UMA LEITURA MULTIMODAL DE UMTEXTO PUBLICITÁRIO

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UMA LEITURA MULTIMODAL DE UM TEXTO PUBLICITÁRIO Fátima Beatriz De Benedictis Delphino Doutora em Lingüística Aplicada ao ensino pela PUC-SP Diretora de Ensino do CEFET-SP Este artigo pretende colocar em discussão dois pontos importantes que são (I) a inter-relação entre sociedade e linguagem e (II) a multimodalidade do signo lingüístlco. Utilizando a Gramática Sistêmico-Funcional como ferramenta de análise, tais pontos serão demonstrados na análise de um folheto publicitário de venda de serviços. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Considerando que "a linguagem é como é por causa das funções que ela desempenha na sociedade" (Halliday 1973:65), este artigo pretende mostrar uma inter-relação de aspectos sociais com estudos de Lingüística Aplicada, ou, como diz Kress (1995:5), na perspectiva de uma Lingüística "socialmente responsável e responsiva". A Linqüística Aplicada caracteriza-se por apresentar um caráter multidisciplinar que busca subsídios em várias outras áreas, como a História, a Sociologia, a Psicologia, "para a reflexão crítica do uso metalingüístico consagrado" (Bastos e Mattos, 1993: 11-13), ou seja, para quaisquer situações em que haja uma operação sobre a linguagem. Nesta perspectiva, a escolha de certas formas lingüísticas nunca é arbitrária, pois é sempre motivada no âmbito de um grupo social e em um momento social específico. Fairclough (1992:63) afirma que o "discurso é uma forma de prática social mais do que uma atividade individual ou um reflexo de variáveis situacionais", ou seja, que o discurso deve ser visto como uma categoria que tem origem e faz parte do domínio social. A palavra discurso é aqui utilizada na acepção de Fairclough (1993) como texto + contexto social + contexto cultural. Segundo essa visão, o uso da linguagem é sempre simultaneamente .8 constitutivo de identidades sociais, de relações sociais e de sistemas de conhecimentos e sentimentos. Como diz Kress (1989:450), " ... textos são locais de emergência de complexos de significados sociais, produzidos numa história particular de situação de produção e guardando em vias parciais as histórias tanto dos participantes na produção do texto quanto das instituições que são evocadas". Outro objetivo deste trabalho é ressaltar a multimodalidade do signo lingüística. Na cultura ocidental, a linguagem verbal tem sido considerada o modo dominante de comunicação, com a escrita tendo status mais alto do que a fala e os outros modos semióticos, como ilustrações, fotos, grafites, considerados apenas como "suportes ilustrativos da coisa real" (Kress, 1993a:3). No entanto, a partir da introdução da televisão nos meios de comunicação, com a ampla e massiva utilização de imagens em jornais, revistas, internet, propaganda, a tese da dominância da linguagem verbal ficou abalada. A grande quantidade de informação que as pessoas recebem, por meio das mudanças tecnológicas, vem gerando o aumento do interesse pela multimodalidade dos meios lingüísticas em que estam os mergulhados nos dias de hoje. A história da escrita demonstra que as sociedades humanas usaram, ao longo Ed.02/2001

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UMA LEITURA MULTIMODAL DE UM TEXTO PUBLICITÁRIO

Fátima Beatriz De Benedictis DelphinoDoutora em Lingüística Aplicada ao ensino pela PUC-SP

Diretora de Ensino do CEFET-SP

Este artigo pretende colocar em discussão dois pontos importantes quesão (I) a inter-relação entre sociedade e linguagem e (II) a multimodalidadedo signo lingüístlco. Utilizando a Gramática Sistêmico-Funcional comoferramenta de análise, tais pontos serão demonstrados na análise de umfolheto publicitário de venda de serviços.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Considerando que "a linguagem écomo é por causa das funções que eladesempenha na sociedade" (Halliday1973:65), este artigo pretendemostrar uma inter-relação de aspectossociais com estudos de LingüísticaAplicada, ou, como diz Kress (1995:5),na perspectiva de uma Lingüística"socialmente responsável eresponsiva". A Linqüística Aplicadacaracteriza-se por apresentar umcaráter multidisciplinar que buscasubsídios em várias outras áreas, comoa História, a Sociologia, a Psicologia,"para a reflexão crítica do usometalingüístico consagrado" (Bastos eMattos, 1993: 11-13), ou seja, paraquaisquer situações em que haja umaoperação sobre a linguagem.

