Uma História Luso Brasileira

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UMA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA

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Livro que relata e homenageia a trajetória de vários Portugueses que buscando no Brasil uma nova vida, criaram e sustentaram obras de solidariedade e espiritualidade para o futuro.

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UMA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA

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Dedicado a

Gentil, Maria Salustiana, Alexandra, Susana, Paula e Inês

Os meus agradecimentos especiais a

Eduardo Carvalho Monteiro (Póstumo)

Vítor Mora Féria

Ana Gomes

João Marcos Weguelin

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Copyright © 2015 byFEDERAÇÃO ESPÍRITA PORTUGUESA – FEP © (2015) - 1ª edição - 90 exemplares

Impressão: Gráfica ComercialISBN: 978-989-8788-61-0 Depósito Legal:

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Paulo Alexandre Baía Mourinha

UMA HISTÓRIA LUSO-BRASILEIRA

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À guisa de prefácio

A falta de referências àqueles que nos precederam permite que se perca no tempo esse conhecimento, razão por que se reveste de grande importância o registo, resultante das memórias de alguns e dos poucos registos de outros, daquilo que constituirá a história do ontem.

Relembrar personalidades que, de algum modo, estive-ram ligadas à nossa doutrina, indivíduos que tiveram a cora-gem de atravessar o oceano das dificuldades e o campo das diferenças de culturas e valores, para implementar a sua certe-za na doutrina nascente e levá-la além fronteiras, a tantos que estavam sendo preparados para a receber, é, para além de tudo o mais, um ato de justiça. Permite-nos tomar consciência do desafio que esta prova representou para os nossos antepas-sados, servindo de informação para as vindouras gerações e dando a conhecer de onde vieram, realmente, os que foram responsáveis pelo crescimento e estabilização dos princípios, das dificuldades e das vitórias que foram sendo conseguidas ao longo dos tempos.

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Se hoje é fácil assumirmos a opção de sermos espíritas, nem sempre assim foi; convém, portanto, lembrarmos estas pessoas que, partindo de suas terras, do aconchego de suas famílias, abraçam princípios que os mobilizam para que os seus testemunhos frutifiquem, sofrendo tantas vezes a incompreensão dos seus pares, para que hoje seja esta doutrina florescente nos dois lados do Atlântico, com sementes lançadas em todos os Continentes.

Obrigado, Paulo, por teres empreendido esta tarefa que, certamente, nos enriquecerá no conhecimento, por nos ofereceres num só tabuleiro, esta diversidade de personalidades, as suas origens, os seus trabalhos; que possas continuar a recolher esses testemunhos e, numa próxima oportunidade, possamos aumentar, em número, a lista de trabalhadores, desde a primeira hora, e seus testemunhos para desbravar os caminhos que tornam, hoje, o nosso percurso mais fácil.

Pedimos a Jesus as suas bênçãos e orientação, abrindo caminhos nas tuas investigações.

Almancil 6 de janeiro de 2015

VITOR MORA FÉRIA

Introdução

Falar da implantação do Espiritismo no Brasil é contar uma história de trabalho e sacrifício em português.

Muitas são as versões acerca da chegada da mensagem espírita às terras de Vera Cruz. Umas destacam a importância de sociedades secretas que terão aberto as portas a uma visão não sacerdotal ou dogmática das questões fundamentais para a evolução espiritual da humanidade. Outras evidenciam a importância do surgimento dos estudiosos do magnetismo e das energias, como por exemplo os médicos homeopatas (especialmente um francês e um português…) que chegaram ao Brasil em meados do século XIX.

Como nos conta Humberto de Campos, através da psicografia abençoada de Chico Xavier, na obra Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho:

"Por volta de 1840, ao influxo das falanges de Ismael, chegavam dois médicos humanitários ao Brasil. Eram Bento Mure e Vicente Martins, que fariam da medicina homeopática verdadeiro apostolado. Muito antes da codificação kardeciana, conheciam ambos os transes mediúnicos e o elevado alcance da aplicação do magnetismo espiritual."

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Qualquer uma destas versões tem algo de verdade, mas acreditamos que a semente havia sido implantada muito antes e até aí tendo em conta das peculiaridades e idiossincrasias do povo Português como elemento aglutinador (nem sempre da melhor forma) de outras etnias que já pontificavam nas terras brasileiras e outras que foram para aí trazidas pelos colonizadores portugueses.

Os indígenas do Brasil tinham consigo uma proximidade aos ritmos e espíritos da natureza que naturalmente abriam portas a uma ideia de espiritualidade não ritualizada.

Os colonos portugueses surgiam no novo mundo comprometidos com uma religiosidade altamente definida pelo culto e ritual da Igreja Católica, de onde retiravam o temor a Deus, mas ainda não o apelo ao amor, instituído pelo maior profeta trazido ao orbe terreno: Jesus Cristo.

Essa falta de compreensão às lições do mestre Nazareno levou a que, os europeus em geral e os portugueses em particular, chegassem aos novos horizontes encontrados para lá do imenso mar, com as falhas maiores do velho mundo, nomeadamente o esclavagismo.

Mas como o Universo se aproveita até do mal para criar o bem, os escravos trazidos das terras africanas vêm trazer às plagas de Santa Cruz mais um elemento determinante para a fixação de uma nova ideia de Deus e de Homem no mundo: a idealização da Liberdade Suprema, como meta maior a atingir por toda a vida.

A reunião destas realidades, diferentes mas surpreen-dentemente convergentes, vieram a fazer do Brasil um terreno ímpar para a implantação de uma nova Doutrina, algo que os espíritos rentabilizaram da melhor forma.

Por isso é muito justo dizer que apesar da chegada de outros europeus (incluindo franceses) ao Brasil e com eles chegando a mensagem espírita, sem embaraço da verdade podemos afirmar que, de França ao Brasil, há uma história portuguesa.

História essa que merece ser contada, não por qualquer provincianismo exacerbado, mas apenas por ser da mais elementar justiça a contar.

Essa necessidade senti-a quando numa reunião pública num centro de Lisboa ouvi de uma das assistentes a seguinte interrogação: por que razões só temos informações do mundo espiritual através de médiuns brasileiros, será que não existem médiuns portugueses?

A pergunta foi legítima. Em Portugal não sabemos no geral quase nada da importância que os seus filhos tiveram na formação do movimento espírita mais ativo a nível mundial.

E se hoje são os nossos irmãos brasileiros a nos trazer lições de inegável valor, ontem foram os pioneiros espíritas lusos a plantar a mesma boa nova que hoje recebem.

Nada mais justo e mais de acordo com a providência divina.

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Como Kardec tão claro deixou, a Doutrina começava com ele, não acabava com ele. E o país que serviu de berço ao Espiritismo precisou que o seu precioso rebento caminhasse para o outro lado do mundo e nesse momento, o mais periférico dos países europeus, mas também aquele que mais ligações emocionais deixou com a parte do mundo que tocou indelevelmente, assumiu o papel de emigrante e não tendo sido o único veículo ou sequer, o implementador de uma nova era para o mundo, nela participou ativamente, concatenando o velho e o novo, o hábito e a mudança.

Existem ligações de tal forma fortes que por vezes parecem fazer parte de um todo global.

Por exemplo, grande parte dos homens e mulheres aqui biografados foram imortalizados no seu país de adoção através de ruas, jardins, centros, asilos, hospitais e escolas.

Fernando Lacerda, um dos maiores médiuns que o Espiritismo conheceu, foi emissário de trovas e poesias de muitos dos imortais que viriam a se manifestar na grande obra do maior médium do século XX: Chico Xavier.

Não terá sido também por acaso que o mesmo Chico Xavier teve os "seus" textos pela primeira vez publicados por dois portugueses: Inácio Bettencourt e José Machado Tosta.

São também fortíssimas as ligações entre Leão Pitta e Cairbar Schutel e Jeronymo Ribeiro e Anália Franco.

Portugal e Brasil estão muito mais interligados do que apenas a relação habitual entre país colonizador e

país colonizado. Não são apenas as relações políticas, nem comerciais, mas uma ligação verdadeiramente espiritual, onde os destinos de ambos se encontram unidos.

Também não é por acaso, que André Luiz – mais uma vez através de Chico Xavier – nos revela que a colónia Nosso Lar, que se encontra em cima da cidade do Rio de Janeiro, foi fundada por portugueses.

As amizades criadas entre o povo português e Divaldo Pereira Franco, assim como outros espíritas brasileiros, é de uma beleza e genuinidade que enternece os corações.

Por estas e outras razões, acredito valer a pena um livro como este.

Um livro que está muito longe de estar terminado. Na realidade esta primeira edição é mais o juntar de uma coletânea de textos que foram escritos por vários e diligentes companheiros (identificados nas referências bibliográficas) e algumas coisas que fui descobrindo nas minhas viagens para o Brasil – que conheço há mais de 20 anos e para onde viajo com frequência – bem como pesquisas e partilhas feitas em Portugal e fora dele por mim próprio e amigos que merecem toda a minha gratidão.

Possuo cerca de 60 biografias de trabalhadores portugueses com obra no Brasil e dedicarei o próximo ano a investigar as suas histórias e a dilatar as histórias daqueles que nesta edição vos trago.

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Este não é o "meu" trabalho mas o "nosso" trabalho e para isso contarei com os subsídios e correções de todos.

Espero no entanto que este pequeno esforço essencialmente de compilação sirva para "abrir o apetite" de todos e ajude a que a grande tarefa de recuperar o espólio deixado por estes nobres homens e mulheres se concretize.

Certo de que este é um diálogo interrompido que retomaremos mais à frente, desejo a todos uma boa leitura!

PAULO ALEXANDRE BAÍA MOURINHA

Primeiros Anos

António Gonçalves da Silva Batuíra nasceu a 26 de Dezembro de 1838, no lugar de Vila Meã, freguesia de S. Tomé do Castelo, concelho de Vila Real.

Nascido numa família muito humilde, completou as primeiras letras em Portugal e logo seguiu para o Brasil para casa do seu irmão, em busca de horizontes mais largos e melhores condições de vida.

Terá chegado à Baía da Guanabara a 3 de Janeiro de 1850 e durante 3 anos trabalhou no comércio da que era então, a Capital do Império.

ANTÓNIO GONÇALVES DA SILVA "BATUÍRA"

28 de Dezembro de 1838 - 22 de Janeiro de 1909

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Findo esse período que não deve ter sido nada fácil para uma criança acabada de chegar de uma realidade rural totalmente diversa da cosmopolita cidade do Rio de Janeiro, parte para a cidade de Campinas, no estado de São Paulo, onde trabalhou na lavoura. Finalmente em 1856, faz a curta viagem que o separa da cidade de São Paulo e por lá fica.

Nasce Batuíra

Por essa época, São Paulo estava longe de ser a megametrópole que é hoje, contando com um número de habitantes pouco superior a 30 mil. Desde 1850 que a arte tipográfica estava em crescimento no Brasil e, em cerca de 10 anos, surgiram em torno de 100 novos periódicos. É nesse mercado emergente que António se vai envolver, inicialmente como vendedor de jornais (o que chamamos de ardinas), e tão eficiente e rápido era no cumprimento das suas funções que o povo começou a chamá-lo de Batuíra (ave rápida do género Charadrius, em Portugal conhecida como Borrelho e no Brasil, outras espécies, como Batuíra), o que o tornou imensamente popular pela cidade.

António passou a usar Batuíra como apelido.

Sendo um jovem de ideais e bem integrado na sociedade, desde cedo se envolveu no movimento abolicionista, dando provas do homem que viria a ser, capaz de olhar os outros homens independentemente de raça ou cor como seus irmãos, e merecedores de todo o respeito e cuidado.

A sua associação profissional ao "Correio Paulistano" teve uma maior importância do que inicialmente se poderia supor, não apenas pela envolvência de Batuíra com os ideais republicanos e abolicionistas já referidos e a possibilidade de se familiarizar com as ideias de indivíduos como José do Patrocínio, Luís Gama e Rui Barbosa, mas também porque lhe vão dar o gosto e a motivação para vir a ser um grande propagandista da ideia espírita, através da imprensa escrita.

Por essa altura também, Batuíra casa-se com D. Brandina Maria de Jesus. Lamentavelmente a união não duraria muito tempo em virtude do falecimento de D. Brandina, mas produziria um filho, Joaquim Gonçalves Batuíra.

O viúvo, no entanto, voltaria a casar com D. Maria das Dores Coutinho e Silva, que também o deixaria viúvo em 1916 e também lhe daria um filho de nome Joaquim...

O Teatro

Outra das paixões de Batuíra era o Teatro. E como era ele um homem de ação, transformou essa paixão em obra, criando o Teatro da Cruz Preta, também conhecido como Teatro Batuíra.

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O Teatro, ao mesmo tempo em que dava récitas, era também um espaço de dinamização cultural e de ensino das artes cénicas, coisa em que foi pioneiro. A importância deste espaço é confirmada pelas referências e alusões que vários historiadores lhe fazem nas suas obras sobre a cidade de São Paulo.

Importa também referir que frequentemente Batuíra atuava nas peças encenadas.

Como podemos ler no seguinte excerto tirado da obra do malogrado Eduardo Carvalho Monteiro, Batuíra Verdade e Luz:

"Não imaginem que ele tinha então aquelas venerandas barbas de apóstolo (e ele o é na verdade) que hoje lhe adornam o rosto; não, embora fizesse geralmente os papéis de "Centro", não tinha uma figura de espantar crianças; tanto assim que agradava, e que era recebido com palmas e versos, logo que aparecia em cena".

Os versos referidos no texto são estes:

"Salve grande Batuíra/Com seus dentes de traíra/Com seus olhos de safira/Com tua arte que me inspira/Nas cordas de minha lira/Estes versos de mentira."

Lavapés

Por esta altura, já Batuíra não era um vendedor de jornais, mas com as economias realizadas e com o seu instinto comercial arguto, passou a confecionar e comercializar

charutos, o que lhe proporcionou prosperidade e lhe permitiu adquirir algumas propriedades na zona do Lavapés, onde construiu a sua residência e iniciou um bairro, onde a primeira das ruas a ser aberta recebeu o seu nome, mas hoje chama-se: Rua Espírita.

Foi nessa residência e propriedades em volta, que Batuíra viria a acolher escravos e a ocultá-los dos seus algozes, criando uma estratégia junto com o famoso abolicionista Luís Gama que se constituía de fazer ofertas aos "proprietários" desses escravos, comprando as suas cartas de alforria, quando eles já haviam perdido a esperança de os encontrar.

Nessa mesma casa, Batuíra acolheu dezenas de pessoas acometidas pelo surto variólico de 1873, a quem ajudou a recuperar a saúde.

Como vemos, para Batuíra até a sua residência teve de se tornar um hospital e um porto seguro para aqueles que necessitavam de auxílio.

O Consolador

Em tudo o que fazia, Batuíra demonstrava a sua elevação de espírito, o seu caráter nobre e a renúncia só possível às almas superiores. Contudo, algo faltava na sua vida, e sem ter a certeza do quê, ele sabia-o.

Mas nada o poderia preparar para a tempestade que se aproximava inexoravelmente da sua casa. E a violência da mesma apanhou Joaquim Gonçalves Batuíra, seu segundo filho, no caminho.

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Filho de Batuíra com D. Maria das Dores Coutinho e Silva, nascera a 15 de Maio de 1871 e agora a 23 de Maio de 1883, poucos dias depois do seu décimo segundo aniversário, partia já para esse continente invisível aos nossos olhos, onde apenas vivem os espíritos. Espíritos esses que Batuíra ainda não conhecia, nem procurava, mas que desde aqui seriam o impulso para uma vida mais ampla e consistente.

A morte de Joaquim havia sido em si mesma, de uma simbologia atroz, tendo a sua carne sido corrompida pelo tétano após um simples contacto com o espinho de uma linda rosa.

A morte foi repentina e apanhou a família de surpresa, principalmente o seu pai que entrou em profundo pesar.

O velório foi muito concorrido e consternador, os lamentos e choros ecoavam pelo salão principal da casa Batuíra e os espelhos estavam cobertos por panos negros, honrando uma tradição fúnebre que se perde nos tempos.

A dado momento Batuíra sente-se inquieto, com dificuldade para conter a sua emotividade. É então que se levanta da cadeira onde estava sentado e caminha em direção ao seu quarto, fechando a porta atrás de si.

Uma meia hora terá passado até que Batuíra saiu do quarto. A sua expressão era outra, assim como a sua disposição.

Batuíra então dirigiu-se à multidão nestes termos: “Não quero que ninguém mais chore aqui. Meu filho não morreu.

Meu querido filho vive. Por isso, não chorem mais! Eu só quero alegria a partir deste instante!”.

Apesar de a paz aparentemente ter tomado posse da expressão de Batuíra, as pessoas não queriam acreditar no que ouviam. Teria o pai enlouquecido com a morte do filho?

Para aumentar a perplexidade dos circunstantes, Batuíra sai á rua e volta com uma banda!

Que não só não interpreta temas de tristeza e luto, mas começa mesmo a tocar temas alegres como marchas festivas...

Para uns heresia, para outros o sinal de uma mente enlouquecida pela dor. Apenas Batuíra compreendia a razão da sua alegria.

Seu filho não estava morto!O que aconteceu naquele quarto?O próprio Batuíra o relataria mais tarde:

"Entrei disposto a qualquer coisa naquele quarto, porque Deus tinha que dar uma resposta à minha dor e não sairia de lá enquanto Ele não me respondesse. Foi então que vi uma luz se formando, que não era aquela do candeeiro e nem a luz do crepúsculo que ainda penetrava pela janela... a luz foi se tornando diáfana, vaporosa e um vulto surge-me suavemente à frente... meus olhos encheram-se, então, de lágrimas, a emoção atingiu o mais alto grau que um humano poderia suportar e eu reconheci naquela sombra o Quinho, filho querido: Pai, não fique triste — disse-me ele. — Eu não morri. Estou mais vivo do que nunca. Seus lábios sorriam... seu semblante estava calmo e transmitia muita paz. Em seguida, suas mãozinhas acenaram para mim, da mesma maneira como o fazia quando se despedia em vida, e sua

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imagem foi suavemente se apagando na tinta gasta da parede. Não sei quanto tempo duraram aqueles instantes e quanto ali fiquei, até derramar a última lágrima pela sua passagem para uma outra vida. Meu filho não morreu. Nós não morremos. Esta vida é apenas uma etapa da Vida Verdadeira. Em algum lugar, eu e o Quinho nos reencontraremos..."

Desse dia em diante, Batuíra tomou um caminho novo, uma espécie de Estrada de Damasco lhe havia aberto os olhos.

Por esta altura, já os temas espiritualistas e mesmo espíritas já eram comentados (principalmente por intelectuais) na sociedade Paulistana e Batuíra logo se tentou inteirar mais acerca do assunto, que lhe era agora irresistível.

As respostas que buscava começam a ser dadas através do Dr. Ramos Nogueira – um grande pioneiro do Espiritismo em São Paulo – e juntou-se às reuniões de estudo e prática mediúnica na sua residência, na companhia de Aristides Vasconcellos e Ângelo Torterolli.

Ramos Nogueira era uma pessoa de grande prestígio para a FEB, que lhe dedicava bastantes e muito favoráveis artigos através do seu meio de comunicação, o Reformador.

Verdade e Luz I

A Luz que despertou Batuíra para uma nova realidade viria a deixar marcas em várias áreas de atividade do novel espírita.

Assim, em 1890 Batuíra já restaurara e colocara em funcionamento o Grupo Espírita Verdade e Luz. Tendo a sua inauguração oficial acontecido no dia 16 de Abril de 1890

(muito embora só tenha sido registado e ganho estatuto oficial em 1904).

Alguns dados históricos merecem aqui destaque. Desde 1890 que Batuíra já visitava a FEB e a partir de 1895 passou a ser um seu associado (sócio honorário), participando das suas ações e Congressos e foi precisamente após o Congresso da FEB no Rio de Janeiro em 1904, que Batuíra considerou ser importante constituir o GEVL como uma Entidade Jurídica.

Era por essa altura o Presidente da FEB Leopoldo Cirne.

A relação de grande parceria entre Batuíra e a FEB levou a que ele constituísse, a 24 de Maio de 1908, a União Espírita do Estado de São Paulo, que viria a regular os centros espíritas e grupos familiares de todo o Estado de São Paulo.

Tinha como Presidente e Vices respetivamente, António Raposo de Almeida (Coronel), Batuíra e Studário Cardoso.

Também a União Espírita Mineira, com sede em Belo Horizonte, contou com o incentivo e esforço do homem de Águas Santas.

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A 25 de Dezembro de 1904, ganha vida a Instituição Christan Beneficente "Verdade e Luz".

Instituição que tem como Objetos:

- Asilar viúvas desvalidas, providenciando alimentação, medicamentos e ocupação adequada;

- Recolher obsedados (loucos) de ambos os sexos e providenciar-lhe todo o auxílio;

É muito interessante observar que Batuíra coloca como regime da Instituição o vegetarianismo e doa todos os seus bens imobiliários à Instituição!

O seu desprendimento e conduta moral deixam os seus contemporâneos de boca aberta. Todos sabiam que Batuíra adquirira a sua fortuna por meios absolutamente honestos e legítimos e agora os colocava ao dispor dos outros sem nada exigir em troca...

Algo que apenas no Evangelho estavam habituados a ver.

Verdade e Luz II

Desde 1889 que Batuíra era o agente exclusivo do Reformador em São Paulo, mas o agora mais experiente e lúcido dirigente espírita percebeu da importância de ter em São Paulo o seu próprio meio de comunicação doutrinário.

Na realidade, o gosto e interesse pela atividade jornalística nunca abandonou Batuíra desde os tempos em que ainda jovem vendia o Correio Paulistano pelas ruas da cidade. Hoje percebia melhor a necessidade de espalhar a Boa Nova através de um veículo que chegasse a cada vez mais pessoas, ao mesmo tempo em que também pudesse cobrir o cada vez mais ativo movimento espírita paulistano.

Se bem o pensou... melhor o fez.

Antes apenas tinham existido 2 verdadeiras tentativas para criar um periódico espírita na região de São Paulo.

A saber:

União e Crença - Areias, jornal mensal propriedade do Grupo Espírita Fraternidade Areense. Numa época de divisão

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entre espíritas científicos e místicos, apresentava ele uma visão religiosa do Espiritismo. Fundado em 24 de Março de 1881.

Espiritualismo Experimental - São Paulo, fundado em Setembro de 1886, jornal mensal, mais dedicado à Ciência Espírita e que curiosamente teve como representante no Rio de Janeiro outro extraordinário trabalhador espírita português, Augusto Elias da Silva. O fundador do Reformador.

Em 1890, Batuíra finalmente teve a possibilidade de adquirir uma tipografia e a 25 de Maio de 1890 surgiu o jornal "Verdade e Luz".

Os primeiros números tinham apenas 4 páginas e 3

colunas, num formato de 26 x 38 cm, sendo Batuíra o editor e tipógrafo. E uma tiragem de 2 mil exemplares.

Rapidamente cresceu em tamanho, qualidade e tiragem até atingir já em 1897 o fantástico número de 15 mil exemplares (número muito semelhante aos jornais generalistas da época).

Para termos uma ideia, em 1890 existiam apenas 5 jornais espíritas de circulação nacional no Brasil, eram eles:

Reformador (Rio de Janeiro), Verdade e Luz (São Paulo), O Regenerador ( Belém), A Luz (Curitiba) e a Revista Espírita (Curitiba).

Nos últimos anos sob a direção de Batuíra, o até então jornal passa a sair com formato de revista (após 1900) com 32 páginas e periodicidade mensal.

Colaboraram ao longo dos tempos no jornal, nomes grandes do Espiritismo como Ewerton Quadros, Anália Franco, Augusto José da Silva, Valado Rosas, Urias, Pitris, Paulo Vero, Manuel José da Fonseca, Luís Ferreira, Edla de Morais Cardoso, Antônio Pinheiro Guedes, João Lourenço de Sousa, Traumer, Casimiro Cunha, Modesto de Araújo Lacerda e Silvestre Evangelista dos Santos.

Ficaram famosas as trocas de ideias com as Damas da Caridade da Diocese, em que Batuíra defendeu os postulados espíritas com brio e vigor contra os ataques constantes destas muito católicas senhoras...

Foram oito anos de diálogo, onde Batuíra demonstrou os benefícios da prática do Espiritismo, tanto no centro quanto no quotidiano.

Explicava conceitos evangélicos à luz do Espiritismo e narrava curas importantes obtidas dentro da casa espírita.

Durante todo esse tempo, ele sempre assinou os seus artigos como "Ninguém". Apenas em Setembro de 1908, no centésimo número do jornal, ele se permitiu assinar como "Alguém".

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Aliás, durante as duas décadas de atividade do jornal, muitos foram os combates, sempre em prol da divulgação do Espiritismo. Ataques que vinham tanto de fora como de dentro.

Outro projeto a que o velho transmontano das barbas brancas se dedicou foi uma livraria espírita onde os livros eram gratuitos para que mais facilmente pudessem chegar a todas as pessoas.

Foi precisamente este desapego de Batuíra que o levou a viver os últimos anos da sua vida na mais perfeita miséria, ele que havia sido tão rico.

Mas Batuíra preferiu as riquezas do outro mundo em vez de as cultivar aqui.

ALGUNS CASOS FAMOSOS E TESTEMUNHOS ACERCA DE BATUÍRA

Para este segmento da biografia, vamos apoiar-nos uma vez mais na obra de Eduardo Carvalho Monteiro, Batuíra - Verdade e Luz, que nos oferece vários e ricos subsídios para ilustrar quem foi António Gonçalves da Silva Batuíra.

BATUÍRA E ANÁLIA FRANCO

Anália Franco (1853-1918), com justiça cognominada A Grande Dama da Educação Brasileira, foi contemporânea e grande amiga de Batuíra. Anália fundou a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva de São Paulo, que mantinha vários

serviços assistenciais à população, destacando-se as escolas e os orfanatos.

No número 62 de A Voz Maternal, de janeiro de 1909, Anália noticia o desencarne de Batuíra:

"Na madrugada de 22 presente baixou ao túmulo o ancião de 69 anos, Sr. Antônio Gonçalves da Silva Batuíra. É fora de dúvida que foi um batalhador na prática do bem. Fundou, há 19 anos, a "Verdade e Luz"; que incontestavelmente cooperou para o desenvolvimento da Doutrina que abraçou. Foi um devotado apóstolo do bem. Deus o chame a Seu Regaço."

OPINIÃO DE CAIRBAR SCHUTEL

Espírito liberal – simples na sua caridade, grande na sua simplicidade, assim se referiu a ele outro abnegado apóstolo da Causa Espírita em São Paulo, Cairbar Schutel.

NUNCA É DEMASIADO TARDE...

Extraímos da obra O retumbar da trombeta, de Amadeu Santos (Ed. FEB, 1942), interessante caso de conversão do médico e dentista Alciro Valadão, que Batuíra iniciou, enquanto encarnado, e terminou do Plano Espiritual.

O nosso confrade Dr. Alciro Valadão, ilustre clínico desta Capital, expusera-me os motivos que o levaram a aceitar o Espiritismo.

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Tendo feito o curso de odontologia, em S. Paulo, houve a feliz oportunidade — narra ele — de conhecer Batuíra, de quem se tornou amigo.

Nesse tempo esposava ele ideias materialistas, e Batuíra lhe dissera que ainda o tornaria espírita, visto que era um moço inteligente, com tendências para a prática do bem.

Deixando São Paulo, fixara residência no Rio de Janeiro, matriculando-se na Academia de Medicina, onde se formou em ciências médicas e cirúrgicas.

Certo dia, passeando despreocupadamente por determinada rua da Capital viu-se compelido por uma força estranha, irresistível, a subir a escada de determinado prédio. Vencida a escada, viu-se de permeio a uma numerosa assistência que, silenciosamente, ouvia um orador que dissertava sobre assuntos espíritas, em homenagem ao patrono da Casa.

