assunto.

    Figura 3:

    A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional

    Fonte:O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de 1951, p. 11.

    Empossado, o presidente decidiu, no entanto, empreender um movimento de

    desmobilizao da Campanha do Petrleo, buscando equilibrar os diferentes interesses em

    conflito. Para Vargas, o Brasil tinha agora um governo nacionalista. Portanto, a soluo do

    monoplio estatal do petrleo no tardaria a acontecer, no havendo mais necessidade da

    mobilizao popular em torno do tema. Com este pensamento solicitou ao Ministrio da

    Justia a suspenso das atividades do Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia

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    Nacional e utilizou a polcia poltica para dissolver a II Conveno Nacional do Petrleo,

    realizada em meados de 195155. Mas no deixou de agir para pr um ponto final na questo.

    No final de 1951, enviou ao Congresso Nacional a proposta de criao de umaempresa de capital misto, com controle da Unio sobre 51% de suas aes. Na Cmara dos

    Deputados, o projeto inicial sofreu diversas emendas que visaram impedir o controle das

    empresas estrangeiras sobre as reservas petrolferas nacionais. A prpria UDN, partido

    identificado com os projetos liberalizantes e de aproximao poltica com os Estados Unidos,

    defendeu o monoplio estatal do petrleo e um controle mais direto da Unio sobre a

    Petrobrs, motivada pela necessidade de se opor a Vargas, e para no perder prestgio junto

    populao56. No nos parece exagero supor, ainda, que a postura da UDN pode ter sido

    impulsionada pelo fato de seus membros acreditarem que seria inevitvel o fracasso de uma

    iniciativa de tal porte, sem o capital privado internacional. Desse modo, o naufrgio das

    atividades da Petrobrs, com participao exclusiva do capital nacional, abriria espao para

    uma experincia de cunho liberal, com a presena de capitais estrangeiros, como prezavam os

    seus principais membros e a sua inclinao poltico-ideolgica.

    Se na Cmara dos Deputados os maiores esforos foram para aumentar as

    prerrogativas nacionalistas do projeto, no podemos dizer que aconteceu o mesmo no Senado.L, ele sofreu, ento, as primeiras oposies nitidamente direcionadas contra o seu carter

    nacionalista. O senador Othon Mder comandou um grupo de parlamentares interessados em

    impedir a criao de um rgo estatal controlador da indstria do petrleo57. Tais senadores

    contaram, ainda, com o apoio das Associaes Comerciais de importantes capitais como, por

    exemplo, So Paulo, Recife e Porto Alegre. Outro membro do Senado engajado na luta contra

    a poltica de cunho nacionalista foi Assis Chateaubriand, detentor da rede de jornais Dirios

    Associados, e que utilizou seus meios de comunicao para fazer oposio ao projeto.

    O projeto de Vargas, conforme afirma Wirth, era flexvel, aberto s contingncias e

    conciliatrio58. Ou seja, a inteno do presidente era a execuo de uma iniciativa

    economicamente vivel, sem se incomodar, inclusive, com a participao do capital

    estrangeiro, desde que este seguisse os ditames do poder federal. Essa no era, entretanto, a

    55DIAS, Jos Luciano de Mattos; QUAGLIANO, Maria Ana. A questo do petrleo no Brasil: uma histria da

    Petrobrs. Rio de Janeiro: CPDOC/Petrobrs, 1993, pp. 99-100.56COHN, op. cit., p. 154.57Idem, p. 164.58WHIRT, op. cit., p. 161.

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    viso dos membros da Campanha do Petrleo. Para eles, a presena, mesmo que minoritria e

    sem poder efetivo de deciso, do capital internacional nas atividades envolvendo o petrleo

    brasileiro era uma sria ameaa segurana nacional e sua emancipao. Assim, a despeito

    do esforo do presidente, a mobilizao no cessou, e at mesmo parlamentares ligados ao

    PTB Euzbio Rocha, por exemplo fizeram esforos para modificar o projeto inicial,

    aumentado as salvaguardas nacionalistas.

    Em meio a todas essas atribulaes o projeto tramitou no legislativo e foi aprovado em

    meados de 1953. Permaneceu nele a proposta de constituio de uma empresa de economia

    mista e executora do monoplio estatal de explorao do petrleo. Foram feitas, entretanto,

    modificaes que impediram a presena de capital estrangeiro na empresa. O nico setor que

    no ficou regido pelo monoplio estabelecido foi a distribuio; para alguns, a parte mais

    lucrativa do negcio. Os dois projetos de refinarias particulares j autorizadas a se instalar

    (uma em So Paulo e outra no Rio de Janeiro) tiveram um prazo limite de dois anos para

    comearem a funcionar; caso contrrio, sua permisso seria cancelada.

