Uma leitura de Amor de Perdição

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Page 1: Uma leitura de Amor de Perdição

Amor de Perdiçãode Camilo Castelo Branco

LITERATURA PORTUGUESA II

Professora Antónia Mancha

Escola Secundária com 3º CEB Gil Eanes

Amor de Perdição,

de Camilo Castelo Branco

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LITERATURA PORTUGUESA II11º D/12ºE

Professora Antónia Mancha

Escola Secundária com 3º CEB Gil Eanes

2008/2009

LITERATURA PORTUGUESA II

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AMOR DE PERDIÇÃO, de CAMILO CASTELO BRANCO

« Amor de Perdição é o Romeu e Julieta da nossa literatura.»

Definição de Novela: é um termo que designa, na generalidade, um relato ficcional, de dimensão média, entre o conto e o romance. Além da dimensão, outras características são específicas da novela: uma intriga menos complexa do que o romance; uma estratégia narrativa e discursiva mais directa, com poucos ou nenhuns episódios dispersivos e autónomos (encaixe); menos estudo psicológico das personagens, intenção mais explícita do autor Esquematicamente, podemos apresentar as suas características da seguinte forma: · A concentração de episódios conducentes à acção principal e consequente ausência de episódios colaterais; · A rapidez do ritmo narrativo; · O número reduzido de personagens; · A quase inexistência de descrição; · A frequência do diálogo como expressão dos momentos de tensão dramática; · A extensão (menor que a do romance).

INTRIGA

A intriga principal 1. A linearidade da intriga

Como sabemos, a intriga é uma sucessão de acontecimentos ligados por uma relação de causalidade. Sendo a essência da intriga essa relação de causalidade, Amor de Perdição é, efectivamente, uma verdadeira intriga, dado que a acção se inicia e segue em gradação crescente sem pausas nem desvios, atinge o ponto máximo, e obriga à ruptura ou ao desenlace. Não tem interesse demorarmo-nos na análise da intriga secundária pela sua irrelevância. A figura de Manuel Botelho só se justifica para contrastar com a de Simão.

Na Introdução, o narrador resumiu lapidarmente a intriga principal desta forma: «Amou, perdeu-se e morreu amando.» Cada oração aponta para os momentos essenciais de uma intriga.

« Amor de Perdição é assim uma história de constância amorosa em amores contrariados e uma história de ódio e violência, contada como uma novela o deve ser: em ritmo vivo, sem elementos descritivos, sem longas divagações do autor, falando apenas o essencial em linguagem sem pretensões de estilo.»

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Podemos fazer o levantamento dos momentos de avanço da acção ou das funções nucleares

para verificar a linearidade da intriga, onde não se encontram analepses, nem pausas significativas, com a única excepção do capítulo VII em que o narrador pára a intriga para se demorar na análise da vida corrupta do convento de Viseu. E só por esta finalidade realista é que se lhe perdoa este desvio.

2. Os elementos dramáticos da intriga Os elementos dramáticos mais importantes são o ódio, o fatalismo e a morte. Tais elementos conferem à intriga um clima de tragédia. Destaquemos algumas passagens da obra onde se revelam esses elementos: O ódio O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em que Domingos Botelho lhes deu sentença contra. Cap. II Não era sobressalto do coração apaixonado: era a índole arrogante que lhe escaldava o sangue. Ir dali a Castro Daire, e apunhalar o primo na sua própria casa, foi o primeiro conselho que lhe segredou a fúria do ódio. Cap. IV O fatalismo Não sei o que me adivinha o coração a respeito de vossa senhoria. Alguma desgraça está para lhe acontecer... Cap. V Eu não sei o que se passa, mas há coisa misteriosa que eu não posso adivinhar. Cap. VI l Mas já sabia que vinha para esta desgraça, porque tinha tido um sonho, em que via muito sangue, e eu estava a chorar porque via uma pessoa muito minha amiga a cair numa cova muito funda... (...) – São sonhos, são; mas eu nunca sonhei nada que não acontecesse. Cap. VIII O destino há-de cumprir-se... O meu destino é o convento. Cap. X ... mas o teu fatal destino não quis largar a vítima. Cap. XI A morte As alusões ao destino são cada vez mais frequentes conforme avança a intriga. - E o tiro acertou-lhe? - atalhou Simão. - Acertou: mas saberá vossa senhoria que me não matou (...). E vou eu, entro em casa, (...) trago uma clavina e desfecho-lha na tábua do peito. O almocreve caiu como um tordo, e não tugiu nem mugiu. Cap. V - Atira ao da esquerda! - disse João da Cruz. Mataram-me!... Mariana, não te vejo mais!... Cap. XVII - Sim... No céu deve ela estar. (…) - Teresa!... Morreu? (…)- Morreu, além, no mirante, donde ela estava acenando. Cap. XX - Está morto! - disse ele. Conclusão.

