UMA MARCA NA PAREDE
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[2]
UMA MARCA NA PAREDE
paulo alzamora
[3]
Esta peça em monólogo intercala as deixas
proferidas por uma actriz sozinha em palco, com a
audição dos seus pensamentos, a serem reproduzidos
pelo sistema de som da sala.
O ambiente cénico é o de um living com aberturas
para espaços contíguos, hall ou cozinha, cuja
existência se advinha mas nunca se vê.
A luz deve sugerir uma origem no espaço exterior,
passando ao longo da peça da tarde alta à semi-
penumbra da noite, com a iluminação artificial de
rua a entrar pela(s) janela(s).
A atmosfera deve reflectir um gosto de média/alta
burguesia e é importante que tenha pelo menos um
maple de orelhas com uma manta de croché aberta
sobre o assento e braços, para além de uma
televisão acesa.
O texto é omisso em sugestões relativas à mise-en-
scène ou à representação, no sentido de promover
total liberdade ao trabalho do encenador e ao
desempenho da actriz.
Como excepção há a referir uma pausa a meio da
peça sendo facultativo o seu aproveitamento para a
realização do tradicional intervalo.
[4]
Igualmente opcional é o cumprimento de outras
pausas, breves, identificáveis pela utilização de
reticências, e que pretendem unicamente sugerir
variações no ritmo da récita.
Esta peça terá sempre o seu texto em aberto
podendo ser acrescentada episódica ou
definitivamente em qualquer altura e por qualquer
pessoa, até em improviso por quem a represente, ao
que o autor ficará extremamente grato.
[5]
...ia jurar que tinha desligado o lume!
Vês?
Não te tenho dito?
O raio da cabeça, às vezes, já não parece a mesma!
...
A Cilinha está-me sempre a dizer pra não mexer no
fogão...
Estes filhos crescem e desatam a pensar que sabem
tudo e que nós somos uns incapazes!
...
E depois não se calam com o raio das instruções!
Põe-se a falar muito devagar, sempre a tocar-me no
braço...
Quase que fico com negras...
“Ta a ouvir mãezinha? Ta a ouvir mãezinha?”
E fala alto como se fosse surda!
Surda e lerda!
A mãezinha tem que isto, a mãezinha tem que
aquilo...
[6]
A mãezinha não pode isto e a mãezinha não pode
aquilo...
Sempre esta lengalenga!
O que vale é que quase não põe cá os cotos!
Mas diz que sim, que vem cá todos os dias.
Entrar e sair, se isso é vir cá!
Inda ta a meter a chave à porta e já a tou a ouvir
“tou cheia de pressa! Tenho tanto que fazer! É só
pra um olá!”
Nem “precisas de alguma coisa?”,
Nem “onde é que te posso ajudar?”,
Ou “vamos dar uma voltinha as duas?”
Ou qualquer coisa assim de mãe e filha!
Nada disso!
E se não vem, telefona, mas é a mesma coisa!
Levo mais tempo a chegar ao telefone do que o
tempo que duram as chamadas...
Por vezes até duram mas não é a falar de mim...
A não ser que seja pra me recriminar!
[7]
Pra isso ta plas curvas!
...
Pra isso e pras comparações com o Rafael!
É preciso ter lata!
Dizer-me na cara que só falta eu “erguer um altar
pró menino queridinho”, como ela lhe chama!
E ela sabe bem que isso me magoa, que eu nunca fiz
distinções...
Ah pois sabe!
Criamos nós os filhos pra isto!
Pra eles depois andarem de fita métrica e máquina
de calcular na mão...
Se ela tivesse a vida do irmão é que ia ver!
De certeza que não lhe sobrava energia pra vir cá
as vezes que vem só pra me mandar umas pedradas.
...
Nem sei como aquele rapaz não tem um esgotamento.
Sempre com aquelas olheiras...
E aquele aspecto bacilento...
[8]
Eu bem que lhe digo que tem que aliviar, que um
dia destes dá-lhe um treco...
Olha que o tempo passa pra todos! Não estás a
ficar novo, sabias?
“A mamã não se preocupe, a mim nada me pega! Já
sabe que eu sou um cepo!”
...
Tão franzino que ele era em pequenito!
...
Lembraste quando o paludismo quase o levou?
Quem?
Ora quem! O Rafael!
...
Embicaste em que tínhamos que ir contigo pra
Damba.
Era de estranhar que te lembrasses!
Passava-te tudo ao lado...
Ou quase tudo...
[9]
Quando ele nasceu inda pensei que arrepiasses
caminho, mas foi sol de pouca dura!
“Um pilas senhor Gervásio! É um pilas!
Temos que o regar!”
Foi isso!
Foi só o pretexto pra mais uns canecos!
A Damba pra ti, bastava ser só o boteco do
Gervásio
Terra medonha!
Só mosquitada!
Que valeu dares-me duas criadas?
Pra depois passares a vida a dizer que eu tinha
uma vida de princesa?
