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Poços de Caldas-MG Ano 2000 Uma história de humor político em terras caldenses Hugo PONTES

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Poços de Caldas-MGAno 2000

Uma história de humor político em terras caldenses

Hugo PONTES

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Pontes, Hugo. O barracão da discórdia: uma história de humor político em terras caldenses/Hugo Pon- tes.- Poços de Caldas,2000.

98 p.: il.

1. Poços de Caldas - História. 2. Humor Político. I. Pontes,Hugo

CDU 32:82-7(815.12)

Ficha Catalográfica

Rosiléia Valin BonazziCRB-6/Nº 1843

Copyright © 2000 by Hugo PONTES

Diagramação: Teresa Cristina da FonsecaIlustração da Capa: Victor Hugo Manata PontesRevisão: Hugo PontesIlustrações: Jornal Revista de Poços - 1904

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"Pequenas histórias do cotidiano são, às vezes, mais esclarecedoras da cultura de um povo do que abstratas especulações acadêmicas. Em sua espontaneidade, podem jogar luz inesperada sobre aspec-tos importantes dos valores coletivos, inclusive no campo que nos deve ocupar aqui hoje - o da construção de nossa cidadania.”

José Murilo de Carvalho

Este livroé dedicadoao povo e a

todos aqueles que estudam e pesquisam,

com seriedade,os fatos

produzidos pornossa gente.

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Hugo PONTES é natural de Três Corações - MG, onde nasceu a 22 de julho de 1945. Foi criado em Conceição do Rio Verde-MG. É formado em Letras: Português - Francês, com especialização em Literatura Brasileira.

Escreveu diversos livros e participou de várias antologias poéticas. Seus últimos trabalhos são: A Loja Maçônica Estrela Caldense e sua História (1995); Defesa de Tese - Poemas sem Fronteiras (1997); Guimarães Rosa: Uma Leitura Mística (1998); Associação Atlética Caldense - História e Glórias (1998); 110 Anos de Imprensa Poços-Caldense (1999); Poesía de Brasil - Antologia Poética Latino-Americana (2000).

Integra o movimento do «Poema Visual e da Arte Postal» e seus traba-lhos percorrem as diversas exposições no mundo, onde quer que chegue um carteiro.

Na imprensa atua desde 1963 quando iniciou escrevendo para a Gazeta de Minas, de Oliveira. Colaborou nos jornais Suplemento Literário do Minas Gerais (Belo Horizonte), Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), O Popular (Goiânia), Zero Hora (Porto Alegre), Diadorim e Jornal Agora (Divinópolis), Gazeta do Sul de Minas (do qual foi editor), Dois Pontos e Cidade Livre, em Poços de Caldas. Foi editor de diversos Suplementos Literários.

Escreve para os jornais: Estado de Minas (Belo Horizonte), Jornal da Cidade, Jornal da Mantiqueira, Jornal de Poços e Bate Papo (Poços de Caldas).

Edita no Jornal da Cidade a página, única na imprensa brasileira, ComunicARTE, publicando e divulgando Poemas Visuais e Arte Postal.

Colabora com artigos sobre literatura e arte, além de poemas, para jornais e revistas na França, Bélgica, Alemanha, Portugal, Itália, Cuba, Espanha, México, Estados Unidos, Argentina, Uruguai e Rússia.

Como professor trabalhou no Instituto Educacional São João da Escócia; na Escola Polivalente e Centro de Estudo Supletivo. Foi Secretário Municipal da Educação e Cultura, coordenou o Curso de Turismo e, atualmente, exerce o cargo de Coordenador das atividades de Extensão da PUC-Minas - Campus de Poços de Caldas, sendo também professor, através de concurso seletivo aberto ao público; atua como Supervisor Pedagógico, por concurso público, na Prefeitura Municipal.

O AUTOR

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* Nilza BOTELHO MEGALE

Poeta de renome internacional, jornalista e professor da Pontifícia Universidade Católica, Hugo Pontes tem se dedicado ultimamente a estudar a memória histórica de Poços de Caldas.

Com seu apurado senso de pesquisa e profundo conhecedor de nossa história, esclareceu interessantes acontecimentos do passado em suas publicações: «A Loja Maçônica Estrela Caldense e sua História»,«Associação Atlética Caldense - História e Glórias» e «110 Anos de Imprensa Poços-caldense», investigando com meto-dologia e imparcialidade.

Agora, neste seu novo trabalho, brinda-nos com «O Barracão da Discórdia», no qual retrata a sociedade poços-caldense no início do século XX, numa fase de mudanças importan-tes na estrutura social e política da vila, baseando-se na polêmica sobre um barracão construído na principal praça da estância. Criticado no jornal «Revista de Poços», durante vários meses no ano de 1904, através de artigos humorísticos em prosa e verso, o impro-visado rancho, usado para quermesses, serviu politicamente aos adversários do governo local, tendo à frente o Agente Executivo doutor Francisco de Faria Lobato.

Além de uma apresentação cronológica das principais datas da história da cidade, desde a sua fundação em 1872, Hugo Pontes conseguiu, com paciência e habilidade, identificar os personagens citados nas crônicas jornalísticas, suas profissões e importância no contexto social da época.

O «Barracão da Discórdia» é um obra curiosa e interessante pelos aspectos sociais e políticos que enfoca, de um período relati-

PREFÁCIO

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vamente próximo. É, sem dúvida, um livro indispensável na biblio-teca de todos aqueles que se interessam e desejam entender melhor o passado histórico de Poços de Caldas.

* Museóloga, membro da ASI e daAcademia Poços-caldense de Letras

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CRONOLOGIA DA CIDADE

No Brasil Império

1872* Decreto de 14 de outubro, assinado pelo Governador

da Província de Minas Gerais, Joaquim Floriano de Godoy, de desapropriação das terras junto às águas termais, na extensão de uma sesmaria, medida por quilômetro.

* Assinada em 6 de novembro a escritura ratificando a cessão de terras feita em 30 de abril de 1865 pelo major Joaquim Bernardes da Costa Junqueira e sua mulher dona Luiza Ferreira Bretas.

1874 O Presidente da Província, desembargador João Antônio de

Araújo Freitas Henriques, sanciona a lei nº 2085, de 24 de dezem-bro de 1874, elevando à categoria de Paróquia, e passando o distrito de Poços de Caldas a ser denominado distrito de Nossa Senhora da Saúde das Águas de Caldas.

1879A povoação foi elevada a distrito de Paz, sob o nome de

Freguesia de Nossa Senhora da Saúde das Águas de Caldas, pela lei n.º 2542, de 6.12.1879.

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1886 Poços inicia uma fase de grande expansão com a inaugura-

ção do Ramal Ferroviário de Caldas, em 22 de outubro de 1886.

1888Manoel Teixeira de Souza, Vice-Governador do

Estado, em exercício, promulga a lei nº 3659, de 1º de setembro de 1888, elevando à categoria de vila, a freguesia de Nossa Senhora da Saúde de Poços de Caldas, com a denominação de vila dos Poços de Caldas, sem foro especial.

No Brasil República

1890O doutor João Pinheiro da Silva, Presidente de Minas, efetiva

por ato de 19 de maio de 1890, a criação da vila e município de Poços de Caldas e seu primeiro Intendente nomeado é o doutor Oscavo Corrêa Neto.

1892É eleita a primeira Câmara Municipal, em obediência à lei

nº 2, de 14 de setembro de 1891, sancionada pelo Presidente do Estado Cesário Alvim, contendo a nova organização municipal da República, com as Câmaras de Vereadores, Conselhos Distritais e Agente Executivo. O Presidente e primeiro Agente Executivo foi o doutor José Ignácio de Barros Cobra.

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1902Francisco Antônio de Salles, eleito Presidente de Minas em

07 de março de 1902, percorreu várias regiões do Estado.Em 13 de agosto veio a Poços e ficou até o dia 25 do mesmo

mês. Após conhecer o local e ouvir as solicitações da população, firmou compromisso de implantar prefeituras nas estâncias de águas minerais nos mesmos moldes da capital do Estado, com um Conselho Deliberativo, eleito pelo voto popular, e o prefeito nome-ado pelo Presidente do Estado.

1904Em 12 de dezembro de 1904 o Senado Mineiro aprova o

projeto nº 218, criando as prefeituras nos distritos de águas minerais: Caxambu e Poços de Caldas.

1905Dia 18 de janeiro de 1905 toma posse o primeiro Prefeito de

Poços de Caldas, Juscelino Barbosa, nomeado pelo Presidente do Estado, Francisco Salles.

CRONOLOGIA NA REPÚBLICA

Dominavam a política e a economia, naquela época, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e os partidos hegemônicos eram o Partido Republicano Mineiro e Partido Republicano Paulista. Nesse contexto circulavam os Conservadores, os Liberais e os Republicanos.

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1889 Proclamação da República1891 Promulgada a Primeira Constituição

Primeiro Presidente:Marechal Deodoro da Fonseca Renúncia do Presidente - Assume o vice:

Floriano Peixoto1894 Segundo Presidente:Prudente de Morais1898 Terceiro Presidente: Manuel Ferraz de Campos Sales1902 Quarto Presidente: Rodrigues Alves1906 Quinto Presidente: Afonso Pena

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INTRODUÇÃO

Em 1891, dois anos após ter sido proclamada a República, segundo o doutor Pedro Sanches de Lemos, em seu livro «As Águas Termais de Poços de Caldas», a vila tinha duzentas e oitenta e uma casas, mais cinqüenta em construção, vinte ruas e uma única praça denominada Senador Godoy.

O nome da praça foi dado em homenagem ao Senador Joaquim Floriano de Godoy, Presidente da Província de Minas Gerais de 1872 a1873 a quem coube a oportunidade de, em 14 de outubro de 1872, decretar de utilidade pública, de conformidade com o artigo 8º da lei nº 480, de 19 de junho de 1850. O terreno junto às águas termais de Caldas, na extensão de uma sesmaria, medida por quilômetros, a fim de que o possuidor ou possuidores do mesmo terreno pudessem ser dele desapropriados e indenizados por seu valor, nos termos da referida lei.

Segundo Homero Benedito Ottoni, esse decreto constituiu o primeiro ato oficial relativo à fundação da cidade.

À época de sua formação, a Praça do Senador Godoy tinha, de um lado, o comprimento de 380 metros e do outro o de 300 metros, com a largura uniforme de 160 metros. Isso compreendia todo o centro da cidade na parte relativa àquela que é hoje ocupada pela Praça «Pedro Sanches», o Pálace Hotel e Pálace Cassino.

Pela importância dos espaços físico e social existentes, pelo ocorrido ali é que nos empenhamos em falar um pouco sobre fatos

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que tiveram lugar na praça, tornando-a de grande importância para a cidade, em todos os tempos.

Os registros foram pesquisados no jornal «Revista de Poços», de José Augusto de Paiva Teixeira, o Casusa, que também era secretário da Prefeitura na administração do doutor Francisco de Faria Lobato.

É bom salientar que naquela época a imprensa não era noticiosa. Limitava-se a reproduzir textos de outros jornais, artigos de colaboradores locais, versos de caráter satírico, notas sociais, serviço de utilidade pública, alguma diversão nas formas de chara-das, enigmas e adivinhas e a propaganda que ajudava a manter o jornal.

O Agente Executivo, cujo cargo era equivalente ao de Prefeito, era Francisco de Faria Lobato, eleito vereador em 1902. O Delegado de Polícia era o capitão Caetano José de Abreu, que ocupava um cargo de importância político-institucional.

Os Juízes de Paz eram o doutor David Benedicto Ottoni, Euzébio Dias Ferreira e José Lopes dos Santos. E os vereadores: Eduardo Pio Westin, Vicente José Ferreira, Alexandre da Silveira Xandó, Raphael Danza, Sebastião da Gama Cruz, Astolpho Antônio Delgado, Aziro Monteiro dos Santos e Ildefonso Aurélio de Souza.

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O PRIMEIRO BALNEÁRIO: UM BARRACÃO.

A povoação de Poços de Caldas tornou-se freguesia em 06 de dezembro de 1879 através da lei nº 2542 assinada pelo Presidente João Pinheiro da Silva.

E é nesse contexto que a história do Barracão tem seu come-ço, no longe 14 de outubro de 1880, quando o Vice-Presidente de Minas, em exercício, conselheiro Joaquim José de Sant'Anna, comunica ao doutor José Caetano dos Santos que o Estado estava rescindindo o contrato com a Sociedade Anônima «Termas de D. Pedro II», do Rio de Janeiro, pela absoluta falta de condições de a empresa concessionária explorar as águas termais da freguesia de Nossa Senhora da Saúde de Poços de Caldas.

Quem dá luz aos fatos acontecidos é o doutor Pedro Sanches de Lemos, em seu livro, escrito em 1903 e publicado em 1904, «As Águas Termais de Poços de Caldas», uma vez que o ilustre médico não só viveu naquele tempo como foi ator privilegiado dos acontecimentos da época.

A Província de Minas Gerais, cuja capital era Ouro Preto, abriu nova concorrência - que naquele tempo tinha o nome de concurso - para a construção do estabelecimento balneário de Poços de Caldas, tendo sido vencedores os médicos Carlos Pereira de Sá Fortes, José de Carvalho Tolentino e o negociante matriculado, ou seja, legalizado, autorizado, Anselmo Fernando de Almeida.

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Esses senhores, conforme a cláusula primeira do contrato, ganharam o privilégio de «durante trinta anos prorrogáveis por mais vinte explorar, custear, usar e gozar das diversas fontes termais “no lugar chamado Poços de Caldas” no município do mesmo nome, nesta província; e bem assim de quaisquer outras que venham a ser descobertas no mesmo município.»