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Muitas outras citações se poderiam fazer, mas estas são suficientes para evidenciar as três forças dominantes. Sabendo-se que o drama é a oposição de caracteres sem que se verifique a introdução de forças superiores ao indivíduo e que a tragédia implica exactamente a introdução de forças transcendentes ao indivíduo, vamos salientar o clima de tragédia que paira ao longo das páginas desta obra. Se o ódio e o amor brotam dos corações, o fatalismo é um factor que está ligado a entidades superiores. E se o ódio e o amor foram pontos de partida, o fatalismo comandou a intriga, como mandavam as leis da tragédia: o destino os uniu ou aproximou, o destino os separará e destruirá.

3. Os elementos trágicos da intriga A novela apresenta uma dimensão trágica, que se traduz na morte das personagens principais, que lutam, até ao fim, pelo único motivo pelo qual, para elas , vale a pena viver. Findas as esperanças na vida terrena procuram na morte o seu único consolo. A tragédia implica, como já foi afirmado, a intervenção de forças que transcendem o indivíduo e que dominam. A INTRIGA SECUNDÁRIA Articula-se por encaixe e é constituída pelos amores de Manuel Botelho e a açoriana. Justifica- se por duas razões: o carácter memorialista da obra e o contraste entre Simão e Manuel, salientando o herói.

Hybris – no sentimento de Simão e Teresa em contrariarem a vontade das suas famílias, que proibiam o seu amor.

Anankê – O fatalismo marca a vida de Simão desde o seu nascimento, veja-se o bilhete que a mãe lhe envia quando este se encontrava preso:

“Desgraçado que estás perdido! Eu não te posso valer, porque teu pai está inexorável. Às escondidas dele é que te mando o almoço, e não sei se poderei mandar-te o jantar! Que destino o teu! Oxalá tivesses morrido ao nascer! Morto me disseram que tinhas nascido; mas o teu fatal destino não quis largar a vítima.” (Cap. XI)

Ágon – encontramo-lo na resistência e desobediência à autoridade paterna por parte de Simão e Teresa. Veja-se o seguinte excerto: “- E não será mais certo odiá-lo eu sempre? Eu agora mesmo o aomino como nunca pensei que se pudesse abominar! Meu pai… - continuou ela, com as mãos erguidas – mate-me; mas não me force a casar com meu primo. É escusada a violência, porque eu não caso.” (Cap. IV) Pathos – O desafio à autoridade paterna provoca de imediato a opressão que causa sofrimento e faz crescer a mola do ódio entre as famílias, que impede qualquer aproximação. As cartas trocadas entre os amantes são bem exemplo do que se acaba de dizer. Anagnórise: Podemos aqui considerar a morte de Teresa e a percepção que Simão tem desse acontecimento. “- Quem, senhor? - Teresa. - Teresa!... Morreu?! - Morreu, além, no mirante (…) - Acabou-se tudo!... – murmurou Simão. – Eis-me livre…para a morte. Catástrofe: A morte quase simultânea dos protagonistas.

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PERSONAGENS: caracterização Simão Teresa Cap. I Nascimento em Lisboa, na freguesia de Ajuda,

em 1784. Génio sanguinário, bravura, rebeldia —> características hereditárias. Belo, com as feições da mãe.

Cap. II Inconformado política e socialmente: adesão aos ideais da Revolução Francesa. Encarcerado em Coimbra durante 6 meses. Mudança extraordinária após a visão de Teresa: abandona a ralé de Viseu, recolhe--se em casa, torna-se um bom estudante. Mudança superficial: o pólo da rebeldia natural e o pólo da bondade adquirida deixam prever reacções diferentes futuras. A rebeldia volta quando vê Teresa arrebatada da janela, à força, pelo pai.