Não acontecia nada naquele fim do mundo, só por lá
passavam camionistas!
A Maquela inda lá foi cantar a Simone, uma vez.
De resto era uma povoação com uma estrada em terra
batida a meio e casas semeadas de cada lado.
[10]
Era a coisa a que chamavam hospital, a escola
primária, o posto de correios, a casa do
administrador...
...
Sítios havia em que lhe chamavam palácio,
Veja-se lá quanta pretensão!
Palácio!
...
A mercearia e a padaria,
Mais a bomba de gasolina,
Um campo rapado, com duas balizas,
O aeródromo, e pronto!
...
E tava feita uma cidade!
Eram todas iguais,
Todas!
Ou quase todas...
Esta nem o raio duma agência do Sotto Mayor
tinha...
[11]
...
E aquelas madamas?
Todas armadas a burguesas! Todas montes de
importantes!
A mulher do subchefe, a professora,
A mulher do médico, parolinha que eu sei lá...
A do tenente que, como eles iam mudando, elas
também estavam sempre a mudar...
Ao menos essas traziam as modas!
...
A do Administrador é que era o que se podia chamar
“uma senhora”. Também não passava cartuxo a
ninguém!
Se fosse hoje tinha feito a mesma coisa!
...
Ouviste tocar à porta?
É que me pareceu...
Fiquei na dúvida...
[12]
Agora ando nisto, de vez em quando perco-me nos
pensamentos...
E ou não ouço ou ouço a mais...
Mas tu também não estás melhor!
É como se cá não estivesses.
Não se pode contar contigo pra nada!
...
Vê lá que me fui pôr a pensar na Damba.
Ainda te lembras da viúva do merceeiro?
Boa rapariga! Teve aquele azar...
Engolido por uma jibóia! O desgraçado!
Ouviam-se muitas histórias, mas assim?
Acontecer ali?
Ao nosso lado?
...
Se é que foi mesmo...
Na verdade ninguém de lá o viu!
[13]
Plo menos pra mim não passou de um monte de terra
com uma cruz de madeira no topo!
Naquela terra, é assim, nunca se sabe...
...
Mas era uma mulher interessante, não era?
...
Não te lembras.
Não te lembras tu de outra coisa!
Ao menos vinhas de lá a cheirar a bien-être em vez
de tresandares aqueles sabonetes reles da sanzala!
Logo tu que em casa nem o old spice que te dei
punhas!
Sim! Ou tu achavas que eu não sabia?
Punhas-me duas das tuas frangas lá em casa, mesmo
debaixo do meu nariz e achavas que quando ias pra
roça eu não conseguia saber as coisas.
...
Que custava um bezerro ou outro para quem tinha
duas mil cabeças!
[14]
Pra mais com os patrões aqui pra metrópole a gozar
do bem bom, como iam supor que o capataz de
confiança era um javardo!
Também quem podia imaginar que para aqueles
monstros as filhas só valiam o raio de um bezerro!
Mas eram só umas meninas, canalha!
Umas meninas...
...
Saíste-me uma boa peça!
...
Inda anda a tua filha sempre a proteger o paizinho
dela.
Por isso é que eu evito completamente falar
contigo quando ela cá está.
Depois também já estou farta daquele discurso...
“A mãezinha tem que aceitar, mais dia menos dia
tem que aceitar o que aconteceu ao papá!”
Por vezes parece que já nem diz coisa com coisa!
“A mãezinha tem que deixar o papá ir! Deixe o papá
partir em paz mamã!
[15]
...
Mamã! o paizinho já não está entre nós!”
Queres acreditar nisto?
Eu nem queria acreditar quando a ouvi dizer isto!
A miúda anda meia desequilibrada!
...
Não está mesmo bem o raio da rapariga!
É que tou preocupada. Começo a estar convencida
que ela acha que tu morreste...
Mas se lhe for dizer alguma coisa já sabes como é.
...
Mas acho que ela precisava de fazer um
tratamento...
...
Agora também anda com outra mania. Não é que pensa
que sou eu quem está a ficar avariada da cabeça e
vai daí, pôs-me a vizinha a controlar-me?
Essa velha que só quer é bisbilhotice!
...
[16]
E não é que o raio da velha não me larga a porta!
Tem menos vintanos que eu mas de cabeça tem à
vontade mais sessenta.
Fogo!
Prefiro mil vezes a velhada rezingona nos
autocarros, a discutirem porque nenhum quer ir de
costas.
Às vezes dá vontade de distribuir uns açoites!
São piores que a canalha pequena!
Deus me livre de chegar a velha e fazer aquelas
figuras...
Se é práquilo só desejo que deus nosso senhor seja
meu amigo e me leve antes...
...
Mas a vizinha é obra!
...
E depois põe-se com aquele jeito de beata,
“Oh dona Luisinha quer que lhe faça um chazinho?
Ou uma sopinha?”