A cláusula 9ª, a que mais nos interessa na história, traz:«Os concessionários obrigam-se a construir um grande

edifício, apropriado a receber os balneantes, o qual será aumenta-do à proporção que exigir a afluência dos mesmos...»

Tendo alcançado o privilégio da exploração das águas termais, decidiu-se que o doutor José de Carvalho Tolentino se encarregaria do serviço médico e Anselmo de Almeida seria o gerente.

Para executar a construção dos prédios do hotel e do balneá-rio, foi contratado o engenheiro, recém-chegado do México, E. Maschek, sem que a ele tivesse sido solicitada qualquer comprova-ção de conhecimentos no que se refere a balneários termais.

Definida a situação, chegam a Poços de Caldas, vindos de Ouro Preto, os senhores Almeida e Maschek, em dezembro de 1881 e começam a trabalhar em 16 de janeiro de 1882.

Ao contrário de iniciar as obras pela captação do grupo hidrológico de «Pedro Botelho», de modo que as águas das fontes fossem elevadas acima do nível do solo e pudessem abastecer os reservatórios do estabelecimento balneário projetado, Maschek pensou na possibilidade de fazer uma construção provisória, em tábuas de pinho, para a qual deu o nome de Barracão, destinada aos banhos.

Tudo isso fora pensado pelo engenheiro que previa a demora da construção do hotel e do balneário. Dentro de sua lógica, o Barracão seria uma alternativa para que a Empresa começasse a vender seus serviços aos banhistas.

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Segundo um dos relatórios feitos por Maschek, no dia 16 de janeiro de 1882 ele iniciou a preparação do terreno para construir

o Barracão que se localizava onde hoje é o parque infantil «Darcy Vargas».

No dia 22 de março de 1882 o Barracão, feito de tábuas de pinho, estava concluído e devidamente equipado com três banhei-ras de madeira e dividido em doze quartos para receber os banhis-tas. Essa construção improvisada foi motivo de muita ira, por parte da população, uma vez que o imóvel tornava a Praça Senador Godoy feia, porque além de tosco, ficava fora do alinhamento.

Como não havia conseguido captar as águas das fontes de «Pedro Botelho», «Chiquinha» e «Mariquinhas», Maschek quis

fazer chegar as águas sulfurosas às banheiras do Barracão por meio de bombas.

Antes de continuar a narrativa, é preciso que sejam explica-dos os nomes das fontes.

Essa povoação nasceu em torno de um conjunto de fontes de

águas quentes, denominado «Grupo Hidrológico “Pedro Botelho”

que é considerado o primeiro grupo de fontes termais, constituído

das fontes «Pedro Botelho», «Mariquinhas» e «Chiquinha», surgido

de uma escavação, antigo bebedouro de antas e outros animais, da

fazenda Barreiro, em meio a lodo e pedras soltas.»Sabe-se que a primeira tentativa para se conhecer a vazão

das fontes aconteceu em 1826, pelo doutor Agostinho de Souza Loureiro, através de banheiras feitas em madeira e colocadas nos poços que mandara cavar nas nascentes das águas sulfurosas. A Segunda tentativa foi com o doutor Herculano Veloso Ferreira Pena, em 1883, empregando um recipiente com capacidade para noventa e dois litros de água.

Recorremos a Pedro Sanches de Lemos que explica-nos, em seu livro, os nomes dados às fontes.

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Pedro Botelho:É crença popular que a caldeira de «Pedro Botelho» um dos

nomes do diabo é a mais quente do inferno. Dessa superstição originou-se o nome da primeira e mais quente fonte do grupo.

Mariquinhas ou Maria:Foi dado em homenagem a uma doente que, vindo para cá

entrevada, curou-se com banhos na fonte.

Chiquinha:Até 1877 as duas fontes Mariquinhas e Chiquinha não se

distinguiam e ambas tinham um só nome: Mariquinhas. Com a constatação do desdobramento, o barão de Campo Místico, Antônio Teixeira Diniz, deu a ela o nome de Chiquinha.

Macacos:Antigamente era conhecida como Fonte do Campo, depois

Poço Velho. Para ali se dirigiam os freqüentadores da Fonte de «Pedro Botelho», que iam àquele lugar para, apenas, beber água. Como o Poço Velho ficasse distante da Fonte de «Pedro Botelho», alguém um dia, por brincadeira, convidou os companheiros para irem a Macacos, numa clara alusão a um passeio fora da cidade, tal como faziam os cariocas, com o seu costume de ir a um passeio tradicional, no Rio de Janeiro, à Estação de Macacos, da Estrada de Ferro Central do Brasil. Dessa analogia originou-se o nome da fonte e até hoje fala-se em Jardim dos Macacos, nome do Balneário Macacos, localizado à Praça D. Pedro II que, no final do século XIX tinha o nome de Praça da Colúmbia.

Prosseguindo na narrativa pode-se dizer que essa obra de engenharia resultou em grande fracasso e o engenheiro foi despedi-do.

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Um mestre-pedreiro salvou o empreendimento. Antônio

Alves da Silva, português, conseguiu prender as águas.E no dizer de Pedro Sanches: «... assim se decidiam as grandes questões de Poços de

Caldas! O palpite governava o barco.»Com o trabalho orientado por Alves, a experiência foi coroa-

da de êxito. Em 7 de agosto de 1882 as águas jorravam para dentro

das banheiras do Barracão. E a 22 de novembro começava a Empresa Balneária a cobrar, à razão de 1$000:000 ( um mil réis) por banho tomado.

A população, estimulada pelos políticos contrários à vinda dos concessionários, não via com bons olhos o confinamento das águas, uma vez que aquela dádiva da natureza estava sendo trans-formada em produto de comércio, pondo fim ao livre acesso a que todos tinham às águas termais. Em linguagem apropriada, aos dias

de hoje, diríamos que estavam «privatizando» as águas termais.Além disso, outro agravante: o Barracão que, provisoria-

mente, fora feito para ser casa de banho, encravado no meio da Praça Senador Godoy, transtornaria a estética local.

Além dessas construções os empreendedores tiveram a idéia de construir um passadiço, ligando o Hotel da Empresa ao Balneário de «Pedro Botelho» para dar mais comodidade aos banhistas. O privilégio, segundo os hoteleiros, era só do Hotel da Empresa e prejudicava os demais hotéis.

A população era contra tudo o que estava acontecendo. Para se ter uma idéia do improviso e da ignorância que

campeavam a época, os empresários - representados por Anselmo de Almeida - quiseram arrendar as matas da Fazenda Barreiro, de Agostinho Junqueira, para comercialização da madeira. A proposta foi recusada pelo proprietário. Mesmo assim a mata foi colocada, aos poucos, no chão, deixando a serra «pelada».

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Finalmente o Hotel da Empresa foi inaugurado em agosto de 1884 e o balneário de «Pedro Botelho» foi aberto em abril de 1886.

Inúmeros fatos, contrários aos reclamos da população, aconteceram. Tanto que, às vésperas da chegada a Poços do Imperador D. Pedro II e sua esposa Tereza Cristina, a 22 de outubro de 1886, especialmente para inaugurar o Ramal Ferroviário de Caldas e conhecer as águas termo-sulfurosas, o povo estava em pé-de-guerra contra os proprietários da «Empresa Balneária».

Nem bem chegou, Dom Pedro recebeu um exemplar de um manifesto, de vinte e três páginas, assinado por Um Aquático protestando contra o estado de coisas em relação ao confinamento das águas. Supõe-se que esse anônimo manifesto tenha sido escrito por José Affonso de Barros Cobra. Entretanto, pelas características do texto, é dado acreditar que o mesmo tenha recebido as tintas de Pedro Sanches de Lemos.

A trégua da população durou apenas os dois dias em que D. Pedro II aqui esteve. Logo reiniciaram-se as discussões e acirraram-se os ânimos.

No ano de 1889 a «Empresa Balneária» já havia sofrido transformações e um segundo balneário fora construído: o dos Macacos.

Em 19 de maio 1890 Poços de Caldas foi elevada à categoria de vila por ato do governo de João Pinheiro da Silva.

No ano de 1903 Poços possuía apenas quatro prédios públi-cos: O balneário de «Pedro Botelho», o balneário dos «Macacos», a Capela de Nosso Senhor do Bom Jesus da Cana Verde e a Cadeia.

A Câmara de Vereadores estava instalada no sobrado, pro-priedade particular, alugada do senhor Constantino Muniz Barreto, proprietário de casa de jogo na Praça Senador Godoy, onde está situado o Park Hotel, na Rua Junqueiras.

A Casa de Leis funcionava em cima e a jogatina embaixo.

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A estrutura arquitetônica do Hotel da Empresa era a mesma de quando foi concebida, com o passadiço ligando o prédio ao balneário improvisado. O que destoava era a permanência do

Barracão que muito enfeava o conjunto.E é por causa desse Barracão que, numa terra de improvisos,

outros barracões foram construídos como: o da «Empresa» para guardar equipamentos do balneário, o da Olaria, e o barracão encravado no centro da praça, na altura do que é atualmente a Praça Major Luiz Loyolla, a fim de servir como local de quermesse, para angariar recursos para o que seria a Santa Casa, hospital destinado a carentes.

O ano de 1904 iniciava-se com a presença festiva da «Empresa Salvini de Circos», cuja Companhia trazia atrações variadas de ginásticas e animais amestrados como: cavalos, cabras, macacos, cães e até um gato. A montagem do circo era feita num dos pontos da Praça Senador Godoy.

A nossa história começa a partir de 17 de abril de 1904, após a publicação de uma carta assinada, sob o pseudônimo de Banhista, no jornal Revista de Poços:

«Ao Senhor doutor Agente Executivo

Pede-se ao digno sr. dr. Agente Executivo Municipal a graça de mandar desarmar um feio barracão em má hora plantado na Praça Senador Godoy.

Aquilo, nas condições em que está feito, mais se parece com um péssimo rancho de tropa, e nenhuma semelhança tem com pavilhão para quermesses.

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Todas as pessoas de fora, como quem escreve estas linhas, recebem má impressão ao avistarem, em praça tão linda, aquele espantalho.

Uma derrubada naquilo, sr. dr. Agente Executivo, em honra a Poços de Caldas.»

1Um Banhista

Agente Executivo Municipal, como já foi mencionado, era o nome que se dava, até 1904, ao cargo equivalente ao de prefeito. Esse agente era escolhido dentre os vereadores eleitos por uma camada, numericamente pouco representativa da sociedade, constituída pelas pessoas mais abastadas da comunidade. As mulheres não tinham direito a voto.

Nessa época era Agente Executivo Municipal o doutor Francisco de Faria Lobato, médico conceituado, filiado ao Partido Republicano, aliado ao médico David Benedicto Ottoni.

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1( ) Para maior compreensão, esclarecemos que atualizamos a grafia das palavras e, em relação ao texto introdutório à saga do Barracão, damos a conhecer alguns aspectos que nortearão, de agora em diante, a leitura dessa epopéia.

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Em 24 de abril de 1904

«Ao Sr. Dr. Agente Executivo

Pedimos a v. exc. a gentileza de não prestar atenção à

queixa de um nosso colega (Banhista) que pediu a demolição do

pitoresco e elegante pavilhão de quermesses erigido galhardamen-

te na Praça Senador Godoy. O nosso colega não conhece que a beleza das edificações

hoje em dia obedece aos progressos da Arte Nova.Aquilo é, portanto, uma bonita obra, produto do mais

fecundo engenho de atilado arquiteto, que escapa à censura dos

profanos...Destruir aquele belo ornamento da praça, será até

selvageria...»Outros Banhistas

Na mesma edição uma notícia critica a ação do senhor Agente Executivo porque a Companhia de Luz havia colocado dois globos com lâmpadas de quinhentas «velas», em substituição a lâmpadas de dezesseis «velas», para melhor iluminar a praça, mas em seguida foram retiradas, sem justificativas, provocando protes-tos da população.

Vale lembrar que em 31 de maio de 1897 foi celebrado o primeiro contrato com o coronel Octaviano Ferreira de Brito, fazendeiro de Alfenas, para realizar os serviços de iluminação pública e particular por luz elétrica, usando a força motora da cachoeira denominada Cascata Grande do Rio das Antas. Tal realização só foi possível em 1º de setembro de 1898, quando da inauguração do serviço de fornecimento de energia elétrica.

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Em 20 de abril assume o cargo de Delegado Militar da vila o capitão Virgílio Augusto Simedo, acompanhado de seis praças. Ficou pouco tempo.

Outro detalhe importante é a nota do jornal em relação ao preço dos gêneros alimentícios naquele abril de 1904:

* Arroz nacional 50 litros 16$000 réis* Amendoim “ 3$000 réis* Batatinha “ 5$000 réis* Batatinha doce “ 4$000 réis* Feijão “ 6$000 réis* Milho “ 3$000 réis* Polvilho “ 14$000 réis* Ovos (dúzia) $500 réis* Guariroba* ( 1 litro) $500 réis * Palmito (dúzia) $400 réis* Toucinho (15 quilos) 1$000 réis* Galinha (uma) $700 réis* Queijo (um) $200 réisA seqüência nos mostrará o movimento que o jornal conse-

gue empreender, fazendo com que a população acompanhe todo o processo de queixas e denúncias em relação ao que estava «enfean-do» a praça e, por circunstância, a vila.

1º de maio de 1904A PedidosO Barracão«Lá está ele... aquela figura horrenda que

assombra a todos quantos lhe deitam os olhos!Parece um bandido, um assassino feroz no

meio de uma sociedade limpa e civilizada.

