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UMA NOVA ESPACIALIDADE: AS INTER-RELAÇÕES ENTRE CONCRETO E VIRTUAL. NOVOS MODOS DE SER E ESTAR Clarissa Ribeiro (1); Profa. Dra. Anja Pratschke (2); (1) Nomads.USP [Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, Universidade de São Paulo], [email protected] (2) Nomads.USP [Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, Universidade de São Paulo], [email protected] RESUMO O presente trabalho coloca a necessidade de investigar como o design de habitações pode ser ampliado para que corresponda à complexidade intrínseca aos novos modos de ser e estar inerentes à sociedade pós-industrial do século XXI. Dentro desse contexto, numa atmosfera em que as tecnologias digitais de informação e comunicação [TICs], estão cada vez mais, intrinsecamente vinculadas à existência humana, procura-se entender as inter-relações entre concreto e virtual na configuração de uma nova espacialidade. Apresentamos uma reflexão a partir de alguns projetos de habitação contemporâneos selecionados - protótipos e experimentos que retomam questões advindas do universo conceitual da virtualidade - cujo design e/ ou a concepção são indissociáveis de ambientes virtuais, sendo esses projetos pensados como espacialidades materializáveis ou não. A intenção é investigar possíveis configurações para essa nova espacialidade nascida do diálogo concreto-virtual efetuado através do homem, quais suas principais características e relações com novos modos de ser e estar. Investigar como as possibilidades espaciais dos ambientes virtuais e concretos vêm nutrindo-se mutuamente e as formas do diálogo entre concreto e virtual. Palavras-chave: Habitação; Modos de vida; inter-relações concreto virtual. 1. INTRODUÇÃO ...“a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as mensagens entre os homens e as máquinas, entre as máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante.” [WIENER, 1954] A industrialização da cultura Ocidental, que começou a mais de dois séculos com a introdução do motor a vapor e continua até hoje, trouxe a máquina e seus desdobramentos à praticamente todos os aspectos da existência moderna: como vivemos e trabalhamos, como nos divertimos e comunicamos. A presença da máquina dramaticamente mudou a organização social, tecnológica e cultural, trazendo inovações crescentemente dinâmicas em comunicação, transporte, habitação, consumo, entretenimento e produção. Nesses dois séculos de industrialização, as máquinas passaram dos primeiros autômatos que funcionavam em base estritamente de mecanismos de relógio a máquinas automáticas com receptores para mensagens que venham do exterior. I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL X ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 18-21 julho 2004, São Paulo. ISBN 85-89478-08-4.

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UMA NOVA ESPACIALIDADE: AS INTER-RELAÇÕES ENTRE CONCRETO E VIRTUAL. NOVOS MODOS DE SER E ESTAR

Clarissa Ribeiro (1); Profa. Dra. Anja Pratschke (2); (1) Nomads.USP [Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, Universidade de São Paulo],

[email protected] (2) Nomads.USP [Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida, Universidade de São Paulo],

[email protected]

RESUMO O presente trabalho coloca a necessidade de investigar como o design de habitações pode ser ampliado para que corresponda à complexidade intrínseca aos novos modos de ser e estar inerentes à sociedade pós-industrial do século XXI. Dentro desse contexto, numa atmosfera em que as tecnologias digitais de informação e comunicação [TICs], estão cada vez mais, intrinsecamente vinculadas à existência humana, procura-se entender as inter-relações entre concreto e virtual na configuração de uma nova espacialidade. Apresentamos uma reflexão a partir de alguns projetos de habitação contemporâneos selecionados - protótipos e experimentos que retomam questões advindas do universo conceitual da virtualidade - cujo design e/ ou a concepção são indissociáveis de ambientes virtuais, sendo esses projetos pensados como espacialidades materializáveis ou não. A intenção é investigar possíveis configurações para essa nova espacialidade nascida do diálogo concreto-virtual efetuado através do homem, quais suas principais características e relações com novos modos de ser e estar. Investigar como as possibilidades espaciais dos ambientes virtuais e concretos vêm nutrindo-se mutuamente e as formas do diálogo entre concreto e virtual.

Palavras-chave: Habitação; Modos de vida; inter-relações concreto virtual.

1. INTRODUÇÃO ...“a sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e das facilidades de comunicação de que disponha; e de que, no futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as mensagens entre os homens e as máquinas, entre as máquinas e o homem, e entre a máquina e a máquina, estão destinadas a desempenhar papel cada vez mais importante.”

[WIENER, 1954]

A industrialização da cultura Ocidental, que começou a mais de dois séculos com a introdução do motor a vapor e continua até hoje, trouxe a máquina e seus desdobramentos à praticamente todos os aspectos da existência moderna: como vivemos e trabalhamos, como nos divertimos e comunicamos. A presença da máquina dramaticamente mudou a organização social, tecnológica e cultural, trazendo inovações crescentemente dinâmicas em comunicação, transporte, habitação, consumo, entretenimento e produção.

Nesses dois séculos de industrialização, as máquinas passaram dos primeiros autômatos que funcionavam em base estritamente de mecanismos de relógio a máquinas automáticas com receptores para mensagens que venham do exterior.

I CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANA DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVELX ENCONTRO NACIONAL DE TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO 18-21 julho 2004, São Paulo. ISBN 85-89478-08-4.

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[01]ENIAC. Disponível em http://www.abacohp.hpg.ig.com.br/shistdocomp.html

“Em meados dos anos 1940, quando surgiram os primeiros computadores, era francamente impossível prever quais seriam seus usos futuros. Apenas cinco décadas mais tarde, o computador deixou de ser a máquina destinada unicamente a resolver cálculos para tornar-se, inclusive, um meio de comunicação poderoso, possibilitando interação, imersão, e, a partir das suas capacidades, gerar reflexões sobre o papel do corpo, sobre a questão da presença, e sobre a própria definição de espaço”.[PRATSCHKE, 2002]

Nesse contexto, a máquina - o computador - como suporte de mensagens potenciais, já se integrou e quase se dissolveu no ciberespaço [LÉVY, 1996]. Com o advento da internet - a extensão do ciberespaço - o mundo rapidamente torna-se um mercado global interconectado, um único campo vastamente diversificado e distribuído de conhecimento compartilhado. O mercado consumidor testemunha a mudança de um modelo industrial de produção em um modelo pós-industrial onde informação e conhecimento, ao invés de trabalho e recursos geográficos, tornaram-se artigos primários.