Poucas palavras do orador ele pôde ouvir porque logo caiu em transe, discorrendo por algum tempo sobre os mais elementares princípios doutrinários do Espiritismo. Terminada a alocução, toda a assistência deixava transparecer uma emoção profunda, causada pela impressão agradável que lhe proporcionara aquele discurso erudito e oportuno, de atualidade doutrinária e científica espírita. E muitos assistentes vinham dar-lhe os parabéns pela brilhante peça oratória que acabara de produzir, ao que ele lhes respondia não conhecer nada do Espiritismo, nem saber explicar o que havia sucedido, porque médium inconsciente. Foi, então, quando um médium desenvolvido do centro cai em transe e diz: "– Meu amigo, eu sou o Batuíra, aquele que acaba de falar por intermédio do teu

aparelho, para cumprir com a palavra, resgatar a promessa de que havia de te tornar espírita. Não o consegui na minha vida material; mas hoje, mesmo desencarnado, com o auxílio das excelentes faculdades mediúnicas que o Pai te confiou, pude conduzir-te aos umbrais do templo do Espiritismo. Estuda-o com isenção de ânimo e com carinho, e terás o consolo para a tua Alma. Adeus."

Diante do ocorrido, o Dr. Valadão foi obrigado a estudar a consoladora Doutrina dos Espíritos, dela se tornando um adepto consciente e fervoroso.

AO PÉ DO OUVIDO

(Psicografia de Chico Xavier constante no livro Almas em Desfile, do

Espírito Hilário Silva, Ed. FEB.)

Batuíra, o Apóstolo do Espiritismo na capital paulista, instalara o seu grupo de estudo e caridade na Rua Lavapés, quando numa reunião social foi abordado pelo Dr. Cesário Motta, grande médico e higienista, então deputado federal, com residência no Rio.

Conversa vai, conversa vem, disse-lhe o Dr. Cesário, ao pé do ouvido:

Você, meu amigo, precisa precaver-se. Não sou espírita, mas admiro-lhe a sinceridade. E tenho ouvido lamentáveis opiniões a seu respeito. Dizem por aí que você adota o nome de médium para explorar a bolsa pública; que você está rico de tanto enganar incautos e dizem também que você se isola com mulheres, em gabinetes, para seduzi-las, em nome da prece. Tudo calúnias, bem sei...

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E que sugere o senhor? – perguntou o amigo, sereno.

É importante que você se abstenha do Espiritismo...

Mas, doutor – falou Batuíra, com humildade –, o senhor é médico e tem sido o nosso protetor na extinção da febre-amarela e da varíola em São Paulo... já vi o senhor tocar as feridas de muita gente... enfermos para quem pedi seu amparo receberam a sua melhor atenção, embora vomitassem lama em forma de sangue... nunca vi o senhor desanimar...

Pelo fato de o senhor encontrar tanta podridão nos corpos, poderia desistir da medicina?

O Dr. Cesário sorriu, satisfeito, e falou:

Sim, sim... não seria possível... você tem razão... esquecia-me de que há podridão também nas almas...

E, batendo nos ombros do velho amigo, encerrou a questão, afirmando, alegre:

Vamos continuar...

A BICA DO CONVERTIDO

Certa vez uma senhora, esposa de rico fazendeiro, desenganada pelos médicos, tendo ouvido falar de Batuíra e suas curas através da homeopatia, pediu ao marido que fosse até a Rua Espírita buscar tais remédios. O fazendeiro, tão poderoso quanto orgulhoso, a contragosto atendeu o pedido

da companheira. A meio caminho, porém, como o orgulho falasse mais alto, encontrou uma nascente de água límpida e encheu a garrafa que portava e que serviria para trazer tais remédios e voltou para casa. Ao encontrar a esposa, entregou-lhe o líquido da fraude e disse-lhe: é para você tomar uma colher de sopa quatro vezes ao dia.

Quando terminar eu volto para buscar mais.

Disciplinada, a esposa iniciou "o tratamento" e começou a apresentar melhoras para surpresa do fazendeiro. Ardiloso, ele arma um plano para desmascarar o "charlatão espírita".

O dia escolhido foi por ocasião de palestra pública. Lá vai ele, altaneiro, certo de ser possuidor de grande trunfo para desbancar o charlatão. Mas para quem se julgava de posse de uma armadilha, quem teve o choque da surpresa foi o próprio fazendeiro. Mal houvera se colocado entre a plateia, Batuíra interrompeu a palestra e dirigiu-se diretamente a ele: o senhor perdeu seu tempo vindo até aqui. Era só encher de novo a garrafa com a água daquela bica, que os Espíritos colocariam os remédios na água para que a cura de sua esposa se concretizasse; faça isso e nada mais.

Envergonhado, o fazendeiro retirou-se do recinto, mas voltou no dia seguinte para nunca mais se afastar dos trabalhos do grupo.

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O Regresso a Casa

Depois de ter doado todos os seus bens a instituições que criou e apadrinhou, de ter transformado a sua casa num sanatório, de ter criado editoras e jornais, de ter até comprado uma chácara1 para servir de hospital e abrigo para os obsedados e pelo caminho ter tido dois casamentos e dois filhos já desencarnados, Batuíra vivia só com a sua mulher e estava já bastante doente e cansado quando chegamos a 1909.

E fatalmente no dia 22 de Janeiro de 1909 pela uma da manhã, o grande Apóstolo regressa ao ponto de partida desta viagem, que é a experiência da carne.

Atrás de si, uma vida balizada por "Trabalho, trabalho e mais trabalho", seu lema de sempre. À sua frente o continente do espírito, de onde partimos e ao qual é esperado que regressemos mais ricos em virtudes, mais fortes e mais experientes.

Sobre ele, os jornais A Platea, O São Paulo, Diário Popular e o Reformador, entre outros, deram destaque da sua passagem.

Batuíra por Chico Xavier

Do outro lado da vida, Batuíra continua a honrar o seu lema, trabalhando em prol da humanidade.

Uma das parcerias que estabeleceu com o mundo dos ditos "vivos" foi com o excelente médium de Uberaba, Chico Xavier.

Através da sua mediunidade límpida e maleável, Batuíra manifestou-se em várias obras, a saber:

- Mais Luz (Obra Completa) - Vozes do Grande Além - Dicionário da Alma - Luz no Lar - Coragem - Chico Xavier pede Licença (co-autoria de Herculano Pires)

- Calendário Espírita - Seguindo Juntos - Praça da Amizade - Recados da Vida - Escultores de Alma - Irmãos Unidos - Bênçãos de Amor - Antologia da Paz

1 Quinta.

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Nota Prévia: Apesar de não existirem certezas quanto ao local de nascimento de Elias da Silva, vários dados parecem levar a investigação para Lisboa, havendo inclusive um António Augusto Elias da Silva que terá emigrado para o Brasil em 1862.

Se este é o "nosso" Elias da Silva ou não, ainda precisa de ulterior investigação.

Certo é que António Augusto Elias da Silva foi, desde o momento em que chegou ao Brasil, uma das figuras mais importantes para o desenvolvimento e implantação da Doutrina Espírita.

ANTÓNIO AUGUSTO ELIAS DA SILVALisboa 1848 – Rio de Janeiro, 18 de Dezembro de 1903

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A Estrada de Damasco

Acerca da sua conversão ao Espiritismo podemos ler as suas palavras na revista "Reformador" de 1 de Setembro de 1891:

“Cidadão redator:

Amigo e confrade.

Tem sido ultimamente publicadas por alguns de nossos confrades as razões pelas quais se converteram às nossas crenças; é muito para louvar que esses confrades, pondo de parte mal entendidos e preconceitos, venham publicamente afirmar suas convicções, a despeito da corte de nossos contraditores, os quais fazem uso e abuso da arma do ridículo, a fim de nos forçarem ao silêncio.

Não é minha opinião que essas afirmações sejam importante subsídio como elemento de propaganda doutrinária, porém creio que tem suas vantagens como elemento comprobatório da diversidade de fenómenos que por toda a parte se apresentam, forçando os ávidos de conhecimentos a procurar descortinar os, até há pouco ocultos, segredos do mundo espiritualista. É por esse motivo que igualmente me julgo no dever de empunhar mal aparada pena, e, em estilo sem o atavismo estético dos cultores das letras, expor também as razões que concorreram para firmar as minhas convicções.

Em 1881, fui convidado a assistir a uma sessão na sala da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, rua da

Alfândega n.º 120. As minhas convicções nesta época eram as do mais lato indiferentismo religioso, não tendo a menor parcela de dúvida sobre a não existência da alma. Não admitindo os fenômenos das diversas religiões, só via nelas agrupamentos de ociosos e amigos de dominar, explorando a ignorância das massas, geralmente supersticiosas e inclinadas ao sobrenatural.

Abro um parêntesis para declarar que estas ideias até hoje só se modificaram tão somente quanto aos fundamentos das seitas religiosas, isto é, quanto à imortalidade da alma, tais são, com raríssimas exceções, os desvios que tenho notado na história da vida sacerdotal de todos os tempos.

Porém, vamos ao caso. A essa sessão assistiam umas

cinquenta pessoas e entre elas algumas de reconhecida capacidade científica. Dos trabalhos que presenciei, ficou-me a mais dolorosa impressão; Deus me perdoe os falsos juízos que então formei da ilustre diretoria que dirigia os destinos da Sociedade.

O desejo de desmascarar os membros da Sociedade, se os reconhecesse especuladores, ou então convencê-los do seu erro, se fossem visionários, levou-me a solicitar que me permitissem a continuação da frequência às suas sessões.

Na segunda que assisti, trabalhou como médium

sonâmbulo a esposa do nosso confrade Monteiro de Barros, médium que não tendo nessa ocasião produzido trabalho algum intelectual, em estado sonambúlico, caiu ajoelhada da cadeira em que se achava, e nessa posição ficou mais de vinte minutos, braços erguidos, na mais absoluta imobilidade. Pelos trabalhos de minha profissão conheço a dificuldade de tal posição no estado normal e a esse fato, embora longe de modificar minhas ideias, devo o

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grande benefício de minha crença na imortalidade da alma, pois foi ele que em mim despertou o desejo de investigação das leis que o determinaram.

Solicitando explicações sobre esse fato, foi-me

aconselhado à leitura das obras do imortal Kardec. Pela leitura, despertou-se-me o desejo de verificar experimentalmente as teorias que ia bebendo, e comecei a frequentar as sessões dos grupos e sociedades então existentes, onde gradativamente fui recebendo as provas mais robustas da manifestação dos que eu chamava mortos.

Entre os fatos observados, citarei alguns, conquanto muito comuns, mas que bastante concorreram para dissipar as dúvidas que eu nutria quanto ao agente das manifestações. Em um grupo solicitei fosse evocado um meu parente e amigo falecido havia muito tempo. Um médium psicógrafo, para mim completamente estranho, foi o encarregado de obter a comunicação, a qual nada conteve de particular, limitando-se a conselhos morais, porém assinada por extenso, sendo a assinatura por extenso, sendo a assinatura duma exatidão inexcedível confrontada com outras do evocado, feitas durante a vida terrena.

Em outra sessão manifestou-se espontaneamente um meu amigo, solicitando que orasse por ele, dizendo que sofria muito por ter cometido atos que eu ignorava completamente. Procedi a mais rigorosa investigação desses fatos, chegando à conclusão de serem eles verdadeiros.

Um outro espírito, também espontaneamente manifestado, declarou o nome e a casa em que morava, quando desencarnou. No dia imediato, uma comissão, da qual fiz parte,

dirigiu-se à casa indicada, na qual ainda morava a família do falecido.

Uma multidão de fatos, alguns mais extraordinários, tenho conhecido, porém, se me refiro a estes somente, é porque foram eles que me desvendaram os horizontes resplandecentes do mundo espiritual, estimulando-me ao estudo da Doutrina Espírita.

Elias da Silva.”

O Grupo Espírita Menezes

Após a sua conversão, Elias tornou-se um verdadeiro estudioso da Doutrina, lendo avidamente as obras da Codificação, bem como as complementares e tornando-se cada vez mais ativo na sua fé e principalmente nas suas ações.

Assim, para melhor dar seguimento à sua vontade de servir, tornou-se membro da Comissão Confraternizadora da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, onde colaborou com extrema devoção e ardor.

Após a sua "comissão de serviço" na Comissão, fundou uma associação em homenagem ao já falecido diretor da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, e seu mentor espiritual, António Carlos de Mendonça Furtado de Menezes.

Assim nascia o Grupo Espírita Menezes.

Esta associação muitos benefícios espalhou, e acabou por receber os sócios da associação que a precedeu.

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O Reformador

Maiores obras no entanto estavam ainda para realizar.

Um velho provérbio árabe diz que quando o poço está pronto, a água chega. Elias estava agora preparado e por isso, grandes tarefas que o esperavam, há muito, encontravam-no agora em condições de as levar a bom fim.

Um pequeno excerto do livro “Grandes Espíritas do Brasil”, de Zeus Wantuil, esclarece-nos muito bem acerca do tamanho do empreendimento e as resistências e dificuldades do caminho:

"Fundar e conservar um órgão de propaganda espírita, na Corte do Brasil, era, naquela época, de forma a entibiar o animo dos espíritas mais resolutos. Todas as baterias do Catolicismo estavam assestadas contra o Espiritismo. Dos púlpitos brasileiros, principalmente dos da Capital, choviam anátemas sobre os espíritas, os novos hereges, que cumpria abater. Datada de 15 de junho de 1882, fora distribuída ao Episcopado brasileiro uma Pastoral do Bispo da Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, na qual o Antigo Testamento era astuciosamente citado para contraditar as comunicações mediúnicas, e tão anticristão e violento era o zelo daquele prelado, que com naturalidade escreveu, referindo-se aos espíritas: “Devemos odiar por dever de consciência”. Antes desta Pastoral, surgira, em 15 de julho de 1881, uma outra do mesmo autor, menos forte, mas que não deixava de qualificar os espiritistas de possessos, dementes e alucinados. A ela respondeu a “Revista da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e

Caridade”, em vários números, principiando em Agosto de 1881."

A todas estas dificuldades, no entanto, Elias da Silva contraporia a sua indomável vontade e a sua indestrutível resiliência. Muitos se desencorajam facilmente, mas homens desta cepa porfiam até ao fim.

Em grande parte, porque trazia agora na alma, a certeza do caminho a fazer e isso faz toda a diferença.

Amparado e incentivado dentro do lar por duas almas boas e valorosas, sua sogra D. Maria Balbina da Conceição Batista e sua esposa D. Matilde Elias da Silva, de quem teve um filho também chamado Augusto, ambas espíritas convictas, Elias lançou o Reformador em 21 de Janeiro de 1883, com os recursos tirados do seu próprio bolso, situando a redação e oficinas em seu atelier fotográfico, a então rua da Carioca (ex-São Francisco de Assis) n.º 120, 2.º andar (Rio de Janeiro), onde também residia com sua família.

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O desafio maior de todos os meios de comunicação, mas especialmente aqueles que estão ao serviço de ideais superiores – como é o caso – é a sobrevivência.

E o Reformador teve um início difícil. A sua tiragem irrisória, poucos assinantes e a falta de publicidade a ocupar as páginas do jornal e ainda o fato de a grande maioria dos jornais serem entregues gratuitamente, seriam à partida razões mais que suficientes para que o navio naufragasse.

Contudo, o Alto fez por proteger esta nave contra todas as tempestades.

O certo é que não podia faltar aos espiritistas brasileiros um órgão de disseminação das novas ideias e, ao mesmo tempo, de comunhão entre eles mesmos.

E essa ajuda surgiu na forma de outros abnegados trabalhadores, como o Major Francisco Ewerton Quadros entre outros trabalhadores incansáveis que se associaram a Elias da Silva na longa e árdua tarefa de levar este empresa a bom porto.

O "Reformador”, então com limitadíssima tiragem, o que não é de se admirar conforme o que dissemos anteriormente, era impresso em formato de jornal, com quatro páginas de texto, feição que conservou até Dezembro de 1902. Saía à luz de quinze em quinze dias, notando-se que uma boa quantidade de exemplares era remetida para Lisboa, sendo um extraordinário exemplo de associação entre irmãos deste e do outro lado do Oceano.

Desde o início o novel jornal pugnou pela defesa de valores universais de defesa dos direitos de todos os seres, sendo abertamente abolicionista, numa época em que essa era uma muito perigosa ideia.

Dizendo bem alto que ninguém se poderia considerar espírita se julgasse possuir qualquer criatura humana sob o regime de escravidão.

Caráter rígido e sempre disposto a defender os oprimidos, inúmeras vezes Elias da Silva pôs-se à frente de movimentos altruísticos, qual o fez em junho de 1883, protestando junto ao Governo Imperial contra um ato de fanatismo praticado, não contra espíritas, mas contra um pastor protestante, perseguido pela Polícia da Paraíba, de mãos dadas com um padre católico.

Em 31 de março de 1883, Elias fazia imprimir, em papel couché, um número especial do “Reformador”, dedicado todo ele a Allan Kardec, que, na expressão do corajoso fotógrafo português, “simboliza o alicerce do edifício moral e social que será erguido pela confraternização humana”.

Até 1.º de fevereiro de 1888, “Reformador” teve a sua secretaria e tesouraria na Rua da Carioca, 120, 2.º andar, no local de residência e trabalho de Elias. Havendo, por essa época, necessidade de mais espaço para o desenvolvimento daquela publicação, a Diretoria resolveu instalar a secção do “Reformador” no prédio n.º 17 (depois n.º 25) da então rua do Clube Ginástico, hoje Silva Jardim, para onde também se transferiu a Federação Espírita Brasileira, que se achava à Rua do Hospício (hoje Buenos Aires), n.º 102.

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É um facto incontestável que a Espiritualidade Superior entrega as maiores obras aos trabalhadores mais aptos. O que dizer então de Elias da Silva e da sua obra?

A Federação Espírita Brasileira.

"O movimento espiritista nacional atravessava um

período que não mais podia comportar esperas e indecisões. Em todos os ambientes agitava-se um ideal que se tornava imprescindível cristalizar: a união dos grupos espíritas existentes, através de uma Sociedade que seria a diretoria e orientadora do movimento geral. Só assim se teria maior probabilidade de, com segurança, fazer avançar a Doutrina entre os cipoais que tentavam impedir-lhe a marcha.”

A “Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade”, o Centro da União Espírita do Brasil” e o “Grupo Espírita Fraternidade” eram os únicos que podiam desempenhar aquelas funções, mas, por apresentarem falhas em seus programas e pela discórdia então reinante entre eles, muito pouco conseguiam a prol da almejada união.

À vista disso, e certamente inspirado pelos mensageiros de Ismael, Elias pensou fundar uma Instituição que congregasse os elementos dispersos para a obra relevante da unificação.

Em vinte e sete de dezembro de 1883, à noite, aquele infatigável lidador reuniu em sua residência, como sempre o fazia semanalmente, à Rua São Francisco de Assis (hoje, Rua da Carioca) n.º 120, os companheiros que mais de perto o auxiliavam no “Reformador”. Eram doze individualidades ao todo, um quarto das quais pertencia ao sexo feminino, “como a indicar” – conforme escreveu o saudoso Dr. Guillon Ribeiro – “quão importante viria a ser a parte que caberia à mulher na obra, que então se encetava, de evangelização”.

Nessa memorável noite de 27, em sessão preparatória, firmava-se entre os presentes o ideal de fundar-se uma Sociedade nova, que federasse todos os Grupos através de “um programa equilibrado ou misto” e que difundisse por todos os meios o Espiritismo, principalmente pela imprensa e pelo livro.

O “Reformador” de 1.º de janeiro de 1884, impresso, como é natural, antes dessa data, anunciava o fato auspicioso, com as palavras:

“Acha-se em via de organização a Federação Espírita Brasileira.

Fitando o largo horizonte da propaganda escrita, acreditamos que prestará serviços da máxima importância para a vulgarização dos princípios filosóficos do Espiritismo.”

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Nessa sessão, de 27 de dezembro de 1883, fora aclamada uma Diretoria provisória, para gestão até a quarta-feira (2 de Janeiro), Diretoria composta apenas de três membros: presidente, secretário e tesoureiro, ficando estabelecido que no dia acima aprazado seria feita à eleição da Diretoria na forma do regulamento, então aprovado.

No dia 2 de Janeiro de 1884, à noite, Elias reuniu os membros instaladores e procedeu à eleição e posse da primeira diretoria, que ficou assim constituída: presidente, Major F. R. Ewerton Quadros; vice-presidente, M. Fernandes Figueira; secretario, João F. da Silveira Pinto; tesoureiro, A. Elias da Silva; arquivista, F. A. Xavier Pinheiro. A este ato compareceram ainda, afora os nomes citados na ata, segundo informações de Fernandes Figueira, outros espíritas convictos e trabalhadores, como Manuel de Sousa Santos Moreira, Manuel José de Oliveira Quintana, Noya Junior, Manuel da Silva Tavares, Carlos Joaquim de Lima e Cirne, José Agostinho Guimarães e, por delegação, o Comendador Paulino Pires Falcão.

Manuel Fernandes Figueira – informa-nos o ilustrado Dr. Canuto Abreu – tira do bolso um papel e lê interessante acróstico de FEDERAÇAO ESPIRITA BRASILEIRA, escrito em 31 de Dezembro de 1883, em cujos dois últimos versos se assinalou a verdadeira finalidade da agremiação: "Reunindo em um forte, indissolúvel laço / A crente comunhão espírita brasileira."

Grandes Espíritas do Brasil, Zeus Wantuil.

Pouco mais tarde, Elias inaugurava modesta e pequenina biblioteca espírita, primeiro passo para a instrução

daqueles que se iniciavam na Doutrina dos Espíritos e que não possuíam meios para adquirir livros. Esta biblioteca foi crescendo lentamente, sendo justo notar que as ofertas feitas posteriormente pelo Dr. Pinheiro Guedes lhe deram um impulso bem marcante e a transformaram, com a constante ajuda de muitos confrades, na maior biblioteca espírita do País.

No princípio, as reuniões ordinárias da Diretoria, às quais compareciam também alguns sócios fundadores mais chegados à Sociedade, realizavam-se na residência de Elias, e só a partir de 17 de Dezembro de 1886 passaram a ser efetuadas na casa de Santos Moreira, numa sala gentilmente por ele cedida, já que Elias estava prestes a ausentar-se da Corte. Ainda por esse motivo é que Elias, reeleito para o cargo de tesoureiro em 2-1-1885 e 5-1-1886, pedia aos amigos, em fins de 1886, não o incluíssem na chapa para a eleição da nova Diretoria de 1887. Foi então substituído nas funções da Tesouraria pelo seu velho companheiro F. A. Xavier Pinheiro, mas o “Reformador” continuou ainda à Rua da Carioca, 120. O nome de Elias, que muito raramente deixava de figurar nas Atas das sessões, não mais apareceu depois de 31 de Dezembro de 1886. Na reunião de 14 de Janeiro de 1887, sob a Presidência do Dr. Dias da Cruz, é, por proposta de um dos membros da Diretoria, exarada na ata um voto de agradecimento e louvor ao ex-tesoureiro Elias da Silva, pela boa ordem, regularidade e atividade que empregou durante sua gestão; além disso, ficou assentado que se lhe oficiasse, dizendo-lhe do agradecimento da Federação pela boa vontade que sempre demonstrara no correr do triénio de sua administração na Tesouraria. A esse ofício Elias humildemente respondeu, reconhecendo-se “grato à Federação pelo testemunho que ela imerecidamente lhe dispensava”.

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Retornando ao Rio de Janeiro, Elias volta a ocupar o cargo de tesoureiro, nas eleições de 2-3-1888. Foi este o último ano em que exerceu funções diretas na Diretoria, por sua própria deliberação. Mas isto não impediu que ele continuasse a frequentar as sessões da FEB, ombro a ombro com os antigos companheiros de lides doutrinárias, com eles estudando um sem número de questões e problemas relacionados a pontos de doutrina e à orientação geral do Espiritismo em nossa terra, além do que propagava da tribuna os princípios espiríticos. Pode-se dizer que, quase até ao fim da vida terrena de Elias, a Federação Espírita Brasileira foi para ele o seu segundo lar, lar a que dedicou todo o seu amor e trabalho.

Em Junho de 1884, Elias alugou para a FEB uma sala na Rua da Alfândega n.º 153, onde foram pronunciadas eloquentes conferências públicas. Por diversas vezes Elias foi ali (e posteriormente em outros locais que a FEB ocupou) o orador oficial de sessões comemorativas e de homenagens a confrades desencarnados. Comumente era incumbido de representar, ora o “Reformador”, ora a Federação, em solenidades espíritas levadas a efeito em Sociedades várias, e estas não poucas vezes lhe deram a representação junto à FEB, para discursar em nome delas.

Não foi Elias, como alguns confrades supõem hoje, um homem inculto e incapaz de produções admiráveis, escritas ou faladas. Ao contrário, à fluência e correção da linguagem se casavam num estilo pleno de beleza e vigor literários e profundo conhecimento da Doutrina dos Espíritos e de diferentes ramos do saber humano. Quem quiser dar-se ao trabalho (que traz satisfação) de averiguar o que afirmamos, basta folhear as

coleções antigas do “Reformador”, onde encontrará alguns dos belos e instrutivos discursos por ele pronunciados.

Por ser Elias humilde e modesto ao extremo, por isso mesmo se retraía a ponto de não deixar se lhe conhecessem devidamente as qualidades, entre as quais a de excelente orador. Pequeno trecho de um discurso que ele proferiu na FEB, a 5 de Junho de 1885, em homenagem a Vítor Hugo, recém-desencarnado, mostra esta humildade a que nos referimos e que ofereceu interpretação falsa sobre seus verdadeiros dotes intelectuais: “É lutando com quase invencível embaraço que ouso vir desempenhar as funções de orador oficial, nesta sessão em que a Federação Espírita Brasileira busca render uma homenagem de alto apreço ao Espírito eminente que, em sua última encarnação, foi na Terra conhecido com o nome de Vítor Hugo.

“É praxe entre nós encarregar-se o orador oficial do panegírico, da biografia daquele a quem a sessão é consagrada, tarefa esta que me creio incapaz de bem cumprir, porque tenho consciência da minha fraqueza para apresentar-vos um trabalho que corresponda à grandeza do assunto, porque me faltam o cultivo intelectual e os dotes oratórios precisos para poder acompanhar em seu vôo arrojado pelas mais vastas regiões da mentalidade humana (e desenhar-vos com as cores próprias as grandes fases desta vida) as produções esplêndidas deste gênio maravilhoso, que o mundo contempla extasiado, sem ter ainda podido bem compreendê-lo.”

São memoráveis as conferências públicas promovidas pela Federação Espírita Brasileira, iniciadas em 17 de Agosto de 1885 numa sala da Rua da Alfândega, 153 e depois continuadas no amplo salão da Guarda Velha. Os homens mais ilustrados e representativos do movimento espírita da

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Corte, enfrentando com desassombro o ridículo com que então era guerreado o Espiritismo, subiram à tribuna a fim de espalhar publicamente a consoladora doutrina. Abriu o ciclo de conferências o Major Ewerton Quadros, e Elias da Silva foi o sexto conferencista, após o Dr. Antônio Pinheiro Guedes, o Dr. Francisco Siqueira Dias, Manuel Fernandes Figueira e Manuel Rodrigues Fortes. Ante um auditório que enchia literalmente a sala, em 2 de Novembro de 1885, Elias fez um rápido e completo resumo dos ensinos espíritas, demonstrando com argumentos sólidos, em linguagem simples e enérgica, a inconsequência, frivolidade e injustiça dos antagonistas do Espiritismo, os quais se mostram renitentes em repelir, apesar das provas mais evidentes e racionais, a luz que lhes é oferecida. Finda esta conferência, o orador foi vivamente aplaudido pelos ouvintes, conforme registou o “Reformador”.

Elias da Silva colaborou ativamente na organização dos primitivos Estatutos da FEB, trazendo sua palavra serena e refletida, por várias vezes, importantes subsídios nas discussões com Dias da Cruz, Lima e Cirne, Santos Moreira e alguns outros companheiros.

Na sessão que elegeu a Diretoria da FEB para 1891, foi apresentada por Manuel Tavares e Elias da Silva uma proposta que considerasse Presidente Honorário da Federação o Coronel Dr. Francisco Raimundo Ewerton Quadros. Justificando a proposta, Elias recordou os esforços e cuidados com que, durante os primeiros cinco anos de “Reformador”, se multiplicou o Coronel. Quadros no mister simultâneo de redator e revisor, dizendo, ainda, dos serviços prestados à Federação, quando o homenageado fora seu presidente. A proposta foi unanimemente aclamada. Elias,

que podia conservar para si todas as glórias daquele período inicial, repartia-as, nobre e humildemente, com seu antigo companheiro de lides espíritas na Casa de Ismael.