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(*) Fruto de uma espécie de palmeira

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Aquilo, no interior da Praça Senador Godoy é, sem contes-tação, uma verruga na ponta do nariz...

Livrai-nos desse triste espetáculo, ilustre sr. dr. Agente Executivo!

Mandai arrancar aquele mundéu indecente de figurar na praça mais importante da primeira estação de banhos do Brasil.»

Um Banhista Renitente

8 de maio de 1904

O Rancho«E não vai abaixo aquele espantalho! Pobre Praça Senador

Godoy! Em vez de lindo jardim, que bem merecias, plantaram-te no centro um ordinário rancho de tropas... para amesquinhar a tua natural beleza.

E não haver quem se compadeça de tua triste sorte!Pede, ó praça! Pede a Deus uma profusão de raios para tirar-

te do dorso aquele feio apêndice!...»

Banhista Renitente

Neste ponto iniciam-se os textos na forma de poemas e outros alternando para a prosa, mas com o predomínio dos versos, intencionalmente elaborados à semelhança dos trovadores medie-vais, com a repetição de frases inteiras, tendo por objetivo reiterar uma idéia defendida por seu autor. Outros vêm na forma de qua-dras, com a metrificação de sete sílabas. Os textos são satíricos.

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O BarracãoAutor: C...Ele fica e ficaráLá na Praça do GodoyPode gritar, gente má,Ele fica e ficará.

1A mofina já não mói...E a ninguém molestaráEle fica e ficaráLá na Praça do Godoy.

Em 09 de maio a Câmara Municipal de Caldas faz uma representação ao Congresso Estadual protestando contra a idéia da mudança da sede do foro daquela comarca para a vila de Poços de Caldas.

A seção Telefonando, criada pela redação do jornal, entra na polêmica em 15 de maio de 1904.

- «Tlim... Tlim... Tlim...- Alô!- Quem fala?- O Banhista Renitente, que está agora em

São João da Boa Vista.- O que deseja?- Quero que me informe se aquele maldi-

to rancho da Praça Senador Godoy ainda está de pé.

- Continua no mesmo lugar e no gozo da mais perfeita saúde...

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1( ) Difamação, mesquinhez

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- Quanto à saúde, bem sei; o que me admira é que, em praça de tanta beleza, a frente dos principais hotéis em que se aboletam quase sempre os homens mais notáveis deste país e do estrangeiro, se consinta a permanência daquele espantalho, daquela indecente construção, a dar uma triste idéia do bom gosto mineiro.

- É isso mesmo, mas o que fazer?- Acredite que se Poços pertencesse ao progressista Estado

de São Paulo, há muito tempo que essa verruga teria saído da ponta do nariz...

- Lá isso sé verdade...»

Temos, no texto acima, uma comparação e, ao mesmo tempo, a demonstração do sentimento atávico do separatismo, quando o redator fala que se Poços de Caldas pertencesse ao Estado de São Paulo as coisas seriam diferentes.

Na mesma edição encontramos os seguintes versos:

O RanchoAutor: Veranista Desesperado

Fica-te pra aí, danado,Sombração de todo mundo!E não te ver se arrasado?Fica-te pra aí, danado!Vou-me embora, já cansadoDe te ver, ó rancho imundo!Fica-te pra aí, danado,Sombração de todo mundo!

Um personagem novo é introduzido na polêmica, trata-se do Touriste. Iremos conviver daqui para frente com seus versos cáusti-cos.

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Em 22 de maio, Touriste, nos brinda com o seguinte poema:

O Rancho Da Praça Senador GodoyO danado está de péAfrontando aquela praça!Assombrando a quem o vê, O danado está de pé!Já me vai faltando a féde ruir essa carcaça...O danado está de pé,Afrontando aquela praça!

Estabelecendo uma comparação, em termos de vocabulário e estilo, podemos dizer que os versos do Veranista Desesperado e do Touriste são semelhantes, levando-nos a acreditar que os pseu-dônimos pertencem à mesma pessoa.

No mesmo jornal, a coluna Telefonando traz o diálogo do Banhista Renitente:

- Tlim... Tlim... Tlim...- Alô!- Quem fala?- O Renitente. Cá estou na paulicéia. Diga-me como vai a

tapera da Praça Senador Godoy? Já houve alma caridosa que a mandasse destruir?

- Não senhor, ainda lá está e continua saudável...- Não haverá aí algum espírito progressista que faça uma

representação popular à Câmara, para esbodegar aquele mundéo, aquela vergonha fincada na praça nobre dessa encantadora estân-cia balneária?

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- É possível que haja; mas eu não me meto nisso.- Bem sei; os meus patrícios mineiros de tudo têm receio;

gostam do progresso mas não o promovem. E é por isso que o general Pifér ainda há poucos dias, no Hotel da Empresa, dessa localidade, gritou alto e bom som que para Poços de Caldas se desenvolver e tornar-se um mimo, era indispensável estabelecer um cordão sanitário, impedindo a entrada de mineiros aí, durante cinco anos!

- Quando ele disse essa tolice, não tinha juízo na cabeça.

- Tinha sim, senhor; eu bem o vi tanto que estava com a cabeça entre as orelhas, olhos fixos no maldito rancho da praça...

- Ora, bolas!

Observação:Estávamos em 1904 e nossas ruas ainda não tinham placas

indicativas nem as casas eram numeradas. O jornal reclamava providências para que se desse mais esse melhoramento para a população da vila. A primeira proposta nesse sentido foi rejeitada pela Câmara, porque julgada uma medida inútil e cara. A melhoria só aconteceu em 1911, quando Francisco Escobar era prefeito.

Em 29 de maio o Touriste volta a se manifestar:

O Rancho Da Praça Senador GodoyAinda te vejo na praça,Esqueleto endiabrado!Semelhando uma desgraçaAinda te vejo na praça!É vergonha - e não chalaça -

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Desse largo um tal estado!Ainda te vejo na praça,Esqueleto endiabrado!

E chega a comunicação, via telefone, do Banhista Renitente:

- Trilim... Trilim...tim...- Alô!- Quem fala?- O banhista de costume. Cá estou em Santos. Há por lá

alguma novidade?- Houve aqui no dia 15 um princípio de rolo...- Não é isso que pergunto. Quero saber se o

indecente mundéo que enfeia a Praça Senador Godoy ainda está de pé?

- Ora, se está! E cada vez com mais saúde, pois há timbre até em não tirá-lo dali por causa de tuas impertinências.

- Impertinências! Então uma coisa reclamada com tanta justiça é assim considerada!

- É o que dizem...- Pois eu não descansarei enquanto não conseguir operar

essa verruga do nariz, mesmo porque:

«Água mole em pedra duraTanto dá até que fura...»

Podemos perceber, no texto, manifestação de que os escritos anteriores começavam a incomodar a administração do senhor Agente Executivo e os mandatários no poder.

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O Banhista Renitente demonstra que irá recrudescer em suas críticas, tornando-as mais freqüentes.

Entra na polêmica outro personagem, O Novato, com os seguintes versos, publicados na mesma edição .

O BarracãoUm NovatoPois não foi por Santa CasaQue inventaram o barracão;Sim pra chamar atençãoA lugar... onde se atrasa...

Venham povos lá da roçaE queime essa palhoça!

A Maria do RosárioDe quem se fez inventário,Já está arrependidaDizendo mal desta vida.

Vamos pedir ao BarãoQue desmanche o barracão.

Em vinte e sete de maioVindo eu lá da Estação,Avistei o barracão, - Pra que serve aquele raio!

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Ali plantado na praça? Perguntou com muita graçaUm amigo com quem vinha.Respondi-lhe sem fosquinha:

- Meu amigo, vou lhe dizer,Pois aqui há uma ilusão:Foi pra chamar atenção;

1Ver um Moinho moer...Quem bilhares quiser ver, Oferece-se café,O fato bem certo é,

2Quando o grupo aparece,Tudo se lhe oferece...

3E lá dentro quem é Coió 4Fica pobre como Jó ...

5Vamos pedir ao BarãoQue desmanche o barracão.

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1( ) Destacamos do verso a referência ao Moinho que, segundo o autor, era o nome apropriado para a casa de jogo, onde o proprietário trapaceava moendo o dinheiro dos crédulos. Ali as pessoas eram soberanamente enganadas e perdiam tudo no carteado, roleta e bilhar.

2( ) Os políticos contrários ao Agente Executivo3( ) Bobo4( ) Personagem bíblico5( ) Barão de Campo Místico, para fazer analogia com o barão João Batista Vianna Drummond,

conhecido como Barão de Drummond, que associado a Manoel Ismael Zevada, deram curso à idéia deste último que foi a criação do jogo-do-bicho.

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Conforme publicado nos jornais, ao se pensar em uma Santa Casa para Poços de Caldas, o Barracão serviria para realizar as quermesses, através das quais seriam angariados fundos para a instituição. Essa era a desculpa dada para que o prédio não fosse demolido. A Irmandade da Santa Casa foi constituída no ano de 1903 e somente em 1905 a instituição começou a prestar serviços à vila.

Maria do Rosário das Dores, também conhecida como Maria Caipira, referida no verso primeiro da segunda estrofe, era o nome de uma senhora que doara uma parte de seu casarão, localizado na esquina da, hoje, Rua Paraíba, 770 com Rua Assis Figueiredo, para que nele fosse instalada a Santa Casa de Misericórdia. Entretanto as autoridades e pessoas responsáveis não se dignavam a tomar as providências necessárias, a não ser terem passado a escritura do bem imóvel.

Outra referência a se destacar é aquela feita ao «Barão». Trata-se do barão de Campo Místico, Antônio Teixeira Diniz, capitalista da época que emprestava dinheiro e tinha inúmeras propriedades de aluguel, incluindo um hotel. Figura influente por suas posses, era um dos nomes da política local, tendo sido verea-dor, Delegado de Polícia e Juiz de Paz. Recebeu o título honorífico de Barão do Império por serviços prestados ao Imperador D. Pedro II, quando este esteve aqui em 1886 para inaugurar o Ramal Ferroviário de Caldas, e por ser pessoa de confiança do coronel Agostinho Junqueira.

Em 5 de junho, volta o Touriste a se manifestar:

O Rancho Da Praça Senador GodoyLá está - o desgraçado,Que horroriza o mundo inteiro;

1Em pé - mas esbodegado ,

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1( ) Estragado

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Lá está ele - o desgraçado!Ei de ver inda rachá-loEsse rancho de tropeiro...Lá está ele - o desgraçado, Que horroriza o mundo inteiro!

Um amigo do Banhista entra no contexto para enviar um recado via telefone.

- Trilins...tin...Trilim...tin...- Alô! Quem fala?- Um amigo do Banhista Renitente, que partiu daqui (San-

tos) para o Sul, deixando-me encarregado de transmitir-lhes as notícias de Poços. O que há?

- Quase nada. Tem saído muita gente por causa do frio e...- Não é isso; o rancho da praça ainda não foi abaixo?- Não senhor; me parece que nem pretende fazê-lo tão

cedo...- Pois é pena tal embirração. Essa carcassa é

um atestado eloqüente do desprezo que, no interior de Minas, se manifestada pelo embelezamento das ruas e praças. Isso, que aí está, não seria admissível no mais pequeno povoado paulista.

- O senhor tem razão, mas não tem justiça?- Ora, vá plantar batatas!

Nesse período aconteciam manifestações de ordem política, tornando o clima da vila efervescente. Era desejo manifesto, da população e dos dirigentes, que a sede da comarca fosse transferida de Caldas para Poços de Caldas. Cidadãos e os políticos de Caldas estavam enfurecidos e contrários a tal idéia.

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Em Telefonando, de 12 de junho de 1904, encontramos:- Trlin...tin...trlin...tin...- Alô! Quem fala?- Cá estou em Belo Horizonte, admirando as belezas desta

rica capital. Como vão os negócios por lá?- Tudo nos mesmos eixos, apenas nos falta a prefeitura que o

patriótico governo do benemérito dr. Salles nos prometeu, para que Poços tenha o desenvolvimento indispensável.

- Fala-se também aí na mudança da sede da comarca?- Sim, e com muita razão porque esta vila constitui a parte

mais povoada do município, tem todos os ele-mentos para ser uma superior cabeça de comar-ca, o que não acontece com a atual sede, cuja cidade não tem nem movimentação comercial, nem industrial e, infelizmente, caminha para lamentável decadência no que diz respeito a progresso material.

- E o que é que Poços alega em seu favor?- Muita coisa. Tem grande população, pessoal

preparado para todos os cargos públicos; tem estrada-de-ferro, luz elétrica, comércio animado; a pequena indústria já é desenvolvida; possui os melhores prédios e edifícios desta zona; tem as soberbas e preconizadas águas termais; um clima superior, hotéis de todas as classes e...

- Pare lá um pouco! Em vista do que me diz a câmara já mandou arrancar o rancho de tropeiro que fincaram aí na Praça Senador Godoy?

- Não, senhor; infelizmente ainda lá está.- Pois meu amigo, queira dizer aos povos e povas dessa terra

que enquanto houver aí aquele expressivo atestado de atraso, hão de ver por um óculo a prefeitura e sede da comarca.

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- Já ouvi dizer isso a muita gente, mas o que hei de fazer?- Si não sabe o que há de fazer, é melhor pedir a Deus que o

mate e o diabo que o carregue.- Livra !

Delineava-se, a partir desse texto, uma campanha acirrada em favor da instalação da comarca, tendo à frente a figura impor-tante do jornalista José Augusto de Paiva Teixeira, Secretário de Governo do Agente Executivo, doutor Francisco de Faria Lobato - opositor do clã dos Junqueira - que tendo aliança com o doutor David Benedicto Ottoni estavam há perto três anos dominando a política local.