“Durante muito tempo polarizada pela “máquina”, balcanizada até recentemente pelos programas, a informática contemporânea - soft e hardware – desconstrói o computador para dar lugar a um espaço de comunicação navegável e transparente centrado nos fluxos de informação.” [LÉVY, 1996]

Esta realidade fabricada que cerca e define o contexto em que operamos, é simultaneamente fascinante e perturbadora. A Internet expandiu a disponibilidade de informação em termos antes impensáveis. Mensagens se movem através de bancos invisíveis de dados; ondas de som, micro-ondas, e ondas de rádio estão em toda parte e em parte alguma; os objetos conectam-nos, transportam-nos, e nos definem, ainda que raramente tenhamos qualquer noção sobre como um objeto é feito, de onde veio, de quem (ou o que) o projetou, e por quê ele existe. Tornou-se difícil imaginar o mundo sem as estruturas econômico-tecnológicas que apóiam nossa existência. Tentamos, entretanto, desesperadamente, expressar identidade dentro deste meio social hiper complexo, ter um sentido de lugar, localizar e definir qualidades individuais e características nessa rede que para nós é ao mesmo tempo específica e estranhamente global.

O telefone celular nos conecta uns aos outros, ainda que estejamos desconectados dos seus mecanismos de funcionamento: nós não temos grande compreensão sobre como ou por quê opera, mas sabemos que ele nos permite comunicar sempre que, e de onde desejamos. A tendência, por estar fisicamente ligada a nossa existência, é de que a tecnologia se torne cada vez mais customizada em contraponto à generalização na teia global. A necessidade de afirmação da individualidade é fundamental à existência humana, e influencia a configuração das espacialidades públicas e ambientes privados.

“...o ambiente participa do processo da elaboração da consciência que o Homem tem de si mesmo; interage com ele, alterando a realidade, influindo decisivamente na construção de sua visão de mundo. O Homem usa o espaço como forma de linguagem e o manipula num constante processo de construção de sua identidade. Construindo um espaço, constrói também um sistema de significados e valores deste espaço.” [DUARTE, 2000]

Essa necessidade perpassa todos os aspectos de nossa vida: onde vivemos, com quem vivemos, que produtos compramos, que tipo de trabalho fazemos, o que comemos, como nos divertimos. Por essa ótica, a moradia possivelmente será explorada em relação à emergência de tecnologias como oportunidades de expressão, de afirmação da identidade.

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Os padrões atuais de construção de habitações são incapazes de satisfazer um ambiente social diversificado e encorajar a expressão da identidade.

Por muito tempo o urbanismo seguiu um caminho que não tinha mais sincronia com cultura, tecnologia e ambientel. Alavancada pelas colocações do Movimento Moderno em arquitetura e impulsionada pela súbita necessidade de se construir em tempo recorde um grande número de habitações, como conseqüência da guerra [Segunda Grande Guerra, 1939-1945], mas também, “do aumento importante de população nos centros urbanos após o final do conflito” [TRAMONTANO, 1998], a tendência à homogeneização, universalização das soluções, sobrepôs uma arquitetura monótona, pasteurizada, à natureza (ambiental, social, cultural...) característica de cada lugar.

[02] Levittown. Disponível em <http://tigger.uic.edu/~pbhales/Levittown.html>

É exigência para viabilizar melhores comunidades e habitações, criar novas ferramentas e sistemas de construção compassados com as complexidades da vida humana intrinsecamente ligada às Tecnologias digitais de Informação e Comunicação (TICs) do século XXI.

Nesse universo, apresenta-se uma oportunidade: projetar e implementar uma estrutura arquitetônica direcionada por computador capaz de dar suporte e facilitar o alcance de necessidades mais complexas. Em outras palavras, ferramentas de projeto auxiliadas por computador, se utilizadas adequadamente, podem revolucionar a configuração de habitações e do meio, e por extensão, as comunidades.

Ainda, onde e o que vivemos, em grande parte, determina como vivemos. Neste sentido, a unidade básica de moradia, se nos referimos a uma família mononuclear numa cidade do interior, um homem morando só num flat na metrópole ou um casal sem filhos numa kitnet numa área urbana de alta densidade, representam distintos relacionamentos entre os indivíduos e inovações culturais na arte, a tecnologia, estilo de vida e o mercado consumidor. Geralmente, nosso relacionamento com produtos de consumo, incluindo a casa, é ambíguo. A desarticulação entre produtores – no caso construtores - e consumidores, cria uma sensação de disjunção que não apenas confunde, mas extingue a possibilidade de uma arquitetura adequada às necessidades latentes. Como recurso, as pessoas vêem a “customização” como uma maneira de personalizar objetos e espaço: uma tentativa de localizar e tornar a especificidade inerente a objetos não-específicos, de personalizar. No entanto, essas tentativas de customização passam freqüentemente pelo uso de cosméticos e outras superficialidades que conferem algum tipo de distinção, como reformas que se limitam à pintura das paredes ou rebaixamento do teto em gesso. Raramente apontam no sentido de novas possibilidades de uso ou adaptação às necessidades específicas dos moradores.