Nesta perspectiva, a escolha decertas formas lingüísticas nunca éarbitrária, pois é sempre motivada noâmbito de um grupo social e em ummomento social específico. Fairclough(1992:63) afirma que o "discurso éuma forma de prática social mais doque uma atividade individual ou umreflexo de variáveis situacionais", ouseja, que o discurso deve ser vistocomo uma categoria que tem origeme faz parte do domínio social. A palavradiscurso é aqui utilizada na acepção deFairclough (1993) como texto +contexto social + contexto cultural.Segundo essa visão, o uso dalinguagem é sempre simultaneamente

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constitutivo de identidades sociais, derelações sociais e de sistemas deconhecimentos e sentimentos. Comodiz Kress (1989:450),

" ... textos são locais deemergência de complexos designificados sociais, produzidos numahistória particular de situação deprodução e guardando em viasparciais as histórias tanto dosparticipantes na produção do textoquanto das instituições que sãoevocadas".

Outro objetivo deste trabalho éressaltar a multimodalidade do signolingüística. Na cultura ocidental, alinguagem verbal tem sido consideradao modo dominante de comunicação,com a escrita tendo status mais altodo que a fala e os outros modossemióticos, como ilustrações, fotos,grafites, considerados apenas como"suportes ilustrativos da coisa real"(Kress, 1993a:3). No entanto, a partirda introdução da televisão nos meiosde comunicação, com a ampla emassiva utilização de imagens emjornais, revistas, internet, propaganda,a tese da dominância da linguagemverbal ficou abalada.

A grande quantidade deinformação que as pessoas recebem,por meio das mudanças tecnológicas,vem gerando o aumento do interessepela multimodalidade dos meioslingüísticas em que estam osmergulhados nos dias de hoje. Ahistória da escrita demonstra que associedades humanas usaram, ao longo

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do tempo, vários modos derepresentação, cada qual com umpotencial representacional, com umvalor específico em contextosparticulares sociais.

Ou seja, o projeto demultimodalidade prevê que produtoresde texto estão fazendo uso deliberadode tipos de modos representacíonaís ecomunicacionais que co-ocorremdentro de um texto. Não é possível lerprestando-se atenção apenas namensagem escrita, pois esta constituiapenas um elemento representacionalque coexiste com uma série de outros,como a formatação, o tipo de fonte, apresença de imagens e todo tipo deinformação advinda de quaisquermodos semióticos embutidos nacultura humana e que estão presentesno texto, como a comida, as roupas,a diversão, a arte, a música, afotografia, etc. Estes outros recursostambém constituem meios deexpressão do conteúdo do texto.Citando-se Kress, Leite-Garcia e vanLeeuwen, 1997:269:

1. "um número variado de modossemióticos está sempre envolvidoem uma determinada produçãotextual ou leitura, pois todos ossignos são multimodais ou signoscomplexos, existindo numnúmero de modos semióticosdiferentes;

2. cada modo tem suarepresentação específica,produzida culturalmente, além deseu potencial comunicacional;

3. é necessário um entendimentosobre como ler estes textos, sesão coerentes em si mesmos".

Isto significa que existe umsignificado cultural que deve sercomum tanto ao escritor quanto aoleitor. No momento em que um textoé escrito, essa realização escrita torna-se material, substancial e contêmsignificados específicos dentro de cadacultura, ao longo da história, expressospor cada modo de representaçãoSINUGIA

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utilizado. Em conseqüência, existe anecessidade do deslocamento de umaabo~da em llnqüisttca para umaaborda em semiótica, pois a semióticaé u investigação sistemática dasemiose humana em todos os modosempregados por um grupo cultural, emque estão incluídas a leitura e a escrita.

A Sócio-Semiótica abre um amploleque de perspectivas para se poderobservar as linguagens dentro dacultura. Além de levar em consideraçãoos vários sistemas de significado dalinguagem humana, como a linguagemvisual, a gestual, a sonora, etc., fatointeressante, pois permite analisarimagens de um ponto de vistagramatical, ainda insere os estudossobre a linguagem dentro de umcontexto de situação e de um contextode cultura.