A união dos espíritas brasileiros em torno da Federação foi sempre o ideal de Elias, e ao surgir, em fins de 1890, o novo Código Penal, que trouxe inquietação em todas as Sociedades espiritistas, ele mais uma vez aproveitou o momento para dar corpo àquilo a que aspirava. Na sessão comemorativa do sétimo aniversário da FEB, realizada no 2.º andar do prédio n.º 83 da Rua Imperatriz (atual Camerino), Elias da Silva foi o orador oficial. “Depois de historiador o septénio de triunfos e vicissitudes da Sociedade que fundara, mostrou a gravidade da hora, e concitou a família espírita a cerrar fileira em torno da entidade incontestavelmente mais prestigiosa, que era a Federação.” Por último, apelou para os espíritas declararem abertamente a sua crença, nas listas do Recenseamento de 31 de Dezembro de 1890, o que, entretanto, de nada valeu, visto que os espíritas só viriam a ser incluídos no Censo de 1940 e nos que se lhe seguiram.

O convite conciliador feito por Elias ecoou favoravelmente em todos os ambientes espiritistas da Capital, em pouco tempo à Casa de Ismael aderiram inúmeras Sociedades, inclusive a velha Sociedade Espírita Fraternidade, cujo ofício de adesão, assinado pelo Vice-presidente João Kahl, dizia, entre outras coisas:

“Aceitando amplamente a grandiosa ideia da federação de todos os grupos espíritas do Rio de Janeiro, a Sociedade Espírita Fraternidade, a mais antiga de todas as existentes, aproveita a oportunidade que se lhe depara, e vem agremiar-se à Federação

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Espírita Brasileira que hoje, pela imposição dos fatos, é e representa o verdadeiro Centro Espírita do Brasil.

“Já é tempo, com efeito, de abandonarmos as quimeras e os desvios por onde falsos profetas, encarnados e desencarnados, nos têm dirigido; e convictos, como devemos estar, de que só a união faz a força e que só pela fraternidade podemos obter mais e melhor, unamo-nos de uma vez para que a luz de um supra o outro, para que ao menos possamos sair do abc!”

Infelizmente foi esta uma vitória que não durou muito. As incompreensões e o espírito de vaidade que dominaram de novo entre alguns adeptos e bem assim as revoluções políticas por que atravessava o País, tudo concorreu para o desmembramento e a desordem. Os anos de 1892 e 1893 foram para a Federação de aspérrimas dores e quase a elas sucumbia. Mas, como frisou Leopoldo Cirne, “a Federação tinha que vir, porque destinos de cada vez mais dilatada magnitude lhe estavam reservados”.

Após o mês de Março de 1894, voltando a reinar a calma no movimento político nacional, menos difícil foi a coordenação do movimento espiritista, então todo disperso. Elias, juntamente com Fernandes Figueira e Alfredo Pereira procuraram reanimar as forças da FEB, que lutava com graves problemas financeiros, até mesmo para editar o “Reformador”, e reunir e congregar de novo a família espírita. Uma comissão nomeada pela FEB, e constituída por Elias, Fernandes Figueira e um novo companheiro, Francisco Casemiro Alberto da Costa, angariaria permanentemente “meios materiais para sustentação e ampliação da propaganda espírita”.

Apesar de ser estatuído um programa de harmonia, condescendente em suas linhas gerais, tudo em vão. A crise atingiu o auge em 1895. Além das divergências profundas entre líderes espiritistas, diminuíram sensivelmente os recursos financeiros da Federação, a cuja Presidência Júlio César Leal renunciou no meio do ano.

“Foi então que as vistas dos que amavam aquela Casa, e por ela haviam empenhado os maiores sacrifícios, se voltaram para uma individualidade que, reunindo as mais peregrinas virtudes e saber a um legítimo prestígio no seio dos espíritas, pareceria – e com efeito foi – a única em condições de salvar a Federação.”

Elias da Silva, Fernandes Figueira, Alfredo Pereira (gerente do “Reformador”) e Dias da Cruz foram então convidar o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, que anteriormente havia participado da Diretoria da FEB, para a Presidência da mesma. E conta o Dr. Canuto Abreu que aqueles quatro homens nobremente desistiram de qualquer cargo administrativo, para que Bezerra ficasse inteiramente à vontade. Tanto instaram com ele, que afinal prometeu dar uma resposta categórica após ouvir seu guia espiritual. E a resposta veio a contento de todos. Bezerra de Menezes, na assembleia geral extraordinária de 3 de Agosto de 1895, foi eleito presidente da Casa de Ismael e neste cargo empossado por Elias da Silva. Prontamente estabeleceu Bezerra nova orientação, baseada no Evangelho, aos trabalhos da Sociedade. Como por encanto, voltou a paz ao seio do movimento espiritista nacional, e, restabelecido o equilíbrio nas finanças da Federação Espírita Brasileira, o caminho tornou-se mais limpo de obstáculos.

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No entanto, se essa Casa é o que é hoje, cumpre, por dever de consciência, citar em primeiro lugar, entre os seus abnegados servidores, o nome venerável de Augusto Elias da Silva, que foi, no dizer de outro não menos venerável fundador da Federação – Manuel Fernandes Figueira, “quem teve a ideia, levou-a a efeito e por muito tempo foi a alma dessa instituição”.

Livraria da FEB

Segundo o “Esboço Histórico”, a Livraria da FEB teve como ponto de partida uma doação em dinheiro feita por Elias, acompanhada de uma coleção de muitos exemplares das obras fundamentais codificadas por Allan Kardec, e que constituíram o objeto do primeiro comércio da Livraria, cuja fundação se deu em 31 de Março de 1897. Em 15-11-1898, Elias se une a alguns abnegados companheiros da Federação e juntos contribuem com uma considerável quantia para o desenvolvimento da Livraria. Nesse tempo, tinham em vista obter com os rendimentos excedentes da Livraria uma verba especial para a compra de um prédio, no qual a FEB se instalasse condignamente, todavia, só em 1911 este sonho pode tornar-se realidade.

É preciso, entretanto, esclarecer que desde 1893 se vendiam livros espíritas na sede da Federação, mas só em 1897 ficou organizada a Livraria propriamente dita.

Dados Relevantes da Vida de Elias da Silva

- A Ewerton Quadros e Elias da Silva, o Centro Psicológico Português “Amor e União Universal”, de Lisboa, concedeu diplomas de sócios honorários, em Abril de 1886.

- Em 1886, Dias da Cruz e o nosso biografado manifestaram-se, em sessão de diretoria da FEB, contrários à presença de “curiosos” em sessões práticas e de doutrinação de Espíritos, julgando o estudo como o melhor meio de convencer.

- Aliás, num discurso pronunciado em 11 de Dezembro de 1884, no 5.º aniversário de desencarnação de António Carlos de Mendonça Furtado de Menezes, “bom filho, bom amigo, bom espírita”, que fizera parte da primeira Diretoria da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, Elias já dizia incisivamente: “O Espiritismo não quer crentes, mas sim convencidos pelo raciocínio, a só base de uma convicção inabalável.”

- O Grupo Espírita “Sete de Março”, fundado por Elias da Silva em sua residência, à Rua da Carioca, 120, no ano de 1887, foi reaberto em 27 de Abril de 1889 sob a Presidência do fundador. Elias, ante a presença de vários sócios, entre os quais se destacavam Alfredo Pereira, Santos Moreira, Almeida Campos, Nélson de Faria, Almeida Reis, Pinheiro Guedes e Fernandes Figueira, historiou a vida do Grupo desde a sua fundação à última sessão, em 23 de Agosto de 1887, e demonstrou a marcha vitoriosa do Espiritismo no Brasil até àquele momento.

- A Sociedade realizava sessões de estudos doutrinários e de desenvolvimento mediúnico, e obtinham-se mensagens

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do Além, que eram comentadas pelos presentes. Elias, mesmo, era um dos médiuns psicógrafos do Grupo “Sete de Março”, criado em homenagem ao Dr. Alexandre José de Melo Morais, “médico da pobreza”, grande historiador brasileiro, espírita desde 1877, e que desencarnara em 1882.

A referida instituição durou, pelo menos, até princípios de 1890.

- Em 22 de Dezembro de 1889, a Federação Espírita Brasileira resolveu unanimemente enviar ao Governo Provisório Brasileiro uma mensagem de congratulações pelo advento da República.

A referida mensagem, datada de 23, foi assinada por uma Comissão especial, na qual figurava, entre os nomes dos Drs. Dias da Cruz, Pinheiro Guedes e outros, concretamente o de Elias da Silva.

- O “Liceu de Arte e Ofícios”, inaugurado em 1858 pelo arquiteto Francisco Joaquim Bethencourt da Silva, que também fundara, em 1856, a “Sociedade Propagadora das Belas Artes”, foi famoso centro de cultura, semeando saber e luz com várias gerações de estudantes. Uma frase de D. Pedro II, ali gravada numa placa de bronze, diz do seu valor, que ainda hoje é patente aos olhos de todos: “O Liceu não é só educador, é, também, moralizador.”

- Reconhecendo a grande contribuição do Liceu para o progresso da mente humana, Elias da Silva para ele entra, em 1892, como sócio remido, tendo sido proposto pelo

Sr. A. J. F. da Costa Guimarães, na época um dos mais famosos fotógrafos do Rio.

- A diretoria da Sociedade Propagadora das Belas Artes, mantenedora do Liceu, ao ser cientificada, em 1903, do falecimento de Elias da Silva, que na ocasião era membro do seu Conselho Fiscal, mandou cerrar as portas do edifício e hastear, em funeral, o pavilhão, resolvendo, outrossim, tomar parte em todas as manifestações fúnebres que se realizassem.

- Segundo o “Reformador” de 1-1-1893, Elias foi eleito presidente, nesse ano, do Centro da União Espírita do Brasil, sociedade de prestígio na época e que fora instalada na FEB, em 21 de Abril de 1889, pelo Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, seu primeiro presidente. Tal Centro desempenhava as funções que outrora estiveram a cargo de outro Centro de igual nome, criado na Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e caridade, em 3 de Outubro de 1881.

- Foi sob a Presidência de Elias da Silva que o Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil, reunido em Congresso Espírita Permanente, comemorou, aos 28 de Agosto de 1897, a passagem do 16.° aniversário da perseguição do Espiritismo no Brasil. No dia seguinte, ainda sob a Presidência de Elias da Silva, e tendo como orador oficial o Dr. Júlio César Leal, prestou-se homenagem à Diretoria da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade que obstou os passos dessa primeira tentativa de perseguição.

- Em fins de 1897, cerca de meia dúzia de diretores dentre os quais Elias da Silva, renunciaram a seus postos no Centro da União Espírita de Propaganda no Brasil, reconhecendo

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publicamente que ele fracassara em seus objetivos, o de unir a família espírita brasileira. O referido Centro, reorganizado pelo Prof. Angeli Torteroli em 1894, funcionava à Rua Silva Jardim n.º 9 e editou a “Revista Espírita do Brasil”, de pequena duração.

- Bezerra de Menezes, igualmente um dos diretores desse Centro, foi o primeiro a levantar a voz de alerta contra os propósitos de alguns dos diretores, e o primeiro a desligar-se mas só mais tarde os fatos vieram confirmar suas asserções, daí resultando o afastamento de vários outros.

Um fato interessante Transcreveremos, a seguir, um fato espírita narrado

por Elias e publicado em “Reformador” de 1.º de Março de 1890:

“No ano de 1883 veio ao Rio de Janeiro meu irmão António Elias Rodrigues dos Santos e Silva, o qual esteve nos Estados do Pará e Amazonas durante 26 anos, tendo sido naquele empregado do conhecido comerciante Manuel Pinheiro.

Este negociante, ficando perturbado com o falecimento de um filho que muito estimava e com a perda total de um vapor e carga de que era proprietário, suicidou-se.

Estando no Rio esse meu irmão, foi naturalíssimo que eu procurasse convence-lo das verdades do Espiritismo, ciência essa em que nesse tempo me iniciava.

Um pouco convencido já pela leitura doas obras de Allan Kardec, ele procurou confirmação das teorias nos trabalhos experimentais, que frequentou com assiduidade.

Tendo assistido no Grupo Antônio de Pádua à manifestação do Espírito de um suicida, e reconhecendo quão precária é no mundo espiritual a sorte daqueles que voluntariamente procuram a morte, pediu-me que organizasse uma sessão, pois desejava poder ser útil aquele que tinha sido seu patrão, quando residente na capital do Pará.

Atendendo a tão justo pedido, fiz algumas evocações daquele Espírito; porém não ficou meu irmão satisfeito, pois desejava obter uma comunicação por um médium mecânico, a fim de, confrontando a letra, tirar uma prova de identidade para si e ao mesmo tempo para a família do evocado.

Prometi, logo que se oferecesse ocasião, fazer o trabalho como meu irmão desejava.

Alguns dias depois, visitou-me Luís Molica e sua esposa D. Elvira Molica, atualmente residentes na cidade de Valença. Sendo ambos médiuns de efeitos físicos e a senhora também sonambúlica, lembrei-me de obter por eles a comunicação almejada.

Aceito o convite, fizemos a evocação do mencionado Manuel Pinheiro, servindo-se a médium D. Elvira de uma prancheta, sobre a qual colocou levemente os dedos. De vez em quando suspendia a mãos à altura de alguns centímetros e a prancheta pareceria parada, tão lento era o seu movimento, acusado por um leve ranger de lápis sobre o papel, o qual se sentia, mesmo quando os dedos estavam fora da prancheta.

Julguei durante o trabalho não obter mais do que alguns sinais sem significação, porém, suspendida a prancheta, verifiquei estar desenhada uma pequena cabeça em perfil, dizendo

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minha mulher, que é médium vidente, ser o retrato do Espírito que vira.

Não estando presente meu irmão, único que conhecia o mesmo, guardei o desenho em minha casa, num armário de livros, a fim de ser visto por meu irmão, quando lá fosse. No dia seguinte pedi-lhe para tirar um livro do armário; logo ao abri-lo, pegou no desenho, e, cheio de surpresa, exclamou:- como obtiveste isto? É o Manuel Pinheiro sem tirar nem pôr!

Imediatamente guardou o retrato no bolso, com tal precaução, que não me foi possível obter dele que eu o visse outra vez.

Augusto Elias da Silva.” O Adeus

“Ou mais devagar ou mais depressa, dirigimo-nos todos à mesma morada, à morte.” Com estas palavras o genial poeta latino, Ovídio, lembrava aos homens o fatal instante em que a alma terá de despedir-se do corpo, rumo à verdadeira Pátria universal.

Entreguemos a descrição do momento de regresso de Elias da Silva ao Mundo Espiritual a Zeus Wantuil, mais uma vez na sua grande obra, Grandes Espíritas do Brasil:

« Findava o ano de 1903...

Elias residia ainda naquela mesma casa em que fora fundada a Federação. Minado o seu organismo pela

tuberculose pulmonar, aguardava ele sobre uma cama a hora em que passaria desta vida.

Não temos dúvida de que seu leito permanecia rodeado carinhosamente dos luminosos Espíritos que foram na Terra sua sogra e sua esposa, e bem assim de companheiros desencarnados que com ele haviam mourejado no Espiritismo. De mais alto, desciam sobre aquele missionário chuvas de bençãos reconfortantes, que lhe amenizavam os sofrimentos e lhe proporcionavam serenidade e fortaleza de ânimo.

No dia 18 de Dezembro de 1903 cessaram, afinal, os derradeiros esforços vitais do conceituado fotógrafo. Suavemente, por entre as preces dos amigos invisíveis e visíveis, o Espírito de Elias desatou-se dos débeis vínculos da carne. E enquanto nas regiões etéreas o fiel servo da Verdade era recebido em festa de regozijo, na Terra chorava-se a perda de um grande trabalhador da Seara.

No dia seguinte, às 11 horas, saía da rua da Carioca, 114, o féretro com o prestimoso invólucro mortal de Elias em direção ao Cemitério de S. Francisco Xavier. O “Jornal do Brasil”, de 19, rendia ao ilustre morto homenagem sincera, que em certo trecho dizia assim: “Era um bom homem, como habitualmente se costuma dizer, esse ativo trabalhador, cuja morte, sem dúvida, causou grande pesar a todos quantos lhe conheceram os dotes de coração.”

Pelo “Reformador” de 1.° de Janeiro de 1904, em bela página apologética, a Federação Espírita Brasileira exaltou a memória do seu benemérito fundador, que, na palavra ardorosa do articulista, fora “um dos mais intrépidos

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combatentes da primeira hora”, “um dos mais fortes sustentáculos da Doutrina nesta Capital”. Toda a página é grandiloquente, mas há um trecho que para nós sobressai aos demais, e que transcrevemos a seguir, por bem merecê-lo: “A fé que Elias depositava, no futuro da Causa que em boa hora esposara, rivalizava com o desassombro em sustentar as suas convicções. A elas, durante muitos anos, sacrificou os seus interesses pessoais, as suas comodidades, não tendo senão uma ambição: ver prosperar, com a nossa sociedade, a doutrina que lhe dera origem.”

Uma outra página de justo elogio ao Espírito de Elias da Silva foi escrita por Ewerton Quadros, que saia do seu ostracismo voluntário para vir a público, através do “Reformador” de 15-1-1904, prestar ao seu inolvidável amigo de antanho as homenagens do coração.

Lembrando ter sido Elias o principal elemento da fundação da Federação Espírita Brasileira e do seu órgão publicitário, entre outras coisas escrevia ainda o primeiro presidente dessa Casa: “Sempre pronto a ir em auxílio dos que sofrem neste mundo de provações e expiações, sem anunciar ao som da trombeta os atos de caridade que praticava, o Espírito que acaba de alar-se ao outro mundo sacrificou por mais de uma vez os interesses materiais dos seus, sem jamais esmorecer com os golpes que recebia dos ingratos e inconscientes.

“Sua morte mesmo foi uma consequência de seu desapego dos interesses materiais deste mundo, sacrificando seus haveres e sua saúde ao bem-estar de seus irmãos.”

E assim concluía sua singela homenagem:

“Que Deus lhe conceda a calma, a luz e a força precisas para prosseguir na tarefa ingente que aqui empreendeu, são os votos de seu velho amigo e companheiro de lides.

Ewerton Quadros.” Como encerramento desta biografia, vale a pena

destacar o discurso proferido pelo Dr. Sylvio Brito Soares, a 18 de Dezembro de 1953, na Federação Espírita Portuguesa, homenageando António Augusto Elias da Silva:

"Tu, Augusto Elias da Silva, com desmedidos esforços, com sacrifícios inauditos, e pleno de confiança nas promessas do Cristo, lançaste os alicerces de uma obra inexpugnável no tempo – a Casa de Ismael, para que outros companheiros, tocados, também, pelo mesmo entusiasmo e fieis, como tu foste, aos compromissos assumidos no Espaço, antes do retorno à Terra, continuassem esta tua obra querida!

Ela aí está, é tua! é nossa! cada vez mais forte e mais prestigiada pelos Espíritos das Alturas, e assim continuará pelo tempo em fora, porque tu, ó Elias, jamais deixaste e jamais deixarás de velar por este património, inspirando os que por ele mourejam, ao mesmo tempo que lhes transmitirás, em seus momentos de desfalecimento, o tonus vital e revigorante da tua coragem, da tua fé, da tua abnegação!

Meus amigos: Com os nossos espíritos genuflexos, elevemos os pensamentos ao Pai Celestial, implorando hoje e sempre paz e luz ao Espírito de escol de AUGUSTO ELIAS DA SILVA!”

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Quis a Providência Divina que Jeronymo Ribeiro nascesse a 17 de Março de 1854 em Lamas, uma bonita aldeia no concelho de Penela, distrito de Coimbra.

Acerca dos seus primeiros anos em Portugal pouco se sabe, mas provavelmente era ele proveniente de uma família humilde e sem grandes hipóteses de lhe oferecer uma instrução que ultrapassasse o ensino básico, a limitação dos horizontes e expectativas terá sido uma das razões que o levou para terras de Vera Cruz.

Principalmente a partir do momento em que se casa, no dia 30 de Abril de 1877, com D. Maria Rosa da Conceição Oliveira.

JERONYMO RIBEIRO17 de Março de 1854 - 5 de outubro de 1926

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Ambos terão então partido para o Brasil, em data imprecisa mas que certamente foi anterior a 1888, uma vez que por essa altura já estavam eles a residir em São Paulo e a serem pais de uma linda menina de nome Alice que nasce precisamente a 15 de Setembro desse ano.

O casal teve prosperidade ao ponto de adquirir e manter um armazém de produtos alimentares.

Corria o ano de 1904, quando D. Maria Rosa é acometida por doença insidiosa - provavelmente anemia - que a levou a transferir-se junto com Alice para Coimbra.

Passou cerca de um ano e continuaram elas em Portugal, tendo a 16 de Abril de 1905 Alice casado com um aluno de medicina, de seu nome José Maria Barbosa Tamagnini de Matos Encarnação.

É importante referir que foi o casamento à revelia de seu pai e que por esse motivo, cortou relações com a sua filha e com a sua mulher.

O cisma foi de tal forma intenso, que daí em diante nunca mais se encontrou com nenhuma das duas, apenas comunicando com elas por carta.

A outro nível, em 1900, Jeronymo contactou uma pessoa que viria a ser uma grande amiga e uma grande companheira de divulgação e instrução da alma: Anália Franco.

Anália Franco, desde o primeiro momento, foi aquilo que podemos considerar uma missionária da educação, tendo

fundado em 1901 a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva do Estado de São Paulo, que tinha como objetivo, amparar as crianças desvalidas.

Esta era uma área que desde sempre muito tocou o coração de Jeronymo, que em grande medida viria a inspirar-se no trabalho de Anália e a ela se associou em vários projetos de auxílio ao próximo. Sendo por um lado um auxiliar extraordinário nos trabalhos dessa corajosa mulher e por outro ele o iniciador de várias campanhas e projetos, por ela apoiados e acompanhados.

Jeronymo era também um médium bastante dotado, sendo capaz de ouvir os espíritos e servir de instrumento para a escrita mediúnica, recebendo mensagens e orientações das inteligências do outro lado da vida e que tantos benefícios trouxeram aos dois lados da vida.

Ciente da necessidade de divulgação dos ensinamentos ministrados pelos espíritos, viajou o Português - qual peregrino - não apenas por terras do estado Paulista, mas viajou através do Vale do Paraíba, alcançando o estado do Rio de Janeiro.

As suas viagens tinham como objetivo a divulgação da Doutrina dos Espíritos e a angariação de donativos para as obras assistenciais de que era responsável ou colaborador.

Vendia revistas espíritas e fazia peditórios para as crianças, os idosos, os pobres e os doentes.

Mas a sua atuação foi bem mais longe que os dois estados vizinhos.

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Beneficiando da estrada de ferro2 entretanto construída, a "Leopoldina", chega ele ao Espírito Santo, alcançando a sua capital: Vitória.

Peregrinou também em Minas Gerais, principalmente na região de Juiz de Fora e, mais espetacularmente ainda, vai até Pernambuco por barco (sendo por essa ocasião presenteado com uma obra do artista Oséias, um quadro a óleo de seu nome "O Mendigo").

Como dissemos, todos os recursos das suas viagens tinham sempre como fim a melhoria das condições de vida dos pobres e doentes.

Por isso vale muito a pena, a história real que se segue e que foi recolhida da extraordinária obra de Lamartine Palhano Júnior, Elza Archanjo e Walace Fernando Neves: "Dossiê Jeronymo Ribeiro", editado pela FESPE - Fundação Espírito-Santense de Pesquisa Espírita.

"Certo dia, fez um plano para angariar recursos financeiros para os órfãos e saiu, procurando, inclusive, não gastar os seus próprios sapatos, fazendo percursos descalço com os sapatos na mão. Havia uma série de residências a serem visitadas e ele, corajoso, pois não conhecia o que era timidez, foi batendo de porta em porta. Alguns piedosamente, doavam algum dinheiro, outros, géneros alimentícios.

Em dado momento, deparou-se com uma casa bem delineada, confortável residência, de aparência muito boa. Subiu a escada da frente, alcançou uma pequena varanda da entrada e bateu palmas.

Veio atender o dono da casa que não estava num dos seus melhores dias. Estava zangado e muitas coisas o perturbavam.

- Quem és, ó estranho? O que queres a essa hora? Não percebes que estás incomodando?

- Venho em nome dos órfãos pedir uma esmola para mitigar-lhes a fome. Espero poder contar com alguns trocados de sua bolsa farta.

- Esmola? Tens coragem de aborrecer-me, seu charlatão e explorador da miséria alheia?

- Peço para os órfãos!...

O homem, enfurecido, deu-lhe um tapa no rosto, dizendo:

- Eis aí o que mereces! E entrou, batendo a porta atrás de si.

Jeronymo Ribeiro, calmo, em completo domínio das suas emoções, sabendo estar diante de uma alma perturbada, tornou a bater na porta.

O homem voltou e deparou-se novamente com o corajoso pedinte:

- Ainda estás aí? Já não tiveste o suficiente?

Jeronymo, olhando o infeliz bem nos olhos, respondeu-lhe:

- Eu já recebi o meu, agora dê aquilo que é para os órfãos.

2 Caminho-de-ferro.

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O moço pareceu ter recebido um choque. Parou por um minuto, olhou bem para Jeronymo Ribeiro. Houve, por certo, uma confusão de sentimentos em seu íntimo, mas resolveu:

- Aguarda um pouco.

Foi ao interior da casa e voltou com uma soma de dinheiro, e entregando-a ao peregrino dos órfãos.

Desde aquele dia, passou a ser um dos assíduos colaboradores das obras de Jeronymo Ribeiro."

Não sendo possível para já apurar a data exata da sua chegada a Cachoeiro de Itapemirim, no estado do Espírito Santo, tudo indica que terá sido por volta de 1912.

Antes de empreender a viagem para territórios Capixabas, Jeronymo havia sido avisado pela Espiritualidade de que seria esse o local onde o seu trabalho seria mais importante e deixaria uma obra memorável.

Essa mensagem seria confirmada por clariaudição numa reunião mediúnica orientada por Cairbar Schutel.

As palavras exatas seriam:

"Vai para Cachoeiro de Itapemirim, ali levantarás um farol que iluminará o mundo!"

Desde logo contactou os espíritas de Cachoeiro, avisando-os da sua chegada.

Ao chegar em Cachoeiro foi recebido pelos espíritas que por ali residiam, principalmente por Pedro da Rocha Costa, venerável companheiro espírita e pioneiro nessas terras. Foi apresentado então ao grupo de espíritas que havia formado o Centro Espírita “Fé, Esperança e Caridade” que, inclusive, não possuía sede, pois as reuniões eram realizadas na residência do Presidente, Antônio da Silva Marins.

Logo o engajamento foi total e o seu valor comprovado pelos companheiros que logo lhe entregaram cargos de direção.

Assim, no dia 13 de Abril de 1913, Jeronymo foi eleito Presidente do Centro Espírita "Fé, Esperança e Caridade", tendo como companheiros de direção Valentim Soares Vice-presidente, Francisco de Oliveira ficou como 1.º Secretário, Maciel Nunes Machado o 2.º secretário e Ricardo Gonçalves como Tesoureiro.

Fortemente influenciado pelo trabalho de Anália Franco, Jeronymo decide (com o aval da restante diretoria)

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mudar o nome do centro para Associação Espírita Beneficente e Instrutiva.

Mas muito mais mudanças haveriam de vir, já que Jeronymo com o seu dinamismo, coragem e perseverança, o homem de Lamas, desenvolveu campanhas para a construção da associação, o que conseguiu em tempo recorde, a 14 de Julho do mesmo ano, portanto em apenas 3 meses, a sede estava pronta.

Os trabalhos intensificaram-se e a Associação, além das tarefas espíritas, doutrinárias e mediúnicas, mantinha gratuitamente uma escola primária e, nos fundos do prédio, um albergue noturno para aqueles que chegavam à cidade e não tinham onde ficar. Num esforço maior, em 1916, criou a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo, mais tarde Liga Espírito-Santense, com o objetivo de combater de frente o analfabetismo.

A Associação chegou a receber verbas municipais mensais, visto que ali muitas crianças e adultos eram instruídos gratuitamente.

Um dos maiores projetos de Jeronymo, foi sem dúvida a Revista Alpha, o órgão de informação da Associação Espírita Beneficente e Instrutiva, que nasceu para levar a mensagem espírita a um número mais vasto de pessoas.

O seu dia de nascimento foi, 3 de Maio de 1916, mas esta seria apenas a primeira fase da revista que durou até 15 de Maio de 1918. Nesta fase a revista era um pequeno jornal.

Contudo uma segunda e mais importante fase deste periódico surgiria a 31 de Março de 1923, por esta altura já como revista.