O Touriste volta a se manifestar:

O Rancho Da Praça Senador GodoyEle é um trambolho imundoConstruído ali na praça;Desagrada a todo mundo

1Ele é um trambolho imundo.2Quem o fez anda iracundo

3De ser alvo de chalaça...Ele é um trambolho imundoConstruído ali na praça.

Em 19 de junho a mesma Revista de Poços promovia uma campanha ferrenha contra o jogo-do-bicho. Um artigo irado da redação falava entre outras coisas:

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1( ) Obstáculo2( ) Irado3( ) Zombaria

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«Libertai Poços de Caldas das garras aduncas desse famélico e insaciável abutre, dessa fatídica ave agoureira, que se intitula - O jogo do bicho.»

Nessa época todo tipo de jogo ficou proibido por quase um ano.

Do Touriste, mais alguns versos, já na conhecida e caracteri-zada seção do jornal:

O Rancho Da Praça Senador GodoyTu és um empestado,Maldito rancho imundo, Na praça ali lançado,

1Tu és um empestado !Não ficarei cansado

2De lancear-te a fundo.Tu és um empestado,Maldito rancho imundo!

Do Novato vem com os seguintes versos:

Ainda está, senhor Banhista, Lá na praça bem fincado, Deixa tudo atarantado:Pois quem pode ergue a crista, E sem procurar a pista,Vai dizendo à boca cheia,- Quem o barracão não arreia, Manda às favas o Banhista.

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1( ) Contaminado2( ) Ferir-te

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Veja lá, que gente é essa,Só de birra a coisa deixa,E de tudo se desleixa, Pregando-nos forte peça!

1Não vale dizer: - Hom'essa !Com cara alegre ou de mágoa.Não sei por que cargas d'águaDeixam lá dupla tripeça...

Oh! senhor que tanto pode, Mande arrasar tudo aquilo;

2Ponha fora esse pagode ;Esse rancho nem pra bodeServirá ali na praça...Pois isto não é chalaça,Mas, acredite, tem graça,É preciso ir abaixoPor que aquilo é um relacho...

Voltarei noutra ocasiãoPra falar do barracão.

De Belo Horizonte, a palavra do Banhista.

- Trlin... tin Trlin...tin...- Alô! Quem fala?

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1( ) Ora essa2( ) Traste

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- O mesmo Banhista Renitente, que continua em Belo

Horizonte. Diga-me como vai o negócio do jogo do bicho por aí?- Continua com animação: jogam moços e velhos; ricos e

pobres; crianças, criados; pobres operários; só não jogam os

presos da cadeia por que não há soldados para guardá-los...- C'os diabos! Pois não é essa notícia que tem tido aqui o

chefe, o qual está informado de que o que aí se joga é unicamente a

loteria de Juiz de Fora.- Ah! ah! ah!- Parece-me tê-lo ouvido em forte gargalhada?- Sim, porque aqui ainda não teve nem ao menos lembrança

de diminuir, quanto mais cessar de vez esse pernicioso jogo.- E a autoridade local?- O que é que ela há de fazer? Não tem praças para diligênci-

as... e, além disso, consta-me que lhe repugna proibir o bicho,

deixando livres outros jogos proibidos...- Isso não é razão. Todos devem ser proibidos; mas começa-

se sempre pelo mais pernicioso, como o do bicho, que tem desgra-

çado tanta gente e viciado tantas crianças... Deixemos, porém, o

bicho, a respeito do qual sei que o dr. chefe de polícia vai tomar

providências muito especiais, que lá chegarão muito breve.- Que providências? Virá aqui algum agente da polícia

secreta?- Cala-te. A Alma do negócio é o segredo. Os

banqueiros e agentes vendedores, que esperem a

coisa que será de truz...- Então, adeus!- Espera ainda um pouco. Como vai o famigera-

do rancho da Praça Senador Godoy?

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- Ainda lá está todo feio e desengonçado a escarnecer de tuas impertinências.

- Dá-lhe lembranças minhas... Poços pode limpar as mãos à parede, com semelhante embelezamento. Naturalmente não o juntará às razões de justificativa para ter direito a ser cabeça de comarca ou prefeitura...

- Lá isso não.1 - Pois deixem de pirronismo reles e ponham abaixo o espan-

talho. Admira-me que havendo aí uma mocidade tão inteligente e progressista, que cria associações dramáticas e clubes esportivos, etc...

- Inda não deitasse por terra aquela porcaria que aí está desmentido a sua elevação de espírito. Abaixo pois, o que não presta!

- Apoiadíssimo! Muito bem!(O orador é cumprimentado...)

O tom de discurso é evidente. E não deixa de ser percebido o deslocamento do espaço no discurso do Banhista Renitente, que começa sua fala-denúncia contra o «Barracão» em Poços de Caldas para, passados alguns meses, estar em Belo Horizonte, capital do Estado, como um privilegiado espectador, aguardando as decisões sobre as mudanças político-administrativas, que já estavam sendo anunciadas, principalmente as que interessavam à vila.

O Banhista age como um turista. Sai de Poços de Caldas, vai a São João da Boa Vista, São Paulo, Santos e daí para Belo Horizonte, depois Uberaba. Essas andanças envolvem, sutilmente, uma crítica aos médicos locais: Ottoni, Sanches e Lobato os quais, constantemente, estavam em viagem.

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1( ) Teimosia

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O autor faz referências a um momento em que setores da vila começavam a desenvolver o esporte e a cultura, quando menciona a criação de clubes esportivos com a introdução do futebol em 1904, além de associações e companhias de teatro.

Em uma «Carta da Capital», de 15 de junho de 1904, o articulista J.L. escreve, de Belo Horizonte:

«Está prestes a se reunir o Congresso de Minas. De todos os assuntos que mais devem preocupar o espírito dos mandatários do povo destaca-se a instrução pública, problema cuja solução, patrio-tismo, amor à República e o próprio respeito ao século mandam que não seja mais adiada.»

I

«Em um Estado que vive sob o regime republicano, onde só tem garantia para o exercício do voto e outros direitos políticos os que têm a felicidade de saber ler, quando o voto popular constitui a fonte única de todos os poderes públicos, a divulgação do ensino primário representa a principal obrigação dos governos, o assunto que, sobre todos os outros, deve mais preocupar a sua atenção.»

I

«Não se pode admitir república sem instrução.»

I

«É preciso que trabalhemos desde já pela emancipação política do povo, a fim de que os nossos filhos não sejam testemu-nhas dessa anomalia republicana que presenciamos.»

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Na ocasião instala-se na vila o Liceu de Poços, externato particular para meninas, sob a direção da professora Celina Soares de Paiva, filha dileta de José Augusto de Paiva Teixeira, Casusa, proprietário da Revista de Poços.

Nessa mesma época, em sessão extraordinária da Câmara Municipal, era votada uma lei atinente ao embelezamento da vila, estabelecendo dimensões para os passeios nas testadas dos prédios à Praça Senador Godoy e para os das ruas centrais, e intimação aos proprietários para o fechamento dos terrenos não edificados.

Em junho de 1904 a Paróquia deixava de contar com os préstimos do padre Luiz Cappello, sendo substituído por Thierry de Albuquerque, vigário da vizinha cidade de São João da Boa Vista. Com isso o curato (povoação pastoreada por um cura) de Poços de Caldas foi anexado à cidade de São João da Boa Vista.

A essa altura da campanha contra o famigerado «Barracão», ao Touriste interessava esbravejar:

O RanchoMaldito sejas tu, Ó velho barracão,Abrigo de urubu,Maldito sejas tu.Cortada seja a mão

1Que fez esse «tutu» ! Maldito sejas tu, Ó velho barracão.

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1( ) Bicho-papão

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Por que não dizer, assim dizia o Touriste:De burro a tal carcaçaFincada inda lá veio;É caveira é desgraçaDe burro a tal carcaça...Tirem-na já da praça, É pior que percevejo...De burro a tal carcaçaFincada inda lá vejo.Quem diabo tal consente,Não sei, saber não posso...Pois deve ser demente, Quem diabo tal consente.- Rapazes, vá! bem rente...Destruamos o tal osso.Quem diabo tal consenteNão sei, saber não posso...

Constante Novato, outro pseudônimo em cena, apela às forças policiais:

O Barracão1Já pedimos ao delegado .

Mas nem pelo diabo!A quem havemos pedir, Temos força de vontade.Falta-nos autoridade?

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1( ) Caetano José de Abreu

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1O prefeito há de virAquele monstro demolir!Aquilo que ali estáA intenção é só máDe quem fez rancho malvadoNunca foras acabado!...

2Pedimos ao presidente , Já pedimos ao delegado.

II

E o que vamos nós fazer?Junte-se, rapaziada, À noite ou de madrugada, Façam o povo verQue é só vocês querer, Fazem aquilo em nada, Oh! que bela patuscadaArrancá-lo como nabo! A polícia é bem ativa,Mas nem pelo diabo!...

III

Vamos pedir ao Barão Que desmanche o Barracão.

Pela primeira vez há, nesta celeuma, o apelo ao povo, quan-

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1( ) Todos ansiavam pela futura instalação da Prefeitura.2( ) Presidente do Estado Francisco Antônio Salles

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do o autor fala para a rapaziada se juntar na campanha contra o barracão.

E, novamente, a figura do Barão de Campo Místico é invoca-da. Não que ele fosse solucionar a questão, mas exatamente porque ele não resolveria, por ser parte interessada em manter a polêmica.

Na redação o telefone continua sendo usado pelo Banhista Renitente, aquele que encetou a campanha contra o barracão.

- Trlin... tin... trlin... tin...- Alô ! Quem fala?- O Banhista Renitente.- Ainda está em Belo Horizonte?- Ainda. Mas sigo já para Uberaba, a fim de mudar de clima,

e visitar a bela cidade do Triângulo Mineiro.- Dizem que é muito animada!- Sim, tanto no comércio, que é a principal praça de Minas,

como também nas letras, nas indústrias, na lavoura e até na políti-ca, tanto que ali estão aparelhando dois fortes partidos para as eleições municipais.

- Dizem que os tais partidos têm uns nomes esquisitos?- Na verdade, um se intitula dos Araras, é o que está dando as

cartas; o outro denomina-se dos Pacholas, é o da dissidência local, que promete meter um no chinelo e engolir a Ararada, que é encorpada e forte...

- É preciso, quando engolir, ter cuidado com a volta do bico dos bichos, não achas?

- Sim, mas dizem eles que têm boa Caldeira, excelen-te água de Rios cristalinos, bons frutos de Oliveira e que por isso hão de ser todos os Araras bem Cunhados e depois, Campos livres, depenados, refogados, frita-

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dos, para serem comidos à sombra de uma Amoreira e de uma porção de Carvalhos...

- Então é negócio sério? - Muito sério. Mas deixemos estas conversas para

quando eu lá estiver e conversemos sobre a sede da comarca. Como vai o negócio?

- Bem, a Câmara de Poços deitou representação ao congresso mineiro, contando suas reais vantagens e reduzindo a pó-de-traque a atual cabeça da comarca. Uma representação verdadeiramente apimentada. Os campestrenses, por sua vez, estão Canhoneando a Câmara de Caldas de um modo desabrido. Cada artigo é uma facada mortal.

- E Poços vai sempre na ponta?- Da pontinha! Tudo aqui é alegria, porque já se tem certeza

de nossa vitória na prefeitura e na sede da comarca. O comércio está hoje com um desenvolvimento extraordinário: montam-se novas casas, reformam-se antigas com grandes capitais, festas, foot-ball, pic-nics, caçadas...

- E o rancho da praça?- Oh! esse demônio ainda lá está! É a única nota dissonante

no grande concerto de nosso progresso!- Pois, meu amigo, é preciso tirá-lo de lá, porque, do contrá-

rio, ele empestará esse progresso de que me falas com tanto entusi-asmo.

- É bem verdade! Aquele desgraçado é pior do que a febre amarela, do que a peste bubônica, do que uma lepra gafeirenta ... e...

- Basta! Não é preciso mais nada na carta!..

O texto acima traz a manifestação da vontade da população em ver a vila tornar-se emancipada de Caldas. Por outra via, toman-

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do como exemplo Uberaba, o autor faz algumas menções e compa-rações com nomes e fatos da política daquela cidade.

A par das questões políticas e sociais existentes, ainda havia o problema do jogo-do-bicho. E o cronista Leogeno, que assinava a coluna Palpitando, em versos, dizia:

Continue a jogatinaNesta fonte de Juventa;Os banqueiros dão propina, Continue a jogatina.Compramos a nossa sina,Todo o mundo a sorte tenta.Continue a jogatinaNesta fonte de Juventa.

Segunda - Águia mais o Touro,Terça - Cavalo ou Leão;Quarta - Porco ou Camelo,Quinta - Carneiro e Pavão.

Na Sexta o ElefanteE uma Cobra caninana;Sábado vem Urso e VacaPra fechar esta semana.

Não quero o bicho jogarSe não pagam as centenas...Só me querem dar azar,Não quero o bicho jogar.Acertei numas dezenas...

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E o cobre onde foi parar?...Não quero o bicho jogar, Se não pagam as centenas...

Telefonando traz texto do Banhista Renitente, na Revista de 17 de julho:

- Trlim... tin...Trlim...tim...- Alô! quem fala?

1- Ora, não sejas cacete ! Bem sabes que é o Banhista Renitente, aquele cabra velho, lerdo, mas não cansado das lutas, que aqui na capital mineira, está assistindo às primeiras sessões dos «fagundes estaduais».