Tomando-se como exemplo otexto publicitário, verificamos que estesempre carrega um agente socialinfluente que procura alterar hábitos evalores sociais, por meio do queCarvalho (1996) coloca como "umjogo de sedução". Se os objetivos dapropaganda são influenciar,alteraropiniões, sentimentos e atitudes,torna-se absolutamente necessáriauma reflexão sobre a linguagem edemais recursos comunicativos por elautilizados, para que se possa localizaro produtor desse enunciado, o agr.:ntesocial, e que significados, ocultes outransparentes, o seu texto traz para oleitor. Pois o texto não é construído depalavras e sentenças, mas designificados (Halliday e Hasan, 1989),constituindo uma unidade semântica deproduto mais processo. É produtoporque pode ser recordado e estudadoa partir de uma certa construção quepode ser representada em termossemânticos, é processo no sentido deprocesso contínuo de mudançasemântica, por meio de movimentosdo conjunto de significados potenciais,com cada conjunto de mudançasconstituindo o painel do conjuntoseguinte.

A mensagem vem, então, sempre49

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carregada de um conteúdo ideológicoou vlvencial. Desse ponto de vista, alinguagem é tomada como reflexo daideologia subjacente do povo que apratica. Para Kress (1990), asideologias determinam o arranjo dosdiscursos no texto em resposta ademandas de grandes estruturassociais. O autor citado enfatiza a noçãode linguagem vista corno uma práticasocial, uma entre muitas, distinta emseus efeitos e potencialidades. Ideologiaé concebida também como dominânciae com formas opostas deconhecimento numa sociedade, comestratégias acomodativas e comformas de conhecimento derivadas deposições históricas e sociais de seususuários.

É evidente que o texto publicitáriotraduz as ideologias de quem detém opoder, pois sempre representa idéias,valores e normas de empresas quecontrolam a economia do país e quepretendem de alguma forma manipulara opinião pública, mesmo comintenções benéficas à população. Lull(1995:10) diz:

"Claro que não se vendem apenasprodutos, serviços ou idéias isoladas.Ela (a publicidade) vende sistemasideacionais integrados,multiarranjados que abraçam,interpretam e projetam imagensinterdependentes de produtos, deconsumidores idealizadosbeneficiando-se dos produtos, decorpo rações que se beneficiam coma venda de produtos, e, o que é maisimportante, a estrutura sobrepostacultura-econômica-política e osvalores e atividades sociais que elaabraça e que tornam possível toda aatividade do consumidor".

simpático, em que, como diz Fairclough(1989), tem dificuldade de identificar oque é a própria realidade. A publicidade,usando a persuasão e a sedução,reconstrói o mundo segundo seupropósito na produção da campanha.

O processo de fazer-signo é oprocesso de construção em que ofazedor de signo está constantementeenvolvido. Signos passam a serconjunções motivadas de significantes(formas) e significados (sentidos). Osigno nunca é arbitrário e a motivaçãopara seu aparecimento pode serformulada em relação ao fazedor designo e o contexto (cultural esituacional) no qual o signo é produzido.Os fazedores de signo usam formasque consideram aptas para produziranalogias e classificações. Por exemplo,quando crianças tratam uma caixa depapelão como um navio pirata, elas ofazem porque consideram a formamaterial, caixa, um meio apto para aexpressão do significado que têm emmente, devido à sua concepção deaspectos de critérios dos naviospiratas, como conteúdo, mobilidade,etc. (Kress e van Leeuwen, 1996:9).

A publicidade faz novos signoscolocando valores em produtos, como,por exemplo, em Compre tranqüilidade,em que tranqüilidade é uma nova marcade sabão.

Em resumo, os princípios dessetipo de abordagem são:

• Tanto o produtor como o leitortêm poder em relação aostextos;

• Escritores e leitores fazem signoscomplexos, textos, que surgemdo interesse do produtor dotexto;

• O interesse do produtor descreveo foco de um complexo defatores: histórias sócio-culturais,contextos sociais presentes,incluindo exames feitos pelofazedor de signo sobre o contextocomunicacional;

• Interesse em representações

Kress e van Leeuwen (1996)afirmam que a noção-chave é o fazer-signo, o ato de se produzir novossignos. Esse ato de produzir novossignos é o processo pelo qual osfazedores de signos fazem arepresentação de algum objeto ouentidade, como as representaçõesutilizadas nos textos publicitários, querecriam a realidade para o leitor,inserindo-o num mundo amigável,

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aptas e na comunicação efetivasignifica que fazedores de signosescolhem significantes aptos(formas) pa ra expressa rsignificados, e que a relação entresignificante e significado não éarbitrária, mas motivada.