    Assim, em 3 de outubro de 1953, dia do 23 aniversrio da Revoluo de 1930, uma

    data de forte conotao simblica para o getulismo, o presidente assinou a lei que criou a

    Petrleo Brasileiro S/A Petrobrs empresa que, por vrios motivos, marcar a histriapoltica recente do pas. A sua criao representou, segundo Sulamis Dain, o fim do primeiro

    ciclo de investimentos, e o fato mais marcante dessa era de interveno do Estado no setor

    produtivo, atravs da criao de companhias atuantes em setores estratgicos da produo

    industrial59. A Petrobrs figurou, junto com a Companhia Siderrgica Nacional, a Fbrica

    Nacional de Motores e a Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, como uma empresa

    estatal de primeira gerao. Estas empresas guardavam semelhanas entre si, tanto no que

    dizia respeito aos interesses motivadores de sua criao, quanto na forma de lidar com a suafora de trabalho, conforme poderemos notar mais adiante neste trabalho.

    O CNP, que at ento cuidava de toda a extrao e produo de derivados de petrleo,

    passou a ser um rgo de regulao e fiscalizao. Sua principal tarefa, imediatamente aps a

    promulgao da lei de criao da Petrobrs, foi organizar a transferncia do controle daqueles

    encargos para as mos da nova empresa, fato concretizado em maio do ano seguinte. Foi a

    partir dessa data que ela passou de fato a existir e a controlar a produo petrolfera nacional.

    59 DAIN, Sulamis. Empresa estatal e poltica econmica no Brasil. In: MARTINS, Carlos Estevam (Org.).Capitalismo e Estado no Brasil. So Paulo, HUCITEC, 1977, pp. 141-165.

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    Getlio escolheu para exercer a presidncia da estatal um velho aliado da Revoluo

    de 1930, que havia, por algum tempo passado para a oposio o Coronel Juracy Magalhes.

    Cearense de nascimento, este participante do movimento tenentista e da Revoluo de 1930,

    enraizado desde aquele momento em terras baianas, representava o desejo do presidente de

    estabelecer alianas com setores considerados mais conservadores, tanto no plano nacional

    quanto nos estados. A reaproximao dessas lideranas configurou uma rearrumao do

    cenrio poltico baiano, que garantiria, inclusive, a viabilidade da execuo de um projeto de

    modernizao local, tendo por base a Petrobrs60. A presena de Juracy Magalhes no

    comando da empresa foi, no entanto, to curta quanto a de Vargas na presidncia. Trs meses

    aps o incio dos trabalhos da estatal, com o suicdio do presidente, o antigo interventor da

    Bahia deixou a presidncia da Petrobrs e os projetos desenvolvimentistas baianos sofreramento um duro revs por conta do desmanche forado da aliana de Vargas com as elites

    conservadoras locais.

    A primeira apario contundente desse projeto baiano no cenrio nacional se dera j

    durante a tramitao da lei de criao da Petrobrs no Congresso. Fato que chama bastante

    ateno naquele processo foi a postura adotada pelos parlamentares baianos. Quando o projeto

    estava sendo votado na Cmara ele sofreu duas mudanas diretamente relacionadas s

    necessidades polticas e econmicas defendidas pelos polticos do estado, ambas fceis de

    serem entendidas se lembrarmos que o Recncavo continuava a essa poca como o nico

    local de produo petrolfera no territrio nacional. A primeira alterao dizia respeito

    participao dos estados produtores do leo sobre os rendimentos auferidos pela empresa. A

    segunda estava relacionada forma de distribuio entre os estados da receita proveniente do

    Imposto nico sobre Combustveis Lquidos e Lubrificantes61. As emendas propostas pela

    bancada baiana, comandada pelo deputado Aliomar Baleeiro, visavam a mudana nas regras

    de distribuio de impostos, com o fito de garantir maiores receitas aos estados produtores,

    retirando, assim, parte considervel dos rendimentos dos estados mais industrializados e,

    portanto, maiores consumidores de combustveis e lubrificantes.

    Os parlamentares baianos articularam ao seu redor deputados e senadores de estados

    menos industrializados e conseguiram impor uma derrota aos estados do sul e ao prprio

    60DANTAS NETO, Paulo Fbio. Tradio, autocracia e carisma: a poltica de Antonio Carlos Magalhes namodernizao da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006,Captulo II.61COHN, op. cit., p. 162.

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    governo62. O argumento utilizado pelos baianos consistiu na relevncia de se superar os

    desnveis regionais entre norte e sul do pas com o intuito de impedir disputas polticas de

    ordem maior. Conseguiram impor, tambm, o pagamento de royalties no valor de 3% sobre o

    preo total do leo aos estados e municpios produtores, percentual que garantiu uma

    arrecadao extra de 6 mil dlares por dia economia local, mas que mesmo assim foi

    considerado pelo poltico e empresrio Clemente Mariani, trs anos depois, quantia

    mesquinha, quando comparada s possibilidades de retorno, caso o negcio fosse realizado

    em associao com o capital estrangeiro, conforme o exemplo da Bolvia63. As emendas

    baianas tinham, porm, razes mais profundas e diziam respeito situao econmica e

    poltica do estado naquele perodo. A descoberta do petrleo e sua explorao local foram um

    grande alento e importante fonte de esperana para as classes dominantes locais.