O presente trabalho coloca a necessidade de investigar como o design de habitações pode ser ampliado para que corresponda à complexidade patente aos novos modos de ser e estar inerentes à sociedade pós-industrial do século XXI. Dentro desse contexto, numa atmosfera em que as [TICs] estão, cada vez mais, intrinsecamente vinculadas à existência humana, coloca-se a necessidade de investigar ainda, o espaço concreto e suas relações com o virtual. Frente à proposta de entender as inter-relações entre concreto e virtual na configuração de uma nova espacialidade, apresentamos uma reflexão a partir de alguns projetos de habitação contemporâneos selecionados - protótipos e experimentos que retomam questões advindas do universo conceitual da virtualidade - cujo design e/ou a concepção são indissociáveis de ambientes virtuais, sendo esses projetos pensados como espacialidades materializáveis ou não. A intenção é investigar possíveis configurações para essa nova espacialidade nascida do diálogo concreto-virtual efetuado através do homem, quais suas principais características e relações com novos modos de ser e estar. Investigar como as possibilidades espaciais dos ambientes virtuais e concretos vêm nutrindo-se mutuamente e as formas do diálogo entre concreto e virtual.

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2. NOVOS MODOS DE SER E ESTAR: NOVAS NECESSIDADES ESPACIAIS “A multiplicação contemporânea dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo: em vez de seguirmos linhas de errância e de migração dentro de uma extensão dada, saltamos de uma rede, de um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços se metamorfoseiam e se bifurcam a nossos pés, forçando-nos à heterogênese.” [LEVY, 1996]

A convergência de forças de ordem tecnológica, econômica, política, científica e cultural relacionadas às TICs, alteram os modos de ser e estar dos indivíduos, na medida em que abrem um leque enorme de novas possibilidades ao ser e estar, e apontam para a necessidade de uma mudança dramática nos lugares de viver cada vez mais permeados por mídias digitais.

A mudança pode ser observada a partir de alterações nos modos do dormir, fazer sexo, preparar alimentos, comer, receber, divertir-se, exercitar-se, lavar-se ou trabalhar, por exemplo. No entanto, a profundidade da alteração é muito maior e mais difícil de perceber pela sutileza com que permeia todas as instancias da percepção humana do ambiente e as relações que se configuram a partir da percepção.

“A crise da noção de dimensão, portanto, surge claramente como crise do inteiro, a crise de um espaço substancial (contínuo e homogêneo) herdeiro da geometria arcaica, em benefício da relatividade de um espaço acidental (descontínuo e heterogêneo)”.

[VIRILIO, 1993]

O fato de a existência estar cada vez mais indissociável das TICs, em todas as suas instâncias, modifica as noções espaço-temporais. A mudança não se dá simplesmente pela interação com novas máquinas propriamente ditas, mas sim, pela interação com novos media viabilizada por essas máquinas.

“O próprio desenvolvimento dos veículos e dos diversos vetores de progressão produz uma imperceptível contração telúrica do mundo e de nosso meio ambiente imediato. A imperceptível parada do tempo na interseção das linhas de fuga da perspectiva cede agora lugar a uma interrupção do mundo, ou seja, uma imperceptível retenção de sua extensão e de sua diversidade regional. Se a vertigem do espaço real era causada pela visão – a queda-à-vista – das verticais em fuga, perspectiva acelerada pela antecipação de uma queda no vácuo, atualmente, para o “voyeur-viajante” ultra-rápido e sobretudo para o telespectador, a vertigem do tempo real é causada pela inércia, pela contração local do corpo do espectador-passageiro. A velocidade do novo meio eletro-ótico e acústico torna-se o último vácuo (o vácuo do veloz), um “vácuo”que não mais depende do intervalo entre os lugares, as coisas, e portanto da própria extensão do mundo, mas antes da interface de uma transmissão instantânea das aparências distantes, de uma retenção geográfica e geométrica em que desaparece todo volume e todo relevo”. [VIRILIO, 1993]”.

Quando as relações do indivíduo com o meio, físicas e mentais, se alteram, essa mudança se reflete no espaço que ele cria para habitar, altera a casa em primeira instância e a relação desta com o ambiente, altera-se a forma do diálogo entre público e privado, interior e exterior, a relação entre casa e cidade e ainda as relações entre parte e todo na constituição dessa habitação. Dessa forma, virtual e concreto se alimentam mutuamente através do indivíduo num processo contínuo de reconfiguração do espaço e do próprio indivíduo.

“Como o sedentário contemporâneo da grande metrópole, a contração imóvel não atinge somente a área de deslocamento de atividade produtora, como ontem ocorria com a burguesia urbana, ela atinge em primeiro lugar o corpo deste homem válido superequipado com próteses interativas, cujo modelo passou a ser o inválido equipado para controlar seu meio ambiente sem se deslocar fisicamente”.[VIRILIO, 1993].

O indivíduo se transforma, a arquitetura enquanto meio de interferência no ambiente para a reconfiguração do espaço por indivíduos de acordo com necessidades latentes, conseqüentemente, se transforma. E essa transformação vai além da reconfiguração dos espaços a partir de alterações no número de moradores ou no fato de serem casais hetero ou homossexuais, negros ou brancos, japoneses ou brasileiros. A forma expressa, então, novos valores, novas verdades, medidas, realidades.

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“O espaço construído não o é exclusivamente pelo efeito material e concreto das estruturas construídas, da permanência de elemento e marcas arquiteturais ou urbanísticas, mas igualmente pela súbita proliferação a incessante profusão de efeitos especiais que afetam a consciência do tempo e das distâncias, assim como a percepção do meio”. [VIRILIO, 1993].

2.1 Concreto<>homem<>virtual O fato de estar o homem no centro do diálogo entre concreto e virtual, e ser assim, meio, media nesse diálogo, faz com que seja o veículo de toda espécie de alterações em si, no concreto e no virtual.

O homem gera o virtual a partir do concreto; o virtual dialoga com o concreto através do homem; o contato homem/natureza do virtual altera o concreto.

Estamos diante de um universo virtual que sem sombra de dúvidas, exerce cada vez com mais força, poder e sutileza, influência sobre o homem, sua percepção e relações em todas as esferas.