- Está bom, deixe... e continue.- Continue você e diga-me o que vai por lá.- Aqui vai indo tudo muito bem. Só o fiscal é que

2desesperou com a canzoada da vila e vai dando Bolas a torto e a direito!

- Mas respeita os cães de raça, os de caça que não fazem mal a ninguém?

- Qual o quê! o homem mata tudo que sai à rua.- É uma verdadeira rasoura...

- Isso é grave. Em toda a parte do Brasil são respeitados os caninos de boa raça, assim como os inofensivos caçadores. O que a Câmara pode e deve fazer, é lançar impostos sobre eles e, quando não satisfeito o fisco, remetê-los para o curral do conselho, onde serão retirados mediante a multa estipulada ou então arrematados por quem mais der.

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1( ) Impertinente2( ) Campanha desenvolvida pela Prefeitura, em relação aos cães soltos pela rua, procurou contemplar,

indistintamente, todo qualquer animal que estivesse perambulando pela cidade. Assim veio a crítica. E por «tabela» o cronista pergunta: por que não o barracão?

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- Qual! não tem conserto. O homem tem ordem da Câmara para matar toda qualidade de indivíduos de tal espécie e vai cum-prindo discricionariamente a incumbência.

- Ah! então estou bem certo de que a Câmara já mandou também dar Bola ao rancho da Praça Senador Godoy...

- A esse ainda não, senhor.- Pois é pena. Quem não tem birra daquela indecência que

ofende os foros de civilização dessa boa terra, não pode mandar matar, a torto e a direito, os pobres cães.

- É verdade o que diz e eu vou já dar o seu recado.- Pois não demore e adeusinho.

No mês de julho falece, em Ribeirão Preto, Manoel Batista de Sá Vasconcelos, fotógrafo que aqui residiu durante alguns anos, deixando sua marca através da sua arte fotográfica e inúmeras propriedades, além de haver sido o fundador e construtor do primeiro teatro desta terra: o Teatro Odeon-Armilla, nome dado em homenagem à sua filha Armilla Vasconcelos.

O Touriste nesse mesmo número entoa seus versos na coluna O Rancho:

Tu és os meus pecados, Oh rancho duma figa!Raça dos empestados, Tu és os meus pecados.Furar-te-ei, aos bocados, Crânio, mãos, a barriga!...Tu és os meus pecados, Oh rancho duma figa!

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1Ao Lopes vou pedirUns versos que te esmaguem, Pra fundo te ferir, Ao Lopes vou pedir;Pois que ele tem coragemDe- em pó - te reduzir!Ao Lopes vou pedirUns versos que te esmaguem.

O Delegado de Polícia, Maurílio Figueiredo, que há algum tempo solicitara exoneração, tem seu cargo preenchido pelo senhor Francisco Joaquim Pinto.

Em 17 de julho, domingo, foi realizado mais um jogo oficial de futebol, organizado pela «Associação Foot-Ball Club». Fato de grande importância para o esporte na vila de Poços.

Por causa de um artigo publicado em 17 de julho no jornal Município de Caldas, falando dos melhoramentos que Poços já alcançara, o articulista da seção Telefonando escreve:

- Trlin...tin... tim...- Alô! Quem fala?- Ora, não amole!- Ah! já sei; é o Banhista Impertinente...- Impertinente és tu; eu sou o cabra velho renitente, quadra-

do, sem quinas...etc.

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1( ) O Lopes, em questão, é Fernando José Lopes, dono da popular Pensão Lopes e autor de poemas populares.

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- Muito bem; o que desejas?- Bem sabes que quero notícias daí.- Então vá ouvindo: O Município, periódico da cidade de

Caldas, deitou fortíssimo artigo contra a Câmara de Poços por

causa de sua representação ao congresso. Diz ali cobras e lagartos

desta terra, que chama de jogadores, sem mais prestígio, porque

não tem nada que preste.- Ora, não acredito! É possível que a doidice chegasse a

tanto?- Chegou, porque o articulista, depois de confessar que é

conhecedor de tudo quanto constitui o nosso

progresso, afirma que só temos a mais do que

Caldas, a estrada de ferro e o telégrafo nacio-

nal!...- Estão doidos varridos, não há dúvida.

Então Caldas, tem hotéis como Poços, comér-

cio com seu desenvolvimento, construções

como as atuais, povoação limpa e asseada,

água e esgoto; iluminação elétrica, observató-

rio astronômico, cervejarias, padarias, sapatarias, alfaiatarias,

ourivesarias, ferrarias, marcenarias, carpintarias, barbearias, e

tudo o mais que acaba em ias - como mercado, teatro, farmácias,

carros de praça, roletas, loterias, jogos-de-bicho, etc.?- Pelo que afirma o articulista do Município, devem ter tudo

isso , mas não é verdade.- Por quê?- Porque estão vendo tudo aquilo por um óculo. Se o municí-

pio de Caldas produz vinho, uma ninharia de pipas, isso mesmo é

preciso que Poços lhe compre, assim como outros gêneros de

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comestíveis. Infelicíssima seria Caldas se não tivesse Poços como

seu principal mercado consumidor. Se assim não fora seria uma

desgraceira medonha!- Mas lá há de haver alguma coisa.- Há excelente biscoito de polvilho, que é alimentação

infantil. Há bom vinho nacional que aqui pagamos com nosso rico

dinheirinho; seu clima é soberbo e... tudo o mais é simples patacu-

ada... Tudo está em completa decadência.- É extraordinário!- Oiça e me darás razão: lá não tem uma oficina de ourives;

não tem marcenaria, nem selarias, não possui ferrarias, nem

construtores de obras. Alfaiate só tem um, o Albino, e este dizem

que é uma excelente tesoura... Não há um salão de barbeiro.- Nem barbeiro?- Nem barbeiro. É certo que o Zeca-Gato, por especial

favor, tosquia e raspa a humanidade, mas não tem casa aberta para

não pagar imposto...- Como se chama o homem? - É o popular Zeca-Gato.- Livra! E sapateiros, há por lá!- Dizem que só há um e se mesmo mal sabe fazer grosseiras

bainhas de faca.- Oh! com os diabos; manda dizer a essa gente que, para

complemento de desgraça, faça aquisição do rancho

da Praça Senador Godoy, que tanto enfeia Poços.- Constam-me que a Câmara daqui lhe vai fazer

presente daquele mimo o mais breve possível.- Dá-lhe, pois, meus parabéns por isso... e adeusinho.

Touriste volta com seus versos:

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O Rancho Da Praça Senador Godoy

Eu vou deixar-te jáOh baixo rancho imundo!Tu tens a sorte má,Eu vou deixar-te já,Mas alguém te ruirá, Ferindo-te bem fundo...Eu vou deixar-te já,Oh baixo rancho imundo.

Um dia o teu autorTe verá em pó e nadaTerá esse dissaborUm dia o teu autor.Não terás mais bolorE irás à derrubada...Um dia o teu autorTe verá em pó e nada.

Em meio às discussões políticas, tendo o barracão como pretexto na briga entre Conservadores e Liberais (partido que era

*unanimidade em Poços naquela época), o cronista Demi & Cheli surge para, no artigo «Sol e Sombra», dizer:

«É palpável que o ambiente de civilização vai surgindo no horizonte de Poços de Caldas, com a criação do Sport, no caso a introdução do futebol, nesta florescente e hospitaleira terra.»

Vale mencionar que o cronista, no caso, era João De Micheli, também pioneiro na prática do futebol nesta terra.

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(*) João de Micheli, um dos primeiros jogadores de futebol da vila e, mais tarde, em 1925, fundador da Associação Atlética Caldense.

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No poema «Barracão», Novato traz novidades:

O Touriste me pediu...Mas que hei-de então fazer?Hei de dar-te até moer!Todo o povo leu e viuQue a Câmara consentiuFazer esse rancho imundo.Oh arrancai-o pelo fundo, Arrastai-o ao matadouro,Lá naquele despejadouroDormirá sono profundo.

1Lembrai dos bondes imundos, Pelos bois (que cada bicho)Que mandastes para o lixoComo casa de urubu.Levai esse rancho cru.Pedi a guarda de honra...Com quem pode, não se zombaVós mesmo como fiscalVede que ali está mal:O povo ajuda e o tomba...

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1( ) Em 10 de outubro de 1892 a Câmara concedeu a Marco Antônio Teixeira a exploração do transporte por carris urbanos, tração animal e bitola métrica. O trajeto compreendia a Estação da Mojiana, Rua Junqueira, Praça Senador Godoy (hoje Pedro Sanches), Marquês do Paraná (hoje Assis Figueiredo) e Rua dos Poços (Rio de Janeiro). Os bondes foram desativados por absoluta falta de condições higiênicas, do veículo e dos animais, para transportar as pessoas. Os trilhos foram retirados em 1899. Outro motivo foi o aparecimento dos carros de praça, por tração animal.

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Se fordes fraco na luta, Sem que ponha a mão na nuca, Pediremos um auxílio

1Ao nosso Chico Maruca.

A Companhia de Força e Luz era a «Costa & Cia», cujos concessionários eram José Joaquim da Costa e José Cândido de Souza. A empresa avisava a seus consumidores que todos aqueles que quisessem continuar recebendo os serviços de fornecimento de energia elétrica deviam pagar suas contas em dia, pois outras pessoas desejavam receber tais serviços, entretanto a Cia. não dispunha de capacidade para atender a mais consumidores. Aqueles que não pagassem teriam o fornecimento cortado em favor de outros que desejavam receber os serviços.

Nesse período o senhor Marçal Santos introduz os carneiros da raça rambouillet, do qual se torna um dos grandes criadores regionais.

Seguindo os lamentos por causa da incômoda obra fincada no coração da praça, torna a falar o Touriste:

Tu és, rancho maldito, Abrigo de corvo e bicho, Há muito que repito:Tu és rancho maldito!

2Hei de te ver precito ,

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1( ) Chico Maruca era proprietário de um hotel no centro da vila, onde depois se instalou a Casa «Moreira Salles» e, hoje, é o Unibanco, Rua Assis Figueiredo esquina com a Rua Prefeito Chagas.2( ) Condenado

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Jogado lá no lixo...Tu és, rancho maldito, Abrigo de corvo e bicho.

1O Lopes já não agüenta2A tua pertinácia ;

Em rima que afugenta,O Lopes já não agüenta...Mas ele, indo forte, tenta

3Cortar-te a contumácia ...O Lopes já não agüentaA tua pertinácia.

Do Novato temos em 30 de julho:

O Barracão4Porfirense não conhece

A ilusão do espantalho:O barracão bem mereceSó ser feito de borralho.

Porfirense fez caçoadaRelativa ao chalezinho;O autor não vale nada,É o inventor do tal moinho...

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1( ) Fernando José Lopes, dono da Pensão Lopes2( ) Teimosia3( ) Obstinação4( ) Aquele que gosta de confusão, debate, porfia. No caso do poema, pode também estar se referindo a um

morador do denominado, naquele tempo, Vale do Porfírio para os lados do Ribeirão de Caldas.

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Porfirense não é sóQuem engole coisa nojenta, Queira sempre ter seu dóDo povo que ali entra.

Porfirense: se for capazDe defender o barracão,Traga de lá água rás,Vamos queimar aquele cão.

1Porfirense não é Bocage ,Que com versos faz defesa

2À casa de tavolagem ...O fim dele... é esperteza...

Em 7 de agosto de 1904, o responsável pela coluna Embirro-me... manifestava, pela primeira vez, seu descontentamento com o barracão, escrevendo:

Embirro-me... * com quem não se embirra com o amaldiçoado rancho da

Praça Senador Godoy...* com quem leva de timbre a consentir na permanência ali

daquele espantalho, que nos envergonha aos olhos dos visitantes...

Em meio às discussões sobre o «Barracão», Rodolfo Garcia Rosa, professor e proprietário do Colégio Rosa, publicava uma crônica na Revista de Poços de 7 de agosto de 1904, sob o título

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1( ) Poeta português da Era Clássica, Manuel Maria Barbosa du Bocage.2( )Casa de jogo.

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Caleidoscópio, falando da expectativa e importância para todos os habitantes da vila em relação a se criar a Prefeitura.

«Envolta em níveo manto, porte majestoso e cabelo cor da noite, assim eu a vi numa tarde bela.

Era uma mulher de encantadora e divinal beleza!A muito custo e a medo, perguntei-lhe:- Quem sois vós, senhora tão gentil? De onde vindes e para

onde ides?- Sou a formosa pupila de Belo Horizonte; venho do semel

dos representantes da Pátria de Tiradentes e vou para as águas de Juventa. Eu sou a Prefeitura. Em Poços quero ter praças ajardina-das, parques e avenidas, abauladas ruas, cimentados passeios, rede de esgotos, muita água, muita luz , teatros, cassinos e muita coisa mais que a vista encante e o coração alegre.

E ela chega... É quase ao amanhecer... Soa a orquestra; estrugem foguetes; chovem flores; atroam baterias; trovejam palmas , e a multidão festiva a cerca e, fremente, delirantemente, preme-a ao coração alvoroçado de entusiasmo, em quanto lá fora, ao longe... nas fímbrias do horizonte, o sol, o rei da natureza, aureolado de púrpuras e resplendores rubros, se levanta de seu leito undoso para saudá-la também.

- E viva a Prefeitura!

Enquanto nada acontece, o Barracão é notícia, pelo Novato:

Não se importem se a «penção»Tem - ç - cedilha ou tem - s;Não sei porque isso oferece

1Motivos pra mangação !