Jeronymo era o Diretor, sendo o redator, Luiz de Oliveira. Algo muito importante e merecedor de destaque é o facto de a revista ser completamente executada e impressa nas oficinas da Escola Profissional do Asilo de Deus, Cristo e Caridade.

A Revista Alpha teve grande aceitação junto do público e até de anunciantes e veio a ter uma tiragem bastante elevada, distribuída por vários pontos do País e até ao seu encerramento em 1972, teve entre os seus colaboradores, homens da grandeza de Cairbar Schutel, Francisco Cândido Xavier, Pedro Camargo "Vinícius", Leopoldo Machado, Humberto de Campos, Manoel Quintão, António Correia de Oliveira, Vianna de Carvalho, Amaral Ornellas, entre tantos outros...

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Além dessa importância enquanto órgão de comunicação espírita, fica também na história por ter sido a primeira publicação espírita do Estado Capixaba.

Em 1918 fundou o Asilo Deus, Cristo e Caridade para abrigar órfãos, velhos e doentes mentais. Para tal, comprou o Sítio Santo Fé, num lugar chamado Amarelo, situado a 4 km do centro da Cidade. Havia ali uma casa de fazendeiros, simples, de dois quartos, onde, de início abrigou 12 indigentes, entre crianças, velho e alienados.

Como já referido, Jeronymo, viajou muito para arrecadar recursos para as suas obras. Ao longo das mesmas, trabalhava ele em cantaria, carpintaria e outros afazeres que pudessem render em favor das obras assistenciais. O seu trabalho foi reconhecido, tanto pelas autoridades municipais quanto pelas estaduais. O Governador Nestor Gomes solicitou que recebesse doentes mentais que estavam sob responsabilidade do Estado, pois não havia instituição no Espírito Santo que pudesse realizar esse serviço. Jeronymo passou, então, a receber verbas específicas a fim de manter esses pacientes, que muitas vezes eram mais de 80, tanto do sexo feminino quanto do masculino.

Além das terras que conseguia adquirir para ampliação das obras já existentes, ele adquiriu terrenos em outras regiões e adquiriu um em particular, no distrito de Vargem Alta, onde construiu um sanatório para crianças doentes.

Como, anualmente, faleciam em torno de 20% dos pacientes velhos e doentes, Jeronymo solicitou, em 1922,

permissão à Prefeitura para construir um cemitério, o que seria feito sem ónus para o Município. Isto foi-lhe concedido.

Quando da inauguração, o Prefeito, Dr. Augusto Lins, não só deu a permissão para o funcionamento, como também o nomeou cuidador do espaço, o que apesar de caricato para um homem que prezava mais o culto à vida do que o culto à morte, foi mais uma fonte de receitas para a Instituição e a confirmação da confiança e respeito que Jeronymo merecia de todos.

Aos poucos, todas as instituições criadas por ele foram vencendo os preconceitos e firmando-se na sociedade pelo exemplo do trabalho de abnegação junto aos desvalidos, a ponto de serem reconhecidas como de utilidade pública, recebendo verbas governamentais. Pessoalmente, enfrentou, junto com companheiros de primeira hora, perseguições dos preconceituosos, invejosos e fanáticos de todos os tipos, num tempo em que a Igreja Católica ainda tinha muito poder. Sofria perseguição da classe médica porque curava os enfermos do corpo e da mente com os recursos espíritas. O índice de cura no Asilo era bastante alto (40% ao ano). Além de tratamento alopático, os doentes recebiam recursos homeopáticos, passes e água fluidificada.

Mais uma história reveladora do nível moral deste homem, e da forma como o seu caráter impoluto tocava as pessoas à sua volta, recuperamos agora do livro "Dossiê Jeronymo Ribeiro":

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Um Certo Camião Ford

" Jeronymo Ribeiro era contrário à utilização de animais para o trabalho e a alimentação. Assim ele nunca se utilizava deles para o próprio sustento nem para seu transporte pessoal. Muitas testemunhas afirmaram que ele andava, andava muito.

O Sr. Jorge Manoel Gaio, comerciante do Rio de Janeiro, sabendo disso e também da dificuldade existente no Asilo para o transporte de lenha, madeira, material de construção, etc. doou a Seu Jeronymo uma certa quantia em dinheiro, o suficiente para a compra de um camião. Isto ocorreu por ocasião da serraria, com necessidade de deslocamento e translado de toras.

Essa informação foi prestada à FESPE pelo filho do Sr. Jorge Gaio, o Sr. Manoel Jorge Gaio."

Em vida, juntamente com Pedro da Rocha Costa (Vovô Pedrinho), foi reconhecido como o Apóstolo do Bem, por sua dedicação às crianças órfãs, aos considerados loucos e obsidiados. A caridade marcou seus passos, e quanto a sua disposição para com ela, declarou:

“(…) Eu, nada quero da terra, a não ser o amor do meu próximo, o carinhoso conforto aos que sofrem!!! Os que sofrem com paciência e resignação, são meus companheiros, são o meu próximo. Eu vivo exclusivamente para estes! Custe o que custar, seguirei a Jesus, sejam quais forem as barreiras…”.

A sua honestidade foi testemunhada pelo comerciante Gil Moreira, em cuja casa comercial Jeronymo mantinha uma conta de crédito. Gil Moreira & CIA, situada na Praça

Jeronymo Monteiro, fornecia material elétrico, louças, vidros, armarinhos, tintas, ferramentas, material de costura, calçados, artigos dentários, móveis, etc. Seu Jeronymo, no dia certo, enviava sempre alguém com o valor da prestação de “mil réis”.

Jeronymo Ribeiro desencarnou a 5 de outubro de 1926, em Cachoeiro de Itapemirim, aos 72 anos de idade. Possuía uma cardiopatia e ao aproximar-se do dia em que deveria partir deste mundo, adoeceu visivelmente, vindo a falecer 5 dias depois com um sorriso no rosto, como deve ser a morte de um justo.

Fica o registo de um depoimento do Dr. Carlos Lomba que o assistia quando do desenlace:

“Pois bem foi em 5 de outubro de 1926, que o bom velhinho expirou nos meus braços, sendo que poucos momentos antes, fazendo-me chamar (pois que eu tentara, então, um ligeiro repouso físico após 5 dias e 5 noites de vigília), e assim segredou a meus ouvidos, já quase sem forças para falar, apontando-me o braço: ‘deite um pouco de azeite à lamparina, que está quase a se apagar…’ E assim me pedia ele, com o fácies sereníssimo, lívido, já moribundo, mas com impressionante lucidez, tranquilidade e coragem, que eu lhe fizesse a última injeção de óleo canforado. E assim foi. Poucos momentos após, e eis que o desenlace se opera, subitamente, em colapso cardíaco, regressando o nosso dilectíssimo e profundamente saudoso Amigo à Pátria Espiritual”.

Foi enterrado como era de seu desejo, na quadra de mendigos, do Cemitério do Sítio de Santa Fé, em Amarelos, envolto num lençol. A consternação da população de

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Cachoeiro foi geral. A cidade inteira compreendeu que perdia, naquele 5 de outubro, um de seus mais valiosos cidadãos.

Na Associação Espírita Beneficente e Instrutiva implantou, de modo pioneiro, uma espécie de estudo sistematizado da Doutrina Espírita, quando as obras de Kardec eram estudadas em regime de rodízio, para que todos tomassem conhecimento do conteúdo de cada livro.

Usou a mediunidade como instrumento de amor, deslocando-se a qualquer hora para socorrer quem quer que lhe necessitasse da presença amiga e vigorosa. A sua fama de médium curador espalhou-se pelo estado. Muitos obsidiados, tidos como loucos, foram aliviados na sua presença. Os perturbados mentais internados encontraram lar amigo, amor, dedicação e grande melhora pela terapia do trabalho.

As instituições por ele criadas passaram a ter o seu nome, como Associação Espírita Beneficente e Instrutiva “Jeronymo Ribeiro” e o Asilo passou, mais tarde, a ser denominado Lar Jeronymo Ribeiro.

Existem em Cachoeiro de Itapemirim:

O Centro Espírita “Jeronymo Ribeiro”; a Escola de Música “Jeronymo Ribeiro” pertença do Asilo e que era dirigida pelo maestro Alfredo Herkenhoff.

Em Vila Velha (ES) existe um Grupo Espírita denominado “Jeronymo Ribeiro”, e a antiga estrada que conduzia do centro da cidade ao Asilo hoje é uma comprida

rua calçada de paralelepípedos, chamada Rua Jeronymo Ribeiro.

Do Mundo Espiritual, Jeronymo Ribeiro continuou a sua obra, orientando os trabalhos espíritas de assistência social e importantes tarefas de desobsessão, através de abnegados médiuns sensíveis à sua influência benfeitora. O seu lema era “o Espiritismo deve ser divulgado por palavras e atos”.

O Asilo, hoje denominado Lar Jeronymo Ribeiro, teve como seu sucessor Luiz de Oliveira, escritor e poeta da Academia Mineira de Letras, indicado pelo próprio Jeronymo Ribeiro. As obras cresceram e marcaram, praticamente, o início de um movimento espírita forte no estado, tudo devido ao espírito de trabalho, à palavra esclarecida e ao exemplo do cidadão honrado do sr. Jeronymo Ribeiro – O Apóstolo do Espiritismo no estado do Espírito Santo.

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Claudino Dias nasceu em Coimbra, bem perto do "Bazófias", no dia 05 de novembro de 1860.

No século passado, era um verdadeiro arrojo as pessoas declararem-se espíritas, principalmente nas cidades do interior, onde prevalecia a intolerância religiosa.

Na cidade de Barra do Piraí, um cidadão português de nome Claudino Dias professava o protestantismo com grande dedicação. Entretanto, ao ouvir frequentemente os pastores de sua igreja atacarem o Espiritismo, uma ideia nova que havia surgido na cidade, ele interessou-se pelo estudo dessa doutrina, animado do propósito de também combater essa religião que os seus pastores apregoavam ser herética.

CLAUDINO DIAS5 de Novembro de 1860 – 31 de Dezembro de 1935

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Após alguns estudos, notou, no entanto, que os ensinamentos do Espiritismo preenchiam a ânsia de conhecimento do seu espírito e satisfaziam velhas indagações que pululavam em seu intelecto.

Desta forma, em vez de se tornar um detrator do Espiritismo, abraçou-o com convicção, aliando-se a Manoel Chaves, um dos poucos espíritas existentes na cidade, estabelecendo, assim, um sistema de estudo sistemático das obras que constituíam a base da Doutrina dos Espíritos. Em 1886, Claudino Dias já era um espírita dos mais convictos.

Junto com outros companheiros, fundou, na cidade de Barra do Piraí, o Grupo Espírita São João, que posteriormente passou a ser Grémio Espírita de Beneficência (um dos 10 mais antigos centros espíritas no Brasil ainda em atividade).

Dessa Instituição surgiram os primeiros focos de divulgação do Espiritismo, os quais, graças ao dinamismo e diligência de Claudino Dias, logo se propalaram a outras cidades da vizinhança.

Em 1906, na sede da Casa Espírita, foi fundado o Colégio Ismael, destinado aos filhos dos associados e à criança carente. Em 1908 foi inaugurado o Albergue São João Batista, uma das primeiras instituições espíritas desse género, no Brasil.

Por ocasião da gripe espanhola de 1918, que causou inúmeras vítimas, as instalações do Grémio foram cedidas para o atendimento dos pacientes acometidos por aquela enfermidade.

Turma do Asilo Santo Agostinho

Em 1920 surgiu o Asilo Santo Agostinho e em 1927 o Hospital de Pronto Socorro (hoje Hospital da Cruz Vermelha), o qual, posteriormente, foi cedido para a Prefeitura da cidade.

Hospital da Cruz Vermelha da Barra do Piraí

Claudino Dias foi, sem a mais pequena dúvida, um dos mais autênticos desbravadores espíritas da região. O seu nome tornou-se fonte de referência para todos que quisessem falar sobre os seareiros espíritas. Jamais esmoreceu diante das dificuldades, levantando bem alto a bandeira do Espiritismo,

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fazendo com que a doutrina se tornasse admirada por todos e que a obra espírita se destacasse como expressão do que pode ser feito onde existe o idealismo e a firme disposição para o trabalho.

Claudino Dias desencarnou em Barra do Piraí - Rio de Janeiro, a 31 de Dezembro de 1935.

Allan Kardec

"Mestre! Na constelação brilhante da moral, Jesus é o Astro-Rei; Sócrates, Platão, Confúcio, Moisés, e muitos outros, fulguram na noite do passado.

Vós sois o satélite rutilante que, na escuridão descrente do século das luzes, viestes iluminar a inteligência humana e dar crença à alma sedenta de amor e de verdade.

Filho de vossa clareante doutrina, um ente da luz que o Astro irradia, espero com fé a radiosa aurora, de futuro próximo, de paz e de amor, o amplexo doce e sorridente que nos trará

INÁCIO BETTENCOURT (BITTENCOURT)

19 de Abril de 1862 - 18 de Fevereiro de 1943

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Aquele, de que vós, na estrada do progresso, sois o transmissor da moral e da verdade.

Mestre, ala-se meu ser humilde aos pés do Pai, e pede, consciente de ser ouvido, uma centelha mais de sua luz, um átomo mais do seu puro amor, para mais e mais irradiar amoroso, que, no século das luzes, foi a luz do século."

Inácio Bettencourt, publicada no “Reformador”, de outubro de 1895 e de outubro de 1949

Nascido a 19 de Abril de 1862, na Ilha Terceira, Arquipélago de Açores, Freguesia da Sé de Angra do Heroísmo, Inácio aos 13 anos já habitava no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, onde morou o resto da sua vida.

Uma referência é necessária fazer no que diz respeito ao nome de Inácio.

Apesar de graficamente ele surgir frequentemente como Bittencourt, na realidade não existia nenhuma família Açoriana com essa grafia no apelido, nem ao tempo de Inácio, nem atualmente.

Bittencourt é um apelido Francês e não Português, nos Açores apenas existem Bettencourts.

A explicação pode passar pelo facto de os portugueses abrirem pouco as vogais e os terceirenses ainda menos, o que pode ter levado os brasileiros a entenderem o nome como escrito com "i" e não "e", o que posteriormente pode

ter levado a uma alteração nas consoantes a que Inácio não ofereceu resistência.

Por ainda não ser possível dar uma resposta definitiva em relação a esta teoria, mantenho as duas grafias até poder investigar a certidão de nascimento.

De volta à narrativa…

Aos 20 anos de idade, Inácio conheceu o Espiritismo. Tudo começou quando ficou muito doente. Foi um Inácio já bastante desanimado mas ainda com uma réstia de esperança que procurou um médium chamado Cordeiro, residente na Rua da Misericórdia, e que conseguiu de facto recuperá-lo dos seus padecimentos.

Estarrecido com os acontecimentos (pelo fato do médium não ser médico, não ter indagado quais eram os seus padecimentos ou sequer lhe tocado), Inácio buscou explicações, tendo recebido como resposta: “Leia O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos. Medite bastante e neles encontrará a resposta para a sua indagação”.

Inácio fez exatamente isso, tendo abraçado a Doutrina Espírita e entrando para a Federação Espírita Brasileira, que era por essa altura presidida por Bezerra de Menezes.

Daí em diante o seu trabalho brilhou a grande altura: tanto como médium receitista e curador, seja no alto das tribunas doutrinárias da FEB.

Bem alto voou esse barbeiro que pouco contacto teve com a escola enquanto criança.

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As descrições desse seareiro do bem em ação impressionam. Uma delas foi a que o Reformador publicou em Março de 1943, um mês após o seu falecimento:

“Era então de causar pasmo, e pasmo geral, ouvi-lo, a ele, que não lograra dispor de ampla cultura intelectual, discorrer de maneira fluente, até com eloquência muitas vezes, sobre o ponto em estudo, proferindo discursos ricos de belas imagens e de conceitos profundos, que seriam de impressionar e abalar os ouvintes, mesmo quando enunciados por mentalidades de vasta erudição científica e filosófica”.

Neste mesmo número do Reformador, encontramos outra descrição:

“E as curas, por seu intermédio, se multiplicavam, assumindo não poucas o caráter de assombrosas. Inúmeras vezes, considerado perdido o caso, um apelo de Inácio Bettencourt era o recurso extremo e a volta da saúde ao enfermo se verificava, com espanto dos que ansiavam, porém já descriam, do seu restabelecimento, operando-se, em consequência e em muitíssimas ocasiões, surpreendentes conversões ao Espiritismo”.

Sobre esse assunto – o estudo e a cultura – escreveu Paulo Alves Godoy, no livro “Grandes Vultos do Espiritismo”:

“Não foi somente como médium receitista e curador que Inácio Bettencourt granjeou a notoriedade, a estima e a admiração de todos, mas igualmente como médium apto a receber inspiração do Alto, que, durante larga fase do seu mediunato, se manifestou notória e admirável, sempre

que ele assomava às tribunas doutrinárias, principalmente à da Federação Espírita Brasileira, a cujas sessões de estudos comparecia com bastante assiduidade”.

“Embora não fosse dotado de cultura académica, escrevia artigos doutrinários de forma surpreendente e fazia uso da palavra em auditórios espíritas de forma bastante eloquente. O simples fato de dirigir um jornal de grande penetração, como o foi “Aurora”, demonstra a fibra e o valor desse seareiro incomparável e incansável”.

Nesse mesmo livro, Paulo Alves Godoy aponta outras realizações de Inácio Bettencourt. Além das já citadas, Inácio fundou, juntamente com Samuel Caldas e Viana de Carvalho, o Centro Cáritas, presidindo-o até a data de sua desencarnação. Teve parte ativa na fundação da União Espírita Suburbana. E, ainda segundo o confrade autor, “durante alguns anos exerceu também a vice-Presidência da Federação Espírita Brasileira, presidiu o Centro Humildade e Fé, onde nasceu a “Tribuna Espírita”, por ele dirigido durante anos”.

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Também Zeus Wantuil escreveu, sobre Inácio Bettencourt, no livro "Grandes Espíritas do Brasil":

“Forte na fé, valoroso na humildade, impertérrito na caridade, tal se revelou constantemente este velho companheiro de lides espiritualistas e amigo muito benquisto”.

E mais: “Apreciando em seu justo valor esse dom e em sua legítima significação, consciente da responsabilidade imensa com que lhe onerava o Espírito, exerceu-o o saudoso lidador como verdadeiro sacerdócio, disposto a todos os sacrifícios que lhe adviessem da necessidade de dar cumprimento ao dever, que a sua consciência cristã lhe impunha, ante o lema da doutrina a que servia com inteiro devotamento e abnegação: “Sem Caridade, não há salvação”.

Para a Revista Internacional do Espiritismo, de 15 de Março de 1943, Inácio Bettencourt era “um dos mais devotados trabalhadores da seara cristã, cujos exemplos de caridade, perseverança, tenacidade e humildade constituem uma bússola para todos quantos porfiam por entrar no reino de Deus, em demanda dos seus gloriosos destinos”.

Mais outro trecho interessante:

“Estudando, pregando e praticando a Doutrina, Inácio Bettencourt, em pouco tempo, tornou-se um dos oradores mais apreciados, dedicando-se, com especialidade, à pregação do Evangelho, não só na Capital Federal, como no interior do País”.

“Era médium inspirado e receitista. Como médium receitista, conquistou tal popularidade em todo o país pelas curas operadas, que atendia, diariamente, em seu modesto consultório, à Rua Voluntários da Pátria, 20, entre 500 e 600 pessoas”.

No livro “Seareiros da Primeira Hora”, de Ramiro Gama, encontramos muitas informações valiosas sobre Inácio Bettencourt:

“Foi um verdadeiro Apóstolo da Caridade. Médium receitista, inspirado, vidente, clarividente, possibilitou milhares de curas”.

“Foi chamado várias vezes a processo criminal, por realizar a medicina ilegal, mas, graças à proteção do Alto, foi sempre absolvido, possibilitando que fosse criada, com seus casos, uma jurisprudência favorável ao Espiritismo consolador e curador de corpos e almas”.

“Desencarnou bastante idoso, sempre trabalhando pelos pobres e doentes, famintos da luz e do amor, em 18 de fevereiro de 1943”.

“Foi um dos fundadores do Abrigo Tereza de Jesus e fundador, organizador e estimulador de vários Centro Espíritas na Guanabara”.

“Orador inspirado e conhecedor profundo do Espiritismo, fez milhares de maravilhosas conferências, aqui e pelo Brasil afora. Fundou o ótimo jornal “Aurora”, que realizou um serviço inestimável no jornalismo Espírita”.

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Na obra de Ramiro Gama, “Os Mortos Estão em Pé”, novos dados são apresentados, o mais importante dizendo respeito ao escritor Coelho Neto, um estudioso da vida de Inácio Bettencourt:

“E esse homem, que se chama Inácio Bettencourt – nome constantemente invocado por milhares de sofredores – é intimado a comparecer perante o Tribunal para responder por crimes que, se fossem citados no Código Penal, seriam esplendores, como são as estrelas dentro da noite”.

“E são eles: sarar enfermos, valendo-lhes com a medicina, com a dieta e com o desvelo; mitigar desesperos; reconciliar desavindos, restaurando lares destruídos, promover os meios de legitimar ligações, reconhecer transviados; amparar crianças órfãs; agasalhar anciãos; pregar o amor ao próximo, o respeito e prestígio à Lei e levantar os corações combalidos com a força suprema da Fé”...

Inácio Bettencourt e Dona Rosa estiveram casados quase 60 anos, tiveram 14 filhos, dos quais cinco faleceram antes do desencarne de Inácio. Entre os filhos, Inácio Bettencourt Filho foi jornalista e Ismael Bettencourt diretor do Café Globo.

O casal morava na Rua Rodrigo de Brito, Botafogo. Hoje não existe mais a sua casa – o local é apenas um estacionamento, mantendo ainda o número 24 na entrada. Já no local onde era o Centro Cáritas, na Rua Voluntários da Pátria, 20, Botafogo, hoje funciona a Homeopatia Nóbrega, com móveis em madeira e vidros antigos – na parede está escrito “Pharmacia”. Na sobreloja, onde era localizado o Centro, hoje existem consultórios de médicos homeopatas.

O Jornal “Aurora” Em primeiro lugar, é conveniente esclarecer que

existiram outros jornais com o nome de “Aurora”. Um deles foi fundado em 15 de abril de 1909, em Valença, RJ, contando com colaboradores como Casimiro Cunha, Dr. Maia Barreto e Cairbar Schutel. Este jornal é encontrado na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

O jornal “Aurora” foi fundado a 1 de maio de 1913, conforme informou o “Reformador” naquela época (e não a 1 de maio de 1912, como consta em algumas das suas biografias).

O jornal possuía como subtítulo: “Órgão Oficial do Círculo Cáritas de Botafogo, Centro Espírita de Valença, União Espírita Suburbana, Associação Espírita Beneficente e Instrutiva (Cachoeiro do Itapemirim) e Federação Espírita do Estado do Rio (Niterói)”.

A redação do “Aurora” ficava na Rua Voluntários da Pátria, 18, Botafogo, Rio de Janeiro. O jornal era quinzenal, com quatro páginas, e, em 1919, tinha uma tiragem de 4 mil exemplares.

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Os colaboradores do “Aurora” eram Pedro Camargo "Vinícius" e Viana de Carvalho. Alguns destaques de 1919 foram uma comunicação de Tomaz de Aquino, recebida no Círculo Cáritas, uma mensagem intitulada “Post Scriptum de Minha Vida”, de Victor Hugo, uma matéria de Coelho Netto e uma gama enorme de mensagens do Além: de Cáritas, Pedro o Apóstolo, Léon Denis, Tereza D'Ávila, João Evangelista, Erasto, Vicente de Paula, Tereza de Jesus, Artur Azevedo, entre outros. Outros grandes destaques são: a inauguração do Abrigo Tereza de Jesus, no 1.º de Janeiro de 1919, e os dados periódicos sobre a instituição.

O jornal publica “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, na íntegra. Inácio Bettencourt não assina nenhuma matéria, mas, no entanto, sendo ele o redator do jornal, com certeza, é o autor da primeira matéria de cada exemplar, além de ser o responsável por todo o jornal.

A maior curiosidade deste ano de 1919 é uma nota de 15 de novembro de 1919, que informava que a Igreja Católica havia mandado publicar uma nota em todos os jornais cariocas:

“A Câmara Eclesiástica do Arcebispado fez baixar ontem o seguinte aviso aos católicos: de ordem do Monsenhor D. Maximiano da Silva Leite, Vigário Geral do Arcebispado, aviso aos católicos que o Abrigo Tereza de Jesus para a Infância Desvalida, com sede provisória à Rua São Cristóvão no 33, é uma Associação Espírita e, como tal, condenada pela Igreja”, sendo aos católicos vedado concorrer com donativos para a propaganda dessa instituição. Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1919”.

Em 1920, a tiragem já era de 10 mil exemplares. Há matérias de Guerra Junqueiro (que também publicara no ano anterior), Leopoldo Cirne, além de mensagens de Paulo, Tereza Cristina, Max e outros.

Há também uma foto do Abrigo Tereza de Jesus, no exemplar de 1 de maio de 1920, e, no primeiro relatório de Inácio Bettencourt sobre o Abrigo, entre muitas informações, estava a de que, até aquela data, o Abrigo já tinha 890 associados matriculados.

Em 15 de outubro de 1920, a matéria principal era sobre a inauguração da sede definitiva do Abrigo Tereza de Jesus, na Rua Ibituruna (onde permanece até hoje), como foto do prédio e das primeiras asiladas.

Em 1921, a tiragem do jornal já era de 20 mil exemplares e o “Aurora” recebeu nesse ano mensagens de Thiago, Agostinho, Aura Celeste, Bezerra de Menezes, Bettencourt Sampaio, Auta de Souza, Amaral Ornellas e colaboração de Carlos Imbassahy.

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No relatório que Inácio Bettencourt fez do Abrigo Tereza de Jesus, aparece a foto das 20 abrigadas.

Um destaque é uma carta, de Cairbar Schutel aos jornais, defendendo Inácio Bettencourt, que agora já sofria o processo movido contra ele pela Saúde Pública. Sobre esse assunto, também há diversas matérias.

De 1928 a 1933. Tinha o “Aurora” a tiragem quinzenal de 40 mil exemplares, estava no Ano XVI e Inácio Bettencourt aparecia como Redator e Gerente. (Em maio iniciou o Ano XVII). O jornal ainda tinha quatro páginas.

Os maiores destaques desse período foram: a publicação do livro “Flores do Céu”, com mensagens psicografadas por Adelaide Câmara, a foto das novas instalações do “Aurora”, na Rua Voluntários da Pátria, 20, além de muitas outras matérias de Adelaide Câmara, Vinícius, Carlos Imbassahy, Coelho Netto, além de mensagens de Victor Hugo, São Francisco Xavier e Santo Agostinho.

Inácio e a Saúde Pública (Publicado em “A Notícia”, em 26 de fevereiro de 1921)

O novo regulamento da Saúde Pública é de uma severidade inquisitorial: conseguiu bater, em matéria de intolerância, a liberalidade dos códigos positivistas.

Agora mesmo caiu-lhe sob as garras o Sr. Inácio Bettencourt, barbeiro em Botafogo, que há algumas dezenas de anos vive a socorrer desinteressadamente a gente pobre que o procura e lhe pede remédios para os seus males.

O Bettencourt, ou melhor, o “seu” Inácio, como é familiarmente conhecido em todo o bairro, a todos atende com bondade e espírito cristão, que o tornaram querido e popularíssimo, não somente em Botafogo como em grande parte da cidade. Aconselha ao doente as aguinhas homeopáticas, não recebe vintém a título de pagamento, ou de presente, ou de esmola para a igreja do seu credo. Não indica farmácia nenhuma onde deva o medicamento ser comprado. Em suma: direta ou indiretamente não aufere lucros do seu serviço. Ao contrário, se o doente declara a sua pobreza, ele ainda fornece o remédio e, às vezes, a dieta, se lhe permitem as suas “avultadas” rendas de barbeiro de arrabalde.

É “seu” Inácio um curandeiro, no sentido em que a lei considera essa classe de infratores? Absolutamente, não!

Primeiro, não faz ele profissão de curar, mas de tosquiar cabeleiras e raspar queixos. Segundo, não se anuncia, não se apregoa virtude de mão santa, não vive a cavar clientes. Aos que recorrem aos conselhos de sua experiência, ele atende, sem sequer indagar o nome da criatura aflita que, desesperada da medicina oficial e clássica, apela para ele como apela ao mesmo tempo para N. S. da Penha ou para S. Sebastião.