Qual a natureza do virtual? O que dessa natureza tem influenciado, modificado, nossas noções espaço-temporais, nossos modos de ser e estar, ou a vontade/necessidade de ser e estar de outras maneiras? …”our symbolic environment is, by and large, structured by this flexible, inclusive hypertext, in which we surf every day. The virtuality of this text is in fact a fundamental dimension of our reality, the symbols and icons from which we think, thus we exist.”1

[CASTELLS, 1999].

Desde que engenheiros como Douglas Engelbart, no começo dos anos sessenta, começaram a desenvolver pesquisas na direção de uma informática da comunicação, do trabalho cooperativo e da interação amigável, o computador, enquanto uma máquina concreta foi, diante de nossos olhos, sendo substituído por um gerenciamento complexo e instável de vários circuitos interligados, soft e hardwares, interfaces.

“Na medida em que cada conexão suplementar, cada nova camada de programa transforma o funcionamento e o significado do conjunto, o computador emprega a estrutura de um hipertexto...” [LÉVY, 1999].

Assim, considerando que o virtual é hipertextual, o hipertexto é, em última instância, essa natureza com a qual dialogamos na interação com o virtual. Pierre Lévy em “As tecnologias da Inteligência” [LÉVY, 1999], coloca que a estrutura do hipertexto não dá conta somente da comunicação, que os processos sociotécnicos, sobretudo, também têm uma forma hipertextual. Chama hipertexto, mundos de significação construídos e remodelados por atores da comunicação ou elementos de uma mensagem e propõe caracterizá-lo através de seis princípios básicos: Princípio de metamorfose, princípio de Heterogeneidade, princípio de multiplicidade e de encaixe das escalas, princípio de exterioridade,

principio da topologia, princípio de mobilidade dos centros. A partir do contato com a natureza hipertextual, e influenciados por ela, fazemos parte de uma co-produção da realidade sensível em que as percepções diretas ou mediatizadas se confundem para construir uma representação instantânea de espacialidades onde formas cuja persistência estava intrinsecamente arraigada à concretude, dão lugar a imagens cuja duração, a existência, estão vinculadas à da permanência retininiana.

“a representação da cidade contemporânea, portanto, não é mais determinada pelo cerimonial da abertura das portas, o ritual das procissões, dos desfiles, a sucessão de ruas e das avenidas; a arquitetura urbana deve, a partir de agora, relacionar-se com a abertura de um “espaço-tempo tecnológico”. O protocolo de acesso da telemática sucede o do portão. Aos tambores das portas sucedem-se os dos bancos de dados, tambores que marcam os ritos de passagem de uma cultura técnica que avança mascarada, mascarada pela imaterialidade de seus componentes, de suas redes,

1

Tradução livre da autora: “Nosso meio ambiente simbólico é, de maneira geral, estruturado por esse flexível, inclusivo hipertexto, no qual surfamos diariamente. A virtualidade desse texto é factualmente uma dimensão fundamental de nossa realidade, os símbolos e ícones a partir dos quais pensamos, e, portanto existimos”.

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vias e redes diversas cujas tramas não mais se inscrevem no espaço de um tecido construído, mas nas seqüências de uma planificação imperceptível do tempo na qual a interface homem/máquina toma o lugar das fachadas do imóveis, das superfícies dos loteamentos...” [VIRILIO, 1993]

3. NOVAS ESPACIALIDADES: INTERRELAÇÕES ENTRE CONCRETO E VIRTUAL

A partir do momento que as máquinas, através das interfaces de manipulação das mesmas, ofereceram possibilidade de diálogo - passaram a ser capazes de fornecer feedback correspondente a ações dos usuários - elas passaram a suportar meios [medias] viabilizadoras de uma amplificação e uma revolução nas possibilidades, formas e dimensões do diálogo entre os homens, entre eles e o meio, entre eles e as próprias máquinas interferindo profundamente no relacionamento homem/espaço/tempo.

As interfaces atuais e, todos os seus futuros possíveis desdobramentos, são medias capazes de suportar o diálogo em todas as esferas, homem/homem/, homem/media [máquina], casa [do homem] / ambiente [comunidade], concreto/virtual.

Os projetos aqui apresentados – todos em caráter de experimento ou protótipo - mostram como a presença, ou possibilidade de presença desse objeto/meio de ampliação do diálogo em todas as esferas [interfaces] e a natureza do virtual com que o homem tem contato através delas, inauguram novas dimensões do ser e estar dentro e fora da casa, novas formas de configurações espaciais das casas e dos conjuntos de casas correspondentes às novas possibilidades de ser e estar e das novas dimensões espaço temporais inauguradas a partir desse outro diálogo.

Cada um desses projetos selecionados, que integram a seleção Archilab's Futurehouse: Radical Experiments in Living Space [BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice., 2002.] foi concebido como expressão estrutural, social, espacial, de um novo paradigma cultural enraizado na produção industrial. Em geral, essas casas foram projetadas por arquitetos de vanguarda, os quais compartilham uma visão comum de chegar a alguma solução espacial e funcional que expresse esse paradigma, que soem atuais. Ou seja, buscam soluções arquitetônicas afinadas com os contemporâneos sistemas de produção econômica, estética e tecnológica. 3.1 Personal Billboard an urban peep show

[03] Personal Billboard An Urban Peep Show Didier Fiuza Faustino. MIGAYROU, Frederic; BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice.(Ed.). Archilab: Radical Experiments

in Global Architecture. Londres: Thames & Hudson, 2001. 528p. Esta é uma habitação composta com uma gigante tela [interface] que apresenta seqüências de vídeos dos seus ocupantes. Essa interface de diálogo opera a partir de frameworks que relacionam uma mistura de exibicionismo e voyerismo. Concebida como uma extensão da esfera pessoal, essa interface oferece ao morador a possibilidade de projetar sua figura no set urbano, misturando-se com ele e tornando-se parte da paisagem. Explora os limites da habitação, oferecendo alternativas ao diálogo público/privado, interior/exterior e sinaliza uma reflexão sobre as relações concreto/virtual mediadas pelo homem e seus efeitos na configuração de espacialidades para habitar.