Ou isto inho ou aquilo inha?
[17]
Mas ela ta a falar com algum bebé?
E também quem disse aquela lambisgóia que me podia
tratar por Luisinha?
Que porra!
Quê!?
Nunca me tinhas ouvido dizer palavrões?
Há muita coisa que não sabes de mim!
...
Digo porra e digo merda! Mas digo mais ainda!
Sempre disse...
...
Noite após noite com uma cama só pra mim...
...
Como se eu tivesse deixado de ser mulher...
...
Se só tinha um corpo pra descobrir, podes crer que
descobri...
E aí digo muitos palavrões!
Baixinho...
[18]
Muitos e dos piores, mesmo daqueles!
E não sei porquê, acabo ao murro à tua almofada e
aos filhos-da-puta!
Muitos...
Seguidos...
Filho-da-puta, filho-da-puta, filho-da-puta...
...
Se tivesse aqui a miúda lá tava eu a ter que
gramar mais um sermão!
“Oh mamã, pró que lhe deu! E se estivesse aqui
alguém?”
E se estivesse aqui alguém?
Sempre a merda das aparências!
Parece na Damba!
Uma cambada de infelizes a acharem que eu é que
era a coitadinha...
Como se as caçadas dos maridos delas fossem só de
pacaças e gazelas!
...
[19]
Tou a ser má-língua...
Se calhar faziam como eu, se calhar faziam de
conta...
O Rafael é que não ia ligar pevas se ouvisse a mãe
a dizer palavrões, até ia achar graça de certeza.
Esse aí sai mesmo ao meu lado...
Felizmente!
...
E não me anda a atazanar, a querer jogar-me pra um
canto!
Essa tu inda não sabes pois não?
Essa é a última da tua filha!
Se passa aqui meia hora, vinte e cinco minutos são
pra me dizer que “agora há umas casas muito boas,
com todas as condições...
Com uns funcionários especialistas...
Com enfermeiros e médicos,”
E mais isto e mais aquilo!
Ela deve pensar que sou uma insensível cruel! Como
se não cuidasse ainda bem de ti!
[20]
“Ah, porque d’hoje amanhã caio à cama, e a vida ta
difícil...”
E ela não vai ter tempo e não se pode dar ao luxo
de arriscar o emprego!
Que “o Filipe continua com aquela vida de cão!”
Que “o Rafael e a Carla é o que se sabe, que não
ligam nenhuma e não se pode contar com eles!”
...
Pois, já cá faltava criticar o irmão e a cunhada!
...
Que “os miúdos tão numa fase de exigirem muito
acompanhamento” e ela é sozinha, não tem ajuda de
ninguém!
Bem! Quem a ouvisse ficava lavado em lágrimas!
...
Mas é assim, se tu quiseres tas à vontade que eu
não me importo!
Se quiseres ser empacotado num desses sítios, é
contigo.
...
[21]
Eu cá, ninguém me arranca daqui!
...
E fico sozinha?
E depois?
Onde está a estranheza?
Como é que eu estive quase sempre?
Nunca te preocupaste, nem quando andavas lá pela
fazenda às chicotadas aos desgraçados dos
trabalhadores,
Nem na sanzala a besuntares-te nas tuas pretitas,
A emprenhar as desgraçadas das crianças!
Sabe-se lá quantos irmãos têm os filhos que me
fizeste!
...
Nem quando andavas a ajudar os pides a traficar os
dentes dos pobres dos elefantes!
Sujeito a levar um balázio dos turras, como tu
lhes chamavas...
Pois, dava-te jeito a protecção deles pra outras
coisas né?
[22]
...
Mesmo aqui foste para feitor daquela herdade lá
pra cascos de rolha como se não houvesse mais
nada...
Pouco ralado que os filhos continuassem a crescer
a ver o pai só aos fins-de-semana...
E só nalguns...
E pouco te ralaste que eu ficasse sozinha!
...
Achas então que não me aguento?
Achas mesmo que sou mulher para me desorientar?
Não me ficaste a conhecer nem um bocadinho, pois
não?
Se calhar nem a mim nem a mais nenhuma!
Por acaso é algo que me causa espanto...
Como é que alguém arrebanha tantas mulheres e o
seu egoísmo não lhe deixa uma réstia de
curiosidade para saber como é o seu íntimo!
É assim como dizer que se gosta de pão mas do pão
só lhe conhecer o sabor pelo lamber da côdea...
[23]
No fundo tu só és tipo de conhecer uma casa por
fora. Entrar lá dentro? Ta quieto! É o entras!
Quem sabe está assombrada!
É isso, cagufa!
Cagufa, é o que tu tens!
De quê?
Ora, que te caia a pose...
De descobrires que afinal és pequenino...
...
Pois olha, sabes, já era tempo de me conheceres!
E ainda tens tempo!
Jogaste fora o passado mas sobra-te o futuro todo
do mundo!
Que no teu caso que até nem fazes um caraças, pode
ser uma eternidade!