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1( ) Zombaria

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Mas se fora o barracãoOutro galo cantaria, O moinho moeriaNa forte especulação,Deixando lá na misériaGente boa, gente séria,A quem mal só se fornece.

Não se importem se a «penção»Tem - ç - cedilha ou tem s;Pois este erro não mereceComo o moinho - a maldição.

Ou o Touriste com o seu:

RanchoTu hás de cair um dia, Oh rancho desgraçado!

1Espectro de agonia, Tu hás de cair um dia.

2Deixarás a arrelia ,Ver-te-ei despedaçado...Tu hás de cair um dia, Oh rancho desgraçado!

Aproximava-se o período de eleições e havia muita esperan-ça quanto ao destino da vila de Poços tornar-se independente de Caldas. Tanto que o articulista da seção Telefonando, em 14 de agosto, manifestava-se sobre a criação da comarca.

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1( ) Fantasma2( ) Confusão

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- Trlim...tin...trlin...- Alô! De onde falam?- De Poços de Caldas.- O que deseja?- Saber se ainda está em Belo Horizonte o Banhista

Renitente.- Vou mandar saber; entretanto posso informar-lhe do

seguinte: há dias que ele tem estado numa lufa-lufa danada. Acompanhou por toda parte o presidente da República e regalou-se desesperadamente com as iguarias de todos os banquetes, onde o peru foi erguido à altura de um princípio...

- Então tirou a barriga da miséria?- Creio que sim. Antes que ele chegue, peço-

lhe que me conte alguma coisa dessas paragens, porque aqui nos corredores das duas câmaras estaduais já se fala com interesse na mudança da sede da comarca de Caldas para Poços.

- Ah! meu amigo, o assunto está quente e, nesses últimos dias, tem azedado demais em Caldas. São descomposturas em nós de Poços.

Falam nas ruas, num jornal que lá tem e atacam furiosamente a nossa «Revista de Poços» por defender aquela idéia. Em desespero de causa, alguns caldenses estão lançando mão de meios incompa-tíveis com a boa educação e provocando a mais forte reação. Até o Thomaz Folheiro, dali, já se meteu no barulho. Queira ouvir uma pequena amostra do que o homem bufa contra a «Revista»:

«Maladetto giornalle é quella “Revista” infernale di Poços! Manaja, san Francesco! Q'importa a questo giornalle com la vitta del parochiere Giuseppe Gatti che guadanha honradamente col suo lavoro? Doppo tutto questo, chiamare cosi sfazziatamente

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quello buono Giuseppe de Zeca-Gato! Ah! Zeca- Gato! Per la madonna! Per San Gennaro, si estato com me , le getava via la testa per il collo! Questo é vero e bene trovato!»

- Safa! o homem está danado mesmo; dê-lhe um banho frio para refrescar a furia.

- O Banhista Renitente demorará muito? - Aí chega o portador. Ele manda dizer que está incomoda-

do, não pode falar agora, mas deseja saber se o barracão ainda está na Praça Senador Godoy. - Diga-lhe que sim. E que também muito perde em não me ouvir hoje, pois tenho coisas do arco da velha para lhe contar, mas isso unicamente a ele.

- Então adeus, ficará para outra ocasião.- Sim, e adeusinho.

Por seu lado o Touriste escrevia:

Hei de te ver abaixo, Infame barracão;

1Asilo de borracho ,Hei de te ver abaixo, Irás ou eu te racho

2Em forte trabulhão !Hei de te ver abaixo,Infame barracão.

Se a rima me faltar, Virá o Lopes ferino.

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1( ) Bêbado2( ) Queda com estrondo

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E te há de desancar, Se a rima me faltar.Ele é que sabe darCom fúria de tigrino!Se a rima me faltar, Virá o Lopes ferino.

E o Novato emendava, em:

O BarracãoHei de te ver esmagado!

1Vou pedir ao promotor , Que nos faça esse favor, E ao povo recém-chegado, É pra todos um desgradoEm vila, como em cidade!Sofremos este desgosto...Tirai o espantalho ali posto, Oh! promotor, por piedade!

Agosto requeria muita atenção e tirocínio político. Aproximavam-se as eleições para a Câmara Municipal. Desde abril a Revista de Poços, através de seu redator e alguns articulistas, sob vários pseudônimos, vinha desgastando a administração eleita em 1902. O mote era o Barracão da Praça Senador Godoy. O desgaste para o Agente Executivo Municipal, Francisco de Faria Lobato, vereadores que o apoiavam e seu Partido Republicano tornava-se cada vez maior.

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1( ) Pela primeira vez há referência a um membro do judiciário, no caso o promotor Gabriel de Oliveira Santos que atuou na comarca de Caldas nos anos de 1903 e 1904.

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Outro fato que insistentemente marcava a época era a busca da emancipação político-administrativa da vila. E a sede da comar-ca, Caldas, era alvo das críticas de todos, tanto da situação como da oposição.

Em Telefonando nosso articulista fazia suas ilações.

- Trlim...tin... tin...- Quem é? Cá estou.- Sou o banhista conhecido. - Ainda estás em Belo Horizonte?- Sim. O que há por lá?- Por enquanto nada de novidade, além do que te escrevi em

minha última carta.- E eram boas coisas cujas providências estão sendo toma-

das. Diga-me de Caldas não veio nova rebordosa?- Não. O Município do último Domingo não se dignou

chegar até Poços. Naturalmente apanhou alguma constipaçãozi-nha...

- Mas de lá deve vir sova grossa pelo que me disseste.- É possível. O que é certo é que, em caso afirmativo, hão de

tomar resposta ao pé da letra.- Já enterraram lá o defunto cavalo morto falecido na portei-

ra da cidade?- Dizem que ainda não.- Pois olhe que o perfume não condiz

muito com uma cabeça de comarca...- Sua alma, sua palma...- E o rancho da Praça Senador Godoy

ainda está por aí? - Está, mas creio que sairá antes de come-

çar a estação de banhos.

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- Há de sair como?- Há de sair ou por bem ou por mal, é o que ouço afirmar à

boca pequena...- Bendita boca! Mandem mesmo arrancar daí essa indecên-

cia que vive a envergonhar Poços, a bela estância mineira.- Há de ir abaixo.- Sim. Fora com a caveira de burro que aí foi construída

unicamente para pegar Patinhos, que são depenados no "moinho" próximo, de 36 números com 0 e 00.

- Apoiado essa fala!- Apoiado, sim, mas é indecente a especulação...

Prevendo o fim do barracão, o Touriste, assim se expressava:

Tu tens, ó rancho imundo, Da morte a catadura;Da tristeza o ar profundoTu tens, ó rancho imundo,

1Hei de moer-te, iracundo , Ignóbil caradura! Tu tens, ó rancho imundo,

2Da morte a catadura .

A 27 de agosto iniciava-se a «Estação Balneária», período em que a estância recebia pessoas provenientes de diversos pontos do Brasil para fazerem uso das águas termais e tratamentos basea-dos no clima agradável e salutar da vila. Por causa disso, inúmeras festas e atividades culturais estavam programadas. Era um momen-

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1( )Irado2( )Aparência

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to do ano em que todos ganhavam dinheiro, recepcionando e dando atendimento adequado aos aquáticos ou banhistas como eram chamados aqueles que chegavam a Poços para uma tempora-da de descanso e cura.

Notícias dadas, em Belo Horizonte, através do «Correio da Manhã» do dia 21 de agosto diziam:

«Brevemente serão instaladas as prefeituras de Caxambu e de Poços de Caldas, estando quase concluídos os respectivos regulamentos.

Consta que serão nomeados prefeitos de Poços e Caxambu os doutores Escobar* e Viotti**. Há mais de 50 candidatos para esses lugares.

A Câmara Municipal de Poços de Caldas pede, em longa e fundamentada representação, a transferência da sede da comarca para a sua florescente Vila. A representação foi presente ao senado mesmo em suas últimas sessões.»

Telefonando dava as últimas de Belo Horizonte:

- Trlim...tin...tin...- Alô! Quem fala?- O cabra destorcido, ilustre Banhista Renitente, que cá está

em Belo Horizonte.- O que há por lá na bela capital?- Boas notícias: a prefeitura deve ser instalada

antes de novembro. O que havida de mais difícil era o regulamento, que já se está imprimindo.

- Sim!?

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(*) Dr. Carlos Ribeiro Moura Escobar era engenheiro e residia em São Paulo(**) Dr. Policarpo Rodrigues Viotti era médico e residia em Caxambu.

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- Tanto a prefeitura de Poços como a de Caxambu.- E a cabeça de comarca?- Essa ainda está no senado, de onde deve sair breve, mesmo

porque o EscoVaz, OttoChan, FariBarão si, ca ka!; rgra; puff;pia-u;sEr a 1 dia aek, 66 ww8'w9gfhwfi47:wz0'067h87DeGufAkKach RgungLrdu comarca para Poços.

- Não entendo...- Ora, é que EuzeXanó, Caet[IldefocUruz!... ÉmièdrPh TrUs

BÊRRI, Õouw 7'f 3'2çç8 "8ç8ç"ç'g()fi9, r,Orrp7. pEmqio PMoa DIOps in!Ç!... RaIopArt.viCenfeR. coNstaNtObaRrakorUm&

- Ainda não compreendi!- Pois se não compreendeste, pede a Deus que te mate e ao

diabo que te carregue...

É nesse quadro de decifra-me ou te devoro que viviam os políticos e a população da vila. Enquanto isso o símbolo de todo o mal, o Barracão, continuava incólume em seu posto isolado.

O Touriste expõe, com veemência e agressividade, seus versos ferinos:

Tu és um miserável,Fincado nessa praça!Imundo, detestável, Tu és um miserável. Jamais tu foste amável, Jamais tiveste graça...Tu és um miserávelFincado nessa praça.

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O Lopes está cansadoDe f'rir o teu bolor...De moer-te, desalmado, O Lopes está cansado.Pegando outro Cajado, Vai dar-te com furor...O Lopes está cansado De f'rir o teu bolor...

Hás de cair um dia, Espantalho dos diabos!Canalha que arrelia, Hás de cair um dia...

1Hei de arrancar-te, harpia ,Como se arrancam nabos...Hás de cair um diaEspantalho dos diabos!

A linha da manifestação de Novato, tem apelo à Providência Divina, esperando um milagre para que o Barracão desapareça.

Oh! divina Providência!Tende de nós piedade;Não temos autoridade, Tudo é impertinência, Perde o povo a paciência!Ponham-me aquilo em brasa;Oh! pobre Santa Casa!

1( ) Monstro com corpo de mulher e cabeça de abutre

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1Pobre, pobre da caipira ,Onde seus bens atira...

2Seu fim não teve Vasa ...

Se o inverno for constante, Se vosso muro cairA quem se há de pedirDinheiro pra o Levante? Não há um cofre constante? Que zela de vossa horta?Está quebrada a porta...A quem se for alugar. Ninguém faz consertar...Ah! um dia isto aborta!...Paciência, por enquanto, Que a coisa pode vir...Continuai a pedirQue venha o Espírito Santo...

Registra-se a chegada no dia 30 de agosto de 1904, do alferes Alfredo Furst Filho, delegado especial, para assumir a Delegacia de Polícia de Poços de Caldas. Mas esse fato é meramente administrati-vo.

O rancho, ainda está de pé, e o Touriste indignado:

Tu tens tudo que há de mau, Oh rancho desesperado!Para ti só mesmo pau,

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1( ) Maria do Rosário das Dores tinha o apelido de Maria Caipira porque vivia empencada de jóias e colares. Costume extravagante na época. Ficou louca e manifestava sua doença dando facadas nas paredes.2( ) Moral

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Tu tens tudo o que há de mau, O Lopes quer em mingauReduzir-te esse costado...Tu tens tudo que há de mau, Oh rancho desesperado!

Em breve serás moído, Reduzido a pó-de-traque!Irás abaixo, inanido, Em breve serás moído. Da prefeitura o vagido, Já te assombra, vil basbaque...Em breve serás moído, Reduzido a pó-de-traque!

No dia 11 de setembro de 1904 a Revista de Poços, respon-sável pela campanha pela derrubada do Barracão da Praça Senador Godoy, estampa a seguinte notícia em sua primeira página:

«A digna edilidade de Poços, por intermédio de seu ilustre agente-executivo municipal, dr. Francisco de Faria Lobato, man-dou remover da praça Senador Godoy um grotesco pavilhão que ali fora há tempos construído para quer-messes de caridade.

Esse pavilhão que, na verdade, tanto enfeava aquela bela praça é o tal "barracão" de que a rapaziada e banhistas têm feito tanta troça, em prosa e verso, nas colunas da "Revis-ta", elevando aquela grosseira constru-ção à altura de um princípio...

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Bem repetia o Banhista Renitente quando protestava não calar enquanto o "bicho" lá estivesse: "Água mole em pedra dura,

tanto dá até que fura.”À câmara municipal e ao senhor doutor agente-executivo

fazemos os mais rasgados elogios pelas providências tomadas, porque elas demonstram a boa vontade e o interesse de que S.Exa. estão animados para o embelezamento de nossa pitoresca estân-cia.»

O ato da Câmara provocou diversas manifestações. Assim se expressou o articulista das pequenas notas de

Embirro-me:

«... com a falta de assunto que nos obriga a falar das coisas mortas, visto que do número das vivas desapareceu, para nunca mais erguer-se, na Praça Senador Godoy, o tão decantado rancho que inspirou à musa do poeta de além mar...»

1«... com o João Pereira que foi quem o esmigalhou a golpes de martelo com frio cinismo de revoltar frades de pedra...»