Indicadores sociais: 15 anos, rica herdeira, bonita e bem-nascida. Excepcional no amor. Nada é referido sobre a personalidade de Teresa. O leitor tem de esperar pela sua actuação para tirar conclusões. Reage de forma violenta à oposição do pai. Escreve um bilhete a Simão que mostra o seu extremo de amar e é assim que abre caminho para a sua perdição.

Cap. III Enfrenta a paixão de Baltasar com o seu desamor.

Cap. IV Reacção brusca perante a carta de Teresa que lhe contava o que o seu pai pretendera fazer.

Do diálogo com Baltasar, o narrador retira conclusões: mulher varonil, força de carácter, orgulho fortalecido pelo amor. Oposição ao pai. Escreve a Simão.

Cap. V Encontro do herói Simão com o anti-herói Baltasar.

Escreve uma carta a Simão e conta a história do baile.

Cap. VI Emboscada preparada por Baltasar. Encontro de Simão e Teresa que não é narrado, assim como as cartas não têm sido transcritas. O narrador não complexifica a obra. A nobreza de Simão evidencia-se aquando da morte cruel de um dos criados de Baltasar por João da Cruz. Simão fica ferido.

Cap. VII Teresa escreve a Simão, contando-lhe o sucedido e pede-lhe que fuja de Viseu e vá para Coimbra. O pai anuncia a decisão de a enclausurar no convento. A atitude de Teresa é eminentemente romântica: Estou mais livre que nunca. A liberdade do coração é tudo. Teresa, mulher-anjo, é valorizada em contraste com a corrupção do convento de Viseu.

Cap. VIII Simão escreve uma carta a Teresa onde lhe revela a força do seu amor.

Cap. IX O génio rebelde de Simão volta à superfície ao saber do espancamento da mendiga pelo hortelão do convento. Simão recebe regularmente cartas de Teresa.

Teresa escreve regularmente a Simão. Teresa deseja fugir do convento não por causa de Simão mas por causa do ambiente corrompido que ali se vive. É sempre idealizada.

Cap. X Simão transforma-se em poeta. A carta que escreve a Teresa é prova disso. É o herói romântico. Assassina Baltasar como resposta a uma agressão deste. Recusa fugir, quer a convite de João da Cruz, quer a convite do rneirinho geral.

Teresa é caracterizada por Mariana como fidalga, rica e linda como nenhuma outra. Teresa não se opõe à transferência para o convento de Monchique (Porto). Teresa vê Simão e grita o seu nome.

Cap. XI Nega ao juiz ter matado em legítima defesa. Corajoso. Não tem medo da forca. Recebe uma carta da mãe, onde se alude a um destino fatal e ao seu nascimento em perigo de vida. Recusa a ajuda monetária da mãe.

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Cap. XII Condenado à forca, após sete meses de cadeia. Mantém-se inalterável e afirma: A forca é a única festa do povo! Recusa apelar da sentença.

Cap. XIII Transferido para a cadeia do Porto, por intercessão do pai. Escreve cartas a Teresa, onde alude ao seu destino.

Nova caracterização como ave do céu, alada como ideal querubim dos santos. Sabendo da prisão de Simão, refugia-se no desejo da morte, única via para o encontro dos dois.

Cap. XIV

O Corregedor do Porto elogia Simão e censura Tadeu de Albuquerque. Recebe a visita do pai e anuncia-lhe que morrerá ali.

Recebe a visita do pai e anuncia-lhe que morrerá ali

Cap. XV Relê as cartas de Teresa e escreve as suas meditações. Recebe a visita de João da Cruz e pede-lhe para levar uma carta a Teresa.

Recebe a carta de Simão.

Cap. XVI Novo elogio de Simão feito pelo desembargador Mourão Mosqueira que anuncia ao irmão de Simão a decisão de comutar a pena em 10 anos de degredo.

Cap. XVII Morte de João da Cruz. Mariana, liberta do pai, aproxima-se de Simão. Este tem de optar entre a prisão durante 10 anos perto de Teresa ou a liberdade relativa do degredo com Mariana. Simão opta pelo desterro, mas não opta por Mariana.

Cap. XVIII Simão recusa cumprir a prisão em Vila Real. Cap. XIX Simão não cede aos pedidos de Teresa para que

cumpra em Portugal a pena de 10 anos. Não tolera a cadeia. Em 10 de Março de 1807, recebe a ordem de embarcar.