Fica então a saber, que eu não me desoriento!
Eu não me perco...
Nessas alturas faço como sempre fiz.
[24]
Quando a vida me enrola e me sinto a girar sobre
mim mesma como um pião, regresso aquele palácio a
cair de velho,
Com aqueles estuques todos trabalhados...
Àquele espelho sem fim, à barra ao longo do
espelho...
Céus como era grande tudo...
Ou como eu era pequena!
Volto aos demi-pliés, aos arabesques, às
pirouettes...
Sim, às piruettes!
E à marca na parede,
Uma marca na parede, uma qualquer,
Mesmo que seja uma osga ou uma lesma...
...
O corpo gira, a cabeça também...
A cabeça sai em ultimo mas chega primeiro!
Tudo tão rápido!
Muito rápido mesmo!
[25]
É como se os olhos nunca descolassem de lá!
...
Pela vida fora sempre encontrei a minha marca na
parede...
Quanto mais perdida mais me encontrava num único
interesse, num único objectivo...
Num projecto...
Tu? Só se for pra rir!
Não vou poder dizer nunca que sim!
Como eu gostava que tivesses sido como um farol,
Mesmo que prácenderes eu tivesse que te fazer
muitos sinais...
Que estava a naufragar...
Mas que estivesses lá!
Eu ao menos sabia que naquele ponto da costa havia
um...
...
Arrancaste-me três vezes a um ninho!
A minha mãe bem que me dizia!
[26]
“Pra que te leva ele daqui?
Atrás dum sonho? Aqui também pode sonhar!
O negócio do teu pai vai bem...”
...
Mesmo a ti...
Ela também te disse que não lhe levasses a
filha...
“Criada com tudo, habituada a tudo!
Aqui o Rodolfo também tem futuro!
As conservas vão continuar a dar, as pessoas vão
continuar a precisar de comer...
Se um dia pensar em ter um negócio seu lembre-se
disto!”
Mas tu nada!
“Aquilo vai ser um mundo!” Era só o que dizias...
...
A mim bem que me avisou!
“Há qualquer coisa neste rapaz, não sei, aqueles
olhos sempre a bailar e...
[27]
Sei lá...
Parece que não têm fundo de tão claros que são!
E porque não acabas tu o piano e o liceu?
Nunca se sabe se te vem a fazer falta!”
Falta? Falta pra quê?
Pra ser dona de casa e criar filhos?
Oh mama!
...
Pois é!
Ela parecia que adivinhava...
...
Pois é...
Se não tivesse sido o velho piano lá de casa bem
que tínhamos passado fome!
“Luisinha, olha que este moço também não é da
mesma condição que tu!”
Condição? Oh mama... a mamã não ta a ver bem as
coisas, pois não?
Que condição?
[28]
No liceu chamam-me peixeira!
Isso é que é a minha condição!
Só quando a Cilinha começou a namorar é que acabei
a perceber tudo o que ela me queria dizer.
...
Ta-me a apetecer um chazinho. Agora depois de
reformada é que me deu pra lanchinhos...
E pra gulodice!
É que se ficasse pelo chá, mas não!
É que é o chá e o sconezinho!
Daqueles que faço quando o Rafael cá vem.
Também queres?
Ah, sem cerveja não escorrega!
Pois...
Era de estranhar que me fizesses companhia...
...
(pausa)
...
[29]
...é como te dizia, arrancaste-me ao ninho mais do
que uma vez, é verdade, mas uma coisa é certa,
daquele ninho eu havia de sair mais tarde ou mais
cedo.
E Luanda até começou por ser bom.
...
Só que a tabaqueira também não era vida pra ti!
Tar prali a controlar os que por sua vez
controlavam a maquinaria estava a sufocar-te,
nera?
Tadinho!
Precisavas ser livre, não eras homem pra um
emprego das oito às seis...
E também não era ali que estava o futuro!
“O futuro está no mato!
O futuro ta pra norte no café e no gado, mulher!
Aqui nunca te vou poder dar a vida que tu
mereces!”
E que vida é que eu merecia?
Havia melhor?
[30]
Claro que havia!
Chegares cedo a casa, por exemplo, em vez de ires
pró tasco, pró sete e meio e pra lerpa...
Ou pensas que eu não sei que derretias muito
dinheiro?
Um tipo que inda não estava casado nem há sete
meses...
...
“Olha mulher, despedi-me hoje!”
Assim!
A sangue frio!
Sem falares nada comigo antes!
Aliás, foi com tudo assim. Pouco mais de dois anos
e meio em Luanda e mudamos três vezes de casa!
E nem uma eu decidi ou escolhi!
Só as via quando íamos levar a primeira leva de
imbambas, que por sorte eram poucas...
Inda bem que não alcancei naquela altura, senão ia
ser o bom e o bonito!
...
[31]
Tudo bem que a última até era numa zona bem
simpática,
Nada a ver com o casebre lá prá Boavista com as
barrocas pela frente!