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3.2 The Moebius House study

[04] The Moebius House Study

Stephen Perrella e Rebecca Carpender IMAGES AUSTRÁLIA Pty Ltd. Cyberspace, The World of Digital Architecture. Austrália: Images, 2001.

208 p.

A Moebius House Study de Stephen Perrella e Rebecca Carpender, é uma investigação da domesticidade contemporânea. Aqui, a infiltração das novas mídias no espaço doméstico, combinada com as dinâmicas de conectividade, da tele-presença e da internet, dialogam transformando forma, função e todas as relações entre morador/casa, casa/ambiente, morador/ambiente.

Esses estudos apontam na direção de criar alternativas para uma habitação pós-cartesiana onde, a casa é uma membrana transversal que reconfigura noções binárias de interior/exterior num contínuo invólucro mediano, uma hipersuperfície (hypersurface). O que demonstra claramente a impregnação de todo o processo que permeia a construção das espacialidades pela natureza hipertextual, em última análise. 3.3 Digital House

[05] Digital House

Hariri e Hariri IMAGES AUSTRÁLIA Pty Ltd. Cyberspace, The World of Digital Architecture. Austrália: Images, 2001. 208p.

Esse projeto explora a natureza do espaço doméstico examinando a estrutura familiar, nossas mudanças de hábitos, a instituição do casamento, filhos, casais sem vínculos matrimoniais, comunicação, informação e tecnologia, trabalho, lazer, vida pública e privada, e a concepção do corpo, saúde e higiene. Mostra a preocupação em adequar o espaço doméstico à rápida evolução dos modos de vida. É na verdade um protótipo que tem a finalidade de experimentar possibilidades de configuração do ambiente doméstico a partir da inserção de interfaces digitais, capazes de viabilizar uma nova dimensão do diálogo dos ocupantes com o exterior, dos diversos moradores entre si, e deles, através da interface-casa, com o exterior. A casa é organizada em torno de uma “espinha dorsal” digital, ativada através do toque, que tem uma estrutura de aço e um fechamento de vidro feito de uma matriz ativa de cristal líquido [Active Matrix Liquid Crystal Displays – AMLCDs] – tida por muitos como o “bloco construtivo” do novo milênio. AMLCDs combina microeletrônicos e materiais tecnológicos amorfos que constroem transparência.

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3.4 H-Ouse

[06 ] H-Ouse

Ma0/emmeazero BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice. (Ed.). Archilab's Futurehouse: Radical Experiments in Living

Space. Londres: Thames & Hudson, 2002. 256p.

H-Ouse é um projeto experimental que apresenta uma interpretação arquitetônica do fenômeno de globalização e das novas condições de espaço e tempo: o local e o global, o poluído e o sustentável, o perto e o longe, o material e o imaterial, abordando o fenômeno da desterritorialização. Um dos maiores temas abrangidos pelo grupo maO, nesses projetos, é a sustentabilidade. A casa é proposta como um lugar de articulação entre o local e o global, flexível, capaz de se atualizar frente a mudanças, e estar ciente das necessidades variantes dos moradores, onde habitar, habitat, identidade e cultura se tornam esferas escalonadas Tentando casar ecologia-flexibilidade-virtualidade propõe a superfície entre casa e ambiente como uma interface digital flexível, viabilizadora de todo tipo de trocas, projetada como uma imensa mídia, acomodando informação fluída. Todas as superfícies são fundidas em uma superfície continua, uma membrana tipo útero capaz de se conformar em acordo com as necessidades dos ocupantes. O que reflete uma tentativa de tornar o ambiente doméstico diretamente passível e personalização. O uso da superfície como interface de diálogo, e a preocupação com a flexibilização do espaço e das funções que este suporta reflete ainda, claramente, uma tendência à absorção de conceitos ligados à natureza do virtual – hipertextual - na construção da espacialidade. No entanto, nessa proposta, a casa convencional ainda aparece como elemento residual: uma caixa técnica contém cozinha, banheiro, toaletes, acessórios multimídia, entre outros. 3.5 Embryo House

[07] Embryo HouseGreg Lynn/ Form

MIGAYROU, Frederic; BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice.(Ed.). Archilab: Radical Experiments in Global Architecture. Londres: Thames & Hudson, 2001. 528p.

Esse é um estudo que envolve produção controlada por computador. Este espaço doméstico é vedado por uma superfície composta por mais 2048 painéis, dos quais cada um é único em forma e tamanho. Estes painéis individuais estão interligados uns aos outros, de modo que uma mudança em um dos painéis pode ser transmitida a todos os outros do conjunto. As variações dessas superfícies são virtualmente infinitas, ainda que em cada variação haja sempre um número constante de painéis com uma relação firmada com os painéis próximos. O volume é definido como uma superfície suave e

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flexível de curvas, e não um conjunto fixo de pontos rígidos. As partes das curvaturas do invólucro são feitas de madeira, polímeros e aço, todos fabricados através de computadores robóticos e de uma máquina cortante a jato de água de alta pressão. O projeto, além de constituir uma alternativa á habitação espacialmente concebida em acordo com a geometria euclidiana, traz a influencia clara do contato com a natureza Hipertextual do virtual, na medida em propõe uma flexibilização da forma ao extremo, tratando a configuração do invólucro casa em termos topológicos. Traz ainda à cena, a questão da possibilidade de inserir a produção da habitação no processo de industrialização, utilizando alta tecnologia. 3.6 Chimerical Housing Mass Customized Housing

[08] Chimerical Housing Mass Customized Housing

Kolatan/ Mac Donald IMAGES AUSTRÁLIA Pty Ltd. Cyberspace, The World of Digital Architecture. Austrália: Images, 2001.

208 p.

Chimerical Housing constituem a porção inicial de um longo projeto que tem seu foco em designs experimentais para casas pré-fabricadas e customizadas para produção em série.

Cinco casas foram selecionadas a partir de uma série de variações desenhadas digitalmente. Todas as variações se originam da mesma “matriz genética”. As informações para essa matriz genética foram geradas a partir de uma casa colonial convencional de três quartos e dois banheiros que serviu como base de planta.