Sabendo que o pai de Simão o livrou da forca, tenta agarrar Simão, pedindo-lhe para que não vá para o degredo. Está cada vez mais doente e anuncia a sua morte e o seu encontro com Simão no Céu.

Cap. XX Em 17 de Março, sai da prisão para o embarque. Não aceita o dinheiro que a mãe lhe envia. Vê Teresa no mirante do mosteiro. Simão sabe da morte de Teresa.

Teresa pede os sacramentos. Relê as cartas de Simão e emaça-as, pedindo a Constança que as leve a Simão. Teresa morre.

Conclusão Lê uma carta de Teresa, aquela que continha os projectos iniciais do amor. Cai doente. Em 27 de Março, morre. É atirado ao mar.

Simão Nasceu em 1784. Em 1801, quando se apaixona por Teresa

tem quinze anos e estuda Humanidades em Coimbra. Tem génio sanguinário, rebeldia e coragem, inconformismo político (características psíquicas e físicas herdadas de alguns familiares – anúncio do Realismo). É um belo homem, forte de compleição, com feições de sua mãe e a corpulência dela. Quando se apaixona por Teresa, distancia-se da ralé de Viseu, torna-se caseiro, estuda e dá longos passeios pelo campo. A sua rebeldia volta a manifestar-se ,quando se vê impedido de ver Teresa. Neste período, outras características se tornam visíveis : a nobreza de alma, a honra, a dignidade, a veia poética. Simão é o herói romântico anti-social. Ele representa a oposição a uma sociedade podre , repleta de valores antihumanos. Morre a 28 de Março de 1807, no beliche do navio que o transportava para o degredo e o seu corpo é lançado ao mar. Esta personagem apresenta evolução psicológica. –

personagem modelada.

Mariana Conhecia já Simão, antes da sua entrada em casa do pai: admirava-o como o salvador de seu pai e como homem corajoso e bravo. Faz de enfermeira de Simão, tratando-o com muito carinho. Admira Teresa, servindo de intermediária entre esta e Simão. É dotada de uma grande sensibilidade e intuição, prevendo o futuro. Companheira ideal de Simão na cadeia, é a encarnação da mulher-anjo. Tem consciência de que não pode ser amada por Simão, mas o seu coração tem razões que a razão não compreende... O seu último gesto - o suicídio - mostra a força do seu amor.

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TERESA MARIANA 15 anos bonita linda fidalga rica herdeira bem-nascida fortalecida pelo amor amor correspondido esperança de felicidade crença no amor para além da morte amor como única razão de viver sacralização do amor vítima do pai firme na recusa em casar com Baltasar, em ser freira, em esquecer Simão e em sair do convento indiferente para com a sociedade

24 anos bonita e bela mais linda do que Teresa mulher do povo inculta supersticiosa enfraquecida pelo amor amor não correspondido abnegação e sofrimento crença no amor para além da morte amor como única razão de viver sacralização do amor amor paternal amor filial firme na recusa em casar com outros pretendentes desprendida dos bens terrenos indiferente para com a sociedade

qualidades convencionais para ser heroína de um romance

falta de algumas qualidades para ser heroína de um romance

João da Cruz Protótipo do homem português; Tipo “bom bandido”, pois é simultaneamente corajoso , leal, grato, honrado e frio , sanguinário, sem escrúpulos, É a personagem mais autêntica, mais verosímil da novela. A sua caracterização está feita nos capítulos IV, V, VI, VIII, X, XV e XVII. Homem do povo, ferrador de profissão, personagem complexa, misto de bondade, gratidão, coragem, violência e crueldade. Notável o castiço da sua linguagem. Os anti-heróis: Domingos Botelho Juiz de fora, é ridicularizado desde as primeiras páginas, tendo o narrador o cuidado de o contrastar com o seu filho Simão. Tadeu de Albuquerque É o paradigma do pai tirano, déspota. É fidalgo, mas ao longo da obra, vai-se desfigurando, até cair na caricatura, servindo assim ao narrador para criticar os falsos valores da aristocracia. Baltasar É o anti-herói por excelência. Desprovido de carácter e de qualidades positivas, serve para contrastar com Simão. Tendo tentado matar Simão de emboscada, teve o fim que merecia. Representa os valores sociais instituídos e fossilizados, contribuindo para a tragédia final; Os não-heróis D. Rita Preciosa Bela, inteligente mas dotada da prosápia de quem sempre viveu na corte. Figura ambígua, pois umas vezes actua contra Simão, outras ajuda-o. Manuel Botelho A sua presença na obra justifica-se para contrastar com Simão. Representa a mediocridade e uma certa marginalidade. Covarde, mente e torna-se desertor. O universo das personagens e seu relacionamento