Embora os textos atuaisapresentem muitas característicasmultimodais, sabemos que a línguaescrita sempre apresentou diferentesmodos culturais e sociais nela inseridos,aspectos esses trabalhados por váriascorrentes teóricas, principalmente pelaGramática Sistêmico-Funcional. Asrelações sociais, a representação deeventos e a coerência interna e externados textos são as três funçõescomunicativas básicas dessaGramática, as quais carregam osdiferentes modos semióticos derepresentação.

Estamos acostumados a umavisão de gramática que determinaformas lingüísticas como obrigatóriaspara determinadas situações de uso,como formas para uso mais formal oumais informal da linguagem. Trata-sede uma visão tradicional, quepredetermina marcas gramaticais ediscursivas, não servindo para estapesquisa que pretende fazer umcaminho inverso, partindo do uso decertas formas. Tendo escolhido umavisão Sócio-Semiótica como pano defundo, torna-se necessário optar poruma base teórica que possibilite levarem conta o produtor e o leitor do textoenvolvidos num processo de fazersigno, e que considere que a partematerial da linguagem é determinadapelo significado. Além disso, essaescolha nunca será arbitrária, mas simmotivada pelas intenções do falante/escritor em relação ao ouvinte/leitor.Ou seja, trata-se de "uma teoria daorganização gramatical das línguasnaturais que procura integrar-se emuma teoria global da interação social"(Neves, 1997:15), acessível apressões do uso.

Halliday (1994) é o autor, dentro.1"EItGIA

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desta perspectiva, que serve de suportepara a análise das marcas lingüísticasque ora se estuda, uma vez queapresenta uma gramática baseada noconceito de uso da língua para darforma ao sistema, sendo cadaelemento explicado por referência à suafunção no sistema Iingüístico, o que vemao encontro das minhas necessidadespara analisar as marcas persuasivas dalinguagem de propaganda. Essagramática está construída sobre umsistema de escolhas possíveis a umfalante/ouvinte no momento dacomunicação. Essas escolhas não sãotratadas como opções entre formasdiferentes, mas são tratadas pelagramática sistêmico-funcional comosignificados, que, agrupados emorações,. organizam agrupamentosrelevantes de significado.

Os seguintes pressupostos paraa configuração da mensagem sãoapresentados por Thompson(1997:28):

1. Nós usamos a linguagem parafalar sobre nossa experiência demundo, inclusive do mundomental, para descrever eventose estados, além das entidadesneles envolvidas;

2. Nós usamos a linguagem para-interagir com outras pessoas,para estabelecer e manterrelações com elas, influenciar seucomportamento, expressar nossopróprio ponto de vista sobre ascoisas do mundo, provocá-Ias oumudá-Ias;

3. Além de tudo o que já foicolocado, ao usar a linguagem,organizamos nossa mensagemem caminhos que indicam comoela se liga a outras mensagenscom as quais se relaciona e como contexto maior em que falamosou escrevemos.

Dependendo de uma destas trêsformas de configuração da mensagemapresentadas, é possível observar umaoração de três maneiras diferentes ou

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A oração pode ser vista aomesmo tempo por estas trêsconfigurações. Às vezes, uma delas émais salientada do que as outras, masas três estão sempre presentes. Esteartigo colocará em relevância, naanálise de um folheto publicitário, duasmetafunções, descritas a seguir emmaiores detalhes:

A função textual demonstra, tantona linguagem verbal como visual, quea localização no contexto da página éimportante para a composição do lay-out da mensagem. As imagens utilizamquatro pontos básicos de localizaçãono papel:

1. À esquerda (na posição ternátíca)é colocada a informação velha, odado, posição essa relevantetambém na oração;

2. À direita (na posição remática), écolocada a informação nãoconhecida, o novo, posição essarelevante também na oração;

3. Na parte de cima do papel,centralizado, é colocada ainformação não real, podendo ser Apresento a seguir uma análiseuma informação pretendida, ideal multimodal de um folheto publicitário(não real); de venda de serviço. O folheto em

4. Na parte de baixo do papel, questão pertence a uma campanhacentralizada, é colocada a~~~~~~~~==~===================================-Ed.02/2001

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por três metafunções:

1. Como uma representação: aoração tem significado comoconstrução de processosbaseados na experiência humana.Trata-se da função ideacional ouexperienciaI.