Após uma mistura de operações digitais produziu-se uma grande série de “chimerical housing”.

As casas foram desenhadas para explorar a questão da seriação e de composições orgânicas na arquitetura e foram divididas em três tópicos. Um, relacionado ao processo digital e sua capacidade de variações itinerantes, transformações orgânicas e hibridações. Dois, a questão da viabilidade: Pode um híbrido normatizar tipologias num contexto particular de vida sócio, cultural, econômico, ecológico, geológico e climático? E três, a relação com uma nova geração de materiais e produção de tecnologia digital.

Assim, o estudo envolve a preocupação com a inserção dos processos de projeto e construção da habitação no âmbito da industrialização que envolve tecnologia de ponta intrinsecamente permeada pelas [TICs].

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3.7 Variomatic SM

[09] Variomatic SMKas Oosterhuis

BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice. (Ed.). Archilab's Futurehouse: Radical Experiments in Living Space. Londres: Thames & Hudson, 2002. 256p.

O estudo envolve a inserção de aspectos interativos nos parâmetros de design: um novo conceito para um catálogo de casas, elástico em todos os sentidos: na profundidade, largura e altura. Os clientes definem todas as dimensões da casa, o lugar que a cozinha deveria estar ou o aquecimento solar. Coloca-se a possibilidade de escolher entre diferentes materiais e cores: metal, madeira, junco, ladrilho, numa customização da casa-produto on-line. Os compradores tornam-se co-designers, e é virtualmente impossível se ter duas casa idênticas. A idéia básica é mostrar que o desenvolvimento da paisagem, e da arquitetura como elemento dessa paisagem podem conviver pacificamente e se inserir num universo controlado pelo consumo: é Aposta em um possível e, sobretudo natural, processo de customização da habitação e produção em série.

A casa se localiza no topo da paisagem, literalmente cravada nela, com os modelos Variomatic S (dois andares com teto) e a Variomatic Cabrio (térrea com teto conversível). As formas curvas da casa oferecem uma grande possibilidade no interior a partir do envelope exterior, permitindo uma experiência diferenciada aos moradores. O interior do piso térreo é feito de pedra. Ao redor dele, uma construção primária de aço com uma secundária de madeira finalizam o complexo externo e há placas de reboco no interior. A casa possui aquecedores em todos os cantos do convívio no térreo, e economiza mais energia no inverno. O prédio é durável, flexível e compacto. A geometria elástica da casa está linkada aos dados da superfície, volume e os custos também podem ser calculados. Após ter esculpido sua própria casa, o cliente pode pedir uma maquete ou uma série de desenhos ou simplesmente imprimir o resultado. Toda a flexibilização do processo de customização está ligada ao uso de computadores, de ambientes hipertextuais suporte. 3.8 TurnOn urban. Sushi

[10] TurnOn urban. SushiAllesWirdGut

BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice. (Ed.). Archilab's Futurehouse: Radical Experiments in Living Space. Londres: Thames & Hudson, 2002. 256p.

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Com os contínuos avanços da indústria automobilística, a ficção científica tem se tornado realidade. A questão colocada em discussão pelo presente projeto, é a do descompasso entre os avanços em termos de customização, da arquitetura em relação a indústrias mundialmente consolidadas que utilizam alta-tecnologia. Colocam que através do desenvolvimento de novas tecnologias e o uso de produção pré-fabricada e em série, grandes empresas têm alcançado um alto nível de sofisticação, mas a habitação continua se conformando a partir de padrões desgastados e já a muito, inadequados às necessidades de seus consumidores-moradores. A configuração rígida desses parâmetros restringe a nossa individualidade e, nossas possibilidades de expressão se limitam a paredes brancas e um espaço cartesiano que confina o espírito. A intenção do projeto é propor uma combinação das várias vantagens de ambas as indústrias – habitação e automobilística - criando possibilidades a novos modos de vida: o TurnOn.

Nesse protótipo, o espaço de convívio é reduzido ao máximo: a casa é uma série de módulos giratórios, como uma gigantesca esteira de ramisters. Não há distinção entre parede, chão ou teto: apenas um espaço transitório. Enquanto alguém cozinha, o sofá se torna o teto, a mesa de jantar a parede. O espaço interno se transforma constantemente com infinitas possibilidades de posição no espaço para a realização de cada atividade, mais uma vez, o máximo de flexibilidade. O catálogo AllesWirdGut desenhado para o projeto é baseado num típico catálogo de carros: iniciando com alguns belos croquis, passando algumas informações técnicas e mostrando os diferentes tipos de segmentos, oferecendo um infinito número de diferentes anéis e infinitas possibilidades para os combinar. Ele também inclui amostras de cores e texturas e um formulário de pedido. 3.9 NUC – Nomadic Use Camaleonics

[11] NUC–Nomadic Use Camaleonics

S´A Arquitectos. BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice. (Ed.). Archilab's Futurehouse: Radical Experiments in Living

Space. Londres: Thames & Hudson, 2002. 256p.

NUC é uma casa desenhada para os “nômades”, para aqueles que querem possuir uma casa sem o próprio terreno. Possuir um lar, mas não um lugar fixo, mudando sempre, pertencendo a lugar nenhum e fixando-se em todos os lugares: um espaço com uma vista, em meio a natureza, isolada mas conectada. É essencial que a casa se adapte aos diferentes tipos de vida. Tudo pode ser adaptado e personalizado: roupas e cabelos, comidas crenças, tatuagens e sreen savers. Autotransformação, flexibilidade – tudo é possível. Então porque não com casas? Sant´Ana procura seguir seus desejos gerando um sistema que o permite se integrar a um numero crescente de formas e programas, independente de um lugar e de um contexto físico. Ele projetou uma casa única, pré-fabricada e modular, que pode se repetir girando-a ao redor de um eixo. Um lado plano e um lado redondo, um lado envidraçado e um aberto: cada função desejada acopla e encontra se próprio lugar na casa. A área de convívio abre-se à esquerda e a cozinha a direita. Os espaços de “respiro” abrem-se para o alto. Contrastando-se com o quarto e a sala de jantar, que se abrem para baixo, junto à área de convívio. A garagem situa-se no térreo e o jardim abre-se para o céu, os fundos são preenchidos com terra.