Acaso põe ele em perigo de vida os doentes, fazendo-os ingerir drogas venenosas em cuja dosagem possa errar, cozimentos, garrafadas, infusões de ervas de propriedades duvidosas?

Não. Ele se limita a indicar os conhecidos medicamentos homeopatas; e é a própria medicina oficial e burocrática que

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afirma serem as aguinhas Hahnemannianas absolutamente anódinas, não curando, mas também não matando.

Porque, pois, tamanha severidade? Responderão os médicos diplomados, os interessados no assunto, que há doentes que se tratam com o “seu” Inácio e que morrem... à falta de medicamentos que curam.

É possível. Fica, porém, por provar que os tais medicamentos curativos não despacharam mais depressa o paciente para o céu das minhocas.

Aceita a teoria, fora justo processar os vigários que recebem oblatas e ex-votos, em pagamento de curas feitas pelos santos dos seus templos, e justo fora ainda que os próprios santos fossem multados por exercício ilegal da medicina...

Mas, o fato é que há nesta cidade milhares de pessoas que afirmam terem sido curadas ou terem tido pessoas da família curadas pelo “seu” Inácio. Milhares.

E é isso que não agrada nem pode agradar à medicina de anel no dedo: o Inácio faz-lhe uma concorrência desleal, quando cura não cobra. E a ética profissional manda cobrar sempre, e muito mais ainda se o doente bate o trinta e um.

A “Noite” abriu uma subscrição para pagar a multa imposta ao curandeiro barbeiro de Botafogo. Se todos, os que lhe devem benefícios, subscreverem o que teriam que pagar ao médico, o Bettencourt acaba por abandonar a tesoura, a navalha e o sabão e fundar um banco.

E, então, ninguém se lembrará de processá-lo, por mais que ilegalmente ele exerça a medicina e... as finanças. (Autor da matéria: Alceste).

Obituário Publicado na Revista Internacional de Espiritismo

(15 de março de 1943)

Mais um pioneiro do Espiritismo acaba de regressar à Pátria Espiritual, Inácio Bettencourt, um dos mais devotados trabalhadores da Seara Cristã, cujos exemplos de caridade, perseverança, tenacidade e humildade, constituem uma bússola para todos quantos porfiam por entrar no reino de Deus, em demanda por seus gloriosos destinos.

Inácio Bettencourt, que se libertou dos liames materiais aos 81 anos, em sua modesta residência, à Rua Rodrigo de Brito, 24, Capital Federal, no dia 18 do mês passado, pelas 2 horas da madrugada, deixou aberta, no seio da grande família espírita brasileira, imensa lacuna, que não será tão fácil de ser preenchida, mormente nestes tempos de confusão, em que o personalismo parece sobrepujar as virtudes que devem exornar o espírito dos que se afirmam verdadeiros cristãos.

A notícia do seu passamento espalhou-se rapidamente não só na Capital Federal, como em quase todos os Estados do Brasil, onde Inácio Bettencourt conta com inúmeros admiradores. Alguns diários dos mais importantes da imprensa profana, noticiaram, embora laconicamente, o desencarne desse vulto do Espiritismo, sinal frisante de que o seu nome é conhecido até fora do cenário espírita. Foi por intermédio

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de um desses diários de grande circulação que soubemos do passamento desse companheiro.

Ao correr a notícia do seu passamento, começou a romaria à residência desse Apóstolo do Espiritismo. Ricos e pobres, pretos e brancos, altas personalidades, intelectuais e os artistas em geral, foram, pela derradeira vez, contemplar o corpo daquele justo, numa demonstração de solidariedade à família desolada, num culto de estima, amor e consideração.

Cremos que nenhum Espírita, como nós, desconhece a atuação de Inácio Bettencourt na Doutrina. O seu trabalho se desenvolveu sem tréguas e, animado por aquela fé caraterística dos grandes missionários do Bem e da Verdade, ele traçou e cumpriu à risca um programa que constituiu o principal objeto de suas nobres e cristãs aspirações: pregar a doutrina evangelicamente, não só por palavras como principalmente por obras.

Inácio Bettencourt era, ao tempo em que ingressou no Espiritismo, um modesto oficial de barbeiro, exercendo a sua profissão à Rua Voluntários da Pátria, Capital Federal, tendo, mais tarde, adquirido a barbearia onde trabalhava.

O seu ingresso no Espiritismo deveu-se pela porta do estudo, depois de ter sido testemunha de um desses fatos extraordinários que obrigam o indivíduo a desviar o rumo de suas ideias para um campo mais amplo e promissor: o da espiritualidade.

Lera “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, e isso fora o suficiente para fazer penetrar-lhe na alma os primeiros

albores da Verdade e o desejo de dar início a uma tarefa que deveria alcançar a magnitude que alcançou.

Estudando, pregando e praticando a Doutrina, Inácio Bettencourt, em pouco tempo, tornou-se um dos oradores mais apreciados, dedicando-se, com especialidade, à pregação do Evangelho, não só na Capital Federal, como no interior do país.

Era um médium inspirado e receitista. Como médium receitista, conquistou tal popularidade em todo o país, pelas curas operadas, que atendia, diariamente, em seu modesto consultório, à Rua Voluntários da Pátria, 20, entre 500 e 600 pessoas.

Com a multiplicação, logo entrou em cena o trabalho anticristão dos que se julgavam prejudicados com as receitas gratuitas de Inácio Bettencourt, os quais, sob pretexto de que ele exercia ilegalmente a medicina, processaram-no várias vezes. Mas, como esse apóstolo da caridade estivesse sob a proteção do Alto, as sentenças sempre lhe eram favoráveis.

Ao tempo em que Leopoldo Cirne, outro Apóstolo do Espiritismo, era presidente da FEB, Inácio Bettencourt exercia, nessa entidade, o cargo de vice-presidente e estava sempre em contato com os luminares do Espiritismo dessa época: Bezerra de Menezes, Sayão, Bettencourt Sampaio, etc.

Dando cumprimento ao seu programa de ação no campo da Doutrina, Inácio Bettencourt fundou, em 1919, o Abrigo Tereza de Jesus, destinado a abrigar a infância desvalida. Como presidente perpétuo dessa instituição, dirigiu-a até os seus últimos momentos de vida terrena. Fundou o “Aurora”, que é

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um dos baluartes da imprensa espírita, com ampla circulação por todo o país.

Há cinco anos, mais ou menos, Inácio Bettencourt, acometido por pertinaz enfermidade e já alquebrado ao peso dos anos, foi obrigado a deixar definitivamente as suas atividades. Estava cumprida a sua tarefa neste mundo.

O sepultamento do corpo de Inácio Bettencourt realizou-se nesse mesmo dia, às 17 horas, com enorme acompanhamento, na necrópole de São João Batista.

À beira do túmulo, usou da palavra, pelo Abrigo Tereza de Jesus, o Dr. Sylvio de Brito Soares. Em seguida, em nome da família Espírita brasileira, falou o confrade Dr. Henrique de Andrade, que terminou a sua belíssima oração concitando os Espíritas a seguirem as pegadas de Inácio Bettencourt, que só espalhou o Bem e a Caridade, cumprindo fielmente as verdades evangélicas, das quais foi um dos lídimos representantes.

(Retirados do Livro “Seareiros da Primeira Hora”, Editora ECO, 1968)

Conforme escrevemos em nosso livro “Lindos Casos de Bezerra de Menezes”, Inácio Bettencourt foi um dos primeiros oradores espíritas que ouvimos e quando não tínhamos nenhuma simpatia pelo Espiritismo.

O “Fé e Esperança”, de Três Rios, no Estado do Rio, estava com seu grande salão de conferências completamente lotado. José Vaz, estimado industrial, Espírita convicto e que

o presidenciava, convidou o que Três Rios possuía de valor nas Artes, no Comércio, na Indústria e no seu Meio Social.

Zacheu Esmeraldo era um médico inteligente, culto, que ali chegara, obtendo grande clientela. Estava também na assistência.

Isto nos surpreendia e nos fazia pensar.

A curiosidade era grande.

Foi dada a palavra a Inácio Bettencourt. Calmo, limpou a pencinez com um lenço alvo. Bebeu água e olhou o auditório. E seu olhar possuía algo que nos comovia. Parecia que alguém o vestia de luz, tão calmo se nos parecia.

Com gestos comedidos, começou a falar. Proclamava o Espiritismo como algo sublime, mas tão pouco compreendido e, por último, combatido. Demonstrou-no-lo como Ciência, depois como Filosofia e, por último, como Religião. A palavra lhe saía dos lábios fácil como uma água cristalina de uma fonte. Não titubeava. Vinha-lhe a ideia espontânea, a calhar.

Deslumbrou-nos, sensibilizou-nos

Citou fatos. Lembrou as perseguições sofridas no apostolado mediúnico. Demorou-se, demonstrando-nos como o Espiritismo consola e salva, citando fatos obtidos entre seus consulentes, doentes da alma e do corpo.

Satisfez, contentou, alimentou de luz a enorme assistência.

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A sessão terminou deixando no ar algo que não entendíamos, mas que nos dava bem-estar, uma alegria interior.

Cá fora, ouvimos que Zacheu Esmeraldo comentava com alguém:

— Fiquei surpreso. Como pode saber tanto uma criatura que foi meu barbeiro na rua Voluntários da Pátria!...

E esse alguém lhe respondeu inspiradamente:

— No Espiritismo é assim, os que se fazem menores, mais humildes, são os que merecem, como Inácio mereceu, a ajuda do Alto e realizar, como ele realizou, um trabalho do Senhor!

E fomos para casa, levando dentro de nós o comentário ouvido.

Então, tinha de ser assim. O Espiritismo era mesmo uma Verdade. E, para ser compreendido, era preciso que o procurássemos, pelo menos, vestidos de humildade.

Pela primeira vez, começamos a pensar nessa Virtude e traduzir porque Bezerra de Menezes havia deixado títulos e honrarias para ser, como fora, o Médico dos Pobres, o Servidor Leal de Jesus, Nosso Senhor!

Outro Caso

De entre tantos Casos Lindos de Inácio Bettencourt, registamos aqui apenas este e por ele veremos como servia até quando seu corpo descansava, dormindo.

Alguém, alta noite, telefona para a casa de Inácio Bettencourt. Era um pai aflito, com a filha desenganada pela Medicina da Terra, que desejava apelar para a sua mediunidade de receitista. Da casa do velho Servidor de Jesus, alguém atende. E, inteirado do que se passa, receita. O pai aflito toma nota dos medicamentos e da maneira como administrá-los. Dias depois, melhorada a filha, vai ele ao consultório de Inácio para lhe agradecer o sacrifício de o haver atendido naquela hora da noite, quando lhe telefonou.

E Inácio, que sabia que ninguém o acordou e que não havia dado nenhuma receita pelo telefone, respondeu-lhe, sensibilizado:

— Agradeça, meu filho, a cura de sua filha ao Divino Médico, que é Jesus. Somos apenas humildes e desvaliosos intérpretes da sua Vontade...

E, depois, a sós, Inácio ora a Jesus e lhe agradece o auxílio, porque, sempre, ao deitar, não deixava de pedir ao Amigo Celeste para permitir que, mesmo quando o corpo ia descansar, permitisse que, em Espírito, continuasse servindo, amando e passando...

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Ao Mestre (Publicada no “Reformador”, de 31 de março de 1905)

As conquistas do Amor e da Verdade, ou a Virtude e o Saber, são o que dá ao homem a primazia e superioridade que o caracteriza como rei da Criação.

É abrindo as estradas do progresso, iluminando com o fulgor do seu génio as eras da ignorância e preparando as gerações para a escalada do futuro, que os missionários de Deus se elevam acima de suas épocas e, meteoros da Providência na noite caliginosa da vida terrena, se tornam os luzeiros guiadores da humanidade à conquista das virtudes, que é o seu objetivo superior.

Na constelação de altos espíritos prepostos ao progresso da Terra, e cujo número, para nós incalculável, só Deus conhece, fulgura, amado Mestre, o nome Teu, que não pode, não deve deixar de suscitar, neste dia, os tributos dos corações gratos, pelo muito que te devem, como enviado do Bom Pai, pela felicidade e pela paz, pela alegria e pela luz que nos trouxeste, fazendo-nos conhecer esse Criador terno e justo, misericordioso e bom, sempre pronto ao perdão e à indulgência por todos os seus filhos, jamais lhes recusando os meios de reparação de suas faltas, até que, apagados os seus últimos vestígios, sejam admitidos à bem-aventurança a que os destinas.

Mestre! Nesta data em que o teu alevantado espírito reconquistou a liberdade, ascendendo a haurir no seio de Jesus – Verbo de Deus – a compensação às torturas porque te fizeram passar os homens a quem tanto beneficiaste, consente que

aqueles que já têm a felicidade de te conhecer entoem os hinos de gratidão a ti, pedindo ao bom Deus, permita que bem cedo baixe de novo o teu espírito, em complemento de sua missão, com grandeza da mesma serena coragem, a reanimar os fracos, esclarecer os cegos e levantar os caídos na estrada de Damasco.

Mestre! A luta está travada, bem o sentimos. Roga ao Pai por aqueles em cujos corações germinam as primeiras sementes de tua Doutrina, que representa o amor de Jesus. Mas roga também por aqueles que não sabem o que fazem!

Inácio Bettencourt.

Mensagens de Inácio Bettencourt (Como Espírito)

Visão Nova (Retirada do livro “Falando à Terra” de Francisco Cândido

Xavier, 1951, FEB)

Você pergunta quais as primeiras sensações do “eu”, além da morte, e eu devo dizer, antes de tudo, que é muito difícil entender, na carne, o que se passa na vida espiritual.

As ilusões da vida comum são demasiado espessas para que o raio da verdade consiga varar, de pronto, a grossa camada de véus que envolvem a mente humana.

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Há vastíssima classe de pessoas que se agarram às situações interrompidas pelo túmulo com o desespero somente comparável às crises da demência total.

Para nós, entretanto, que possuímos algum discernimento, por força da autocrítica, que não somos nem santos nem criminosos, as impressões iniciais de além-túmulo são de quase aniquilamento.

Só então percebemos a nossa condição de átomos conscientes. À nossa frente, os valores diferem numa sucessão de mudanças imprevisíveis. Há transformações fundamentais em tudo o que nos cerca.

O que nos agradava é, comumente, razão para dissabores, e o que desprezávamos passa a revestir-se de importância máxima.

A intimidade com os outros mundos, tão celebrada por nós, os Espiritistas, continua a ser, como sempre, um grande e abençoado sonho... de quando em quando, o obreiro prestimoso, na posição do aprendiz necessitado de estímulo, é agraciado com uma ou outra excursão de mais largo vôo, mas sempre condicionado a horário curto e a possibilidades restritas de permanência fora do seu habitat, o que também ocorre aos investigadores da estratosfera que vocês conhecem aí: viagens apressadas e rápidas, com limitação de ausência e reduzidos recursos sustentação, em que, incontestavelmente, grandes vultos da Humanidade gloriosamente vivem em outros climas celestes. Mas, falando da esfera em que nos encontramos, compete-me afirmar que é ainda muito remota para nós qualquer transferência definitiva para outros lares

suspensos da nossa comunidade planetária. Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, importantes companheiros, no sistema presidido pelo nosso Sol, acham-se a milhões e milhões de quilômetros. A própria Lua, considerada dependência terrestre, rola a centenas de milhares de quilômetros.

E as constelações mais próximas?

Você já imaginou o que seja o Espaço, esse domínio imenso, povoado de forças espirituais que ainda não conseguimos compreender em seus simples rudimentos? Já calculou o que seja esse plano infinito, onde a luz viaja com a velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo?

Francamente, hoje creio que um homem, dentro de nosso reino solar, é, comparativamente, muito menor que uma formiga no corpo ciclópico da montanha onde se oculta.

Sentindo-nos, assim, quase na condição de ameba pensante, somos, depois do transe carnal, naturalmente constrangidos a singulares metamorfoses do senso íntimo. Sempre nos supomos figuras centrais no mundo e acreditamos ingenuamente que o nosso desaparecimento perturbará o curso dos seres e das coisas. Contudo, no dia imediato ao de nossa partida, quando é possível observar, reparamos que os corações mais afins com o nosso providenciam medidas rápidas para a solução de quaisquer problemas nascidos de nossa ausência.

Se deixamos débitos sob resgate, pensamentos pungentes daí se desfecham sobre nós, cercando-nos de aflições purgatoriais. E se algum bem material legamos

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aos descendentes, é preciso invocar a serenidade para contemplarmos sem angústia os tristes aspectos mentais que se desenham ao redor do espólio.

A vida, porém, prossegue imperturbável e nós precisamos acompanhar-lhe o ritmo na ação renovadora e constante.

Somos, assim, atribulados por enormes problemas.

Não será mais possível prosseguir com as ilusões a que nos agarrávamos entre os conceitos provisórios e os títulos convencionais e nem podemos, de imediato, penetrar nos serviços da Espiritualidade Superior, por nos faltarem credenciais de luz íntima, com o amor e a sabedoria por bases.

Resta-nos, pois, diante das transformações inelutáveis da morte, recomeçar humildemente aqui o velho curso de aperfeiçoamento moral, reaprendendo antigas lições de simplicidade e de serviço. E, quando nos comunicamos entre os homens de boa-vontade, é natural não sejamos os espíritos iludidos de ontem, mas os discípulos da verdade, no presente imperecível, edificados na integração mais perfeita com os princípios de Jesus, nosso Mestre e Senhor, não obstante a nossa demora multissecular em pleno jardim da infância.

Inácio Bettencourt.

Fernando Augusto de Lacerda e Mello é dos nomes mais importantes de sempre e a nível mundial quando falamos de mediunidade de psicografia.

Nascido em Loures a 6 de Agosto de 1865, Fernando Lacerda viveu os seus primeiros anos em Loures – paredes meias com Lisboa – onde vivia com os seus pais: Francisco Augusto de Lacerda e Mello e Maria de Gertrudes Rita.

Aos 13 anos de idade seguiu para Lisboa, onde viveu até aos 18 anos, em casa de um tio abastado, irmão de seu pai.

FERNANDO AUGUSTO DE LACERDA E MELLO1865 – 1918

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Nesse período, declararia mais tarde ter professado ideias republicanas, tendo-se desiludido com as intrigas da política e, até mesmo, perdido a fé religiosa materna.

Suas palavras:

"Fui republicano dos 13 aos 18 anos. Foi essa a época da minha generosa mocidade e das minhas ilusões, da minha simplicidade e da minha toleima. (...) Quando a minha razão começou a ver, encontrei em volta de mim, na sua maior parte, intriguistas, maldizentes, (...), uma confraria de indivíduos que diziam mal uns dos outros, que se acusavam, que se intrigavam, e, pior do que isso, via-me a cada passo assediado de exploradores da minha generosidade e boa fé, que sugavam quanto eu tinha, chegando alguém a incitar-me um dia a que roubasse um meu tio, em casa de quem eu estava, para lhe pedir um produto do roubo a título de empréstimo, e que iria juntar-se ao muito que já me tinha sugado e que nunca mais vi. "

" (…) A situação chegou a ser tão insustentável e angustiosa para mim, que quis expatriar-me... Não me expatriei mas deixei Lisboa, cheio de tédio pelos homens que diziam querer reformar a sociedade e eram aquilo... e deixei a política."

De regresso à casa paterna (1884), passou a auxiliar o pai, agora viúvo, na criação dos irmãos mais novos. Nesse período, envolveu-se com o socorro aos aflitos, dedicou-se aos analfabetos, ensinando-os a ler e a escrever, e preocupou-se com as questões comunitárias.

Desse modo, juntamente com alguns jovens de sua idade e outros tantos adultos, fundou a Associação dos Bombeiros

Voluntários de Loures, de que foi escolhido como primeiro comandante (29 de Junho de 1887). Foi também nesta época, entre 1886 e 1887 que iniciou a sua colaboração na imprensa, e que se manifestou a sua mediunidade no terreno da psicografia (1889). A faculdade causou-lhe verdadeira surpresa, uma vez que o seu braço era tomado involuntariamente por uma entidade que conhecera encarnada, e que escrevia com a mesma caligrafia e assinatura que lhe conhecera em vida. O teor dessas mensagens era sarcástico e injurioso contra o próprio médium, tendo o fenômeno perdurado por largo tempo.

Como nos esclarece Manuela de Vasconcelos no mais completo livro acerca deste extraordinário médium:

"... começou a notar que a mão, contra sua vontade, lhe traçava escritos que era forçado a atribuir a uma inteligência estranha. Não era só a letra e a assinatura firmante neles, era o próprio conteúdo, rematado sempre pela assinatura duma individualidade que em vida conhecera ..."

Mais tarde, em 1898 ingressou na polícia administrativa do Governo Civil onde, gradualmente, ascendeu até chegar ao cargo de subinspetor, tendo-se sempre destacado por sua probidade e competência. No ano seguinte (1899), herdou de um tio a Fábrica a Vapor de Baguettes e Galerias, em Lisboa, cuja gestão também assumiu.

Passada a fase das manifestações iniciais, a partir de Outubro de 1906, Fernando de Lacerda começa a receber diversas mensagens do plano espiritual, assinadas por

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escritores renomados e personalidades do mundo social, já desencarnados.

Segundo descreveria mais tarde, uma noite percebeu uma voz emanada de uma entidade invisível, informando que desejava transmitir uma mensagem a uma personalidade conhecida no mundo das letras. Obedecendo, o médium dirigiu-se a sua mesa de trabalho, tomou do lápis e imediatamente recebeu comovedora mensagem de Camilo Castelo Branco ao seu amigo encarnado, António José da Silva Pinto, vigoroso polemista e conhecido escritor.

De modo geral, Fernando de Lacerda sentia a aproxima-ção do Espírito que desejava se comunicar, e, normalmente, via-o em seguida. Também ouvia, com frequência, as palavras que uma segunda personalidade lhe queria ditar. Enquanto o médium, em estado de vigília, mantinha conversação com os encarnados presentes, o lápis que empunhava rapidamente preenchia as laudas de papel. Nessas ocasiões encontrava-se alheio ao teor das mensagens, desconhecendo muitas vezes o significado de palavras e expressões, bem como fatos nelas referidos. Por vezes, chegou a receber duas mensagens simultaneamente, com o uso das duas mãos.

"... por vezes sinto uma voz a falar-me, vem-me um estremecimento, sento-me à mesa e a minha mão vai arrastada a escrever coisas em que não penso, sem uma rasura, rapidamente, em muitas ocasiões conversando com várias pessoas e, no fim, saem essas coisas belas de que os senhores tanto gostam... os nomes que as assinam saem também, naturalmente, e quase com o talhe da letra dos autores... E nunca li a maior parte dos autores citados... (...)".

As comunicações recebidas em reuniões mediúnicas, das quais participam A. A. Martins Velho, Sousa Couto, M. Lacombe e outros, eram encaminhadas aos jornais, logo sendo conhecidas e comentadas num verdadeiro fenómeno nos media portugueses da época.

As primeiras mensagens, coligidas, foram publicadas em livro – Do Paíz da Luz – já em 1908, cuja primeira edição logo se esgotaria, pela curiosidade em torno das palavras de autores desencarnados, portugueses e estrangeiros, queridos e vivos na memória popular: Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Fialho de Almeida, Alexandre Herculano, Émile Zola, Napoleão Bonaparte, António Vieira, Júlio Dinis, João de Deus ou Antero de Quental, entre muitos outros que figuram nos quatro volumes da obra. Nesse mesmo ano, sai o segundo volume e é reeditado o primeiro.

Entre todos, Eça de Queiroz foi o Espírito que mais se comunicou ao longo dos quatro livros do Paíz da Luz.

Simultaneamente foi Eça um organizador, mas também um reflexo claro do íntimo de Fernando Lacerda, como neste exemplo.

"Não serei eu que furte a minha voz ao concerto geral que pretende insuflar-te fé... sentes-te dominado por uma ideia fixa de desfalecimento e de receio que nada justifica."

Contudo o desfalecimento foi vencido e a fé fortaleceu-se, e o Português conseguiu levantar obra enorme.

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No entanto esta luta contra o desalento e a melancolia ficou imortalizada em vários textos, como nesta dedicatória feita à sua mãe no 1.º dos livros:

"Quando abandonaste este mundo, eu cria ainda que de ti não ficaria mais do que a saudade no coração dos que te adoravam. A fé religiosa, que me ensinaste em pequeno, não pode resistir às correntes dominantes no meio em que me encontrei, ao sair de sob a tua vista."

Apenas uma fé que encontra raciocínio e alimenta a alma pode de facto vencer os infortúnios do mundo e semear flores em campos queimados pela perfídia dos homens.

Fernando Lacerda encontrou-a no intercâmbio com os imortais, na certeza que os postulados espíritas são libertadores e consoladores, que conduzem o homem na direção da Cosmo-plenitude e afastam-no da ego-vacuidade tão bem descrita pelo filósofo Huberto Rohden.

Fernando de Lacerda dividia o tempo entre as suas funções na polícia, a educação de Laura, sua sobrinha, órfã de mãe desde os 2 anos de idade, e Fernando, filho do gerente da fábrica, também órfão de mãe, com a mesma idade de Laura, e o trabalho mediúnico.

Consumando-se o regicídio do rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe (1908), intensificando-se as lutas em torno das ideias republicanas, Portugal mergulha em profunda crise político-institucional. Servidor público identificado com a monarquia, espírita-cristão declarado, defensor público do conceito de Deus, da alma e da vida após a morte através das mensagens que psicografava de figuras desaparecidas e respeitadas no mundo literário português, divulgadas pelos periódicos portugueses, Fernando de Lacerda não ficará imune à queda da monarquia e consequente implantação da República no país (1910).

Por essa época conturbada, Fernando continuou a trabalhar arduamente.

Voltemos à obra de Manuela Vasconcelos, Fernando Lacerda- O Médium Português:

"E entre o seu cargo na polícia, a preocupação com a educação dos seus pequeninos, a assistência às reuniões mediúnicas (nas quais participam A. A. Martins Velho, Sousa Couto, M. Lacombe e outros mais) o auxílio que vai ministrando, ainda, através do passe depois do prólogo que pede ao advogado e amigo Dr. Sousa Couto para o 1.º volume, editado este, Lacerda entrega, em 22 de Fevereiro, na Biblioteca Nacional de Lisboa, 2 exemplares do 1.º volume do livro de comunicações mediúnicas

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obtidas por Fernando de Lacerda, com um prólogo do Dr. Sousa Couto, entrega essa que ficou registrada nas folhas 103 do Livro 1.º do registro de obras ali entregues!

Os livros são procurados e esgotam-se rapidamente nas livrarias... mas 1908 é um ano mau para os portugueses e dele se ressente, também, Fernando de Lacerda. "

Tendo a sua integridade questionada, profissional e pessoalmente, através de intensa campanha que lhe foi movida pelo advogado e jornalista Fernão Botto Machado, Fernando de Lacerda pediu uma sindicância de seus próprios atos na função pública, provando-se apenas que o subinspetor da Polícia era culpado de ser demasiado tolerante com os seus subordinados.

Apesar de aparentemente nada mais poder ser apontado ao subinspetor, Botto Machado continuou o seu expediente pútrido e corrosivo.

Contudo, por vezes, a verdade é reposta por caminhos inesperados, e é um jornal nortenho de caráter religioso e até de alguma forma antipático aos ideais de Fernando Lacerda que deita abaixo a prosa malévola do causídico:

"... É, geralmente, conhecido o Sr. Lacerda pelo passa-culpas. Multas... paga-as do seu bolso, quando não pode livrar delas os desgraçados. Órfãos, não só os protege como os tem em casa, dando-lhes leite, pão, instrução e educação.

Não se lhe conhece um acto indigno. Nunca ninguém o procurou em vão para uma obra piedosa. Profundamente

religioso, é profundamente justo. Todos os desgraçados, quando mais aflitos, vão colher uma esperança e um alento junto dele.

Isto di-lo em Lisboa, segundo mo comunicam, toda a gente.

Dá colocação aos sem trabalho, esmolas valiosas e constantes aos que dele se abeiram envoltos em lágrimas... às vezes, de crocodilo.

Ajuda todos como pode, sem os sugar... o que é raro. Pode ter entrada nos lares honestos. Nunca os

manchou... por causa da grande teoria do amor livre. Nunca protegeu nenhuma mulher... para lhe impor uma baixeza.