Mas mesmo a Rampa do Liceu já estava condenada!
“Inda vais viver em Alvalade!”
Rico Alvalade!
Terceira palhota ao virar da picada logo depois da
pitangueira! Foi o que foi!
...
“Nem tudo foi mau pois não?”
Não...
Não, nem tudo foi mau...
Se queres saber até houve coisas boas.
De algumas até tenho saudades...
Por vezes até tenho saudades da tristeza das
chuvadas e das cacimbadas.
Parecia que a natureza me acompanhava no choro...
...
[32]
Mas é sobretudo dos cheiros que mais tenho
saudades...
Do cheiro da terra molhada e do capim queimado...
Mesmo do peixe seco que eu nem conseguia sequer
comer...
...
Ah, se eu pudesse! Como eu comia agora um safu...
Como aquele amargo doce tem a ver com o estado da
minha alma!
...
Mas aquilo que me ficou como de mais divino,
Mas que nunca to direi, nem torturada,
E pelo qual voltava à Damba,
Já amanhã...
O cheiro do pãozinho acabadinho de cozer de quando
estive grávida!
...
O mais certo é que tivesse sido assim em qualquer
lugar mas nunca o vou saber...
[33]
Jamais serei capaz de roubar esse cheiro àquela
parvónia...
...
Na verdade o meu ódio àquela terra começava
lentamente a conviver em harmonia com a magia com
que ela me estimulava o enraizamento.
Sempre foram mais de sete anos...
...
“Vá, vá, depressa!
Tens vinte minutos pra meter qualquer coisa nossa
e dos miúdos numa mala!
Vamos despacha-te!”
Foi assim!
Sempre à tua velha maneira!
Foi novamente arrancar o dente sem anestesia!
Todo esbaforido, os olhos todos arregalados!
“A coluna sai daqui a bocado, não temos tempo pra
nada!”
Valia a pena fazer perguntas?
[34]
Não, não valia... não eras tipo com respostas,
nunca foste...
Então e aquelas presas que tinhas no arrumo e que
eram pra nossa velhice?
As respostas que não deste, dou-tas eu agora!
Os teus amigos pides piraram-se a tempo plo Zaire
e tanto quanto soube não salvaram só a pele...
Disseram-te alguma coisa? É o dizes!
E tu achaste até mais não, que ias ser um herói e
salvar os cafezais dos teus patrões.
Palerma!
Ás vezes até dás ânsias!
...
Salvaste a pele mas foi preciso em troca sacares
das duas pedrinhas que trazias no tacão das botas.
Como é que eu sei isso tudo?
Ingénuo!
Pensares que no meio daquelas mulheres todas, não
haveria plo menos uma a ficar minha amiga...
E que os maridos das outras não abriam a boca...
[35]
Eras uma boa maneira de desviarem as atenções
deles próprios...
E as duas raparigas que puseste lá em casa?
Foram as minhas primeiras filhas, e as filhas
contam muita coisa às mães, sabias?
...
Aquela imagem...
Ah, aquela imagem...
Parece uma segunda armação de óculos que não
consigo arrancar da cara nem mesmo quando durmo...
Nem quando sonho...
Aquelas duas miúdas de mãos cruzadas à frente da
barriga, cabeças baixas a olhar por cima...
E a parecerem cada vez mais pequenas...
Cada vez mais distantes...
...
E a cadelita a correr atrás do jipe até à
exaustão, adivinhando tudo...
...
[36]
E o que veio a seguir?
Uma hora?
Mil horas?
Apodrece-se numa hora?
Apodrece-se em mil?
Foi isso que me ficou na cabeça...
Gente a monte apodrecendo lentamente... como fruta
esquecida na fruteira.
Pilhas de gente dentro dos veículos da coluna...
Pilhas por aquele aeroporto fora...
Era como as pilhas de cadáveres que vimos ao longo
da estrada só que estes pareciam mais mortos!
...
E tu? Estiveste lá?
Não me lembro de te ter visto!
Aliás não vi ninguém!
Eu estava tão morta quanto os outros...
Uma cópia de mim via-te a ti ou a uma cópia de ti
andando meio frenético de um lado pró outro...
[37]
Fumando, fumando, fumando...
Por vezes desaparecias...
Se calhar tinhas que dar apoio à cópia da viúva...
...
É!
Não vou gozar...
Acho que é mauzinho da minha parte pensar que para
ti não foi pesado também...
Afinal, ao contrário de nós os três, tinhas um
sonho em concretização.
...
“Estive hoje nos patrões e eles gostavam de me
integrar cá!
Têm boas informações da forma como eu dirigia a
chitaca e querem que eu vá pra uma das herdades no
Ribatejo.
É que andam por lá gajos a ocupar aquilo!”
Eh lá! Que se passava!
Tavas doente?
[38]
Uma explicação! Contaste-me?
Não!