Em Telefonando iríamos encontrar:

- Trlin... tin... tin...- Quem fala? - O Banhista Renitente.- De onde? - De Belo Horizonte.- Ah! meu amigo! Aqui há novidades gros-sas... Adivinha si fores capaz...

- O rancho caiu...

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1( ) Carpinteiro

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- Sim! Foi abaixo a caveira de burro!- Em que dia?- A 5 do corrente. - Toma bem nota: desse dia em diante começa a felicidade

de Poços... Já não posso duvidar da próxima mudança da comarca nem da instalação da prefeitura, cujo regulamento já está concluí-do.

- E quando virá a comarca? - Logo que o congresso encerre os seus trabalhos.- Como sabes disso!- Isso agora não é de sua conta, bisbilhoteiro... Fica simples-

mente satisfeito de o saber e não exijas mais.- Que diabo! Andas sempre com uns mistérios cabulosos...- Cabulosos não, mas todos cheios de ññMgu M//Rdu fu?

pñõ? ìó? dM Mn?- Ora, não amole!- Pois então vá plantar batatas e colher abóboras...

Do Touriste vem os versos de contentamento:

Caíste, enfim, velha carcaça, Assim quis o teu destino;Já não assombras na praça, Caíste, enfim, velha carcaça!E, apesar de vã trapaça, Não te valeu "tanto-tino"...Caíste, enfim, velha carcaça, Assim quis o teu destino!

Leogeno, que só cuidava de versos sobre o jogo-do-bicho, assim se manifestou:

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PalpitandoLá se foi o barracão,É sinal de bom palpite;Acabou-se a assombração, Lá se foi o barracão.Venha o jogo em profusão, Que o azar não nos irrite...Lá se foi o barracão.É sinal de bom palpite.

Urso. Macaco - Segunda, Terça, Elefante e Leão;Quarta, Cobra e Avestruz,Quinta, Carneiro e Pavão.

Sexta, Porco e Borboleta, Sábado Cavalo e Gato,Da semana haver não podeUm palpite mais exato...

O Banhista Renitente, causador de toda a polêmica e o responsável pela derrubada do «monstro», fez a seguinte quadri-nha:

CaiuEu sou o teu coveiro, ingrato barracão, E sinto-me, afinal, um tanto constrangido;Tu foste «bem criado», à caridade erguido, Mas servias, infeliz, à torpe especulação...

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Do poeta Novato, em sua coluna «O Barracão» vêm os versos:

O barracão (Pobre Defunto)Esta marcha vai ao Capitão que sabe decifrarmarcha fúnebre...

Ré... ré... ré... Sol, lá...Lá, sol, fá, mi, sol, fá, miRé, dó... Dó... dó... dóLá... lá, lá... ré...Ré, dó, si, lá, sol, fá...Fá... fá, fá...dó...Dó, dó!Ré...

1Meu querido Capitão, Não esperaste novembro.Pois em cinco de setembro,Arrancaste o barracão!Oh! que abençoada mão...Que vem embelezar tantoEste florescente canto, Para o povo deleitar!Assim vos há de pagarO Divino Espírito Santo.

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1( ) O capitão, ao qual se refere o Novato, é Caetano José de Abreu, que ocupou, durante um período, o cargo de Delegado de Polícia, em substituição ao titular que se afastou do cargo, porque foi transferido para outra localidade. Na época em que o Barracão foi demolido Caetano era patrono, junto com sua esposa, da Festa do Divino Espírito Santo.

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O poeta Treme-Terra, chegando muito tarde, deixa seus versinhos:

- Arreda!...- Onde vai?- Derrubar o rancho.- Vai tarde, já derrubaram.- Ah! danado, que não me deram esse gostinho!...

Aqui o redator do jornal, muito sabiamente, critica aqueles que, escondidos, aguardam sempre o resultado de qualquer mani-festação e depois saem da toca para receber os créditos que não mereceram nunca porque nada fizeram. Se tal fato acontecia no início do século, agora em seu final a vaidade e a soberba estão à flor da pele.

O Barracão faz o seu testamento:

Vou morrer! Não há remédio, É chegado esse momento.Mas antes d'hora fatal, Ditarei meu testamento:

Eu vivi a fazer bem, Fui por isso bem criado.E culpa jamais tereiDe ter sido malfamado...

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1Deixo ao Dego , bom amigo, Uma telha, das de zinco, Servir-lhe-á de chale novo,É bem verdade, eu não brinco...

Outra telha ficará, 2Ao querido Octaviano.

Em troca de seu capoteJá tão velho e veterano...

Outras duas deixarei(Pois que são as mais perfeitas),

3Ao Xandó , que manipula,Celebrizadas receitas...

O resto do teto meuVai à fonte Sinhazinha,Pra servir-lhe de recato,Infeliz desprezadinha...

Os grosseiros lamberquinsFicarão pro meu patrão, Que os reparte, se quiser,

4Com o Lopes da "penção"...

Meus esteios, que são seis,Eu aqui vou repartir;

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1( ) Dego - Modesto de Almeida Matos (funcionário público)2( ) Octaviano - Octaviano Vieira Horta (hoteleiro)3( ) Xandó - Alexandre da Silveira Xandó (farmacêutico)4( ) Lopes - Fernando José Lopes (hoteleiro)

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E reclame quem quiser, Quem ferido se sentir...

O primeiro já pertence, 1De direito ao Solferini ;

Servirá de arrimo fortePra que nunca mais se empine.

2O segundo é do Simões ,3E também é do Duarte ;

Façam dele bom proveito, É das costas baluarte.

O terceiro, que é bem forte, Ao nosso Capitão vai, Pra com ele responder

4«Quando é que o Caetano sai»...

O quarto vai ao mercado,5 6 7Ao Rocha , ao Martins , ao Zeca;

Repartam com bem cuidado,Pois ele não é peteca.

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1( ) Solferini - José Solferini (comerciante)2( ) Simões - Manoel Dias Simões (comerciante)3( ) Duarte - Silvério Duarte de Oliveira (hoteleiro)4( ) Caetano - Caetano José de Abreu (hoteleiro e delegado)5( ) Rocha - Sebastião Rocha (comerciante)6( ) Martins - Antônio Martins (hoteleiro)7( ) Zeca - José Afonso Junqueira (fazendeiro)

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O quinto que é meio torto, 1Eu deixo ao padre Assunpção...

É presente de valia,Tome lá, seu maganão!

O sexto e último esteio2Ficará para o Tio João ,

Pra que não amole a genteA dizer sempre «Bem bão».

Caibros, pregos, miudezas, Tudo o mais que está à vista, Legarei, agradecido, Aos poetas da «Revista».

Os meus bens remanescentes3Ficarão pro Constantino ,

E si não ficar contente,Que lhe dê outro destino.

Assim feito o testamento,eu só sinto não ter mais, Pra deixar à velha Caldas

4E ao nosso querido Vaz .

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1( ) Pe. Assunpção - Joaquim Ferreira de Assunpção (padre de Caldas)2( ) Tio João - João Baptista Novaes (comerciante)3( ) Constantino - Constantino Muniz Barreto (banqueiro de roleta)4( ) Vaz - Francisco Vaz Pereira (Agente Executivo de Caldas)

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Muita gente inda reclamaUm pedaço desta herança;Tudo quer o meu espólioSomente pra encher a pança.

Nada deixo à luz elétrica,1Nem ao Juca (velhacão!),

Porque antes da minha morte,Arrancou-me a instalação.

2Ao Silvério nada deixo, É major sem regimento, Prometeu, mas não cumpriu, Escrever meu testamento.

3Aos meus amigos Euzébio ,4 5ao Sílvio , ao Aureliano ,

6 7Ao Leopoldo , ao Casusa , 8 9Ao Goffi , ao Troiano ;

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1( ) Juca - José Joaquim da Costa (empresário Cia. Luz)2( ) Silvério - Silvério Duarte de Oliveira (hoteleiro)3( ) Eusébio - Eusébio Dias Ferreira (comerciante)4( ) Sylvio - Sylvio Monteiro dos Santos (comerciante)5( ) Aureliano - Aureliano de Carvalho (comerciante)6( ) Leopoldo - Leopoldo da Câmara Genofre (funcionário público)7( ) Casusa - JoséAugusto de Paiva Teixeira (jornalista)8( ) Goffi - Henrique Goffi (barbeiro)9( ) Troiano - Manuel Troiano (barbeiro)

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1 2Ao Toco , José Bernardo , 3 4Licurgo , Darphe Mourão .

5 6A Reinaldo , ao Bismarck ,7E coronel Sebastião ;

Aos médicos, cá da terra, 8 9 10Ottoni , Sanches , Lobato ,

11Assim como ao padre Armani ,Vigário deste curato;

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1( ) Toco - (não foi possível identificar) 2( ) José Bernardo (açougueiro)

3( ) Lycurgo - Lycurgo Mourão (comerciante)4( ) Darphe Mourão - Cambrone Darphe Mourão (funcionário público)5( ) Reinaldo - Reinaldo Amarante (hoteleiro)6( ) Bismarck (empregado de casa de jogo)7( ) Coronel Sebastião - Sebastião Fernandes (capitalista)8( ) Ottoni - David Benedicto Ottoni (médico)9( ) Sanches - Pedro Sanches de Lemos (médico)10( ) Lobato - Francisco de Faria Lobato (médico)11( ) Armani - José Armani (padre)

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1( ) Westin - Eduardo Pio Westin (farmacêutico)2( ) Maurílio - Maurílio Ramos de Figueiredo (farmacêutico)3( ) Manoel Ferreira - Manoel Emílio Ferreira (farmacêutico)4( ) Hydalgo - Hydalgo de Oliveira (farmacêutico)5( ) Paulino - Paulino Affonso de Barros Cobra (fazendeiro)6( ) Juca Cobra - José Affonso de Barros Cobra (fazendeiro)7( ) Vicente - Vicente José Ferreira (comerciante)8( ) Trindade - Manoel Ferreira Trindade (funcionário público)9( ) Gozo, alegria

1Aos boticários Westin ,2 3Maurílio , Manoel Ferreira ,

Não esquecendo o Hidalgo,4Que é Hidalgo de Oliveira ;

5 6Ao Paulino , ao Juca Cobra ,7 8Ao Vicente , ao Trindade

Deixarei, ao despedir-me,9Um goivo , uma saudade...

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Nesse contexto, em que o Barracão não é senão um pretexto, ocorre o pleito eleitoral, renhidamente travado, em primeiro de novembro de 1904.

Os eleitores inscritos, já em número bem maior do que na eleição passada, assumem o embate e as discussões livres em torno dos candidatos e seus programas. A sutileza e a astúcia dos forma-dores de opinião conduziam na direção da vitória dos amigos e partidários, muito mais esposando a idéia e o espírito de um grupo do que preceitos partidários ou mesmo os anseios da coletividade.

*No que se referia àquela época, de um lado havia o coronel Agostinho Junqueira, chefe de numerosa família, conservador por excelência e pessoa muito influente na vila; do outro, um homem popular, modesto, feito líder político por seu exemplo de trabalho que, por merecimento, conduzia profissionais liberais, homens do comércio e operários. Era a figura do médico David Benedicto Ottoni. O primeiro liderava os Conservadores, enquanto o segundo estava à frente dos Progressistas.

Ao apagar das luzes, o Rancho Extinto assina os últimos versos, como seus derradeiros lamentos. Senão vejamos:

A Destruição do Barracão(Últimas Queixas)]

Até que chegou o dia, Em que o poeta ciumento,Me viu por terra caído, Já sem forças, sem alento.

(*)Com o advento da República, coronel, tenente, major e outras patentes eram títulos dado a civis, pessoas de posse ou influência política local. Anteriormente, no Império, os títulos honoríficos eram os de: Duque, Visconde, Conde, Marquês e Barão.

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No dia da tal desgraça,1Apareceu o Capitão ,

2Com ares do tal Barata ,Começou a destruição

Juntamente com tal homem3Veio o Jonjoca Pereira ,

Armado de pé-de-cabra, Machadinha e cavadeira.

Senti que nesse momento, Muita gente se alegrou,

4Exceto um dos presentesQue da graça não gostou.

Dado o primeiro sinal, E começada a função, O circunstante saiu, E foi dizendo: - Bem bão...

Grupos, aqui e ali, A bom rir e aos abraços,Olhavam pra o Capitão,

5Dizendo: - Olha o Passos !

1( ) Caetano José de Abreu (delegado)2( ) Cândido Barata Ribeiro (médico, político, ex-prefeito do Rio de Janeiro).3( ) João Pereira (carpinteiro)4( ) Tio João - João Baptista Novaes5( ) Francisco Pereira Passos (engenheiro, ex-prefeito do Rio de Janeiro).

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- Qual Passos! diziam outros: É o Barata Ribeiro, Que veio do Rio aqui Derrubar esse brejeiro...

Um gaiato, ali chegando, Juntou-se ao grupo em seguidaE convicto, lhes informou:Vão abrir uma avenida!

Qual Avenida, qual nada,Isso havia de ter graça,Eles abrirem AvenidaOnde tem tão bela praça!

À proporção que falavam, Ia as forças eu perdendo, Porém com dificuldadeTudo, tudo ia escrevendo.

Ouvi ao longe dizerem:- Do tal poeta isso é obra, Pois para ser contra o rancho, O tempo sempre lhe sobra!

1Conseguiste, belo vate ,Esta obra meritória, Para muitos impossívelE parecia uma História.

1( ) Poeta

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- Agora, escuta, meu vate, Um conselhinho sem ira: Quebraste dos versos os pés? Quebra também tua lira!...