    1.3 PETRLEO COMO QUESTO LOCAL: O REGIONALISMO BAIANO

    A Bahia teve durante a dcada de 1950 um sentimento praticamente consensual de que

    era imprescindvel superar o atraso econmico em que vivera durante os ltimos cem anos.

    Muito se discutiu acerca das causas do chamado enigma baiano. Como e por que a outrora

    rica e opulenta provncia havia atingido nveis to pfios de desenvolvimento e faturamento

    econmico64?

    As principais fontes geradoras de recursos para a Bahia haviam se desgastado desde a

    segunda metade do sculo XIX. O fim do trfico de africanos e a decadncia da economia

    aucareira foram duros golpes para as classes dominantes locais. Por outro lado, as indstrias

    txteis, ancilares economia aucareira, no se firmaram no cenrio econmico local65. O

    surgimento da lavoura cacaueira no sul do estado no conseguiu recriar o fausto de outros

    tempos. Para piorar as coisas, segundo Francisco de Oliveira, no obstante os altos ndices de

    exportao do cacau, a taxa de cmbio adotada pelo governo republicano minava as defesas

    62COHN, op. cit., p. 163.63MARIANI, Clemente. Anlise do problema econmico baiano. In: Planejamento. Salvador, out/dez 1977,vol. 05, n 04, pp. 85. Texto oriundo de uma palestra proferida na Escola Superior de Guerra no ano de 1957, p.85.64AGUIAR, Manoel Pinto de. Notas sobre o enigma baiano. In: Planejamento. Salvador, out/dez 1977, vol.05, n 04, pp.123-136. Texto publicado originalmente em 1958.65Sobre a decadncia das indstrias txteis locais, ver: Tavares, Lus Henrique Dias. O problema da involuoindustrial da Bahia. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1960.

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    das economias regionais, apresentando-se como uma armadilha mortal para o

    desenvolvimento do capitalismo na Bahia e no Nordeste. Assim, completa Oliveira, somente

    o petrleo e a Petrobrs iro conseguir sacudir Salvador de sua longa letargia66.

    Alm das questes de carter econmico, observamos tambm a perda do prestgio

    poltico do estado com o advento da Revoluo de 1930. O movimento militar que levou

    Getlio Vargas ao poder apresentou-se como uma derrota para os polticos locais, pois

    impediu a posse do ex-governador Vital Soares, eleito pela coligao encabeada por Jlio

    Prestes, no cargo de vice-presidente da Repblica. Desarticulada e sem a fora de lderes com

    projeo nacional, a Bahia lucrou muito pouco com os rearranjos institudos nos anos

    seguintes ao trmino da Primeira Repblica. Suas elites foram preteridas e tiveram que

    engolir um interventor imposto e sem laos polticos locais. Ou seja, a crise manifestava-se

    em dois campos, o poltico e o econmico. No de admirar, portanto, que as propostas de

    soluo para essa gama de problemas, visassem tanto o redimensionamento poltico do papel

    do estado frente ao governo federal como o aproveitamento das potencialidades econmicas

    da regio.

    A Associao Comercial da Bahia, um dos mais importantes e influentes rgos da

    burguesia local, apontou o planejamento econmico como alternativa situao. Outrodefensor dessa soluo foi o empresrio Clemente Mariani, que atravs dos relatrios do

    Banco da Bahia defendia a interveno do governo estadual na economia, como forma de

    potencializar as possibilidades de sucesso das iniciativas tomadas pelo grupo de empresrios

    dos ramos bancrio e mercantil, por ele representados67.

    Certamente a medida mais sistemtica para enfrentar esses dilemas foi a criao da

    Comisso de Planejamento Econmico (CPE), em maio de 1955, incio do governo de

    Antonio Balbino. Ela era a parte principal de um trip tambm composto pelo Instituto de

    Economia e Finanas do Estado da Bahia e pelo Fundo Estadual de Desenvolvimento

    Agrrio68. Seu objetivo inicial era, de acordo com Santana, aglutinar os elementos da elite do

    estado em uma arena decisria que forjasse as orientaes do governo estadual no plano

    66 OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido: classe e identidade de classe na Bahia. So Paulo: Editora da

    Fundao Perseu Abramo, 2001, pp. 29-30.67 GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. A formao e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (1930-1964). Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982, pp. 106.68DANTAS NETO, op. cit., p. 84.

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    econmico69. O fracasso dessa perspectiva permitiu, entretanto, a centralizao das

    responsabilidades e das iniciativas na figura do governador do estado e de Rmulo Almeida,

    um respeitado economista que havia chefiado a assessoria econmica de Getlio Vargas. Sua

    atuao frente da CPE, de acordo com Antonio Srgio Guimares, acabou tendo o apoio

    formal da faco mercantil financeira e do conjunto das classes produtoras estaduais70.

    Assim, as elites baianas recusaram-se a ocupar o espao que lhes havia sido reservado

    no esforo modernizador e apesar do apoio dispensado ao homem responsvel pela sua

    execuo, procuraram chamar ateno para um aspecto que no poderia ser desprezado: o

    planejamento no deveria, em momento algum, ferir os j citados princpios liberais. Em

    1958, Pinto de Aguiar, que mais tarde vi