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ESPAÇO Espaço físico – lugares onde decorre a acção. A narração desenvolve-se em diversos espaços: Coimbra – Lisboa – Lamego – Viseu ( espaços onde decorrem acontecimentos ligados à vida familiar de Simão) – Coimbra ( local onde Simão estudava) – Viseu ( casas dos pais dos jovens e de João da Cruz) – Porto ( cela da prisão ) – beliche do barco que o leva para o degredo na Índia ( Simão) – Viseu ( casa dos pais e convento de Viseu) – Porto ( convento de Monchique) ( Teresa)

De forma esquemática:

ESPAÇO SOCIAL De notar que, enquanto o espaço se fecha, aumenta a distância entre as personagens, aumenta a incomunicabilidade, o que faz do próprio espaço um elemento intensificador de tragédia. a. Nobreza decadente A mentalidade dos pais de Simão e Teresa, a sua actuação, o seu vestuário, tudo aponta para a decadência e a ruína. Além disso, a rivalidade entre as duas famílias é verdadeiramente mesquinha. Camilo terá desejado denunciar os preconceitos sociais de certas camadas da população. b. Arbitrariedade da justiça Vê-se claramente a intenção de denunciar a parcialidade dos julgamentos, de acordo com a classe dos acusados e os pedidos de pessoas influentes.

«O espaço físico da obra caracteriza-se por um progressivo afunilamento, à medida que a acção trágica atinge o seu clímax, encaminhando-se para o desenlace final.Com efeito, de um espaço exterior amplo onde as personagens principais se movimentam livremente, a cidade, passa-se para um espaço fechado e reduzido, no qual as personagens se encontram encarcerados.» O local onde Simão e Teresa «se encontram nos últimos tempos simboliza o facto de estas serem prisioneiras da própria vida, pois estão enclausurados nas dimensões da sua própria tragédia.» «(...) o lançamento do cadáver de Simão é como que o retorno aos grandes espaços, à imensidão sem limites que o amor dele exigia.»

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d. Vícios do clero O narrador reservou um capítulo (VII) para criticar os vícios de um convento: o de Viseu. Hipocrisia, intrigas entre freiras, preocupações materiais, sensualismo, são os principais defeitos levantados. Compreende-se a posição, sobretudo se nos interessar o contraste entre a inocência e a dignidade de Teresa e o mundo corrupto do convento. Todavia, o narrador louva a bondade das freiras de Monchique.

O tempo

Os factos encadeiam-se cronologicamente, decorrendo a acção em tempos diferentes e distanciados, mas em continuidade.

Tempo cronológico: inicialmente decorre muito rápido (40 anos em poucas páginas) e depois muito mais lento (3 anos, o grosso da novela). A acção decorre entre 1801 – data em que a família Botelho se instala em Viseu, e 1807 – data da partida de Simão para o degredo.

“Em 1801, achamos Domingos José Correia Botelho de Mesquita corregedor de Viseu.” Cap.I

“São treze dias decorridos do mês de Março de 1805.” Cap. XV

“Era em Março de 1807.” Cap. X

“No dia 10 deste mês, recebeu o condenado… “ Cap. XIX

“A 17 de Março de 1807, saiu dos Cárceres da Relação…” Cap. XX

Tempo psicológico: muito projectado no futuro, a traduzir a constante ansiedade dos amantes e seus sonhos.

“Passou o estudante aquele dia contando as longas horas…” Cap. V

O NARRADOR:

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Na obra, quanto à presença, o narrador é claramente NÃO PARTICIPANTE (heterodiegético), de focalização marcadamente OMNISCIENTE, na medida em que conhece o íntimo das personagens, as suas emoções, sentimentos, pensamentos.