Assim ficas descansado, E a tua musa repousa, Pois eu irei para semprePra baixo da fria lousa!

Vou morrer e bem contente,Vou serviços bons prestar;

1E co'o meu último suspiro, 2Vão algozes descansar.

3A «Casa Vivas» , na praça, Irá ficar bem patente, Mostrando sua fachadaSem obstáculo na frente.

Depois, poeta verás, O que é ser NegocianteD'artigos bons e baratosE tudo o que há de importante:

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1( ) Com o 2( ) Carrascos3( ) Perfumaria que ficava ao lado da Câmara Municipal, à Rua Junqueiras, hoje o Park Hotel

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Cebolas, alhos, vinagre, Chapéus, cachorros, bilhares, Fichas, panos e roletas, Tudo o mais, é para olhares!

Ah! já me ia esquecendo:1Tem o patrão armarinho,

Tem a língua mais compridaE tem «maldade» o diabinho.

Tem a mania de chefe, Tem as pernas quais floretes,Tem merecido o desprezo, Tem sido bem castigado!

Do melhor me ia esquecendo,É ele bom jornalista, Lança bem seus artiguetes, E assina-se: O Banhista!

Guardar segredo, não posso2Com a peta de tal tamanho;

Vendo assinar-se: O BanhistaQuem nunca tomou um só banho!

O tal patrão está louco, Comete asneiras às mil;Fala, mas sempre de dentroEncerrado em seu covil.

1( ) José Augusto de Paiva Teixeira, Casusa, dono da Revista de Poços.2( ) Mentira

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Cansado como me vejoVou pôr termo à questão, Pois assim evitarei

1Libelo d'acusação!

Termino e faço um pedidoAo patrão e «protetor»,

2Que não mais ele atassalheA honra alheia... oh horror!!

Vou deixar-te, bela praça, Vou pra pia instituição, Sou removido em carroça,A mando do Capitão.

3Na hora do paroxismoao bom patrão vou pedir:

4Viva só do seu «negócio» ,Deixe o povo divertir...

Dizem à boca pequena:Vejam só o tal sujeito!Fechou à força o «negócio»,vive a falar com despeito!

1( ) Panfleto2( ) Calunie3( ) Agonia4( ) Plautilde de Paiva Teixeira, esposa do Casusa, tinha um atelier de costura.

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Que ele é bom «negociante»,E também «matriculado»,Todo o mundo bem o sabe, E negar será pecado...

Que tu faças bom negócio, Que reunas muito ouro, Isso sim, ninguém t'invejaNem estar quer no teu couro!

- Vou dar-te o último conselho Mesmo daqui da «Revista», Quando asneiras escreveres, Nunca te assines - O Banhista.

Interessante destacar as referências aos políticos Cândido Barata Ribeiro e Francisco Pereira Passos, ambos ex-prefeitos da antiga capital da República. Barata Ribeiro atuou no movimento abolicionista. Em 1892 foi prefeito durante cinco meses e nesse período fez vários melhoramentos, entre os quais a remoção dos cortiços nas áreas centrais da cidade do Rio de Janeiro. Não conti-nuou no cargo porque o Senado da República não referendou o seu nome.

Francisco Pereira Passos, por sua vez, esteve à frente da Prefeitura da capital do Brasil, de 1903 a 1906. Remodelou a cidade construindo as avenidas Central e Beira-Mar; fez saneamento urbano, canalização de rios, construção de jardins e túneis, provo-cando uma completa modificação na paisagem da Cidade Maravilhosa. Daí o autor dos versos ter mencionado os destacados cidadãos que deram forma, vida e urbanização à cidade que gover-naram.

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Estabelece-se a comunicação telefônica entre a sede da comarca, Caldas, e a vila de Poços de Caldas.

O governo mineiro remete, em outubro, para a Europa, quatrocentos mil francos para pagamento de títulos de sua dívida externa a vencer em janeiro de 1905.

Em 02 de outubro de 1904 Carolina de Boucherville e Antonina Bourret, vindas de Vassouras-RJ, instalam o Colégio Progresso - internato e externato para meninas.

Em 16 de outubro, duas notas significativas sobre as eleições municipais foram publicadas na Revista de Poços.

A primeira:«Os ex-eleitores que com empenho e sacrifício votaram para

eleger o sr. dr. Lobato, atual presidente e agente executivo e que, em retribuição aos esforços que fizeram para elegê-lo, fez há pou-co, por empenho e esforço do dito sr. doutor, qualificando-o de elemento duvidoso no caso de um pleito, observam-lhe que, na dura expectati-va como todos que conhecem mais este glorioso feito do reconhecido

critério de s.s., esperam o dia 1º de novembro vindouro, responsa-bilizando-o pelo resultado da eleição.»

Os excluídos ex-eleitores

A segunda:«Em resposta à objurgatória publicada sob a epígrafe supra,

nos "A Pedido", da última "Revista", cumpre-nos dizer que muitotemos a duvidar da liga de última hora, cujo sucesso será por certo problemático...

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Os ex-eleitores que esperem tranqüilos, como nós, o dia 1º de novembro vindouro, na certeza, porém de - Que bem rirá aquele que rir por último...»

Eleitores nacionais e instransigentes

Do outro lado, havia o jornal O Patriota, de Martinho Alvarez, que era oposição ao governo de Faria Lobato. Isso garantia ao Agente Executivo uma total falta de apoio da imprensa local.

Exemplo temos no nº 2 de O Patriota de 10 de novembro de 1904, na coluna Respingos e Foguetes:

ImitaçãoNa eleição certo sujeito,Que estava já vai não vai,De alegria, satisfeitoAndava tem-te, não vai.E bradava, sem despeito:

1- Quando chega o tal Prefeito ? Quando é que o Lobato sai?

1( ) Juscelino Barbosa

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****- Então, seu compadre, eu não te dizia; se não tivesse havido

aquele fracasso à última hora, a oposição teria tido uma maioria de quase cem votos.

- Mas como explicas aquele rompimento e, depois, aquela união?

1- Não viste a reflexão do Duartinho ? Foi ele quem deu o plano para rir-se e... está mesmo rindo e pretende ainda rir mais depois da posse.

- Pois sim, veremos.

*****

- Afinal reina paz no seio do grupo dos republicanos que o 2barão chefia. Quem havéra de dizer? Não há nada como um dia

depois do outro. E aquilo que nós outros ingenuamente acredita-mos que era dissidência, não passava de arrufo. Agora celebra-se o congraçamento. Todos se abraçam! Isto é que é política, mesmo porque, ora essa é boa!

*****

Diálogo na véspera da eleição:3- Fizeram bem, capitão , em substituir meu nome pelo do Dr.

4Pedro .- Isso não é verdade, doutor.

1( ) Silvério Duarte de Oliveira2( ) Antônio Teixeira Diniz, Barão de Campo Místico, que nas eleições de 1904 ensaiara uma

dissidência, pró-forma, sem bandeira, não conseguindo seu intento.3( ) Caetano José de Abreu4( ) Doutor Pedro Sanches de Lemos

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- Ora, já há dois dias que eu verifiquei isso.- Penso que verificar não é sinônimo de comprovar; amanhã

o senhor terá a prova.

*****

Saem cédulas curiosasNas lutas eleitoraisSaem balelas maldosas...Só tu, Caetano, não sais!

*****

Em 18 de dezembro de 1904, na coluna Corre na Torneira, da Revista de Poços, o Bisbilhoteiro manifestava a esperança de todos com a instalação da Prefeitura.

«... brevemente Poços de Caldas vai passar por uma trans-formação radical em todos os seus melhoramentos materiais... Bem dizia eu que a nova câmara vai engalanar, como é de necessi-dade, a nossa bela e aprazível estância... Um dos novos vereado-res, que tem amor entranhado pelos progressos desta terra, alcan-çou em São Paulo duas mil e quinhentas mudas de preciosas árvo-res para ornamentação de nossas praças, ruas e avenidas... Em janeiro próximo - mas sem falta - será instalada com todos os FF e BB a nossa encantada e ambicionada prefeitura... Outras coisas notáveis aparecerão, coisas tão extraordinárias que farão arrega-lar os olhos de contentamento a muita gente...»

*****

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CONCLUSÃO

A par das disputas da época, as eleições para vereadores, em 1º de novembro de 1904, mudam o quadro político desenhando, para 1905, novas perspectivas para a vila de Poços de Caldas.

Foram eleitos nove cidadãos: David Benedicto Ottoni, médico, (146 votos); Eduardo Pio Westin, farmacêutico, (146); Astolpho Antônio Delgado (144); Vicente José Ferreira (141); Octaviano Vieira Horta (138); Sebastião da Gama Cruz (135); Paulino Affonso de Barros Cobra (120); Reinaldo Amarante (110) e Manoel Junqueira (110). Se comparada à câmara anterior a renova-ção foi de 50%, inclusive com a não-reeleição do Agente-Executivo doutor Faria Lobato que teve três votos em 1º de novembro de 1904.

Essa votação insignificante deveu-se à campanha contra a sua administração nos anos de 1902-1904, cujo mote foi o Barracão da Praça Senador Godoy.

A campanha, desenvolvida pela Revista de Poços, de propri-edade de José Augusto de Paiva Teixeira, Casusa, foi mortal para as pretensões dos governantes da época. Há que se levar em conside-ração e estranhar que Casusa era também Secretário de Governo do doutor Lobato. Basicamente o que aconteceu naquele tempo, no que se refere à política, veio contrariar àqueles que estavam à frente da administração da vila. Havia uma forte dissidência entre os elementos do partido no poder. Entretanto as mudanças de caráter político-administrativas empreendidas pelo Estado trouxeram à vila inúmeros benefícios que se traduziram em um grande fator de progresso.

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Em 12 de dezembro foi aprovado no Senado Mineiro o Projeto nº 218 que instituía as prefeituras nos distritos de águas minerais.

Ao meio-dia de 24 de dezembro, sábado, tomavam posse, na sala das sessões municipais, todos os vereadores eleitos, com a sessão presidida pelo vereador mais velho e tendo como secretário o vereador mais novo.

Em 31 de dezembro o Governador de Minas, Francisco Antônio de Salles, nomeia para a recém-criada Prefeitura Municipal de Poços de Caldas o doutor Policarpo Rodrigues Viotti, médico, natural de Caxambu.

A notícia aqui foi recebida com muito foguete e festa.Entretanto, essa honraria não estava nos planos do doutor

Viotti, pois o mesmo queria ser nomeado Prefeito de Caxambu, sua terra natal, cuja Prefeitura havia sido, também, recém-criada. Isso frustrou-o tanto que recusou-se a vir para Poços de Caldas. O nomeado para lá foi o engenheiro Américo de Macedo.

A 1º de janeiro de 1905 tomam posse os vereadores da nova Câmara. Assume a presidência dos trabalhos, sendo eleito entre seus pares, o médico David Benedicto Ottoni que também perma-nece à frente do Executivo Municipal, como Prefeito interino, até que fosse resolvido o impasse, em Belo Horizonte, sobre a nomea-ção de outra pessoa e, conforme a Lei, se instalasse definitivamente a Prefeitura de Poços de Caldas.

A 17 de janeiro de 1905 chega à Estância Balneária, o advo-gado Juscelino Barbosa, recém-nomeado primeiro Prefeito de Poços de Caldas, cuja posse acontece no dia dezoito.

Sua chegada foi um grande acontecimento, tendo sido recebido com muita festa, digna da hospitalidade mineira.

Assim foi esse episódio histórico numa das fases de transição mais importantes para a jovem República brasileira e para a vila de Poços de Caldas, no início do século XX.

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Importante se torna lembrar os fatos e avivá-los para as gerações atuais e futuras, uma vez que a história só tem sentido se rememorada.

Fica a imagem do famoso «Barracão», metáfora de luta e das transformações políticas, em terras caldenses, acontecidas no período em que a nascente República dava a oportunidade para os servos do Império abrirem os olhos para o exercício da cidadania, através dos canais dos quais dispunham, mesmo que fossem os dos versos sarcásticos, das troças, dos desenhos e dos diálogos debo-chados.

Um modo de se expressar, de falar de suas mazelas e do seu inconformismo. Troçando de si e das coisas à sua volta, o cidadão expressava o que lhe ia corroendo a alma.

Por outro lado, cada geração de poços-caldenses tem um Barracão, sobre o espaço urbano de seu tempo, marcando o seu olhar.

Olhando, hoje, a nossa volta muitos desses barracões domi-nam a paisagem da cidade. Mudaram-se a arquitetura e o material empregado, mas continuam sendo gestados monstrengos moderno-sos a assombrar os nossos e outros dias.

O certo é que ninguém está livre de seu Barracão, pecado de poucos para sofrimento e incômodo de muitos.

Hábitos e atitudes impensadas são inerentes a todo ser humano que em nada muda seus hábitos e atitudes de seres huma-nos, seja em que época estejam.

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BIBLIOGRAFIA

COELHO, J. Ferreira. Álbum de Poços de Caldas. Ed. do autor, Rio de Janeiro, 1920

LEMOS, Pedro Sanches de. As Águas Termais de Poços de Caldas. Imprensa Oficial, Belo Horizonte-MG, 1904.

MEGALE, Nilza Botelho. Memória Histórica de Poços de Caldas.s. ed., 1990.

MOURÃO, Benedictus Mário. Quarteto Construtor de Poços de Caldas eEpopéia de Pedro Sanches. Ed. e Gráfica Sulminas, Poços deCaldas, 1998.

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Page 98: Uma história de humor político em terras caldenses Francisco de Faria Lobato. Além de uma apresentação cronológica das principais datas da história da cidade, desde a sua fundação

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