Não pode ser, tavas doente, só podia!
Perguntei alguma coisa?
Não!
Aliás como sempre!
Se estivesse decidido já estava.
Nessa altura inda não tinha começado a
ressuscitar...
Mas não tardou!
...
Pela primeira vez senti que não tinha sido
abandonada, fechada num cubículo...
Mas no meio de um caminho...
E eu tinha que achar um destino.
...
Como o fiz?
Ora, disse-te há bocado!
[39]
Aguentar era a minha marca na parede nessa altura!
Aguentar as idas inconsequentes ao IARN...
Aguentar a selvajaria descontrolada nos fardos de
roupa usada, na Cruz Vermelha...
Aguentar que aqueles sacos de serapilheira
bordados a lã, que eu deixava à consignação nas
lojas, não dessem mais que uns míseros escudos...
Aguentar os insultos nos transportes públicos...
Parecia que trazíamos escrito em nós...
Vai pra tua terra retornada ordinária! O teu lugar
é lá no meio dos pretos!
...
Aguentar que até os miúdos fossem hostilizados...
Aguentar sobretudo não ter força para aguentar!
...
Quase que me fui abaixo...
...
Uma semana quase, sem sair da cama...
[40]
Levantava-me pra lhes ir fazer uma sopa e voltava
pra lá...
O miúdo aninhava-se caladito aos meus pés...
...
Como saí desse transe?
Inda tou pra descobrir!
Só sei que, um dia, ouvi um ruído...
Baixinho...
Lá estava ele encostado à ombreira da porta...
Não pode ser! Não posso continuar a deixar que
isto aconteça!
Dei um salto, e...
E, e olha, reinventei-me!
Reinventei-me mas só pra mim e pra eles! Só pra
nós três!
...
Quanto tu te lembravas que tinhas mulher e filhos,
então eu vestia-me da velha Luisa!
Não era preciso grande esforço...
[41]
Bastava pôr uma cara serena e sorridente às
refeições e abrir-te as pernas ao deitar...
Um objecto!
Sim, era sim, aliás, acho que sempre fui...
Mas mais nesta fase em que a idade já estava
estampada por todo o lado...
Um objecto...
“Quê! Não queres, é? Não me digas que tas de
chico! Sorte a minha!”
Traste! Só assim não achatavas a pança em cima de
mim, a olhar pró florão da cabeceira como se
naquele ornato residisse o motivo mais
interessante daquele quarto...
Eu não passava de uma boneca onde vinhas
despejar...
“Agora! Aquilo não passam de dois figuinhos
mirrados pendurados ao pescoço!”
Vinhas poucas vezes, quando vinhas tinha que
aturar as tuas tainadas de cartas e tar práli na
cozinha a fazer coisas pros burgessos dos teus
amigos, e inda gramar com este tipo de
comentários!
[42]
Por aqui se vê o canalha que és!
Ordinário!
Badalhoco!
...
Mas fiz mais do que isto...
Acho que até fiz sempre mais que a minha
obrigação.
Soubeste sempre o que se ia passando com os teus
filhos...
Do que fosse minimamente importante...
E que não te provocasse reacções...
“Violentas?”
Inda perguntas?
Sim, violentas! Sempre violentas!
Todas!
...
Mesmo as que passavam pelo silêncio...
Esse silêncio nada tinha a ver com o silêncio das
tuas ausências...
[43]
Um transportava a acidez que nos corroía numa
tensão latente...
O outro era segregado por uma espécie de glândula
da paz que regulava o nosso bem-estar interior...
...
Pois é...
Foi assim que fui vendo o mundo a mudar,
Lentamente...
Ou a crescer...
Ou a perder a ingenuidade, acho que foi mais
isto...
Hoje acho que a revolução se deu dentro dos olhos!
Só nos meus?
Bem! Sei lá!
Provavelmente!
Nos meus pelo menos deu-se!
Talvez tenha tido muita coisa a ajudar.
Fez-se muito com muito pouco, nessa época. Hoje é
só burguesismos a esvaziar-nos...
[44]
...
Nunca como agora tive dúvidas sobre o carácter das
pessoas...
Não consigo deslindar pureza em ninguém...
...
Meã culpa, meã culpa...
O que se passou comigo também se passou com os
outros, eu sei...
Bem, nem com todos! Tu manténs-te fiel ao que
sempre foste!
“E isso não tinha nada de bom?”
Sim, tens razão, nisso também houve coisas boas.
Nunca faltaste com dinheiro...
A maior parte das vezes não chegava pra nada, era
o que era, mas sempre deste.
Também tinhas pra lá a tua fulaninha, lá pró
Ribatejo, mas pelo menos não fizeste de mim a tua
criada.
Durante anos não te lavei umas cuecas que fosse...
...
[45]
Como é que eu soube dessa mulher?
Ela tinha-te quase sempre mas isso não lhe
chegava. Ela queria sempre!
Então vai daí, que fez?