Exemplos:

“ O académico, chegando ao período das ameaças, já não tinha clara luz nos olhos para decifrar o restante da carta. Tremia

sezões e as artérias arfavam-lhe entumecidas. Não era sobressalto do coração apaixonado: era a índole arrogante que lhe escaldava o sangue. Ir dali a Castro Daire e apunhalar o primo de Teresa na sua própria casa, foi o primeiro conselho que lhe segredou a fúria do ódio. Neste propósito saiu…” (Cap. III)

“Quando o arrieiro bateu à porta, Simão Botelho já não pensava em matar o homem de Castro Daire; mas resolvera ir a Viseu…”( Cap. III)

“O velho(Tadeu de Albuquerque) esperava muito daquela noite de festa…” (Cap. IV) “Passou-lhe (a Simão) na cabeça, sem sombra de vaidade, de que era amado por aquela doce criatura. Entre si dizia que seria

uma crueza mostrar-se conhecedor de tal afeição, quando não tinha alma para lha premiar, nem para lhe mentir.” (Cap.VIII)

“Mariana, durante a veloz caminhada, foi repetindo o recado da fidalga; e , se alguma vez se distraía deste exercício de memória, era para pensar nas feições da amada do seu hóspede, e dizer, como em segredo, ao seu coração: “Não lhe basta ser fidalga e rica: é, além de tudo, linda como nunca vi outra!” E o coração da pobre moça, avergando ao que a consciência lhe ia dizendo, chorava.” (Cap. X)

ELEMENTOS ROMÂNTICOS E REALISTAS Escrito em 1862, Amor de Perdição é uma novela que apresenta já alguns elementos que se podem considerar realistas, sendo, por isso, uma obra de transição. Como conclusão, apresentamos, em esquema, os principais aspectos românticos e realistas. ELEMENTOS ROMÂNTICOS · Teresa é a mulher-anjo (aparece vestida de branco). · Simão é romântico no arrebatamento dos sentimentos. · Simão é um idealista apaixonado. · A transformação de Simão é romântica. · Mariana é também a mulher-anjo. · A correspondência trocada entre Simão e Teresa é muito sentimental. · O fatalismo que recai sobre Simão e Teresa. · O carácter autobiográfico (as memórias). · As cenas mais importantes acontecem à noite ou ao raiar da aurora. · O triunfo do individualismo sobre as prepotências sociais. · A ideia da morte associada ao amor. ELEMENTOS REALISTAS · João da Cruz:

- o retrato - o a crueldade instintiva - o a linguagem castiça

· A crítica pormenorizada às freiras do convento de Viseu de que nos oferece uma visão caricatural.

A Dimensão poética da obra PROSA POÉTICA: AS CARTAS

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A distância que sempre separou Simão e Teresa levou à invenção de uma forma de comunicação entre os dois. O narrador resolveu o problema através das cartas, mas aproveitou esta presença para lhes conferir funções diversas. E aí está como um registo discursivo pode alcançar relevância funcional. Como poderemos observar, as cartas são de extensão diferente, não são regulares e o seu discurso não é sempre do mesmo tom. Poderemos dizer que as cartas cumprem as funções seguintes:

- servir de elo de ligação entre os dois informar o destinatário sobre os acontecimentos; - comunicar decisões tomadas persuadir o destinatário a adoptar determinadas atitudes; - acelerar o processo narrativo.

A linguagem das cartas permite expressar a grandiosidade do amor que os dois jovens nutrem um pelo outro. « Elas são o convite mais directo à compaixão e à revolta do leitor perante a situação em que o par amoroso se encontra, situação motivada, em grande parte, pelos valores dominantes numa sociedade que ostraciza a pureza de um sentimento sublime.» À medida que a tragicidade da acção se acentua, as cartas tornam-se cada vez mais poéticas. Encontramos nelas as seguintes características do género lírico: - A expressão da interioridade do “eu”; - A tradução de uma forma de estar no mundo;

Bibliografia: Conceição Jacinto; Gabriela Lança, Amor de Perdição, Porto Editora Hilário Pimenta, Dimensão Comunicativa B –12 ano, Porto Editora

ADVERTÊNCIA:

- NÃO decorem estes apontamentos, sirvam-se deles para, a par do que se trabalhou em aula, os colocarem em prática numa situação de análise. NÃO me importa saber se conhecem as várias focalizações ou presenças do narrador, importa-me SIM que as saibam identificar nos textos.