É digno, é puro, é bom.

Tão inteligente como honesto, os próprios inimigos, que, afinal, são poucos, não lhe negam nenhuma daquelas qualidades.

Um defeito lhe apontam: ser fraco pela sensibilidade que o leva à maior abnegação."

Como vemos, um caráter inatacável vai sempre granjear admiração mesmo nos mais insuspeitos.

Num outro plano (mas que vai se entrechocar com o mundo profissional), tendo Fernando de Lacerda aceitado patrocinar, no bairro da Graça, um clube recreativo, voltado para o teatro amador, que chegou a frequentar esporadicamente, na

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medida da disponibilidade de suas obrigações. Mais tarde, vindo a descobrir que as dependências do mesmo eram utilizadas para a prática de jogos de azar, o que era contrário à lei, à época, chamou a atenção dos dirigentes e se afastou da agremiação.

Em Fevereiro de 1911, o periódico Vanguarda estampou na primeira página um novo artigo sobre a sindicância de Fernando de Lacerda à Polícia e, na última semana do mês, informava aos leitores que, em uma operação policial contra o clube recreativo ao qual ele havia pertencido, havia sido descoberta a prática de jogos de azar, com a consequente detenção de jogadores e apreensão de mobiliário. A nota informava que Fernando de Lacerda estava suspenso de suas funções, como conivente com aquela prática ilegal.

Devido à repercussão do caso, Fernando de Lacerda foi admoestado no sentido de que não poderia mais continuar a exercer o seu cargo na polícia. Poucas semanas depois, informado por amigos de que a sua demissão da função pública era iminente, preparou-se para embarcar para o Brasil, entregando aos seus irmãos a direção da fábrica, cuja situação financeira não era das melhores à época, bem como a educação das crianças, então já com 12 anos, que até então educadas na sua residência, passaram a estudar em escolas públicas.

Com um empréstimo que aceita do médico da Polícia, seu amigo particular, adquiriu a passagem de navio. Embarcou, em Lisboa, a 10 de Julho de 1911, com destino ao Rio de Janeiro, onde aportou a 23 de Julho, sendo acolhido e albergado por outro amigo, o Dr. Fernando de Moura, que o conhecera numa viagem realizada a Portugal alguns anos antes, e por este apresentado, no mesmo dia, à Federação Espírita

Brasileira, onde imediatamente foi convidado a participar da sessão que ali se realizava.

De Portugal, pouco depois, recebeu a notícia da sua demissão, confirmada por carta do Dr. António José de Almeida, seu amigo, encontrada pelo seu afilhado, anos mais tarde, ao arrumar-lhe os pertences pessoais.

Fernando de Lacerda alugou um quarto num sobrado com quartos para solteiros e começou a busca por emprego. Inicialmente dirigiu-se à Polícia do Rio de Janeiro, onde lhe foi oferecido o mesmo cargo que desempenhara em Lisboa, com as mesmas regalias e melhor vencimento, com a única condição de que teria que se naturalizar brasileiro, uma vez que os cargos públicos não podiam ser exercidos por estrangeiros. Fernando de Lacerda, cidadão e patriota português, mesmo diante do abandono a que a sua própria pátria o votava naquele transe, agradeceu a generosa oferta que, por essa razão, se sentia obrigado a recusar.

Sem função, veio a conhecer privações, minoradas pelos esforços do Dr. Fernando de Moura, que com os seus familiares muito o estimava. É ele quem, evitando que o médium português se sentisse constrangido pela situação de dependência em que vivia neste exílio auto-imposto, colocou em prática um estratagema: faz a Fernando de Lacerda uma venda fictícia de dois sobrados na antiga praia do Flamengo, então inscritos em projeto de demolição pela municipalidade, passando o médium a viver dos magros proventos advindos dos seus apartamentos.

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No Brasil, o médium continuou a receber as comunicações dos amigos espirituais, entregando-as aos jornais cariocas para publicação, enquanto prosseguia a sua tarefa mediúnica de doutrinador dos Espíritos em sofrimento.

Com a chegada ao Rio de Janeiro do seu afilhado que, concluído o curso de Contabilidade, vinha trabalhar no Banco Nacional Ultramarino (BNU), uma hérnia que há muito o fazia sofrer rebentou, sendo o médium conduzido a um hospital para uma cirurgia de emergência, à qual não resistiu, vindo a falecer de septicemia no dia 6 de Agosto de 1918, por volta das 18 horas. O seu corpo foi sepultado no dia seguinte, no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, vindo os seus restos a ser transladados, em Setembro de 1939, para um jazigo que ele próprio mandara erguer, no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, em última homenagem à sua mãe.

Encerramos esta pequena súmula de uma vida por demais preenchida para caber no papel, um texto publicado no 25.º capítulo do 4.º tomo do Paíz da Luz:

"... e do montão de escombros, que parecia dever esmagar-te, tranquilo e sereno, sentindo mais as dores dos outros que as próprias! Que rija têmpera a tua! Que nobre exemplo tu dás! Ver-te hoje pobre, quando ainda ontem te podias considerar rico desacreditado, quando ainda ontem te supunhas firme em serviço da tua pátria. E nem uma acusação acre, nem um queixume severo contra os que te roubaram reputação, fortuna, lugar, futuro! Antes, na serenidade da tua consciência, pensas só nas mágoas que podem ter os teus verdugos pela injustiça que praticam! Mágoas? (...). Mágoas nos teus verdugos não as há, não as creias! Os que se vingam e os que são considerados instrumentos da vingança, não merecem a tua consideração. (...)

A esta memorável tarefa a que Fernando Lacerda se dedicou, onde os imortais se encontraram para cantar a grandeza do universo, seguir-se-ia a monumental obra de um dos mais extraordinários médiuns que o mundo conheceu: Chico Xavier.

Cemitério do Alto de São João

À época de sua desencarnação, trabalhava na preparação do quarto volume de “Do Paíz da Luz”. Um amigo retomou os originais deixados pelo médium, vindo a ser publicado o último volume da série.

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João Leão Pitta fez os seus primeiros estudos no Funchal, onde estudou num colégio particular e alcançou um grau de instrução ao nível do secundário. Terminados esses estudos deliberou ir para o continente a fim de se aperfeiçoar e escolher uma carreira.

Nessa altura surgiu um imprevisto: seus pais alimentavam a ideia de fazer com que ele seguisse a carreira eclesiástica e se ordenasse padre católico.

Entretanto, a sua propensão era norteada no sentido de ser admitido na Marinha portuguesa. Não conseguindo estudar o que aspirava, veio para o Brasil sem o consentimento

JOÃO LEÃO PITTA11 de Abril de 1875 - 11 de Fevereiro de 1957

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de seus pais, aportando no Rio de Janeiro com apenas 16 anos de idade e com 400 réis no bolso.

Não tendo conhecidos nem parentes, empregou-se numa padaria, onde, pelo menos, tinha acomodação e alimentação. Não se sentindo bem na antiga Capital Federal, decidiu transferir-se para a cidade de Piracicaba, no Estado de S. Paulo, onde se casou com D. Maria Joaquina dos Reis, de cuja ligação teve o prolífico número de 12 filhos. Posteriormente voltou para o Rio de Janeiro, onde se ocupou da profissão de tecelão, chegando a ser contramestre da fábrica.

Um acontecimento, no entanto, mudou o rumo de sua vida. Uma de suas filhas ficou bastante doente, e ele, sem recursos para sustentar sua numerosa prole e atender à enfermidade da filha, resolveu procurar um Centro Espírita.

Não estava animado do propósito de haurir os benefícios doutrinários do Espiritismo, mas sim de obter a cura da sua filha. Foi ali que conheceu um médium receitista.

Pitta tinha o hábito de discutir. Porém, o médium não admitia discussões com referência à Doutrina Espírita e deu-lhe alguns livros para que os lesse.

Fez as primeiras leituras com manifesta má vontade, mas, aos poucos, foi tomando interesse e estudou as obras básicas da codificação kardequiana.

Com a desencarnação de três de suas filhas, vítimas de uma epidemia, sua esposa, cumulada de profundos desgostos, fez com que a família voltasse de novo para Piracicaba.

Conhecedor do Espiritismo, não perdeu tempo e logo descobriu que, na cidade, as reuniões espíritas eram realizadas mais por curiosidade de que por apego aos estudos. Tomou então a deliberação de convocar alguns amigos, demonstrando-lhes a responsabilidade moral de cada um, após o que conseguiu, em companhia de outros confrades, compenetrados do caráter sério e nobilitante da Doutrina dos Espíritos, fundar, no ano de 1904, a "Igreja Espírita Fora da Caridade não há Salvação", a pioneira das instituições espíritas da cidade.

Logo após a fundação do Centro Espírita, o clero católico moveu-lhe acerba campanha e, como decorrência não conseguiu emprego na cidade e ficou sem crédito por mais de um ano. Todos lhe negavam serviço, apesar de ser homem honesto e trabalhador. Nesse período crítico de sua vida, sua esposa costurava para ganhar algum dinheiro, conseguindo assim amparar a família e superar a crise.

Logo após, conseguiu arranjar emprego numa loja de ferragens de propriedade de Pedro de Camargo, que mais tarde se tornou o famoso Vinícius. Nessa firma trabalhou durante 20 anos, chegando a ser sócio interessado, tal a sua operosidade e honestidade a toda prova.

Nos idos de 1926 a 1929, como pretendesse melhorar a sua situação económico-financeira, a fim de propiciar melhor educação para seus filhos, instalou uma fábrica de bebidas. Tudo ia bem. Porém, como estivesse sempre pronto a atender aos amigos e aos necessitados, impulsionado pelo seu bom coração, acabou perdendo tudo, mais de 200 contos de réis, verdadeira fortuna naquele tempo. Viu-se então face à dura

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contingência de hipotecar a sua própria moradia, perdendo-a por excesso de amor ao próximo.

Em 1930, resolveu trabalhar na divulgação do Espiritismo, fazendo propaganda e angariando assinaturas para a "Revista Internacional de Espiritismo" e para o jornal "O Clarim". Deixou o convívio sossegado do seu lar, de seus filhos, para viajar pelo Brasil, percorrendo centenas de cidades, pregando o Evangelho e disseminando aquelas publicações e as obras espíritas do grande missionário que foi Cairbar Schutel.

Em todas as cidades por onde passava, fazia suas pregações doutrinárias.

Profundo conhecedor dos textos evangélicos, esmiuçava-os com profundidade e com bastante clareza, tornando-os inteligíveis para todos.

Quando falava, suas palavras eram cadenciadas e precisas.

Nessa obra missionária viveu 21 anos ininterruptos, percorrendo vários estados do Brasil, notadamente Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Os transportes por ele utilizados eram dos mais precários. Muitas vezes fazia longas caminhadas a pé, a cavalo, de trem, de caminhão e de autocarro, alimentando-se e dormindo mal. Tinha imenso prazer em atender aos convites que lhe eram formulados e, sentindo-se sempre inspirado pelo Alto, levava o conhecimento de "O Evangelho Segundo o Espiritismo" a milhares de pessoas e lares. Fez milhares de conferências em Centros Espíritas, praças públicas e cinema.

Nessas extensas caminhadas, algumas de muitos quilómetros, auxiliava os mais necessitados com os recursos que ia amealhando. Socorria muitas pessoas, sem distinção de crença religiosa, dando-lhes dinheiro para consultar médicos, comprar óculos, adquirir mantimentos e para outros fins.

Era modesto no trajar. Possuía longas barbas brancas e as crianças o confundiam com o Pai Natal. Crianças que ele adorava e com quem brincava e tentava orientar.

Sofria sempre calado, sem lamúrias, consciente de que os sofrimentos na Terra, quando não identificados na vida

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presente, são por vezes oriundos de transgressões cometidas em vidas anteriores.

Com a idade de 75 anos, foi acometido de insidiosa enfermidade e submetido a delicada intervenção cirúrgica, vindo a desencarnar 6 anos mais tarde.

João Leão Pitta deixou várias monografias inéditas.

Vale muito a pena ler este texto que Jorge Rizzini publicou no seu livro acerca de um dos maiores pensadores ao serviço da Doutrina: Herculano Pires - O Apóstolo de Kardec.

Na obra, Jorge Rizzini recolhe o testemunho de Herculano, acerca do seu encontro com o Madeirense Pitta.

– um português natural da Ilha da Madeira, nascido em 11 de abril de 1875, grande amigo de Cairbar Schutel e divulgador de sua obra, a quem Herculano, mais tarde, chamaria de “apóstolo do Espiritismo no Brasil”. Leão Pitta pronunciou entre Minas Gerais e Rio Grande do Sul 4 mil conferências, segundo informações do jornal O Clarim, da cidade de Matão, por ocasião de sua desencarnação meses antes do seu aniversário aos 82 anos de idade, no dia 11 de fevereiro de 1957. Era idoso quando Herculano Pires conhece-o. Forte amizade os uniria.

A figura de Leão Pitta lembrava a de um velho profeta bíblico. Herculano Pires assim o descreveu: “De longas barbas brancas, sobrancelhas bastas, olhos azuis, faces coradas, João Leão Pitta era uma figura irradiante de simpatia e de bondade”. E sobre sua oratória: “Orador fluente, sincero, ardendo de verdadeiro amor pela doutrina, Pitta sabia falar ao povo. Servia-se, a exemplo das parábolas evangélicas, de imagens da vida prática, para transmitir os mais elevados ensinamentos doutrinários”. E Herculano Pires, nessa mesma crônica publicada no Diário de São Paulo em 1958, acrescenta que era Pitta “um homem de temperamento impulsivo, que se domava a si mesmo, como costumava dizer, e não gostava de ser considerado nem queria passar como santo”. E relata a propósito o seguinte episódio pitoresco: “Em Botucatu, num dia em que pronunciava uma palestra sobre a paciência, teve ligeiro atrito com outro grande e saudoso pregador da doutrina, José Mariano de Oliveira Lobo. Como este o acusasse de ter perdido a paciência, Pitta respondeu com muita graça: “Não te esqueças, meu amigo: se tu és lobo, eu ainda sou leão!”.

Encontro com João Leão PittaJorge Rizzini

A primeira palestra doutrinária a que Herculano Pires assistiu foi realizada em Cerqueira César por João Leão Pitta

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E Pitta riu-se, provocando uma gargalhada geral. De outra feita, “um pregador espírita novato procurou o velho João Pitta para consultá-lo sobre o que devia pregar. Pitta rangeu os dentes fortes de português da Madeira, seus olhos brilharam por baixo das pestanas brancas de Papai Noel e ele disse: “Não pregue nem faça discursos. Ensine o que souber, depois de haver lido e estudado Kardec. Fiz milhares de pregações e me arrependo de meus entusiasmos. Na verdade, conversando depois com os ouvintes que me elogiavam, tive a surpresa de verificar que de todos os meus falatórios, só uma pessoa havia aprendido alguma coisa: eu mesmo, que aprendi a conter a língua”.

E Herculano Pires, que assistira a outra palestra de Leão Pitta na cidade de Marília, relata mais este apólogo real:

João Leão Pitta, falando sobre a dignidade humana, no Centro Luz e Verdade, de Marília, disse: “O homem ruim é a pior coisa que existe no mundo. É pior que o pior dos animais. Um boi ruim, arrombador de cercas, que vive chifrando os outros bois, o dono o mata e aproveita tudo o que o seu corpo oferece: o couro, a carne, os ossos, os chifres e até mesmo os cascos. Mas de um homem ruim nada se aproveita. Morto, tem que ser enterrado às pressas para não empestar a casa com o seu mau cheiro”.

A descoberta das ilhas Açorianas, é um assunto bastante polémico, uma vez que aparentemente elas estão presentes em mapas genoveses do século XIV, sendo no entanto a história oficial, terem elas sido encontradas por marinheiros portugueses ao serviço do Infante D. Henrique.

Inconteste, no entanto, é que Diogo Velho terá chegado à Ilha de Santa Maria em 1431. Progredindo então no sentido Oeste, levando a que as Ilhas de São Miguel e a de Jesus Cristo fossem respetivamente a segunda e a terceira (de 9) a serem "encontradas".

Foi precisamente na Ilha de Jesus Cristo - que viria a receber o nome "Terceira" por ter sido a terceira a ter sido encontrada - que José Machado Tosta viria a nascer.

JOSÉ MACHADO TOSTAIlha Terceira, 29 de Dezembro de 1875 -

Rio de Janeiro, 27 de Abril de 1929

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Mais precisamente, nasceu em 29 de dezembro de 1875, na Ilha Terceira e desencarnou em Marechal Hermes, Rio de Janeiro, no dia 27 de abril de 1929.

José Machado Tosta foi ainda criança para o Brasil. O que não deixa de ser interessante, uma vez que todos

os Terceirenses possuem bem perto da sua vista o Monte Brasil…

Ingressando nas fileiras espíritas, tornou-se notável divulgador. Foi parceiro de trabalho e prestimoso auxiliar de vários trabalhadores espíritas, nomeadamente de outro dos nossos biografados, o notável médium Inácio Bettencourt.

Destacou-se Machado Tosta também pelo seu empenho e coragem em publicar colunas espíritas em jornais, como, por exemplo, "O Jornal" e "Gazeta de Notícias", tradicionais órgãos da imprensa carioca, à época.

Foi escriturário no Departamento de Correios e Telégrafos e, no recesso do lar, fazia-se dedicado professor dos seus sobrinhos e de seus filhos.

No ano de 1925, em companhia de Carlos Imbassahy, fundou o Centro Espírita Fraternidade, de Marechal Hermes - RJ, tornando-se figura querida de todos que tiveram oportunidade de o conhecer.

Machado Tosta foi representante do jornal "O Clarim" e da "Revista Internacional de Espiritismo", órgãos publicados em Matão - SP pelo grande pioneiro espírita Cairbar Schutel, de quem se tornou porta-voz na cidade do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo promovia intensa divulgação das obras desse incansável trabalhador.

Promoveu também numerosas conferências no Rio de Janeiro, convidando sempre os melhores oradores da época, entre eles Vianna de Carvalho.

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Foi um autêntico trabalhador da seara espírita, conseguindo atrair para essa grandiosa doutrina muitas pessoas de boa vontade. Foi amigo intransigente da verdade e um elemento de profundo enriquecimento para a cultura espírita.

Amigo e companheiro do grande poeta Amaral Ornelas, deixou um número razoável de composições em forma de versos, bem como grande bagagem literária.

Quando surgiu, em Pedro Leopoldo, o médium Francisco Cândido Xavier, ensaiando seus primeiros passos no campo da psicografia, José Machado Tosta entusiasmou-se de forma inusitada pelas produções vindas do Além, tendo sido pioneiro na divulgação das novas mensagens através do jornal "Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro.

Interessante (como citado anteriormente) o facto do excelente médium Chico Xavier ter sido lançado, na imprensa leiga, por José Machado Tosta, e, na imprensa espírita, por Inácio Bettencourt. Ambos os jornalistas eram portugueses, nascidos na Ilha Terceira, nos Açores, e aportados no Brasil ainda bastante jovens.

Agostinho nasceu na velha cidade do Porto no final do século XIX (mais precisamente a 28 de Novembro de 1889).

Filho de Manoel Sebastião Pereira de Souza Júnior e Dona Maria Luiza Ramos de Souza.

Dele não sabemos muito acerca dos seus primeiros anos passados na Cidade Invicta, contudo é certa a sua chegada ao Brasil em 1901. Não deixa de ser curioso o facto de Agostinho ter saído do séc. XIX e abraçado o séc. XX em terras Brasileiras.

Coloquemo-nos agora na posição de um jovem de 12 anos acabado de chegar ao Rio de Janeiro em busca de um lugar para trabalhar.

AGOSTINHO PEREIRA DE SOUSA28 de Novembro de 1889 – 12 de Outubro de 1955

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Do seu lado a sua diligência, honestidade e perseverança, contra si, a inexperiência e o desconhecimento do mundo que agora habitava.

Os prós foram largamente superiores aos contras e Agostinho foi um vencedor, primeiro do mundo e depois e muito mais importante dos valores eternos.

O seu primeiro emprego foi na Alfaiataria “O Fonseca”, na Rua do Ouvidor. Depois passou por várias outras firmas, como: “América-Japão”, “Barbosa Freitas”, “Camisaria Universo”, “Fábrica Confiança”, “O Cysne” e por fim a “Camisaria Brandão”, de onde saiu para fundar a sua própria firma, “O Camiseiro”, a 1 de maio de 1919. Progrediu consideravelmente, chegando a ser uma das maiores firmas no mercado de confeções de camisas no Rio de Janeiro.

Agostinho era pessoa muito respeitada e estimada a todos os níveis. Honesto como era, facilmente ganhava o coração dos seus clientes, bem como os seus colaboradores e parceiros comerciais (como hoje se chama).

De tal forma era ele justo e generoso que a determinada altura ofereceu participação na sua firma aos seus empregados, sempre de acordo com a sua capacidade e empenho.

No campo de suas atividades comerciais, era bastante estimado; tanto pela sua freguesia, como por seus empregados, os quais tornaram-se interessados na firma, recebendo cada um participação nos lucros de acordo com o interesse e a capacidade por eles demonstrados.

Casou-se com Dona Deolinda Veloso de Souza Agostinho, uma linda associação amorosa que frutificou em seis lindos rebentos.

Dona Deolinda era médium de dúctil e nobre expansão mediúnica, que muito trabalhou em prol da Doutrina dos Espíritos.

Depois de um curto período de insidiosa enfermidade, deixa-o viúvo no dia 12 de outubro de 1954. Foi um grande golpe para Agostinho, que o suportou com aquela paciência nascida na Doutrina Espírita, através do conhecimento da imortalidade da alma. No primeiro aniversário da desencarnação de sua idolatrada esposa, exatamente no dia 12 de outubro de 1955, Agostinho, após rápida enfermidade, teve a ventura de se desprender do corpo físico, na maior serenidade, partindo em busca de sua doce companheira de romagem terrena, numa prova inconteste de que eram realmente almas irmãs.

O desaparecimento de Agostinho do cenário espírita do Rio de Janeiro causou grandes saudades e profunda tristeza entre os seus companheiros de trabalho.

Uma perda irreparável pelo grande amor que demonstrava à causa. Espírito humanitário, dedicado ao bem, colaborava em quase todas as obras de assistência à criança e à velhice desamparadas, ajudando indiscriminadamente a quantos dele necessitassem, na razão de suas possibilidades, e usando o critério de observar a necessidade de cada um, para o devido socorro.

Agostinho Pereira de Souza tinha inabalável fé em Jesus. Passou por sérias dificuldades na vida, mas nunca se deixou abater, mesmo diante dos mais difíceis problemas; a

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sua fé suplantava todas as vicissitudes, certo de que Deus, o magnânimo Pai e Criador de todas as coisas, supre sempre as nossas deficiências, porque tem tudo para nos dar, desde que entremos em sintonia com Ele, através da fé, recomendada por Jesus. Sua crença na imortalidade da alma era fundamentada na Doutrina Espírita, segundo a Codificação dada a Allan Kardec pelo Espírito Verdade. Jamais Agostinho se afastou dos postulados da Doutrina dos Espíritos.

Fez parte do Conselho Superior da Federação Espírita Brasileira, era membro da diretoria do Grupo Espírita “Anthony Leon” da Tijuca, e fez parte da Fundação Marieta Gaio, ao lado de seu fundador Manoel Jorge Gaio. Por sugestão de Leopoldo Machado, depois do sucesso de uma grande promoção em sua casa comercial, procurou a direção da Associação Espírita “Obreiros do Bem”, que na oportunidade pretendia construir um Hospital para Doentes Mentais. Interessou-se pela obra, doou o terreno na Rua Santa Alexandrina, no Rio Comprido, e sob sua Presidência, esforço e tenacidade, coadjuvado por uma plêiade de outros dinâmicos companheiros, deu início à construção do Hospital Espírita “Pedro de Alcântara”, uma obra de grande envergadura.

Na sua ânsia de servir, Agostinho ainda organizou junto ao Hospital a Casa de Saúde e Maternidade “Santo Agostinho”, em homenagem ao grande Agostinho do Cristianismo, de cuja personalidade herdou o nome. Esse majestoso Hospital, infelizmente, hoje já não ostenta em seu frontispício o nome Espírita; sua direção não é espírita, embora sendo propriedade da Associação Espírita “Obreiros do Bem”.

Os diretores e companheiros da Instituição não podem aplicar a terapêutica espírita nos doentes mentais ali internados, conforme o ideal de seu fundador e de toda a sua equipa de trabalhadores. Um médico, ex-diretor do Hospital foi ameaçado de processo, por médicos estagiários, porque aplicava um passe numa criatura obsidiada, ali internada como doente mental, sendo obrigado a abandonar suas funções de diretor do Hospital. Falar da obra de Agostinho Pereira de Souza é um nunca acabar, pois, não houve uma só realização dentro do terreno espírita no Rio de Janeiro em que o seu nome não figurasse em primeira linha. Juntamente com Leopoldo Machado, fundou a Hora Espírita Radiofônica na antiga Rádio Transmissora.

Foi um dos baluartes na realização do I Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil, junto a Leopoldo Machado,

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Lins de Vasconcellos, Carlos Imbassahy e tantos outros. Orador fluente, tomou parte em diversas Semanas Espíritas e no constante “Ide e Pregai”, por todo o antigo Distrito Federal. Escreveu vários opúsculos baseado nos seus conhecimentos doutrinários e muito ajudou Leopoldo Machado na publicação de seus livros. Coração bondoso, calmo, comedido, temperamento cristão, Agostinho Pereira de Souza, foi reconhecidamente humilde em todas as suas realizações. Seus atos, suas atitudes, seu devotamento à Causa Espírita, seu amor a Jesus, levaram-no a sublimes exemplificações, pregando o Evangelho não só por palavras, mas acima de tudo pelo exemplo.

José Borges dos Santos nasceu na manhã do dia 29 de Abril de 1891 na localidade de Vilares, na freguesia de Campelo, concelho de Baião, distrito do Porto.

Filho de Justino José Borges e Emília Rosa Borges. O seu batismo deu-se sete dias após seu nascimento, em 5 de maio, na Igreja Paroquial de São Bartolomeu na freguesia de Campelo no concelho de Baião.

No dia 06 de dezembro de 1922 chega José ao Brasil, acompanhado de seu irmão António Borges. Ambos vêm para trabalhar na construção.

Após breve estada na região amazónica, dirigiu-se para a construção do Açude de Pilões em São João do Rio do Peixe

JOSÉ BORGES DOS SANTOS29 de Abril de 1891 - 22 de setembro de 1979

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na Paraíba como Mestre-de-obras, e em seguida rumou para o Ceará, onde viria a fixar-se definitivamente.

Em termos da área profissional que escolheu, José Borges dos Santos, viria a ter uma carreira repleta de sucesso e marcada por obras de enorme visibilidade para a época e que ainda hoje são exemplos de boa construção e arquitetura, como são os casos de duas obras iniciadas na década de 20, já em Fortaleza: A Ponte dos Ingleses, construída para suceder à velhinha Ponte Metálica (que no projeto deveria se tornar o Porto de Fortaleza, mas que na realidade nunca foi terminada) e o Excelso Hotel, ainda hoje considerado o maior edifício do mundo no seu género (completamente construído em alvenaria).

Por essa altura, conhece José aquela que será a sua companheira para a vida: D. Francisca Maciel que, acometida por uma enfermidade, é tratada pelo médium António José Cerdeira do Centro Espírita Cearense com medicação homeopática. Por essa altura José estava a iniciar-se como frequentador desse mesmo Centro, o que levou a que ambos se encontrassem. O que certamente já estaria programado no plano espiritual. Viriam a casar-se no dia 1 de fevereiro de 1927, e dessa feliz união nasceriam 13 filhos, oito rapazes e cinco meninas.

Dois deles viriam a tornar-se alguns anos mais tarde, Presidente e Vice-Presidente da União Espírita Cearense, respetivamente: Orlando e Milton Borges.

Os primeiros passos tinham sido dados para a hercúlea tarefa de divulgação que José Borges dos Santos assumiria nessa encarnação.

Em 26 de Julho de 1928, viria a ser um dos fundadores do Grupo Espírita Auxiliadores dos Pobres, que foi uma

continuação lógica das reuniões doutrinárias que tinham lugar na casa de António Alves de Linhares.

Na década de 30, dão-se várias alterações a nível laboral, tendo inicialmente José Borges assumido uma posição como auxiliar do comércio num armazém, propriedade de António Ferreira Paços e após 2 de Janeiro de 1944 passa a ser caixeiro-viajante em representação desse mesmo armazém.