2. Como uma troca: a oração temsignificado com base na transaçãoestabelecida entre os participantesda interação pela funçãointerpessoal.

3. Como uma mensagem: a oraçãotem um tipo especial de significadoa partir do modo como foiorganizada. É a chamada funçãotextual, cujo objetivo é cria rrelevância para o contexto pelaorganização da mensagem.

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informação que faz parte donosso cotidiano, o real.

A base da função experiencial ouideacional é o sistema de transitividade.Este sistema especifica os tiposdiferentes de processos reconhecidosna língua e as estruturas pelas quaiseles se expressam. Diz respeito aomodo como representamos o mundona linguagem, por meio de orações queapresentam:

• processos;

• pa rti ci pa ntes envolvidos nosprocessos;

• circunstâncias associadas aosprocessos.

A oração, em sua funçãoideacional, exerce o papel derepresentar padrões de experiência.Segundo Halliday (1994), umapropriedade fundamental da linguagemé que ela permite aos seres humanosconstruírem uma representaçãomental da realidade para entenderemsua experiência do que acontece a seuredor ou em seu íntimo. A oraçãofunciona como a representação deprocessos. Estes consistem deatividades de fazer, acontecer, sentir,ser, existir, dizer, comportar-se. Essesprocessos aparecem acompanhadosde participantes que experienciam osprocessos e, opcionalmente, estãoacompanhados de elementoscircunstanciais. Por exemplo, nasentença O pássaro está voando nocéu, aparece o processo está voando,o participante pássaro e a circunstânciano céu. Este modelo de oração épraticamente universal nas linguagenshumanas.

ANÁLISE

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publicitária da empresa de Correios, doserviço Sedex. De maneira geral pode-se dizer que o texto caracteriza-se porinserir metáforas novas em manchetese subtítulos (ou linhas finas, segundoum jargão mais jornalístico), enquantoo texto verbal no corpo do folheto ésempre mais denotativo e coligruente.No entanto, em relação à linguagemvisual, esta sempre utiliza recursosmenos congruentes.

Nesse tipo de texto o consumidorestá sempre presente, fazendo uso doproduto ou do serviço. Representa opróprio leitor, que é convidado pelaimagem e pelo texto a agir nos papéisdesempenhados para ele pelos modosde representação. A empresa estápresente como Fazedora de açõespara o consumidor e tambémmostrando identificações que afavorecem ou como Possuidora debens e do próprio produto.

A figura a seguir mostra a capado folheto:

É SÓ ligarquea te

a.ecell

Figura l:Telemarketing.

As imagens interagem em doisplanos. Vêem-se, em primeiro lugar, osmodos envolvidos no primeiro plano:no lado esquerdo, uma mão femininasegura os fones de um aparelhotelefônico. Mais em posição central, háo fio telefônico enrolado como umaroda e, do lado direito, na parte decima, a manchete: É só ligar que agente aparece. Ao se observar aorganização textual da página, pode-se verificar do lado esquerdo apresença do "velho", de informação jáconhecida pelo leitor, nesse caso, em

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pequenas e médias empresas,representando as secretárias que,habitualmente, fazem uso do telefonepara resolver situações de emergência.

A solução para as situaçõesemergenciais está do lado direito naparte de cima (o plano do ideal, aqueleque o leitor ainda não tem), pois amanchete convida o leitor a ligar paraa gente, uma forma interativa ecoloquial de referir-se ao serviço. Aespiral na parte central é destacável edeixa à vista, quando retirada, umaroda de motocicleta que é o serviçooferecido. Há aqui uma associação desentido entre a figura da espiral e aroda da moto que pode sercompreendida no mesmo patamar dasmetáforas que têm os dois referentesno veículo, sendo que um deles é opróprio serviço.

Observa-se agora o segundoplano. Este apresenta, em imagensdifusas e cinzentas, uma história emquadrinhos que traz uma cena dos anos30 como a de antigos filmes policiaiscom cenas de tiroteio. Essas cenasremetem a capa do folheto a umambiente não-congruente, procurandoreproduzir o estado mental da empresaque está necessitando do serviço, umasituação de caos e de impossibilidadede resolver o problema, expressa porvários balões com pontos deinterrogação e exclamação. A roda damoto, quando destacada, já deixaantever a solução.