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O principio do desenvolvimento é explorado em cada detalhe: unindo-se extremo com extremo, os módulos produzem espaços extras entre eles, oferecendo novas vistas e permitindo que os raios de luz toquem as superfícies.

O desejo por uma apropriação e adaptação pessoal e original vem relacionar-se com a qualidade dos materiais e a diversidade de texturas. É possível se fazer um download extremamente rico das diferentes superfícies do prédio. Ao mesmo tempo, a “pele digital”, que simula as escalas de um camaleão, é acima de tudo uma referência e uma lembrança da natureza. Significa a integração com o meio ambiente.

Aqui, a influencia duma absorção da natureza hipertextual, torna-se muito clara, permeando conceituação e concepção da espacialidade arquitetônica.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

[12] Changing Places/House_n The MIT Home of the Future Consortium. Disponível em:

<http://architecture.mit.edu/house_n/> A questão é, podemos avaliar essas soluções arquitetônicas como respostas a um cenário realístico, ou constituem simplesmente exageros arquitetônicos, fruto de uma postura não crítica de deslumbramento frente às possibilidades abertas pela inserção ou integração das novas medias à casa, ao espaço construtível? Se aos olhos de muitos, essas propostas parecem alternativas muito descoladas e distantes da realidade, é somente porque a indústria da habitação está anos atrás de outras indústrias no que se refere ao transito em relação à economia da informação. O que vemos comparando a indústria da habitação a outras é que, ao contrário desta, a maioria das principais indústrias compete internacionalmente, fazendo com que, assim, inovações tecnológicas em uma parte do globo, imediatamente se reflitam transversalmente em outras partes. Os materiais, as tecnologias, e novos processos, são adotados mundialmente em questão de meses. Os “espiões” industriais tornaram-se compactos, ágeis, integrados, e digitais – trazem informação em tempo real.

Na indústria da habitação, a competição é primeiramente local, os processos são de trabalho intensivo, e as inovações levam anos para alcançarem o mundo todo e se adequarem a demandas e especificidades locais. A situação é dramática, alertando para a necessidade de uma profunda reflexão no setor: Há mais tecnologia de ponta em um boneco vendido em qualquer loja de brinquedos por cem, duzentos Reais, do que no corpo da maioria das casas e edifícios construídos atualmente. Sabemos que os telefones celulares, os cd players, DVDs, câmeras digitais que estão a venda a cada ano são certamente mais fáceis de usar, usam tecnologia mais avançada e, são mais baratos que os disponíveis no ano anterior. Isso cria nos consumidores uma expectativa de sempre ter mais por menos, progressivamente, em relação aos produtos e, graças à competição em termos globais entre as indústrias, isso é uma realidade. À exceção de esporádicas experiências de alguns arquitetos em projetos residenciais para clientes ricos e excêntricos, a indústria da habitação tem produzido mundialmente variações do mesmo produto [casa] low-grade, padrão que tem vigorado com mais força nos últimos cinqüenta anos, configurações básicas “adequadas” a qualquer pessoa, em qualquer lugar. Ao contrário do que oferece a maioria das indústrias que trabalham com tecnologia de ponta, a indústria da habitação tem concentrado esforços em vender a seus clientes habitações que oferecem cada vez menos [espaço, conforto, espaço para lazer e contato com a natureza ou o exterior, qualidade em termos de materiais utilizados...] por mais

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[dinheiro]. A cada ano, o mercado imobiliário oferece habitações menores, menos confortáveis e, mais caras. Assim, para conseguir vender esse produto, os “industriais da habitação”, descolam propaganda e marketing do produto real e vendem, não mais, apartamentos, condomínios, vendem estilo de vida e fantasia.

“Speculative homebuilders still market a handful of “one-size-fits-all” commodities on a take-it-or-leave-it basis. Rather than helping to create experiences and pleasure – a stage set to play out one’s life – developers are creating mostly banal boxes.”2 [LARSON, 2000].

Em contrapartida, as grandes companhias, da indústria automobilística à da moda, fazem de carros a roupas, produtos customer-centric, que vendem a idéia do design centrado no usuário e onde excentricidade e prazer são freqüentemente tão importantes quanto a função e as características. A estratégia das indústrias passa pelo cultivo de um relacionamento [sua sugestão, simulação ou intenção de que exista] direto com seus consumidores. A Ford Motor, por exemplo, a partir da consideração de que o Fordismo está ultrapassado, propõe num futuro não muito distante a substituição da produção em série pela fabricação de carros customizados. As companhias não vendem mais apenas mercadorias funcionais, vendem serviços, sistemas, possibilidades de experiência.

No entanto, pontualmente em termos planetários, no que se refere à “indústria da habitação”, novos fatores têm criando riscos para as companhias com uma atuação de caráter especulativo, descolada das novas necessidades dos usuários em relação ao espaço de morar, conexo com as possibilidades apresentadas por uma industria mundialmente consolidada em relação à difusão das [TICs]: a internet, as tecnologias de informação, e a computação, começam a suportar novas alternativas à fabricação de modelos locais de produção de habitações em massa, ou customização em massa; processos locais de projeto e produção tornam-se cada vez mais inviáveis numa situação de economia agitada e constantemente em mudança e oscilação, onde a mão de obra especializada é cada vez mais cara e escassa; companhias que se destacam por qualidade em alta tecnologia e serviços começam a identificar a casa como um excelente mercado em potencial, e estão procurando caminhos para conquistá-lo, freqüentemente no sentido de propor novas alternativas em termos de projeto e tecnologia construtiva; mudanças demográficas fizeram do modelo “família nuclear” – pai, mãe e filhos – em muitos países, sobretudo nos desenvolvidos, aplicável a porcentagens absurdamente menores da população comparando-se a décadas anteriores, num processo gradativo e acelerado de diminuição.