Aproveitando a possibilidade de viajar pelo interior do Ceará, acaba por divulgar a Doutrina por todos os lugares por onde passava.

Viria a trabalhar nessa profissão até à sua aposentadoria em 1959.

A partir de 1931, a atividade de José tornou-se ainda mais agitada, tendo sido eleito pela primeira vez presidente do Grupo Espírita Auxiliar dos Pobres no dia 26 de Julho de 1931.

Grupo Espírita Auxiliar dos Pobres

Uma vez que os mandatos eram de apenas um ano, em 1932, é reeleito para o mesmo lugar.

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Todas as iniciativas do movimento alencarino (diz-se daquele que nasceu na cidade do famoso escritor, José de Alencar, Fortaleza) por essa altura tinham sempre a sua presença e labor.

Participou com outros companheiros de ideal, de entre eles Manoel Coelho da Silva, José Feliciano da Silva e Joaquim Manoel de Carvalho, na consolidação das sociedades espíritas que surgiram naqueles dias, tais como: Liga Espírita Léon Denis (1933), Grupo Espírita Allan Kardec (1933), Grupo Espírita Deus e Caridade (1934), Centro Espírita Pedro, o Apóstolo de Jesus (1936), Centro Espírita Joana D’Arc (1938) e inúmeras outras.

É muito importante notar, que na segunda metade da década de 30, este corajoso homem foi um lutador tremendo em nome da Doutrina, correndo riscos imensos por altura do Estado Novo de Getúlio Vargas, sendo perseguido e alvo de polémica por homens do Clero e por indivíduos de poder público, teve de lutar na clandestinidade e chegou a ser detido pelas autoridades, ainda que libertado de seguida em virtude da admiração que todos tinham pelo seu caráter impoluto.

Entre os seus companheiros de luta, contam-se os nomes de: Antônio Ferreira Passos, Teodorico Barroso, Euclides César e Humberto Cruz.

Aqui vamos dar a palavra a André Luiz Borges, que escreveu uma belíssima homenagem ao nosso biografado.

"Na década de 40 é eleito Presidente da Confederação Espírita Cearense, entidade agregadora do movimento espírita para o biênio 45/46, sendo reeleito sucessivamente para os biênios de 47/48 e 49/50. Neste período publicou os jornais “Ceará Espírita” com José Elias de Correia e o “A Voz do Alto” com Antônio Isaías de Jesus, promoveu a criação de uma livraria espírita, e conseguiu

espaços nos órgãos noticiosos como o Correio do Ceará, Unitário e O Jornal para a divulgação dos postulados espíritas pela pena de diversos colaboradores. Apoiou a fundação da Legião Espírita Feminina de Ester Sales e da Casa de Saúde Antônio de Pádua com José Ferreira Mota.

Nos dias 21 a 23 de novembro de 1950, liderada por Leopoldo Machado juntamente com outros caravaneiros no sul do país chegam a Fortaleza com o propósito de Unificação da família espírita dos estados do nordeste e do norte do Brasil em torno do Pacto Áureo. E em decorrência direta desta memorável passagem da Caravana da Fraternidade a União Espírita Cearense é fundada no dia 05 de agosto de 1951 e José Borges dos Santos é aclamado presidente da UEC para a qual foi reeleito sucessivamente até o seu último mandato (sétimo), 1963/64."

Jornal Espírita "A Voz do Alto"

Continuando o seu trabalho ciclópico, nos anos 50, mais precisamente a 5 de Agosto de 1951, com a criação do Pacto Áureo, a Confederação Espírita Cearense transformou-se no que é atualmente, União Espírita Cearense (anteriormente Grupo Espírita Auxiliar dos Pobres), tendo sido José Presidente da antiga Confederação, foi escolhido em assembleia geral para ocupar o cargo de Presidente da novel entidade, onde permaneceu por largos anos.

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União Espírita Cearense (antigo GEAP)

Em 1953 fundou o Centro Espírita Jardim Evangélico Bezerra de Menezes, em 1954 criou o Departamento de Infância e Juventude da União Espírita Cearense. A partir de 1956, organiza as Confraternizações de Mocidades Espíritas e no mesmo ano realiza as Confraternizações dos Centros Espíritas Cearenses.

Em 1957, como não pode deixar de ser, prepara as comemorações do dia 18 de Abril de 1957, o Primeiro Centenário da Codificação do Espiritismo!

Essas comemorações tiveram lugar na famosa praça José Bonifácio.

Concomitantes as suas atividades espiritistas, José Borges ainda dirigiu de 1966 a 1969 a Presidência da Sociedade Beneficente Portuguesa Dous de Fevereiro (fundada em 02/02/1872).

Entre diretores e trabalhadores das diversas associações em que deu o seu contributo, José sempre se destacou a grande altura em virtude das suas qualidades humanas associadas a uma inteligência muito viva, espírito de iniciativa e grandes dotes oratórios.

Era realmente um orador eloquente que sabia como poucos levar a mensagem doutrinária com entusiasmo, fé e profundos conhecimentos. Sabia de cor diversos poemas e orações famosas, a ponto de saber recitar com a sua extraordinária memória os versos dos Lusíadas. Mantinha-se atualizado pelas constantes correspondências com as diversas (antigas) colónias portuguesas da época.

Foi, sem dúvida, um grande divulgador e o responsável direto pela implantação da Doutrina dos Espíritos no Ceará.

Demonstrou essas qualidades em vários momentos, como na realização de verdadeiras caravanas de companheiros que visitavam as casas de outros confrades com o fim de implementar o Evangelho no Lar, campanha que tantos benefícios trouxe às famílias Cearenses.

Durante a ditadura militar de 1964, seu espírito aguerrido, apesar do avanço da idade, ainda teve de enfrentar as agruras do regime que influenciado por interesses escusos de terceiros tomou de assalto a Casa de Saúde António de Pádua (que fundou conjuntamente com José Ferreira Motta), provocando um litígio que durante sete anos, após recorrer e vencer em todas as instâncias da lei, conseguiu a sua última vitória no Supremo Tribunal Federal em Brasília, que reconheceu a ilegalidade da ação militar e a imediata restituição da instituição hospitalar para sua legítima patrona, a União Espírita Cearense.

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Casa de Saúde António de Pádua

Em relação aos últimos anos deste extraordinário trabalhador espírita, retomemos as palavras de André Luiz Borges:

"Em decorrência da hercúlea luta as forças vitais do velho guerreiro não resistiram às deceções, traições e infortúnios outros que lhe abalaram a saúde, e provocando seu desencarne em 22 de setembro de 1979 aos 88 anos de idade em Fortaleza, retornando ao Lar Espiritual, para dar continuidade às suas tarefas, na condição de espírito liberto das limitações humanas. Partia assim, para o Mundo Maior, o grande e último responsável pela implantação do Movimento Espírita do Estado do Ceará, dignificado pelo trabalho e devotamento à Doutrina Espírita. Pela primeira e única vez, saiu da sede da União Espírita Cearense, um cortejo de despedida da Casa que viu surgir e abrilhantar na história do movimento espírita cearense, um de seus mais ilustres seareiros. Centenas de admiradores, amigos, familiares, funcionários da Casa de Saúde Antônio de Pádua, representantes de sociedades espíritas, maçonaria, beneficência portuguesa e os dirigentes e trabalhadores do GEAP/UEC estiveram lado a lado para dar o último adeus àquele que é o maior ícone do espiritismo cearense do século XX."

Cerimónia de despedida a José Borges dos Santos

A atestar da importância do homem e do seu trabalho, lembremos que, do seu esforço, incessante, nasceram numerosos centros espíritas, alguns dos quais desapareceram através dos tempos, mas outros continuam a sua rota, a saber:

C.E. Aurora Redentora (R. Professor Wilson Aguiar, 432, Fortaleza); C.E. João Batista (Rua Ametista, 500, Monte Castelo, Fortaleza); C.E. Ismael, Caridade e Luz (Rua Boa Vista, 841 - Mucuripe, Fortaleza); C. E. Fé, Esperança e Caridade (Av. Ten. Lisboa, 1345, Jacarecanga, Fortaleza); Grupo E. Auxiliar dos Pobres (Av. Tristão Gonçalves, 1695, Benfica, Fortaleza); C.E. Léon Denis (Av. Emílio Menezes, 727, Bom Sucesso, Fortaleza).

Além disso, esteve também na fundação da Legião Espírita Feminina, da Legião Espírita Léon Denis, assim como a Mocidade Espírita Cearense.

Fez parte também da Direção da Beneficência Portuguesa.Em 3 de Outubro de 1980, por proposta do Vereador

Joaquim Pinheiro de Almeida, foi dado o nome de José Borges dos Santos a uma rua no bairro Sapiranga, em Fortaleza.

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Certamente que, do Alto, este notável homem continuará a proteger e a trazer inspiração aos trabalhadores que continuam a sua obra, uma obra que é tão importante lembrar quanto proteger.

Nasceu em Condeixa (Portugal) a 27 de Julho de 1891 e desencarnou em Araçatuba a 2 de Agosto de 1946.

Chegou ao Brasil em 1914, indo residir inicialmente em Santos. Procedente de São José do Rio Preto, chegou em Araçatuba no ano de 1921.

Casado com D. Conceição Pires do Rio, tiveram os filhos: Conceição, casada com Mário Lino; Albertina, casada com Nelson Porto; Ruth casada com Arthur Evangelista de Souza; Áurea, casada com Francisco de Camargo Penteado; José, casado com Luzia Herbeler.

Aqui, trabalhou em comércios de secos e molhados, às ruas Marechal Deodoro e General Glicério. A partir de 1932

ANTÓNIO PIRES DO RIO27 de Julho de 1891 - 2 de Agosto de 1946

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passou a administrar e residir na fazenda do Dr. José Teodoro de Lima, que era um dos proprietários do Cartório do 2.º Ofício da Comarca de Araçatuba e depois a fazenda do Dr. Pedro Garaude.

Em 1939 adquiriu uma "jardineira", como eram conhecidos os ónibus/autocarros na época, que transportavam pessoas e alguma carga e com esta percorria o trecho da cidade até ao bairro de Jacutinga.

Por essa época iniciou as suas atividades espíritas, orientado pelo amigo Vicente, que lhe ofereceu provas da imortalidade dos espíritos.

O Dr. Teodoro de Lima mudou-se de Araçatuba e pouco depois faleceu.

Certo dia, o sr. Pires do Rio, foi convidado para conhecer uma médium e, durante o contacto com esta, houve uma manifestação espontânea do espírito Teodoro de Lima. O visitante reconheceu o espírito comunicante e, a partir daí, tornou-se espírita.

Pires do Rio construiu um salão no terreno de uma das suas residências, à Rua Cussy de Almeida, entre a Rua Duque de Caxias e a Praça Getúlio Vargas.

Neste Centro Espírita, dirigiu reuniões e atendia pessoas necessitadas, atividades de evangelização, desobsessão e de curas. Para isso contou com a colaboração de seu amigo Sebastião de Silos.

À Época, os seus familiares não eram espíritas, mas a irmã do seu futuro genro Francisco, de seu nome Maria de Lourdes Camargo Pinto, já era bastante atuante no movimento espírita araçatubense.

Em sua homenagem o seu nome foi colocado numa rua situada no Jardim da Amizade.

Sobre António Pires do Rio, muito ainda há para descobrir, mas o seu nome é frequentemente citado entre os pioneiros do Espiritismo em Araçatuba.

De outra forma, não teria este valoroso trabalhador uma rua em seu nome na sua cidade de acolhimento.

Fica aqui a promessa de uma investigação muito mais profunda acerca deste português de nascimento, mas brasileiro pela obra.

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Nascido a 2 de Setembro de 1892, em localidade incerta na Beira Alta, emigra para o Brasil em 1912 (tinha na altura 20 anos) e vai fixar-se no Sul do país, mais precisamente em Porto Alegre no Rio Grande do Sul.

Cedo José Mattos se casou e cedo também enviuvou, já com família constituída. No mesmo ano (1922), casa, fica viúvo e passa por sérias dificuldades financeiras

Numa visita ao atelier de alfaiataria de um seu amigo, acaba por receber como conselho a visita a um centro espírita, para receber um passe e orientação.

Em busca de melhorar a sua qualidade de vida, José assim o fez...

JOSÉ SIMÕES DE MATTOS2 de Setembro de 1892 - 7 de Julho de 1978

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Muitos são aqueles que, chamados pelo amor ou pela dor, acabam por faltar ao compromisso. Mas o português buscou e por isso encontrou uma resposta para os problemas da sua vida e uma nova esperança na forma de uma comunicação que lhe foi endereçada pelo patrono dos trabalhos do centro, que o informou que Jesus o viria socorrer e que nada temesse, após a comunicação do mentor da casa, manifestou-se o seu próprio protetor.

Nada mais nada menos que Santo António de Lisboa (que por ter trabalhado e morrido em Pádua, é equivocadamente chamado no Brasil, de António de Pádua).

A sua mensagem foi particularmente importante para José, pois não só o animou mas o deixou tranquilo quanto às suas escolhas, na medida em que deixou claro que a sua ida para o Brasil tinha sido com o seu incentivo e proteção.

Exortou-o a ter confiança em Deus, porque a sua situação iria melhorar.

De notar que, como a maior parte dos seus compatriotas, José havia sido criado numa família com crença católica, tendo mesmo frequentado a igreja, mas nunca teve grande interesse em questões religiosas (como viria a confessar mais tarde).

Contudo este foi um momento de viragem na sua vida.Em poucos dias conseguiu uma nova colocação e em

1926, voltou a contrair matrimónio. Ao longo de todo esse tempo, estudou com afinco os livros da Codificação exatamente como lhe havia sido sugerido e passou a frequentar o Centro Espírita com assiduidade.

Por essa altura também, um triste evento ocorre.

A sua filha adoece gravemente e, como tantas vezes ocorre, é desenganada pela medicina oficial que lhe dá pouco tempo de vida.

Apesar de já desperto para a mensagem espírita, ainda não estava José verdadeiramente engajado com o movimento espírita e foi através da intercessão de amigos que ele encontra a Sociedade Espírita Paz e Amor, onde a sua filha vem a ser curada poucos dias depois.

A partir daí o nível de envolvimento de José Mattos com o movimento espírita aumentou exponencialmente e tamanho foi o seu esforço e denodo que veio a ser eleito em 1928 para a Direção da Sociedade Espírita Paz e Amor.

Em 1932, era já vice-presidente da Associação sob a Presidência de Ernesto Teixeira.

Em 1934 começa a colaborar ativamente no periódico espirita "A Reencarnação", órgão oficial da Federação do Rio Grande do Sul, a convite dos confrades Ildefonso da Silva Dias e Conrado Ferrai.

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Veio também a colaborar com muitos outros jornais e revistas, nacionais e internacionais, como a revista Estudos Psíquicos de Portugal e o Constância da Argentina.

Foi também ele esforçado auxiliar do Hospital Espírita de Porto Alegre e no seu jornal Desobsessão.

Extremamente respeitado no movimento espírita "Gaúcho", José assume a vice-Presidência da Federação Espírita do Rio Grande do Sul no ano de 1937 e em 1938 é designado para representar a Federação na inauguração da primeira emissora de rádio espírita do Brasil, a Rádio Piratininga, em São Paulo.

Este acontecimento vem a inspirá-lo a lançar um programa radiofónico de cariz espírita em Porto Alegre. Programa esse que viria a ser conduzido pelo Dr. Paulo Hecker.

Em 1943 aceita ser presidente da Sociedade Espírita Paz e Amor, cargo que viria a desempenhar com entusiasmo durante 36 anos, sempre reeleito por pedido dos seus companheiros de Diretoria.

Mas o seu trabalho no movimento ainda não estava completo e em 1966 foi eleito para o cargo mais elevado da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, a Presidência.

Ocupou o cargo durante 3 mandatos e foi sob a sua direção que a FERGS comemorou os seus 50 anos de existência, ocasião onde ocorreu o 1.º Seminário de Avaliação da Unificação Espírita do Rio Grande do Sul, evento de grande importância e sucesso para o movimento.

50.º Aniversário da FERGS

Quando desencarnou a 7 de Julho de 1978, José Simões de Mattos deixou atrás de si uma obra que ultrapassou em muito as dimensões regionais, mas que tocou almas de vários quadrantes.

Sede da FERGS em 1971

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A seu respeito, encontramos este texto na página oficial da Federação Espírita do Rio Grande do Sul:

" (...) Em que pese a importância capital de todos os presidentes, queremos aqui destacar apenas os nomes de Francisco Spinelli, Angel Aguarod e de José Simões de Mattos, homens cujas histórias se confundem com a história da própria FERGS, os quais também serão objeto de trabalhos em separado nesta edição especial.

Angel Aguarod foi a pedra fundamental para o nascimento da entidade e para a nascente Unificação (já no plano espiritual será o impulsionador do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita); Spinelli foi o grande empreendedor (inaugurou a nova sede e a livraria, além de ser o pioneiro em diversas campanhas, alcançando importância nacional, perante a FEB); e Mattos foi grande entusiasta da família, em especial no que tange à evangelização da infância e da juventude, as caravanas do Evangelho aos lares, evangelho no lar, dentre outras bandeiras que ergueu em nome da FERGS.

A todos os presidentes e a todos que na obscuridade dos bastidores e do trabalho abnegado ergueram o monumento que é hoje a instituição máter do Espiritismo gaúcho, nosso sincero obrigado."

Nasceu a 23 de Maio de 1898, em Torre de Moncorvo, no Nordeste Transmontano (distrito de Bragança), paredes-meias com Espanha.

Filho de Aníbal Ernesto Guerra e Emília Santos Guerra, ambos naturais desta belíssima região do Nordeste Luso, nascida no período medieval a partir de Vila Velha de Santa Cruz da Vilariça, situada no topo da margem direita do rio Sabor e nas proximidades do núcleo de vida pré-histórica do Baldoeiro.

Toda a infância passou na sua terra natal, tendo desde cedo começado a trabalhar no pastoreio de cabras.

Aos 14 anos viajou com a sua família para o Brasil.

MANOEL MARTINS GUERRA23 de Maio de 1898 - 14 de Agosto de 1968

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Não teve a oportunidade de frequentar a escola, tendo recebido as primeiras letras em casa por ação do seu pai. Contudo, graças à sua inteligência e força de vontade, conseguiu dominar os conceitos académicos de tal forma que após algum tempo passou a ministrar aulas a seus amigos e vizinhos, dando mostra do seu enorme espírito humanitário.

Tudo isto no final de um árduo dia de trabalho passado na lavoura sob o sol forte, amanhando as terras férteis de Guararapes.

Em 1921, estava por essa altura em Tanabi (SP), casou-se Manoel com Amália Lopes Rodrigues, natural de Mococa (SP).

Essa união viria dar origem a 9 filhos: Emília; Augusto; João; Sebastião; Dolores; Aurora; Amélia; Encarnação; Gilberto.

Quando um dos seus genros desencarnou, Manoel mais uma vez demonstrou a grandeza da sua alma criando os seus seis netos como se de filhos se tratassem.

Manoel Guerra terá chegado a Guararapes em 1928, para trabalhar numa fazenda rural, onde em conjunto com a sua mulher, cuidava da lavoura e da criação de alguns animais.

Alguns anos depois, deu-se uma alteração bastante grande no "modus vivendis" do casal, na medida em que Manoel começou a gerir uma empresa de transportes coletivos que servia a população local. Com muito trabalho e a colaboração dos seus filhos, a empresa começou a crescer e a comprar mais ônibus (autocarros) e estabelecer carreiras para cada vez mais cidades vizinhas.

A sua natureza esforçada e trabalhadora levou-o a tornar-se um empresário bem sucedido.

Mas a sua maior conquista viria a surgir em 1941, ano em que começou a estudar a Doutrina Espírita. Tendo estado presente na reunião inaugural que levaria à fundação do Grupo Espírita "Dr. Adolfo Bezerra de Menezes" em Guararapes, sendo desde logo convidado para assumir o lugar de Segundo Tesoureiro da diretoria do grupo.

Foi em grande parte através do seu esforço e diligência que, em 1948, o Grupo conseguiu adquirir o prédio que doravante viria a ser a sua sede.

Da mesma forma, angariou fundos para a construção e manutenção de outras obras como, o Albergue Noturno, que hoje em dia é conhecido como Casa Assistencial "Francisco Cândido Xavier".

É aqui importante referir que o trabalho desenvolvido por Manoel Guerra e restantes companheiros do Grupo Espírita "Dr. Adolfo Bezerra de Menezes" ajudou de forma indelével um número incontável de meninas carentes, na sua maioria órfãs.

A angariação de alimentos era feita com dificuldade em fazendas vizinhas, feiras e mesmo em espaços comerciais que ficavam sensibilizados pela obra profundamente assistencial a que o Grupo se entregava.

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Possuindo um caráter verdadeiramente solidário, Manoel estava sempre preparado para alargar a ajuda, chegando mesmo a albergar na sua casa pessoas necessitadas que o procuravam em busca de auxílio espiritual.

A atividade de Manoel na casa espírita foi sempre constante e ativa, tendo feito sempre parte da diretoria do Grupo "Bezerra de Menezes". Paralelamente foi sempre ele entusiasta e diligente estudioso da Doutrina, sempre presente nas reuniões de estudo doutrinário e todos os que o conheciam atestam da sua sede de conhecimento bem expresso através da leitura constante das obras da Codificação e as complementares.

Esse cuidado estendia-se também aos seus filhos, que desde cedo foram incentivados à participação nas atividades do centro adequadas à sua idade, como a evangelização e as reuniões de estudo.

De tal forma foi efetiva essa educação espírita nos seus filhos, que não só eles mas os netos e bisnetos se tornaram também eles trabalhadores da seara espírita.

Manoel Martins Guerra era um homem coerente, aplicando a filosofia espírita em todos os momentos da sua vida. Sendo por isso sempre igual e um exemplo a reter na arte de viver de acordo com as suas convicções, algo no geral tão difícil de conseguir.

Este paladino da causa espírita veio a desencarnar na sua terra de acolhimento (Guararapes) no dia 6 de Outubro de 1989, deixando atrás de si um rasto de trabalho ao serviço do seu semelhante e um largo número de corações gratos pelo seu amor.

Amália a sua devotada companheira de jornada, e também ela grande trabalhadora do bem, partiu mais cedo para casa, no dia 14 de Agosto de 1969. Contava ela a idade de 68 anos.

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São poucas as pessoas que tiveram o privilégio de atravessar 3 séculos diferentes.

Isso não quer dizer que Henrique Alves da Cunha Magalhães tenha desencarnado com 300 anos… mas apenas que o seu nascimento a 4 de Dezembro de 1900 (último ano do séc. XIX) e o facto de a sua longevidade o ter mantido no corpo até ao dia 2 de Julho de 2004, permitiu-lhe fazer a ligação entre o séc. XIX e o XXI.

Não foram, porém, os 104 anos passados na orbe terrestre que o distinguiram, mas sim a sua jornada de crescimento espiritual e o seu trabalho nas plagas brasileiras, deixando larga obra que permanece ainda entre nós.

HENRIQUE ALVES DA CUNHA MAGALHÃES

1900 - 2004

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Henrique Magalhães, como o seu apelido denuncia, nasceu no Norte de Portugal, mais precisamente na freguesia de Telões, no bonito concelho de Amarante, distrito do Porto.

Foi filho de Manoel Alves da Cunha Magalhães e de Ana Augusta da Cunha Coutinho.

Bem cedo (quase 12 anos), parte na companhia de uns primos de sua mãe para o Brasil. Chega ao Rio de Janeiro a 11 de Novembro de 1912.

Até 1920, trabalhou arduamente no comércio para ganhar o pão de cada dia, mas as sequelas da “gripe espanhola”, contraída em 1919, obrigaram-no a retornar à casa paterna. Durante a viagem a enfermidade cedeu por completo, e Henrique após visitar os pais, regressou ao Brasil, onde se estabeleceu definitivamente.

De volta ao Rio de Janeiro, com as economias que fez enquanto empregado de comércio, pode estabelecer-se, em definitivo, como comerciante, atividade que lhe proporcionaria, com o passar do tempo e com a sua extrema dedicação, um excelente padrão de vida.

Em 1931, as sequelas da doença que o acometeu anos atrás agravaram-se, razão pela qual, a conselho de seu médico particular, fixou residência na pequena e tranquila cidade de Teresópolis, situada a quase mil metros de altitude, na Serra Imperial. Cinco anos antes tinha casado com Dona Zulmira, companheira de uma longa jornada de 73 anos; desta harmoniosa união nasceram as suas três filhas.

Abastado comerciante, para uma pequenina e pobre cidade, era sempre procurado por instituições de caridade para prover doações, uma das quais, formada por um pequeno

grupo de espíritas que buscavam recursos para amenizar os sofrimentos de crianças carentes e idosos abandonados. Foi incontinentemente repelida por ele, dado que repudiava energicamente este tipo de crença, embora nunca se tivesse detido a estudar e entender suas origens e seus propósitos.

Teresópolis, à época, sofria com uma contundente epidemia de meningite que não escolhia as suas vítimas somente entre a população pobre da cidade; a sua segunda filha, portuguesa de nascimento e, então ainda a mais nova, contraiu a terrível doença que se agravou a ponto de seu próprio médico de confiança manifestar a sua descrença em mantê-la viva por muito tempo, apesar da dedicação e empenho em tentar curá-la, usando, para tal, todos os métodos e remédios conhecidos na época. Henrique, vendo-a piorar apesar dos cuidados médicos, aceitou a sugestão de obter uma receita homeopática e de receber um tratamento prolongado de fluidoterapia aconselhado pelos Espíritos, não obstante sua aversão ao Espiritismo.

Operou-se a “milagrosa” cura e Henrique começou a estudar o livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, dando espaço a uma nova visão sobre a vida e à necessidade de uma espiritualidade mais natural e destituída de dogmas.

Como ele próprio o diz em entrevista concedida ao periódico da Federação Espírita Brasileira "O Reformador”, a 4 de Setembro de 2000: “Compreendi o quanto estava distanciado de Jesus e de Deus, aprisionado no egoísmo…”.

Ainda na mesma entrevista, revela ele o momento de inspiração do Alto que o levou a empreender uma obra de grande relevo no panorama espírita e assistencial:

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“Por volta de 1937, já tendo abraçado a Doutrina Espírita com convicção e denodo e, sobretudo, com uma enorme gratidão, recebi do Plano Superior, pelo Espírito do Doutor João de Freitas, a missão de criar uma Instituição de assistência material e espiritual da infância desvalida, de gestantes sem recursos e de velhinhos e velhinhas que não mais podiam prover os seus próprios sustentos; em 1940, um dia antes de completar 28 anos de permanência em minha nova Pátria, o Brasil, tive a alegria e felicidade de fundar, sob a orientação e proteção do Plano Superior e junto com um grupo de idealistas e abnegados, a “Casa da Mãe Pobre”, na qual fui sempre um modesto trabalhador.

Assim surge em 1941 a muito honrada Instituição Maria de Nazareth - Casa da Mãe Pobre, que foi presidida pelo Dr. Coriolano de Góis, até 1946, ano da sua morte.

A partir daí a instituição passa a ser presidida por Henrique Magalhães.

Sob a sua condução, as atividades da Instituição, inspiradas no amor da Mãe Santíssima, expandem-se sob a forma de serviços assistenciais de diversa natureza, prestados em Teresópolis – Creche e Lar Isabel a Redentora, Mansão dos Velhinhos, Grupo Escolar Isabel a Redentora –, e no Rio de Janeiro – Hospital Maternidade e Ambulatório Dr. João de Freitas, Abrigo Sylvia Penteado Antunes e Lar Lucílio Ribeiro Torres, Creche Marieta Navarro Gaio.

Importante é referir, que todas estas obras teriam sido impossíveis sem o trabalho de angariação de fundos e recrutamento de boas almas para a Doutrina, que Henrique Magalhães desde cedo se dedicou.

Como o nosso biografado conseguiu, além de todas as atividades que empreendia, deixar também para a posteridade obra literária, é algo que só se explica pela grande capacidade de gestão de tempo e enorme energia conferida pela Providência Divina àqueles que carregam nas costas a responsabilidade de um trabalho da magnitude daquele que Henrique Magalhães realizou.

Foram pois da sua autoria, as seguintes obras:

- A Casa da Mãe Pobre – 50 anos de Amor (1991); - Como Fundar e Manter Obras Assistenciais (1995); - Em Prol da Mediunidade – Pequena História do

Espiritismo (1998).