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ANEXOS ÚTEIS

Como fazer umcomentário de um texto literário

Ao abordares um texto literário, com vista à sua análise, deverás ter em conta um pressuposto fundamental:

· analisar um texto não é resumi-lo;

· analisar um texto não é parafraseá-lo.

Em primeiro lugar, deverás lembrar-te que uma primeira leitura pode ser insuficiente. Um texto literário é um sistema complexo

de relações entre palavras e ideias. O que, à primeira vista, parece evidente pode não sê-lo. Compreender um texto envolve um

trabalho lento de aproximação e, por vezes, a primeira leitura revela-nos apenas uma impressão geral nem sempre correspondente

à essência do texto. .

É preciso, pois, ler o texto tantas vezes quantas as necessárias para que a mensagem comece a tornar-se explícita. E se o texto é

um tecido composto por malhas que se entrelaçam (as palavras nas suas múltiplas relações) é necessário desfazer a teia (analisar

palavras, frases, conjuntos de frases) para compreender a lógica interna que presidiu à sua construção.

No desfazer dessa teia têm cabimento todas as operações que possam contribuir para uma melhor compreensão do texto:

· procurar saber o significado de todas as palavras, mesmo as mais incomuns;

· procurar interpretar as várias conotações de que as palavras e as expressões se revestem; - agrupar palavras e expressões

em campos semânticos (sobretudo se verificares que no texto se insiste neste ou naquele campo de significação);

· fazer o levantamento de classes de palavras que, por vezes, imprimem uma determinada dimensão ao texto (repara, por

exemplo, no valor expressivo de muitos adjectivos);

· reparar na pontuação utilizada (muitas vezes, um simples ponto de exclamação ou umas reti cênciasvêm dar a uma

expressão um sentido novo);

· ter em conta (sobretudo no texto poético) o valor fónico de algumas palavras, uma vez que a

insistência em determinados sons e as combinações sonoras (a rima, por exemplo) podem ter

um papel importante;

· analisar a organização estrutural do texto.

Enfim, fazer o levantamento dos vários recursos estilísticos que foram usados no texto a nível fónico, morfossintáctico e

semântico.

Depois desse trabalho de análise, ser-te-á fácil tirar algumas conclusões. Terás, com certeza, compreendido qual o tema do texto e

poderás passar, então, a uma 2ª fase do teu trabalho - a elaboração escrita da análise interpretativa. Trata-se, agora, de escrever o

teu texto sobre o texto. A redacção do teu comentário poderá obedecer ao seguinte plano:

A Introdução

Geralmente breve, poderá apresentar informações sobre os seguintes aspectos:

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· tipo de texto, género literário a que pertence;

· período literário em que está inserido;

· integração na obra (se for um excerto);

· TEMA.

O Desenvolvimento

A parte mais importante, não apenas pela sua extensão, mas porque deverá corresponder a uma explicitação das várias etapas de

análise e interpretação do texto. Contemplará todos os aspectos referidos anteriormente e que serão ordenados agora consoante o

que te parecer mais eficaz para a desmontagem do texto. Deverás referir todos os elementos que te pareçam pertinentes a nível

estrutural e temático, pois só assim te será possível aproximares-te da mensagem expressa, descodificar as ideias, as emoções, os

sentimentos, tendo sempre presente que, em relação a um texto literário «não basta perceber o que diz mas também como o diz».

Se no pedido de comentário, num teste, forem explicitados os tópicos a desenvolver, deverás fazê-lo articuladamente,

fundamentando sempre as tuas afirmações.

Com todos estes elementos, poderás agora reconstituir o texto, confirmar o que disseste quando enunciaste o tema. É como se

tivesses andado à roda das palavras até concluíres o círculo.

A Conclusão

Nunca muito longa, deverá ser uma espécie de balanço (resumido, claro) do anteriormente exposto.

Poderá também apresentar dois outros aspectos:

· relação (breve) do texto com os outros textos do mesmo autor ou da mesma época;

· opinião pessoal sobre o texto (apenas quando tal te for pedido).

A análise textual é pois um factor formativo e valorativo do indivíduo e implica acima de tudo escrever com correcção.

Meus queridos, se aqui chegaram, é bom sinal. Bom trabalho. Alguma dúvida, coloquem-na por este mail: [email protected], responderei assim que me seja possível. Encontramo-nos segunda-feira e o que for, há-de ser.