Escreveu-me uma carta!
Nunca imaginaste não é?
No entanto, uma daquelas coisas habituais nestas
coisas.
Que te amava muito e que tinha a certeza que tu
também a amavas muito e que eu te deixasse livre
pra seres feliz...
Te deixasse livre pra seres feliz?
Livre?
Feliz?
Ao menos ela sabia várias coisas que eu não
sabia...
Se calhar nem tu sabias!
Acho que tu não sabias que não eras livre!
Nem que não eras feliz...
[46]
Sobretudo que não eras feliz...
...
Coitada!
Coitada! É só o que me lembro de ter pensado...
Na volta é mais uma a desperdiçar os melhores anos
da vida, se é que existe uma escala pra avaliar
isso!
Será que já se terá dado conta de quem tu és?
Se calhar deu.
Foi só dar-te uma coisa má e cá tavas tu encafuado
neste pardieiro, atirado pra esse canto...
Manta nos joelhos... Televisão todo o dia a
ladruzir coisas que eu acho que não te dizem
nada...
Que eu acho que não são sequer do teu mundo...
...
“Luísa traz-me água!
Luisa ajeita-me aqui a perna!
[47]
Então tu não vês que não consigo segurar nada
nessa mão! Como é que queres que descasque a
maçã?”
Mas a terapeuta disse que...
“Mas essa gaja sabe alguma coisa disto?
Esses chulos só servem pra nos sugar o djimbo!”
E eu também não passava de uma burra, não era?
Que acreditava nas baboseiras que essa malta
dizia?
“Devias era ficar como eu pra saberes o que custa!
Diaba!”
...
Sacana!
Como és sacana!
...
Que sabia eu de ter um espírito forte? De se ser
esforçado?
Que é isso de ser preciso lutar? Que sabia eu o
que era isso? Lutar!
Pois...
[48]
Não sabia nada...
Pois, é verdade, já me esquecia, tu acabas-te por
me dar a vida que eu merecia! Fizeste de mim uma
princesa!
Pois, o resto foi ficção!
Continua da escola preparatória, foi ficção!
Pois, já sei... podia ter arranjado melhor!
Isso não era ficção, pois não?
Uma mulher a chegar aos quarenta, que não tinha
concluído o liceu, que nunca tinha trabalhado...
...
Se ao menos me tivesses deixado aceitar a ajuda do
meu pai, enquanto a fábrica deu!
Mas puseste-te com a porcaria de um orgulho
estúpido!
Sim estúpido!
Perfeitamente estúpido!
Não estás habituado a que te fale assim, né?
[49]
Então, e vais-me dizer que não foi estúpido também
não deixares que eles pagassem a pós-graduação ao
Rafael?
Se a oportunidade tivesse surgido à miúda, de
certeza que Estrasburgo já não ia ser nem muito
longe, nem muito caro. Aí até te ias desunhar pra
arranjar o dinheiro...
Nunca saberemos até que ponto lhe cortas-te as
pernas...
...
Mas tudo correu bem!
Tu podes nunca reconhecer, e nunca vais mesmo
reconhecer, mas eu levei o barco a bom porto!
Se eles são gente hoje, fui eu.
Fui eu e foram essas coisas!
Foram as lições de piano, foram os lavores até
altas horas da noite e foi esse trabalho na
escola!
Se não fosse ele não tinha hoje uma reforma,
Que tu, nada!
Nadinha mesmo!
[50]
E nada de jeito me vais deixar!
Se é que eu te sobrevivo...
...
Por falar nisso, no outro dia sonhei que tinha ido
a um funeral.
Tavamos lá todos...
A tua filha agarrada a mim, toda de negro, num
pranto que metia dó...
O Rafael, de mão dada com a Carla, muito sério,
olhava pra longe...
Parecia que não estava lá...
E tu ali no caixão...
Sim! No meu sonho eras tu quem tinha morrido!
...
Estranhamente pareceste-me bonito como quando eras
novo.
Como quando na Damba saías do jeep com a tua
balalaica, os teus calções de explorador e as
botas de lona da tropa!
Como eras bonito antes de te deixares desleixar...
[51]
...
Não faltava nada no meu sonho...
Foi o sonho mais real que me lembro de ter.
Raramente me lembro dum sonho e deste lembro-me
como se tudo se tivesse passado realmente.
Com as pessoas no fim a virem-me dar as
condolências, todas pesarosas...
Lamento muito! Era um bom homem o seu marido!
Nem num sonho a ironia que a minha vida tem sido
me largou.
...
Depois, um bocado retiradas do magote de gente, lá
estavam duas mulheres, que nunca se abeiraram...
E dois rapazes já espigadotes...
Uma delas, podia jurar que era a viúva do
merceeiro!
Bastante velhota já!
Muito acabada mesmo!
...
[52]
Céus!
Como eu detesto estas merdas!
Estes rituais!
Como é que se sonha como uma coisa que se odeia?