O autor, além de ter destinado a totalidade do lucro dos seus livros às obras assistenciais, deixa um testemunho de inegável valor acerca da sua saga de mais de seis décadas de dedicação exclusiva à caridade, ao amor pelos velhinhos e velhinhas abandonados, dos quais cuidou com imenso carinho, aos órfãos e crianças pobres que ajudou a educar, vestir e alimentar e às grávidas e mães pobres, às quais sempre deu um tratamento digno das melhores instituições de Saúde.

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Ainda hoje, a Instituição Maria de Nazareth – Casa da Mãe Pobre administra diversos abrigos de idosos no Rio de Janeiro e em Teresópolis, creches, grupos espíritas e uma escola de ensino fundamental, além de um complexo formado por ambulatórios, responsáveis pelo acompanhamento de grávidas (pré-natal), e pelo tratamento pós-parto, tanto da mãe como do recém-nascido. Seguramente a Instituição protegeu e cuidou de centenas de milhares de nascimentos, todos tratados de forma gratuita.

Ao contrário do que infelizmente acontece com muitas boas almas, dentro e fora do Espiritismo, Henrique Magalhães recebeu homenagens várias, por parte de federações e entidades espíritas, como é o caso da homenagem que lhe foi feita pela Conferência Espírita Brasil-Portugal (16 a 19/3/2000).

Por ocasião do seu centenário de nascimento, por iniciativa de Francisco Bispo dos Anjos, a Federação Espírita do Estado da Bahía publicou um folheto em que, entre outros textos, figuram dados biográficos de Henrique Magalhães. Também a Federação Espírita Brasileira, aproveitando a feliz ocorrência, dedicou-lhe, na revista "Reformador" de novembro daquele ano, o artigo “Henrique Magalhães no seu Centenário”.

A relação entre o português e a FEB foi sempre bastante estreita, tendo ele colaborado para a construção da Sede Central, em Brasília, e do Departamento Gráfico, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Foi membro de seu Conselho Fiscal durante 20 anos, membro de seu Conselho Superior desde 1975 e representante do Ceará no Conselho Federativo Nacional de 1951 a 1985.

O trabalho e o bom ânimo foram a marca desta nobre alma até que lhe foi permitido o regresso à pátria espiritual, o que veio a acontecer como referido anteriormente no dia 2 de Julho de 2004.

O seu velório e funeral ocorreram respetivamente na sede da Instituição Maria de Nazareth - Casa da Mãe Pobre e no Cemitério do Parque da Colina, em Niterói.

A afluência de amigos, companheiros de trabalho e criaturas que por ele foram tocadas ou beneficiadas foram imensas.

Destaque-se a presença de Lauro de O. São Thiago (Diretor da FEB) e pelo ex-Presidente da FEB, Juvanir Borges de Souza, tendo o Diretor da Federação Affonso Soares feito uma breve homenagem em forma de discurso ao grande homem de Telões, à semelhança de outras sentidas palavras que foram ditas ao longo da cerimónia.

A Terra despedia-se assim, por tempo indeterminado, de um homem que deixou o seu planeta melhor do que antes da sua chegada… e isso é algo que todos deveríamos ambicionar.

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Maria Cardoso nasceu no Porto no dia 8 de Dezembro de 1904. Seus pais foram Francisco António Pereira e D. Ana da Silva Pereira.

Era Maria uma criança ainda quando o seu pai viajou para o Brasil, deixando em Portugal a mulher e quatro filhos.

Apenas em 1918 veio ele buscar o resto da família. Curiosamente foi precisamente nesse ano que casou Maria com José Cardoso (tinha ela apenas 14 anos). Desse casamento nasceram duas filhas, Clara e Glória.

Alma de uma bondade extrema, após o desencarne do seu irmão em Portugal, ela trouxe para junto de si os seus quatro sobrinhos, que criou como filhos.

MARIA CARDOSO8 de Dezembro de 1904 - 26 de Fevereiro de 1966

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Maria Cardoso aderiu à Doutrina Espírita em 1936, quando a sua mediunidade se manifestou de forma ostensiva.

Por essa altura foi encaminhada para o Centro Espírita Cristófilos.

A história deste centro é muito interessante e por essa razão vale a pena recuperar a informação disponível na webpage do centro:

"No dia 1 de maio de 1904, fundaram o "Centro Espírita Beneficente de Leopoldina", na qual organizou-se um programa destinado ao estudo e à divulgação da Doutrina, naquela pacata e acolhedora cidade mineira.

Em 1912, já então no Rio de Janeiro, a sede do Centro instalou-se à Rua do Consultório, em São Cristóvão, residência do irmão Jarbas Ramos, que ocupava o cargo de Presidente, e que o exerceu até o ano de 1918. As reuniões eram realizadas às 4.ªs feiras, às oito horas da noite, com regular e dedicada assistência.

Neste ano, devido ao aumento de frequência, o Centro foi instalado na Rua General Pedra, na antiga sede da Confederação Espírita Brasileira, sob a direção de Ângelo Torteroli.

Em maio de 1918 e ainda por sugestão do mentor Antônio de Oliveira, o Centro passaria a designar-se Centro Espírita Cristófilos que, segundo esclarecimentos deste, significa: "Amigos do Cristo".

Com o aumento cada vez mais da frequência, o CEC transferiu-se para um local maior, à Rua do Catete, n.º 214, depois para a Rua Buarque de Macedo, n.º 41, a seguir, por término de contrato da casa, para a Rua Bento Lisboa n.ª 20 e dali para a Rua Pedro Américo, n.º 22 - sobrado."

Maria Cardoso foi portanto recebida por Porfírio Duarte Bezerra - mais conhecido pelo ceguinho do Catete - na sede do Centro de então, na Rua do Catete, n.º 214.

Porfírio Duarte era um médium curador de grandes capacidades e logo percebeu em Maria Cardoso, uma médium de trabalho, excecional.

Mas onde Maria se viria a distinguir a grande altura seria no campo da assistência social e da evangelização.

Daí em diante, era ela sempre mais facilmente vista, nos asilos, orfanatos, asilos e prisões. Onde quer que existisse sofrimento, ela lá estava, relembrando uma outra Maria, aquela que na Cruz assumiu o trabalho deixado pelo seu filho muito amado.

Fez muitas angariações de roupas e alimentos para os necessitados e não se inibia de visitar até mesmo as colónias de hansenianos (leprosos) de Curupaiti e Venda das Pedras.

Em 1948, o então Presidente da FEB, Leopoldo Machado, promoveu o 1.º Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil e foi Maria Cardoso a principal animadora do movimento

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juvenil, sendo a sua criação a Mocidade Espírita Cristófilos, da qual foi dinamizadora por muitos anos.

Foi sempre sua preocupação o estudo doutrinário, bem como a prática das artes e o espírito associativo e solidário entre todas as mocidades.

O seu amor pelas crianças, que era bem conhecido por todos, levou à criação da Evangelização da infância na Associação e à divulgação de uma campanha muito meritória designada de Semana da Criança, onde se deslocava a locais muito frequentados, fazendo peditórios para as crianças necessitadas.

Fazia parte do Grupo Cáritas, departamento feminino do Centro Espírita Cristófilos, onde fez muito trabalho social e prestou muito amparo espiritual, expondo a sua personalidade magnética, a sua alegria contagiante e dando sempre prova da sua fé e do seu ânimo.

Maria Cardoso foi ainda Diretora da Caixa de Excursões Espíritas, responsável por excursões de natureza educativa e de lazer, não só pelo interior do Rio de Janeiro, mas por todo o País.

Mesmo fora do Espiritismo, Maria Cardoso continuava a espalhar a alegria e a boa disposição, fazendo ela também parte da Casa do Porto, uma associação de natureza cultural e recreativa, onde ela tinha um papel preponderante na direção do Rancho Folclórico.

Através desse Rancho foram feitas diversas apresentações que serviram para angariar fundos para obras sociais, dentro e fora do universo espiritista.

O dia 26 de Fevereiro viria a ser uma data muito importante na vida de Maria Cardoso.

Primeiro, marcaria o desencarne do seu companheiro de sempre, José Cardoso, no ano de 1964. Naturalmente este foi um choque capaz de abalar até o mais convicto espírita, que mesmo certo da vida para além da vida não deixa de sofrer a dor da saudade...

Para a sua grande alegria, breve foi a comunicação do seu amado, que rompendo o véu que separa os planos da existência, lhe transmite encorajadora mensagem, que lhe alimenta a alma e serena o coração.

Dois anos depois, Maria convida alguns amigos mais próximos para em conjunto fazerem uma prece em favor do querido companheiro partido.

Após a pequena reunião e já regressados os participantes a sua casa, a gentil Maria sente-se mal e apesar de socorrida e encaminhada para o hospital, acaba por desencarnar.

Era altura de Maria Cardoso regressar a casa e abraçar todos aqueles que o amor uniu para sempre.

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No dia 14 de Novembro de 1996 entregava a sua alma a Deus, Ricardo Lopes Gouveia, em sua casa - No bairro de Colégio, Rio de Janeiro - vítima de insuficiência cardiorrespiratória, contava na altura 90 anos.

No seu sepultamento, no dia seguinte à sua morte, estiveram presentes na cerimónia no cemitério do Irajá, vários membros da Federação Espírita Brasileira em sua representação, tais como Tânia de Sousa Lopes (Diretora do Departamento de Assistência Social) e os confrades Lúcio Dordon, José Francisco dos Santos, Ana Maria Rodrigues dos Santos, Marlene Teixeira de Oliveira e Marley Souza Lopes, todos colaboradores do mesmo Departamento.

RICARDO LOPES GOUVEIA16 de Março de 1906 - 14 de Novembro de 1996

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Ricardo terá nascido a 16 de Março de 1906, na Camacha, Ilha da Madeira (possibilidade ainda não totalmente verificada até à data de saída deste livro).

Cedo terá partido para o Brasil, junto com os seus pais e irmãos, provavelmente no início da Grande Guerra.

Contudo, a sua humildade e vontade de anonimato foram sempre tão grandes que muito pouco ainda hoje se sabe acerca desse trabalhador da Casa de Ismael.

A esse respeito, vale a pena retomar as palavras de Affonso Soares, que o biografou para a Revista "O Consolador" da Federação Espírita Brasileira, pequena biografia na qual me baseio para algumas partes deste texto.

"Vez por outra, e tão-somente para instruir-nos sobre a maneira de trabalhar dos antigos obreiros da Federação, com os quais conviveu, o estimado amigo era obrigado a mencionar algo de suas próprias atividades. E é desse material, conservado em nossa memória, que colhemos algo em torno da personalidade desse velho lidador da Federação, muita vez incompreendido em razão de possuir forte caráter, usar de linguagem franca - mas nunca desrespeitosa - e não se preocupar em agradar a quem quer que fosse, senão apenas à própria consciência.

Mas, quem convivia mais de perto com o querido companheiro logo notava que o exterior incompreendido não correspondia absolutamente ao interior, todo tecido de nobreza, lealdade e, sobretudo, compaixão pelos que sofriam, na alma ou no corpo, principalmente os que visitavam o venerando casarão da Av. Passos em busca de um alívio, de urna migalha, de um socorro. Sempre pobre, vivendo de minguada aposentadoria, o velho Ricardo, que havia conhecido até a fome, não deixava de tirar do

bolso os poucos recursos de que dispunha para ofertá-los a um ou outro necessitado ali em trânsito, crendo que o fazia às ocultas, sem perceber que já acompanhávamos, de longe, o movimento discreto de sua mão a oferecer uns trocados que certamente lhe fariam falta.

Sua amizade era pura, sincera, manifestada sem convencionalismos nem rapapés, e em nome dela não nos regateava conselhos, advertências, algumas bem calorosas, mas que logo entendíamos ser extremamente úteis ao nosso desempenho de espíritas a serviço da Casa de Ismael."

A sua ligação à Doutrina Espírita aconteceu da forma mais inusitada... em virtude de um dente!

Mais precisamente de um abcesso dentário.

Estávamos então nos anos 30 e apesar da sua mãe já frequentar a FEB, nunca o havia conseguido atrair às reuniões da Federação. Contudo, em desespero foi visitar o dentista que dava plantão no gabinete instalado no n.º 28 da Avenida Passos (antiga Rua do Sacramento) sede da Federação Espírita Brasileira.

Federação Espírita Brasileira (antigas instalações), Av. Passos n.º 30

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A partir daí, passou Ricardo a frequentar a Casa, ficando profundamente comprometido com o Departamento de Assistência Social, que era nessa altura conhecido como Assistência aos Necessitados.

Nomes diferentes, épocas diferentes, mas a mesma necessidade e a mesma vontade de ajudar por parte do denodado Ricardo Gouveia, que trabalhou longos anos, ininterruptamente, até ao dia em que adoeceu gravemente e ficou preso ao leito até à sua desencarnação.

Demos de novo a palavra a Affonso Soares para mais extensa e perfeita descrição.

"Na Assistência, percorreu com zeloso desempenho quase todos, senão todos, os setores de sua atividade, integrando a Comissão de Assistência, participando das reuniões mediúnicas, atuando como médium psicógrafo nas sessões públicas, realizando os estudos da chamada "Reunião da Prece", prática vespertina, diária, da Casa de Ismael, visitando necessitados para as sindicâncias que os habilitariam ao socorro da Assistência.

Embora não houvesse tido a oportunidade de se ilustrar com cursos nas instituições terrenas, possuía uma bagagem intelectual extraordinária, certamente adquirida em anteriores existências e aqui recordada graças ao cultivo da boa leitura, da boa música, amante que era dos grandes clássicos e do gênero operístico. Em sua juventude, dedicara-se ao bel-canto, bem como ao desporto, tendo sido remador no Clube de Regatas Vasco da Gama.

Nos últimos anos, cuidava, com inexcedível carinho, da volumosa correspondência dirigida por sofredores ao Departamento de Assistência Social. Ricardo não somente executava a parte, por assim dizer, técnica, de conferência, mas acrescentava algo de

sua experiência e sentimento, juntando às respostas as mensagens espirituais cabíveis e, mesmo, aditando algumas palavras ditadas por seu coração para alívio especial de certos casos ali expostos.

Contou-nos o velho Ricardo que, por ocasião da desencarnação do Presidente Guillon Ribeiro, desincumbiu-se provisoriamente do serviço de correspondência com as instituições adesas à Federação, trabalho a que o ex-Presidente se dedicava com extremo carinho.

Também exerceu, na gestão de António Wantuil de Freitas, as graves funções de Tesoureiro, confiadas somente à responsabilidade de pessoas capazes para tanto. Ricardo também era membro do Conselho Superior.

Enfim, serviu modesta mas intensamente, incansavelmente, sem alardes, procurando viver a pura essência do Evangelho.

Como últimas palavras, queremos dizer que, se perdemos o convívio material de um excelente companheiro, de um seguro orientador, a Casa ganha, em contrapartida, mais um devotado e vigilante servidor desencarnado, com o qual sabe que contará incondicionalmente.

Deus ampare o querido companheiro, por intermédio da ação protetora daquela Caravana que jamais se desfaz - é o sincero desejo de todos os obreiros da Casa de Ismael."

É de facto impressionante o testemunho aqui exarado, mas plenamente coerente com os objetivos de vida de uma alma apostolar, que em boa hora soube juntar a beleza e retidão do seu caráter com a tarefa que apenas o aguardava para ser cumprida.

Muito fica ainda por descobrir e principalmente preservar acerca deste verdadeiro Corifeu da Diáspora Lusitana.

Se Deus permitir, a ele retornaremos em breve.

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Nasceu em Portugal, a 24/11/1908, filha de Armando Pereira da Silva e Ana Correia da Silva.

A infância foi tranquila. A sua educação iniciou-se em Portugal, num internato de freiras. Foi para o Brasil com 12 anos de idade. Muito estudiosa, diplomou-se em letras, dominando bem o inglês e francês. Cursou a antiga Escola Nacional de Música, hoje UFRJ, formando-se em piano e canto orfeónico pelo Maestro Villa Lobos.

O destino, porém, reservava-lhe provas duras... a forja do sacrifício pessoal e da resignação fariam parte também de sua educação, como disciplinas obrigatórias para o bom desempenho de futura missão.

ARMANDA PEREIRA DA SILVA14 de Novembro de 1908 - 8 de Setembro de 2001

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Logo que chega à idade adulta, a sua mãe contrai uma doença cruel, que produz paralisia progressiva. A jovem e promissora Armanda abandona, então, todos os projetos pessoais, inclusive o noivado, para dedicar-se integralmente à mãe. Assim o fez por várias décadas...nos últimos anos de vida, a sua progenitora só movimentava os olhos.

A esta altura, Armanda já de há muito procurara ajuda e retempero de forças na doutrina espírita, frequentando sessões num centro no Estácio. As muitas horas à cabeceira do leito da sua mãe eram agora preenchidas com o formidável manancial da literatura espírita, reconfortando-as e, melhor ainda, iluminando-as.

As dificuldades, porém, só aumentavam... embora não lhes faltassem recursos financeiros, esvaziava-se a cada dia a cooperação humana. Primeiro, o seu padrasto adoece; depois, o casamento dos irmãos (tinha dois, Alexandre e António) e outros colaboradores. As horas de consolo e refrigério reduziam-se na proporção em que o acúmulo de tarefas impediam-na de frequentar as reuniões espíritas. A solução foi procurar um centro mais próximo da sua residência, no bairro de Botafogo. Corria o ano de 1963 e, assim, Armanda chegou à CRBBM. A sua mãe desencarnou pouco depois, e mais tarde seu pai também se foi.

Justo seria que a filha prestimosa, que não teve tempo de ver o tempo passar gozasse, agora, do merecido descanso, depois de quase 30 anos (!) de sacrifícios e vigílias noturnas... Armanda, porém, não confundia descanso com ócio, e decidiu aproveitar as horas, agora livres, dedicando-se à causa espírita. Nessa época, nosso fundador e orientador geral, Azamor Serrão, já estava quase cego e, por isso, estudava braille no Instituto Benjamim Constant. Tendo-o acompanhado por algumas vezes, logo se viu

extremamente sensibilizada com as dificuldades dos deficientes visuais, dispondo-se então a acompanhá-lo no estudo da escrita de cegos. Em pouco tempo tínhamos uma nova mestra no ensino da matéria, surgindo, desta maneira, a ideia da Casa formar um grupo de tradutores de livros em braille, tarefa que desempenhou também com extrema dedicação.

Mal sabia, no entanto, que outra missão, tão importante quanto a prova em família, que enfrentara com tanto mérito e dignidade, a aguardava logo de seguida...

É sempre a mesma história: as pessoas que mais anseiam o poder e o comando são, exatamente, as que se mostram mais despreparadas para o seu exercício. As que não o esperam, ou que não se julgam preparadas, quase sempre surpreendem com exemplos de vida, onde humildade, autodisciplina e perseverança compensam, sobejamente, qualquer limitação por inexperiência ou despreparo. Nossa irmã Armanda fazia - e ainda faz! - parte, certamente, do segundo grupo.

Logo em seguida à desencarnação do fundador e orientador geral, Azamor Serrão, em 1969, viu-se guindada à condição de orientadora da CRBBM para sua surpresa e - por que não dizer? - verdadeiro desespero! Tinha então 62 anos! Foram dias e dias de aflição, de receio de não corresponder às expectativas de todos, de comprometer os destinos da Casa... como a missão lhe havia sido conferida por Bezerra de Menezes (Espírito) e pelo próprio Azamor, juntos, decidiu afinal aceitar o pesado fardo...

Os anos seguintes foram testemunhas de uma verdadeira revolução pessoal. Aquela senhora tímida, solteira, que tinha vivido sempre em prol do lar, que tinha consumido anos e anos de sua vida cuidando da mãe doente, via-se agora à frente de um

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centro espírita com quase 50 médiuns - hoje, são 150 -, contas, pagamentos e toda a sorte de providências que a gestão de uma casa como essa costuma solicitar. Na tentativa de fazer bem, de acertar sempre, avançava sempre nas horas, estendendo o dia ao limite das forças físicas. Acordava sempre cedo, em torno das 5 horas da manhã, trabalhando afanosamente até às 23 horas ou mesmo virando noites, quando julgava necessário, "para botar o trabalho em dia"! Adotou a disciplina como bandeira. A insegurança e o medo de errar pareciam-lhe espinhos permanentemente incrustados na pele... na dúvida, procurava manter sempre tudo exatamente como havia recebido, preservando assim como zelo férreo as atividades, os horários e a cultura interna da Casa, mesmo que a preço da incompreensão e da crítica dos arautos dos "novos tempos". Quem a via sempre ali, no posto, rígida, forte, "dura", jamais poderia adivinhar o coração puro e a alma grandiosa que habitavam aquele corpo tão pequeno e delicado.

Mais recentemente, aprendeu a língua internacional - o Esperanto - com mais de 80 anos de idade, passando então a lecioná-lo semanalmente para um grupo de alunos.

No último dia 08 de setembro, nossa irmã se foi. O corpo, cansado, não suportou mais a energia intensa desse espírito tão corajoso, tão digno, tão operoso. Que o nosso querido Bezerra de Menezes possa tê-la recebido, no plano espiritual, nos seus braços generosos, é o nosso desejo, fazendo votos, também, que ela prossiga, firme e alegre, em sua nova etapa, aproveitando o gozo de uma consciência tranquila e de uma vida bem vivida.

Armanda Pereira da Silva foi, é e será sempre entre nós...verdadeiro SAL DA TERRA.

Nasceu em Portugal, na freguesia de Jou, pertencente ao concelho de Murça, na província de Trás-os-Montes, em 23 de Janeiro de 1915. Desencarnou no Rio de Janeiro em 1.º de agosto de 1969.

Emigrou para o Brasil com 6 anos incompletos. Em tenra idade revelava acentuadas tendências artísticas: canto, desenho, pintura, artes dramáticas, participando com sucesso em grupos de teatro amador. Profissionalmente firmou-se no comércio de roupas masculinas, gerenciando algumas das lojas de maior evidência na época, atuando também com bastante sucesso e fama como vitrinista.

A sua mediunidade também foi precoce, surgindo em plena infância. Por ser de família católica, teve que desenvolvê-

AZAMOR SERRÃO23 de Janeiro de 1915 - 1 de Agosto de 1969

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la sem o consentimento de seus pais e por iniciativa própria, no Grupo António de Pádua, que ficava no centro da cidade, próximo da loja em que trabalhava. Casou-se com jovem católica e conservadora mas, para não desagradá-la, interrompeu a atividade mediúnica e só voltou a um centro espírita aos 35 anos de idade, sofrendo de intenso assédio de espíritos sofredores.

Com o reinício das atividades mediúnicas, cessaram as reações anómalas que tanto intrigavam os médicos que tratavam de sua diabete, responsabilizando os choques de insulina como causadores das repentinas perturbações.

Azamor viu confirmar-se, então, o que já sabia desde a infância: os incómodos provinham da mediunidade abandonada.

Não foram necessários mais que quatro anos para que atingisse a plenitude mediúnica, passando a transmitir com regularidade receituário de Bezerra de Menezes e orientações filosóficas de Ali-Omar. Em pouco tempo, o atendimento semanal já beneficiava centenas de aflitos.

Fundou a Casa de Recuperação em 1961 sob inspiração e orientação de Bezerra de Menezes. Chamando a atenção pela condução fraterna e pelos seguros princípios cristãos-espíritas de seu fundador, logo outros expoentes do meio espírita vieram trazer o seu apoio à firmeza e dedicação de Azamor Serrão, destacando-se entre eles Indalício Mendes, Fernando Flores e Ivo de Magalhães, todos então renomados colaboradores da FEB.

Azamor Serrão sempre foi um baluarte dos valores defendidos pelo Espiritismo, tendo a sua atuação tanto na vida pública quanto privada demonstrado - se tal fosse necessário - que ele era à semelhança da exortação do Mestre Nazareno em Mateus V 13-16: A Luz do Mundo e o Sal da Terra.

Para terminar, fica um texto recebido por Azamor Serrão que incentiva à universalidade do amor e da fé e constata a presença de Deus em todas as coisas.

A Casa De Deus

A CASA DE DEUS, filhos, é o universo inteiro, porque Deus está em toda parte, a revelar-se para que as forças do mal não conduzam para as trevas os que buscam a luz, para orientar-lhes a caminhada pela estrada da vida, em roteiro seguro para a perfeita união com o Pai, que é o supremo amor, a suprema alegria, tão bem representado pelo espelho sublime que sua imagem reflete: JESUS.

O nosso Mestre amado ensina-nos em seu Evangelho de amor o caminho da Verdade, fazendo de nossos corações, alimentados por pensamentos puros de mentes já iluminadas para orientar as atitudes fraternas de paz e amor a serviço do Cristo de Deus, esclarecem as ovelhas a fim de que não se desviem do caminho verdadeiro,

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fazendo das casas de oração casas de comércio. Pois, onde as almas se reúnem para o maravilhoso encontro com Deus, não se permite nem um só gesto que identifique qualquer transação comercial, porque o ouro traz a ambição e a ambição pelo ouro é que perde as almas, interrompendo a caminhada para Deus.

O Mestre Jesus nos adverte quanto a isso de forma bem concisa, que não deixa nem uma dúvida. Mas certos orientadores religiosos é que não querem entender a Divina Mensagem do Mestre.

Quando Jesus fez sua entrada triunfal em Jerusalém, o povo veio alegremente para as ruas para recebê-lo, bradando em vozes fortes e cheias de entusiasmo: Viva Deus nas alturas e Jesus entre os homens!

Jesus foi ao Templo. Pelos pátios, pelos arredores e dentro do Templo, se fazia mercado de animais, sereias e tudo quanto aquela gente possuía para vender, com o consentimento dos sacerdotes. Então, Jesus mandou que se retirassem dali com suas súplicas das criaturas a seu Criador. Foi para terem aquele recanto reservado, onde pudessem falar com Deus e seus anjos(ou Espíritos), que os homens construíram seus templos. É ali que as almas se abrem, cheias de fé, porque lá estão as vibrações puríssimas do Amor do Pai para suas criaturas.

Ali é a famosa escada de Jacó, por onde sobem as preces, as súplicas, as manifestações de amor e gratidão, e por onde descem, em catadupas de amor, as bênçãos e as respostas que os céus enviam às almas da Terra. Profanar um templo é grande crime. Por isso o Divino Senhor espantou daquele lugar sagrado os que o maculavam com sua cobiça e egoísmo.

Naquele acumulado de vibrações de amor, de prece, de perdão, na explosão da sua fé e confiança em Deus, as criaturas achavam-se em Jesus. Ele estava ali na manifestação da mais alcandorada efusão de amor para com Deus; e, por isso Ele disse: “A minha casa é casa de oração”. Sim ali, e onde quer se faça oração, está unido com o Cristo, porque Ele disse: “Eu e meu Pai somos um”. Assim, bem claro ficou seu pensamento, quando disse a João: “Não proibais que curem em meu nome, esses não são contra mim”.

E para que estejamos com Cristo, necessário se faz cumpramos seus ensinamentos evangélicos, não desobedecendo as suas determinações e procurando estar com Ele tanto quanto Ele está connosco.

Médium - Azamor Serrão in " O Cristão Espírita – Abril/Maio/Junho de 2000"

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Referências bibliográficas

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- Dossiê Jeronymo Ribeiro, 1ª Edição, 1993; Lamartine Palhano Júnior, Elza Valadão Leite Archanjo´, Walace Fernando Neves; Fundação Espírita Santense de Pesquisa Espírita.

- Fernando de Lacerda, O Médium Português, 1ª Edição, 1992; Manuela Vasconcelos; Comunhão Espírita Cristã.

- Grandes Espíritas do Brasil, 3ª Edição, 1990; Zeus Wantuil; Federação Espírita Brasileira.

- Inácio Bittencourt, O Apóstolo da Caridade; João Marcos Weguelin; Casa de Recuperação e Benefícios Bezerra de Menezes.

- Os Grandes Vultos do Espiritismo, 2ª Edição; Paulo Alves Godoy; Federação Espírita do Estado de São Paulo.

- Personagens do Espiritismo, 1ª Edição, 1982; António de Souza Lucena, Paulo Alves Godoy; Federação Espírita do Estado de São Paulo.

- Pioneiros de Uma Nova Era, 1ª Edição, 1997; António de Souza Lucena; Centro Espírita Léon Denis.

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- http://bvespirita.com/

- http://www.casarecupbenbm.org.br

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