“…demographic changes have made the “Ozzie and Harriet” suburban family stereotype apply to only about 7% of U.S. households, making the old single-template model of housing unworkable for a large segment of the population3.” [LARSON, 2000]

A geração baby boom [nascidos entre 1945 e 1965] em países como os estados Unidos, está exigindo do mercado imobiliário cada vez com mais força, possibilidades crescentes de customização e sofisticação tecnológica nas habitações em relação a gerações anteriores. Seus valores são muito diferentes daqueles de seus pais – filhos do era da depressão – que se adequavam melhor ao modelo de produção de habitações em série.

“Market studies by AARP Research, Roper Starch, and others reveal that boomers are sophisticated consumers who want choice and tailored solutions that closely reflect their values. They are a diverse group who reject the “one size fits all” model. They want homes that can accommodate increasingly complex family activities and work patterns. They want environments that can easily adapt over time as family/financial/health situations change. They want their homes to help them remain productive, connected, healthy and autonomous as they move into retirement. They have ever increasing expectations of the products they buy and want to be assured that they are getting value for their money. They expect full disclosure and immediate information. They want low maintenance materials, systems that can be upgraded without disruption and houses that can readily accept new technologies

2 Tradução da autora: “Construtores especulativos ainda comercializam um punhado de produtos “one-size-fits-all” numa base “take-it-or-leave-it”. Ao invés de ajudarem a criar experiências e prazer – um palco preparado para ser usado à exaustão para viver – incorporadores estão criando geralmente, caixas triviais.” 3 Tradução da autora: “...mudanças demográficas tem feito o estereótipo “Ozzie and Harriet”da família suburbana aplicável a somente 7% dos núcleos domésticos norte americanos, tornando o velho modelo de casa para família mononuclear padrão, impraticável para um grande segmento da população.”

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and services. It is difficult to find even one of these attributes in the generic, mass-market, low-tech offerings of speculative housing.4” [LARSON, 2000]

Muitas das ferramentas do projeto e de construção que compõe o cenário aqui apresentado estão em desenvolvimento. Um exemplo, as ferramentas para a automatização do projeto capazes de ampliar a possibilidades de interação entre arquitetos, construtores e clientes, e, entre arquitetos e projeto durante todo o processo projetual e de implementação. No entanto, por muitos anos, o caráter especulativo em alguns casos, e de limitação no tocante aos recursos financeiros, em outros, na prática profissional da arquitetura, impediu que os arquitetos desempenhassem plenamente papel significativo no projeto da maioria das habitações. Esse quadro tenderia a mudar se os arquitetos começassem a focalizar esforços na tarefa árdua, mas desafiadora, de criar sistemas e estratégias arquitetônicas customizáveis e flexíveis, onde o sucesso pode ser medido de acordo com as possibilidades de criações de situações diferentes, mas coerentes, em acordo com as vontades/necessidades dos usuários e a sustentabilidade em termos ambientais.

Dentre as várias iniciativas nesse sentido, destacasse a do MIT Home of the Future Consortium, que une o Media Laboratory e o Department of Architecture Consortium, enfatizando a necessidade de reconfiguração da casa como espaço multifuncional e flexível [para cuidados com a saúde, trabalho, aprendizado e convivência comunitária.], permeado pelas novas medias.

Vimos que o homem inserido num universo permeado pela presença das interfaces em todas as dimensões do comunicar, do ser e estar, e, através delas em contato com as regras de um ambiente hipertextual, tem a vida – suas atividades – em todas as esferas, econômica, cultural, alteradas.

O que vemos, a partir das experiências aqui apresentadas em arquitetura, são tentativas de responder à essa nova realidade permeada pelas [TICs]. Realidade que vem sendo criada, suportada e, sobretudo, acompanhada, pelas grandes indústrias mundiais; realidade inaugurada a partir da ampliação das possibilidades de diálogo entre homens, entre o homem e as máquinas capazes de feedback, entre o homem e o universo hipertextual através das interfaces, entre concreto e virtual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAYER, Marie-Ange; SIMONOT, Beatrice. (Ed.). Archilab's Futurehouse: Radical Experiments in Living Space. Londres: Thames & Hudson, 2002. 256p.

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LARSON, Kent.Series:The Home of the Future. Disponível em: <http://architecture.mit.edu/house_n/web/publications/articles/AU_June1-2000.pdf>

Acesso em 17 de junho de 2003

LÉVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993, 208p.

4 Tradução da autora: Estudos de mercado feitos pelo AARP Research, Roper Starch, entre outros, revelam que os boomers [geração baby boom - nascidos entre 1945 e 1965- em países como os estados Unidos] são consumidores sofisticados que querem escolher e personalizar soluções que refletem seus valores. São um grupo distinto que rejeita o modelo “one size fits all”. Querem casas que possam acomodar atividades familiares e padrões de trabalho crescentemente complexos. Querem ambientes que possam se adaptar continuamente com facilidade assim como as situações família/finanças/saúde mudam. Querem que suas casas os ajudem a tornarem-se mais produtivos, conectados, saudáveis e independentes assim como a mobilidade na intimidade. Eles têm expectativa sempre crescente em relação aos produtos que compram e querem ter certeza de que estes agregam valor a seu patrimônio. Esperam ampla divulgação e informação imediata.Querem materiais que requeiram baixa manutenção, sistemas que podem ser atualizados sem danos, e casa que possam rapidamente aceitar novas tecnologias e serviços. É difícil encontrar algum desses atributos no padrão genérico, massificado e low-tech oferecido pela casa especulativa”.

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LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Tradução de Paulo Neves. 1. ed. São Paulo: Ed. 34, 1996, 160p. Discutindo a respeito da natureza do virtual, o autor coloca a virtualização como algo nem bom, nem mal, nem neutro.

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