Acho que quanto mais se aproximam certas coisas na
nossa vida mais ela nos prepara pra essas
coisas...
Como eu gostava de morrer num kimbo e ter uma
batucada durante três dias!
Ah, como eu gostava de acabar a vida com uma
grande festa!
Será que chegaste a perceber que esse é que era o
grande futuro que o mato nos podia trazer?
Essa é que podia muito bem vir a ser a ultima
marca...
...
Às vezes venho aqui pra janela só pra olhar pro
vazio...
Mesmo que, com carros a passar...
E com corpos de pessoas.
[53]
Por vezes deixo-o assim, vazio...
Ao vazio...
Deixo-o vazio!
...
Como nunca consigo segurar o pensamento, lá vou
vagueando, mas sem o perturbar...
Mas a maior parte das vezes não aguento e aterro
lá em baixo, assim, tipo pai natal, de saco
carregadinho de vidas pra distribuir.
Encher os corpos de pessoas pra que fiquem mesmo
pessoas.
E como são boas as vidas que eu distribuo!
Como são felizes!
Não há doentes ou desempregados. Não há criminosos
ou traidores ou aproveitadores!
Como são românticos os casalinhos!
Como eles as amam e as cortejam, lhes dão atenção
e as cobrem de importância!
Como são amáveis uns com os outros os velhinhos
nos autocarros!
[54]
...
Por vezes fico ali até os olhos se começarem a
render ao sono.
Outras sento-me também a ver televisão...
Só que agora já não me rala que não gostes do que
ponho!
Toda a vida tive que aturar a tua tirania do
comando!
...
A televisão é outra maneira de mergulhar em vidas
emprestadas...
Os livros também são, embora, fique sempre com a
sensação inversa,
É como se comesse ostras...
As folhas são a concha donde sugo avidamente as
personagens.
E para cada uma que eu digiro parece que alguém
deixa de existir lá em baixo...
Assim como uma bola de sabão a rebentar...
...
[55]
Inda bem que nós não servimos para personagens de
um livro...
Já viste a quantidade de vezes que alguém nos
inalava que nem uma droga...
Com um efeito alucinógeno a bater nefastamente nas
paredes dos crânios dos leitores...
Sim! Não estás a pensar que um escritor nos ia
descrever assim como somos, pois não?
É que nem pra drogas prestamos!
Nem tu és suficientemente bera nem eu
suficientemente infeliz para darmos numa boa
história.
Não agora que já não vivo no terror...
Como é que agora o escritor ia conseguir
transcrever-me apavorada, com o medo, qual sombra
chinesa, reflectido nas íris...
Não agora que o chicote já não está pendurado com
duas voltas no cabide do longo corredor da
Damba...
Não agora que as tuas ameaças não ecoam mais nos
meus ouvidos...
[56]
“Havia de ser comigo. Aquele Arnaldo é de bom
tempo. A mulher arma-lhe uma maca do caraças e o
molenga fica de mãos nos bolsos! Havia de ser
comigo, havia!”
Como? O que disseste? Não ouvi! Vês? Agora não
ouço!
Menos ouço quando sei que tu também tens cagufa...
Não me conheces e isso dá-te medo...
Não me parece que o escritor inspirasse o seu
herói num frouxo!
...
Algumas vezes ainda me sento ao piano com o meu
Strauss e fantasio valsando naqueles vestidos
compridos naqueles salões maravilhosos...
É um desperdício sonharmos acordados com coisas
que não sejam bonitas!
Depois de crescidos há muito poucas coisas que nos
façam regressar ao universo das histórias
infantis...
...
Faz tempo que deixaste de ir também pra cama.
[57]
Em boa hora o fizeste.
Já não tenho a energia de outros tempos e começava
a custar-me bastante mudar-te.
Mas sabes, nunca, mas mesmo nunca, me vou embora
sem antes te aconchegar a manta...
Porque o faço?
Não, não confundas, não é isso!
Há muito que qualquer tipo de sentimento deixou de
poder ser justificação.
Só que não sou mulher de rancores!
Sabes, eu não condeno ninguém...
Não tenho esse poder...
Ninguém tem!
...
Mas se tivesse?
Se tivesse?
...
Ora, se tivesse condenava-te!
...
[58]
Condenava-te sim...
...
Enquanto eu existisse...
Ou até o vazio lá de fora me invadir a cabeça...
...
Ia ser essa a tua perpétua...
Ficares aí sentado, preso a essa poltrona...
E...
...
E a teres que me ouvir tudo...
...
Chamar-te pulha e patife e todos os insultos que
me saltassem à boca...
Todas as vezes que o fel e a raiva me subissem à
língua...
...
Condenava-te a teres que ouvir tudo, tudo, tudo...
Tudo aquilo que inda me sangra no peito!
[59]
OUTROS TÍTULOS DO AUTOR
Salpicos da Memória – 2010
Por Uma Nesga – 2011
Poemas Turbações – 2012