Apresenta-se agora a parteinterna do folheto:

DISQUE SEDEX.. 0800~116522

Figura 2: Disque Sedex

SIURGIA 13

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Abrindo-se o folheto, encontra-seo serviço em ação: o entregadorSedex que retira no próprio endereçodo consumidor a encomenda que deveser enviada pelos Correios. Como sepode observar, a moto parece estarpassando rapidamente sobre a cena dosegundo plano, em ação transacionala ela, sobreposta como se fosse asolução do caos. Está do lado direitoda página, onde a organização textualda mensagem coloca a informaçãonova. Na parte de cima, encontra-se oideal, a solução dos problemas daempresa, a manchete Disque Sedex-0800-115522. À direita, na parte decima, há um balão de diálogo, com opróprio serviço falando, pois o balãoestá justamente ligado ao número detelefone, com informações sobre o

serviço: o Sedex leva sua encomendapara todo o Brasil. 24 horas paraqualquer capital e 48 horas para asoutras cidades. Esse texto traz oserviço como entidade personificadaem metáfora velha, pois não é oserviço que leva sua encomenda, masos funcionários da empresa.Observam-se aqui as características doFazer do produto expressas tanto pelalinguagem visual como pela linguagemverbal o Sedex leva. Quanto aoconsumidor, aparece apenas comousuário do serviço: Disque Sedex.

A contracapa do folheto contémuma tabela e um texto em itens cominformações sobre os tipos de serviçosinclusos no Sedex, expressos emlinguagem literal:

SEDEX NACIONAL E SEDEXVIP SEDEX HOJE SEDEXINTERNACIONALA COBRAR

- Até as 17:00 horas. - Até as 10:00 horas - Até as 14:00 - Até as 17:00 horas parapara objetos destinados horas. objetos destinados a América

a Brasília. Os objetos do Sul, EUA, México, Alemanha,- Até as 11: 00 horas destinados a São França, Grã-Bretanha, Portugal

para objetos destinados Paulo, Capital, são e Japão.a Belo Horizonte e Rio entregues no - Até as 14:00 horas para os

de Janeiro. mesmo dia da demais países conveniados.O Sedex Vip é entregue postagem. Estes são os horárioslimites

no mesmo dia da para as encomendas seguirempostagem no Rio de no mesmo dia da postagem.

Janeiro, Brasília e BeloHorizonte

1. a construção de novas realidadesde significado por meio dapresença de linguagem não-congruente, pela composição emsegundo plano e a sobreposiçãoda moto;

2. as relações sociais entre osparticipantes que são construídaspelo uso pragmático oral, maisinterativo, da manchete, pelaexpressão É só ligar e dopronome a gente, ambos no

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Figura 3: Tipos de serviço Sedex

Abaixo da tabela, em posiçãocentral, o logo da empresa dos Correiose um outro logo com uma bandeira doBrasil e a frase Brasil, união de todos,símbolo de uma das campanhas sociaisem que a empresa dos Correios estáconstantemente envolvida. A presençado logo da empresa, associada ao logoda campanha, traz avaliações positivaspara a imagem da empresa e para oserviço oferecido.

Figura 4: Logotipo dos Correios.

CONCLUSÃOInteragiram, neste folheto, os

seguintes modos de representação:

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período É só ligar que a genteaparece, uma expressãoidiomática popularmente usadaquando as pessoas queremoferecer sua participação emqualquer tipo de evento;

3. o processo narrativo visualpresente na parte interna,mostrando a moto como umAtor, que é- o próprio serviço,personificado pelo funcionário daempresa que tem a moto comoMeta, pela construção imagináriade um vetor de ação, isto é, oserviço conduz a moto. Há aconstrução de uma situaçãocomunicativa que organiza umjogo de congruência +incongruência, o qual constitui umgrande recurso persuasivo destefolheto. Atraindo-se o consumidorpor esse jogo, ele é conduzido aler as informações mais objetivasque contêm, na tabela, oshorários e tipos de serviçosSedex.

Em resumo, procurei demonstrarneste artigo dois aspectos importantesque são a imersão da linguagem nocontexto social e a variedade demodos que interagem num textocomposto por linguagem verbal e nãoverbal.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

Fátima Beatriz De Benedictis Delphino

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Todas as imagens e tabela utilizadas neste artigoforam extraídas de material impresso, distribuídogratuitamente ao público em geral.